A APRENDIZAGEM INSTRUÇÃO EXPLÍCITA E IMPLÍCITA DA

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ZIL DIAS DA SILVA VARGAS

A APRENDIZAGEM/INSTRUO EXPLCITA E IMPLCITA DA LNGUA ESTRANGEIRA E AS FUNES EXECUTIVAS NA ADULTEZ AVANADA

Porto Alegre 2009

ZIL DIAS DA SILVA VARGAS

A APRENDIZAGEM/INSTRUO EXPLCITA E IMPLCITA DA LNGUA ESTRANGEIRA E AS FUNES EXECUTIVAS NA ADULTEZ AVANADA

Dissertao apresentada ao Centro Universitrio Ritter dos Reis UNIRITTER como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Letras. rea de concentrao: Linguagem, Interao e Processos de Aprendizagem. Orientadora: Prof. Dr. Mrcia Zimmer

PORTO ALEGRE 2009

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ZIL DIAS DA SILVA VARGAS

A APRENDIZAGEM/INSTRUO EXPLCITA E IMPLCITA DA LNGUA ESTRANGEIRA E AS FUNES EXECUTIVAS NA ADULTEZ AVANADA

Dissertao apresentada ao Centro Universitrio Ritter dos Reis UNIRITTER como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Letras rea de concentrao: Linguagem, Interao e Processos de Aprendizagem Orientadora: Prof. Dr. Mrcia Zimmer

Conceito final: ...................................... Aprovado em ......de ......................de...........

BANCA EXAMINADORA

__________________________________ Prof.Dr. Ingrid Finger UFRGS ___________________________________ Prof.Dr. Beatriz Fontana UniRITTER

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DEDICATRIA

minha me, pela dedicao e amor incondicionais. A meu pai (in memoriam), que atravs do seu exemplo existencial, me ensinou que nunca devemos desistir dos nossos objetivos. Ao meu marido, Nelson Viegas Vargas, companheiro e grande incentivador do meu crescimento profissional. Aos meus filhos, Nelson e Brbara, presentes de Deus na minha vida. minha amiga e irm La, que atravs da dedicao, ensinou-me que companheirismo e solidariedade so os alicerces de uma amizade eterna.

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AGRADECIMENTOS Dra.Mrcia Zimmer pela orientao e sabedoria na conduo desse trabalho.

s Professoras Dr. Ingrid Finger e Dr. Beatriz Fontana que esto fazendo parte desta Banca Examinadora, pelo conhecimento e disposio em partilhar o saber.

coordenadora do Grupo Revivendo a Vida, Prof. Denise Ceroni, pelo apoio nos momentos difceis.

Ao Grupo Revivendo a Vida, pelo maravilhoso acolhimento e pela confiana que possibilitaram a realizao desta pesquisa.

Mestra Cntia Blank, da UCPel, pelo auxlio na elaborao da Tarefa Simon.

Ao Mestre Fabrcio Flores Nunes, da UFSC, pelos subsdios nos dados estatsticos e ao Rafael Pedrolli Renz pelo apoio tcnico.

amiga Rejane, pela amizade e pelo auxlio nos trabalhos de digitao.

minha amiga e irm La, pelo apoio, dedicao e incentivo nas horas mais difceis.

s amigas Lgia, Mara e Nara, pelas palavras de incentivo e apoio.

Ana Jussara, cuidadora da minha me, e Solange, protetora do meu lar, pela ajuda, sem a qual eu no teria tempo de estudar e escrever este trabalho.

Por fim, um agradecimento especial a minha famlia pelo apoio, incentivo, e compreenso por minhas ausncias, que em muitos momentos so

indispensveis para que se obtenha xito na caminhada.

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RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo principal investigar se a aprendizagem da lngua estrangeira poderia auxiliar no incremento dos processos executivos na terceira idade. Assim, propomos verificar se idosos, ao aprenderem uma lngua estrangeira, como a lngua inglesa, obteriam ganhos cognitivos nas funes executivas. Alm disso, foi feita uma anlise qualitativa da interao entre a instruo explcita e a implcita no processo de ensino-aprendizagem da lngua estrangeira, evidenciando-se a necessidade da instruo explcita junto a participantes nessa faixa etria, sem conhecimento prvio do ingls. Os participantes, de mdia de idade equivalente a 70 anos, frequentam um grupo de convivncia de terceira idade, sob orientao do Projeto de Ateno Pedaggica de Adultos, do Centro Universitrio Ritter dos Reis, UniRITTER, em Porto Alegre. A investigao selecionou uma amostra de 20 participantes, divididos em dois grupos: Grupo +F, alunos com frequncia igual ou superior a 70%; Grupo -F, alunos com frequncia inferior a 50%. A esses participantes foi oferecido um curso de ingls de 132 horas-aula durante os meses de agosto de 2008 a agosto de 2009. O instrumento utilizado para avaliar as capacidades cognitivas relativas s funes executivas foi a Tarefa Simon de quadrados. Este teste, usado para medir o controle inibitrio, que uma funo executiva, foi aplicado no incio (pr-teste) e no final do curso (ps-teste) a fim de comparar os resultados das duas etapas. A comparao foi realizada entre o desempenho dos grupos no final do curso. Os resultados estatsticos no corroboraram as hipteses, porm foi observado um melhor desempenho na tarefa Simon pelo grupo mais frequente (+F) em comparao ao grupo menos frequente (- F).

Palavras-chave: aprendizagem de lngua estrangeira, terceira idade, funes cognitivas executivas, instruo explcita e implcita.

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ABSTRACTThe present study aimed to investigate whether learning a foreign language could aid on the increase of executive processes in older adults. So, we have proposed to verify if a group of elderly people, after learning a foreign language - the English language-, would gain cognitive advantages on the executive functions. The explicit instruction of teaching a foreign language was emphasized due to the fact that the students were adults with no previous knowledge in English. The participants, whose mean age is 70 years old, attended an elderly group, under orientation of the Project of Pedagogic Attention to Adults, from UniRitter, in Porto Alegre. For this investigation it was selected a sample of 20 participants, divided in two groups: 1) the +F Group, students with a rate of attendance equal or superior to 70%; 2) the F Group, less than 50% of attendance. The participants attended a 132-hour English course from August 2008 to August 2009. The instrument used to evaluate the cognitive skills related to executive functions was the Simon Task of squares. This task, used to measure the inhibitory control, an executive function, was applied at the beginning (pre-test) and at the end of the course (post-test) in order to compare the two stages. A comparison was made between the performance of two groups at the end of the course. The statistical results did not corroborate the hypotheses, but a better performance in the most frequent students group (+F) compared to least frequent students group (- F) was observed.

Key words: learning a foreign language, aging, cognitive executive functions, explicit instruction.

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LISTA DE QUADROSQuadro 1 Roteiro da primeira aula, apresentando as diferentes partes da aula e suas respectivas atividades, objetivos, tipo de instruo, descrio da atividade e a durao.............................................................................................................55

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LISTA DE ILUSTRAESFigura 1- Condies laterais, congruentes e incongruentes................................51 Figura 2- Design da Tarefa Simon 1, sesses de prtica e de testagem...........52

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LISTA DE TABELASTabela 1 Desempenho do grupo dos alunos mais frequentes (+F) no pr-teste (fase inicial do curso) e no ps-teste (fase final) na tarefa Simon 1................... 64 Tabela 2 Desempenho do grupo dos alunos menos frequentes (-F) no prteste (fase inicial) e no ps-teste (fase final) na tarefa Simon 1........................ 67 Tabela 3 Mdia do desempenho do grupo mais frequentes (+F) e menos frequente (-F), final do curso, na tarefa Simon 1................................................ 72

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LISTA DE GRFICOSGrfico 1 Desempenho do grupo dos alunos mais frequentes (+F) com relao mdia da acurcia, nas testagens congruentes e incongruentes no pr-teste e psteste, na Tarefa Simon .................................................................................................. 60 Grfico 2 Desempenho do grupo dos alunos mais frequentes (+F) com relao aotempo de reao nos itens de testagem congruentes e incongruentes no pr-teste (incio do curso) e no ps-teste (final do curso) na Tarefa Simon ............................................ 61

Grfico 3 Desempenho do grupo dos alunos mais frequentes (+F), no incio e no final do curso, com relao ao Efeito Simon, na Tarefa Simon...................... 62Grfico 4 Desempenho do grupo menos frequentes (-F) com relao acurcia, nas testagens congruentes e incongruentes, no pr-teste e ps-teste, na tarefa

Simon.................................................................................................................. 65Grfico 5 Desempenho do grupo dos alunos menos Frequentes (-F) com relao ao Tempo de Reao, nas testagens congruentes e incongruentes Tarefa Simon......... 66 Grfico 6 Desempenho do grupo dos alunos menos Frequentes (-F) com relao ao Efeito Simon no pr-teste e no ps-teste, na Tarefa Simon........................................... 66 Grfico 7 Desempenho do grupo dos alunos Menos Frequentes (-F) em comparao ao grupo Mais Frequente (+F) com relao ao tempo de reao no ps-teste, na tarefa Simon ............................................................................................................................ 69 Grfico 8 Desempenho do grupo dos alunos mais Frequentes (+F) e dos Menos Frequentes (-F), no ps-teste com relao acurcia,na Tarefa Simon...................... 70 Grfico 9 Desempenho do grupo dos alunos mais Frequentes (+F) e dos Menos Frequentes (-F), no ps-teste, com relao ao Efeito Simon......................................... 71

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLASCE Controle Executivo FEs Funes Executivas -F Alunos Menos Frequentes +F Alunos Mais Frequentes HE Hemisfrio Esquerdo HD Hemisfrio Direito IAFAC Instrumento de Avaliao Fontico-Acstico Articulatrio L1 Lngua Materna L2 Lngua Estrangeira MEEM Mini-Exame do Estado Mental PB Portugus Brasileiro

