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Neste número: . 1 Os amonóides Ano 2 Número 16 Abril 2000 Os fósseis da bacia de Sergipe-Alagoas Os amonóides A Fundação Paleontológica Phoenix inicia neste número uma nova série de matérias, desta vez contemplando os grupos fósseis que ocorrem na bacia de Sergipe-Alagoas. O primeiro grupo abordado é o dos amonóides que, talvez melhor que qualquer outro grupo, simboliza a riqueza fossilífera desta bacia. Os amonóides Peter Bengtson * & Wagner Souza-Lima # *Universität Heidelberg, Geologisch-Paläontologisches Institut, Alemanha (e-mail: [email protected] heidelberg.de) #Fundação Paleontológica Phoenix, Aracaju, Sergipe, Brasil (e-mail: [email protected]) Quem visita uma das muitas pedreiras de calcário em Sergipe à procura de fósseis, provavelmente voltará carregando um ou dois amonóides (Figura 1). Sem dúvida, os amonóides são os fósseis mais característicos nas rochas cretáceas da bacia de Sergipe. Ao contrário de outros moluscos fósseis como bivalves e gastrópodes, que vivem em abundância nos mares atuais, os amonóides são animais extintos há 65 milhões de anos, ou seja, no final do período Cretáceo. Quais são então as características dos amonóides? Porque ocorrem em tanta abundância na bacia de Sergipe? Que podem nos dizer sobre o ambiente e as condições durante o Cretáceo? Porque os amonóides foram extintos? São algumas questões que tentaremos responder nesta breve exposição. Figura 1 – Alguns amonóides da bacia de

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Neste número:

. 1 Os amonóides

Ano 2

Número16

Abril 2000

Os fósseis da baciade Sergipe-AlagoasOs amonóides

A Fundação Paleontológica Phoenix inicia neste número uma nova série de matérias,desta vez contemplando os grupos fósseis que ocorrem na bacia de Sergipe-Alagoas. Oprimeiro grupo abordado é o dos amonóides que, talvez melhor que qualquer outro grupo,simboliza a riqueza fossilífera desta bacia.

Os amonóides

Peter Bengtson* & Wagner Souza-Lima#

*Universität Heidelberg, Geologisch-Paläontologisches Institut, Alemanha (e-mail: [email protected])

#Fundação Paleontológica Phoenix, Aracaju, Sergipe, Brasil (e-mail: [email protected])

Quem visita uma das muitas pedreiras de calcário emSergipe à procura de fósseis, provavelmente voltarácarregando um ou dois amonóides (Figura 1). Semdúvida, os amonóides são os fósseis maiscaracterísticos nas rochas cretáceas da bacia deSergipe. Ao contrário de outros moluscos fósseis comobivalves e gastrópodes, que vivem em abundância nosmares atuais, os amonóides são animais extintos há 65milhões de anos, ou seja, no final do período Cretáceo.Quais são então as características dos amonóides?Porque ocorrem em tanta abundância na bacia deSergipe? Que podem nos dizer sobre o ambiente e ascondições durante o Cretáceo? Porque os amonóidesforam extintos? São algumas questões que tentaremosresponder nesta breve exposição.

Figura 1 – Alguns amonóides da bacia de

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Sergipe: a-Douvilleiceras mammillatum(Schlotheim); b- Brancoceras sp.; c-Oxytropidoceras sp.; d- Vascoceras sp.

Os amonóides encontrados nasrochas sergipanas são, naverdade, apenas os moldes daconcha dos organismos. EmSergipe é muito raro a própriaconcha ser preservada, enquantoque em alguns outros lugares domundo, como por exemplo naAntártica, a preservação daconcha pode ser quase perfeita.A concha dos amonóides tem aforma de um cone dividido porparedes divisórias em uma sériede câmaras (Figura 2).

O cone pode ser reto, curvo ouenrolado de várias maneiras,sendo o enrolamento plano-espiral sem comparação o maiscomum entre os amonóides deSergipe.

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Sergipe.

À medida que o animal crescia,movia-se para frente e secretavauma nova parede posterior aocorpo, sobre a qual seassentava. O animal ocupavaapenas a última câmara, a daabertura, chamada câmara dehabitação, enquanto as demaiscâmaras tinham a função deestabilizar a concha na massa deágua. Por intermédio de um tubo,o sifúnculo, que se estende aolongo de todo o cone, o animalpodia regular o teor de líquido egás nas câmaras ajustando suaposição na água, como umsubmarino.

O contato da parede divisóriacom a superfície interna daconcha forma uma linhachamada sutura. Esta linha évisível apenas em moldesdesprovidos de concha, como nocaso dos amonóides de Sergipe,que freqüentemente mostrambelas linhas de sutura (Figura 3).A sutura pode ser relativamentesimples, embora nos amonóidescretáceos normalmente atinjagrande complexidade (Figura 4).O padrão sutural é usado naclassificação dos amonóides,quer dizer, na sistemática.

