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Proposta de intervenção com adolescentes em conflito com a lei: um estudo de caso Ricardo da Costa Padovani Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams Universidade Federal de São Carlos RESUMO Adolescentes em conflito com a lei sempre fizeram presença na sociedade. O objetivo do presente estudo consistiu em descrever uma intervenção com adolescentes em conflito com a lei utilizando estratégias de resolução de problemas. Os quatros participantes estavam em regime de internação provisória em uma instituição vinculada à Vara da Infância de uma cidade do interior de São Paulo. Instrumentos utilizados: Entrevista Individual, Escala de Transtorno de Raiva (ADS-VII), Escala de Depressão, Escala de Auto-estima, Questionário de Avaliação do Atendimento, auto-relato dos participantes e monitoramento das infrações. O programa de intervenção consistiu de 10 sessões individuais, sendo três sessões na fase de pré-teste e sete sessões na fase de intervenção. As entrevistas forneceram dados ricos sobre os perfis dos participantes, como: baixa escolaridade, histórico de violência e múltiplas infrações. Durante o estudo foi observada a diminuição dos escores de raiva em dois participantes, a auto-estima manteve-se alta e todos apresentaram uma diminuição no escore de depressão. O follow-up foi realizado apenas com dois participantes. Palavras-chave: adolescente infrator; intervenção psicológica; resolução de problemas. ABSTRACT Intervention project with young offenders: a case study Young offenders have always marked their presence in society. The goal of the present study was to describe an intervention program with young offenders based in problem-solving strategies. The four male participants were taking part of a temporary detention program in a center for young offenders into a city of São Paulo State. Instruments used: Individual Interview, The Anger Disorder Scale (ADS-VII), Beck Depression Inventory, Self-esteem Scale, Satisfaction with Treatment Questionnaire, participants self-reports and monitoring of offenses. The intervention program consisted of 10 individual sessions, three pre-testing and seven during the intervention phase. The interviews provided enriching data about the participants’ profile including: low-educational status, a history of family violence and multiple offenses. Results indicated that two participants decreased their anger scores after the intervention; high levels of self-esteem were maintained and all four participants decreased their depression levels. Follow-up data was obtained from two participants only. Keywords: young offenders; psychological intervention; problem-solving. Adolescentes em conflito com a lei sempre fizeram presença na sociedade. Convém lembrar que o menor envolvido em atos infracionais é um fenômeno uni- versal. A literatura tem mostrado que há uma convergên- cia na descrição das características de tais jovens em diferentes culturas. Dentre as principais estão: viola- ção persistente de normas e regras sociais, uso preco- ce de tabaco, bebidas alcoólicas e drogas, histórico de comportamento anti-social, envolvimento em brigas, humor depressivo, reincidência de atos infracionais, envolvimento com pares desviantes e evasão escolar (Huizinga, Loeber, Thornberry & Cothern, 2000; Kauffman, 2001; Meichenbaum, 2001; Patterson, Reid & Dishion, 1992; Reid & Eddy, 2002). Em relação aos fatores de risco para a conduta infracional pode-se destacar: histórico de violência intrafamiliar, viver em uma comunidade violenta, influência de pares, distanciamento de pessoas que não se comportam criminalmente, alta tolerância a infrações, exposição a situações de risco, disciplina e monitoramento inconsistentes dos pais e existência de condições socioeconômicas desfavorecidas (Gomide, 2003; Kauffman, 2001; Patterson & cols. 1992; Reid & Eddy; 2002). Feldman (1979) destaca que a manutenção da transgressão pode ser explicada pelos efeitos reforça- dores gerados pelas práticas anti-sociais (controle do grupo, ganho de status) e também pela remota possi- bilidade de serem surpreendidos.

