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Livro sobre biomenitoramento IBAMA
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Monitoramento in situ da biodiversidadeUma proposta para a composio de um Sistema Brasileiro de Monitoramento da Biodiversidade
REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
PresidentaDilma Rousseff
Vice-PresidenteMichel Temer
MINISTRIO DO MEIO AMBIENTE
MinistraIzabella Mnica Teixeira
Secretrio de Biodiversidade e FlorestasRoberto Brando Cavalcanti
INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAO DA BIODIVERSIDADE
PresidenteRoberto Ricardo Vizentin
Diretor de Pesquisa, Avaliao e Monitoramento da BiodiversidadeMarcelo Marcelino de Oliveira
Coordenadora Geral de Pesquisa e MonitoramentoKtia Torres Ribeiro
Coordenador de Monitoramento da Conservao da BiodiversidadeArthur Brant Pereira
INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAO DA BIODIVERSIDADE
Diretoria de Pesquisa, Avaliao e Monitoramento da BiodiversidadeCoordenao Geral de Pesquisa e Monitoramento
EQSW 103/104 Ccentro Administrativo Setor Sudoeste bloco D 2 andar CEP: 70670-350 Braslia/DFTel: 61 3341-9090 fax: 61 3341-9068
www.icmbio.gov.br
COORDENAO EDITORIALArthur Brant Pereira, Marcio Uehara-Prado
AUTORESRaul Costa Pereira, Fabio de Oliveira Roque, Pedro de Araujo Lima Constantino, Jos Sabino, Marcio Uehara-Prado.
COLABORAO NOS TEXTOS E ACOMPANHAMENTO DO ESTUDOArthur Brant Pereira, Felix Steinmeyer, Jan Kleine Bning, Marlia Marques Guimares Marini, Onildo Joo Marini Filho, Rafael Lus Fonseca, Rosemary de Jesus Oliveira.
M744 Monitoramento in situ da biodiversidade: Proposta para um Sistema Brasileiro de Monitoramento da Biodiversidade/Raul Costa Pereira, Fabio de Oliveira Roque, Pedro de Araujo Lima Constantino, Jos Sabino, Marcio Uehara-Prado. -Braslia/DF: ICMBio, 2013, 61p. 22,5cm
ISBN 978-85-65872-04-1
1.Biodiversidade, 2. Monitoramento, 3. Indicadores Biolgicos, 4.Unidades de Conservao, 5. Efetividade de Conservao. I. Pereira, Raul Costa. II. Roque, Fabio de Oliveira. III. Constantino, Pedro de Araujo Lima. IV. Sabino, Jos. V. Uehara-Prado, Marcio.
CDU 574.1 (81) (2.ed)
Monitoramento in situ da biodiversidadeU m a p r o p o s t a p a r a a c o m p o s i o d e u m S i s t e m a B r a s i l e i r o d e M o n i t o r a m e n t o d a B i o d i v e r s i d a d e
Braslia 2013
Apresentao do Diretor Marcelo Marcelino (ICMBio)
02
Marcelo Marcelino de OliveiraDiretor de Pesquisa, Avaliao e Monitoramento da Biodiversidade do ICMBio
O atual momento do Brasil impe um grande
desafio para a conservao biodiversidade. O Pas cresce
e, mesmo com a volatilidade momentnea no seu ritmo de
desenvolvimento, expande os projetos de empreendimentos
que no raro representam severas intervenes a ambientes
naturais at ento pouco ou nada alterados. Intervenes
que podem tornar-se verdadeiros desastres se associadas
s mudanas climticas sobre as quais pouco se sabe.
O desafio imposto no abrir trincheiras em torno
das reas naturais, mas buscar uma difcil compatibilizao
entre o avano das atividades econmicas e a manuteno
do patrimnio de biodiversidade. No h outro meio de
obter esta compatibilizao que no pela busca sistemtica
do conhecimento qualificado que reduza as incertezas
e aponte os caminhos para a viabilidade ambiental do
desenvolvimento do Pas.
O mundo vive a era do conhecimento em
que conceitos como a gesto de informaes e de
conhecimentos norteiam a estruturao do trabalho nas
grandes organizaes para a gerao e o uso competente
da informao. Prolifera uma grande diversidade de
registros do estado da natureza, dados, assim como
poderosas ferramentas tecnolgicas que possibilitam seu
ordenamento, acessibilidade e aplicabilidade. Neste mundo
no h mais como fazer a conservao sem recorrer s
ferramentas de gerao e aplicao do conhecimento
e com elas enfrentar a tomada de decises estratgicas
que podem tanto representar a conservao de ambientes
naturais quanto o seu uso irrestrito.
Em geral, tais decises so carentes de respostas a
questes nada simples e o conhecimento necessrio ou no
existe ou no est acessvel, o que na prtica representa
a mesma coisa, a indisponibilidade. Esta publicao tem
a audaciosa ambio de entender o monitoramento como
parte integrante do prottipo de uma nova ferramenta
para a gerao, o ordenamento e o acesso informao
altamente qualificada sobre as unidades de conservao e
a biodiversidade. Um instrumento de fora que no apenas
traga tona o conhecimento necessrio para lidar com
este novo mundo, este novo Brasil, e os seus desafios,
mas tambm proporcione a inovao na forma de fazer
conservao.
03
A biodiversidade tem papel central para a espcie humana.
Animais, plantas e microrganismos fornecem alimentos, medicamentos
e matrias-primas, e so nossa conexo mais evidente com a natureza.
Os recursos genticos contidos nas espcies prometem desempenhar
um papel crescente no desenvolvimento e, cada vez mais, nos conferem
bem-estar. Dependemos diretamente desses servios ambientais
fornecidos pela biodiversidade. Embora outros servios no sejam
to perceptveis, ainda assim so essenciais ao nosso modo de vida,
principalmente a polinizao, ciclagem de nutrientes, armazenamento
de carbono e regulao das condies climticas.
A conservao e o uso sustentvel da biodiversidade deixaram
de ser um tema restrito ao meio acadmico e ao governo. Em meio
destruio vertiginosa de recursos naturais, o mundo reage e se
organiza para conter o processo de perda de biodiversidade global. Ao
promover relaes mais harmnicas com os recursos vivos da Terra,
o uso sustentvel da biodiversidade forma a base de uma poderosa
racionalidade econmica e refora nossos vnculos ticos, culturais e
cientficos com o mundo natural.
0504
O que biodiversidade?Diversidade biolgica ou de maneira sinttica biodiversidade a variedade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo animais, plantas e microrganismos. O termo surgiu no final dos anos 1980 e resultado da contrao das expresses bio (= vida) e diversidade (= variedade). Alm da variedade de espcies, a definio inclui a diversidade genticae o papel que cada organismo tem nos ecossistemas, e a prpria diversidade de ecossistemas, sejam eles terrestres,
aquticos ou marinhos.1
0706
O que so servios ambientais?
Servios ambientais ou ecossistmicos so
benefcios que as pessoas obtm da biodiversidade. Incluem
vrias categorias de benefcios em diversos setores.
