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XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.004769
O POTENCIAL FORMATIVO DA ESCRITA DE MEMORIAIS DE PROFESSORES: REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE AUTOFORMAÇÃO PROFISSIONAL.
Eliane Greice Davanço Nogueira Fernanda Perez Soratto
Jocilene Cristina Da Silva
Resumo: O foco do estudo realizado, que deu origem a esse artigo, foi o conhecimento compartilhado no processo de escrita de memoriais, como ferramenta que proporciona visibilidade e reflexão à trajetória formativa de professores. A temática da formação de professores, vinculada as narrativas autobiográficas, está inserida em meu universo investigativo desde a pesquisa de doutorado, sendo que esta trajetória prosseguiu com o meu ingresso em outros grupos de pesquisa com interesse na temática. Atualmente, na coordenação do projeto de pesquisa Diálogos e acompanhamento: itinerários para a formação de professores iniciantes no Estado de Mato Grosso do Sul – projeto apoiado financeiramente pela FUNDECT/MS, a questão central continua ligada à construção do saber docente, buscando aprofundar a compreensão dos diferentes momentos em que se dá a formação do professor iniciante e os múltiplos fatores que contribuem para esse processo. O artigo ora apresentado, que se vincula ao referido projeto de pesquisa tem como propósito narrar a experiência formadora vivenciada durante o desenvolvimento da disciplina Formação de Professores no Brasil que compõem o currículo de um mestrado em educação, refletindo sobre as potencialidades, os alcances formativos deste tipo de escrita. A metodologia utilizada considerou narrativas autobiográficas, enquanto método científico, tomando o sujeito e suas experiências de vida e de formação como o objeto de seus estudos e, consequentemente, como a base da produção de novos conhecimentos relativos à própria pessoa e a sua prática. Os memoriais, de modo geral não só buscaram tornar reconhecidas as exigências da docência, mas também funcionaram como veículo para os mestrandos registrarem e reconstruírem o significado do magistério em suas vidas e evidenciaram que o próprio exercício da docência é formador permitindo a construção de saberes e experiências que definem e redefinem formas de pensar, de sentir e de agir. Palavras-chave: formação de professores, narrativas autobiográficas, memoriais.
Introdução
A temática da formação de professores vem se apresentando nos últimos
anos, como uma linha de investigação, que acabou por incluir também a própria
formação dos envolvidos neste propósito. E a escrita de memoriais como ferramenta
que possibilita compreender os limites, os contornos e o diálogo estabelecido entre
questões da vida escolar e da pessoal, essenciais para se compreender melhor a
fundamentação de se pensar o que se pensa e fazer o que se faz.
Por conta da crença na importância dos educadores narrarem suas histórias e
serem protagonistas das atuais mudanças, que acontecem na educação e de tudo que se
tem estudado sobre esse gênero textual – o memorial – foi solicitado aos acadêmicos, no
final da disciplina Formação de Professores no Brasil, de um Programa de Mestrado em
Educação, que escrevessem um memorial de formação, a partir do que a disciplina
havia provocado neles. Uma narrativa reflexiva onde pudessem fazer “dialogar” o
processo de formação individual e o desenvolvimento profissional enquanto
constituição de um campo investigativo, um campo de estudos (André, 2010).
A escolha pela narrativa autobiográfica se deu porque o processo de
construção de memoriais é uma plataforma de lançamento à reflexão sobre si mesmo e
um bom dispositivo para a compreensão do processo de formação pessoal e
profissional. Além desse tipo de escrita autobiográfica ser um exercício poderoso de
meta-reflexão e, portanto, de tomada de consciência de quem somos nós em diferentes
dimensões da nossa existência. A escrita dos memoriais foi ainda uma oportunidade de
entrar em contato com coisas que haviam sido esquecidas, de conhecer a força real de
suas histórias, de narrar suas memórias.
Apesar de a escrita ter sido solicitada tendo como referência a disciplina
Formação de Professores no Brasil, os memoriais narraram o nascimento, as
expectativas da família em relação à vida profissional daquele ser que acabara de
nascer; outros relataram a saga de andarilho que tiveram que trilhar para poder cursar
cada um dos níveis de sua escolaridade; outros trouxeram histórias emocionadas, de
sonhos, buscas revolucionárias por justiça, falta de oportunidade de que foram vítimas,
diferenças de classes que sempre estiveram presentes nas relações. As perdas de entes
queridos, o encontro com seus companheiros, o nascimento dos filhos, os professores
mais queridos, as amigas mais amadas e a busca por um lugar ao sol foram pontos
comuns a muitos memoriais.
