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OS SIMPÓSIOS DA EDITORIAL Cáritas Editorial Po N.º 04 | MARÇO 2016 A ALIANÇA DO PENSAR E DO FAZER NA CÁRITAS DIOCESANA DE BRAGA

A Aliança do Pensar e do Fazer na Cáritas Diocesana de Braga

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OS SIMPÓSIOS DA EDITORIAL

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N.º 04 | MARÇO 2016

A ALIANÇA DO PENSARE DO FAZERNA CÁRITAS DIOCESANA DE BRAGA

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EDITORIAL CÁRITAS

Praça Pasteur, nº 11 ‑ 2.º, Esq.1000 ‑238 [email protected]. +351 911 597 808, fax. +351 218 454 221

ÍNDICEA ALIANÇA DO PENSAR E DO FAZER NA CÁRITAS DIOCESANA DE BRAGA 3

ENTREVISTA A D. JORGE ORTIGAArcebispo Primaz da Arquidiocese de Braga 4

ENTREVISTA AO PE. JOSÉ MANUEL PEREIRA DE ALMEIDAAssistente Eclesiástico da Cáritas Portuguesa 6

CONSCIÊNCIA SOCIAL DA IGREJA CATÓLICAApresentação do Pe. Domingos Lourenço Vieira 8

ENTREVISTA AO PE. JOÃO GONÇALVESResponsável pela Pastoral Penitenciária 10

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A ALIANÇA DO PENSAR E DO FAZER

A ALIANÇA DO PENSARE DO FAZER NA CÁRITAS DIOCESANA DE BRAGA

No mês de janeiro, a Editorial Cáritas, a Caritas Arquidiocesana de Braga e o Centro Regional de Braga da Universidade Católica Portu‑guesa (UCP) organizaram mais uma sessão de apresentação de três títulos da Editorial Cáritas, uma iniciativa que reúne elementos que “pretendem dar um rosto social à fé”, como referiu João Duque, pre‑sidente do Centro Regional de Braga da UCP.Cuidar do Outro – uma das obras mais recentes da Editorial, organizada em homenagem a Sergio Bastianel ‑ foi apresentada por um dos seus co‑autores, o Pe. José Manuel Pereira de Almeida; O livro A Consciência Social da Igreja Católica foi apresentado pelo seu autor, o Pe. Domin‑gos Lourenço Vieira; e a obra Crimes e Criminosos no Norte de Portugal, apresentada por Alexandra Esteves, autora da tese de mestrado que deu origem a esta obra.Numa sessão sobretudo marcada por reflexões sobre o cuidar e a construção das relações, foi sublinhada a importância de escutar o outro, que implica estar presente, e de compreender e reconhecer no rosto do outro o nosso próximo, ou seja, ter tempo e disponibilidade para perder‑se desmedidamente com o outro que necessita de nós.D. Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz da Arquidiocese de Braga, esteve pre‑sente e felicitou mais uma iniciativa deste projeto da Cáritas, sublinhan‑do a importância da “aliança do pensar e do fazer”, voltando a tomar como sua a expressão que é hoje mote da Editorial Cáritas.

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Editorial Cáritas (EC): “Uma nova Igreja ao ritmo da mo-dernidade” acreditamos ter sido a expressão que o Senhor Dom Jorge Ortiga usou no seu discurso de tomada de posse em 1999. Que papel desempe-nha a Editorial Cáritas para o cumprimento deste objetivo, e muito em especial, no caso da diocese de Braga?

d. JorgE ortiga (d. Jo): Com a incarnação de Cristo, momen‑to fundante da Igreja, esta tor‑nou‑se histórica na qualidade de presença do divino no meio da Humanidade. Se Cristo montou a sua “tenda” no meio dos Homens, foi para assumir a natureza humana, identificar-se com ela e com as variações dos tempos e das épocas. Daí que a Igreja nunca se possa alhear do humano ou percorrer uma estrada paralela.Com a modernidade, a Igreja