Os servios ambientais podem ser divididos em
quatro tipos principais: i) Servios de proviso (alimentos,
madeira, fibras, leos essenciais, recursos genticos); ii)
Servios de regulao (purificao da gua, controle do
clima, polinizao); iii) Servios culturais (recreao, crenas
religiosas, atividades sociais); e iv) Servios de suporte
(ciclagem de nutrientes, produo primria).2
Alteraes ambientais podem influenciar
negativamente nos servios ecossistmicos e comprometer o
bem-estar humano, a sade, as relaes sociais e a cultura.
0908
O que so presses antrpicas?
So atividades humanas
potencialmente impactantes a
ecossistemas naturais, que pode levar
perda de biodiversidade. Alguns dos
exemplos mais claros de presses
antrpicas para os ecossistemas
brasileiros so o desmatamento,
queimadas e poluio de corpos
dgua. Outras presses so menos
marcantes, mas podem ser igualmente
alarmantes biodiversidade, como
a caa, a explorao excessiva de
recursos naturais e a introduo de
espcies exticas.3
A atividade humana tem degradado diferentes
ecossistemas naturais da Terra. Como resultado dessas
aes, um crescente consenso cientfico aponta que nos
confrontamos com uma perda de espcies em taxas nunca
registradas no planeta. Pior: estamos perdendo justamente
as espcies sobre as quais pouco ou nada sabemos.
Pode parecer alarmista em um primeiro momento, mas
a extino de uma espcie um evento irreversvel, que
apaga definitivamente uma histria evolutiva nica e
que pode colapsar as redes de interao que mantm o
funcionamento saudvel dos ecossistemas.
A perda de hbitats e extino de espcies no so
as nicas ameaas biodiversidade. Os servios ambientais
vitais para a manuteno da natureza tambm esto
ameaados. Presses antrpicas sobre os ecossistemas
alteram o balano das interaes biolgicas do mundo
natural, muitas vezes levando perda de processos como
polinizao, estabilizao do clima, proteo do solo ou
purificao da gua.
Assim, igualmente importante reduo da
perda de biodiversidade, preservar os processos naturais
vital para o bem-estar humano. Claramente, a gesto de
espcies e de ecossistemas em conjunto a forma mais
eficaz e racional de abordar o problema.
Essa complexa questo tornou-se um dos grandes
desafios do milnio e tem justificado os vigorosos esforos
para a proteo da biodiversidade em escala planetria. Nas
ltimas dcadas, o tema gerou grande mobilizao poltica,
social e econmica em diferentes naes do mundo. O Brasil
um pas protagonista nessa rea. Somos signatrios de
diversos acordos internacionais como a Conveno sobre
Diversidade Biolgica da ONU. Temos, ainda, uma Poltica
Nacional voltada para a biodiversidade que promove aes
conjuntas entre o Poder Pblico e a sociedade civil, por
meio do Programa Nacional de Biodiversidade-PRONABIO.
Presses Antrpicas
1110
Mudanas climticas afetam a biodiversidade
As conexes entre o clima e os organismos so
evidentes e bem estabelecidas pela cincia. Interaes
complexas entre o sol, os oceanos, os continentes, o
eixo de inclinao da Terra, as grandes reas florestais e
a atmosfera modulam o clima e criam condies para o
estabelecimento ou ausncia da vida. Assim, de acordo
com a temperatura, a luminosidade, a umidade e o regime
de chuvas, entre outros fatores, plantas e animais se
distribuem de maneira a produzir padres biogeogrficos.
Informaes da Geologia e da Paleontologia
mostram, ainda, que ao longo da histria da vida no planeta
o clima sempre mudou e afetou a ocorrncia das espcies.
Nos ltimos 150 anos, a composio da atmosfera est
mudando drasticamente, com aumento dos chamados
gases do efeito estufa. Mudanas de concentrao de
certos gases, como o expressivo aumento de CO2, aquecem
a atmosfera e causam alteraes em escala planetria.
A rpida alterao climtica afeta os ecossistemas e as
espcies. Incapazes de adaptar-se s novas condies, tm
suas populaes reduzidas ou mesmo se extinguem, o que
implica na perda de biodiversidade4.
Como o clima est mudando, so previstas
alteraes na composio e distribuio dos organismos,
que podem ser detectadas por meio de monitoramento
da biodiversidade. O Painel Internacional de Mudanas
Climticas (IPCC) desenhou as consequncias das mudanas
climticas na diversidade biolgica: Com um aumento da
temperatura mdia global de 1,5 a 2,5C, previsto que
de 20 a 30% das espcies de animais e plantas entrem
em estado de ameaa de extino. Com um aumento da
temperatura de mais de 4C poderiam desaparecer bem
mais do que 40% de todas as espcies conhecidas.5 Algumas
espcies so mais sensveis s alteraes climticas. No
ltimo sculo, animais e plantas responderam de diferentes
maneiras s variaes do clima: plantas perderam folhas
mais cedo, aves migraram em perodos distintos aos
1312
Biodiversidade da ONU indica que j existe perda de
diversidade derivada das mudanas climticas. O texto
assinala que as ameaas sero cada vez mais expressivas
nas prximas dcadas. O documento aponta, ainda, como
as mudanas climticas globais afetaro os ecossistemas e
alerta que as tendncias atuais nos levaro para uma srie
de pontos de ruptura, ao reduzir de maneira alarmante
a capacidade dos ambientes de prestarem os servios
ecossistmicos.
Mudanas em cadeias alimentares das quais
dependemos, impactos nos processos de purificao
da gua, diminuio ou mesmo desaparecimento de
organismos provedores de medicamentos, e aumento de
populaes de pragas ou vetores de doenas sintetizam
algumas das presses que as alteraes climticas nos
causaro. Alm de temperaturas mais quentes, eventos
climticos extremos mais frequentes e alteraes nos
padres de chuva e de seca podem vir a ter impactos
marcantes, tanto para a biodiversidade como para o
homem. De acordo com o quarto relatrio do IPCC, a partir
de 2050 as mudanas climticas e os seus efeitos sero o
fator global mais importante da perda da biodiversidade e
de servios ecossistmicos.7
Portanto, monitorar a biodiversidade fundamental
para entender e moderar a extenso das mudanas
climticas e reduzir seus impactos negativos. Com aes
balizadas pelo monitoramento, possvel criar estratgias
para atenuar as presses sobre os ecossistemas. Tais
mecanismos podem ajudar a reduzir tambm as ameaas
espcie humana.
padres anteriores e espcies se
moveram para mais perto dos
polos ou para maiores altitudes.
Alguns ecossistemas, como as
florestas pluviais, a tundra e
os recifes de corais, so mais
sensveis ao aquecimento e as
espcies desses ambientes so
mais suscetveis.6
A um s tempo frgil
e fascinante, o urso polar
tornou-se a espcie-bandeira
das mudanas climticas
globais. Entretanto, h muitos
outros grupos ameaados pelas
mudanas climticas, como os
primatas e os anfbios (sapos,
rs, pererecas e salamandras).
