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    ÊN  I R   C    E   I    A      P   X   S          E

    PDA Sistemas agroflorestaiem assentamentosde reforma agrária

    IPÊ e Terra Viva

    Antônio de Barros AssumpçãoEx-coordenador do Terra Viva

    Cláudio Valladares Pádua Jefferson Ferreira Lima

    Laury Cullen Jr.Maria Inês Rodrigues MoratoTécnicos do IPÊ

    Programa Piloto paraProteção das Florestas

    Tropicais do Brasil - PPG7

    Experiências similares ediferentes regiões da Ma

    Atlântica revelam a importâncdos sistemas agroflorestais pa

    a sobrevivência das famílassentadas e a manutenção

    biodiversida

    Nº 2 Janeiro de 2002

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    Sistemas agroflorestaisem assentamentos de

    reforma agrária

    IPÊ e Terra Viva

    Brasília, janeiro de 2002

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    Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

    Ministério do Meio Ambiente - MMAMinistro: José Sarney Filho

    Secretaria de Coordenação da Amazônia - SCASecretária: Mary Helena Allegretti

    Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil - PPG7Coordenador Geral: Carlos Aragon Castillo

    Subprograma Projetos Demonstrativos - PDASecretário Técnico: Jorg ZimmermannSecretário Técnico Adjunto: Wigold SchäfferAssessores Técnicos: Célia Chaves de Souza, Demóstenes Augusto Alves de Moraes, Ricardo Russo eRicardo VerdumEquipe Financeira: Cláudia Alves, Nilson Luiz Nogueira e Sérgio MaranhãoEquipe Administrativa: Bruno Mello, Eduardo Ganzer, Francisca Kalidaza Medeiros, Geórgia Basto Alô e

    Lúcia Amaral SouzaPerito da GTZ: Thomas Fatheuer

    Esta publicação é uma versão revisada e editada dos relatórios:Meio Ambiente e Reforma Agrária na Costa do Descobrimento: Dilemas e perspectivas para odesenvolvimento de sistemas sustentáveis com a agricultura familiar dos assentamentos no extremosul da Bahia, produzido pela ONG Terra Viva, e

    Projeto Abraço Verde: Módulos agroflorestais na conservação de fragmentos florestais da Mata Atlân-tica, produzido pelo Instituto de Pesquisas Ecológicas - IPÊ.

    Esta publicação foi realizada com o apoio da agência alemã de cooperação técnica, Deutsche Gesellschaft

    für Technische Zusammenarbeit (GTZ) GmbH.

    Equipe Responsável: Célia Chaves, Jorg Zimmermann, Ricardo Verdum e Thomas Fatheuer

    Edição: Tereza MoreiraProjeto Gráfico: Luiz Daré

    Cooperação Financeira: República Federal da Alemanha - KfW, União Européia - CEC, Rain Forest TrustFund - RFT, Fundo Francês para o Meio Ambiente Mundial - FFEM

    Coordenação do PPG7 no Brasil: Banco Mundial - Unidade de Florestas Tropicais - RFUM

    Cooperação Técnica: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, Projeto BRA/93/044 - Projetos Demonstrativos - PDA

    Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit (GTZ) GmbH

    Agente Financeiro: Banco do Brasil

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    Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

    Apresentação

    com grande satisfação que apresentamos o segundo núme-ro da Série Experiências PDA, “ Sistemas Agroflorestais em Assentamen-tos de Reforma Agrária”, que retrata experiências de proteção e recuperação ambientalem diferentes regiões de domínio da Mata Atlântica: a primeira no Pontal do Paranapa-nema, no Estado de São Paulo, e a segunda no Sul do Estado da Bahia.

    As experiências são coordenadas, respectivamente, pelo Instituto de Pesquisas Eco-

    lógicas – IPÊ, e pelo Centro de Desenvolvimento Agroecológico do Extremo Sul daBahia – Terra Viva, e contam com uma intensa participação dos agricultores familiares eassentados e suas entidades associativas e representativas.

    A divulgação destas duas experiências tem por objetivo tornar acessível, para umpúblico mais amplo, um pouco da história da implementação dos dois projetos e osresultados alcançados, bem como fornecer subsídios para o debate a respeito das possi-bilidades e condições para a implantação de assentamentos de reforma agrária na MataAtlântica.

    Os textos foram elaborados pelos protagonistas das experiências. Com isto, preten-demos garantir aqui a reprodução de uma das principais características do PDA, que édar voz e autoria aos atores que efetivamente construíram o sucesso que o Subprogramadesenvolveu ao longo destes anos.

    Ricardo VerdumAntropólogo, assessor do PDA/PPG7

    É

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    Sumário

    IPÊMódulos agroflorestais na conservação de fragmentos florestaisda Mata Atlântica....................................................................... 7

    Econegociação: parcerias em defesa dos bens naturais..............................8

    Introdução.................................................................................................9

    Atividades e resultados............................................................................14

    Condições para o desenvolvimento do projeto ........................................25

    Lições aprendidas até o momento ...........................................................27

    Conclusões sobre as ações coletivas do projeto .......................................29

    Considerações e recomendações finais....................................................31

    Bibliografia recomendada........................................................................33

    Terra VivaMeio ambiente e reforma agrária na Costa do Descobrimento 35

    Introdução ....................................................................................................... 36

    Contexto socioambiental ................................................................................. 38

    Estratégias e metodologias ............................................................................... 46

    Implantação dos sistemas agroflorestais ........................................................... 50

    Resultados principais ....................................................................................... 52

    Parcerias e redes .............................................................................................. 58

    Desafios presentes ........................................................................................... 59

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    Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

    Sem-terra participam do combate a incêndiosflorestais no Pontal do Paranapanema

    Cláudio Valladares Pádua Jefferson Ferreira Lima

    Laury Cullen Jr.Maria Inês Rodrigues Morato

    IPÊ

    Módulos agroflorestais naconservação de fragmentos daMata Atlântica

       L  a  u  r  y   C  u   l   l  e  n   J  r .

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    Oque chamamos de “econegociação” refere-se auma aliança ou parceria estabelecida de comum acor-do entre as partes interessadas em um recurso natural protegido,para compartilhar com os responsáveis pela sua proteção as fun-ções de manejo e conservação. Isto significa, por um lado, assumirtotal ou parcialmente os direitos e responsabilidades de conserva-ção, e, de outro, uma compreensão das necessidades econômicase sociais dos interessados.

    Essa negociação é adaptativa, ou seja, está em constante avalia-ção, com ajustes e reformulações, visando à melhor sintonia entreas partes envolvidas e ao aprimoramento dos resultados. Entre aspartes interessadas incluem-se principalmente a instituição respon-sável pela conservação da área e várias associações de residenteslocais e usuários de recursos, podendo ser envolvidas também or-ganizações não-governamentais, institutos de pesquisa,empresariado, administrações locais e outras instituições, como o

    Ministério Público, por exemplo.Essa tem sido a metodologia utilizada pelo Instituto de Pes-

    quisas Ecológicas – IPÊ, na implementação do Projeto Abraço Ver-de, que envolve o Estado, uma organização não-governamental eo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, do Pontaldo Paranapanema (SP). A experiência mostra que um contínuo esistemático esforço de equipe, que inclui relações de confiança eamizade, educação ambiental, extensão agroflorestal, pesquisas embiologia da conservação, manejo participativo, legislações apro-

    priadas e fiscalização efetiva, a conservação de um ecossistematorna-se não só possível, mas operacionalmente mais fácil. Conser-vação em escala comunitária, ecossistêmica e de paisagem ofere-ce uma das alternativas mais promissoras para a salvação dabiodiversidade da Mata Atlântica do Planalto, bem como de outrosecossistemas brasileiros.

    Econegociação: parceriasem defesa dos bens naturais

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    Esta publicação refere-se às ati-vidades desenvolvidas e aos re-

    sultados preliminares obtidos durante osprimeiros quinze meses de execução doProjeto Abraço Verde , financiado peloPDA, que está implementando zonas deamortecimento agroflorestadas – ou zo-nas de benefício múltiplo – no entornode fragmentos florestais da Mata Atlânti-ca do Pontal do Paranapanema, no ex-tremo oeste do Estado de São Paulo.

    O trabalho é resultado de uma par-ceria com grupos de assentados e lide-ranças da cooperativa do MST e tem aconcordância de diversos órgãos do go-verno estadual. Entre os objetivos e de-

    safios principais deste projeto estão:disponibilizar informações agroecológi-cas para os assentados, estimular a ado-ção de práticas de manejo agroflorestalem lotes vizinhos aos fragmentos flores-tais e implantar módulos agroflorestaisdemonstrativos adaptados à cultura e àsnecessidades locais.

    A experiência inicial tem mostra-

    do que a conservação dos ecossistemastorna-se possível com o que temos cha-mado de econegociação. Isso inclui aparticipação e educação comunitária,credibilidade, amizade e relações deconfiança, extensão e pesquisas agroe-cológicas, manejo adaptativo, além de

    Introdução

    A imagem de satélite mostra o Parque EstadualMorro do Diabo e entorno, com outros fragmentosflorestais da região do Pontal do Paranapanema

       A  r  q  u   i  v  o   I   P   Ê

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    legislação apropriada e fiscalização efe-tiva. Buscamos, assim, uma harmoniaagroecológica na interface entre assen-tamentos rurais e remanescentes de MataAtlântica e, portanto, o desenvolvimen-to de uma reforma agrária ambiental eeconomicamente mais sustentável paraa região do Pontal.