assume‑a ou deve assumi‑la, não se identificando com ela mas procurando reconhecer os seus ritmos e interrogações para lhe proporcionarmos iti‑nerários de sentido. Só com linguagens novas, a mensagem eclesial será compreensível.É neste contexto que a Edi‑torial Caritas pode e deve ser instrumento capaz de ler os “si‑nais dos tempos” e, em simul‑tâneo, apresentar propostas de caminhos a percorrer. Isto acontece para a Igreja em Por‑tugal e, particularmente, para a Arquidiocese de Braga que, num fenómeno de globalização, não deixa de ter as suas pecu‑liaridades e desafios pastorais. Acontece que, muitas vezes, as editoras navegam em con‑teúdos genéricos e abstratos. A Caritas, pela sua natureza de tornar visível o rosto de Deus, não pode aceitar esta lógica. Ou é concreta ou refugia‑se

nos conteúdos académicos que podem ou não resposta para os problemas da Humanidade.

EC: Entre muitas das preocupa-ções que tem expresso ao lon-go de diversas entrevistas e em muitas das Eucaristias a que o Senhor Dom Jorge Ortiga pre-side, o desemprego e o traba-lho precário, bem como o difícil acesso à vida ativa e a explora-ção vivida em alguns setores da sociedade portuguesa são te-mas recorrentes. Podemos di-zer que “Cuidar do Outro”, um dos últimos títulos da Editorial Cáritas, recentemente apre-sentado em Braga, é um bom instrumento de trabalho para pensarmos estas questões? d. Jo: Nesta proximidade de quem caminha com o povo, o trabalho é um direito in‑questionável e, quando não é usufruído por uma percenta‑gem muito significativa, não

ENTREVISTA AD. JORGE ORTIGAARCEBISPO PRIMAZ DA ARQUIDIOCESE DE BRAGA

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podemos ficar tranquilos e não sentir o drama de muita gente. O Norte tem sido fustigado por este drama, apesar da inovação e empreendedo‑rismo a oferecer novas oportunidades.O livro “Cuidar do Outro”, só pelo título, já é um contributo positivo para ultrapassar esta problemática. Os empresários, através da sua leitura, poderão reassumir uma responsabilida‑de cívica e cristã de estruturar as empresas com esta dinâmica de acolhimento de novos traba‑lhadores, sem prejuízo dos seus interesses. Mui‑tos outros, com habilitação académica notável, podem sentir o apelo a criar novas respostas e espaços para trabalhar. O outro merece atenção e oferecer condições para viver dignamente é um sinal de que isso acontece.

EC: “Pensar o agir” foi esse o papel que o Senhor Dom Jorge Ortiga salientou como sendo o nosso, o da Editorial Cáritas. Quer ter a bondade de de-senvolver esta ideia?

d. Jo: A Caritas integra‑se dentro da ação ecle‑sial e a editora serve na medida em que ajuda a corresponder aos seus objetivos e finalidades. Outrora o mundo estava pensado e tudo se re‑duzia a uma monótona repetição de hábitos e rotinas. Hoje sabemos permanentemente o que se passa. Isto exige muito pensamento e refle‑xão. Nada é igual e nunca se pode improvisar.

Não basta, na ação social, um profissionalismo competente, mas este é imprescindível. A com‑plexidade dos problemas assim o exige. Daí que, sem um pensamento estruturado e a fundamen‑tado, não seja possível agir de um modo credível e responsável.

EC: A importância de Braga, e do pólo de Braga da Universidade Católica, leva-nos a perguntar-lhe, Senhor Dom Jorge Ortiga, qual a relevância das publicações da Editorial Cáritas para o mun-do universitário, e se assim o entender, para a formação de novos sacerdotes?

d. Jo: Na organização da Universidade Católi‑ca, o Centro Regional de Braga deve orientar‑se para a dimensão pastoral de uma teologia prá‑tica capaz de renovar a Igreja. Os seus cursos, particularmente os da área social, já estão orien‑tados neste sentido. Importa continuar a inves‑tir neste setor.Nesta perspetiva, a Editorial Caritas será uma parte importante deste rosto do Centro Regional para todos os universitários e para os sacerdotes que desejam uma formação permanente. Esta ne‑cessita de fundamentação capaz de estruturar o agir da Igreja na linha de uma Modernidade exi‑gente e complexa. Trata‑se de não ter medo de apostar e saber selecionar o que melhor corres‑ponde às necessidades pastorais.