O que evidencia que, o primeiro movimento de escrita do memorial é mais um
desabafo, uma catarse, uma voz que quase nunca tem oportunidade de ser ouvida no
processo de escolaridade ou mesmo na busca pelo conhecimento e por esse motivo sai
de acordo com a necessidade do narrador e da dinâmica que ele vive no momento. O
que comprova a afirmação de Josso (2004, p. 41), “a construção de uma narrativa
emerge do embate paradoxal entre o passado e o futuro em favor do questionamento
presente”.
O exercício da escrita auto-biográfica, constituiu-se numa tarefa complexa,
pois além do registro da própria trajetória profissional, cada mestrando refletiu a
respeito do que viveu – o que nem sempre é prazeroso e habitual – mobilizando saberes,
crenças e emoções, estabelecendo relações entre pensamentos e sentimentos,
implicando em escolhas difíceis, também tiveram que decidir sobre o que e como
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narrar. Produzindo o seu memorial de formação o mestrando pode reconhecer-se na
condição de aluno e inventar ou mesmo refletir um modo de ser professor.
1. Método de Pesquisa Autobiográfico
As histórias de vida como método de pesquisa, bem como, as narrativas
autobiográficas e de formação, já que para Souza (2006, p. 24) “são diversas as
terminologias que designam a investigação no campo da abordagem biográfica de
professores”, são métodos de investigações demasiadamente recentes, adotados pela
pesquisa na área da educação. A construção do método autobiográfico de investigação
ganhou força a partir de escritos de autores como Nóvoa, Finger, Josso, Sousa, dentre
outros, no final da década de 1980, porém somente começou adquirir cientificidade nos
anos que se seguiram, principalmente, quando da publicação da coletânea de textos
organizada por Nóvoa (2000), denominada “Vidas de Professores”.
Seguindo esta linha temática, tem-se que as narrativas autobiográficas, enquanto
método científico debruçou suas perspectivas de estudos no sujeito e suas vivencias,
contrapondo-se às estruturas e sistemas pré-estabelecidos, da qualidade sobre a
quantidade, das experiências sobre o estabelecido (NÓVOA, 2000). Assim, tomando o
sujeito e suas experiências de vida e de formação como o objeto de seus estudos e,
consequentemente, como a base da produção de novos conhecimentos relativos à
própria pessoa e a sua prática.
Desta forma, as narrativas autobiográficas têm a função de dar voz aos sujeitos
investigados, valorizando suas experiências pessoais e profissionais, suas memórias e
sua trajetória percorrida, proporcionando-lhe com isso um repensar, um desenvolver e
um aprender sobre si mesmo, caracterizado
[...] como um projeto a ser construído no decorrer de uma vida, cuja
atualização consciente passa, em primeiro lugar, pelo projeto de
conhecimento daquilo que somos, pensamos, fazemos, valorizamos e
desejamos na nossa relação conosco, com os outros e com o ambiente
humano e natural. (JOSSO, 2004, p. 59)
Para Souza (2006, p. 27) a utilização das narrativas autobiográficas revela-se
[...] pertinente para a autocompreensão do que somos, das aprendizagens que
construímos ao longo da vida, das nossas experiências e de um processo de
conhecimento de si e dos significados que atribuímos aos diferentes
fenômenos que mobilizam e tecem a nossa vida individual/coletiva. Tal
categoria integra uma diversidade de pesquisas ou de projetos de formação, a
partir das vozes dos atores sobre uma vida singular, vidas plurais ou vidas
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profissionais, no particular e no geral, através da tomada da palavra como
estatuto da singularidade, da subjetividade e dos contextos dos sujeitos.
Neste contexto, as narrativas autobiográficas permitem o conhecimento e a
compreensão de diversos aspectos relacionados ao narrador, não se prendendo apenas a
um único aspecto, como por exemplo, o profissional, mas lançando um olhar muito
além, abrangendo o processo formativo, individual e coletivo, ou seja, baseia-se no
contexto de vida da pessoa, na sua maneira de ser, de ver e pensar o mundo em que
vive. Para Chené (1988, p. 94):
[...] a narrativa de formação serve de charneira para a compreensão da
experiência, pois engloba e ultrapassa o ‘vivido’. Encontramos nela o antes e
o depois, o fora e o dentro da experiência presente, com o distanciamento
próprio da escrita. Para mais, os percursos narrativo e discursivo tecem no
texto a dinâmica da relação com o saber, da relação com os outros e também
da relação com os diferentes aspectos do eu.