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Proposta de intervenção com adolescentes em conflito com a lei:um estudo de caso

Ricardo da Costa Padovani

Lúcia Cavalcanti de Albuquerque WilliamsUniversidade Federal de São Carlos

RESUMO

Adolescentes em conflito com a lei sempre fizeram presença na sociedade. O objetivo do presenteestudo consistiu em descrever uma intervenção com adolescentes em conflito com a lei utilizandoestratégias de resolução de problemas. Os quatros participantes estavam em regime de internaçãoprovisória em uma instituição vinculada à Vara da Infância de uma cidade do interior de São Paulo.Instrumentos utilizados: Entrevista Individual, Escala de Transtorno de Raiva (ADS-VII), Escala deDepressão, Escala de Auto-estima, Questionário de Avaliação do Atendimento, auto-relato dosparticipantes e monitoramento das infrações. O programa de intervenção consistiu de 10 sessõesindividuais, sendo três sessões na fase de pré-teste e sete sessões na fase de intervenção. As entrevistasforneceram dados ricos sobre os perfis dos participantes, como: baixa escolaridade, histórico deviolência e múltiplas infrações. Durante o estudo foi observada a diminuição dos escores de raiva emdois participantes, a auto-estima manteve-se alta e todos apresentaram uma diminuição no escore dedepressão. O follow-up foi realizado apenas com dois participantes.

Palavras-chave: adolescente infrator; intervenção psicológica; resolução de problemas.

ABSTRACT

Intervention project with young offenders: a case study

Young offenders have always marked their presence in society. The goal of the present study was todescribe an intervention program with young offenders based in problem-solving strategies. The fourmale participants were taking part of a temporary detention program in a center for young offendersinto a city of São Paulo State. Instruments used: Individual Interview, The Anger Disorder Scale(ADS-VII), Beck Depression Inventory, Self-esteem Scale, Satisfaction with TreatmentQuestionnaire, participants self-reports and monitoring of offenses. The intervention programconsisted of 10 individual sessions, three pre-testing and seven during the intervention phase. Theinterviews provided enriching data about the participants’ profile including: low-educational status, ahistory of family violence and multiple offenses. Results indicated that two participants decreasedtheir anger scores after the intervention; high levels of self-esteem were maintained and all fourparticipants decreased their depression levels. Follow-up data was obtained from two participantsonly.

Keywords: young offenders; psychological intervention; problem-solving.

Adolescentes em conflito com a lei sempre fizerampresença na sociedade. Convém lembrar que o menorenvolvido em atos infracionais é um fenômeno uni-versal.

A literatura tem mostrado que há uma convergên-cia na descrição das características de tais jovens emdiferentes culturas. Dentre as principais estão: viola-ção persistente de normas e regras sociais, uso preco-ce de tabaco, bebidas alcoólicas e drogas, histórico decomportamento anti-social, envolvimento em brigas,humor depressivo, reincidência de atos infracionais,envolvimento com pares desviantes e evasão escolar(Huizinga, Loeber, Thornberry & Cothern, 2000;Kauffman, 2001; Meichenbaum, 2001; Patterson,Reid & Dishion, 1992; Reid & Eddy, 2002).

Em relação aos fatores de risco para a condutainfracional pode-se destacar: histórico de violênciaintrafamiliar, viver em uma comunidade violenta,influência de pares, distanciamento de pessoas quenão se comportam criminalmente, alta tolerância ainfrações, exposição a situações de risco, disciplina emonitoramento inconsistentes dos pais e existência decondições socioeconômicas desfavorecidas (Gomide,2003; Kauffman, 2001; Patterson & cols. 1992; Reid& Eddy; 2002).

Feldman (1979) destaca que a manutenção datransgressão pode ser explicada pelos efeitos reforça-dores gerados pelas práticas anti-sociais (controle dogrupo, ganho de status) e também pela remota possi-bilidade de serem surpreendidos.

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Estudos destacam que o trabalho com estratégiasde resolução de problemas e com relações sociaiscontingentes (Gomide, 1990; Kaplan, Sadock &Grebb, 1997) pode constituir uma estratégia metodo-lógica eficaz no estudo com adolescentes que exibemcomportamentos inadequados socialmente.