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Editorial Cáritas (EC): Cuidar do outro - um dos mais recen-tes títulos da Editorial Cáritas - é uma Festschrift organizada pelos Professores de Teologia Moral Donatella Abignente e J.M. Pereira de Almeida em ho-menagem ao Professor Sergio Bastianel. Enquanto organiza-dor e co-autor deste trabalho, qual é a importância da edição desta obra, hoje, no nosso país?

PE. José ManuEl PErEira dE alMEi-da (JMPa): Uma obra deste tipo, quando a pessoa homenageada é uma figura marcante sob o ponto de vista académico e hu‑mano ‑ como é o caso do Prof. Bastianel ‑ tem sempre a possi‑bilidade de ser uma referência na área de estudo em que se situa. Creio que os textos que compõem os capítulos de Cui-dar do outro correspondem às melhores expectativas. Estão distribuídos em três partes que facilmente nos dão, com o títu‑lo, a ideia geral da obra: “Vida de consciência”, “na História”, “em relações estruturadas”. Este fio condutor corresponde ao pensamento que desenvol‑vemos em grupo apresentando uma reflexão de Teologia Moral que se compreende como uma

procura, ligando as questões de Moral Fundamental aos proble‑mas éticos específicos, recusan‑do sempre uma Moral Especial que se apresente como aplica‑ção ou, como parece ser moda nestes tempos, como “moral te‑mática” avulsa. (Esses temas são os mais variados como facilmen‑te reparamos: ecologia, relações homossexuais, casamento, pro‑criação medicamente assistida, eutanásia). Ter esta obra editada em português ‑ com tradução de Artur Morão, o que é, à par‑tida, uma garantia de qualidade - significa podermos ficar a par de um debate particularmen‑te significativo na área da Ética Teológica contemporânea.

EC: Como o Pe. Walter Magno-ni, um dos co-autores desta Fest-

schrift, o parece sugerir, Cuidar do Outro é uma expressão síntese da Doutrina Social da Igreja?

JMPa: O Pe. Walter Magnoni ocupa‑se da Pastoral Social da Diocese de Milão que é uma das grandes Igrejas locais de Itália. Uma grande cidade, com grandes problemas, que teve grandes bispos e um grande di‑namismo laical. Por isso é fácil perceber que o Pe. Magnoni,

lendo a realidade com uma mentalidade formada pelo pen‑samento social cristão, tenha chegado a essa síntese. Creio que a Doutrina Social da Igreja corresponde, de facto, a um di‑namismo de ação-reflexão-ação que procura, em cada tempo, incarnar as parábolas do “bom samaritano” (Lc 10,25‑37) e do “juízo final” (Mt 25,31-46). Numa palavra: cuidar do outro.

EC: Retomando Sergio Bastia-nel em Moralidade Pessoal na História

- Temas de Ética Social (já publicado em português pela Editorial Cá-ritas) onde o mestre de Teologia Moral afirma que “o mais pro-fundamente pessoal em nós é o que forma e estrutura as nossas relações”, bem como o capítulo do Pe. Pereira de Almeida em Cuidar do Outro, pedimos-lhe que nos explicite essa ideia que par-tilha com o Professor Bastianel, de que devemos pensar o “en-contro interpessoal” como lu-gar originário do moral.

JMPa: Na maneira de apresentar‑mos a reflexão moral, tal como o Prof. Bastianel a desenvolveu e ensinou, o encontro interpessoal tem um lugar central. Muitos fa‑lam hoje da categoria ‘encontro’,