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SUMRIOSUMRIO .................................................................................................................... 12 INTRODUO ............................................................................................................ 14 1 CREBRO E LINGUAGEM ..................................................................................... 18 1.1 MEMRIA .......................................................................................................... 20 1.1.1 Memria declarativa e memria procedural ................................................ 22 1.1.2 Memria implcita e memria explcita ......................................................... 23 1.2 CONHECIMENTO IMPLCITO E EXPLCITO ............................................................... 24 1.3 A COGNIO DURANTE O ENVELHECIMENTO ......................................................... 26 A COGNIO ENVOLVE TODAS AS FUNES CEREBRAIS QUE PERMITEM NO S TER ACESSO, MAS MANTER O CONHECIMENTO. NO DOMNIO DA LINGUAGEM, OS COMPONENTES INCLUEM OS SUBGRUPOS DE MDULOS DE PALAVRAS (LXICO, SEMNTICA, SINTAXE E FONOLOGIA). ......................................................................... 26 1.3.1 Envelhecimento e memria ........................................................................... 26 1.4 FUNES EXECUTIVAS E CONTROLE EXECUTIVO ................................................... 29 1.5 RESERVAS COGNITIVAS NA PREVENO DE DECREMENTOS RELACIONADOS S FUNES EXECUTIVAS .............................................................................................. 31 1.6 A AQUISIO DA SEGUNDA LNGUA ...................................................................... 38 1.6.1 Aprendizagem implcita e explcita ............................................................... 39 1.6.2 Instruo implcita e explcita ....................................................................... 41 1.6.3 A interao entre a instruo explcita e a instruo implcita: uma viso dinmica.................................................................................................................. 42 2 A PESQUISA: OBJETIVOS E MTODO ................................................................. 46 2.1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 46 2.1.1 Objetivo geral ................................................................................................. 46 2.1.2 Objetivos especficos .................................................................................... 47 2.2 HIPTESES ........................................................................................................ 47 2.3 O CONTEXTO E OS PARTICIPANTES DA PESQUISA .................................................. 48 2.4 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E INFORMADO ................................................ 49 2.4.1 Questionrio de sondagem e background lingustico ................................ 50 2.4.2 Tarefa Simon .................................................................................................. 50 2.5 O FORMATO DO CURSO ....................................................................................... 53 3 APRESENTAO E DISCUSSO DOS RESULTADOS ........................................ 59 3.1 AVALIAO DAS FUNES EXECUTIVAS ENTRE O GRUPO DOS ALUNOS MAIS FREQUENTES (+F) NO INCIO DO CURSO (PR-TESTE) E NA ETAPA FINAL (PS-TESTE), NA TAREFA SIMON. .................................................................................................. 59 3.1.1 Descrio dos resultados relativos primeira hiptese ............................ 59 3.1.2 Discusso dos resultados relativos primeira hiptese ........................... 62 3.2 AVALIAO DAS FUNES EXECUTIVAS ENTRE O GRUPO DOS ALUNOS MENOS FREQUENTES (- F) NO PS-TESTE EM COMPARAO COM O DESEMPENHO NO PRTESTE, DENTRO DO MESMO GRUPO, NA TAREFA SIMON. ............................................. 64 3.2.1 Descrio dos resultados relativos segunda hiptese............................ 65 3.2.2 Discusso dos resultados relativos segunda hiptese ........................... 66

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3.3 AVALIAO DAS FUNES EXECUTIVAS ENTRE O GRUPO DOS ALUNOS MAIS FREQUENTES (+F) EM COMPARAO COM O DESEMPENHO DO GRUPO MENOS FREQUENTE (-F) NO PS-TESTE DA TAREFA SIMON. ................................................... 68 3.3.1 Descrio dos resultados relativos terceira hiptese ............................. 68 3.3.2 Discusso dos resultados relativos terceira hiptese............................. 71 3.4 ANLISE QUALITATIVA DO PERODO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE LNGUA INGLESA DURANTE O CURSO MINISTRADO AMOSTRA. ................................................ 73 4 CONCLUSO........................................................................................................... 76 4.1 RESULTADOS OBTIDOS NA DISCUSSO DOS OBJETIVOS DA PESQUISA .................... 76 4.2 LIMITAES DO ESTUDO ..................................................................................... 78 REFERNCIAS ........................................................................................................... 81 ANEXOS ..................................................................................................................... 87 ANEXO A ANEXO B ANEXO C ANEXO D ANEXO E TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E INFORMADO .................. 87 QUESTIONRIO DE SONDAGEM ................................................... 89 RAPPORT DO QUESTIONRIO DE SONDAGEM ........................... 91 A HISTORICIDADE DO GRUPO REVIVENDO A VIDA ..................... 93 PLANO DO CURSO BSICO DE INGLS ....................................... 99

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INTRODUO

A estrutura populacional nas ltimas dcadas vem sofrendo alteraes decorrentes do declnio da natalidade e mortalidade infantil, bem como de uma maior longevidade, surgida em funo da melhora da qualidade de vida e dos avanos na medicina. A proporo de brasileiros acima de 60 anos1 quase dobrou em menos de quatro dcadas. Conforme estudos do IBGE2, o ndice de envelhecimento da populao brasileira, que era igual a 6,4 em 1960, alcanou 13,9 em 1991 (esta relao calculada pelo nmero de indivduos maiores de 64 anos, dividido pelo nmero de menores de 15 anos, multiplicado por 100). Assim, a proporo de indivduos que alcanavam os 60 anos no incio do sculo era de aproximadamente 25%, j em 1990 ela superava 78% entre as mulheres e 65% entre os homens. Essas mudanas trouxeram como consequncia o aumento da expectativa de vida e da percentagem da populao idosa. Em uma projeo, estima-se que o percentual de brasileiros com mais de 60 anos de idade, at o ano de 2025, crescer de 8,9% para 18,8%. Associa-se a essas afirmaes o estudo divulgado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada) publicado no Correio do Povo do dia 8 de outubro de 2008, que enfatiza a temtica do envelhecimento da populao, que trar mltiplos desafios, no s para a sociedade, mas tambm para o Poder Pblico. Sendo assim, os governos tero que elaborar polticas sociais para atender a esse segmento da populao, como, por exemplo, fomentar a gerao de renda para compensar a perda da capacidade laborativa, envolvendo a Previdncia e a Assistncia Social; proporcionar incrementos na rea da sade, atravs de programas especiais que contemplem cuidados de longa durao, enfim, essa realidade exige a criao de um contexto favorvel que inclua, tambm, itens como habitao, infraestrutura e favorecimento da acessibilidade dos idosos, proporcionando-lhes qualidade vida. A cincia tem um papel

A Lei n 10.741, Estatuto do Idoso, em seu art. 1, denomina e define, como idoso, toda pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos. 2 Disponvel em: http://ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/2008. Acesso em: 01/ 03/2009.

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primordial nesse cenrio, pois sua tarefa incrementar pesquisas que possibilitem qualidade de vida aos idosos3 em termos cognitivos. So iniciativas necessrias, uma vez que as funes cognitivas bsicas, como a habilidade de ativar, representar, manter e processar a informao declinam com a idade (LI et al., 2001). O fenmeno do envelhecimento humano traz consigo, pois, uma srie de desafios. Um desses desafios tentar postergar ou, at mesmo, evitar o declnio cognitivo, caracterizado pela baixa concentrao, baixa ateno, perda de memria de curto prazo, lentido de raciocnio e baixo desempenho em tarefas executivas. Segundo Nri (2002), o declnio dessas funes cognitivas bsicas representa as transformaes por que passam os idosos:Velhice o processo de mudanas universais pautado geneticamente para espcie e para cada indivduo, que se traduz em diminuio da plasticidade comportamental, em aumento da vulnerabilidade, em acumulao de perdas evolutivas no aumento da probabilidade de morte (NERI, 2002, p. 69).

O aumento da expectativa de vida da populao crescente em todo o mundo e o envelhecimento populacional um fenmeno novo na humanidade. algo que est posto, irreversvel, e traz desafios para o Estado, para a sociedade e principalmente para a famlia. Por que no para a educao? Segundo o Estatuto do Idoso (2003), a pessoa considerada idosa a partir dos 60 anos. Envelhecer pressupe alteraes fsicas, psicolgicas e sociais no indivduo. Tais alteraes so naturais e gradativas (ZIMMERMAN, 2001, p. 21). Alguns fatores que podem postergar ou minimizar os efeitos da passagem do tempo so a alimentao adequada, a prtica de exerccios fsicos, a exposio moderada ao sol, a estimulao mental, o controle do estresse, o apoio psicolgico e a atitude positiva perante o envelhecimento. A percepo de Zimmerman (2001) acerca do processo de envelhecer e do segredo de viver bem aprender a conviver com algumas limitaes e procurar prevenir os declnios cognitivos. Com o declnio gradual das aptides fsicas e com o impacto do envelhecimento e das doenas, o idoso tende a ir trocando seus hbitos de vida e rotinas dirias por atividades e formas de ocupao pouco3

As palavras idoso, envelhecimento,velhice e terceira idade sero usadas nesta pesquisa concomitantemente com a expresso adultez avanada, como sinnimos.

