1ºCAP QuemEVoceAlasca

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    QUEM VOC, ALASCA?

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    John Green MESCLAcom primor o

    PROFUNDOe oCOTIDIANO.THE WASHINGTON POST

    Green se sai bem ao abordar

    QUESTIONAMENTOSFILOSFICOSde uma formadescompromissada.

    THE INDEPENDENT

    A voz de Green como escritor

    to CONFIANTEeHONESTAque difcilimaginar que este seja seu

    PRIMEIROromancepublicado.

    VOYA

    GREENfaz de

    ALASCAumapersonagem AMVEL, aomesmo tempo SOMBRIA

    e ENRGICA.

    SCHOOL LIBRARY JOURNAL

    Divertido, triste,inspirador e

    SEMPRE

    emocionante.BOOKPAGE

    Miles um porta--voz articulado para as

    legies deJOVENSqueprocuram um sentido para

    a VIDA.BCCB

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    Traduo de Edmundo Barreiros

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    Copyright 2005 by John GreenTodos os direitos reservados, incluindo o direito de reproduo notodo ou em parte, em quaisquer meios.

    Edio publicada mediante acordo com Dutton Childrens Books,uma diviso de Penguin Young Readers Group, membro de PenguinGroup (USA) LLC, empresa do grupo Penguin Random House.

    TTULOORIGINALLooking for Alaska

    PREPARAODaniele Leite

    REVISOAna Carla SousaJanana Senna

    DIAGRAMAOFiligrana

    ADAPTAODECAPA de casa

    CIP-BRASIL. CATALOGAO NA PUBLICAO

    SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    G83q

    Green, John Quem voc, Alasca? / John Green ; traduo Edmundo Barrei-ros. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Intrnseca, 2014.

    272 p. ; 21 cm.

    Traduo de: Looking for Alaska

    ISBN 978-85-8057-599-6 1. Fico americana. I. Barreiros, Edmundo, 1966-. II. Ttulo.

    14-14699 CDDCDD: 813: 813 CDU:CDU:813.111 73)-3813.111(73)-3

    [2014]

    Todos os direitos desta edio reservados

    EDITORAINTRNSECALTDA.Rua Marqus de So Vicente, 99, 3 andar22451-041 GveaRio de Janeiro RJTel./Fax: (21) 3206-7400www.intrinseca.com.br

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    Para a minha famlia:Sidney Green, Mike Green e Hank Green

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    Eu me esforcei tanto para acertar.(ltimas palavras do presidente norte-americano Grover Cleveland)

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    cento e t r inta e se is d ias antes

    Uma semana antes de eu deixar minha famlia, a Flrida e oresto da minha vida sem graa e ir para um colgio interno

    no Alabama, minha me insistiu em me fazer uma festa de des-

    pedida. Dizer que minhas expectativas no eram as melhoresseria subestimar dramaticamente a situao. Apesar de ter sidomais ou menos forado a convidar todos os meus amigos daescola ou seja, o grupo de esquisites do teatro e nerds deliteratura com quem eu me sentava no refeitrio cavernoso daminha escola pblica por pura necessidade social , eu sabia

    que eles no iriam. Mesmo assim, minha me insistiu, tomadapela iluso de que eu tinha mantido minha popularidade emsegredo por todos esses anos. Ela preparou uma pequena mon-tanha de pasta de alcachofra. Decorou nossa sala com fitas ver-des e amarelas, as cores de minha nova escola. Comprou duasdzias de lanadores de confete e os colocou em volta da mesade centro.

    E naquela ltima sexta-feira, quando minhas malas esta-vam quase prontas, ela se sentou comigo e com meu pai nosof da sala s dezesseis horas e cinquenta e seis minutos eaguardou pacientemente a chegada da Tropa de Despedida do

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    Miles, que consistia em exatamente duas pessoas: Marie Law-son, uma loura baixinha de culos retangulares, e seu namora-do gorducho (para ser bondoso), Will.

    Oi, Miles disse Marie enquanto se sentava. Oi respondi. Como foi seu vero? perguntou Will. Legal. E o seu? Foi bom. FizemosJesus Cristo Superstar. Eu ajudei com os

    cenrios. Mary fez a iluminao acrescentou Will.

    Legal. Assenti, como se soubesse muito bem do que esta-vam falando, e depois nosso assunto praticamente se esgotou.

    Eu poderia ter perguntado alguma outra coisa sobre JesusCristo Superstar, mas infelizmente: 1) eu no sabia do que se tra-tava; 2) no estava interessado em descobrir, e 3) nunca fui mui-to bom em jogar conversa fora. Minha me, no entanto, podeficar batendo papo por horas, e por isso ela prolongou o des-conforto perguntando sobre o horrio de ensaio deles, comofoi a pea e se fez sucesso.

    Acho que fez comentou Marie. Muita gente foi ver,acho. Marie era o tipo de pessoa que achavao tempo todo.