ENTREVISTA AOPE. JOSÉ MANUEL PEREIRA DE ALMEIDAASSISTENTE ECLESIÁSTICO DA CÁRITAS PORTUGUESA

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mas não necessariamente com este significado... Para nós, ao dizermos que é o ‘lugar originário da moralidade’, estamos a falar precisamente do senti‑do do “humano”. Quando dizemos ‘encontro’, a pri‑meira referência não é um conceito, mas um acon‑tecimento. Trata‑se do acontecimento de consciência que se origina exatamente no encontro com o “tu” do outro que está diante de mim. O caráter hu‑mano da nossa existência não se explica só como individualidade de um ‘eu’. Todos sabemos por ex‑periência que só quando encontramos um outro, na sua concreta presença interpelante, só quando nos surge um “tu” no nosso horizonte, é que muda o sentido dos nossos projetos. A sua presença é um ‘dom’ que nos possibilita viver (humanamente), acolhendo-o e confiando-nos a ele. (Os três edi‑toriais da Revista Cáritas de 2013/14 ‑ «Onde?», «Aqui», «Tu» ‑ apresentam, de forma legível, creio, esta dinâmica de consciência). Assim, o sentido da nossa existência passa a ser a nossa co‑existência: vivemos uma liberdade que torna mais livre a vida do outro, uma vida dada (entregue) que, como diz o Bispo José Traquina na mensagem do Dia Cáritas deste ano, «torna mais viva a vida do outro».

EC: Outras duas noções parecem percorrer toda a obra, referimo-nos às noções de “gratuitidade” e “solidariedade”. A teóloga Donatella Abignen-te afirma mesmo que “gratuidade significa tor-nar-se responsável pela vida de outrem, sem re-servas”; enquanto que encontramos referência ao longo de todo o texto, para usar a expressão do Papa Francisco, à necessidade de uma “solida-riedade” desinteressada. Nos nossos quotidianos como podemos tornar atuais estes desideratos?

JMPa: A vida que é vivida como vida entregue, como vida dada, corresponde exatamente ao que me diz. Trata-se, afinal, do modo como compreen‑do que a minha existência se realiza plenamente, segundo a lógica do dom. Sem reservas: não só ‘se’... qualquer coisa. Se ele (ou ela, ou eles) for(em) simpático(s), ou ao menos não me prejudicar(em) demasiado. Mesmo se me perseguirem, mesmo se eu correr perigo de vida. Sem reservas. Uma

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José Manuel Pereira de Almeida com Sergio Bastianel e Donate‑lla Abignente em Nápoles | 5 de fevereiro de 2016.

solidariedade, como se diz na Sollicitudo rei socia-lis, que não seja um sentimento superficial, uma comoção passageira: que seja, sim, um efetiva res‑ponsabilidade pela construção do bem comum ‑ o bem de todos e de cada um ‑ já que somos todos, de facto, responsáveis por todos (cf. n.38).

EC: Por último, mas não em último, enquanto assistente eclesiástico da Cáritas Portuguesa, diga-nos: porque devemos ler Cuidar do Outro? Que aspeto ou aspetos gostaria de sublinhar?JMPa: Gostaria de sublinhar que, como sabe‑mos, ao contrário de outras áreas do saber, as questões éticas dizem respeito a todos. Por isso, poder ler estes textos de ética teológica será uma bela ocasião para aprofundar, sob o ponto de vista temático, a experiência moral de cada um(a) dos/as leitores/as. O convite que vos dei‑xo para ler a obra Cuidar do outro corresponde, assim, a uma possibilidade que nos é dada de contactar com autores bastante diferentes no campo da Ética Teológica, seja no que diz respei‑to ao estilo de cada texto, seja no que se refere ao tema tratado. Por isso, cada um pode come‑çar por onde lhe parecer melhor... a ordem com que nos são propostos (que tem a sua razão: já falei disto há pouco) não é uma indicação de precedência na leitura. Para aqueles que, na Cá‑ritas, se reconhecem como Coração‑da‑Igreja‑no‑Mundo, esta é uma excelente oportunidade para aprofundarem, sob o ponto de vista das ca‑tegorias e da argumentação, a opção preferen‑cial pelos pobres que nos anima.