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ativas. Os efeitos associados inatividade, e m adaptabilidade motora, incapacidade de concentrao, de reao e de coordenao, podem gerar processos de auto-desvalorizao, apatia, insegurana, perda da motivao, isolamento social e solido. Diante dessa situao, deve-se investigar at que ponto essa tendncia pode ser considerada normal. E se possvel postergar ou, at mesmo, impedir que ocorra o declnio das funes cognitivas. Vrios estudiosos (BIALYSTOK; FENG, 2009; BIALYSTOK et al., 2004, 2007) sugerem que as habilidades desenvolvidas ao falar uma lngua estrangeira tendem a postergar o surgimento de problemas nos mecanismos de percepo, memria e funes executivas na estrutura cognitiva dos idosos. A partir dos resultados deste e de outros estudos com bilngues, questiona-se a possibilidade de obteno de preservao semelhante de funes executivas relacionadas ao controle inibitrio, com participantes que comeam a aprender uma segunda lngua na terceira idade. A finalidade da presente pesquisa , portanto, verificar se a aprendizagem de uma lngua estrangeira poderia atenuar o declnio das funes executivas em idosos. Considerando que a manuteno das atividades intelectuais pode levar o idoso a uma velhice cognitivamente mais saudvel, esse estudo se justifica ao analisar em que medida o estudo de uma lngua estrangeira poderia contribuir para a preservao das funes cognitivas executivas em adultos na terceira idade. Com esse objetivo foi oferecido um curso de lngua estrangeira - inglsaos participantes do grupo de convivncia de terceira idade Revivendo a Vida, sob responsabilidade do Centro Universitrio Ritter dos Reis UNIRITTER , na cidade de Porto Alegre. Ao final do curso, comparou-se o desempenho do grupo de idosos mais frequentes s aulas (frequncia igual ou superior a 70%) com o desempenho dos grupos dos idosos menos frequentes s aulas (frequncia inferior a 50%). Os grupos foram avaliados na fase inicial e na final do curso, pela Tarefa Simon 1. Esta dissertao est dividida em quatro partes. Na introduo, foram trazidas informaes sobre o aumento da expectativa de vida, sobre a importncia da manuteno da sade mental e neurolgica da populao idosa e sobre os possveis benefcios que a aprendizagem da lngua inglesa poderia trazer ao processamento de tarefas executivas. Discute-se a respeito da

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necessidade de polticas sociais de incremento rea da sade, previdncia e assistncia social voltadas para esse segmento da populao. Ainda na introduo, destaca-se a pertinncia do objetivo desta pesquisa: verificar se o aprendizado de uma lngua estrangeira poderia oferecer um incremento cognitivo s funes executivas de adultos idosos. No captulo 1, tratam-se da questo da linguagem, da cognio, aprendizagem da segunda lngua, envelhecimento e memria; tecem-se consideraes sobre os limites e definies do envelhecimento e memria. Esse captulo tambm contempla a organizao cerebral da aquisio da linguagem, destacando as teorias da aquisio do conhecimento. Descrevem-se as principais e recentes pesquisas efetivadas na rea da cognio na terceira idade. Ainda so feitas exposies sobre os tipos e os sistemas de memria, detendo-se mais na funo executiva da memria, fator importante na plasticidade do crebro do idoso. Para complementar a reviso da literatura pertinente ao estudo, discorre-se tambm sobre a aquisio da lngua estrangeira e os processos executivos no envelhecimento. No captulo 2 Mtodo , so apresentados o objetivo principal e os objetivos especficos; as hipteses traadas a partir dos objetivos desta investigao; apresentam-se o perfil dos participantes e o contexto da pesquisa; so descritos os procedimentos utilizados para a realizao da investigao, como a amostragem, a definio e aplicao dos instrumentos. So descritos o perfil dos alunos, a metodologia, os contedos e as estratgias de ensino empregadas no curso de ingls. No captulo 3, apresentam-se a computao, a tabulao dos dados, a avaliao das hipteses e a anlise e discusso dos resultados, a partir dos dados dos testes e da literatura pesquisada. Na ltima parte, o captulo 4, conclui-se o trabalho, apresentando uma reflexo relativa s limitaes constatadas durante investigao, pertinncia do estudo e ao possvel direcionamento em trabalhos futuros.

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1 CREBRO E LINGUAGEM Ao refletir sobre a relao entre linguagem e aprendizagem deve-se fazer uma abordagem do ponto de vista fisiolgico sobre o rgo de deciso do corpo, o crebro. A investigao sobre as funes do crebro surgiu em meados do sculo XIX, quando j se considerava como premissa bsica a possibilidade de se encontrar uma relao direta entre a linguagem e o crebro. No incio do sculo XIX, F. Gall e G. Spurzhein apresentaram as teorias de localizao, ou seja, a possibilidade de relacionar vrias capacidades e comportamentos humanos com zonas especficas do crebro. A linguagem foi especificamente relacionada com o lado esquerdo do crebro em abril de 1861, pelo Dr. Paul Broca, que descobriu que leses ou traumatismos na parte anterior do hemisfrio esquerdo provocariam articulao deficiente e discurso telegrfico (LENT, 2001). J em 1873, Karl Wernicke relatou que os distrbios de linguagem tinham como origem danos no crebro. Entretanto, esses distrbios de linguagem tinham como causa leses na parte posterior do lbulo temporal esquerdo. Esses pacientes falavam fluentemente e com boa entonao e pronncia, apresentando problemas no aspecto semntico, mas tambm apresentavam muitas dificuldades na compreenso da fala (LENT, 2001). Conforme Perani e Abutalebi (2005), no desenvolvimento das pesquisas sobre o crebro e a cognio, houve um decrscimo na nfase localizacionista das funes cerebrais, e comeou a se enfatizar a sua integrao como um todo dinmico. Nas ltimas dcadas tem havido um aumento da ateno com relao ao papel das regies corticais que esto fora da rea que era considerada tradicional de processamento da linguagem, a rea esquerda (PERANI; ABUTALEBI, 2005). Nesse sentido, Perani e Abutalebi (2005) complementam que as regies frontal, temporal e parietal, junto com as estruturas subcorticais, esto envolvidas em diferentes aspectos da computao lingustica, seja no nvel da palavra ou no processamento da sentena. Portanto, concluiu-se que a linguagem no processada somente em reas especficas do crebro, como a rea de Broca, que era considerada responsvel pela articulao fontica da linguagem, e a rea de Wernicke, que era considerada responsvel pela compreenso das palavras. As

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evidncias das duas ltimas dcadas sugerem que a linguagem um domnio complexo cujo processamento est distribudo em reas mais amplas do crtex, como as reas subcorticais (PERANI; ABUTALEBI, 2005). Em um entendimento filosfico, a cognio envolve todas as funes cerebrais que permitem no s acessar, mas tambm manter o conhecimento. A memria, a linguagem, a resoluo de problemas, dentre outras habilidades, so domnios que se pode designar cognio. Cada um desses domnios pode ser subdividido em componentes no hierarquizados. Assim, no domnio da linguagem, os componentes incluem os subgrupos como o lxico, a sintaxe, a fonologia, a pragmtica, dentre outros (JOANETTE, 2002). Assim, ao se refletir sobre a relao entre a aprendizagem da lngua e os processos cognitivos envolvidos nesse processo, deve-se primeiramente procurar entender como o crebro processa a informao e a linguagem (JOANETTE, 2002). O crebro constitudo de 86 a 90 bilhes4 de neurnios (AZEVEDO et al., 2009). A sua atividade no s responder a estmulos fsicos e qumicos, mas tambm, conduzir impulsos eltricos, ou nervosos, do e para o crebro, ao mesmo tempo em que libera reguladores qumicos, que se constituem nas substncias que controlam as diferentes aes e reaes do organismo. Em outras palavras, ocorre o que se denomina comunicao entre os neurnios. Ento, o processamento do impulso nervoso se d por dois tipos de eventos: eltrico e qumico, isto , o eltrico responsvel pela propagao de um sinal dentro do neurnio, enquanto o qumico transmite o sinal de um neurnio a outro. Assim, atravs da ao das sinapses ocorre um efeito cascata em que cada neurnio excita o seguinte, e, atravs de uma ativao simultnea de vrios neurnios que estimulam o crtex (LENT, cap. 19, p 619, 2001). Assim, estabelecese a comunicao entre as clulas nervosas, ou seja, a linguagem dos neurnios, que se realiza atravs das molculas chamadas neurotransmissores. De um lado, o neurnio transmissor deve comear a fabric-las, e de outro, o neurnio interlocutor deve criar receptores para encaix-las perfeitamente em sua membrana. Oliveira (1997) argumenta que o processo de aprendizagem est relacionado formao de novos circuitos entre os bilhes de neurnios do crtex. A aprendizagem envolve a

O nmero de clulas neuronais do crebro humano gira em torno de 86 bilhes, conforme estudo de neurocientistas brasileiros que utilizaram um novo mtodo de contagem de neurnios: o fracionador isotrpico - isotropic fractionator . (AZEVEDO et al., 2009).

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formao de novos dendritos e ramificaes colaterais do axnio que construiro uma rede maior de associao entre os neurnios. As clulas nervosas ou massa cinzenta formam a superfcie do crebro denominada crtex. O crebro recebe mensagens de todos os rgos sensoriais, isto , os rgos dos sentidos olhos, nariz, boca, orelhas e pele que se constituem em extenses do sistema nervoso, dotadas de sensores que captam diferentes estmulos internos e externos e os enviam ao encfalo na forma de impulsos nervosos, que seguem at a regio do crtex cerebral, onde cada sentido possui uma rea correspondente, que interpreta as sensaes (Atlas do Corpo Humano, USP, p. 18). O ser humano, desde a sua concepo, vivencia uma quantidade de experincias que durante o seu crescimento promover o desenvolvimento e o aprendizado de vrias funes, inclusive da linguagem (R. ELLIS, 2003). Todo esse aprendizado calcado na estrutura orgnica por meio de seu funcionamento, determinando a forma e a funo do crtex cerebral. O crebro divide-se em duas partes, denominadas hemisfrios cerebrais; um do lado direito e outro do lado esquerdo. Esses hemisfrios esto ligados precisamente ao meio pelo corpo caloso, que a via que possibilita a comunicao entre os dois crebros. Essa via formada por dezenas de milhes de clulas nervosas que unem as clulas dos dois hemisfrios: esquerdo (HE) e direito (HD). O hemisfrio esquerdo controla os movimentos do lado direito do corpo, e o hemisfrio direito controla os movimentos do lado esquerdo. Desta forma, se algum sussurrar ao seu ouvido esquerdo, o sinal do som vai para o hemisfrio direito antes de atravessar a via para chegar ao esquerdo. Assim sendo, o controle de movimentos e sensaes processa-se contralateralmente, ou seja, em cruz, portanto, o hemisfrio esquerdo controla a mo, a perna, o campo visual direito e o crebro esquerdo controlam o lado direito do corpo (FROMKIN; RODMAN, 1991). Essas interaes ocorrem quando se fala, quando se l, quando se pensa, e quando se aprende. Em todas essas atividades cognitivas, a memria est envolvida. desse assunto que trata a prxima seo.