A estratégia de resolução de problemas pode serdefinida (D’Zurilla & Goldfried, 1971) como um pro-cesso cognitivo-comportamental no qual o partici-pante aprende a ter disponível uma variedade de res-postas alternativas potencialmente efetivas, au-mentando a probabilidade de selecionar a respostamais adequada. Essa estratégia permite que o indiví-duo adquira habilidades para levantar informaçõesrelevantes e avaliar as conseqüências envolvidas emcada ação.

Apesar da urgência em se propor soluções deintervenção para essa população, infelizmente, o quese verifica na literatura brasileira é um número redu-zido de programas voltados para o seu atendimento(Carvalho, 2003; Gomide, 1990). Portanto, o desen-volvimento de novos programas de intervenção quevenham contribuir nesse campo de pesquisa é de fun-damental importância.

O objetivo da presente estudo consistiu em descre-ver uma intervenção com adolescentes em conflitocom a lei utilizando estratégias de resolução de pro-blema.

MÉTODO

Participantes

Quatro adolescentes infratores do sexo masculino,sendo três com 16 anos e um com 17 anos participa-ram do estudo. Todos estavam em regime de interna-ção provisória.

Consentimento livre e esclarecido

Dado que o Poder Familiar encontrava-se tempora-riamente com o Estado, o Juiz da Vara da Infância eda Juventude concedeu uma autorização formal paracada adolescente. A intervenção foi realizada somentequando o adolescente concordou em participar doprograma, estando claro que a não participação domesmo não implicaria em quaisquer posturas puniti-vas ou coercitivas.

Local

O estudo foi conduzido em uma sala de atendi-mento psicoeducacional de uma instituição vinculadaà Vara da Infância e da Juventude de uma cidade deporte médio do interior de São Paulo.

Instrumentos de coleta de dados

Instrumentos utilizados: Roteiro de Entrevista Ini-cial; Inventário de Depressão (BID – Beck, Rush,Shaw & Emery, 1979); Escala de Transtorno de Raiva– ADS-VII (DiGiuseppe, Eskhardt, Tafrate, Robi &Kopec, 1998 – versão traduzida e adaptada pelo pri-meiro autor); Escala de Auto-Estima (Rosenberg,1965); Questionário de Avaliação do Programa deIntervenção; monitoramento de possíveis atos infracio-nais e registro do auto-relato dos participantes sobreestratégias trabalhadas durante a intervenção.

Procedimento

O estudo consistiu em 10 sessões individuais, sen-do três sessões realizadas na fase de pré-teste e setesessões na fase de intervenção. Em função do tempomédio de internação (15 dias), as sessões eram geral-mente diárias com duração média de uma hora cada,sendo realizadas no período da manhã para minimizarpossíveis interferências na dinâmica da instituição.

Na primeira sessão do pré-teste, foi aplicado oRoteiro de Entrevista Individual; na segunda sessãofoi aplicado a Escala de Transtorno de Raiva – ADS-VII e na terceira sessão da fase anterior à intervençãofoi aplicada a Escala de Auto Estima e o Inventário deDepressão. Os adolescentes podiam optar entre reali-zar a leitura supervisionada dos instrumentos ou aleitura realizada pelo pesquisador.

As sessões do programa de intervenção foram ba-seadas nos trabalhos de D’Zurilla e Goldfried (1971),Hawton e Kirk (1997), Nezu e Nezu (1999), O’Leary,Heyman e Neidig (1999) e Padovani e Williams(2002). Em tal fase, o pesquisador inicialmente expli-cava os fundamentos da resolução de problemas erealizada uma série de exercícios para analisar o re-pertório inicial do participante e ensinar novas estra-tégias. Os exercícios envolviam: descrição dos even-tos antecedentes ao comportamento infrator que cau-sou a internação, análise das conseqüências associadasao evento, levantamento e análise de alternativas po-tencias, avaliação da alternativa selecionada e impli-cações da escolha para si próprio e para terceiros. Parafacilitar o processo avaliativo era solicitado para oparticipante atribuir notas de 0 a 10 para cada alterna-tiva, sendo 0 ausência de riscos e 10 máximo de risco.Paralelamente o pesquisador ensinava técnicas derelaxamento, análise de pensamentos disfuncionais,brainstorming e time-out. Explicava ainda, que a apli-cação de tais estratégias seria de grande relevância noprocesso de prevenção de resposta automática. Nofinal da sessão pesquisador enfatiza a importância depensar nas conseqüências antes de emitir qualquercomportamento que possa envolver riscos para si pró-prio e para terceiros. A Tabela 1 a seguir descreve ostemas e atividades desenvolvidas em cada sessão.