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CONSCIÊNCIA SOCIAL DA IGREJA CATÓLICAAPRESENTAÇÃO DO PE. DOMINGOS LOURENÇO VIEIRA

No passado dia 13 de janeiro, rea‑lizou‑se no Auditório Isidro Alves da Universidade Católica Portu‑guesa em Braga, a apresentação do livro “A Consciência social da Igreja Católica. 124 anos de Histó‑ria” da autoria do Pe. Doutor Do‑mingos Lourenço Vieira. A organi‑zação do evento esteve a cargo da Cáritas Portuguesa, da Cáritas de Arquidiocesana de Braga e da Uni‑versidade Católica e contou com a apresentação do Prof. Doutor João Duque, Presidente do Centro de Braga da UCP. Na sessão João Duque delineou as linhas mestras para se entender e ler o pensa‑mento social da Igreja enaltecendo a oportunidade e o valor científi‑co ético, histórico e teológico da obra. De modo eloquente enqua‑drou a resposta social da Igreja a partir de uma ótica de observação

da teologia dogmática. O autor da obra, o Pe. Doutor Domingos Lourenço Vieira, evocou a cons‑trução da obra e a fundamentação de um pensamento social da Igreja fundado num círculo de praxis so‑cial, teológica e pastoral: a realida‑de, a sua reflexão e a proposição para responder aos problemas e questões sociais.A cerimónia de apresentação do livro que contou com um público interessado e seleto que se asso‑ciou a este evento com o intuito de melhor conhecer o espírito da do pensamento social da Igreja Católica.

A CONSCIÊNCIA SOCIAL DA IGREJA CATÓLICA - INTRODUÇÃO

Desde 1891, foi‑se desenvolven‑do um corpo de ensinamentos sociais católicos na sequência da

“Todavia, a Igreja Católica não tinha esperado que chegasse esta época para ousar falar, em nome da missão evangélica, dos deveres de justiça, de caridade e de paz.”

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tomada de consciência em rela‑ção à questão operária no séc. XIX. Todavia, a Igreja Católica não tinha esperado que chegasse esta época para ousar falar, em nome da missão evangélica, dos deveres de justiça, de caridade e de paz.Com o intuito de apreender a novidade da intervenção da Igreja em matéria social desde há mais de um século, desejamos verificar neste estudo o projeto social de cada encíclica social, bem como a novidade da sua abordagem. Des‑ta forma, esta obra percorre 124 anos da história do ensino social católico em que identificamos um desenvolvimento da consciência social da Igreja Católica. Na ver‑dade, se o ensino social da Igreja1 diz respeito à resposta histórica a um determinado problema, a competência da Igreja em matéria social manifesta‑se progressiva‑mente no horizonte da evolução de uma sociedade cada vez mais secularizada. O esforço da Igreja para se adaptar a esta sociedade

1 Não queremos entrar aqui na dis‑cussão polémica sobre o emprego da expres‑são “ensino social da Igreja” como alternativa a “doutrina social da Igreja”, se bem que ela pudesse indicar a natureza da intervenção da Igreja em matéria social. No entanto, o em‑prego da expressão “ensino social” poderia evitar a fórmula “doutrina social”, entendida, por alguns, como “ideologia”, tal como o são o socialismo e o liberalismo (cf. Marie‑Domi‑nique CHENU, La doctrine sociale de l’Église comme idéologie, Cerf, Paris, 1979). A expres‑são “ensino social” sublinha relações menos autoritárias do que a de “doutrina social”. Deste modo, estaria mais presente o seu caráter de proposição, diretiva de ação, prin‑cípio de reflexão. Assinale-se que, ao longo destes 124 anos, recebeu diferentes qualifica‑tivos: “filosofia política” (Leão XIII), “ciência social católica” (Pio XI), “doutrina social da Igreja” (Pio XII/João XXIII) – expressão que desapareceu no Concílio Vaticano II e reapa‑rece pela mão de João Paulo II, continuando a ser usada no presente.

