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REDE CNCER 37 social AFINAR O SOM À MEDICINA FAZ BEM À SAÚDE A terapia da música Som, ritmo, melodia, harmonia... De diferentes formas, a música está ligada a todos os momentos de nossa vida. Logo após a Segunda Guerra Mundial, nos Estados Unidos e na Europa, quando começa- ram as primeiras experiências de levar música a hos- pitais, na tentativa de amenizar a dor e o sofrimento vividos em meio ao horror da guerra, os resultados surpreenderam. Surgia assim uma nova disciplina, que passaria a ganhar cada vez mais importância na medicina: a musicoterapia. Diversos hospitais hoje no Brasil utilizam a terapia para melhorar a qualida- de de vida de pacientes, funcionários e prossionais de saúde. Assim como o médico faz a prescrição de um remédio, o musicoterapeuta utiliza os sons de acordo com cada pessoa e sintoma. No Instituto Nacional de Câncer (INCA), foi iniciado, em 2002, um programa de musicoterapia, em parceria com o Conservatório Brasileiro de Música – Centro Univer- sitário (CBM-CEU) – e em consonância com o Programa Nacional de Humanização e As- sistência Hospitalar. O atendimento inicialmente era feito para adultos nos serviços de Ginecologia e On- cologia Clínica do Hospital do Câncer II (HC II). Um trabalho pioneiro, na época, chamado de Projeto Encanto. Hoje, o programa continua como Projeto Musicoterapia em Oncologia e foi ampliado para o Hospital do Câncer I, que concentra o maior número de serviços do INCA, na pediatria e no CTI. Estudos comprovam que, no aspecto siológi- co, a música é capaz de interferir na batida cardiovas- cular, no sistema respiratório e na tonicidade muscu- lar. Marly Chagas, psicóloga e supervisora do Projeto Musicoterapia em Oncologia, no INCA, defende os benefícios da atividade para os tratamentos clínicos. Em relação à questão emocional, por exemplo, a uti- lização terapêutica da música é capaz de diminuir a ansiedade, o desconforto e mesmo a dor. “Entre a dor e a música, o cérebro prefere a música”, arma Marly, acrescentando que pode haver até diminuição no tempo de internação, além de um melhor entrosamento do paciente com seus fa- miliares e com as equipes prossionais. Já no Hospital do Câncer IV – unidade de apoio para os pacientes em cuidados paliativos, atendidos em casa pelas equipes do INCA –, o programa tem caráter voluntário. É desen- volvido, desde 2006, pelo ho- meopata e músico Eduardo Moreira Barbosa. “Contamos com um grupo de 50 voluntá- rios, todos músicos também. Conseguimos até a doação de um piano e fazemos concertos virtuais, levando a todo o hos- pital repertórios erudito e po- pular”, conta Eduardo. PARA ENGANAR A DOR Mas o que é a musicoterapia? Em uma denição simples, é a terapia através da música, utilizando todos os seus elementos – ritmo, som, melodia, timbres e har - monia. Qualquer uma dessas partes pode ser usada para terapia, prevenção ou reabilitação de pacientes. O ritmo, por exemplo, induz ao movimento, mesmo em pessoas com deciências físicas”, explica Marly Chagas. Cada doença tem uma “fórmula” em sons que podem colaborar com o processo de melhora. “Podemos utili- zar técnicas de audição (ouvir a música), de recreação (cantar), além de tocar, compor e improvisar”, comenta. Os resultados dependem da resposta de cada um aos estímulos. Para os idosos, a música ajuda a recuperar a memória, desgastada com o tempo. Mesmo experiente na área de musicoterapia, Marly ainda se emociona com as sessões semanais nas unidades I e II do INCA, em que os dois esta- giários que coordena usam instrumentos de percus- são, violão e violino. “Percebemos que existe dor que pode ser chorada pelas canções. É como se a música fosse capaz de fazer uma cama para a gente chorar e sair depois”, imagina. Com os funcionários e a equipe médica, a terapia promove a integração dos prossio- nais. De maneira muito sutil, o programa preenche o hospital com sons e novas emoções. Paciente do HC II, Analice Xavier do Nascimento, de Campina Grande, na Paraíba, mora sozinha no Rio e aguardava uma cirurgia quando recebeu a visita dos esta- giários do programa de musicoterapia. O humor de Ana- lice logo mudou e ela pediu músicas de Leonardo, seu cantor favorito. Acompanhou a sessão e, no m, declarou, com um leve sorriso: “Só vocês para me fazer rir.” Maria Célia da Costa, paciente da mes ma unidade, elogiava a iniciativa. “Eu amo quando eles vêm aqui”. A ALMA CANTA No Brasil, há uma média de 2 mil musicoterapeu- tas qualicados. “Contamos, aqui em São Paulo, com um dos três centros de formação em musicoterapia do mundo, o Centro Benenzon Brasil, local em que muito se tem feito pela área, com a criação de parce- rias”, ressalta Maristela Smith, fundadora e coordena- dora dos cursos de Graduação e Pós-Graduação e da Clínica-Escola de Musicoterapia das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), em São Paulo.  Associada à humanização do ambiente hospi- talar, a musicoterapia traz benefícios comprovados. Na opinião de Letícia Silva, chefe do Serviço Social do HC II, a disciplina já t em seu espaço estabelecido nas instituições de saúde. A terapia hospitalar ajuda    F   o    t   o   :    G   a    b   r    i   e    l    J   a    b   o   u   r pacientes e familiares a enfrentarem a doença, a não desistir do tratamento. Como explica Luzamir Rangel, graduanda em musicoterapia pelo CBM-CEU e esta- giária do INCA, os benefícios do trabalho com a mú- sica são importantes. “A canção toca a alma, alcança lugares aonde a palavra não chega”, observa. Luiz Fernando Bentes, também estagiário do INCA e formado em violino, acrescenta que a terapia auxilia no tratamento do câncer, atingindo o paciente de uma ma- neira diferente, em níveis de profundidade e intimidade em curtíssimo espaço de tempo. “Assim, criamos um ca- nal de comunicação com o paciente, ajudando-o a lidar com a doença e o tratamento”, arma. No HC I, conta Luiz Fernando, também há um coral com os funcionários.  Além d isso, eles d esenv olvem um gr upo d e estu dos so - bre a musicoterapia no tratamento do câncer. ÂNIMO NO TRAT AMENTO INFANTIL Quando se unem as canções às crianças, o obje- tivo é proporcionar um retorno ao ambiente aconche- gante de casa. Além de promover o desenvolvimento psicomotor, a expressão de sentimentos, enm, de voltar a ser criança, de brincar e gastar a energia.  A musicoterapia tem resultados surpreendentes no atendimento infantil, de acordo com a psicóloga Mar- ly Chagas. “Crianças que não demonstravam ânimo ou alegria, com a terapia, esquecem o sofrimento e a dor e ultrapassam os seus limites, cantando e tocan- do instrumentos improvisados”, exemplica. Os bons resultados são conrmados também pela chefe do Serviço de Oncologia Pediátrica do INCA, Sima Ferman. Segundo ela, a musicoterapia é considerada atualmente parte integrante do tratamento oncológico pediátrico. “A utilização da música e seus elementos tem sido importante para amenizar a hospitalização da crian- ça”, ressalta. A música também promove bem-estar, auxi- liando na recuperação e no enfrentamento da doença. O trabalho também tem sido realizado com prossionais de saúde, harmonizando a equipe, mesmo com as diculda- des comuns no cotidiano da enfermaria de pediatria.