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Tabela 1: Temas e atividades desenvolvidos em cada sessão

Sessão Tema / atividade1 Análise do repertório de resolução de problemas, identificação e aceitação da situação problema.2 Levantamento de uma situação problema, lista de alternativas potenciais, brainstorming, levantamento e

análise das possíveis conseqüências.3 Modelo cognitivo-comportamental da raiva, técnica de controle da raiva, opções de pensamentos, time-

out, treinamento auto-instrucional, relaxamento.4 Identificação de sentimentos, prevenção de resposta automática, identificação de respostas somáticas,

levantamento de alternativas, técnicas de autocontrole, análise de conseqüências, análise de crenças.5 Levantamento de situação problema, reavaliação da situação, análise das possíveis conseqüências, com-

binação de elementos na resolução de problema, time-out, prevenção de resposta automática, levanta-mento de ganhos.

6 Avaliação da intervenção.

Na fase de pós-teste (sétima sessão) eram reaplica-dos os instrumentos da fase de pré-teste. Por fim, eraexplanado que após três meses do término da inter-venção o pesquisador iria entrar em contato paraacompanhamento.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Três adolescentes tiveram 100 % de presença noprograma de intervenção, sendo que o participante 4(P4) participou de 90% das atividades, alegando estarcom dor de cabeça em uma sessão.

O perfil dos adolescentes envolvidos no programade intervenção indicou história de fracasso e evasãoescolar; envolvimento em lutas corporais e consumode bebidas alcoólicas. Adicionalmente dois partici-pantes (P1, P3) relataram fazer uso de drogas ilícitas.

A estrutura familiar era caracterizada por membrosque exerciam atividades profissionais com pouca qua-lificação com renda familiar entre 3-4 salários míni-mos. Apenas um participante (P2) não indicou ocor-rência de violência doméstica no âmbito familiar.

Ao consultar a base de dados da presente institui-ção constatou-se que P4 foi o participante que come-teu o maior número de infrações (sete infrações) e P2,

o que cometeu o menor número (apenas uma infra-ção). P3 foi o participante que cometeu o delito maisgrave (homicídio doloso), sendo furto a infração maisfreqüente entre os participantes.

A Figura 1 a seguir ilustra os escores obtidos porcada participante no Inventário de Depressão, Escalade Transtorno de Raiva e Escala de Auto-estima nasfases do estudo ao longo do estudo.

É possível notar um decréscimo dos escores de de-pressão obtidos por todos os participantes no pós-teste. Na fase de follow-up, o participante 2 indicouausência de sintomatologia depressiva. O participanteP3, em contraste, indicou um aumento expressivo dadepressão. Cabe explicar que P3, na ocasião dofollow-up, estava internado na Febem em decorrênciada infração cometida (homicídio doloso), explicandoem parte o aumento da sintomatologia depressiva. Orelato a seguir sustenta essa hipótese: “Já faz três me-ses. Não é fácil, não. Só na visita me sinto mais ale-gre”. Adicionalmente, P3 referiu-se à relação empáti-ca estabelecida com o pesquisador (“Foi muito bomconversar com o senhor”) e salientou o efeito positivodo programa de intervenção (“Você me ajudou a racio-cinar mais certo”).