    Contexto social, luta pela terrae destino dos fragmentosflorestais

    O Pontal do Paranapanema é umadas regiões mais pobres do Estado de SãoPaulo. Localizado na confluência entreos rios Paraná e Paranapanema, o Pontalestá incluído dentro dos limites do de-creto 750, que define legalmente os do-mínios da Mata Atlântica e regulamentaa sua utilização. A cobertura vegetal ori-ginal dessa região é classificada comoMata Atlântica do interior ou do planal-to (Floresta Estacional Semidecidual).

    Em 1941 e 1942, Fernando Costa,o então governador de São Paulo, de-cretou toda a área oeste do Pontal comoReserva de Fauna e Flora. Nos anos1950, todavia, o governador Ademar deBarros distribuiu as terras da Reserva aseus amigos e correligionários, que ini-

    ciaram um processo voraz de ocupaçãodo solo. Devido a essa ocupação semcritérios, o Pontal do Paranapanema so-freu drástica redução em sua coberturaflorestal, restando hoje apenas 1,85% dacobertura original. A maior parte do que

    ainda resta está no Parque Estadual Mor-ro do Diabo 37 mil hectares e em al-guns fragmentos em propriedades priva-das. Ainda como conseqüência do modode ocupação da Reserva do Pontal, hou-ve grande concentração de terrasdevolutas em poder de poucos fazendei-ros.

    Atualmente, ocorre um segundoprocesso de ocupação territorial movi-do por grupos de agricultores sem terra,organizados em torno do MST. Os nú-meros atuais mostram a existência de

    aproximadamente 4.500 famílias assen-tadas em glebas no Pontal, ocupando umtotal de 38 mil hectares. Cada lote dasrespectivas glebas tem em média 15 hec-tares. As projeções futuras para a regiãosão de assentar 50 mil famílias em umtotal de um milhão de hectares de terrasdevolutas na região.

     Toda essa ocupação, se não for fei-

    ta com preocupações ambientais, podecolocar em risco o que resta das flores-tas do Pontal. A dinâmica de ocupaçãoatualmente em prática tem levado a umapaisagem regional na qual vários frag-mentos florestais são circundados e pres-sionados por assentamentos rurais. Estecenário, comum na paisagem do Pontal,com assentamentos rurais “abraçando”

    as últimas ilhas de biodiversidade daMata Atlântica, desafia-nos na arteemergencial de desenhar e adaptar no-vos modelos de conservação capazes detrazer um mínimo de sustentabilidade aoavanço da reforma agrária na região.

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    A paisagem do Pontal à luz dabiologia da conservação

    Não faz muito tempo, o Pontal erauma região inteiramente coberta por flo-

    restas tropicais de valor biótico singular.Prova disso é que os remanescentes flo-restais ainda abrigam uma rica e impor-tante biodiversidade, com a presença devárias espécies endêmicas ou ameaça-das de extinção, como o mico-leão-pre-to (Leontopithecus chrysopygus ), a anta(Tapirus terrestris ), o macuco (Tinamus solitarius ) e a onça pintada (Panthera

    onca).Na região predomina o grande la-

    tifúndio de pecuária extensiva. A ocu-pação desordenada combinada com afragilidade dos solos, a concentração dechuvas num período curto do ano e aexposição das encostas produziram umdos cenários mais degradados do esta-do do ponto de vista ambiental. Com o

    tempo, verificou-se a perda gradual daárea florestada da Grande Reserva doPontal. Restam hoje pouco mais de 37mil hectares no Parque Estadual Morrodo Diabo, localizado no município de Teodoro Sampaio, e cerca de 15 mil hec-tares em fragmentos de diversos tama-nhos espalhados pela região.

    Essa situação de isolamento dosfragmentos compromete a manutençãoda diversidade biológica de algumas es-pécies de árvores e animais. É necessá-rio um número mínimo de indivíduospara garantir a manutenção genética dasespécies, que ao longo do tempo vão

    realizando cruzamentos sucessivos en-tre os mesmos indivíduos, o que implicaredução da diversidade genética. Dessaforma, para garantir a manutenção dadiversidade e da própria existência dasespécies é necessária a utilização de umaabordagem que privilegie o conceito ea visão de paisagem.

    Esse conceito da biologia da con-servação é cada vez mais utilizado pe-las organizações ambientalistas atuantesna região, com destaque para o IPÊ, quehá mais de 12 anos dedica-se à conser-

    vação da diversidade biológica na re-gião.

    Para que os esforços em prol daconservação de espécies da fauna e daflora dêem resultados, apenas a manu-tenção dos fragmentos que restaram edo próprio Parque Estadual Morro do Di-abo são insuficientes. Isto não garante ofluxo genético que muitas espécies ne-

    cessitam para sua viabilidade no longoprazo. Torna-se necessário implantar cor-redores florestais que contribuam como fluxo dos genes e minimizem o isola-mento das espécies animais e vegetais.Além disso, é preciso garantir a integri-dade dos fragmentos que ainda existem,principalmente o Parque do Morro doDiabo, pois nele estão essas últimas “se-

    mentes de biodiversidade” da região.Uma das formas de garantir a inte-

    gridade dessas áreas é protegê-las dosimpactos externos provenientes da açãohumana, como o fogo, a retirada de ma-deira e a caça, o que pode ser consegui-

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    do por meio de zonas de amortecimen-to (buffer zones).

    Essas duas estratégias (corredoresbiológicos e zonas de amortecimento)

    estão sendo implementadas por meio doProjeto Abraço Verde  nos assentamen-tos Ribeirão Bonito e Tucano. Os assen-tados participam ativamente da implan-tação dessas estratégias. Para a zona deamortecimento, os assentados que fazemdivisa com o Parque destinaram uma fai-xa de aproximadamente 50 metros delargura para plantios consorciados de es-

    pécies florestais nativas e exóticas. Asfamílias concordaram também emdisponibilizar uma área para a criaçãodo corredor, que liga o Parque a um frag-mento florestal do assentamento.

    No Pontal do Paranapanema existenecessidade imediata e condições eco-lógicas e sociais favoráveis para um pro-grama agroflorestal, com fins de restau-

    ração de paisagens fragmentadas. Nestesentido, o Abraço Verde  vem incorpo-rando a diversificação das atividadesprodutivas nos assentamentos, a conser-vação do solo e da água, bem como deespécies e populações desse ecossiste-ma ameaçado.

    Agrofloresta e biodiversidadePouca atenção tem sido dada aopapel e ao grande potencial que os sis-temas agroflorestais desempenham naconservação de reservas florestais empaisagens fragmentadas. Uma das ma-neiras de fazê-lo é utilizando módulos

    agroflorestais como zonas de amorteci-mento, amenizadores da degradação dasbordas dos fragmentos florestais.

    Do ponto de vista biológico, um dos

    principais benefícios dessas zonas deamortecimento seria a redução dos efei-tos de borda. Esses efeitos podem pene-trar até 500 metros para o interior dosfragmentos, ocasionando mudanças demicroclima, afetando a integridade eco-lógica das florestas e levando os fragmen-tos ao desaparecimento. “Abraçando”esses remanescentes florestais com

    módulos agroflorestais, reduzimos ospossíveis efeitos negativos das pastagense/ou roças agrícolas de campo aberto emseu entorno.

    Do ponto de vista econômico e so-cial, a exploração desta zona agroflores-tada proporciona um espaço produtivoe diversificado para as comunidades ru-rais vizinhas, além de uma provável re-

    dução nos conflitos entre a fauna e florapresentes nos fragmentos florestais e osassentamentos rurais do entorno.

    Área de concentração doprojeto

    Os assentamentos rurais Tucano eRibeirão Bonito são ótimos exemplos da

    dinâmica da ocupação de terras na re-gião. Há três anos várias famílias foramassentadas no entorno desses fragmen-tos florestais, que estão biologicamenteentre os mais significativos da região. Ofragmento florestal da Gleba RibeirãoBonito, com seus 400 hectares, e o da

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    Gleba Tucano, com seus quase dois milhectares, ainda abrigam muitas espéci-es endêmicas e ameaçadas, como porexemplo, uma das últimas populaçõesremanescentes do mico-leão-preto(Leontopithecus chrysopygus ), um dosprimatas mais ameaçados de extinção domundo. Cada família de assentado ruralpossui um lote de 15 hectares em mé-dia. Metade do lote é normalmente usa-da para uma agricultura de subsistência(milho, algodão, mandioca, arroz, feijão,amendoim) e a outra metade destina-sea uma pecuária leiteira de pequena pro-dução.

    Devido à má conservação do solo,à falta de um extensionismo adequadoe à carência de um modelo de desen-volvimento apropriado, a agricultura epecuária são pouco produtivas nessasglebas. Por isso, a maioria das famíliaspermanece em constante luta por suas

    necessidades básicas de subsistência.Por outro lado, importantes frag-

    mentos de mata vizinha são altamentevulneráveis às constantes incursões degado, plantas invasoras, cipós, fogo, que-da de árvores e dissecações provocadaspelo vento, tudo isso como conseqüên-cia de bordas expostas e desprotegidas.Aos poucos, essas erosões antrópicas

    estão consumindo os fragmentos e afe-tando sua integridade ecológica. Paraamenizar a degradação ambiental e apobreza rural que caracterizam algunspontos da região, estamos implantando

    um projeto modelo de econegociaçãocom a comunidade e incorporando flo-restas sociais nesses assentamentos.

    Ações envolvem diferentesatores

    O projeto acima citado resulta deuma parceria com grupos de assentadose lideranças do MST, por meio da Coo-perativa de Comercialização e Prestaçãode Serviços dos Assentados de ReformaAgrária do Pontal – Cocamp, com o Es-tado (Instituto Florestal – IF/SMA, Uni-versidade de São Paulo – ESALQ/USP, eInstituto de Terras do Estado de São Pau-lo – ITESP), além das ONG’s Associaçãode Recuperação Florestal do Pontal doParanapanema – Pontal-Flora, e Associ-ação em Defesa do Rio Paraná, Afluen-tes e Mata Ciliar – Apoena.