    Bem, ns s passamos para nos despedir disse Will,por fim. Preciso deixar Marie em casa antes das seis. Divirta-

    -se no colgio interno, Miles. Obrigado respondi com alvio.A nica coisa pior do que dar uma festa a que ningum vai

    dar uma festa qual s vo duas pessoas extrema e profunda-mente desinteressantes.

    Eles foram embora. Fiquei sentado com meus pais olhandopara a tev desligada. Queria lig-la, mas sabia que no devia.Podia sentir os dois me olhando, esperando que eu comeassea chorar ou algo assim, como se no soubesse o tempo todoque as coisas iam acontecer exatamente daquele jeito. Mas eusabia. Podia sentir a pena deles enquanto cavavam a pasta de

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    alcachofra com os salgadinhos feitos para meus amigos ima-ginrios, mas eles eram mais dignos de pena que eu: eu noestava desapontado. Nada daquilo fugia s minhas expecta-tivas.

    por isso que voc quer ir embora, Miles? perguntouminha me.

    Refleti por um instante, tomando o cuidado de no olharpara ela.

    Hum... no.

    Ento por qu? insistiu.No era a primeira vez que ela levantava a questo. Minha

    me no estava muito entusiasmada com a minha ida para umcolgio interno e no escondia isso.

    por minha causa? perguntou o meu pai.Ele tinha estudado em Culver Creek, o mesmo colgio in-

    terno para qual eu estava indo, assim como os seus dois irmose todos os filhos deles. Acho que o meu pai gostava da ideia deeu estar seguindo os passos dele. Meus tios me contaram dosucesso que ele fazia no campus por se meter nas maiores con-fuses e ainda assim ser um timo aluno. Aquela vida me pare-ceu melhor do que a que eu levava na Flrida. Mas no, no erapor causa do meu pai. No exatamente.

    Esperem a pedi.Fui at o escritrio do meu pai e peguei a biografia que ele

    tinha de Franois Rabelais. Eu gostava de ler biografias de es-critores, mesmo que (como era o caso do monsieur Rabelais)nunca tivesse lido nada que eles escreveram. Folheei at o fim eencontrei a citao destacada (NUNCA USE MARCA-TEXTO NOSMEUSLIVROS, meu pai j me disse mil vezes. Mas de que outrojeito, depois, voc vai achar o que est procurando?).

    Ento, esse cara... disse eu, parado na porta da sala Franois Rabelais. Ele era poeta. E as suas ltimas palavras fo-ram: Vou em busca de um Grande Talvez. Por isso estou

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    indo. Para no ter que esperar at o dia da minha morte paracomear a procurar um Grande Talvez.

    E isso os acalmou. Eu estava atrs de um Grande Talvez, eeles sabiam to bem quanto eu que no iria encontr-lo compessoas como Will e Marie. Eu me sentei de novo no sof, entreminha me e meu pai, e ele ps o brao nos meus ombros, e fica-mos juntos ali, em silncio, por um bom tempo, at que pareceuno ser mais um problema ligar a tev, e em seguida jantamospasta de alcachofra e assistimos ao History Channel, e, para

    uma festa de despedida, com certeza poderia ter sido pior.

    cento e v inte e o i to d ias antes

    A

    Flrida era muito quente, sem dvida, e mida tambm.Quente o suficiente para as roupas grudarem em voc como

    fita adesiva, e o suor escorrer da testa para os olhos como sefossem lgrimas. Mas s era quente ao ar livre, e em geral eu an-dava na rua apenas para ir de um local refrigerado para outro.

    Isso no me preparou para o calor fora do comum que en-contrei vinte e cinco quilmetros ao sul de Birmingham, noAlabama, na Escola Culver Creek. O SUV dos meus pais estavaestacionado a pouco mais de um metro do alojamento em que

    eu ficaria, Quarto 43. Mas cada vez que eu dava aqueles poucospassos indo e vindo do carro para descarregar o que agora pa-recia coisa demais, o sol atravessava as minhas roupas e quei-mava a minha pele com uma intensidade to feroz que me feztemer de verdade o fogo do inferno.

    Com a ajuda dos meus pais, levou apenas alguns minutospara descarregarmos o carro. Porm, o meu quarto sem ar-con-dicionado, apesar de felizmente protegido do sol, era s umpouco mais fresco que l fora. O lugar me surpreendeu: euimaginava carpete grosso, paredes com revestimento de ma-deira e mveis vitorianos. Tirando o luxo de ter um banheiro

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    s para mim, aquilo era uma caixa. Com paredes de concretocobertas com camadas grossas de tinta branca e piso de linleoquadriculado verde e branco, o lugar parecia mais um quartode hospital, no o alojamento que eu tivera em mente. Haviaum beliche de madeira crua com colches de vinil que bloquea-va a janela dos fundos. As escrivaninhas, cmodas e estanteseram todas embutidas, para evitar uma arrumao diferente.Enada de ar-condicionado.

    Sentei na cama de baixo do beliche enquanto minha me

    abriu uma das malas, pegou algumas biografias que meu paiconcordara em deixar comigo e as arrumou na estante.