O 3 Panorama Global da
1514
Acordos internacionais para manuteno da biodiversidade
Reduzir consideravelmente a perda da biodiversidade um dos
maiores desafios da humanidade e promove grande mobilizao poltica e social
em diferentes naes. Representantes de governos, cientistas e lideranas
sociais tm se reunido regularmente em fruns multilaterais para discutir
estratgias planetrias para conciliar o desenvolvimento socioeconmico com
a conservao e proteo dos ecossistemas.
O primeiro grande encontro mundial para debater a conservao da
natureza foi a Conferncia de Estocolmo em 1972. Desde ento, a partir da
crescente preocupao com a biodiversidade, muitos outros encontros mundiais
vieram, incluindo a Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente e
o Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro em 1992, tambm conhecida
como Rio-92. Atualmente, o Brasil signatrio de diversas convenes
internacionais (por exemplo: Conveno de Diversidade Biolgica da ONU,
Conveno do Clima) e de aes decorrentes (como Protocolo de Nagoya,
Metas de Aichi), e tem se destacado por assumir um papel de liderana em
vrias dessas iniciativas.
Para o Secretrio Geral das Naes Unidas, Ban Ki-moon, essencial
que os desafios relacionados biodiversidade e s mudanas climticas
sejam abordados de forma coordenada e com a mesma prioridade.
1716
Muitos ecossistemas do mundo esto expostos a
grandes ameaas. consenso que nenhum sistema natural
dos vastos oceanos s geladas reas polares, passando
pelas florestas tropicais e zonas ridas encontra-se
a salvo das presses humanas, inclusive de mudanas
climticas. Para opor-se a essa ampla crise ambiental,
foras polticas e lideranas cientficas tm se aliado para
implantar programas de conservao.
Desse esforo, surgem alianas dedicadas ao
aprimoramento de estratgias para conservao e uso
sustentvel da biodiversidade. Polticas de desenvolvimento
sustentvel, fomento economia verde e ajustes ao padro
de consumo parecem nos dar alguma esperana de que a
vida no planeta no entrar em colapso.
A implantao de reas protegidas uma
das estratgias mais eficientes para a conservao da
Contudo, alm dos esforos para que as UCs
funcionem verdadeiramente para a conservao da
biodiversidade em escala nacional, a gesto local dessas
reas deve garantir a conservao da biodiversidade e
dos processos ecolgicos naturais em escala regional.
Nesse sentido, monitorar a integridade da biodiversidade
local (in situ) em Unidades de Conservao (UCs) ao longo
do tempo essencial para a tomada de deciso em uma
gesto em nivel local, regional e nacional.
biodiversidade. Quando se trata de proteo de reas
naturais e defesa de vida silvestre, o Brasil tem posio de
destaque no cenrio mundial. Perto de 17% do territrio
continental brasileiro est protegido em Unidades de
Conservao (UCs) e cerca de 13% em Terras Indgenas
(TIs). Essa rede de reas protegidas totaliza 312 unidades
federais, 623 estaduais, 148 municipais, 681 Reservas
Particulares do Patrimnio Natural (RPPNs) e 688 Terras
Indgenas.8
Como proteger a biodiversidade - reas protegidas como estratgia de conservao
1918
Existem vrias definies de monitoramento da
biodiversidade. Algumas so estritamente ecolgicas,
outras tm forte componente aplicado gesto. Se bem
projetado e aplicado, o monitoramento uma poderosa
ferramenta para a gesto da rea protegida. Seus dados
e informaes ajudam a detectar problemas e permitem
reaes em fase precoce, quando solues ainda podem
ser relativamente baratas. Detectar, antecipar e reagir so
palavras-chave para nortear o processo de monitoramento.
A proposta aqui apresentada, para um Sistema
Brasileiro de Monitoramento da Biodiversidade, adota
o conceito-chave de monitoramento adaptativo. Tal
conceito busca conciliar a vertente ecolgica com o flanco
da gesto. Basicamente, o monitoramento adaptativo
definido como um sistema de monitoramento dinmico e
adaptvel a distintas situaes ou propostas, de modo a
no comprometer a integridade da srie temporal de dados.
Essa abordagem se estrutura, ainda, na crena de que os
gestores locais e sua rede de colaboradores so capazes de
aplicar o monitoramento com preciso e eficcia.
Monitoramento da biodiversidade
2120
Gesto por meio do monitoramento adaptativo da biodiversidade
O monitoramento adaptativo da biodiversidade
um sistema de gesto no qual o desenvolvimento das
etapas desde a elaborao de um modelo conceitual
at a tomada de decises est conectado por passos
interativos. O sistema de monitoramento adaptativo evolui
em resposta a novas informaes e desenvolvimento de
novos protocolos. Contudo, isso no deve distorcer ou
quebrar a continuidade e integridade da srie temporal
do monitoramento. Alm do aspecto tcnico, o sistema
de monitoramento adaptativo envolve o componente
poltico de gesto da biodiversidade, destacando a
participao democrtica com responsabilidades entre
as esferas pblicas e sociedade civil. Um sistema de
monitoramento bem arquitetado e implantado deve: (i)
produzir informaes sobre tendncias de aspectos-
chave da biodiversidade; (ii) alertar antecipadamente
sobre problemas que depois de estabelecidos podem ser
difceis ou muito caros de reverter; (iii) gerar evidncia
quantificvel sobre sucesso (por exemplo, recuperao
de espcies aps manejo) e insucesso de conservao;
(iv) destacar maneiras de tornar o manejo mais efetivo; e
(v) oferecer informao sobre o retorno do investimento
em conservao.9
Aplicaes do monitoramento adaptativo
O monitoramento adaptativo da biodiversidade gera
uma robusta base de dados sobre os indicadores biolgicos.
Com avaliaes peridicas, h o acmulo de informaes do
monitoramento, e possvel observar tendncias de variao
desses indicadores ao longo do tempo. Essa resposta
cronolgica dos indicadores a partir de dados biolgicos
o que permite inferncias sobre o estado da biodiversidade
nas reas protegidas.
Impactos das presses antrpicas na biodiversidade
tambm so detectados pelo monitoramento, que pode ter
uma face voltada para a percepo e alerta dessas
perturbaes. Por exemplo, os efeitos de muitas das presses
potenciais sobre a biodiversidade em reas protegidas
brasileiras como o desmatamento, a caa, a introduo
de espcies exticas e as mudanas climticas podem
ser de difcil percepo, s vezes notadas apenas quando
atingem nveis preocupantes de ameaa. A deteco tardia
dos problemas dificulta as aes de mitigao, tornando-
os irreversveis em alguns casos. De outro lado, tendo o
conhecimento da resposta dos indicadores, a srie de dados
fornecida por monitoramentos da biodiversidade permite
captar os efeitos progressivos das presses antrpicas sobre
a biota antes que estas atinjam nveis alarmantes. Esse
alerta rpido dos efeitos negativos sobre a biodiversidade
um forte aliado da gesto. Tal alerta permite a tomada de
deciso precisa para mitigar o problema de maneira gil e a
implantao de medidas de adaptao em diferentes escalas
(local, regional, nacional).