    Reestruturação e ampliação doviveiro do Parque Estadual

    Através de um trabalho conjuntoentre o IPÊ e o Parque Estadual Morrodo Diabo, este viveiro foi implantado em junho de 1998. Está localizado na sededo Parque, no município de TeodoroSampaio. Até o início das atividades doprojeto, a sua capacidade média era de

    três mil mudas/ano. Com o financiamen-to do PDA, toda a estrutura de produçãode mudas do viveiro passou para o siste-ma de tubetes, aumentando sua capaci-dade para 150 mil mudas/ano.

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    Atividades e resultados

    Viveiro Agroflorestal do Parque Estadual Morro doDiabo

    Além da produção e do forne-cimento de mudas de manei-

    ra contínua e não burocrática para a im-plantação dos módulos agroflorestais nosassentamentos, o viveiro do Parque Es-tadual tem funcionado como uma esco-la, onde são ministradas aulas práticasde cursos agroflorestais. Lá trabalham emtempo parcial quatro funcionários quedireta ou indiretamente prestam os se-

    guintes serviços:

    • Coleta de sementes de espécies compotencial agroflorestal

    Esta atividade vem sendo realiza-da nas matas e imediações do ParqueEstadual Morro do Diabo. Foi desenvol-

    vido um cronograma de frutificação dasespécies arbóreas para indicar a épocaespecífica de coleta das sementes paracada espécie. Além das espécies nativas,coletam-se sementes de espécies exóti-cas com potencial de uso em agroflo-restas. Após a coleta, uma parte dessassementes é beneficiada e encaminhadapara o viveiro central do Instituto Flo-restal, na cidade de São Paulo. O restan-

    te é armazenado em recipientes plásti-cos e acondicionado em um freezer, auma temperatura média de 8oC, sendoutilizado para abastecer o viveiro agro-florestal do Parque Estadual Morro doDiabo.

       J  e   f   f  e  r  s  o  n   F .   L   i  m  a

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    Tabela 01. Características das principais espécies produzidas pelo viveiro agroflorestal do Par-que Estadual Morro do Diabo.

    ESPÉCIES PERMANENTESPRINCIPAL FUNÇÃO

    AGROFLORESTALCOLETA DE SEMENTES

    Acácia ( Acacia mangium) LE, PO, QV, CS, TO Novembro-Dezembro

    Albizia ( Albizia lebeck ) LE, OR, A, AP, AV, CS, FA, FS Outubro-Fevereiro

    Alecrim (Holocalyx balansae)* MD, FA, OR Dezembro-Fevereiro

    Angico-branco ( Anadenantheracolubrina)*

    MD, CS, LE, TO, FS, ME Julho-Agosto

    Angico-do-cerrado ( A. macrocarpa)* MD, CS, LE, TO, FS, ME Agosto-Setembro

    Cabreúva (Myroxylun peruiferum) * MD Outubro-Novembro

    Café-de-bugre (Cordia ecalyculata) * MD, OR, AS, FS, FA Janeiro-Março

    Canafístula (Cassia ferruginea) * A, MD, LE, QV, CS, AV, OR, ME Abril-Maio

    Cedro (Cedrella fissilis) * MD, AP, LE Junho-Agosto

    Coração-de-negro (Poecilanthe parviflora)*

    MD, OR Abril-Maio

    Eucalipto (Eucalyptus spp) LE, MD, ME, PO, QV, AS, TO, FA Junho-Dezembro

    Farinha-seca ( Albizia hasslerii) * LE, AS, A, AV, MD, OR Setembro-Outubro

    Gliricídia (Gliricídia sepium) A, AP, MD, LE, AV, CP, CS, AS, CV Junho-Setembro (Estacas)

    Guapuruvu (Schizolobium parahyba) OR, FA, AP Abril-Junho

    Gurucaira (Peltophorum dubium)* MD, AS, OR, FA Abril-Maio

    Ipê-amarelo (Tabebuia chrysotricha) * MD, OR, FA, AP Setembro-Outubro

    Ipê-amarelo (Tabebuia ochracea ) * MD, OR, FA, AP Setembro-Outubro

    Ipê-roxo (Tabebuia heptaphylla) * MD, OR, FA, AP Setembro-Outubro

    Ipê-tabaco ( Zeyheria tuberculosa) * MD, OR Julho-Setembro

     Jacarandá-mimoso ( J. cuspidifolia)* OR, FA, MD Agosto-Setembro

    Louro-pardo (Cordia trichotoma)* MD, OR, AS, FS Julho-Setembro

    Óleo-de-copaíba (Copaiferalangsdorffii)* ME, OR Agosto-Setembro

    Pau-marfim (Balfourodendronriedelianum)*

    MD, LE, ORAgosto-Setembro

    Pau-jacaré (Piptadenia gonoacantha) * MD, LE, ME, AP Setembro-Outubro

    Paineira (Chorisia speciosa) * OR, FA, FI Agosto-Setembro

    Pau-de-tucano (Vochysia tucanorum)* OR, FA, MD Janeiro-Março

    Não-frutíferas

     s

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    Futíferas

    * Presentes na flora do Parque Estadual Morro do Diabo e outras florestas da região do Pontal

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    A = Alimentação/forragem animal GO = Goma

    AP = Apicultura HU = Consumo humano

    AS = Árvore sombra/consórcio LE = Lenha

    AV = Adubação verde MD = Madeira/construção

    CP = Controle pragas ME = Medicinal

    CS = Conservação solo OL = Óleo

    CV = Cerca viva OR = Ornamental

    FA = Uso faunístico PO = Madeira polpa

    FI = Fibra QV = Quebra-vento

    FS = Fertilidade solo TO = Madeira/toras

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    Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

    Espécies que perdem o podergerminativo muito rápido, comoFicus  eInga, são conservadas em banco de plân-

    tulas, em estufas apropriadas. Durante oprocesso de produção das plântulas emestufas, procura-se controlar os fatoresambientais desfavoráveis para algumasespécies. Posteriormente, essas plântu-las são transplantadas para tubetes ou sa-cos plásticos definitivos.

    • Setor de sementes

    Este setor é responsávelpelo armazenamento, bene-ficiamento e envio de se-

    mentes e frutos para o Insti-tuto Florestal de São Paulo eassentamentos vizinhos.Nele são ministradas aulaspráticas sobre a implantaçãoe condução de viveiros agro-florestais comunitários. Du-rante as aulas práticas, os as-sentados recebem treina-

    mento em escolha do terre-no; visão geral do viveiro;uso de ferramentas, recipien-tes, mistura da terra, semen-tes, matéria orgânica, quebrada dormência; formação desementeira; replantio; forma-ção das mudas; abertura decovas; espaçamentos; poda

    de limpeza e raleio.• Produção de mudas

    A principal forma depropagação ocorre pormeio de sementes. Os re-

    cipientes utilizados pelo viveiro doParque Estadual são os tubetes (95%)e os sacos plásticos (5%). A escolha

    do sistema de produção baseia-se nagerminação da semente e no sistemaradicular da espécie. Para encher ostubetes, utiliza-se substrato à base devermiculita expandida (bioterra), ad-quirido comercialmente.

    No setor de sementes agroflorestais do ParqueEstadual ocorrem as aulas práticas para implantaçãode viveiros nos assentamentos

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    ESPÉCIE QUANTIDADE

    cia ( Acacia mangium) 11.000

    rola (Malpiguia glabra) 196

    rim (Holocalyx balansae) 216

    ico-preto ( Anadenanthera falcata) 864

    ico-vermelho (Parapiptadenia r igida) 216

    upari (Rhedia sp) 224

    é-de-bugre (Cordia ecalyculata) 390

    ambola ( Averrhoa carambola) 600

    ro (Cedrella fissilis) 800

    aíba (Copaifera langsdorffii) 216

    alipto (Eucalyptus camaldulensis) 13.500

    alipto (Eucalyptus citriodora) 2.600

    alipto (Eucalyptus urograndis) 6.300

    nha-seca ( Albizia hasslerii) 162

    aba (Psidium sp) 150

    vira (Patagonula americana) 756

    mixama (Eugenia brasiliensis) 288

    puruvu (Schizolobium parahyba) 75

    ucaia (Peltophorum dubium) 1.100

    Tabela 2. Espécies produzidas no viveiro agroflorestal do Parque Estadual Morro do Diabo noperíodo de março a dezembro de 2000.

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    Em quinze meses, foram produ-zidas cerca de 45 mil mudas de 27espécies diferentes. O tempo máximode permanência das mudas no vivei-

    ro é de cinco meses. Atualmente a pro-dução está centrada principalmentenos meses de junho a outubro, aprovei-tando-se assim, o período das chuvasde novembro a fevereiro para a implan-tação dos módulos agroflorestais nos as-sentamentos.

    Cursos agroflorestaisO objetivo geral dos cursos agro-florestais é promover a integração entreo desenvolvimento sócio-econômico dosassentamentos rurais e a manutenção dadiversidade biológica na paisagem doPontal do Paranapanema. Busca-se, as-sim, uma reforma agrária ecologicamen-te sustentável nos assentamentos rurais.