torna‑a mais recetiva ao desenvol‑vimento das ciências sociais. Estas contribuem para a compreensão das estruturas da sociedade, o que, por sua vez, ajuda a realizar uma análise social mais profun‑da. A introdução desta dialética permite estabelecer uma unida‑de entre as diversas tomadas de posição da Igreja sobre o proble‑ma social. Tal dialética apresenta a ação coletiva tanto na vertente do ator como na das estruturas sociais. Esta ação coletiva mede‑se, adotando a perspetiva de Jür‑gen Habermas, a partir do “prin‑cípio de universalização”. Neste

sentido, a construção de uma éti‑ca social cristã implica transpor os impasses do individualismo e do coletivismo com vista ao bem comum. Este passo foi dado por João Paulo II nas suas encíclicas sociais – em particular na Sollici-tudo Rei Socialis – por meio dos conceitos de “pecado pessoal” e de “estruturas de pecado”. No final deste estudo, apresentamos as grandes conquistas do desen‑volvimento da consciência social da Igreja: a subsidiariedade, a so‑lidariedade, o pluralismo de con‑vicções e a ecologia integral.

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Editorial Cáritas (EC): “O pa-dre das prisões” documentá-rio apresentado pela televisão pública, no passado dia 14 de Janeiro, apresenta-nos o Rev. Padre João Gonçalves numa das suas visitas à cadeia civil de Aveiro. Citamo-lo de for-ma algo livre: “ajudar a cuidar de alguém que tem atrás de si uma história muito complica-da (...) pessoas que carregam consigo problemas que conti-nuarão a carregar quando saí-rem da cadeia e mais um, o de terem estado na cadeia”. Quer comentar esta sua afirmação?

PE. João gonçalvEs (Jg): A presença de um Padre e de qualquer outro cristão numa Prisão, como visitador, está no seguimento perfeito da atua‑ção da Igreja, desde sempre; e situa‑se no que Cristo apon‑ta como manifestação de Fé dos que acreditam que Ele é o

Senhor, que quer ser reconhe‑cido e amado nos mais peque‑nos e periféricos da sociedade: “Estive na prisão e fostes ter Comigo” (Mat. 25, 36).Uma Pessoa que entra numa Cadeia, que leva consigo uma condenação legal, também leva a própria consciência que lhe martela permanentemente o erro cometido! E isso, em mui‑tas circunstâncias, será até a pena maior.Por outro lado, não raro uma pessoa que cometeu um ilícito não é sozinha responsável nem a única culpada: muita gente terá falhado na prevenção, para que o erro não tivesse sido cometido.Somos, de modo geral, muito pouco misericordiosos com quem comete um crime: não raro julgamos, e condenamos, esquecendo que estamos a cometer a maior injustiça, por‑que nem sequer ouvimos o

agressor, nem lhe demos opor‑tunidade de se explicar ou mesmo defender ‑ direito que assiste a quem é acusado! Mas um aspeto que tem de ser tido em grande conta, é a integração ou reintegração na sociedade, de uma Pessoa que esteve, por um tempo, privada de liberdade.Aponta‑se, na nossa legislação, que a pena de prisão se pode aplicar a uma Pessoa, para que ele se recomponha e volte à sociedade sem cometer crimes.Sendo que a reintegração na vida em sociedade é indispen‑sável para o equilíbrio afeti‑vo, familiar, laboral, paroquial... muitas vezes a Pessoa regres‑sada, após meses ou anos de privação de liberdade, vai ter imensas dificuldades, sendo uma delas a marca de ter esta‑do presa!Por vezes o sistemático apontar o dedo é tão fácil e frequente,

ENTREVISTA AOPE. JOÃO GONÇALVESRESPONSÁVEL PELA PASTORAL PENITENCIÁRIA

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que a Pessoa, agora em liberdade legal, se sen‑te em “prisão perpétua”, numa vida que parece não ter possibilidade de se recompor...

EC: Gostaríamos de destacar uma outra frase da sua autoria, não porque o não soubéssemos, mas porque o esquecemos tantas e tantas vezes. “As cadeias estão cheias de pobres”. Explique-nos, por favor, esta sua constatação.

Jg: Quando dizemos que as Cadeias estão cheias de pobres, queremos dizer que há pes‑soas que deram entrada numa Prisão por não terem dinheiro para pagar uma pequena multa, não puderam recorrer de uma sentença por fal‑ta de meios, ou não tiveram dinheiro para obter licença legal de condução de veículos; ou, ainda mais dramático, cometeram pequenos furtos, para obviar a necessidades primárias e urgen‑tes… Pode haver outras razões em que, a real falta de dinheiro, possa ter levado alguém a pra‑ticar um ilícito.Penso que, em alguns desses casos, poderia ca‑ber, perfeitamente, uma pena alternativa à pena de prisão, o que ajudaria e aliviar a superlotação de algumas cadeias, e evitar‑se‑ia que algumas pessoas tenham de fazer a dura experiência da privação da liberdade, com as consequências que se conhecem.