    Eu posso fazer isso, me.Meu pai estava de p, pronto para ir embora. Ento me deixe pelo menos arrumar a sua cama. No, srio. Eu posso fazer isso. Est tudo bem.No d para simplesmente ficar prolongando certas coisas

    para sempre. Chega um momento em que o melhor a fazer arrancar o Band-Aid. Isso di, mas depois passa, e ento vem oalvio.

    Meu Deus, vamos sentir saudade de voc disse minhame de repente, atravessando o campo minado de malas parachegar at a cama.

    Eu me levantei e a abracei. Meu pai se juntou a ns e fica-mos l amontoados. Estava quente demais e estvamos suadosdemais para nos abraarmos por muito mais tempo. Eu sabiaque devia chorar, mas j tinha vivido com eles por dezesseisanos e passava da hora de ensaiarmos uma separao.

    No se preocupem. Sorri. Vou aprender a falar comsotaque sulista.

    Minha me riu. No v fazer nenhuma bobagem disse o meu pai. Est bem. Nada de drogas. Nem bebida. Nem cigarros.

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    Quando ele estudou em Culver Creek, fez coisas sobre asquais eu s tinha ouvido falar: as festas escondidas, as corridassem roupa pelas plantaes de feno (ele sempre lamentava quena poca fossem s rapazes), drogas, bebida e cigarros. Elelevou um tempo para parar de fumar, mas os seus dias de badboytinham ficado para trs.

    Amo voc. Os dois deixaram escapar ao mesmo tempo.Era impossvel no dizer essas palavras, mas elas tornaram

    a coisa toda extremamente desconfortvel, como ver os seus

    avs se beijando. Tambm amo vocs. Vou ligar todo domingo.Os alojamentos no tinham telefone, mas os meus pais so-

    licitaram que eu ficasse em um quarto perto de um dos cincotelefones pblicos do colgio.

    Eles me abraaram de novo, minha me e depois meu pai, eento terminou. Pela janela dos fundos, vi o carro deles sair pelarua sinuosa do campus. Talvez eu devesse ter ficado triste e sensi-bilizado, mas naquele momento s pensava em tomar um ar. Pe-guei uma cadeira e me sentei do lado de fora, sombra do longobeiral, esperando uma brisa que nunca chegava. O ar ali estavato parado e opressivo quanto no quarto. Fiquei observando omeu novo lar: seis construes de um andar s, cada uma com

    dezesseis quartos, organizadas em forma de hexgono ao redorde um grande crculo de grama. Parecia um motel antigo muitogrande. Por todos os lados garotos e garotas se abraavam, sor-riam e caminhavam juntos. Eu tinha a vaga esperana de que al-gum viesse falar comigo. At imaginei como seria a conversa:

    Oi, voc novo aqui?Sou, sim... Vim da Flrida.Que legal! Ento est acostumado com o calor.Eu no estaria acostumado com esse calor nem se viesse

    do Hades, eu brincaria. E causaria uma boa primeira impres-so.Ah, ele engraado. Aquele Miles uma figura.

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    Isso no aconteceu, claro. As coisas nunca aconteciam domodo como eu as imaginava.

    Sem mais nada para fazer, voltei para o quarto, tirei a cami-sa, deitei no colcho quente da cama de baixo do beliche e fe-chei os olhos. Nunca tive a sensao de ser batizado e nascerde novo, com o choro e tudo o mais, mas no seria de todomau renascer como algum sem passado. Pensei nas pessoassobre as quais eu lera (John F. Kennedy, James Joyce, HumphreyBogart) que estudaram em colgio interno e em suas aventu-

    ras. Kennedy, por exemplo, adorava pregar peas. Pensei noGrande Talvez e nas coisas que poderiam acontecer e nas pes-soas que eu poderia conhecer e em quem seria meu colega dequarto (eu tinha recebido uma carta algumas semanas antesinformando o nome dele, Chip Martin, e mais nada). Quemquer que fosse Chip Martin, eu pedia a Deus que ele chegassecom um arsenal de ventiladores superpoderosos, porque euno tinha levado nenhum e j podia sentir meu suor fazendouma poa no colcho de vinil, o que me irritou tanto que pareide pensar na vida e me levantei para procurar uma toalha esecar o suor. E ento pensei: bem, antes da aventura, precisodesfazer as malas.

    Colei um mapa-mndi na parede, coloquei a maior parte

    das roupas nas gavetas, e s ento notei que o ar quente e mi-do fazia at as paredes transpirarem. Resolvi que aquela no erauma boa hora para trabalhar. Era hora de um magnfico banhobem gelado.

    O banheiro era pequeno e tinha um espelho enorme atrsda porta, o que tornou impossvel ignorar a imagem do meucorpo nu enquanto eu me inclinava para abrir a torneira. Mi-nha magreza sempre me intrigava. Meus braos finos no pare-ciam engrossar muito mais at os ombros, e meu peito notinha qualquer trao de gordura nem de msculo. Aquela vi-so me envergonhava, e me perguntei se havia algo que eu pu-

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    desse fazer em relao ao espelho. Abri a cortina branca e entreino boxe.