    Os objetivos específicos desses cursossão:

    • disponibilizar informações agro- ecológicas e conceitos básicos de biologia da conservação paragrupos e lideranças dos assenta- mentos de reforma agrária;

     • promover a extensão agroflores- tal por meio do estímulo à ado- 

    ção de práticas de manejo agro- ecológico em lotes rurais que incorporam conceitos de agroflo- resta, diversificação e sustenta- bilidade da produção;

    • estimular a produção de bens (frutos, madeiras, lenha, mel, er- vas medicinais, matéria orgâni- ca, forragem etc.) e serviços (conservação e fertilidade do solo e da água, restauração e conservação da paisagem regio- nal, aumento da produtividade agropecuária, diversificação das atividades produtivas, aceiros,quebra-ventos, cerca viva, lazer);

    • estimular a implantação de vi- veiros agroflorestais comunitári- 

    os por meio do plantio de espé- cies com potencial agroflorestal na região;

    • contribuir com a formação de agentes disseminadores – técni- cos e lideranças locais – por meio do envolvimento comuni- tário, em busca de soluções paraos problemas agro-ambientais 

    locais e regionais;• avaliar o projeto de maneira sis- 

    temática e contínua;

    • disseminar os resultados obtidos para outras regiões onde o avan- ço da reforma agrária ameaça abiodiversidade regional.

    Os cursos têm duração de dois dias.

    As aulas teóricas são administradas nocentro de visitantes do Parque. Por meiode slides  e vídeos, os participantes en-tram em contato com os vários benefíci-os proporcionados pela agrofloresta. Asexposições reforçam a importância doconsórcio de espécies, enfatizando com-

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    binações que aumentem as interaçõeseconômicas e ecológicas entre os com-ponentes. Discutem-se os seguintes atri-butos positivos da agrofloresta, quando

    comparados às monoculturas de baixorendimento implantadas na região:

    • melhoria do microclima;

    • melhoria da ciclagem de nutrientes;

    • aumento da fertilidade e porosidade do solo e do compo- nente matéria orgânica;

    • aumento do volume explorado 

    de solo;• economia de fertilizantes;

    • proteção contra o impacto das chuvas;

    • proteção contra o vento;

    • barreira e controle de pragas.

     Mostra-se também que tudo issoestá associado ao aumento da diversifi-cação, da sustentabilidade dos sistemasde produção, contribuindo para a inte-

    gridade dos ecossistemas e a conserva-ção da biodiversidade regional.

    Inicialmente 40 famílias de assen-tados das áreas de concentração do pro- jeto foram convidadas para participar docurso. O critério de escolha baseou-seno fato das famílias possuírem seus lotespróximos, em muitos casos dividindo amesma cerca com a borda dos fragmen-

    tos. Para tanto, um convite foi elaboradoe distribuído em mãos. Técnicos da co-operativa do MST e do ITESP, sediadosem Teodoro Sampaio participaram des-te curso, pois são eles os responsáveis,em grande parte, pela extensão rural ofi-cial nos assentamentos do MST.

    Os cursos mobilizaram as famílias cujos lotes fazemlimite com o Parque, assim como extensionistas queatuam como multiplicadores das informações

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    Viveiros agroflorestaiscomunitários

    Como resultado dos cursos de ca-pacitação, foram instalados, até o mo-

    mento, 13 viveiros agroflorestais comu-nitários nos assentamentos do Pontal,cada um com capacidade média de 20mil mudas/ano. Vale ressaltar que váriosdos assentados e técnicos capacitadosdurante os cursos já estão funcionandocomo agentes multiplicadores, principal-mente entre os grupos de famílias queinstalaram os viveiros agroflorestais co-

    munitários. Servem como pólos de dis-seminação da cultura agroecológica naregião e de estímulo na participação demuitos outros assentados rurais da re-gião.

    Diagnóstico nos lotes dasfamílias

    Os primeiros seis meses foram de-dicados ao planejamento em campo dosmódulos e sistemas agroflorestais a se-rem adotados pelos participantes. Comexceção de uma única família de assen-tados, as demais visitadas não utilizavampráticas agroflorestais.

    A escolha do desenho, assim comoa forma de implementação de cada

    módulo agroflorestal, dependem de umbom diagnóstico da área, de discussõese negociações com as famílias assenta-das. Planejamos com o assentado e nãopara o assentado, buscando possibilitara adaptação e modificação desses mo-delos agroflorestais às condições locais.

    O uso futuro que o agricultor deseja fa-zer da área em questão definirá quaisespécies arbóreas, desenhos e espaça-mentos serão utilizados.

    A espécie arbórea é escolhida emfunção do seu uso (lenha, madeira, pas-to, adubação do solo, sombra etc.). Oespaçamento é definido em função dotempo que o agricultor deseja usufruirdeste consórcio. Assim, quanto maior operíodo de utilização, maior o espaça-mento e vice-versa. Para implantaçãoinicial dos módulos agroflorestais, optou-

    se por preparar a terra considerando umaárea média de aproximadamente meioa um hectare por lote.

    As árvores raramente aparecemcomo elemento principal do lote do as-sentado. O elemento arbóreo é utiliza-do em geral como cerca viva, oferecen-do sombra e embelezamento para oslotes, sendo que o Eucalyptus sp  e a

    Acacia mangium são as espécies maisempregadas. Apesar disso, tais famíliasmostraram-se dispostas a adotar o usode práticas agroflorestais se houver estí-mulo e capacitação para isto.

    Os sistemas agroflorestais podemcontribuir para solucionar problemas nouso dos recursos naturais devido às fun-ções biológicas e sócio-econômicas que

    exercem. A presença de árvores no sis-tema traz benefícios diretos e indiretos,tais como o controle da erosão e manu-tenção da fertilidade do solo, aumentoda biodiversidade, diversificação da pro-dução e alongamento do ciclo de ma-nejo de uma área.

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    Entre outubro e dezembro de 2000foram distribuídas mudas para os assen-tados participantes, considerando sem-

    pre o diagnóstico de campo, assim comoo planejamento prévio realizado com asfamílias.

    Extensão agroflorestalNo Brasil, as ações extensionistas

    concentram-se em serviços de assesso-ria a agricultores no campo da produ-

    ção agropecuária. Cabe ao extensionistadesempenhar um papel meramente in-formativo sobre as tecnologias disponí-veis. Entretanto, uma extensão eficazbaseia-se na discussão participativa e,muitas vezes, na negociação com osagricultores, definindo e desenvolvendo

    tecnologias necessárias, mais adequadase aceitas por eles.

    Essa negociação é sempre realiza-

    da de maneira adaptativa, ou seja, estáem constante avaliação, com ajustes ereformulações, visando melhor sintoniaentre as partes envolvidas. Extensionistasque trabalham com sistemas agroflores-tais precisam ter conhecimentos tantosobre árvores quanto sobre o comporta-mento das pessoas. Isso significa, porexemplo, conhecer o papel de homens,

    mulheres e crianças no plantio, manuten-ção e manejo dos sistemas implantados.

    A equipe de extensionistas do Pro-  jeto Abraço Verde  é composta por umengenheiro florestal e um técnico agrí-cola. Estes profissionais visitam semanal-

    Área preparada para a implantação de SAFs“abraça” os limites do Parque Estadual

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    mente os locais de implantação dosmódulos agroflorestais para identificar esolucionar problemas inesperados e ve-rificar as dificuldades que se apresentam.Discutem com os assentados soluçõesmais adaptadas, focando não somente aprodução, mas também a sustentabilida-de ecológica dos sistemas de produção.

    Os extensionistas sempre buscamconselhos de outros profissionais da área.Utilizam também o conhecimento, aexperiência e a prática dos agricultorespor meio de conversas informais em que

    se discutem práticas mais eficazes, bara-tas e compatíveis com a realidade localde cada participante. Este conhecimentoé repassado para os demais agricultores.

    Geralmente, antes de aceitar umanova prática, os agricultores precisamestar convencidos de que:

    • a inovação aumentará a relação custo-benefício em comparação com as práticas vigentes;

    • a nova tecnologia é menos tra- balhosa;

    • os resultados da nova prática são visíveis;

    • o agricultor poderá testar a ino- vação numa escala limitada, ou seja, numa área pequena.

    Por tudo isso, uma extensão agro-florestal eficaz demanda:

    • paciência: para introduzir novos sistemas, como os da agroflores- 

    ta, deve-se pensar num progra- ma de longo prazo e na maneiracomo os agricultores percebemo custo, o esforço ou o risco as- sociados a novas práticas. Estes fatores em geral impedem umarápida adesão à nova tecnologia;

    • “escutar” também com os olhos para verificar como é a reação dos agricultores às novidades;

    • aprender com os agricultores:pode-se aprender muito mais sobre o que é necessário para

    ajudá-los a solucionar seus pro- blemas. Por exemplo: pedir aos agricultores a descrição de árvo- res “boas” e “ruins” para seus lotes ou sugestões para proteger mananciais;

    • comunicar de forma eficaz: ter clareza sobre o que se quer e o que se espera do agricultor, sem- pre tendo em mente o que este sente e precisa;

    • trabalhar junto aos líderes de grupos: os líderes já possuem aconfiança do grupo. Portanto, se estes conhecerem e adotarem as novas tecnologias, será mais fá- cil a adesão dos demais agricul- 

    tores. As lideranças agem como multiplicadores de novas idéias e tecnologias.

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    Aexistência de uma cooperaçãotécnica entre o IPÊ e o ParqueEstadual Morro do Diabo tem funciona-do como a grande alavanca do Projeto Abraço Verde . O viveiro agroflorestalrecém instalado no Parque Estadual temsuprido de maneira contínua e não bu-rocrática a demanda por mudas neces-sárias à implantação dos módulos agro-florestais. Existe também na região umconvênio oficial firmado entre o IPÊ e aCocamp/MST. Por meio deste convêniosão prestados serviços técnicos comple-mentares às atividades do projeto, uma

    vez que nesta parceria estão diversosprofissionais com experiência em ativi-dades semelhantes às aqui propostas. ACocamp tem três técnicos de nível su-perior, além de sete extensionistas decampo e uma infra-estrutura já organi-zada para prestar serviços agronômicosem campo. O constante contato entre

    os técnicos da Cocamp e os do IPÊ é maisuma condição favorável para os freqüen-tes ajustes no projeto.