1.1 Memria A memria a faculdade de reter as idias, impresses e conhecimentos adquiridos. Portanto, sua funo muito importante, pois atravs dela que se consegue "resgatar" as experincias existenciais e, baseado nelas, planeja-se o

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futuro. Tambm se depende da memria para construir novos conhecimentos e aprender. A partir dos 2 ou 3 anos de idade, os seres humanos utilizam a linguagem para adquirir, guardar e evocar memrias, o que no ocorre com os animais. (IZQUIERDO, 2004). A memria formada por trs etapas: 1) A aquisio requer ateno, captando a informao atravs dos rgos dos sentidos olhos, nariz, boca, orelhas e pele sensores que apreendem diferentes estmulos internos e externos e os enviam ao encfalo na forma de impulsos nervosos. Esses impulsos seguem at a regio do crtex cerebral, onde cada sentido possui uma rea correspondente que interpreta as sensaes. Nesta primeira fase ocorre uma reorganizao no circuito cerebral, uma alterao na taxa de disparos qumicos entre os neurnios, ou seja, as clulas que fazem a comunicao de dados no crebro. 2) O armazenamento se constitui em uma etapa importante, uma vez que o crebro precisa processar as informaes no hipocampo. Ele seleciona os dados que podem ser expressos por meio de palavras e determina quais devem ser armazenadas no crtex. Doenas como o Mal de Alzheimer e o stress atacam e comprometem essa estrutura. 3) A recordao o ato de lembrar, isto , quando se busca a massa cinzenta procura de informaes espalhadas no crtex. Uma das estruturas que realiza essa tarefa o lobo frontal que acaba ficando mais fraco com o avanar da idade5. Assim que os estmulos visuais, sonoros, auditivos e olfativos so integrados aos circuitos do crebro, o hipocampo6 descansa e o lobo frontal, estrutura responsvel pelo processo de recordao, ativado. ele que traz tona todas as informaes que foram devidamente estocadas. O lobo frontal coordena as diversas memrias e a parte do crebro que o ser humano tem mais desenvolvida em relao aos animais, afirma o psiclogo Orlando Bueno, da Universidade Federal de So Paulo (UNIFESP) 7.

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Crebro. Revista Super Interessante, 1996, p. 96.

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O hipocampo e o crtex entorrinal so duas reas intercomunicadas no lobo temporal, principais responsveis pela formao de novas memrias. Crebro. Revista Super Interessante, 1996, p. 97.

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Cada um tem o seu modo particular de recordar ou evocar. Em outras palavras, se durante a sua infncia, voc desenvolveu mais o seu ouvido escutando msica, ter a regio responsvel pela audio mais apurada. As memrias classificam-se de acordo com a sua funo, com o tempo que duram e com o seu contedo. Na prxima subseo reflete-se a respeito da memria declarativa e da memria procedural.

1.1.1 Memria declarativa e memria procedural Segundo Izquierdo (2002), em termos de contedo existem basicamente dois tipos de memria: as declarativas ou explcitas e as procedurais ou implcitas. As declarativas so as que armazenam fatos e acontecimentos, atravs dos quais se podem declarar e, ao mesmo tempo, narrar como se adquire. As memrias declarativas so memrias de ordem explcita, adquiridas com interveno consciente e podem ser percebidas ao serem recuperadas. Podem ser subdivididas em memrias episdicas, semnticas e semntico-episdicas. As memrias episdicas dizem respeito a eventos experienciados, como as lembranas do nosso primeiro emprego, nascimento de um (a) filho (a), dentre outras. Esses so episdios da nossa vida que nos marcaram, por isso so recuperados e podem ser relatados. As memrias semnticas codificam o conhecimento de mundo, mesmo aquele relacionado a conceitos, fatos que no tenham necessariamente feito parte de nossa vida, em termos de eventos. Os nossos conhecimentos de histria, geografia, lnguas, biologia fazem parte da memria semntica. H tambm as memrias semntico-episdicas, que se referem ao evento em que aprendemos algum conhecimento de mundo. Lembramos do evento (memria episdica) e do conhecimento adquirido (memria semntica) (IZQUIERDO, 2004). Esse o caso, por exemplo, de conseguirmos lembrar o que estvamos fazendo quando as Torres do World Trade Center foram atingidas no atentado de 11 de setembro de 2001. Segundo Anderson (2004), as memrias relacionadas com as capacidades ou habilidades motoras ou sensoriais so de ordem implcita. As memrias procedurais ou de procedimentos designam os hbitos. So exemplos dessas memrias a habilidade de dirigir ou nadar. E quase impossvel descrever detalhadamente a capacidade de dirigir um carro ou nadar. So memrias difceis de descrever, pois so adquiridas de maneira implcita. A maior parte das memrias semnticas adquirida de maneira inconsciente, como a lngua materna.

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As memrias episdicas e as semnticas demandam para o seu funcionamento quer na aquisio, na formao ou na evocao, uma boa memria de trabalho e uma demanda maior das funes executivas e, por conseguinte, um bom funcionamento do crtex pr-frontal, pois as principais estruturas responsveis por essas memrias so duas reas intercomunicadas do lobo temporal: o hipocampo e o crtex entorrinal. Classificam-se as memrias tambm pelo tempo que elas duram. As memrias explcitas podem durar alguns minutos ou horas, meses ou muitas dcadas. J as memrias implcitas podem durar toda a vida (IZQUIERDO, 2002). A memria de curta durao dura poucas horas e requer as mesmas estruturas nervosas que a de longa durao, entretanto envolve mecanismos prprios e distintos (IZQUIERDO, 2002, 2004). Outro tipo de memria, a de trabalho, atua para manter durante alguns segundos no mximo poucos minutos a informao que est sendo processada no momento. O papel gerenciador da memria de trabalho decorre do fato de esta, no momento de receber qualquer tipo de informao, deve determinar, entre outras coisas, se nova ou no e, no ltimo caso, se til para o organismo ou no (IZQUIERDO, 2002, p.20). Como o presente trabalho envolve a instruo em segunda lngua numa amostra de idosos, sendo o mtodo das aulas pautado na interao entre a instruo implcita e a explcita, conforme ser detalhado no captulo 2, seo 2.5, torna-se necessrio proceder a um aprofundamento maior sobre as memrias implcita e explcita.

1.1.2 Memria implcita e memria explcita

Segundo o entender de Izquierdo (2002, 2004), as memrias declarativas so consideradas explcitas, porque se usa a interferncia consciente ao recuper-las. A memria declarativa, pois, baseada em fatos e caracteriza-se como um sistema que retm conhecimento explcito, acessvel conscincia, verbalizvel e que pode ser recuperado conscientemente. O hipocampo fundamental no incio das

aprendizagens, pois se constitui em um sistema de aprendizagem rpida, porque tem a funo bsica de dar incio ao processo de aprendizagem. E est associado memria explcita e experincia consciente de evocar. As memrias formadas no

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hipocampo podem ser perdidas, a menos que a consolidao tenha comeado a ocorrer (IZQUIERDO, 2002; ANDERSON, 2004). Por outro lado, as memrias procedimentais constituem o que se designa conhecimento implcito, no est disponvel conscincia e, portanto, dificilmente pode ser descrito coerentemente, isto , tornar explcito cada passo da aquisio da capacidade de dirigir um carro, por exemplo. difcil de declarar porque consiste de capacidades motoras e sensoriais; elas ficam evidenciadas apenas quando essas aes so executadas. So memrias adquiridas de modo implcito sem que o sujeito perceba conscientemente que as esto adquirindo. Essa espcie de conhecimento, entretanto, pode ser recuperada e utilizada de maneira mais rpida do que o conhecimento declarativo (IZQUIERDO, 2002). Todas as memrias procedurais so implcitas, mas nem todas as memrias implcitas so procedurais, exemplificando cita-se a lngua materna. A L1 implcita e no procedural. implcito e explcito. A seo que se segue trata de noes sobre conhecimento

1.2 Conhecimento implcito e explcito A diferena entre o conhecimento implcito e o explcito est estreitamente associada presena ou ausncia de conscincia por parte do sujeito no que tange s regularidades na informao a que foi exposto, quer seja lingustica ou extra lingustica (ANDERSON, 2004; ZIMMER et al., 2006). Conforme j citado, o conhecimento explcito consciente, ou seja, declarativo. O conhecimento explcito exige um processamento mais lento, pois requer mais esforo por parte do sujeito. J o conhecimento implcito, que se d no hipocampo, rpido porque automatizado. Esses dois sistemas interagem, no so independentes. Conforme citado na seo anterior, o hipocampo essencial no incio das aprendizagens, porque permite que o conhecimento inicialmente gerado no hipocampo possa ser aliado ao sistema do neo-crtex, atravs de re-instanciaes sinpticas que seriam responsveis pela engramao do novo conhecimento ao conhecimento anterior (IZQUIERDO, 2002, 2004). Tratando-se de comparao entre o conhecimento implcito e explcito, reportam-se s abordagens cognitivas da memria de longo prazo, para as quais a memria declarativa armazena conhecimento explcito. Em contrapartida, a memria procedural armazena o conhecimento implcito. Esse tipo de conhecimento pode ser acessado mais rapidamente que o conhecimento

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declarativo. Sendo assim, a associao do conhecimento explcito relacionada a um conhecimento mais lento, ao passo que o conhecimento implcito possui um acesso mais automtico e veloz (SEGALOWITZ, HULSTIJN 2005). O processo de consolidao do conhecimento vai se desenvolvendo na proporo que existe uma interao gradual entre a codificao implcita e a explcita, ao formar novas memrias ou conhecimentos (R. ELLIS, 2003). Nesta seo, foi feita uma breve exposio sobre as classificaes dos diferentes tipos de memria, onde foram destacados os conceitos de memrias e de conhecimentos implcitos e explcitos, que sero retomados na seo 1.6.2, onde ser explorada a interao entre instruo implcita e explcita. O prximo passo, ento, apresentar o tpico que versa sobre a cognio e o envelhecimento.