    Infelizmente, o chuveiro parecia projetado para uma pes-soa com um metro de altura, ou seja, a gua batia na barriga...com toda a fora de uma torneira pingando. Para lavar o meurosto encharcado de suor, tive que afastar as pernas e me abai-xar bastante. Sem dvida John F. Kennedy (que, segundo a suabiografia, tinha um metro e oitenta e trs, exatamente a minhaaltura) no teve queficar deccorasno colgio interno. No, isso

    era um horror completamente diferente, e enquanto o chuvei-ro molhava lentamente o meu corpo, eu me perguntei se pode-ria mesmo encontrar um Grande Talvez ali ou se tinha cometidoum enorme erro de julgamento.

    Quando sa do banheiro, a toalha enrolada na cintura, vi umcara baixinho e forte com uma cabeleira castanha arrastandouma gigantesca sacola verde-militar para dentro do quarto. Eletinha pouco mais de um metro e meio, mas era bem-apessoado,como um Adnis em miniatura. Junto chegou o cheiro da fuma-a de cigarro entranhada nele. timo, pensei, estou prestes a co-nhecer o meu colega de quarto e estoupelado. Ele puxou a bolsa,fechou a porta e veio na minha direo.

    Sou Chip Martin anunciou com uma voz grossa de

    locutor de rdio, e, antes que eu pudesse responder, acrescen-tou: Eu apertaria a sua mo, mas acho melhor voc se con-centrar em segurar essa toalha at vestir alguma roupa.

    Eu ri, acenei com a cabea para ele (isso legal, no ?, con-cordar com a cabea?) e disse:

    Sou Miles Halter. um prazer, cara. Miles, como milhas? A percorrer antes de dormir?

    perguntou. Hein? um poema do Robert Frost. Nunca leu nada dele?Fiz que no com a cabea.

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    Sorte sua. Ele sorriu.Peguei uma cueca limpa, um calo azul da Adidas e uma

    camiseta branca. Murmurei que voltava em um segundo emergulhei de volta no banheiro. Que beleza de primeira im-presso.

    E a, cad os seus pais? perguntei, do banheiro. Os meus pais? O meu pai est na Califrnia, talvez sen-

    tado na poltrona dele, talvez dirigindo o caminho. Mas estbebendo, com certeza. E a minha me provavelmente est sain-

    do agora mesmo do campus. Ah deixei escapar, agora vestido, sem saber como rea-

    gir a informaes to pessoais.Acho que no devia ter perguntado, se no queria saber.Chip pegou alguns lenis e os jogou na cama de cima. Sempre fico com a cama de cima. Espero que no se im-

    porte. Hum, no. Para mim, tanto faz. Vi que voc decorou o lugar comentou ele com um

    gesto na direo do mapa-mndi. Gostei.E comeou a listar os nomes dos pases. Falava sem alterar o

    tom da voz, como se j tivesse feito aquilo mil vezes antes.Afeganisto.

    Albnia.Andorra.Arglia.Argentina.E por a foi. Terminou a letra a antes de virar e perceber

    minha expresso incrdula. Posso continuar, mas provavelmente voc vai ficar ente-

    diado. Aprendi essas coisas no vero. Voc no tem ideia decomo New Hope, no Alabama, chata. No tem nada para fa-zer, s ficar vendo as plantaes de soja crescerem. Por falarnisso, de onde voc ?

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    Flrida respondi. Nunca fui l. Isso muito legal, essa coisa dos pases disse eu. , todo mundo tem um talento. Eu sou bom em decorar.

    E voc? Hum, eu sei as ltimas palavras de muita gente.Memorizar isso era meu prazer secreto. Algumas pessoas

    tinham o chocolate. Eu tinha as declaraes finais dos mori-bundos.

    Exemplo? Gosto da do Henrik Ibsen. Era um dramaturgo.Eu sabia muita coisa sobre Ibsen, mas nunca tinha lido nenhu-

    ma das suas peas. No gostava de peas. Gostava de biografias. , sei quem ele era disse Chip. Pois , ele estava doente havia um bom tempo, e a enfer-

    meira falou: Esta manh o senhor parece estar se sentindomelhor. Ibsen olhou para ela e disse: Pelo contrrio, e entomorreu.

    Chip riu. Isso mrbido. Mas eu gosto.Ele contou que era seu terceiro ano em Culver Creek. Ti-

    nha comeado no nono, o primeiro da escola, e agora estava no

    penltimo, como eu. Era bolsista. Bolsa integral. Quando sou-be que aquela era a melhor escola do Alabama, escreveu umacarta de admisso dizendo como seria bom ir para uma insti-tuio onde pudesse ler livros grandes, j que no podia fazerisso na prpria casa, porque o pai sempre usava os livros parabater nele. Chip escolhia livros curtos e sem capa dura, para aprpria segurana. Os pais se divorciaram quando estava nodcimo ano. Ele gostava da Creek, como a chamava.

    preciso tomar cuidado com os alunos e com os profes-sores daqui. E eu odeio ter que tomar cuidado. Ele deu umsorriso malicioso.