    A necessidade do cumprimento dasleis ambientais e das normas do Institu-to Nacional de Colonização e Reforma

    Condições para o desenvolvimento do projeto

    A cooperação técnica com o Parque Estadualgarante suprimento contínuo de mudas paraimplantação dos sistemas agroflorestais

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    Agrária – Incra, que obrigam os projetosde assentamento rural terem no mínimo20% de sua área ocupada com plantiosflorestais para fins sociais, econômicose/ou ecológicos, é também uma das prin-cipais condições externas positivas ao

    desenvolvimento do projeto. Essas deter-minações legais servem para fortaleceras intenções dos assentados rurais, bemcomo das instituições participantes emestabelecer módulos agroflorestais naspropriedades.

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    As atividades realizadas até omomento conduziram às se-guintes aprendizagens:

    • é necessário um planejamento cuidadoso do cronograma de sa- ída das mudas do viveiro para o campo, para que isto ocorra no período chuvoso (novembro a fe- 

    vereiro);• algumas espécies não são bem

    aceitas pelos assentados, seja por crendices ou por falta de infor- mação. Isto demanda dos exten- sionistas maiores esclarecimen- tos sobre as vantagens de usá-las;

    • a aproximação com a comuni- dade deve basear-se em amiza- de, carisma e, principalmente,em credibilidade e confiança. O assentado deve participar ativa- mente das discussões, pois o empoderamento da comunidade é garantia da continuidade dos 

    modelos agroflorestais mesmo após o término do projeto. A con- servação da natureza só será pos- sível se as pessoas se sentiremcapazes de realizar algo;

    • os assentados são receptivos às novas idéias e propostas, apesar 

    Lições aprendidas até o momento

    Culturas anuais e espécies exóticas de valorcomercial, como o eucalipto, compõem ossistemas junto com espécies florestais nativas

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    da resistência às mudanças, na- tural em comunidades rurais semexperiência e cultura agroflores- tal;

    • são necessárias qualidades como paciência, persistência e presença constante, pois este é um trabalho de longo prazo emum assentamento com diferentes realidades, origens e ambições;

    • a mulher, na maioria dos casos,participa amplamente das ativi- dades agroflorestais;

    • os módulos agroflorestais so- mente são implantados se esti- verem associados a, pelo menos,uma espécie de valor econômi- co, como por exemplo, eucalip- to e café;

    • deve-se trabalhar junto aos líde- res de grupos, fazendo com que 

    estes se tornem disseminadores de idéias;

    • a visita aos módulos agroflores- tais já implantados e que apre- sentam resultados satisfatórios é uma das melhores maneiras de convencer a população a adotar a prática agroflorestal.

    Dificuldades encontradasEntre as aprendizagens propociadas

    pelo Projeto estão também alguns obs-táculos à consecução dos objetivos. En-

    tre eles, podemos citar:• oscilações climáticas, principal- 

    mente geadas, que dificultam aadoção da prática agroflorestal;

    • o controle de pragas, principal- mente de formigas. Procuramos minimizar este problema com o fornecimento de defensivos agrí- colas e plantio de espécies repe- 

    lentes;

    • inexistência de referências con- vincentes (estudos e sistemas agroflorestais) para os agriculto- res na região;

    • parcerias em que as instituições demonstram dificuldade em tra- balhar juntas, mesmo em proje- 

    tos semelhantes e com o mesmo público;

    • o fato de muitos assentados, parasobreviver, prestarem serviços em lotes vizinhos, sem dispor de tempo para cuidar atenciosa- mente do seu próprio lote.

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    As atividades realizadas até omomento permitem elaboraralgumas conclusões parciais sobre a re-alidade dos assentamentos e sua relaçãocom o Parque Estadual Morro do Diabo.

    A primeira delas é que a intensarelação entre técnicos, pesquisadores e

    assentados está levando ao surgimentode uma racionalidade social e ambien-tal com novas normas de comportamen-to. Isto influencia a maneira como cadaum desses atores visualiza a própriaação. Os assentados começam a enxer-gar nos ambientalistas (e na própria na-

    tureza, por conseqüência) não mais umentrave às suas atividades, mas uma pos-sibilidade de alcançar melhores resulta-dos individuais e coletivos.

    Os ambientalistas, por sua vez, co-meçam a compreender que existe umenorme potencial de conservação se os

    assentados participam das decisões so-bre o futuro das florestas da região. Seantes enxergavam nessas comunidadesum perigo para a manutenção da inte-gridade das florestas, agora concebemos assentados como importantes aliadosda conservação ambiental.

    Conclusões sobre as ações coletivas

    do projeto

    A intensa relação entre técnicos, pesquisadores eassentados propicia o surgimento de novospadrões de comportamento

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    Para o movimento social, as ativi-dades ambientais promovem ganhos emqualidade de vida, que é, em última ins-tância, o seu objetivo principal. Ou seja,tiram os agricultores sem terra da exclu-são, inserindo-os em um ambiente ca-paz de lhes garantir melhores condiçõesde vida. Como muitas atividades são re-alizadas de forma coletiva, o movimen-to social vislumbra nestas uma aprendi-zagem para a ação cooperativa que podeser utilizada em outras ações, não só eco-nômicas, mas também políticas.

    A experimentação de técnicas me-nos impactantes do ponto de vista am-biental, abre caminho para a experimen-tação de outras técnicas, como a produ-ção orgânica de alimentos ou o contro-le biológico de invasoras e pragas da la-voura. Gradualmente percebe-se que acrença segundo a qual só se consegueproduzir com a utilização dos recursos

    da moderna indústria química e mecâ-nica, geralmente inacessíveis às suas

    condições, vai aos poucos sendo deixa-da de lado. Em um dos seminários detroca de experiência, os assentados fo-ram capazes de elencar seis maneiras decontrolar formigas sem o uso de inseti-cidas.

    Outra conclusão a que se chega éque, se num primeiro momento foi ne-cessário o estímulo de um agente exter-no ao assentamento para iniciar a dis-cussão sobre a questão ambiental, aospoucos os assentados vão ganhandomaior autonomia neste terreno. Uma vez

    que o seu conhecimento é valorizado,eles sentem-se encorajados a disseminarpara outros assentamentos as idéias deconservação, por meio de visitas de ou-tros grupos às áreas já implantadas. Con-forme sintetizado por Beduschi (2001),essa emancipação pode ser a garantiade sustentabilidade do processo que estáem curso, e deve ser cada vez mais esti-

    mulada pelos pesquisadores e técnicosdas organizações envolvidas.

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    Aprimeira constatação é de quevários dos assentados já domi-

    nam as técnicas de produção de mudasagroflorestais e incorporam conceitos eprincípios no seu cotidiano. Se é um fatoque as mudas estão sendo implantadase cuidadas pelos assentados, é fato tam-bém que o comprometimento aumentana medida dos investimentos que cada

    família realiza, conforme se pode cons-tatar nesses primeiros meses de implan-tação. Isto é, quanto maior o investimen-to, principalmente de trabalho, maior éo grau de compromisso com a questãoambiental nos assentamentos.

    Gostaríamos de frisar que a cons-trução de novas instituições para a con-servação da natureza numa realidade tãocomplexa como a do Pontal do Parana-panema exige um freqüente esforço dediálogo e negociação envolvendo todosos atores sociais de alguma maneira re-lacionados à problemática ambiental naregião, desde as organizações de assen-

    tados, passando pelo Estado e chegan-do às famílias.

    A continuação dos trabalhos atual-mente desenvolvidos no Projeto Abraço Verde  pode representar o possível elo deligação entre a conservação de ecossis-

    Considerações e recomendações finais

    O compromisso da família assentada aumenta namesma medida do investimento em trabalho querealiza

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    temas e uma nova postura de atuaçãodos envolvidos com a reforma agrária emnosso país. As ações desenvolvidas apre-sentam um caráter demonstrativo inova-dor, pioneiro e com grande potencialmultiplicador para o Pontal do Parana-panema e demais regiões brasileiras.

    Por último, gostaríamos de ofere-cer algumas recomendações para quemdeseja o sucesso em trabalhos que en-volvem a colaboração de várias partesinteressadas:

    • reconheça, que muitas vezes, as 

    parcerias ocorrem entre pessoas e não entre instituições;

    • mobilize suporte e recursos de diversas fontes;

    • prossiga sempre com determi- nação e comportamento pro-ati- vo;

    • sempre estimule o senso de res- 

    ponsabilidade e compromisso nas partes e/ou indivíduos envol- vidos;

    • crie novas oportunidades para ainteração entre as partes envol- vidas;

    • desenvolva um processo de co- laboração que tenha um signifi- cado comum, que seja objetivo,efetivo e duradouro, mantido sempre por uma forte relação de confiança entre as partes e/ou indivíduos envolvidos.