Inventário de Depressão

0

21

42

63

pré-teste pós-teste follow-up

Escala de Transtorno de Raiva

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4

0

28

56

84

112

pré-teste pós-teste follow-up

Escala de Auto-Estima

0

10

20

30

40

pré-teste pós-teste follow-up

P1 P2 P3 P4

Figura 1: Desempenho dos participantes no Inventário de Depressão,Escala de Transtorno de Raiva e Escala de Auto-estima nas fases do estudo.

Com relação ao desempenho de cada participantena Escala de Transtorno de Raiva (ADS-VII), verifi-cou-se que metade dos participantes (P2 e P3) nãoapresentou mudanças marcantes no desempenho du-rante a fase de pré e pós teste. É possível que tais par-ticipantes, temendo à adoção de novas medidas puni-tivas e coercitivas, tenham minimizado e/ou evitado orelato de comportamentos que indicassem dificulda-des para controlar a raiva. Outra hipótese seria que aintervenção não foi eficaz no controle da raiva.

Contrariando os dados da literatura (Patterson &cols., 1992), verificou-se, conforme observado naFigura 1, que todos os participantes tiveram um de-sempenho adequado na Escala de Auto-Estima aolongo de todas as fases do estudo. Dentre as possíveishipóteses para tal dado pode-se destacar: conseqüên-cias positivas provenientes da infração, apesar de so-cialmente inadequada e o reforço social dos demaisadolescentes mantidos em regime de internação (P3era chamado pelos demais adolescentes de “homici-

da”, terminologia que parecia ser indicativa de res-peito e medo).

Ao se analisar o repertório de resolução de pro-blemas, foi possível verificar que os participantesestavam sob controle de conseqüências reforçadorasimediatas e apresentavam estratégias de resolução deproblemas socialmente inadequadas.

Na fase de levantamento dos eventos antecedentesao comportamento infrator, P1 relatou que, diante dafalta de dinheiro para ir a um show de Rap, emprestouum revólver para fazer um assalto: “Apontei o revól-ver para o bilheteiro do ônibus, catei o dinheiro e saicorrendo. Cheguei em casa tomei um banho e fui parao show”.

Fatos semelhantes foram observados com P3 que,apesar de indicar, inicialmente uma resposta adequadaignorando uma provocação, em um segundo momen-to, na presença de amigos, empregou uma soluçãoinadequada. Segue o relato do participante sobre oocorrido: “Eu estava sozinho na rua e o cara me tiroude bosta. Deixei quieto. No outro dia quando eu esta-

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va com meus amigos, ele apanhou. Depois disso nun-ca mais me tirou de bosta” (P3).

Em contrapartida, no levantamento de alternativaspara a resolução de problemas, pode-se verificar queos adolescentes não encontraram dificuldades em criarsoluções verbais socialmente adequadas. Diante dafalta de dinheiro P1 relatou que poderia: “roubar, pe-dir dinheiro para o irmão, trabalhar e ficar com a ca-beça no lugar”. Elegeu trabalhar como alternativamais adequada. Ao analisar as conseqüências de tra-balhar, acrescentou: “é excelente, não tem nenhumproblema. Não ia internado, nem ficava sem liberda-de”. Nota-se, ainda, que o participante priorizou adecisão que não implicaria em conseqüências negati-vas ou risco para si próprio ou para os outros, além degarantir a maximização dos ganhos. Comportamentossemelhantes foram observados com os demais partici-pantes.

Ainda em relação à falta de dinheiro, situação tam-bém vivenciada por P2 e que ocasionou a internação,o participante indicou como alternativas “assaltar,esperar até arrumar emprego, não assaltar e tentararrumar dignamente”. Escolheu como mais vantajosaa alternativa “esperar até arrumar um emprego”. Re-latou, ainda, que tal atitude não acarretaria em outrosproblemas e que, portanto, evitaria situações adversase indesejáveis.