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    Eu tambm odiava ter que ser cuidadoso. Ou pelo menosqueria odiar.

    Chip me contou tudo isso enquanto esvaziava a sacola e jo-gava as roupas nas gavetas de qualquer maneira. Ele no acre-ditava em ter uma gaveta para meias e outra para camisetas,por exemplo, e sim que todas as gavetas tinham sido criadas damesma forma e deveriam ser preenchidas sem distino com oque quer que coubesse nelas. Minha me teria morrido.

    Assim que terminou de arrumar as coisas, Chip me bateu

    com fora no ombro. Espero que voc seja mais forte do que parece disse, e

    saiu, deixando a porta aberta.Voltou alguns segundos depois e colocou s a cabea para

    dentro. Eu estava em p, sem me mexer. Vamos, Milhas Halter. Temos coisas a fazer.Fomos at a sala de tev, onde, segundo Chip, ficava a nica

    tev a cabo do campus. Durante o vero, o local servia como dep-sito. Cheia quase at o teto com sofs, geladeiras e tapetes enrola-dos, a sala estava movimentadssima com garotos procurandosuas coisas e tentando lev-las dali. Chip cumprimentou algu-mas pessoas, mas no me apresentou. Enquanto ele circulavapelo labirinto entulhado de sofs, fiquei parado perto da entrada

    da sala fazendo de tudo para no atrapalhar as duplas de colegasde quarto que manobravam os mveis na porta estreita.

    Demorou dez minutos at Chip encontrar as coisas dele, emais uma hora nas quatro viagens de ida e volta que fizemosentre a sala de tev e o Quarto 43. No fim, eu queria entrar nofrigobar do Chip e dormir por mil anos, mas ele parecia imunetanto ao cansao quanto insolao. Sentei no sof.

    Encontrei esse sof jogado em uma calada perto decasa h alguns anos contou ele, enquanto montava o meuPlaystation 2 em cima do ba dele ao p da cama. Sei que ocouro tem umas rachaduras, mas e da? um sof muito legal.

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    O couro tinha mais que umas rachaduras. Trinta por centodo sof era de couro falso azul-beb e setenta por cento, de es-puma, mas eu estava bem confortvel.

    Tudo certo disse ele. Estamos quase terminando. Chip andou at a mesa dele e pegou um rolo de fita adesiva emuma gaveta. S precisamos do seu ba.

    Levantei e puxei o ba de baixo da cama. Chip o posicio-nou entre o sof e o Playstation 2 e comeou a rasgar tiras fi-nas da fita. Ele as colou no ba formando as palavras MESADE

    CENTRO. Pronto declarou ele. Depois sentou e ps o p em cima

    da, h, mesa de centro. Tudo arrumado.Sentei-me ao lado dele, que olhou para mim e, de repente,

    disse: Cara, no vou ser o seu bilhete de entrada na vida social

    da Culver Creek. Hum, tudo bem respondi, mas podia ouvir as palavras

    engasgadas na minha garganta.Eu tinha acabado de carregar o sof daquele cara sob um

    sol escaldante e agora ele no gostava de mim? Basicamente, existem dois grupos aqui explicou ele

    com uma urgncia crescente. Tem os alunos internos nor-

    mais, como eu, e tem tambm os Guerreiros da Segunda Sex-ta. Eles ficam no colgio durante a semana, mas so todosriquinhos que moram em Birmingham e vo para casa, para asmanses refrigeradas dos pais, todo fim de semana. Esses soos descolados. Eu no gosto deles e eles no gostam de mim,ento se voc veio para c achando que arrasava na escola p-blica e que vai arrasar aqui tambm, melhor no ser visto co-migo. Voc estudava em escola pblica, no estudava?

    Humm... murmurei.Perdido em meus pensamentos, comecei a mexer nas racha-

    duras do couro do sof, enfiando o dedo na espuma branca.

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    , estudou, provavelmente, porque se tivesse estudadoem escola particular, a porcaria do seu short ia ser do tamanhocerto.

    Ele riu. Eu usava o short um pouco abaixo dos quadris, esempre pensei que fosse maneiro. Por fim, eu disse:

    , vim de escola pblica. Mas no era nem um poucodescolado, Chip. Eu era um merdinha normal.

    Ah! Isso bom. E no me chame de Chip. Chame de Co-ronel.

    Segurei o riso. Coronel? . Coronel. E vamos chamar voc de... hum. Bujo. Hein? Bujo disse o Coronel. Porque voc muito magro.

    Isso se chama ironia, Bujo. J ouviu falar? Agora vamos desco-lar uns cigarros e comear esse ano direito.

    Ele saiu do quarto, de novo supondo que eu o seguiria, e des-sa vez segui mesmo. Felizmente, o sol estava descendo no hori-zonte. Andamos cinco portas e chegamos ao Quarto 48. Umquadro branco estava preso porta com fita adesiva, com as pa-lavras Alasca tem um quarto individual! escritas em azul.