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socialAFINAR O SOM À MEDICINA FAZ BEM À SAÚDE

A terapia da músicaSom, ritmo, melodia, harmonia... De diferentesformas, a música está ligada a todos os momentosde nossa vida. Logo após a Segunda Guerra Mundial,nos Estados Unidos e na Europa, quando começa-ram as primeiras experiências de levar música a hos-pitais, na tentativa de amenizar a dor e o sofrimentovividos em meio ao horror da guerra, os resultados

surpreenderam. Surgia assim uma nova disciplina,que passaria a ganhar cada vez mais importância namedicina: a musicoterapia. Diversos hospitais hojeno Brasil utilizam a terapia para melhorar a qualida-de de vida de pacientes, funcionários e prossionais

de saúde. Assim como o médico faz a prescrição deum remédio, o musicoterapeuta utiliza os sons deacordo com cada pessoa e sintoma.

No Instituto Nacional de Câncer (INCA),foi iniciado, em 2002, um programa demusicoterapia, em parceria com

o Conservatório Brasileiro

de Música – Centro Univer-sitário (CBM-CEU) – e emconsonância com o Programa

Nacional de Humanização e As-

sistência Hospitalar. O atendimento inicialmente erafeito para adultos nos serviços de Ginecologia e On-cologia Clínica do Hospital do Câncer II (HC II). Umtrabalho pioneiro, na época, chamado de Projeto

Encanto. Hoje, o programa continua como ProjetoMusicoterapia em Oncologia e foi ampliado para oHospital do Câncer I, que concentra o maior númerode serviços do INCA, na pediatria e no CTI.

Estudos comprovam que, no aspecto siológi-co, a música é capaz de interferir na batida cardiovas-cular, no sistema respiratório e na tonicidade muscu-lar. Marly Chagas, psicóloga e supervisora do Projeto

Musicoterapia em Oncologia, no INCA, defende osbenefícios da atividade para os tratamentos clínicos.Em relação à questão emocional, por exemplo, a uti-lização terapêutica da música é capaz de diminuira ansiedade, o desconforto e mesmo a dor. “Entrea dor e a música, o cérebro prefere a música”,arma Marly, acrescentando que pode haver atédiminuição no tempo de internação, além de um

melhor entrosamento do paciente com seus fa-miliares e com as equipes prossionais.

Já no Hospital do Câncer IV – unidadede apoio para os pacientes em cuidados

paliativos, atendidos em casa pelas

equipes do INCA –, o programatem caráter voluntário. É desen-

volvido, desde 2006, pelo ho-meopata e músico Eduardo

Moreira Barbosa. “Contamoscom um grupo de 50 voluntá-

rios, todos músicos também.