Os amonóides pertencem àclasse dos cefalópodes, moluscosmarinhos sem concha ou comconcha externa ou interna,possuindo cabeça grande, comolhos bem desenvolvidos e aboca rodeada de oito, dez oumais braços. Seusrepresentantes nos mares atuaissão os polvos, as sibas (sépias),os calamares (as lulas), osargonautas e o náutilo (gêneroNautilus), sendo este o únicocefalópode atual que possui umaconcha externa dividida emcâmaras como os amonóides.Formam porém um grupopróprio, o dos nautilóides, que sedistingue dos amonóidesprincipalmente por ter uma linhade sutura muito mais simples.Nautilóides fósseis sãoencontrados na bacia de Sergipe,

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embora sejam muito menosfreqüentes.

Figura 2 – Morfologia esquemática e terminologia utilizada na descriçãodos amonóides1.

O diâmetro da maioria dos amonóides varia entre alguns centímetros e 20-30 cm, masexistem formas muito pequenas e outras gigantes, estas podendo atingir aproximadamentedois metros de diâmetro.

Os amonóides cretáceos pertencem ao grupo dos amonitas, caracterizado por ter linha desutura extremamente complexa e uma variação muito grande na forma e ornamentação daconcha. Apesar dos fósseis serem moldes do que era o vazio da concha, a ornamentaçãoda superfície externa normalmente aparece no molde. Assim encontramos costelas, nódulos,tubérculos, constrições e carenas, cada um desses caracteres apresentando uma grandevariedade morfológica. Estes caracteres servem, juntamente com a forma e o tamanho daconcha, para classificar os amonóides em diferentes gêneros e espécies.

Figura 3 – Pseudotissotia sp. do Turoniano inferior dabacia de Sergipe-Alagoas. Embora substituída, parteda concha encontra-se preservada. Na porção onde

está quebrada, são visíveis as linhas suturais dofragmocone.

Figura 4 – Tipos de suturas encontradas nos amonóides: a -amonítica; b - filoceratítica; c - ceratítica; d - goniatítica; e – agoniatítica2.

Os primeiros amonóides apareceram noperíodo Devoniano (Figura 5), há mais oumenos 400 milhões de anos. No final doPermiano, há 250 milhões de anos, estavamem vias de extinção mas recuperaram-serapidamente e chegaram ao seu máximo dediversidade no meso-Cretáceo. Sobre a causada extinção, no final do Cretáceo, durante oevento que atingiu não só os amonóides mastambém muitos outros grupos de organismostanto marinhos quanto terrestres (como osdinossauros), há várias teorias. Provavelmentefoi o efeito combinado de mudanças bruscas no

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meio ambiente provocadas por uma série decircunstâncias e acontecimentos no final doCretáceo, como mudanças de clima, quedas do

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Cretáceo, como mudanças de clima, quedas donível de mar, vulcanismo extensivo e, talvezcomo golpe final, o efeito do impacto do grandemeteorito que caiu na península de Yucatán,no México3,4.

A maioria dos amonóides tiveram umaevolução rápida, formando-se constantementenovas espécies; possuíam capacidade deampla e rápida dispersão; são comuns emdiversos tipos de rochas sedimentares e, porcausa de sua ornamentação característica, sãorelativamente fáceis de identificar. Estacombinação de fatores faz dos amonóides ótimos fósseis-guia, quer dizer, podem serusados para datar as rochas nas quais ocorrem(objeto da ciência denominada Bioestratigrafia).De fato, desde o século 19 os amonóidesfornecem o fundamento para a escalageológica da era mesozóica (períodosTriássico, Jurássico e Cretáceo). No entanto,na bacia de Sergipe, como nas demais baciassedimentares brasileiras formadas pelaabertura do Atlântico Sul, encontramos rochasmarinhas apenas a partir do Cretáceo médio(dos andares Aptiano ao Maastrichtiano, Figura5). Onde há afloramentos destas rochascontendo amonóides existe possibilidade paradatação segura. É interessante notar quemuitos gêneros e espécies de amonóides queocorrem em Sergipe também são encontradosnas bacias sedimentares da costa oeste daÁfrica, como na Nigéria, nos Camarões, noGabão e na Angola. Este fato comprova aproximidade dos continentes africano e sul-americano durante o Cretáceo e pode serusado para correlação das camadassedimentares e dos eventos biológicos egeológicos nos dois lados do Oceano Atlântico.

Entre as bacias costeiras brasileiras, a baciade Sergipe possui a mais completa colunasedimentar aflorante. Possui um registro quasecompleto de amonóides, o que a coloca emposição chave para o estudo dodesenvolvimento do Atlântico Sul. O grupo dosbivalves inoceramídeos também tem grandeimportância e utilidade na bioestratigrafia. Noentanto, os inoceramídeos ocorrem em geralcom menor freqüência que os amonóides.Onde não há amonóides ou inoceramídeos ouonde faltam afloramentos, a bioestratigrafiadepende de microfósseis, que podem sercoletados em superfície ou recuperados nosfragmentos ou testemunhos derivados desondagens.