Assim, durante a narrativa de suas experiências, a pessoa é possibilitada
lembrar-se dos acontecimentos ocorridos durante sua trajetória e que de alguma forma
influenciaram a construção de sua vida. Deste modo, a pesquisa, que utiliza as
narrativas autobiográficas, permite, em um plano interior que a pessoa organize, de
forma coerente, as experiências em torno de sua formação, buscando através das
recordações que traz como referências, em um plano exterior, onde ocorre a
socialização de sua trajetória, com todas as sequências e descontinuidades de
acontecimentos envolvendo diversas competências, que abrange o individual e o
coletivo (JOSSO, 2004).
Nessa perspectiva, a narrativa autobiográfica de cada indivíduo, o conduz a uma
reflexão sobre si mesmo, ou seja, uma reflexão sobre o ser humano, uma reflexão sobre
quem ele é, e por fim, uma reflexão sobre os valores, os acontecimentos e as vivencias
que influenciam a existência de cada um de nós (JOSSO, 2004).
Como foco central deste trabalho tem-se as análises dos memoriais produzidos
pelos alunos de pós-graduação stricto sensu, ao final da disciplina Formação de
Professores no Brasil, como forma de fazê-los refletir sobre sua vida pessoal e
profissional. Guba e Lincoln (2006, p.188) enfatizam que a reflexividade é
[...] um experimentar consciente do eu no papel de investigador e de
investigado, de professor e de aprendiz, daquele que vem a conhecer o eu
dentro dos processos da pesquisa propriamente dita.
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Desta forma, a elaboração de memoriais se traduz como um importante exercício
de reflexão da pessoa sobre sua formação. André (2004, p.285) observa que o memorial
“[...] é o instrumento em que registra descobertas, mudanças na sua prática e na sua
trajetória pessoal e profissional, expressa suas emoções, seus sucessos, suas dúvidas e
vai, assim, construindo a sua identidade profissional”. Já Freire e Linhares (2009, p.3)
consideram o memorial como um importante instrumento “[...] para a construção da
identidade do professor enquanto profissional crítico-reflexivo”, além de ser “[...] um
instrumento que deve ser elevado ao mais alto grau de significância dentro da práxis
didáticopedagógica de cada emissor/professor como instrumento de auto-avaliação”
(FREIRE e LINHARES 2009, p.5/6).
Os memoriais, ora analisados, embora solicitados como referência a disciplina
de Formação de Professores no Brasil, estes foram muito além da formação
profissional, sendo abordada pelos alunos inclusive toda a trajetória pessoal e
educacional. Ainda que não existisse um roteiro prévio para a escrita do memorial, de
maneira geral, muitos pontos comuns foram encontrados durante as leituras das
narrativas dos alunos.
Diante da riqueza das memórias relatadas, decidimos por focar este estudo,
somente nas analises da trajetória profissional dos narradores, partindo de um
questionamento bem simples e que de alguma forma foi abordado por todos os
participantes: como me tornei professor?
Como me tornei professor?
Mesmo partindo de um único questionamento, para analise de todas as
narrativas, pode se observar que o ser professor nasceu na pessoa do narrador de formas
e por motivos, por vezes, bastante diversificado. O ser professor para alguns surgiu de
forma natural, para outros, como forma de superar a pobreza ou mazelas de cunho
sociais e para outros ainda, simplesmente nasceu do acaso ou da busca posta pela
trajetória de vida.