    O Coronel me explicou que: 1) aquele era o quarto da Alas-

    ca; 2) o quarto dela era individual porque a garota que tambmdeveria ocup-lo tinha sido expulsa no fim do ano anterior; 3)Alasca tinha cigarros, apesar de o Coronel no se ter dado otrabalho de perguntar se 4) eu fumava, o que 5) eu no fazia.

    Ele bateu uma vez, firme. Uma voz gritou do outro lado daporta:

    Ah, meu Deus, eu tenho uma histria incrvel, baixinho.Ns entramos. Eu me virei para fechar a porta, e o Coronel

    balanou a cabea dizendo: Depois das sete, voc tem que deixar a porta aberta quan-

    do est no quarto de alguma garota.

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    Mas eu mal o ouvi, porque a garota mais gata da histriada humanidade estava parada minha frente vestindo umshort jeans rasgado e uma camiseta cor de pssego. E ela estavaconversando com o Coronel, falando alto e rpido.

    Ento, no primeiro dia de frias eu estou na minha velhacidade de Vine Station com um garoto chamado Justin, e esta-mos na casa dele vendo tev no sof, e, eu sei, eu estava namo-rando o Jake, na verdade ainda estou, o que um milagre, masJustin meu amigo de infncia. Ento, estamos vendo tev e

    conversando sobre provas e coisas do tipo, e o Justin passa obrao nos meus ombros e penso: ah, legal, somos amigos hmuito tempo, isso completamente normal. E estamos s con-versando e de repente estou no meio de uma frase sobre analo-gias ou algo assim, e como um gavio ele se abaixa e aperta meupeito. APERTA. Um APERTO bem firme de uns dois ou trs se-gundos, como se estivesse buzinando. E a primeira coisa em quepenso : Ok, como arranco essa garra do meu peito antes que eladeixe marcas permanentes?A segunda coisa:caramba, mal pos-so esperar para contar ao Takumi e ao Coronel.

    O Coronel riu. Eu fiquei parado, atnito, em parte pela for-a da voz que emanava daquela garota pequena (mas cheia decurvas, e que curvas!), e em parte pelas pilhas gigantes de livros

    que tomavam as paredes do quarto. Enchiam as estantes e seacumulavam em torres enormes apoiadas aleatoriamente nasparedes. Se uma delas casse, pensei, o efeito domin poderiaengolir ns trs em uma massa asfixiante de literatura.

    Quem esse cara que no est rindo da minha histriaengraada? perguntou ela.

    Ah, . Alasca, esse o Bujo. O Bujo decora as ltimas falasdas pessoas. Bujo, essa a Alasca. Apertaram o peito dela no vero.

    Ela caminhou at mim com a mo estendida, ento fez um mo-vimento rpido no ltimo instante e puxou meu short para baixo.

    Esse o maior short do estado do Alabama.

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    Eu gosto dele largo disse eu, envergonhado, e o puxeide volta.

    Na Flrida o meu short era legal. Bujo, mal comeamos nosso relacionamento e eu j vi

    esses cambitos com uma frequncia assustadora disse o Co-ronel, fingindo seriedade. Ento, Alasca, vende uns cigarrospara a gente.

    De algum modo o Coronel me convenceu a pagar cincodlares por um mao de Marlboro Light que eu no tinha a

    menor inteno de fumar. Ele chamou Alasca para sair conos-co, mas ela disse:

    Tenho que achar o Takumi e contar a ele sobre a aperta-da. Ela se virou para mim e perguntou: Por acaso voc oviu por a?

    Eu no tinha ideia se tinha visto Takumi, j que no tinhaideia de quem ele era. S balancei a cabea.

    Est bem. Encontro vocs no lago daqui a pouco. OCoronel assentiu.

    Na beira do lago, pouco antes da faixa de areia (que o Coroneldisse ser artificial), sentamos em um balano de madeira. Eufiz a piada obrigatria.

    No v agarrar o meu peito.O Coronel deu uma risada obrigatria. Quer um cigarro? perguntou.Eu nunca tinha fumado, mas j que estava na chuva... seguro aqui? No muito disse ele, e ento acendeu um cigarro e me

    entregou.Eu traguei. Tossi. Ofeguei. Fiquei sem ar. Tossi de novo.

    Achei que fosse vomitar. Agarrei o banco do balano, a cabeagirando, joguei o cigarro no cho e pisei nele, convencido deque o meu Grande Talvez no envolvia cigarros.

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    Tem fumado muito? Ele riu, depois apontou para umponto branco do outro lado do lago e disse: Est vendoaquilo?

    Estou. O que ? Uma ave? o cisne disse ele. Uau. Uma escola que tem um cisne. Uau. Esse cisne o filho do capeta. Isso o mais perto dele que

    podemos ficar. Por qu?

    Ele tem problemas com pessoas. Abusaram dele ou algoassim. Ele vai acabar com a sua raa. O guia o botou a paraimpedir que a gente d a volta no lago para fumar.

    guia? O sr. Starnes. Codinome: guia. O inspetor do colgio.