2322
Indicador biolgico
Um indicador biolgico um
componente (taxonmico ou
ecolgico) ou uma medida
de presses, estados e/ou
respostas da biodiversidade,
usado para descrever
ou avaliar condies e
mudanas ambientais ou
um conjunto de objetivos.
(Definio adaptada de Heink
U, Kowarik I.11)
Como monitorar a biodiversidade?
Como monitorar a biodiversidade de maneira vivel
e exequvel em reas protegidas de um pas megadiverso
como o Brasil? Nosso territrio comporta de 15 a 20% das
espcies de todo o planeta. Nesse contexto impossvel,
em termos logsticos, monitorar todas as espcies que
ocorrem em uma determinada rea protegida. H dcadas,
esse tema um desafio para cientistas, conservacionistas e
gestores na rea ambiental.
Um caminho comum que vem surgindo como
soluo mais racional e vivel em reservas ao redor de
toda a terra monitorar grupos especficos de animais e
plantas (taxonmicos ou ecolgicos) que respondam de
modo previsvel a alteraes ambientais. Grupos com tais
caractersticas so chamados de indicadores biolgicos.10
Ainda mais interessantes so aqueles indicadores
biolgicos que quando monitorados tm a capacidade de
representar outros grupos ou txons. Grupos de animais
ou plantas com esse potencial so chamados de grupos
substitutos (ou surrogates, em ingls). Nesse sentido,
a partir do monitoramento de um determinado grupo
substituto possvel inferir o estado de outros grupos da
biota em um determinado local, ou da biodiversidade como
um todo, se outros grupos substitutos complementares
forem monitorados.
2524
Integrando pessoas e biodiversidade: monitoramento participativo
A maior fonte de ameaas biodiversidade vem do conflito entre o
homem e a natureza. Nesse sentido, conciliar o desenvolvimento
humano com a conservao dos ecossistemas naturais
fundamental. Uma maneira eficaz de sensibilizar as pessoas sobre
a importncia da biodiversidade envolv-las em programas de
monitoramento. A participao no monitoramento promove a
insero da comunidade local no processo de gesto das reas
protegidas. Quanto maior o envolvimento das pessoas que moram
perto ou dentro das unidades de conservao, maior o potencial
de conservao da biodiversidade. Alm disso, a participao da
comunidade local em monitoramentos aperfeioa as amostragens,
aumentando consideravelmente o esforo amostral e a obteno
de dados sobre a biodiversidade.10
Monitorar apenas determinados grupos de
organismos com potencial de bioindicao e de substituio
torna, sem dvida, o monitoramento da biodiversidade mais
prtico e vivel em termos logsticos. Entretanto, ainda h
barreiras implantao de monitoramentos ambientais em
larga escala.
Para muitos animais e plantas consagrados como
indicadores em estudos ambientais, o monitoramento
eficaz depende de identificao taxonmica das espcies,
o que demanda por especialistas em taxonomia desses
grupos. Por exemplo, determinados grupos de insetos
so muito sensveis a alteraes ambientais alm de ser
simples e baratos de se amostrar, o que justificaria seu uso
como indicadores biolgicos. Entretanto, para que esses
insetos funcionem verdadeiramente como indicadores,
geralmente h a necessidade de identificao taxonmica
ao nvel de espcie, o que certamente exigiria o trabalho de
especialistas. Para contornar essa barreira, uma estratgia
selecionar indicadores que sejam de fcil e rpida
identificao, sem depender integralmente do trabalho de
especialistas.
Envolver pessoas nas atividades de monitoramento
um mecanismo que pode fortalecer a gesto das UCs
e promover a conservao da biodiversidade tanto por
sensibiliz-las sobre a importncia da conservao, quanto
por aperfeioar a amostragem de dados do monitoramento.
Ao selecionar indicadores biolgicos de fcil identificao
taxonmica e que faam parte do cotidiano daqueles que
vivem ou usam as UCs, o envolvimento da comunidade no
monitoramento da biodiversidade facilitado.
Iniciativas de monitoramento participativo em
diversos pases obtiveram resultados expressivos para a
conservao da biodiversidade. Por exemplo, em pases da
Europa e Amrica do Norte, h uma extensa srie de dados
sobre presena e localizao de
aves e borboletas coletadas por
cidados no-especialistas, e que
alimentam slidas bases de dados
para a tomada de deciso sobre
a conservao desses grupos. Na
Amrica do Sul, frica e sia, o
envolvimento de comunidades
rurais no monitoramento
gera o empoderamento local,
alm de promover tomada de
decises mais eficientes para a
conservao.
Monitoramento participativo: envolvendo a comunidade
2726
Figura 1. Trs caractersticas de um bom indicador biolgico para monitoramento da biodiversidade.
Implantao
(c) Racionalidade
DesempenhoImplantao
(a) Racionalidade
Desempenho Implantao
(b) Racionalidade
Desempenho
O que so bons indicadores biolgicos?
Grupos considerados bons indicadores em um
sistema de monitoramento da biodiversidade
devem apresentar as seguintes caractersticas: i)
alta racionalidade o grupo deve ser sensvel
a alteraes ecolgicas do ambiente, alm
de ser bom representante de outros grupos
tambm sensveis a essas alteraes; ii)
alto desempenho ter potencial de aplicao
como indicador em diferentes situaes,
p. ex. em diferentes biomas, ou seja, estar
bem representado em ampla escala, alm de
fornecer indicao confivel e segura; e iii)
alta possibilidade de implantao ser de
fcil mensurao e acompanhamento, ou seja,
ser vivel econmica e logisticamente. Assim,
os conceitos de racionalidade, desempenho e
implantao so os trs pilares que sustentam
um bom indicador biolgico (Figuras 1 e 2).
Com o propsito de trazer o
monitoramento da biodiversidade
para a realidade das reas protegidas
do Brasil, apresentamos a seguir
o conjunto mnimo de indicadores
biolgicos selecionados para a
composio de um Sistema Brasileiro
de Monitoramento da Biodiversidade.
Trata-se de uma proposta de
indicadores com perfis mais
abrangentes em termos de escalas,
que no exclui a possibilidade de
incluir outros indicadores biolgicos,
selecionados de acordo com a
necessidade e possibilidade de cada
rea protegida.
Racionalidade- Potencial de resposta a
diferentes impactos humanos- Potencial para avaliar
funes ecolgicas
Implantao- Baixos custos de
amostragem e identificao- Amostragem simples
Desempenho- Aplicvel em larga escala (diferentes UCs, biomas)
- Indicao prtica e confivel de impactos
antrpicos
Figura 2. Esquemas ilustrando a interao entre as trs caractersticas que sustentam um bom indicador biolgico para monitoramento da biodiversidade. Um indicador ideal para o monitoramento da biodiversidade deve ter alta racionalidade, desempenho e implantao (a), enquanto indicadores inviveis so fracos nesses trs quesitos (b), uma situao comum na prtica so indicadores
com alta racionalidade e desempenho, mas com baixa implantao (c). Exemplos comuns dessa situao so aqueles indicadores biolgicos que fornecem resultados precisos e teis gesto durante o monitoramento da biodiversidade, mas que demandam por equipamentos com alto custo de aquisio e manuteno para sua amostragem, o que muitas vezes inviabiliza sua implantao.