Alguns fragmentos relatados pelos mestrandos, aqui identificados como
mestrandos/narradores – MN, ilustram bem o nascimento do ser professor, quando esses
fazem referências ao seu primeiro contato com o magistério e os motivos que os fizeram
optar por esta carreira profissional, muitas vezes, como forma de enfrentar os dissabores
de condições sócio-culturais:
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[...] quando fui cursar o segundo grau, não queria de maneira alguma seguir a
mesma carreira de minha mãe, mas com os conselhos de um vizinho
professor me convenci de que fazer magistério seria a escolha certa. [...] uma
vez que sabia que eu era de família humilde e provavelmente no futuro teria
que ajudar em casa nas despesas como minha mãe fazia. (MN 1)
Já se passaram quase três décadas desde que recebi meu primeiro diploma,
diploma que vinha com o “estigma” de ser o instrumento para eu receber meu
primeiro salário, que me propiciaria para sempre uma profissão. (MN 2)
Marin (2003) relata esta situação quando discorre que,
[...] optar pela docência seria um meio de sobrevivência, um meio de manter
a família e de se “profissionalizar” preenchendo uma das categorias
fundamentais da vida humana adulta, ou seja, exercer um trabalho e prover as
condições materiais de existência. (MARIN, 2003, p. 60)
E continua quando analisa quais os fatores influenciou na decisão de algumas
professoras do ensino fundamental em dedicar-se a docência. De acordo com os
depoimentos colhidos foram apontados pela autora os seguintes motivos:
A família não possuía condições financeiras para custear os estudos de
interesse quer na cidade, quer fora da cidade onde moravam; Curso de
magistérios disponível na cidade; Vivência com pessoa da profissão, na
família; Estudar para poder sobreviver a partir de experiência anterior como
professor leigo; “aconteceu” pela criação do curso na escola onde já
estudava; Casamento. (MARIN, 2003, p. 59)
Por outro lado, da analise de outras narrativas percebe-se que a docência
foi uma escolha consciente e desejada, assim discorrendo:
Escolhi a Pedagogia porque era o curso mais próximo a mim. Era professora
de catequese, não imaginava que iria cursar uma faculdade tão breve, quando
fui aprovada no PROUNI, logo tive que escolher um curso. E agora? A
Pedagogia foi a minha escolha. (MN 3)
Brincar de escolinha era a brincadeira mais comum na infância de minha
época e, não foi este brincar que influenciou na decisão que tomei
posteriormente, quando resolvi prestar vestibular para Pedagogia.
Analisando hoje, percebo que tal decisão já estava latente, desencadeada pelo
trabalho pedagógico da pré-escola que me marcou sem que pudesse ter
consciência disto. Pois, já nos anos finais do Ensino Fundamental, dedicava
parte de meu recreio para inicialmente ficar observando o trabalho da
professora da sala da pré-escola, para depois, ser convidada a ajudá-la
constantemente. (MN 4)
Outros, por sua vez, adentram ao mundo da docência por motivos que vão além
do desejo, da paixão ou dos efeitos sócio-culturais, mas sim, como uma consequência
de uma profissão previamente escolhida (PIMENTA e ANASTASIOU, 2010), e a partir
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dessa decisão buscam por sua identificação com a complexidade docente, através de
formação continuada. Vejamos:
Pronto, estava decidido, prestaria vestibular em Três Lagoas no curso de
biologia e seria uma bióloga, jamais passou pela minha cabeça em ser
professora, mesmo fazendo licenciatura até por que quando prestei para o
curso de biologia não entendia o que seria essa licenciatura, queria mesmo
era ter meu diploma de ensino superior. (MN 5)
O Direito se tornou a minha paixão, a teoria que o permeia é rodeada por
profunda e encantadora beleza, porém os sonhos de mudar o mundo que
trazia de minha adolescência ficaram perdidos pelo caminho, uma das
grandes mazelas do Direito é a frieza que ele é capaz de gerar em seus
estudiosos, gerou em mim, a lei se torna simplesmente instrumento de
conquista, em certos momentos, já enquanto advogada, vi-me esquecida do
ser humano que fui e neste momento eu tive a certeza de que algo me falta,
não que o amor por minha profissão tenha se dissipado, mas ela já não
preenchia certos vazios, então eu busquei pelo novo, pelo desconhecido e lá
estava ela: a docência (MN 6)
Nessa escrita de si, cada um, de maneira bem peculiar e sem roteiro, narram suas
histórias propiciando compreender modos particulares de interpretar os sentimentos pela
instituição escolar nos seus processos de formação e também como buscaram
transformá-la com suas práticas. A escrita autobiográfica dos professores cumpre,
assim, a tarefa de testemunhar a vida e o exercício de uma profissão que se norteia pelo
educar e, portanto pela formação.