EC: A pena de prisão hoje não se resume aos seus aspetos punitivos, retributivos e dissua-sores. Pede-se às prisões que sejam espaços de reeducação que visem a reinserção social. A educação e a reinserção são aspetos muito im-portantes na missão da Pastoral Penitenciária. Permitimo-nos perguntar-lhe, qual o papel do livro e da leitura nestes caminhos de (re)aproxi-mação à sociedade?

Jg: Nem sempre a falta de cultura é responsável pela ida a uma Prisão! Mas a observação das esta‑tísticas dizem‑nos que uma boa parte dos nossos Reclusos tem um nível de escolaridade muito pri‑mário...sendo que, nalguns casos, é mesmo nulo.

Sabemos que esta situação não facilita a empre‑gabilidade. Por isso, ajudar as Pessoas, durante o tempo de reclusão, a estudar, a ganhar amor pela leitura, a familiarizar‑se com os livros, será pro‑porcionar mais cultura, mais auto estima, mais ferramentas, para uma melhor e mais provável inserção na comunidade social e laboral. O tempo de prisão não pode tornar‑se, para o detido, apenas como punição pura e dura, mas uma oportunidade para adquirir aptidões que o habilitem a uma mais fácil reinserção, a todos os níveis.

EC: Como podemos enquanto Cáritas, e o Pe. João é assistente eclesiástico da Cáritas Dioce-sana de Aveiro, construir um querer coletivo que fomente processos de acompanhamento que evitem um dos nossos grandes flagelos, a reincidência?

Jg: A Cáritas - e outras instituições de solidarie‑dade ‑ pela implantação que tem nas comunida‑des, pode criar e fomentar processos de aproxi‑mação das pessoas saídas da Prisão, no sentido de as acompanhar e de as encaminhar para que retomem a vida em sociedade, de modo normal, e a inserção aconteça, e não se repitam situações de reincidência, sempre prejudiciais e gravosas, para pessoas já fragilizadas pela experiência da privação de liberdade. Evitar a reincidência é li‑bertar Pessoas, e é aliviar o sistema prisional da tão prejudicial superlotação.Podemos dizer que isso é tarefa de toda a gente, de grupos e comunidades. A prevenção, a pri‑são e a reinserção, são temas que devem estar presentes no quotidiano de todos nós; ninguém pode sentir‑se dispensado de fazer a sua parte! Isto é com todos!

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TÍTULOS PUBLICADOS

O PENSAMENTO SOCIAL

O Amor que Transforma o Mundo – Teologia da Caridade

Moralidade Pessoal na História

Humanizar a Sociedade

Entre Possibilidades e Limites

Cristãos Pensadores do Social

Caminhos para uma vida solidária

Maritain e Bento XVI: Sobre a Modernidade e o Relativismo

Cuidar do Outro

Pobreza e Relações Humanas

Dar‑se de Verdade: Para um desenvolvimento Solidário

A Consciência Social da Igreja Católica

AS PERSONALIDADES E AS SUAS OBRAS

Cónego José M. Serrazina

Protecção Social e (re)educação de Menores

Criminalidade, Geração e Educação de Menores

Teresa de Saldanha – A obra sócio‑educativa

Cartas de Ozanam

Um Intelectual ao Serviço dos Pobres

OS TEMAS SOCIAS

Gerontologia/Gerontagogia: Animação Sociocultural em Idosos

Perspectivas sobre o Envelhecimento Ativo

Serviço Social e Desemprego de Longa Duração

Rendimento Social de Inserção

Crimes e Criminosos no norte de Portugal

O SOCIAL GLOBAL

Um Genocídio de Proximidade

Procissão dos Passos: Uma vivência no Bairro Alto