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1.3 A cognio durante o envelhecimento A cognio envolve todas as funes cerebrais que permitem no s ter acesso, mas manter o conhecimento. No domnio da linguagem, os componentes incluem os subgrupos de mdulos de palavras (lxico, semntica, sintaxe e fonologia). Os dados do IBGE com referncia ao ano de 20078 relataram que a expectativa de vida no Rio Grande do Sul atingiu pela primeira vez 75 anos, o que significa a terceira posio, em termos nacionais, atingindo o patamar superior mdia nacional que de 72,07 anos (Jornal Zero Hora, 25/09/2008). Considerando esse avano de longevidade, mais importante se tornam as pesquisas relacionadas cognio na terceira idade, a fim de proporcionar incremento que conduza a uma velhice fsica e cognitivamente saudvel. As funes cognitivas bsicas, tais como as habilidades de ativar, representar, manter, focar e processar a informao podem declinar com a idade (Ll, LINDERBERGER e SILKSTRM, 2001). Segundo Joanette (2002), a memria episdica a primeira a ficar prejudicada, seguida da memria de trabalho. A memria implcita, ou a ativao da memria implcita, e a memria semntica tendem a ser preservadas por um perodo mais longo. Em outras palavras, o envelhecimento normal no afeta todos os domnios de um mesmo modo, nem afeta todos os componentes de um dado domnio de maneira similar. De fato, alguns aspectos da linguagem melhoram com a idade, como o lxico, ou a quantidade de palavras armazenadas na memria semntica (JOANETTE, 2002). Essas alteraes da memria na terceira idade sero discutidas na prxima seo.

1.3.1 Envelhecimento e memria Caberia enfatizar, aqui, o interesse que deve existir nas questes relativas s mudanas da memria no processo de envelhecimento e avaliar quando essas alteraes so relativas amnsia senil benigna ou passam a ser anormais, e, em que ponto seria suficiente para o diagnstico das fases iniciais de um processo de declnio cognitivo (IZQUIERDO, 2002).8

Disponvel em: http://ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/projecao da_populacao/2008. Acesso em: 01/10/2009.

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No envelhecimento normal ocorre uma srie de alteraes cognitivas, entre essas, inclui-se a memria. Estudos recentes relatam o declnio da memria explcita em idosos e em pessoas de meia-idade. J por outro lado, outros estudos relatam a inexistncia de declnio nas capacidades de memorizao implcita. Um aspecto importante a considerar a idade em que o declnio cognitivo comea. Pesquisas atuais, como as de Salthouse (2009), so indicativas de que, em alguns aspectos, o declnio cognitivo comea em adultos saudveis e escolarizados entre os seus 20 e 30 anos. Cada habilidade cerebral decresce em um ritmo diferente, ou seja, quelas envolvidas em tarefas executivas, como planejamento de coordenao de tarefas so as que decaem primeiro, muito embora tenham surgido por ltimo na adolescncia. Portanto, relevante conhecer efetivamente a idade em que o declnio cognitivo comea, pois levaria a cincia a aperfeioar intervenes em tempo de prevenir esses declnios. Conhecendo a fase inicial do declnio cognitivo poder-se-ia buscar solues que possibilitassem no s uma interrupo no processo de dficit cognitivo, como tambm preveno a esse decaimento cognitivo, que provavelmente surgiria aos 60 ou 70 anos (SALTHOUSE, 2009). Com o envelhecimento, ocorrem mudanas estruturais no crebro, como a diminuio de peso e de volume. Tambm relatada a perda seletiva de neurnios na formao hipocampal. As queixas de memria so frequentes na populao idosa, e a frequncia de queixa pode chegar a 50% entre aqueles com mais de 65 anos de idade (CRAIK, 1990). Essas queixas acontecem no s com indivduos da terceira idade, mas em adultos mais jovens quando se encontram desconcentrados, sob estresse ou devido a uma fase inicial de declnio cognitivo, segundo Salthouse (2009). Tambm fatores como depresso e ansiedade podem dar mais nfase ao surgimento desses problemas. A queixa de perda de memria bastante frequente em idosos e est ligada a duas situaes: ausncia de alteraes significativas nos testes neuropsicolgicos para a idade e, em outros, achados de mltiplas perdas cognitivas (BRUCKI, 2004). Conforme Brucki (2004), os idosos geralmente apresentam poucas perdas na memria de procedimentos, ou seja, na memria implcita, pois no perdem a capacidade de dirigir, ler ou de executar tarefas de completar palavras. Tambm permanece inalterada a memria semntica, isto , o conhecimento adquirido, como o que se aprendeu na escola e o conhecimento de mundo. Logo, os conhecimentos

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sobre fatos, palavras e seus significados podem permanecer inalterados durante o envelhecimento. As alteraes cognitivas relativas memria, segundo Kristensen (2006), esto associadas tanto ao envelhecimento do sistema frontal como ao declnio das funes cognitivas relacionadas s habilidades verbais, visuais e temporais. Na realizao de testes de memria nota-se um maior efeito da idade na memria episdica. Essa memria piora enquanto o ritmo de processamento do crebro decresce e a memria de trabalho passa a armazenar menos informao. Os dficits podem apresentar-se em trs diferentes estgios: na codificao, ou seja, no estoque inicial da memria; na reteno, isto , na manuteno da memria atravs do tempo; e na recuperao, ou seja, na utilizao da memria armazenada. Com relao aos resultados de testes de memria explcita, Brucki esclarece que... a diferena de desempenho entre idosos e jovens diminui quando a recuperao facilitada por pistas. Nos testes de memria explcita, com idosos e jovens, as diferenas maiores so relatadas em tarefas de recuperao livre, menores em recordao com pistas e poucas em testes de reconhecimento, sugerindo benefcio do suporte ambiental e contextual no qual a informao processada (BRUCKI, 2004, p.94).

As tarefas em que os idosos se reportam situao e ao ambiente seriam mais bem recordadas do que aquelas sem estabelecimento de ligaes contextuais. Ou seja, seria mais fcil ao idoso trazer recordao um fato se for citado o local, a data aproximada, ou a situao em que o fato ocorreu. No que tange memria contextual, os idosos apresentam maior dificuldade em recordar detalhes especficos, ou seja, lembram o evento, porm, no de quando ou onde ele ocorreu. Na opinio de Joanette (2002), ocorre pouco decrscimo com a idade na tarefa de evocao imediata de palavras. Ento, observa-se um declnio na memria de trabalho, dependendo do grau de manipulao exigido pela tarefa. Por exemplo, ao fornecer listas curtas de palavras e solicitar que sejam ditas em ordem alfabtica, observa-se um decrscimo nessa habilidade, relacionada idade (CRAIK, 1990). necessrio que a tarefa fornea um subsdio para a recuperao, e, consequentemente, os efeitos da idade no so pronunciados. Entre os componentes da linguagem, o processamento das palavras o primeiro a ser afetado pela idade. o caso do tip of the tongue, ou seja, a experincia de possuir a palavra na "ponta da lngua". Nessa situao, sabe-se o

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que se quer dizer, mas no se consegue "achar" a palavra adequada. Embora esse fenmeno seja normal enquanto jovem, tende a ser mais frequente na terceira idade. Ento, o impacto do envelhecimento ocorre mesmo com o lxico mantendo-se rico, uma vez que a dificuldade surge no processo de acesso ao lxico e no ao lxico em si (JOANETTE, 2002). No envelhecimento normal constatam-se alteraes em relao memria episdica verbal e ao Controle Executivo (CE), principalmente associado diminuio no processamento da informao, nos processos atencionais, nos processos inibitrios e na flexibilidade cognitiva (GRADY; CRAIK, 2000). O discurso outro componente a ser afetado pela idade, ao passo que a sintaxe e a fonologia se constituem no componente da linguagem que mais se conservam na terceira idade. Sendo assim, os componentes da linguagem no mudam de maneira homognea nem seguindo um ritmo semelhante, durante o processo que se designa envelhecimento normal (JOANETTE, 2002). Pesquisas atuais como a do psiclogo Art Kramer9, da Universidade de Illinois, a partir dos 25 anos de idade perde-se um ponto por ano no teste Mini Exame de Estado Mental. Este exame avalia a velocidade do declnio mental ou da instalao de uma demncia, apresentando um total de 30 pontos de aritmtica, linguagem e habilidades motoras bsicas; um declnio de trs ou quatro pontos no teste considerado significativo. Nessa seo discorreu-se sobre as relaes entre a memria e o envelhecimento, relatando quais os tipos e sistemas de memria que declinam com a idade. Refletiu-se, tambm, sobre o incio do declnio cognitivo. Na prxima seo tratam-se da funo executiva e do controle executivo no que tange ao seu papel no desempenho cognitivo.

1.4 Funes executivas e controle executivo Segundo a concepo de Hamdan e Bueno (2005), designam-se funes executivas (FEs) as habilidades concernentes ao planejamento, iniciao,

seguimento e monitoramento de comportamentos complexos tendo em vista uma finalidade.