Conseguimos até a doação de

um piano e fazemos concertosvirtuais, levando a todo o hos -pital repertórios erudito e po-pular”, conta Eduardo.

PARA ENGANAR A DORMas o que é a musicoterapia? Em uma denição

simples, é a terapia através da música, utilizando todosos seus elementos – ritmo, som, melodia, timbres e har-monia. Qualquer uma dessas partes pode ser usadapara terapia, prevenção ou reabilitação de pacientes.

O ritmo, por exemplo, induz ao movimento, mesmo empessoas com deciências físicas”, explica Marly Chagas.Cada doença tem uma “fórmula” em sons que podemcolaborar com o processo de melhora. “Podemos utili-

zar técnicas de audição (ouvir a música), de recreação(cantar), além de tocar, compor e improvisar”, comenta.Os resultados dependem da resposta de cada um aos

estímulos. Para os idosos, a música ajuda a recuperar a

memória, desgastada com o tempo.

Mesmo experiente na área de musicoterapia,Marly ainda se emociona com as sessões semanaisnas unidades I e II do INCA, em que os dois esta-giários que coordena usam instrumentos de percus-são, violão e violino. “Percebemos que existe dor quepode ser chorada pelas canções. É como se a músicafosse capaz de fazer uma cama para a gente chorar esair depois”, imagina. Com os funcionários e a equipemédica, a terapia promove a integração dos prossio-nais. De maneira muito sutil, o programa preenche ohospital com sons e novas emoções.

Paciente do HC II, Analice Xavier do Nascimento,

de Campina Grande, na Paraíba, mora sozinha no Rio eaguardava uma cirurgia quando recebeu a visita dos esta-giários do programa de musicoterapia. O humor de Ana-lice logo mudou e ela pediu músicas de Leonardo, seu

cantor favorito. Acompanhou a sessão e, no m, declarou,com um leve sorriso: “Só vocês para me fazer rir.”

Maria Célia da Costa, paciente da mesma unidade,

elogiava a iniciativa. “Eu amo quando eles vêm aqui”.

A ALMA CANTANo Brasil, há uma média de 2 mil musicoterapeu-

tas qualicados. “Contamos, aqui em São Paulo, comum dos três centros de formação em musicoterapiado mundo, o Centro Benenzon Brasil, local em quemuito se tem feito pela área, com a criação de parce-rias”, ressalta Maristela Smith, fundadora e coordena-

dora dos cursos de Graduação e Pós-Graduação eda Clínica-Escola de Musicoterapia das FaculdadesMetropolitanas Unidas (FMU), em São Paulo.

 Associada à humanização do ambiente hospi-talar, a musicoterapia traz benefícios comprovados.Na opinião de Letícia Silva, chefe do Serviço Socialdo HC II, a disciplina já t em seu espaço estabelecidonas instituições de saúde. A terapia hospitalar ajuda

   F  o   t  o  :   G  a   b  r   i  e   l   J  a   b  o  u  r

pacientes e familiares a enfrentarem a doença, a nãdesistir do tratamento. Como explica Luzamir Rangegraduanda em musicoterapia pelo CBM-CEU e estgiária do INCA, os benefícios do trabalho com a msica são importantes. “A canção toca a alma, alcançlugares aonde a palavra não chega”, observa.

Luiz Fernando Bentes, também estagiário do INCe formado em violino, acrescenta que a terapia auxilia ntratamento do câncer, atingindo o paciente de uma m

neira diferente, em níveis de profundidade e intimidadem curtíssimo espaço de tempo. “Assim, criamos um cnal de comunicação com o paciente, ajudando-o a lidcom a doença e o tratamento”, arma. No HC I, conLuiz Fernando, também há um coral com os funcionário Além disso, eles desenvolvem um grupo de estudos s

bre a musicoterapia no tratamento do câncer.

ÂNIMO NO TRATAMENTO INFANTILQuando se unem as canções às crianças, o obj

tivo é proporcionar um retorno ao ambiente aconch

gante de casa. Além de promover o desenvolvimen

psicomotor, a expressão de sentimentos, enm, dvoltar a ser criança, de brincar e gastar a energi

 A musicoterapia tem resultados surpreendentes n

atendimento infantil, de acordo com a psicóloga Maly Chagas. “Crianças que não demonstravam ânimou alegria, com a terapia, esquecem o sofrimento edor e ultrapassam os seus limites, cantando e toca

do instrumentos improvisados”, exemplica.Os bons resultados são conrmados também pe

chefe do Serviço de Oncologia Pediátrica do INCA, SimFerman. Segundo ela, a musicoterapia é considerad

atualmente parte integrante do tratamento oncológicpediátrico. “A utilização da música e seus elementos tesido importante para amenizar a hospitalização da criaça”, ressalta. A música também promove bem-estar, auliando na recuperação e no enfrentamento da doença. trabalho também tem sido realizado com prossionais dsaúde, harmonizando a equipe, mesmo com as diculddes comuns no cotidiano da enfermaria de pediatria.