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    Bibliografia recomendada

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    Plantio de mudas na área comunitária doAssentamento Riacho das Ostras, no sul da Bahia

    Terra Viva:Meio ambiente e

    reforma agrária naCosta do Descobrimento

    Antônio de Barros AssumpçãoAgrônomo, coordenador do Terra Viva

    de setembro de 1995 a setembro do 2000

       A  c  e  r  v  o   T  e  r  r  a   V   i  v  a

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    disseminação e a adoção em larga escala desistemas agroecológicos de produção nas áreas dereforma agrária da Costa do Descobrimento, no sul da Bahia,são condições para a sustentabilidade dos assentamentos e paraa manutenção das famílias na atividade agrícola. Significa tam-bém a chance de preservar importantes remanescentes de MataAtlântica no entorno dos assentamentos, em sua maior parteincluídos nos Parques Nacionais do Descobrimento, Monte

    Pascoal e Pau Brasil.Os remanescentes florestais de Mata Atlântica no interior

    dos assentamentos sofrem grande pressão de uso por agricul-tores economicamente fragilizados e socialmente excluídos. Ademanda por novas terras para a agricultura torna-se perma-nente por causa de tecnologias e procedimentos que degra-dam os agroecossistemas e pela predominância de atividades

    Introdução

    A

    A incorporação de técnicas agroecológicas pelasfamílias assentadas começou como uma longaaprendizagem, iniciada em 1992 e que seintensificou com o projeto financiado pelo PDA

       A  c  e  r  v  o   T  e  r  r  a   V   i  v  a

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    que não geram renda satisfatória para asfamílias. Os remanescentes florestais,ainda que protegidos por lei, são pro-gressivamente ocupados e incorporadosaos sistemas produtivos.

    O uso do fogo também é práticausual, especialmente na pecuária e nasmonoculturas. Este procedimento é oprincipal gerador de “queimadas aciden-tais” que destróem importantes áreasprotegidas, com perdas irreparáveis paraa biodiversidade. Os sistemas agroeco-lógicos, ao contrário, mantêm os recur-

    sos dos agroecossistemas e prescindemdo uso do fogo. Se adotados em largaescala, reduzem enormemente a pres-são sobre os remanescentes florestais.

    Trajetória do projetoAs ações do Terra Viva na região

    foram iniciadas em 1992 com a missão

    de contribuir com o fortalecimento daagricultura familiar por meio do desen-volvimento de sistemas agroecológicosde produção e de preservação ambien-tal. O exercício do fazer concreto juntocom agricultores e agricultoras permitiuacumular conhecimentos e lições estra-tégicas, num processo construído conti-nuamente, que incluiu também erros einsucessos.

    Em 1996, tivemos aprovado umprojeto no PDA/PPG7, denominadoSis- temas Sustentáveis de Produção Agríco- la e de Preservação Ambiental em Áreas de Reforma Agrária. Embora tenhamoscontado com apoio de importantes par-

    ceiros ao longo do projeto, a participa-ção do PDA foi decisiva para orientar aconstrução da matriz de planejamentodas ações executadas pelo Terra Viva.

    Com este artigo, pretendemos so-cializar os aspectos relevantes da exe-cução de projetos envolvendo a geraçãode novos conhecimentos e o desenvol-vimento de processos de mudança nossistemas de produção da agricultura fa-miliar no extremo sul da Bahia. Nossodesejo é demonstrar a relevância destaabordagem para a consecução dos ob-

     jetivos do PDA de “conservar a biodi-versidade, reduzir as emissões de carbo-no e promover maior conhecimento deatividades sustentáveis nas florestas tro-picais”.

    Na primeira parte apresentamos ocontexto socioambiental da região-focode nosso trabalho, a planície litorâneado extremo sul da Bahia, no núcleo da

    Costa do Descobrimento. A seguir, des-crevemos os elementos estratégicos emetodológicos desenvolvidos, assimcomo os principais resultados alcança-dos em nosso projeto, executado comagricultores e agricultoras do assenta-mento Riacho das Ostras, no municípiodo Prado, vizinho ao Parque Nacionaldo Descobrimento. Na terceira parte

    apresentamos alguns temas centrais naconsecução de nossos objetivos e sobreos quais acreditamos possam assentar osprincipais desafios para a construção deum modelo de desenvolvimento regio-nal sustentável.

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    ACosta do Descobrimento pos-sui singularidades decorrentes

    dos processos históricos. A região foiocupada desde períodos imemoriais porancestrais dos grupos indígenas tupi prai-eiros e tapuias. Estes, com suas com vá-rias etnias (botocudo, pataxó e maxacali) já viviam nesse local quando chegaramos portugueses.

    Com a chegada dos colonizadoresocorre a extração do pau-brasil, inician-do o primeiro ciclo de exploração pre-datória da região. O insucesso da ocu-pação no período posterior é atribuídoa uma associação de entraves para a im-plantação dos engenhos e fazendas de

    Contexto socioambiental

    cana-de-açúcar. Isto fez com que osecossistemas locais se mantivessem emelevado grau de preservação durante operíodo colonial.

    Durante o Império, a ocupaçãoocorreu lentamente em poucas vilas dolitoral. A interiorização deu-se às mar-gens dos principais rios com uma agri-cultura familiar envolvendo diferentes

    povos indígenas, negros fugitivos da es-cravidão, negros libertos e brancos po-bres. Essas características mantiveram aregião à margem dos grandes ciclos daeconomia nacional e permitiram a ma-nutenção de um enorme remanescenteflorestal até meados do século XX.

    Cenário típico da região: pastagens degradadasexercem pressão sobre os remanescentes florestais

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    A partir dos anos 1950, inicia-se umnovo ciclo de ocupação regional. O des-matamento nesse período decorreu daexpansão da pecuária extensiva já im-plantada em Minas Gerais e no norte doEspírito Santo, caracterizando-se pelaexploração seletiva de madeira. Apenasos grandes jacarandás eram aproveita-dos e a mata sofria freqüentes queima-das. Gradualmente outras madeiras fo-ram adquirindo valor de mercado e aabertura da rodovia BR-101, que liga oNordeste aos estados do Sul e Sudeste,permitiu a expansão da atividade madei-reira que já vinha destruindo o norte doEspírito Santo.

    A integração com a sociedade na-cional produziu um profundo impactonas comunidades tradicionais. A valori-zação da terra transformou a lógica daocupação territorial indígena e das cen-tenas de comunidades de agricultores.

    Surgem os primeiros conflitos e inicia-se o processo de expulsão e esvaziamen-to da zona rural, tendência dominantenas décadas seguintes.

    Durante os anos 1970, este proces-so se acelerou, deslocando os pólos decrescimento urbano para o eixo da ro-dovia. Em poucos anos, pequenas cida-des e distritos, como Eunápolis, Teixeira

    de Freitas e Itabela tornaram-se grandesaglomerados humanos em torno das cen-tenas de serrarias que se instalaram naregião.

    O esgotamento dos recursos, ocor-rido na década de 1980, levou as em-

    presas madeireiras a se deslocar paranovas frentes de desmatamento. Atual-mente, a maioria atua na Amazônia,principalmente no estado do Pará. O rá-pido declínio da atividade criou umagrande instabilidade social nesses cen-tros urbanos. A crise de trabalho gerouum grande contingente de desemprega-dos e o crescimento da miséria. Nestecontexto se iniciou a luta pela reformaagrária.

    A reforma agrária na regiãoOs sindicatos de trabalhadores ru-

    rais e, em seguida, o Movimento dos Sem Terra - MST, passam a mobilizar a popu-lação, organizando grandes ocupações,principalmente na planície litorânea,onde se concentravam latifúndios impro-dutivos aptos para reforma agrária.

    Com a região integrada ao cresci-

    mento nacional, muitos e novos atoresse inserem na dinâmica e conflituosaocupação da terra: as indústrias de ce-lulose, as atividades associadas ao turis-mo e as empresas agrícolas produtorasde mamão e café. A atividade econômi-ca predominante continua a ser a pecu-ária extensiva, que ocupa cerca de 70%do total da área da região.

    Nos anos recentes, o cenário temse tornado mais favorável para a manu-tenção dos remanescentes florestais edos ecossistemas associados. Emboranão se tenha revertido o atual quadro dedegradação, o crescimento das ações re-gionais, nacionais e internacionais re-

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    dundaram em atitudes concretas paradefender os remanescentes da MataAtlântica do sul da Bahia.

    A região ganhou status  de Patrimô-

    nio Mundial e prioridade para uma açãointegrada de políticas públicas, com ên-fase na preservação do meio ambiente.Foi realizado um plano de ação coorde-nado pelo Ministério do Meio Ambiente- MMA, dos quais algumas foram ou es-tão sendo viabilizadas, embora não noritmo e com os recursos necessários.Existem grandes demandas de apoio ao

    desenvolvimento sustentável e à preser-vação nos assentamentos de reformaagrária e nas aldeias pataxó, além deestruturação e gestão dos parques naci-onais e da implantação da ReservaExtrativista Marinha do Corumbau. Háainda grande necessidade de se desen-volver programas de educaçãoambiental para todos os atores sociais

    que interagem na região.

    Indígenas no centro do cenárioA questão indígena ocupa hoje o

    centro do cenário no núcleo da área. Ospataxó demonstram uma enorme capa-cidade de resistência étnica e cultural evivem um processo de reagregação ecrescimento populacional. Nos últimosanos ocorreram algumas “retomadas” deterritório indígena, eventos que marca-ram especialmente as proximidades dosquinhentos anos de Brasil. Em agosto de1999 ocorreu a retomada do MontePascoal, situação que permanece inde-

    finida até o momento. Mais tensa está arelação com os fazendeiros, alguns dosquais se utilizam de violência para coi-bir a ação indígena.

    A ocupação da terra torna a regiãoum grande palco de conflitos entre osatores sociais: sem-terra versus latifun-diários, índios versus  fazendeiros, Iba-ma versus  índios, índios versus  sem-ter-ra. A conformação definitiva da posse daterra atualmente depende em grandeparte da demarcação e reacomodaçãodos pataxó, situação que pode se pro-

    longar ainda por muitos anos.As áreas estratégicas mínimas pos-

    síveis para conservação estão definidas.Foram criados dois parques nacionaisnos dois últimos grandes remanescentesde Mata Atlântica ainda não protegidos.A área do Parque Nacional do MontePascoal deverá ser preservada indepen-dentemente da definição deste litígio.