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Revista Mente e Crebro, Ano XVI, n 197. Junho de 2009.

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O termo funo executiva usado para nomear uma ampla variedade de funes cognitivas que pressupem ateno, concentrao, seletividade de estmulos, capacidade de abstrao, planejamento, flexibilidade, controle mental, autocontrole e memria operacional (HAMDAN; BUENO, 2005). O lobo frontal, especificamente a regio pr-frontal, tem sido relacionado ao processamento cognitivo das FEs. Essas funes constituem-se de processos cognitivos que abarcam o desempenho de subcomponentes, dentre os quais se destacam: focalizao da ateno em informaes relevantes, inibio de processos e informaes concorrentes, programao de processos para tarefas complexas que necessitam de alternncias entre elas (KRISTENSEN,2006). Segundo o entender de Hamdan (2006), o Controle Executivo tem a funo bsica no s de manuteno on-line, isto , a funo retrospectiva, como tambm da sua manipulao, ou seja, da funo prospectiva da informao. O controle executivo constitui-se num mecanismo regulador cujo produto envolve as habilidades de planejamento, iniciao, seguimento e automonitoramento de comportamentos dirigidos a um fim, os quais so genericamente chamados de Funes Executivas. O Controle Executivo pode ser explicado atravs de trs posies: 1) como componente da memria operacional (Baddeley, 1996); 2) como resultado de processos inibitrios (Dempster, 1992); 3) como resultado de ambos os processos. Uma das principais caractersticas das FEs a organizao temporal do comportamento dirigido a objetivos (KRISTENSEN, 2006, p. 97). Para orquestrar o sequenciamento e atingir os objetivos relacionados a alguma tarefa cognitiva, trs funes cognitivas so orquestradas conjuntamente: a) memria de trabalho; b) ateno motora (preparao para a ao); c) controle inibitrio. As funes executivas so mediadas por processos inibitrios que regulam a interferncia de novas e antigas informaes. Deste modo, as habilidades supracitadas,

tradicionalmente relacionadas s funes executivas (doravante FEs), seriam gerenciadas por mecanismos de manuteno e manipulao reguladas por processos inibitrios de informao (HAMDAN; BUENO, 2005). Pesquisas neurofisiolgicas tm apontado para a necessidade atual de fracionamento das FEs, diferenciando o produto do mecanismo de execuo. Assim sendo, as FEs podem ser definidas, em um termo amplo, como produto de uma operao realizada por vrios processos cognitivos, a fim de executar uma tarefa

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especfica, e o controle executivo (CE) pode ser entendido como mecanismo responsvel pela coordenao de vrios processos implicados na realizao das FEs. Assim, durante o processo natural de envelhecimento do ser humano, ocorre uma diminuio geral das habilidades cognitivas e, especialmente, das habilidades relacionadas ao CE. Essas alteraes possivelmente sejam consequncias do processo de envelhecimento neurobiolgico do sistema pr-frontal e do sistema dopaminrgico (DASELAAR et al., 2003). Considerando-se a importncia do crtex pr-frontal, pode-se afirmar que quaisquer danos ocorridos nessa regio levam a prejuzos executivos. Segundo Green (2002), a diminuio no processamento da informao nos processos atencionais, nos processos inibitrios e na flexibilidade cognitiva ocorre nas tarefas neuropsicolgicas associadas memria episdica e ao controle executivo no envelhecimento. Existem vrios estudos apontando diferentes consideraes respeito da relao entre idade e funes executivas, como os de Salthouse e Ferrer-Caja (2003), cuja investigao sugeriu uma queda no desempenho executivo em idade avanada. Diante dos fatos arrolados anteriormente, indaga-se sobre a possibilidade de protelar o declnio cognitivo das funes executivas, caracterstica comum nessa fase da vida. Na prxima seo ser abordado o tema concernente s reservas cognitivas na preveno de decrementos cognitivos na senescncia.

1.5 Reservas cognitivas na preveno de decrementos relacionados s funes executivas Uma srie de estudos conduzidos recentemente aponta a existncia de fatores que podem constituir reserva cognitiva para o crebro dos idosos. Aborda-se como reserva cognitiva uma proviso ou suprimento para uma funo protetora, graas ao aumento da plasticidade neural e o uso compensatrio de regies alternativas do crebro ou enriquecimento da vascularizao cerebral (BIALYSTOK, 2004; JOANETTE, 2002). Na concepo de Izquierdo (2002, 2004), alguns fatores ambientais podem manter as funes cognitivas em adultos mais maduros e aliviar ou atenuar os efeitos das doenas que produzem o declnio cognitivo executivo. Entre esses citam-

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se a importncia do estilo de vida, atividade fsica, envolvimento com lazer estimulante e engajamento social (IZQUIERDO, 2002, 2004). Segundo outros estudiosos do assunto, como Valenzuela e Sachdev (2006), a reserva cognitiva encontra forte evidncia como proteo contra demncias nos fatores educao, alto status ocupacional, altos nveis de inteligncia e atividades de lazer mentalmente estimulantes. Corroborando essa hiptese, Bialystok afirma que o decrscimo do controle executivo na idade avanada pode vir a ser amenizado pela escolaridade (BIALYSTOK et al.,2007). Associam-se a essas colocaes a surpreendente concluso de que as atividades mentalmente estimulantes e prazerosas constituem a medida de reserva mental mais robusta, superando at os fatores: idade, educao e ocupao. Segundo o entender de Staff, Murray, Deary e Whalley (2004), maior nvel educacional e mais ocupaes ativamente complexas prognosticam melhor habilidade cognitiva na terceira idade. Parece evidente, ento, que a atividade mental complexa durante a vida exerce a funo de postergar ou amenizar o dficit cognitivo. Assim, dois grupos de questes surgem dessa concluso: 1) Que tipos de atividades mentais produzem essa funo protetora e que caractersticas elas tm em comum? 2) Qual o mecanismo que conecta a atividade mental para a sua funo neuroprotetora? Um estudo de Bialystok, Craik e Freedman (2007) contribuiu para demonstrar que o constante uso de duas lnguas ao longo de muitos anos, ou seja, o bilinguismo propicia um aumento do controle executivo em crianas (Bialystok, 2001) e uma preservao desse controle em adultos idosos (BIALYSTOK, CRAIK, KLEIN e VISWANATHAN, 2004; BIALYSTOK, CRAIK e FREEDMAN, 2007). Conforme esses estudos, os bilngues vitalcios que usam ambas as lnguas nas suas vidas diariamente demonstram uma vantagem em testes que envolvem o controle executivo, como ateno e controle inibitrio. O fenmeno do domnio das duas lnguas requer um mecanismo de controle de ateno para a lngua relevante e, ao mesmo tempo, ignorar ou inibir a lngua que compete (GREEN, 1998). Esse exerccio proporciona uma prtica contnua no controle de ateno, o que redunda no desenvolvimento precoce dessa habilidade em crianas, na melhora do funcionamento do controle atencional em adultos e, por fim, proporciona um declnio mais lento dessas funes na terceira idade. Consequentemente, o bilinguismo pode

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contribuir para formar uma reserva cognitiva e tambm proteger adultos mais velhos do declnio cognitivo (BIALYSTOK et al., 2004; BIALYSTOK et al., 2007). Bialystok, Craik e Freedman (2007) examinaram o efeito do bilinguismo na manuteno das funes cognitivas e o retardo no incio dos declnios cognitivos na terceira idade. A amostra foi selecionada nos registros de 228 pacientes encaminhados para o Memory Clinic, com queixas cognitivas. A amostra final consistia de 184 pacientes diagnosticados com demncia, 51% dos quais eram bilngues. Assim, no estudo de Bialystok et al. (2007), os pacientes bilngues exibiram um retardo de 4.1 anos nos sintomas iniciais de demncia em comparao com os monolngues. As implicaes de tais retardos so substanciais. Associam-se a essas colocaes as de Valenzuela e Sachdev (2006), que relatam uma situao similar em que a reduo na incidncia de dficit cognitivo est associada com atividades mentais na ordem de 46%. Pode-se afirmar que no existem intervenes farmacolgicas que tenham demonstrado efeitos semelhantes. Todavia, o efeito protetor do bilinguismo encontrado no estudo de Bialystok et al. (2007) no pode ser generalizado para indivduos que no usam cotidianamente duas ou mais lnguas. Todos os pacientes classificados como bilngues no referido estudo eram fluentes em ingls e em outra lngua, e vinham usando ambas as lnguas regularmente pela maior parte de suas vidas (VALENZUELA; SACHDEV, 2006). Em outro estudo, Bialystok e colegas (2004) buscaram verificar se o incremento cognitivo ensejado pelo bilinguismo poderia influenciar o desempenho de adultos e idosos em tarefas relacionadas ao controle executivo. Com esse estudo, os autores pretendiam verificar se o bilinguismo poderia atenuar o declnio dos processos executivos que ocorrem normalmente com a idade, como a dificuldade em manter a ateno e o controle inibitrio. Foram conduzidos trs estudos entre jovens e adultos idosos monolngues e bilngues, de mesmo nvel de escolaridade. Dentre os 40 participantes, as pesquisadoras formaram dois grupos manipulando a varivel lngua, ou seja, grupos de monolngues e bilngues. A metade dos pesquisados monolngues era de falantes de ingls morando no Canad e a outra metade, falantes de Tmil, como primeira lngua e ingls, como L2 bilngues desde os seis anos de idade , moradores na ndia. Os dois grupos foram relacionados por idade, 20 pessoas entre 30 a 54 anos (idade mdia de 43 anos) e o outro, tambm de 20 pessoas, com