Quanto à problemática que envolvia ameaça deagressão de um estranho, P3 apontou: “Mexer comele, deixar quieto, ir atrás dele depois, sair e deixar eleficar amolando, sair de perto”. Elegeu como alternati-va mais ajustada “sair de perto”, complementandoainda: “é lógico que é essa alternativa, mas raramenteacontece comigo”. Ao fazer tal comentário P3 indicouque, apesar de tal decisão se apresentar como a menosproblemática, dificilmente ela aconteceria na realidadequando ele se deparasse com uma situação de provo-cação. Tal constatação pode ser indicativa de dificul-dades no manejo de situações adversas, dificuldadesde autocontrole e manejo de raiva, impulsividade ebaixa tolerância à frustração. O presente relato tam-bém evidência a dificuldade de se mudar contingên-cias reforçadoras estabelecidas, mesmo que envolvamriscos para si próprio ou para terceiros. Isso explica,em parte, a manutenção da transgressão independentedo processo de punição (perda de liberdade) aplicadopelo sistema judicial. Portanto, fica evidente a neces-sidade de se desenvolver estudos para analisar e im-plementar a generalização de habilidades de resoluçãode problemas sociais com tal população.

Apenas dois participantes (P2 e P3) foram locali-zados no follow-up: P2 já havia cumprido a medidasocioeducativa aplicada (Liberdade Assistida), sendo

encontrado em seu domicílio e P 3, como menciona-do, estava internado em uma unidade da Febem (Opesquisador foi informado por um parente de P1 que oadolescente estava morando em outra cidade do inte-rior paulista, juntamente com o pai, para ficar “longedas más companhias”. P4 foi procurado na LiberdadeAssistida, mas o adolescente faltara na reunião previa-mente agendada com o técnico responsável peloacompanhamento da medida).

Para os dois participantes localizados na fase defollow-up (P2, P3), observou-se um aumento dos es-cores no instrumento de mensuração de raiva. Dentreas hipóteses explicativas para tal, pode-se destacar queP2, tendo cumprido a medida judicial, não temeu aexposição de comportamentos que indicassem dificul-dades no controle da raiva. Para P3, supõe-se, que aestrutura e o ambiente coercitivo da Febem, tenhamcontribuído para o referido aumento do escore de rai-va. Em contraste, o nível de depressão aumentou ape-nas para P3 que continuava internado.

Em relação ao monitoramento de outros atos infra-cionais, notou-se ausência de infrações em três dosparticipantes e uma infração de menor gravidade(quebra de medida socioeducativa) para o 4º partici-pante, o que é promissor.

Entre as variáveis que possivelmente contribuírampara o desenvolvimento do estudo pode-se destacar:espaço para verbalizações sem medidas coercitivas,estabelecimento de uma relação empática com o pri-meiro autor e o próprio deslocamento da unidade deinternação à sala de atendimento.

Todos os participantes avaliaram a intervenção po-sitivamente. O participante 4 relatou: “Achei 10. Foimuito bom para mim. Me ajudou a refletir sobre omeu pensamento e minha vida”. P3 relatou ter ficadosatisfeito com o atendimento recebido, concluindo:“Você me deu muitas alternativas. Gostei de ter parti-cipado”.

CONCLUSÕES

O presente estudo mostrou que é possível intervircom essa população marginalizada e temida pela socie-dade. Entretanto, seria conveniente a condução deprojetos de pesquisas que avaliem de modo sistemáti-cos aqui obtidos. Tais projetos poderiam envolversessões de observação dos adolescentes em atividadese a utilização de recursos audiovisuais ou computacio-nais envolvendo estratégias de resolução de problema.São necessários esforços contínuos da ciência, doEstado e do Sistema Judicial para melhor atender talpopulação que aflige toda a sociedade.

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Enviado: 01/09/2004

1ª Revisão : 21/01/2005

2ª Revisão : 14/02/2005

Aceito: 14/03/2005

Sobre os autores:

Ricardo da Costa Padovani: Universidade Federal de São Carlos. Endereço eletrônico: [email protected].

Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams: Professora da Universidade Federal de São Carlos. CECH. Departamento de Psicologia.LAPREV (Laboratório de Análise e Prevenção à Violência).

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