    Estas áreas formam uma espécie de mo-saico, alternando-se principalmente comos assentamentos e as aldeias dos muni-cípios do Prado e Porto Seguro. Os mo-radores do entorno são atores decisivosno que ocorre de destruição ou preser-vação ambiental.

    A maior ameaça aos grandes rema-nescentes e a áreas menores de matassecundárias dispersas na paisagem é ouso do fogo, prática comum a muitossistemas de produção e que acelera adegradação dos agroecossistemas.

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    Situação inicial do projetoEm 1995, o Terra Viva, em parceria

    com uma articulação de 14 sindicatosde trabalhadores rurais, realizou pesqui-

    sa regional sobre a agricultura familiar.Este diagnóstico foi muito importantepara definir estratégias para o planeja-mento do último qüinqüênio do séculoXX. Neste trabalho, visitamos 19 áreasde reforma agrária existentes na região,incluindo assentamentos regularizadospelo Incra e áreas ainda sem a emissãode posse, mas cuja ocupação já estava

    consolidada.Realizamos dezenas de reuniões,

    caminhadas de observação das localida-des e aplicamos cerca de mil questioná-rios em entrevistas familiares. Levanta-mos dados sobre a família, sistemas deprodução, comercialização e renda,infra-estrutura local e acesso a políticaspúblicas, participação em organizações

    e outras informações complementares.Após este trabalho, acompanhamos odesenvolvimento local de algumas áre-as e iniciamos a execução do projetoPDA no Assentamento Riacho das Os-tras, além de projetos menores com fa-mílias de outros assentamentos.

    Com exceção do AssentamentoVale Verde, as demais áreas nasceram

    de ocupações organizadas pelos sindi-catos dos trabalhadores e pelo MST en-tre 1986 e 1991. Após esse período, asocupações se reduziram, mas várias ou-tras áreas foram incorporadas à reformaagrária por meio do programa Cédula da Terra.

    O modo de ocupação das áreas dereforma agrária determinou a implanta-ção de sistemas produtivos com baixasustentabilidade ambiental, social e eco-nômica que colocam em permanenterisco os remanescentes florestais aindapresentes na região.

    Uma questão com a qual nos de-paramos em vários assentamentos comaté dez anos de existência foi o baixograu de estruturação social. O associati-vismo ainda não foi plenamente incor-porado na vida social, seja pela falta de

    estruturas comunitárias, seja por causados frágeis vínculos culturais e afetivosentre as pessoas e das pessoas com a ter-ra. São profundas as diferenças em rela-ção a uma comunidade tradicional deagricultura familiar. A sociedade, aindaem formação, não está conseguindoestruturar os sistemas produtivos, geran-do uma situação crítica de sustentabili-

    dade.A ineficácia e a lentidão na execu-

    ção de políticas públicas que propicias-sem condições favoráveis para o desen-volvimento local desses assentamentosforam determinantes para a instalação deprocessos com grandes problemas desustentabilidade e geradores de fortesimpactos ambientais.

    Somente em anos recentes, o Esta-do passou a operar realmente nas áreas.Provocou uma mudança no cenário daprodução, com a liberação de créditoindividual e comunitário, alguma assis-tência técnica e a implantação de infra-

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    estrutura local, como escolas, estradas eenergia elétrica. O modo como essasoperações foram realizadas provocounovos impactos no ambiente. Houveuma grande uniformização nos projetosindividuais, priorizando-se a pecuária.Nesses projetos o sonho de muitos as-sentados de ter o seu rebanho conver-giu com o projeto associativo da Coo-perativa Central de Produção de Leite eDerivados.

    Nas áreas de reforma agrária doextremo sul predominam os parcelamen-

    tos em lotes individuais/familiares. Cadafamília é assentada em lotes com áreaem torno de 25 hectares. A principal re-gra que orienta o parcelamento é a dis-ponibilidade de água no maior percen-tual possível de lotes. Os elementos derelevo da planície litorânea são achapada, plana ou suavemente ondula-da, recortada geograficamente por uma

    rede pluvial predominante no sentidoOeste-Leste. Dependendo da vazão dosrios e bacias, que é em geral pequena,formam-se leitos em “V” ou em “U” eencostas que variam muito em declivi-dade. Na região onde predominam osassentamentos, a diferença de nível en-tre a chapada e o leito varia de 30 a 50metros. O modo como as famílias ocu-

    pam essa paisagem determina o grau desustentabilidade do assentamento, a con-servação dos recursos hídricos e a pre-servação da biodiversidade presente nosremanescentes da região. A maioria doslotes é composta por uma fatia da área

    de chapada, um recorte de encosta e deleito de água.

    A água, claro, desempenha um pa-pel essencial na reprodução cotidiana da

    família e nos sistemas de criação animal.As habitações e quintais ocupam umaárea de transição da chapada para a en-costa. Há duas opções para o abasteci-mento de água: ou há um deslocamentoaté a água, ou a água é elevada mecani-camente até a chapada. A elevação me-cânica pode ser realizada por sistemasdependentes de fontes externas de ener-

    gia (elétrica ou combustível) ou por sis-temas hidráulicos (rodas e carneiros).Nos primeiros anos este não era um pro-blema simples, pois dependia de recur-sos e capacidade técnica que não foramdisponibilizados pelos órgãos executo-res da reforma agrária.

    Com a predominância dos sistemasde criação de gado, as pastagens ocu-

    param as encostas e se estenderam até abeira d’água. Os animais têm acesso li-vre aos cursos d’água, uma prática cor-rente entre os pecuaristas da região. Oque ocorre nos assentamentos é um es-pelho do que tem ocorrido na região nasúltimas décadas.

    Um modelo fadado ao fracassoNão existiram parâmetros ecológi-

    cos ou orientação legal para o uso daterra e dos recursos naturais disponíveis.Uma boa parte das áreas ocupadas apre-sentava grande porcentagem de matas

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    secundárias degradadas pelo corte sele-

    tivo da madeira de valor comercial.O território do Riacho das Ostras

    dispunha de 85% da área composta decapoeiras em estágios avançados e dematas secundárias. A ocupação ocorreuem dezembro de 1986. Somente na dé-cada de 1990 o Incra concluiu a regula-rização dos lotes e concedeu acesso acrédito agrícola aos assentados. As fa-

    mílias permaneceram na área, passan-do a sobreviver da mata, destruindo gra-dualmente os recursos madeireiros. Amadeira que restou foi comercializada,destinou-se à produção de estacas paracerca e produziu carvão, maior fonte derenda para muitas famílias durante anos.

    O passo seguinte ao desmatamento é a

    queimada, para plantio de roça ou depastagens.

    As evidências do fracasso destemodelo são apontadas por alguns indi-cadores de sustentabilidade que qualifi-camos nesse processo, destacando-se osreferentes à dimensão ambiental:

    • maior parte de áreas de preser- vação permanente desmatadas e 

    com destinação agropecuária.Na maioria dos assentamentos,grande parte das matas ciliares foi destruída para a implantação das pastagens;

    • uso recorrente do fogo e ausên- 

    A natureza dá sinais de esgotamento: infestação desapé (Imperata brasiliensis ) em área escolhidacomo prioritária para manejo   A  c

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    cia de controle social e de fisca- lização. Essa prática continuasendo o maior risco para a ma- nutenção dos principais rema- nescentes de Mata Atlântica que estão nas proximidades de assen- tamentos;

    • aumento gradual das áreas de- gradadas pela agricultura emfunção do tempo de ocupação.Durante a pesquisa e em nossos acompanhamentos posteriores tornou-se evidente o ciclo de de- 

    gradação dos lotes individuais.Áreas degradadas pela agricultu- ra, segundo os indicadores dos agricultores, são aquelas em que o sapé (Imperata brasiliensis) nas- ce muito forte e vence a enxada,e a formiga (Atta e Acromirmex)não deixa a mandioca em paz.

    Desde 1996, o Terra Viva executa o

    projeto Desenvolvimento de Sistemas Sustentáveis de Produção Agrícola e Pre- servação Ambiental em Áreas de Refor- ma Agrária, com apoio do PDA/PPG7.No último triênio, o projeto concentrousuas ações no assentamento Riacho dasOstras, no município de Prado, vizinhoao Parque Nacional do Descobrimento.No assentamento, criado em 1986, vi-

    vem 87 famílias em lotes individuais quetêm, em média, 23 hectares. A área totaldo assentamento é de 2 mil hectares eos assentados provêm da periferia dascidades que se situam à beira da rodo-via BR-101.

    Este projeto teve como objetivo es-tratégico implantar uma experiência-pi-loto em um assentamento que servissecomo referência de desenvolvimentolocal para as demais áreas de reformaagrária, com uma matriz agroecológicae de sustentabilidade ambiental.

    As ações executadas em parceriacom a associação local do assentamen-to Riacho das Ostras desencadearamnovos processos de geração de conhe-cimentos. Houve profundas mudançasnos sistemas produtivos para cerca de 50

    famílias de assentados, o que acarretoua implantação em larga escala de siste-mas agroflorestais e também a demar-cação e o início de recuperação de mui-tas áreas de preservação permanente.

    O projeto articulou múltiplas açõeseducativas, metodologias participativas,acompanhamento técnico, apoio mate-rial e logístico. Proporcionou também

    uma forte apropriação social de umanova matriz de desenvolvimento local.A perspectiva de sustentabilidade eco-nômica é assentada em estratégias de va-lorização da produção diversificada dossistemas agroflorestais. No próximo ano,a produção deverá atingir uma escalaque demandará um empreendimento co-munitário que viabilize a comercializa-

    ção de produtos agroecológicos. A ela-boração de um plano de negócios e oinício de implantação do empreendi-mento foram prioridades para a conti-nuidade do projeto de desenvolvimentolocal em 2001.