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idades entre 60 a 88 anos (idade mdia de 71,9). A pesquisa foi oferecida no pas de moradia dos pesquisados e com total igualdade de condies pelo seu background (origem, classe social, educao ou experincia profissional) e sexo. No primeiro estudo, um dos testes padro foi o Teste Peabody de Vocabulrio com Figuras (Peabody Picture Vocabulary Test - PPVT- R), que avalia o vocabulrio receptivo. Esse teste consistia em pedir ao entrevistado que identificasse um objeto mostrado em uma srie de placas, cada uma contendo quatro figuras. Os itens propostos tornam-se gradativamente mais difceis. O outro teste, o teste das Matrizes Progressivas de Raven (Raven's Standard Progressive Matrices) avalia a habilidade no-verbal argumentativa abstrata, que consiste em 60 itens organizados em cinco grupos de objetos similares de alguma forma (A, B, C, D e E), de 12 itens cada um. Em cada item falta um objeto. Abaixo da figura h peas que devem ser escolhidas como as que melhor completam a figura. possvel observar que os adultos monolngues e bilngues tiveram desempenhos diferentes. As duas formas de anlise do teste Raven no encontram diferenas entre os grupos de idade e de linguagem. O grupo dos mais velhos bilngues teve o mesmo nvel de desempenho que o grupo dos mais jovens. Tambm no teste PPVT-R, os mais velhos bilngues atingiram a mesma mdia que os mais jovens. Ao se comparar somente os mais velhos, os autores concluram que os bilngues tiveram um desempenho melhor em relao aos monolngues. A vantagem do bilinguismo deve-se a um complexo processamento que requer controle executivo. O terceiro tipo de teste foi a Tarefa Simon, que ser explicada em detalhes no prximo captulo, foi utilizado para avaliar a capacidade executiva dos participantes, isto , a capacidade de ateno, seleo e o controle inibitrio. Os participantes so avaliados nas medidas de inteligncia espacial. No decorrer do desenvolvimento de seu estudo e, na medida em que o teste Simon tornava-se mais complexo, observou-se um aumento de vantagem dos bilngues em lidar com as tarefas sobre os seus pares monolngues. Essa vantagem pode se dever experincia em administrar duas lnguas que levaria a amenizar o declnio relativo idade, no que diz respeito eficincia do processo inibitrio.

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Os bilngues apresentaram um menor tempo de reao nos testes Simon, tanto nos testes congruentes como nas condies que requerem um maior controle executivo e de memria de trabalho, pois os processos executivos requeridos para administrar as duas lnguas envolvem ateno e seleo, habilidades estas tambm medidas nos testes Simon, e so justamente esses componentes executivos centrais que so exigidos na experincia de um bilngue. Observou-se, segundo Bialystok e colaboradores (2004) que, em relao aos participantes mais velhos, o bilinguismo evitou um aumento de erros que caracterizaram os monolngues mais velhos. A experincia citada se apia em algum aspecto do processo executivo, proporcionando amplos benefcios em tarefas cognitivas. As hipteses das pesquisadoras resultaram positivas, isto , as vantagens do bilinguismo se estendem at a idade adulta e beneficiam na realizao de complexas tarefas cognitivas. Nessa pesquisa, os idosos bilngues demonstraram um melhor desempenho em testes de inteligncia verbal, espacial, de vocabulrio receptivo, de ateno e de seleo em relao aos seus pares monolngues, e um nvel de desempenho equivalente aos jovens monolngues e bilngues, de uma mdia de idade de 43 anos. Com relao a estudos feitos no Rio Grande do Sul com bilngues, uma investigao emprico-experimental, intitulada A relao entre o bilinguismo e as funes executivas no envelhecimento, objetivou verificar os benefcios que o bilinguismo pode oferecer s funes executivas de adultos jovens e idosos. Nesse estudo de Pinto (2009), foram replicados os experimentos de Bialystok et al. (2004), adaptado s condies ambientais e culturais da regio em que foi realizado. A pesquisa, em nvel de mestrado, foi desenvolvida nas cidades de Porto Alegre e de Ivoti, cidade esta em que se encontram populaes bilngues falantes de Hunsruckisch (lngua de imigrao alem) e de Portugus Brasileiro (PB). Foi selecionada uma amostra de 60 participantes, distribudos em quatro grupos envolvendo as variveis idade e bilinguismo. O grupo dos adultos idosos (entre 60 e 75 anos de idade) foi dividido igualmente em monolngues, falantes de Portugus Brasileiro (PB) como L1, e bilngues, falantes de Hunsruckisch (lngua de imigrao alem) como L1 e PB como L2. E no grupo de adultos jovens (entre 30 e 50 anos de idade), a metade foi composta de monolngues, falantes de PB como L1; e a outra metade, de bilngues, falantes de Hunsruckisch como L1; e PB como L2. Os instrumentos utilizados para avaliar as capacidades cognitivas relativas s funes

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executivas da memria, inteligncia e de vocabulrio foram as Tarefas Simon 1 e 2, o Teste Raven de Matrizes Progressivas e o Teste Peabody de Vocabulrio Receptivo com Figuras.A anlise estatstica das mdias alcanadas nos testes no confirmou diferenas significativas relativas ao testes, embora se tenha observado uma tendncia de melhor desempenho dos grupos bilngues em comparao aos grupos monolngues, nas mesmas faixas de idade. Outra pesquisa sobre os efeitos do bilinguismo no controle cognitivo de idosos foi feita por Billig (2009). Esse estudo, em nvel de mestrado foi desenvolvido na Universidade de Federal do Rio Grande do Sul. Billig analisou o desempenho, em tarefas envolvendo o controle inibitrio e a memria de trabalho, de adultos e idosos bilngues em comparao a adultos e idosos monolngues, nas cidades de Santa Cruz do Sul e Arroio do Tigre, onde se encontram populaes bilngues, falantes de Hunsruckisch (lngua de imigrao alem) e Portugus Brasileiro (PB). A vantagem dos bilngues no foi comprovada em relao ao controle inibitrio e nem memria de trabalho, seguindo uma tendncia j verificada por Pinto (2009). Cita-se outra pesquisa no Rio Grande do Sul, realizada por Martins e Zimmer (2009), que investigou o desempenho de quatro idosos longevos bilngues e monolngues em tarefas verbais e no verbais. Nesse estudo, os participantes fizeram o Mini-Exame do Estado Mental (MEEM), que analisa aspectos cognitivos como orientao temporal e espacial, memria de curto prazo (imediata ou ateno) evocao, clculo, praxia, habilidades de linguagem e visuoespaciais; a tarefa Simon, que tem como objetivo avaliar algumas das funes executivas ateno e controle inibitrio; e o IAFAC Instrumento de Avaliao Fontico Acstico Articulatrio , que contempla todos os fonemas consonantais do Portugus Brasileiro. Como resultados, no teste MEEM, os bilngues apresentaram, no mnimo, 4 pontos a mais no escore, do que os monolngues; na tarefa Simon, observou-se que, na maioria dos casos, os bilngues apresentaram vantagens no tempo de reao, tanto de itens congruentes como incongruentes; j no teste IAFAC adaptado, os ndices no apontaram grandes diferenas entre as categorias bilngue e monolngue, devido pequena amostragem coletada. No geral, a partir destes dados, observou-se que os longevos bilngues apresentaram vantagens sutis em relao ao outro grupo, embora a amostra no tenha sido suficientemente numerosa para que fossem rodados testes estatsticos.

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Assim, refora-se a idia do bilinguismo e da aquisio de uma lngua estrangeira na idade madura, a fim de que estmulos mentais sejam proporcionados aos idosos. Todavia, essa rea ainda carece de estudos que venham a contribuir para aprofundar o conhecimento das mudanas ocorridas no crebro do idoso e o incremento das funes executivas, a fim de oferecer subsdios que proporcionem uma velhice cognitivamente saudvel. Nesta seo, tratou-se de atividades mentais que produzem funo protetora ao crebro do idoso, que poderiam estar associadas ao retardo no surgimento dos sintomas de declnio cognitivo. Contemplou-se, tambm, o bilinguismo como uma possibilidade de aumento do controle cognitivo, atravs da nfase na ateno e no controle inibitrio que administrar duas lnguas proporciona mantendo, assim, as funes executivas do idoso e, retardando o surgimento do dficit cognitivo usualmente ocorrido nessa fase da vida. Foram relatados estudos efetivados no Canad, ndia e Inglaterra por Bialystok, Craik e Freedman (2007) e Bialystok (2004) que examinaram o efeito do bilinguismo na manuteno das funes cognitivas e no retardo do incio dos sintomas de dficit na terceira idade. Relataram-se tambm pesquisas realizadas no mbito do Rio Grande do Sul, que buscaram verificar o incremento cognitivo ensejado pelo bilinguismo. A partir desses estudos, pode-se indagar se a aprendizagem da lngua estrangeira tambm pode vir a ensejar um incremento cognitivo em funes executivas. Com esse objetivo, convm agora discorrermos sobre a aquisio10 da segunda lngua, que o tema da prxima seo.

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Neste trabalho no se faz a distino entre aquisio e aprendizagem (KRASHEN, 1986), nem entre lngua estrangeira e segunda lngua ou L2, que so tratados aqui como sinnimos, com o respaldo de R. Ellis (1994).