3130
iniciativas de monitoramento
Oficinas comespecialistas
Indicadores biolgicos
Reviso daliteraturacientfica
Racionalidade
Desempenho
Implementao
A seleo de indicadores um passo essencial
funcionalidade do monitoramento. Para compor um
Sistema Brasileiro de Monitoramento da Biodiversidade
seguindo os princpios de racionalidade, desempenho
e implantao os indicadores foram listados por trs
vias: i) consulta a especialistas em diferentes grupos
taxonmicos em oficinas realizadas para trs biomas
(Amaznia, Cerrado e Mata Atlntica); ii) levantamento
de quais grupos so os mais consagrados em iniciativas
internacionais de monitoramento da biodiversidade; iii)
levantamento de quais grupos de indicadores so os mais
relatados na literatura cientfica sobre monitoramento,
com nfase em grupos substitutos (surrogates). Em todas
as fases foi considerada a sensibilidade dos grupos
mudanas climticas.
Como resultado desse processo, uma extensa lista
de potenciais indicadores foi compilada. Considerando
as caractersticas de racionalidade, desempenho e
implantao, essa lista foi refinada por meio de um
processo criterioso de seleo, at a obteno de um
conjunto mnimo de indicadores biolgicos praticveis em
monitoramentos, viveis e teis gesto (Figura 3).
Figura 3. Esquema ilustrando o mtodo de seleo dos indicadores biolgicos. Os potenciais indicadores foram eleitos por trs fontes distintas: i) oficinas com especialistas em diferentes grupos taxonmicos; ii) reviso das iniciativas globais de biomonitoramento; e iii) reviso de literatura cientfica sobre monitoramento da biodiversidade, indicadores ecolgicos e substitutos. Ento, essa lista de potenciais indicadores passou por um criterioso processo de seleo baseado em suas caractersticas de racionalidade, desempenho e implantao. Os indicadores melhores colocados foram selecionados para a proposta de um Sistema Brasileiro de Monitoramento da Biodiversidade.
Como escolher indicadores biolgicos para avaliar a efetividade de conservao?
3332
Como mensurar os indicadores biolgicos para o monitoramento?
To complexo quanto selecionar quais indicadores
biolgicos so eficazes e viveis em monitoramentos
de biodiversidade, selecionar quais medidas tomar
desses indicadores para que reflitam as tendncias da
biodiversidade. Por exemplo, podemos usar mtricas
simples como a presena de uma espcie focal em uma
dada localidade, o que demanda a identificao apenas
dessa determinada espcie. Outras mtricas so mais
dificeis de se obter, como aquelas que demandam a
identificao e contagem de todas as espcies de um
determinado grupo taxonmico. Alm disso, ainda h
empecilhos metodolgicos. Alguns grupos so visualmente
conspcuos e podem ser amostrados simplesmente por
contagem do nmero de indivduos avistados, como
mutuns, araras, tamandus e antas. Por outro lado, alguns
grupos de animais demandam armadilhas especficas para
sua amostragem, que podem ser caras e difceis de manter
por longo tempo. Portanto, alm da seleo de indicadores
biolgicos, a seleo de mtricas tambm um processo
essencial para o monitoramento da biodiversidade.
evidente que entre as muitas unidades de
conservao no Brasil temos cenrios distintos, tanto em
termos da biodiversidade quanto de gesto. Por exemplo,
h realidades distintas na captao de recursos, na
categoria da UC e nos recursos humanos envolvidos. Assim,
o processo de seleo das mtricas considerou o potencial
de aplicabilidade do monitoramento para realidades
distintas, mesmo as mais precrias, buscando resultados
acurados e teis gesto. Nesse contexto, a proposta para
um Sistema Brasileiro de Monitoramento da Biodiversidade
deve ter o carter de modularidade. Esse princpio garante
um protocolo mnimo para monitoramento de grupos focais
de indicadores biolgicos, mas que pode ser ampliado para
outras caractersticas mais especficas de acordo com a
realidade de cada rea protegida. Alm do mdulo mnimo
de monitoramento, diferentes unidades podem ter outros
mdulos de monitoramento (Figura 4), ou
seja, outros indicadores ou mtricas de
acordo com o seu contexto local e propsitos
especficos de monitoramento.
3534
Figura 4. Modularidade na implantao do monitoramento da biodiversidade para os quatro grupos de indicadores biolgicos selecionados. Os crculos mais prximos ao indicador (cor mais forte) compem o mdulo mnimo para o monitoramento, o mais exequvel e vivel do ponto de vista logstico. Os demais crculos (indicados por cores mais claras) so mdulos adicionais que podem complementar o monitoramento da biodiversidade e fornecer dados mais refinados ao monitoramento.
Comunidade
Espcies selecionadas localmente Biomassa
Plantaslenhosas
Mamferos de mdio e grande
porte
Borboletasfrugvoras
Grupos selecionados de
Aves
Mdulo bsico de monitoramento
Mdulo bsico de monitoramento
Mas afinal, quais so os indicadores selecionados?
O processo de seleo de indicadores e suas
respectivas mtricas para o monitoramento
resultou em quatro principais grupos de
indicadores biolgicos: plantas arbreas,
grupos selecionados de aves, mamferos
de mdio e grande porte e borboletas
frugvoras. A seguir, apresentamos as
caractersticas que esses grupos tm que os
tornam vantajosos na implantao de um
Sistema Brasileiro de Monitoramento da
Biodiversidade com base nos princpios que
nortearam o processo de seleo.
Comunidade
Espcies selecionadas localmente
Tribos
ComunidadeEspcies
selecionadas localmente
Cracdeos e Tinamdeos
Espcies selecionadas localmente
Noturnos e crpticos
Diurnos
3736
Plantas lenhosasPorque so bons indicadores?
As plantas lenhosas constituem um timo indicador
biolgico considerando os trs critrios norteadores:
racionalidade, desempenho e implantao. Geralmente, o
monitoramento da vegetao no envolve grandes esforos
metodolgicos e pode fornecer dados teis gesto,
visto que refletem presses em diversas escalas. Por
exemplo, uma das mtricas amplamente empregadas em
monitoramentos da biodiversidade de plantas a biomassa
vegetal lenhosa. Essa mtrica pode refletir indiretamente a
complexidade do ambiente, de modo que ambientes naturais
mais complexos teriam maior biomassa e poderiam ter
condies adequadas para maior diversidade de espcies.