Nessa arriscada travessia do eu, percebo, enfim, que não é fácil
entender e articular os fragmentos de minha identidade, (re)compondo
uma narrativa (auto)biográfica, mas, em que pesem as limitações,
parece-me que estou já restaurando memórias significativas e vejo
uma transformação em curso, com o desejo de conhecer mais sobre o
tema Formação de Professores. Afinal, como atuar na docência se não
se compreender seus percursos histórico-formativos? Negar isso,
como percebo agora, seria o mesmo que ter entrado no Taj Mahal sem
saber onde se foi, reduzindo-se, assim, as possibilidades formadoras
do passeio. (MN 7)
Suas histórias constituem-se em relatos de homens e mulheres que procuraram
refletir sobre a importância do papel que desempenham ou desempenharam no interior
das salas de aula, suas complexidades e dificuldades, quando procuraram muitas vezes
sem orientação e discernimento cumprir o fazer docente.
O fato de ser um professor iniciante complicava ainda mais a situação,
pois eu não estava encontrando a linguagem certa para me relacionar
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com turmas tão diversas [... ] A princípio eu não sabia como abordar
os conteúdos e me desesperava, tentando passar tudo.
Sentia-me desprotegido fora da universidade onde passara os últimos
anos, sob orientação dos professores e companhia aconchegante dos
amigos. As concepções teóricas que eu acreditava e conhecia
relativamente bem pareciam não encontrar repercussão na minha
prática, bastante caótica e autoritária. (MN 7)
Estava formada e querendo aplicar tudo o que havia aprendido nos
quatro anos do Ensino Superior, porém não sabia como aliar teoria e
prática no desempenho da minha função e busquei sozinha, em vasta
bibliografia, tudo o que iluminava aquilo que para mim parecia
obscuro, principalmente, com relação à alfabetização. (MN 8)
Evidenciaram-se, aqui, as lacunas da formação inicial, especialmente a ausência
de conhecimento teórico/ prático na graduação que fundamentassem maior preparação
para a docência necessária ao dia a dia, quando os professores se defrontam com as
necessidades dos alunos, o que exige a re-elaboração de saberes adquiridos sobre a
própria formação e ação docente.
Os memoriais examinados reforçam a imagem de que o exercício profissional
exigia além de sacrifícios, renúncia e dedicação, também um jeito próprio de encarar e
refletir sobre a docência para conseguir resultados satisfatórios.
Ao longo de minha trajetória, busco entender como se dá essa
profissão que escolhi. Tenho vivido várias experiências na educação, e
desde o primeiro dia em que entrei em uma sala de aula, na faculdade,
no estágio, como professor, palestrante e agora no curso de mestrado,
tenho refletido sobre a minha prática, percebendo que sou um produto
das experiências e vivências pessoais e que preciso aprender.
O início da carreira foi um momento difícil. Quando entrei, pela
primeira vez, para dar aula, estava ansioso e preocupado, pois sabia as
teorias, mas e agora, somente as teorias seriam suficientes?
Comecei a vivenciar situações que não me ensinaram nos bancos de
uma faculdade, e isto me fez entender que não existem receitas
prontas para dar aulas, e que eu precisava buscar um jeito próprio de
trabalhar. (MN 9)
Perceptível também como os professores constroem um espaço discursivo
diferenciado, próprio, autônomo em que, a dimensão de reflexões sobre si mesmo e
sobre a trajetória profissional ganham destaque.
Até então nunca havia pensado na relação de minha história de vida
com minha formação profissional. Hoje tenho consciência que sou o
que sou por tudo que fizeram para mim e o que sou capaz de fazer por
mim. Tenho consciência que sou o que sou porque parei em caminhos
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onde fui capaz de colher avenças, lírios , rosas, dálias. Fui viajando
desde muito longe, e a certeza de poder voltar pelos caminhos
estreitos que foram se alargando com o passar do tempo. (MN 10)
Na disciplina “Formação de professores no Brasil” pude juntamente
com colegas aprender a respeito da reflexão sobre a prática
profissional, sobre as tendências de formação, sobre as histórias de
vida, ainda a respeito dos processos de mudanças nas pesquisas e no
próprio modo de conceber a formação docente. Com foco na
abordagem autobiográfica, saber sobre as experiências de vida, as
construções de narrativas, infância, vivências escolares e o próprio
significado de professor que pra mim é acreditar que um novo mundo,
que um mundo bom é possível. (MN 11)
Considerações Finais
Neste estudo foi possível perceber que os professores, desvelam desejos
secretos, frustrações, angústias, mas também muitas impressões positivas das relações
que vivenciam como docentes ou vivenciaram enquanto eram alunos na escola. Alguns,
atualmente atuam na gestão escolar, porém todos um dia já foram protagonistas de sala
de aula e para essa proposta de escrita, orientados pela disciplina “Formação de
Professores no Brasil”, colocaram suas vidas no papel valendo-se de anotações, cartas
recebidas de alunos, poesias, trechos de músicas, imagens que expressaram melhor um
tempo que serviram de suportes de memória para a escrita de suas histórias de formação
e autoformação.