    Vrios professores moram no campus, e todos podem pegarvoc com a boca na botija. Mas s o guia mora perto dos alo-jamentos, e ele v tudo. Sente o cheiro de um cigarro a uns dezquilmetros.

    A casa dele aquela ali atrs? perguntei, apontando.Eu via a casa nitidamente, apesar da escurido, por isso de-

    duzi que o guia tambm pudesse nos ver. , mas ele s entra mesmo em modo de ataque quando

    comeam as aulas disse Chip, despreocupado. Se eu me meter em alguma confuso, os meus pais vo

    me matar. Voc est exagerando. Vai se meter em problemas, pode

    ter certeza. Mas noventa e nove por cento das vezes os seus paisnunca vo saber. A escola no quer que eles achem que vocvirou um bosta aqui, do mesmo jeito que vocno quer que osseus pais achem que voc um bosta.

    Chip soprou com fora uma baforada fina de fumaa nadireo do lago. Eu tinha que admitir: isso dava a ele um ardescolado. De algum modo, ficava mais alto. Ele prosseguiu:

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    Enfim, quando arrumar problema, s no entregue nin-gum. Quer dizer, eu odeio com todas as foras os riquinhosmetidos daqui, um dio que normalmente reservo apenas paraas idas ao dentista e para o meu pai. Mas nem por isso eu de-duraria algum deles. Basicamente, a nica coisa importante nunca, nunca, nunca e nunca entregar ningum.

    Est bem disse eu, apesar de ter me perguntado: se al-gum me der um soco na cara, devo dizer que sem querer deide cara em uma porta?

    Parecia meio idiota. Como lidar com valentes babacas sevoc no pode fazer nada contra eles? No perguntei isso aoChip, no entanto.

    Tudo bem, Bujo. Chegamos ao momento da noite emque me vejo obrigado a ir encontrar a minha namorada. Entome d uns cigarros desses a que voc nunca vai fumar mesmoe nos vemos mais tarde.

    Resolvi ficar ali, no balano, por um tempo, em parte por-que a temperatura tinha cado para agradveis, apesar de mi-dos, trinta graus e pouquinho, e em parte porque achei que aAlasca talvez aparecesse. Foi s o Coronel sair para os insetoschegarem: os mosquitos me rodeavam em quantidades tograndes que o rudo quase mnimo das suas asas batendo pare-

    cia uma enorme cacofonia. Resolvi fumar.Na hora, pensei: a fumaa vai afastar os insetos. E at certo

    ponto, afastou. Mas eu estaria mentindo se dissesse que metornei um fumante para espantar insetos. Passei a fumar por-que: 1) estava em um balano de madeira, sozinho; 2) tinhacigarros, e 3) achei que se todo mundo conseguia fumar sembotar os pulmes para fora, droga, eu tambm tinha que con-seguir. Em suma: eu no tinha nenhum motivo l muito bom.Ento, sim, vamos dizer que 4) foram os insetos.

    Consegui dar trs tragadas antes de sentir enjoo, tontura e al-gum prazer. Levantei para ir embora, e uma voz atrs de mim disse:

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    Ento voc decora mesmo ltimas palavras?Ela correu em minha direo, agarrou o meu ombro e me

    empurrou de volta para o balano. Isso. E, hesitante, acrescentei: Quer me testar? JFK sugeriu ela. Isso bvio respondi. Ah, ? At parece provocou ela. No, essas foram mesmo as ltimas palavras dele. Al-

    gum disse: Sr. Presidente, o senhor no pode dizer que Dallas

    no o ama, e ento ele disse: Isso bvio, e levou um tiro.Ela riu. Nossa, que horrvel. Eu no deveria rir. Mas vou. E

    ento riu de novo. Est bem, sr. Garoto das ltimas PalavrasFamosas. Tenho outra para voc. Ela mexeu na mochila lota-da de coisas e tirou um livro. Gabriel Garca Mrquez. O ge-neral em seu labirinto. um dos meus livros favoritos. sobreSimn Bolvar.

    Eu no sabia quem era Simn Bolvar, mas ela no me deutempo nem para perguntar.

    um romance continuou , por isso no sei se ver-dade, mas, no livro, sabe quais so as ltimas palavras dele?No, no sabe. Mas j vou lhe dizer,seorObservaes de Des-

    pedida.Ento ela acendeu um cigarro e deu uma tragada to forte

    e profunda que achei que ele fosse acabar de uma vez s. Elasoltou a fumaa e leu para mim:

    Ele..., ou seja, Simn Bolvar, estava abalado pela revela-o deslumbrante de que a corrida louca entre os seus sonhose infortnios naquele momento estivesse alcanando a linhade chegada. O resto eram as trevas. Maldio, suspirou.Como vou sair desse labirinto?

    Eu reconhecia ltimas palavras grandiosas quando as ou-via, e pensei comigo mesmo que precisava conseguir uma bio-

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    grafia daquele tal de Simn Bolvar. Uma bela ltima fala, maseu no tinha entendido direito.