Alm disso, a biomassa vegetal tambm um indicativo
da quantidade de carbono fixado em uma determinada
rea importante para o sequestro e armazenamento de
carbono atmosfrico no contexto de mudanas climticas
globais. O mtodo selecionado para mensurar a biomassa
vegetal envolve apenas a medio do dimetro e altura
das plantas lenhosas em um determinado tamanho de
parcela, independente da taxonomia das espcies. Dessa
maneira, a amostragem no demanda grandes esforos
em campo e em capacitao, ressaltando o alto potencial
de implantao desse grupo de indicador.
Alm do mdulo mnimo biomassa vegetal ,
mdulos adicionais podem ser bem-vindos, como o
monitoramento de espcies-alvo ou mesmo da comunidade
(ou seja, o conjunto das diferentes espcies de plantas
lenhosas) (Figura 4). Um bom exemplo para a implantao
do mdulo adicional de monitoramento de espcies
selecionadas so as UCs de uso sustentvel, nas quais
espcies vegetais so exploradas como recursos naturais
por populaes humanas locais. Aqui o monitoramento
3938
da dinmica de populaes dessas espcies pode ser uma
ferramenta importante para a gesto, visto que pode
subsidiar a manuteno sustentvel das atividades de
explorao pela comunidade local.
Outra caracterstica que torna as plantas
importantes como indicadores biolgicos o seu elevado
potencial como grupo substituto (surrogate). Como so
componentes estruturantes do ambiente, espcies vegetais
fornecem micro-hbitats e alimentos para muitas espcies.
Dessa maneira, a vegetao est diretamente associada
com muitos outros grupos da biota. Esse potencial de
substituio foi confirmado por meio de reviso da
literatura cientfica, que evidenciou que o monitoramento
de plantas permite inferncias sobre uma expressiva
parcela da biodiversidade.
4140
Aves - grupos selecionadosPorque so bons indicadores?
Segundo o Livro Vermelho da Fauna Brasileira
Ameaada de Extino cerca de 10% das aves brasileiras
esto ameaadas, o que faz do Brasil o pas com maior
nmero de espcies de aves em risco de extino. As
principais presses que afetam negativamente as aves
so o desmatamento e a fragmentao de hbitats. Essa
sensibilidade s alteraes no hbitat credencia as aves como
um grupo de grande valor para indicao biolgica. Para a
proposta de um Sistema Brasileiro de Monitoramento da
Biodiversidade, o mdulo bsico de amostragem inclui dois
grupos importantes da ornitofauna: os cracdeos (mutuns)
e tinamdeos (macucos), ambos so aves cinegticas (alvo
de atividades de caa). Aves localmente selecionadas e a
comunidade de aves podem ser includos nos mdulos
adicionais.
Muitos grupos de aves so popularmente
conhecidos e, em geral, facilmente identificveis. Alm disso,
existem guias ilustrados e com fotos de diversos biomas
brasileiros, que facilitam a identificao das aves avistadas
em campo, e diminui a dependncia de especialistas em
taxonomia para o monitoramento. Outra vantagem que
a amostragem em campo para alguns grupos pode ser
realizada por avistamento, independentemente da aquisio
de equipamentos, armadilhas ou manuseio dos animais.
Aves cinegticas compem um grupo utilizado
em monitoramentos, especialmente em locais onde h
uso de recursos naturais por populaes humanas locais.
Em geral, espcies cinegticas pertencem s famlias
Tinamidae, Cracidae, Columbidae e Anatidae. Muitas
delas, so aves grandes, com voo limitado e que nidificam
no cho. Essas caractersticas biolgicas as tornam alvo
fcil para caadores, e em geral as aves cinegticas so
rapidamente eliminadas de localidades sujeitas presso
de caa. Muitas dessas aves esto ameaadas de extino
4342
no Brasil, como os macucos (gnero Tinamus) e mutuns
(gnero Crax). Por esses motivos, monitorar a ocorrncia e
abundncia de aves cinegticas pode fornecer informaes
importantes sobre potenciais presses de caa dentro dos
limites de reas protegidas.
Um exemplo de aves que podem ser selecionadas
localmente so os psitacdeos. Araras, papagaios e periquitos
so bons indicadores biolgicos porque dependem de
grande oferta de frutos para alimentao e de stios
especficos para reproduo, como ocos de determinadas
espcies de rvores. Alm disso, so de fcil amostragem,
porque tm cores vistosas e vocalizao caracterstica.
O monitoramento de psitacdeos se torna ainda mais
importante quando consideramos que 16 espcies desse
grupo esto ameaadas de extino no Brasil.
Outro grupo de aves que pode ser selecionado
para o monitoramento o das espcies localmente
comuns. Monitorar espcies comuns e abundantes em
hbitats pode fornecer informaes importantes. Espcies
comuns contribuem com a maior parcela da biomassa de
teias trficas, sendo fundamentais para o funcionamento e
equilbrio dos ecossistemas. Alm disso, a incluso de aves
comuns atribui um carter regional ao monitoramento
de cada UC, permitindo inferncias especficas gesto e
manejo local.
Alm das vantagens especficas de cada um dos
grupos de aves selecionados, um facilitador comum a esses
trs grupos que todos so bem conhecidos popularmente.
Isso possibilita a implantao de um modelo participativo
no monitoramento de aves com o auxlio de comunidades
locais envolvidas nas atividades da UC.
Mtricas adicionais podem ser incorporadas ao
monitoramento de aves, de acordo com o contexto de cada
rea protegida. Por exemplo, incluir mdulos adicionais
como a abundncia de espcies selecionadas (tais como
espcies endmicas ou ameaadas), subsidiando dados
importantes gesto.
4544
Mamferos de mdio e grande portePor que so bons indicadores?
O Brasil tem a maior riqueza de mamferos do
mundo, com mais de 530 espcies descritas e grande
nmero de endemismos. Cerca de 15% dessas espcies
encontram-se ameaadas. As presses antrpicas mais
associadas a essa ameaa so a perda e fragmentao de
hbitats, mas a caa e os atropelamentos tambm causam
diminuies expressivas em populaes de mamferos.
No monitoramento in situ da biodiversidade, muitos
mamferos de mdio e grande porte so considerados bons
indicadores de qualidade de hbitat em ampla escala, uma
vez que necessitam manter extensos territrios de reas
naturais contnuas para alimentao e reproduo. Por
exemplo, a rea de vida de onas-pintadas no Cerrado do
Brasil Central pode chegar a 265 km2 (www.jaguar.org.br).
Muitas vezes, presso antrpica de fragmentao em reas
contnuas divide o hbitat em unidades menores que as
necessrias para a sobrevivncia de mamferos mdios e
grandes. Alm disso, algumas espcies de mamferos servem
como reservatrio de agentes infecciosos, ressaltando a
importncia desse grupo em questes de interao com a
comunidade local e sade pblica. Mamferos tm, ainda,
grande variabilidade alimentar com espcies estritamente
herbvoras at outras carnvoras e predadores de topo
participando assim do fluxo de energia em vrios nveis da
cadeia trfica e do equilbrio dinmico das teias alimentares.
Vale lembrar, muitas espcies de mamferos so
consideradas espcies-bandeira, carismticas e contam
com a simpatia popular. Esse carter ajuda na sensibilizao
sobre a importncia dos monitoramentos e na captao de
recursos para a conservao da biodiversidade.