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    Nosso trabalho partiu da pre-

    missa de que as mudanças nomodo de ocupação da paisagem, no de-senvolvimento de sistemas agroecológi-cos e agroflorestais deveriam ser decidi-das pelos agricultores e agricultoras, ouseja, pelas próprias pessoas que gover-nam e executam essas mudanças em suaárea de domínio, o lote.

    A questão fundamental de nossaestratégia é como operar essas mudan-ças no nível familiar, convergindo cole-tivamente para um plano de desenvolvi-mento local que seja sustentável tantodo ponto de vista ambiental, quanto so-cial e econômico.

    Essas mudanças, como as percebe-

    mos, acarretam re-elaborações no co-nhecimento, no modo de pensar, no sis-tema de crenças e valores dos agriculto-res e agricultoras. São mudanças queoperam no nível dos indivíduos e dasrelações humanas e das relações entreos seres humanos e o meio ambiente.Demandam, portanto, tempo de acumu-lação para desencadear mudanças tan-

    gíveis no ecossistema local.

    Uma condição essencial para queeste processo se inicie é o desejo demudança. As pessoas têm de querermudar; é necessário criar um estado demobilização social e de participação efe-

    Estratégias e metodologias

    A base do trabalho é a participação social   A  c  e  r  v  o   T  e  r  r  a   V   i  v  a

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    tiva para que os sistemas de produção eo modo de ocupação sejam alterados.

    No caso do Assentamento Riachodas Ostras, a realização do Diagnóstico

    Participativo, como meio de identificara situação inicial, foi muito eficaz. Umgrupo muito significativo percebeu cla-ra e coletivamente as dimensões da de-gradação ambiental e a desestruturaçãode seus sistemas de produção, que se-quer chegaram a se consolidar, devidoà baixíssima sustentabilidade que apre-sentavam.

    Com o grupo mobilizado para ope-rar mudanças significativas em seu modode produzir, o desencadeamento de pro-cessos efetivos de execução destas mu-danças envolveu inúmeras atividadesarticuladas, vários atores, além de par-cerias permanentes e pontuais. A maiorparte do esforço empreendido pelo Ter-ra Viva baseou-se em dois eixos:

    • desenvolvimento de processos educativos e 

    • apoio técnico e logístico para aimplantação de sistemas agroflo- restais e de preservação perma- nente.

    Diagnóstico Participativo deAgroecossistemas

    A metodologia do DRPA - Diagnós-tico Rápido Participativo de Agroecos-sistemas, foi um dos ganhos da articula-ção em rede. Sistematizada pela AS-PTA- Assessoria e Serviços em Projetos de

     Tecnologias, esta metodologia atualmen-te é utilizada pelas entidades da rede PTApor sua eficácia e efetividade namobilização local para um estudoparticipativo do ambiente, dos sistemasde produção ou de outras temáticas efocos que o grupo se propõe investigar.

    O princípio metodológico é a or-ganização e geração participativa doconhecimento. Os procedimentosmetodológicos são orientados para esti-mular a manifestação de cada indivíduoparticipante, considerando a diversida-

    de geracional e de gênero.Cada diagnóstico tem suas especi-

    ficidades decorrentes do contextosocioambiental, do grupo executor e dosobjetivos estabelecidos. Portanto, não épossível consolidar um modelo metodo-lógico definitivo, mas é útil nos referen-ciarmos nas experiências acumuladas naaplicação do método.

    Descreveremos brevemente o pro-cesso realizado no Assentamento Riachodas Ostras visando proporcionar elemen-tos para a disseminação da metodologia. Trata-se de um instrumento muito útilpara a releitura das relações sociedadelocal/meio ambiente, além de uma ex-celente ferramenta de mobilização e deeducação ambiental.

    O primeiro passo foi montar a equi-pe do diagnóstico. Esta equipe consti-tuiu-se de técnicos do Terra Viva, da Uni-versidade Estadual da Bahia - UNEB, edo Centro de Pesquisas e Estudos para oDesenvolvimento do Extremo Sul da

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    Bahia - Cepedes. Contou também comestagiários da universidade e represen-tantes da associação local. Esta equipedefiniu os roteiros, coordenou a aplica-ção das técnicas, analisou e sistemati-zou as informações obtidas com a apli-cação das técnicas.

    Os eixos temáticos definidos noDRPA do assentamento foram:

    • história do assentamento;

    • população e cultura;

    • paisagem;

    • sistemas de agricultura;

    • sistemas de criação animal;

    • economia e mercado;

    • educação e cultura.

    Como se pode ver, trata-se de umroteiro amplo que conduz a um primei-ro risco: de o grupo se perder em ummar de informações que não conseguedigerir, sistematizar, dar sentido ou atri-buir significado. Neste aspecto é muitoimportante definir claramente os objeti-vos do trabalho, quais são as informa-ções realmente relevantes e necessáriase quais as técnicas mais adequadas paraobtê-las.

    A partir do tema, definiu-se um ro-teiro para orientar o trabalho dosaplicadores do método. Não se trata deum questionário, mas de uma orienta-ção para a vivência das técnicas, que sãoprocedimentos capazes de favorecer epropiciar a expressão dos participantes.

    Cena do diagnóstico: agricultores conversam sobre

    áreas de preservação do assentamento   A  c  e  r  v  o   T  e  r  r  a   V   i  v  a

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    Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

    Principais técnicas utilizadas:

    Entrevistas individuais e em grupo -semi-estruturadas e realizadas com lide-ranças e pessoas-chave da localidade. As

    entrevistas em grupo ocorreram com seg-mentos da sociedade local, como gru-pos de famílias, de mulheres, de homens,de crianças. Esta técnica foi realizadacom grupos de 6 a 10 pessoas, forman-do uma “roda de conversa” orientada,como nas entrevistas individuais, por umroteiro semi-estruturado sobre a temáticaabordada.

    Caminhadas transversais- momen-tos privilegiados de estudo da paisageme oportunidade para se refletir sobre adegradação do ambiente e dos recursosprodutivos. Foram realizadas nove cami-nhadas, com a participação de cerca de70% das famílias. As caminhadas segui-ram um roteiro pré-definido, passandoobrigatoriamente por todas as unidades

    da paisagem. Em diversos pontos ocor-reram paradas e houve reflexão e estu-do dos elementos do agroecossistema e/ou do ecossistema visitado.

    Os participantes foram convidadosa dar depoimentos, explicar itinerários,expor opiniões, e a formular previamenteo roteiro semi-estruturado. É necessário

    manter uma postura flexível para estimu-lar o debate com base nas reflexões pro-cessadas pelo grupo de participantes.

    As caminhadas geraram impacto no

    coletivo, uma constatação da gravidadedos problemas e da falta de perspectivade futuro com a permanência do modode ocupação realizada. Este fato foi de-cisivo para a implantação dos sistemasagroflorestais fomentados pelo projetoem sua fase posterior, pois mobilizou naspessoas a vontade de participar no pro-cesso de mudanças.

    Confecção de mapas - realizada emgrupos e após as caminhadas, essa ativi-dade consolidou uma visão coletiva dalocalidade e permitiu aprofundar novasquestões sobre a ocupação da paisagem.Os mapas constituem ferramentas úteisda fase de planejamento, principalmen-te para a própria equipe técnica, mastambém para o grupo local.

    Outras técnicas - Durante o diag-nóstico foram aplicadas outras técnicas,como o calendário sazonal e a rotina di-ária. Realizamos também censos popu-lacionais e de educação e um estudotemático específico sobre a formiga,identificado como sério problema noassentamento.

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    Aimplantação dos sistemasagroflorestais iniciou-se no fim

    de 1997, com a adesão de 42 famíliasparticipantes do diagnóstico. Os agricul-tores apropriaram-se do conhecimentoagroecológico requerido neste trabalhopor meio das ações de formação descri-tas e da vivência prática no manejo dossistemas.

    Durante o primeiro ano, cada fa-mília participante implantou 5 mil m2,totalizando 21 hectares descontínuos noassentamento. Para a implantação destaparcela inicial, o “contrato” entre o Ter-ra Viva e cada família previu e ocorreunos seguintes termos:

    • cada família escolhia as frutas que desejava incluir em seu sis- tema (no mínimo três espécies)e determinava a área do lote parao plantio;

    • os técnicos do Terra Viva visita- vam a família e a área, realiza- vam um desenho da distribuição espacial das plantas e definiam

    o itinerário técnico em função das condições iniciais da parce- la (área degradada, roçado etc.);

    • o Terra Viva forneceu as mudas e a adubação organo-mineral de plantio. Os agricultores executa- ram as tarefas nos seus lotes. As 

    Implantação dos sistemas agroflorestais

    A produção de mudas no próprio assentamentocontribui para a implantação em larga escala dossistemas agroflorestais

       A  c  e  r  v  o   T  e  r  r  a   V   i  v  a

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    mudas fornecidas obedeciam àseguinte proporção: 70% eramdas três ou mais espécies esco- lhidas pelas famílias e 30% eramde espécies variadas (frutíferas e florestais) que completavam acomposição do desenho dos sis- temas;

     • o Terra Viva proporcionou o apoio técnico em campo paraimplantação das parcelas.

    No primeiro ano os resultados emcampo foram diversificados, com vários

    desenhos e situações agro-ambientaisdiferenciados e o plantio de 60 espéciesde arbóreas. Estas parcelas iniciais foramimportantes fontes de aprendizagempara a ampli