Nesta perspectiva, fomos levados a pensar sobre memória – a dinamizadora da
vida cotidiana ao abranger peculiaridades individuais assim como: êxitos, fracassos,
interesses, perspectivas e determinar subjetivamente encontros e reencontros temporais.
Ao mostrar e ao encobrir vivências umas e outras expõem os sujeitos a
uma compreensão de seus vazios, desejos e projetos coletivos, uma
vez que o rememorar não é só um processo inocente e sem alto preço,
nem muito menos linear e reprodutor. As memórias e as narrações –
coletivas e individuais são recortes e versões feitas nas múltiplas e
infinitas possibilidades de combinações e implicam perspectivas em
que do presente, os sujeitos redescobrem o ontem com os olhos do
amanhã. (LINHARES, 1999, p.36).
Os memoriais imbuídos de conhecimentos latentes subsidiaram narrativas que,
não foram apenas relatórios de acontecimentos, mas a totalidade de memórias e
experiências que, caracterizam identidades individuais e coletivas.
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Os contos e as histórias da nossa infância são os primeiros elementos
de uma aprendizagem que sinalizam que ser humano é também criar
as histórias que simbolizam a nossa compreensão das coisas da vida.
As experiências, de que falam as recordações-referências constitutivas
das narrativas de formação, contam não o que a vida lhes ensinou mas
o que se aprendeu experiencialmente nas circunstâncias da vida.
(JOSSO, 2004, p. 43)
Podemos concluir que, precisamos perceber a identidade pessoal e profissional
como reflexo da história de vida e, fundamentalmente, precisamos pensar e objetivar a
formação do profissional em educação como um eterno processo.
A nossa proposta efetivou-se com análise de memoriais – relatos individuais e
subjetivos – e, por isso, nos permitiu um melhor entendimento sobre o processo de
formação do professor como algo que exige a interpretação das experiências, ou seja, as
histórias de vida.
Utilizamos o memorial a fim de que, os mestrandos pudessem descrever a
compreensão dos fatos históricos e sociais enfocando suas vivências relacionadas com o
que presenciaram na disciplina em questão do curso do mestrado.
Nesta perspectiva, entendemos que os mestrandos, de modo geral sabem da
importância do desenvolvimento de estudos para um bom trabalho docente, mas que
também precisam de “algo mais” comungando da idéia de Nóvoa (1995) quando afirma
que:
A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de
conhecimento ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de
reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente
de uma identidade pessoal. Por isso é tão importante investir na pessoa
e dar um estatuto ao saber da experiência. (1995, p.25).
Ao analisarmos a escrita dos mestrandos percebemos que, em cada um, há vestígios
de marcantes aspectos subjetivos incorporados durante toda formação.
Mesmo sabendo das condições oferecidas pela sociedade, muitas vezes
desfavoráveis à nossa condição de sujeito e profissional, não podemos agir com
completa passividade, já que aprendendo a dialogar com os outros, despertar seus
sonhos, esperanças e desejos, há a possibilidade de ensinar de outra maneira, atentos
às desigualdades e diferenças, assumindo por inteiro uma relação pedagógica
humana.
De modo geral, ficou na escrita dos mestrandos o grande interesse pela educação
e a busca de serem bons profissionais. Em muitos trechos, vimos relatada a busca de
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formação suficiente para uma boa atuação profissional. Esta busca de sentidos pessoais
e profissionais e as histórias de vida podem delinear as responsabilidades consigo e com
os outros e possibilitar a descoberta das identidades constantes percebidas individual e
coletivamente.
Os memoriais, de modo geral não só buscaram tornar reconhecidos os sacrifícios
que a docência exige, mas também funcionaram como veículo para os professores
expressarem a sua opinião sobre as mais diversas questões inerentes à organização do
sistema de ensino. Reconstruíram o significado do magistério em suas vidas e
evidenciaram que o próprio exercício da docência é formador permitindo a construção
de saberes e experiências que definem e redefinem formas de pensar, de sentir e de agir.
Referências:
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constituição da identidade docente. Contrapontos. V.4, n.2, 2004. 10p. Disponível
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