Quanto implantao, o mdulo bsico de
amostragem simples e bastante vivel. Em geral,
4746
mamferos de mdio e grande porte so bem conhecidos
popularmente e muitos deles so de fcil identificao visual
ou por pegadas. Guias e fotos podem auxiliar na identificao
dos indivduos avistados, diminuindo a dependncia de
especialistas no processo de amostragem. Um exemplo
aplicvel a isso o caso dos mamferos cinegticos, que
so um grupo ameaado em vrios biomas brasileiros. O
monitoramento das populaes de espcies cinegticas
importante para sua conservao em UCs que enfrentam
presses de caa. Esse conhecimento das populaes locais
sugere a possibilidade de implantao de um modelo
participativo no monitoramento de mamferos de mdio e
grande porte, especialmente aqueles cinegticos.
Alm do mdulo bsico de monitoramento
de mamferos por avistamento, o carter modular da
proposta de um Sistema Brasileiro de Monitoramento
da Biodiversidade permitiria a incluso de mtricas
adicionais que podem complementar a base de dados
biolgicos, de acordo com os propsitos de gesto de
cada unidade de conservao. Adicionalmente, mtricas
de comunidade podem fornecer importantes resultados
sobre o funcionamento e diversidade de mamferos nos
ecossistemas da UC.
4948
Borboletas frugvorasPorque so bons indicadores?
Especificamente para a regio tropical, o grupo das
borboletas frugvoras considerado um timo bioindicador
de alteraes ambientais. Borboletas so sensveis a
alteraes do ambiente, porque dependem de micro-
hbitats especficos e de recursos adequados para sua
sobrevivncia. Muitas espcies so estritamente associadas
a determinadas condies presentes em hbitats mais
conservados, enquanto outras so associadas a reas
perturbadas. Assim, alteraes na qualidade de hbitat
causadas, por exemplo, por desmatamento, queimadas
e mudanas climticas atuam nas populaes de
borboletas e podem ser captadas pela srie de dados do
monitoramento ambiental.
Outra caracterstica biolgica que as tornam
teis em biomonitoramentos, que borboletas frugvoras
tm ciclo de vida curto. Dessa maneira, alteraes
ambientais causam, em curto intervalo de tempo,
mudanas nas populaes de borboletas que podem ser
percebidas rapidamente ao longo do monitoramento. Essa
possibilidade de rpida percepo de mudanas por meio do
monitoramento in situ de borboletas frugvoras possibilita
a definio de medidas mitigadoras do problema, antes que
outros componentes da biota sejam afetados.
Em questo de implantao, borboletas frugvoras
compem um dos grupos com maior potencial. A
amostragem em campo depende de armadilhas simples e
de fcil confeco e manuteno. O uso de armadilhas tem
a vantagem adicional de minimizar o efeito do coletor nos
dados. Outra grande vantagem que a mtrica selecionada
no monitoramento de borboletas frugvoras a proporo
5150
de tribos. Isso se torna uma vantagem na prtica, pois
diminui a dependncia de especialistas do grupo, uma vez
que no h a necessidade da identificao taxonmica mais
refinada at o nvel de espcie.
Alm do mdulo bsico que utiliza a mtrica da
proporo de tribos, mdulos adicionais tm a capacidade
de potencializar a utilizao de borboletas frugvoras como
indicadores biolgicos, de acordo com a possibilidade de
aplicao em cada rea protegida. Por exemplo, incluir o
acompanhamento de populaes de espcies selecionadas
ou da comunidade de borboletas frugvoras como nveis
adicionais no monitoramento, pode fornecer informaes
mais especficas e, consequentemente, importantes
tomada de deciso.
Borboletas so insetos bioindicadores consagrados
em vrios pases. Na Europa, onde 9% das espcies
de borboletas esto em declnio, vrias iniciativas de
monitoramento participativo e de cincia cidad utilizam
borboletas como bioindicador para subsidiar aes de
gesto e conservao do grupo.6 A principal motivao
para isso que borboletas so carismticas e visualmente
atraentes, o que desperta o interesse popular e estimula
a conservao desses insetos. Essa ideia tem potencial
para ser aplicada realidade da grande diversidade de
borboletas brasileiras, uma vez que a variedade de cores e
formas certamente atrai a simpatia popular.
5352
O que esse conjunto de indicadores nos diz?
Plantas lenhosas, grupos selecionados de
aves, mamferos de mdio e grande porte e borboletas
frugvoras so grupos importantssimos para o
funcionamento de ecossistemas, correspondendo a uma
importante parcela da enorme biodiversidade brasileira.
O desempenho desses grupos como indicadores biolgicos
faz com que eles tenham um papel chave para o
monitoramento in situ e a conservao da biodiversidade.
Entre esses grupos selecionados, encontramos indicadores
biolgicos para impactos em mltiplas escalas e de
distintas fontes. Desde a ameaa global das mudanas
climticas, at impactos locais e de carter pontual e
regional como caa e utilizao de agrotxicos podem
ter seus efeitos negativos biodiversidade percebidos
com o subsdio dos dados biolgicos do monitoramento
da biodiversidade. A percepo dos problemas que afligem
as reas protegidas brasileiras, com base em seu maior
patrimnio, a biodiversidade, permite a tomada de deciso
e gesto efetivas para conservao.
Quanto ao potencial de substituio (surrogacy)
dos grupos de indicadores selecionados, a reviso
da literatura cientfica durante o processo de seleo
mostrou que os grupos escolhidos tm amplo potencial de
representar outros componentes da biodiversidade. Por
exemplo, plantas e mamferos de mdio e grande porte
so timos representantes da biodiversidade de outros
grandes grupos taxonmicos, como plantas no vasculares,
insetos, anfbios, entre outros. Dessa forma, ao monitorar
os quatro grupos selecionados de indicadores biolgicos,
conseguimos monitorar indiretamente outros tantos
componentes da biodiversidade.
Alm dos quatro indicadores biolgicos
selecionados, importante ressaltar que outros
componentes da biodiversidade tambm tm grande
5554
potencial de indicao e substituio, e podem ser aplicados
efetivamente em monitoramentos da biodiversidade.
Por exemplo, anfbios e rpteis tambm podem ser
adicionados como indicadores locais em monitoramentos
da biodiversidade em UCs. Indicadores de importncia
local, como espcies endmicas, ameaadas ou espcies
que so exploradas por comunidades locais em UCs de
uso sustentvel, podem tambm ser timos indicadores
complementares. Portanto, recomendvel que, de acordo
com o contexto e as necessidades de cada UC, espcies
ou grupos adicionais sejam inseridos ao conjunto de
indicadores biolgicos selecionados, conferindo um carter
de gesto local ao monitoramento.