    Mas o que o labirinto? perguntei a ela.Aquele parecia ser um momento to oportuno quanto qual-

    quer outro para dizer que ela era linda. Do meu lado na escuri-do, ela cheirava a suor, luz do sol e baunilha, e naquela noite delua minguante eu pouco via da sua silhueta, exceto quando elafumava, quando a brasa do cigarro iluminava seu rosto, que ad-quiria um tom vermelho plido. Mesmo no escuro eu admirei os

    seus olhos, esmeraldas intensas. Aqueles olhos seriam capazesde convencer voc a fazer qualquer coisa que ela pedisse. E elano tinha apenas um rosto bonito. Seu corpo era igualmentelindo, os peitos apertados na camiseta justa, as pernas torneadasse movendo para a frente e para trs no balano, os chinelos pen-durados nos dedos dos ps com unhas pintadas de um azul for-te e brilhante. Foi exatamente ali, entre o momento em queperguntei sobre o labirinto e a resposta dela, que percebi a impor-tnciadas curvas, dos milhares de partes do corpo das garotasque gradualmente mudam de forma, da sola do p ao tornozelo,do tornozelo panturrilha, da panturrilha ao quadril, ao seio, aopescoo, ao nariz arrebitado, testa, ao ombro, s costas, bun-da, e por a vai. Eu j tinha prestado atenoa curvas antes, mas

    nunca tinha realmente entendido o seu significado.Com a boca to perto de mim que eu podia sentir o seu

    hlito, mais quente que o ar, ela disse: Esse o mistrio, no ? O labirinto viver ou morrer?

    De qual deles ele est tentando escapar?Esperei que continuasse, mas aps algum tempo, ficou evi-

    dente que queria uma resposta. Hum, no sei disse eu finalmente. Voc leu mesmo

    todos aqueles livros no seu quarto? No, claro que no. Ela riu. Devo ter lido talvez um

    tero deles. Mas vou ler todos. Eu os chamo de A Biblioteca da

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    Minha Vida. Desde que eu era pequena, ia todo vero s vendasde garagem e comprava os livros que achava interessantes. As-sim eu sempre tinha o que ler. Mas tem muita coisa para apro-veitar na vida: cigarros para fumar, sexo para fazer, balanospara balanar. Vou ter mais tempo para ler quando ficar velhae chata.

    Ela disse que eu a fazia se lembrar do Coronel quando elechegou a Culver Creek. Eles entraram na mesma poca; doisbolsistas com, nas palavras dela, um interesse comum por be-

    bida e trotes. A expresso bebida e trotes me deixou commedo de ter cado justamente no meio do que a minha me cha-mava de pessoas erradas, mas, para pessoas erradas, os doispareciam bem inteligentes. Enquanto ela acendia outro cigarrona guimba do anterior, contou que, quando chegou ali, o Coro-nel era inteligente, mas ainda no tinha vivido muita coisa.

    Eu resolvi esse problema rapidinho. Ela sorriu. Nofim do ano eu j tinha arrumado uma namorada para ele, umagarota muito legal chamada Janice. Ela nem era Guerreira daSegunda Sexta nem nada, mas Chip a largou um ms depois,porque ela era rica demais para o sangue dele, embebido empobreza. Mas isso no vem ao caso. Nosso primeiro trote da-quele ano foi encher o cho da sala 4 de bolas de gude. Ns fi-

    zemos progressos depois disso, claro. Ela riu.Ento Chip virou o Coronel, planejando os trotes como

    um militar, e Alasca sempre Alasca, a majestosa fora criativapor trs deles.

    Voc inteligente como ele disse ela. S que mais cala-do. E fofo, mas eu no falei isso, porque amo o meu namorado.

    Voc tambm bem bonitinha respondi, atordoadocom o elogio. Mas eu nem falei isso, porque amo a minha na-morada. Ah, espere a. Que bobagem. Eu no tenho namorada.

    Ok. Ela riu. No se preocupe, Bujo. Se tem umacoisa que eu posso arrumar para voc uma namorada. Vamos

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    31QUEM VOC, ALASCA?

    fazer um acordo: voc descobre o que o labirinto e como sairdele, e eu vou dar um jeito de voc transar.

    Fechado.Trocamos um aperto de mos para selar o trato.

    Caminhamos juntos para os alojamentos. As cigarras canta-vam a sua cano montona, do mesmo modo que faziam naFlrida. Alasca se virou para mim enquanto vagvamos pelaescurido.

    Quando est andando noite, voc no fica morrendode medo e com vontade de correr e chegar logo em casa, mes-mo que isso seja idiota e vergonhoso? perguntou ela.

    Parecia secreto e pessoal demais admitir algo assim parauma completa estranha, mas disse a ela:

    , verdade.Por um instante, ela ficou quieta. Depois segurou a minha

    mo e sussurrou: Corre, corre, corre, corre, corre.E saiu em disparada, me puxando junto.