Na bacia de Sergipe amonóides sãoFigura 5 – Diversidade dos amonóides com base nos

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encontrados em praticamente todos os tipos derochas marinhas, sendo mais comuns noscalcários e margas das formações Riachuelo eCotinguiba, de idade Aptiano-Albiano eCenomaniano-Coniacia-no, respectivamente.São muito mais raros na Formação Calumbi(Campaniano-Maastrichtiano), principalmentepor falta de afloramentos destas rochas.Localmente os amonóides ocorrem em grandeabundância, provavelmente como resultado detempestades que levaram as conchas vazias,talvez ainda flutuantes, à praia ondeposteriormente foram soterradas. Exemplos detais acumulações encontramos emafloramentos ao sudoeste de Rosário doCatete, onde amonóides do gêneroOxytropidoceras (Albiano médio) ocorrem comgrande abundância, também na FazendaVassouras (Mortoniceras, Albiano superior) eao leste de Laranjeiras (Vascoceras,Cenomaniano superior).

Figura 5 – Diversidade dos amonóides com base nosgêneros desde sua origem no Devoniano até sua

extinção no Maastrichtiano1.

Foi o paleontólogo americano Alpheus Hyatt5 quem, em 1870, descreveu pela primeira vezamonóides de Sergipe. Desde então estes foram alvo de numerosos estudos porpaleontólogos brasileiros e estrangeiros. Um sumário das pesquisas sobre os amonóidescretáceos do Brasil até o presente, juntamente com uma biblio-grafia, foi publicadorecentemente6.

A seqüência marinha sergipana, do Aptiano ao Maastrichtiano, encontra-se hoje subdivididaem unidades chamadas biozonas, que são caracterizadas por determinados gêneros eespécies de amonóides. Algumas biozonas correspondem a um intervalo de temporelativamente curto, com menos de um milhão de anos de duração, fornecendo assim umadatação bastante exata. Outras biozonas compreendem um intervalo de tempo mais amplo.

Os trabalhos bioestratigráficos de superfície em andamento na bacia de Sergipe visamaperfeiçoar os meios de datação das rochas marinhas usando os amonóides comoinstrumento principal. Ao mesmo tempo estamos estudando e documentando cadaexemplar de amonóide encontrado (juntamente com os outros fósseis) para, passo a passo,aumentar o conhecimento da fauna e do meio ambiente durante essa parte da históriageológica de Sergipe. Uma das metas deste trabalho é, num futuro não muito distante,poder expor coleções representativas da fauna de amonóides e outros fósseis que ocorremem Sergipe em um Museu de Paleontologia em Aracaju. As pesquisas atuais sobre osamonóides de Sergipe fazem parte de um projeto internacional da UNESCO, "Correlaçõesdo Mesozóico do Atlântico Sul" (IGCP 381), do qual participam cerca de 500 pesquisadoresbrasileiros e estrangeiros (detalhes em http:// www.rzuser.uni-heidelberg.de/~dc8/samc/).1Arkell, W. J.; Kummel, B. & Wright, C. W. 1957. Mesozoic Ammonoidea. In R. C. Moore (Ed.): Treatise onInvertebrate Paleontology, Part L, Mollusca 4 (Cephalopoda, Ammonoi-dea). Geological Society of America, Universityof Kansas, pp. L81-L129.

2Turek, V. 1988. A systematic survey of fossil organisms. In: J. Brown (Ed.): Fossils of the World. Prague, Paul HamlynPublishing, pp. 18-29.

3Alvarez, L. W.; Alvarez, W.; Asaro, F. & Michel, H. V. 1980. Extraterrestrial cause for the Cretaceous-Tertiary extinction.Science, 208: 1095-1108.

4Sutherland, F. L. 1994 - Volcanism around K/T boundary time - its rôle in an impact scenario for the K/T extinction events.Earth-Science Reviews, 36: 1-26.

5Hyatt, A. 1870. Report on the Cretaceous fossils from Maroïm, province of Sergipe, Brazil, in the collection of Professor Hartt.In C. F. Hartt: Geology and Physical Geography of Brazil. Boston, Fields, Osgood & Co., pp. 385-393.

6Bengtson, P. 1999. Research on Cretaceous ammonites of Brazil in the 20th century and the state of the art. In D.Dias-Brito, J.C. de Castro & R. Rohn: Boletim do 5° Simpósio sobre o Cretáceo do Brasil, 1er Simpósio sobre elCretácico de América del Sur [Serra Negra, SP, 29.08–02.09.99], pp. 591–598. UNESP, Rio Claro, SP.

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