Em sntese, partindo de uma extensa lista
compilada de fontes especializadas e conceituadas em
monitoramento da biodiversidade, o criterioso processo
de seleo de indicadores resultou nos quatro grupos
apresentados. Plantas lenhosas, grupos selecionados de
aves, mamferos de mdio e grande porte, e borboletas
frugvoras, alm de serem componentes fundamentais da
biodiversidade, esto diretamente associados a servios
ambientais, respondem a impactos antrpicos, indicando
a sade e integridade do sistema, alm de representar
bem outros componentes da biota. Adicionalmente, a
preocupao com a viabilidade prtica e econmica dos
monitoramentos de biodiversidade frente realidade das
reas brasileiras protegidas norteou todo o processo de
seleo dos indicadores, de modo a torn-lo praticvel e
til tomada de deciso e gesto.12
5756
Referncias
1. http://www.cbd.int/
2. Pagamento por servios ambientais na Mata Atlntica: Lies aprendidas e desafios (http://www.mma.gov.br/estruturas/202/_arquivos/psa_na_mata_atlantica_licoes_aprendidas_e_desafios_202.pdf), World Resources Institute (wri.org/project/mainstreaming-ecosystem-services/about), Ecosystems and Human Well-being: A Framework for Assessment (millenniumassessment.org/documents/document.300.aspx.pdf).
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10. EVANS, K., and GUARIGUATA, M. 2008. Participatory monitoring in tropical forest management: A review of tools, concepts and lessons learned. Bogor, Indonesia: Center for International Forestry Research (CIFOR)
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5958
AGRADECEMOS A VALIOSA CONTRIBUIO
- Adriana Assis Arantes ICMBio
- Adriani Hass UnB
- Adriele K. C. de Oliveira UFPR
- Andr A. Cunha UnB
- Andr Victor Lucci Freitas Unicamp
- Arthur ngelo Bispo de Oliveira UFG
- Caren Dalmolin ICMBio
- Carla N. M. Polaz ICMBio
- Carlos Eduardo Conte UFPR / INPCON
- Christoph Knogge IP
- Claudio Szlafsztein UFPA
- Cleber Salimon UFAC
- Cristiano Agra Iserhard UFPEL
- Daniel Piotto SFB
- Davi Lima Pantoja UnB
- Emerson M. Vieira UnB
- Esther Carone Blumenfeld MMA
- Fabiana Ganem MMA
- Flvio C. T. Lima Unicamp
- Francisco Valente UFMS
- Giovana Palazzi ICMBio
- Glria Ramos Soares ICMBio
- Helio Jorge Cunha MMA/ ProBio
- Hildo Giuseppe Garcia Caldas Nunes
LBA/ PPGCF, UFRA
- Hugo Bonfim de A. Pinto ICMBio
- Ingrid Prem GIZ
- Ionai Ossami de Moura MMA
- Isabel Belloni Schmidt IBAMA
- Jean P. Boubli GIZ
- Jorge Saraiva UFMS
- Jos Fragoso Stanford University, UFRR
- Jos Henrique Cattanio UFPA
- Jos Luis Camargo PDBFF (INPA/STRI)
- Jos Svio C. de Melo ICMBio
- Keila Juarez MMA
- Konstantin Knig ICRAF
- Leoncio Pedrosa Lima ICMBio
- Liliam Patricia Pinto ICMBio
- Luciano Koji Shimizu MMA
- Luiza Brasileiro R. Pereira MMA
- Magno Reis LBA/ UFRA
- Marcelo Stabile IPAM
- Marcus Vinicius Cianciaruso UFG
- Marlia Marques G. Marini ICMBio
- Mario Almeida Neto UFG
- Mario Barroso WWF
- Marlcia B. Martins MPEG
- Mirco Sol UESC
- Nubia E. de Santana e Silva MMA
- Oliver Thie GIZ
- Pedro Develey Save Brasil
- Rafael Loyola UFG
- Renata Alves da Mata UnB
- Renata M. Rossato ICMBio
- Reuber Brando UnB
- Rita Silvana Santana dos Santos Consultora GIZ
- Roberto Rodriguez Suarez MMA
- Robson Louiz Capretz Fundao Grupo
Boticrio
- Rodrigo de Almeida Nobre Consultor PNUD
- Ronaldo G. Morato ICMBio
- Rosiane Pinto MMA ARPA
- Srgio Borges FVA
- Sinomar F. Fonseca Jr. CEUC/ SDS (Amazonas)
- Stefanie Elena Preuss GIZ
- Tadeu Siqueira UNESP Rio Claro
- Vanesca Korasaki UFLA
REALIZAOEsta publicao foi realizada pelo Projeto Monitoramento da Biodiversidade com Relevncia para o Clima em nvel de UC, considerando medidas de adaptao e mitigao. um projeto do governo brasileiro, coordenado pelo Ministrio do Meio Ambiente (MMA) e o Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade (ICMBio), no contexto da Cooperao Brasil-Alemanha, no mbito da Iniciativa Internacional de Proteo ao Clima (IKI), do Ministrio Federal do Meio Ambiente, da Proteo da Natureza e da Segurana Nuclear da Alemanha (BMU). Prev apoio tcnico atravs da Deutsche Gesellschaft fr Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH.
Edio: Jos Sabino
Projeto Grfico: Andr Morato
Produo Editorial: Luciana Paes de Andrade
Fotografias: Jos Sabino - Natureza em Foco, Jean Philippe Boubli, Werner Rudhart - GIZ
Reviso: Maria Alice Pavan Sabino
Projeto Editorial: Natureza em Focowww.naturezaemfoco.com.br
A reproduo desta obra permitida desde que citada a fonte. Esta permisso no se aplica s fotos, que foram cedidas exclusivamente para esta publicao. Esta obra no pode ser comercializada.
Para saber mais, acesse: www.icmbio.gov.br/monitoramento
6160
As reas protegidas so a espinha dorsal da conservao da natureza. Para assegurar que essa conservao seja
eficaz, o monitoramento da biodiversidade ferramenta fundamental porque fornece informaes para a tomada
de deciso consistente e contribui para a gesto apropriada da rea protegida. O monitoramento funciona, assim,
como termmetro da condio de um ambiente, orientando iniciativas e estratgias de conservao.
Apresentamos aqui a proposta de monitoramento in situ da biodiversidade em reas protegidas brasileiras,
resultado da parceria entre o Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade (ICMBio), o Ministrio do
Meio Ambiente (MMA) com apoio tcnico da Deutsche Gesellschaft fr Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH.
Essa proposta marcada pela viabilidade econmica e prtica para implantao nas unidades de conservao
brasileiras. Um criterioso processo de seleo elegeu quatro grupos de indicadores biolgicos terrestres: plantas
lenhosas, grupos selecionados de aves, mamferos de mdio e grande porte e borboletas frugvoras. Esses
organismos so sensveis a impactos gerados pelo homem e pelo clima, representam bem outros grupos da
biodiversidade e seus protocolos de monitoramento so de implantao fcil e vivel.
Nesse contexto, o sucesso desse tipo de iniciativa depende do engajamento e da boa receptividade dos gestores
e de outros parceiros envolvidos com as unidades de conservao.
ISBN
-13:
978
-85-
6587
2-04
-1
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