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1.6 A aquisio da segunda lngua A L1 adquirida implicitamente por mecanismos de aprendizagem ligados ao sistema de memria implcita, mas o que se questiona se na aprendizagem da L2 os mesmos mecanismos so acionados. Conforme afirmam Perani e Abutalebi (2005), a aquisio da L2 pode ser considerada como um processo dinmico que requer recursos neurais adicionais em circunstncias especficas. A aquisio da segunda lngua pode ser investigada como um sistema de desenvolvimento cognitivo, com toda a complexidade que isso traz ao processo. Nick Ellis (1999) define, de maneira extremamente feliz, o processo de aprendizagem da lngua estrangeira como um processo cognitivo par excellence (p. 23). Segundo Lightbown e Spada (2004), os aprendizes de primeira lngua, bem como os da segunda lngua, no adquirem a linguagem simplesmente atravs da imitao e prtica. Dependem tambm do processamento cognitivo da informao lingustica e extralingustica presente no ambiente. Quanto ao processo de ensino-aprendizagem da L2, no entender de MacWhinney (2001) inicialmente o sistema da L2 no tem uma estrutura conceitual diferenciada da L1, por isso a estrutura lingustica da L2 baseia-se diretamente na estrutura da lngua materna do aprendiz adulto. At os anos 60, havia a tendncia em abordar a produo oral do aluno da segunda lngua simplesmente como uma verso incorreta da lngua-alvo. De acordo com a Hiptese da Anlise Contrastiva (Contrastive Analysis Hypothesis CAH), os erros so frequentes demonstraes do resultado da transferncia da lngua nativa do aluno. Segundo Zimmer (2004), a transferncia na aquisio da lngua estrangeira um fenmeno muito mais comum e complexo do que se imaginava h algumas dcadas (ZIMMER, 2004, p. 12). Segundo MacWhinney (2001, 2006), o aprendiz traz para a aprendizagem da lngua estrangeira um sistema neurolingustico e pragmtico bem organizado, visto que o aluno j vem com o conhecimento entrincheirado11 da lngua materna que ele aprendeu na infncia. Sendo assim, o aprendiz adulto da L2 pode conseguir um progresso rpido fazendo a mera transferncia do mundo conceitual da L1. Ento, de acordo com essa tica, isso seria semelhante a uma mistura de formas da L2 em um mapa neurolingustico que utilizado pela lngua materna. Assim sendo, o aprendiz constri ligaes diretas entre som e significados na L2, vai reestruturandoA noo de entrincheiramento diz respeito prtica constante de uma tarefa, como a L1, que a torna profundamente consolidada no sistema cognitivo.11

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conceitos j existentes na lngua materna e, aos poucos, aumentando o acesso automtico ao lxico e estrutura gramatical e fonolgica na L2, sem recorrer L1. Portanto, a associao entre a lngua materna e a estrangeira vai se desfazendo, ainda que esteja sempre presente algum grau de transferncia entre as duas lnguas, dada a natureza interativa do processo cognitivo da aprendizagem da L2 (MACWHINNEY, 2007, p. 57). importante destacar que a viso atual de transferncia interlingustica vista como um andaime cognitivo, que propicia o deslocamento da L1 medida que o implcito interage com o explcito no processo de aprendizagem da lngua (ZIMMER, 2004, p. 72). Partindo de uma viso cognitiva12 da aprendizagem, que procura subsdios psicolgicos para a explicao de alguns fenmenos, como o da transferncia, citado anteriormente, partimos agora para o foco que mais relao estabelece com uma das partes desta investigao: a questo da instruo em L2. No caso desta pesquisa, os subsdios adotados para o processo de ensino-aprendizagem dos idosos foram queles relacionados interao entre instruo explcita e implcita. Na seo seguinte, debruamo-nos sobre essa questo, partindo das noes de memria e conhecimento implcito e explcito.

1.6.1 Aprendizagem implcita e explcita Anderson (2004) refere que as aprendizagens implcitas so mais ou menos automticas, aprendem-se sem que se perceba claramente que se est aprendendo. Assim, a aquisio da capacidade de dirigir um carro ou de nadar difcil, seno impossvel, declarar, encontrar palavras ou tornar explcito o que se pretende ensinar. J a aprendizagem explcita, ligada memria declarativa, contm conhecimentos especficos que podem ser facilmente relatados. Questiona-se, aqui, se as memrias semnticas podem ser adquiridas de modo inconsciente. Izquierdo (2006) responde positivamente, pois essas memrias podem ser algumas vezes adquiridas de maneira inconsciente, como o caso da lngua materna.

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importante referir que o termo cognitiva no est sendo usado aqui como sinnimo de cognitivista. Por abordagem cognitiva entendemos uma abordagem que leve em considerao os mecanismos cognitivos envolvidos na aprendizagem da L2, tais como memria, percepo categorizao.

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Segundo Hulstijn (2005), a aprendizagem explcita o processamento do input de forma consciente e com a inteno de descobrir se a informao contm regularidades e, em caso afirmativo, trabalhar seus conceitos; o aprendizado implcito, por sua vez, constitui-se no processamento de input, sem inteno especfica, isto , ocorre de forma subconsciente. Na opinio de DeKeyser (2005), os estudos sobre o aprendizado implcito incidem em trs categorias distintas, tais como: o aprendizado de sequncias gramaticais, aprendizagem de sequncias e controle de sistemas complexos. Por exemplo, na categoria de sequncias gramatical cita-se o aprendizado do ordenamento da sequncia na sentena, como sujeito+verbo+complemento; no controle de sistemas complexos, o emprego dos verbos auxiliares nas sentenas negativas e interrogativas, ou no caso genitivo. Vrios estudos em cada uma dessas reas tm mostrado que os sujeitos podem aprender a usar o conhecimento complexo com a finalidade de executar uma variedade de tarefas sem ter a cincia da exata natureza daquele conhecimento. Conforme explica Reber (1976), a aprendizagem implcita constitui-se em um processo primitivo de apreenso de estruturas por meio de sensibilidade a pistas de frequncia, contrapondo-se a um processo mais explcito, onde vrias estratgias encontram-se engajadas a fim de induzir a um sistema representativo (REBER,1976, p.93). Quando o aprendiz estimulado as encontrar por si prprio as regras,

atravs de estudo de um texto, por exemplo, trata-se de uma tarefa indutiva e explcita. Segundo DeKeyser (2005), na aquisio da competncia lingustica da lngua materna, sem pensar nas estruturas, o aprendizado indutivo e implcito. Assim, memria e aprendizagem implcita constituem-se, a princpio, em conceitos independentes. Nick Ellis (2005) refora que a aquisio da gramtica da L1 implcita e extrada a partir da experincia de uso e no de regras explcitas. A exposio ao input lingustico normal suficiente e a instruo explcita desnecessria. No que tange aquisio da L2 por parte do adulto, constata-se que esse processo realiza-se por mecanismos diferentes, ou seja, a aquisio ocorre de maneira predominantemente explcita atravs de contexto comunicativo e, na maioria das vezes, limitada a comparaes com as produes normais tpicas do falante nativo, conduzindo assim, o aprendiz adulto a requerer fontes adicionais de conscincia e aprendizagem explcita. Enriquecem esse contedo CLEEREMANS e JIMENEZ (2002), ao afirmarem que aprendizagem implcita e a conscincia so vistas sob uma perspectiva gradual

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e dinmica e expem um paralelo entre os processos conscientes e subconscientes com o aprendizado. Assim, esses autores estabelecem uma diferenciao entre a aprendizagem explcita e implcita explanando que a primeira ocorreria de forma consciente e, consequentemente, permitiria um controle adaptvel e flexvel sobre o controle do aprendiz, enquanto a segunda ocorreria de forma subconsciente, e sua abrangncia seria moldada de acordo tanto com relao instruo recebida pelo aprendiz como o meio social, e os vrios fatores que contribuem para a construo do saber.

1.6.2 Instruo implcita e explcita Instruo, segundo o dicionrio Aurlio, o ato ou o efeito de instruir, isto , transmitir conhecimentos adquiridos. Em outras palavras, ensinar, lecionar para algum algo, usando tcnicas e recursos adequados, visando objetivos especficos para a construo do conhecimento. Como foi exposto na seo anterior, estudiosos diferenciam a aprendizagem explcita da implcita, relatando que a primeira ocorreria de forma consciente e possibilitaria um controle adaptvel e flexvel sobre o comportamento do aprendiz, enquanto a segunda ocorreria de forma subconsciente e a sua abrangncia seria moldada no s conforme o tipo de instruo recebida pelo aprendiz, mas tambm com o meio social (ANDERSON, 2004). Sendo assim, as instrues implcita e explcita estariam intrinsecamente relacionadas s aprendizagens implcita e explcita. Segundo Bialystok (1994), explicit knowledge can be learned at any age (p.566). Em tese, o conhecimento explcito pode ser aprendido, por meio da instruo explcita, por indivduos em qualquer idade. Assim, os fatores limitantes relativos instruo explcita podem ser relativos a diferenas individuais como memorizao, induo ou deduo de fatores (BIALYSTOK,1994). A aquisio da gramtica, da L1, para Nick Ellis (2007), implcita, partindo da experincia de uso e no das regras explcitas. Em outras palavras, a exposio ao input lingustico normal pode ser suficiente, sendo a instruo explcita desnecessria. J a aquisio da L2, por parte do adulto, se realiza atravs de mecanismos diferentes. A aquisio ocorre na maioria das vezes por meio da instruo explcita, atravs de contexto comunicativo, utilizando comparaes com as estruturas da lngua materna (N. ELLIS, 2005). Ocorrem frequentemente comparaes com as produes normais caractersticas do falante nativo e, tambm

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a busca a fontes adicionais de conscincia e aprendizagem explcita. Nesse tipo de aprendizagem, o aluno tem conscincia de alguns aspectos que caracterizam a L2 no processo. Ainda segundo Nick Ellis (2007), apesar de grande parte da aquisio da L1 envolver a aprendizagem implcita, tais mecanismos no so por si s, suficientes para a aquisio da L2 devido ateno e transferncia advinda da L1. Dessa forma, a aquisio de uma segunda lngua no se baseia apenas na instruo implcita, mas tambm em fontes adicionais de instruo explcita. A instruo explcita facilitar a consolidao do novo conhecimento construdo pelo falante. Na instruo explcita, as regras so apresentadas ao aluno antes do uso pragmtico e contextualizado da lngua. J a instruo implcita no faz referncia a regras ou formas. Nick Ellis (2001) destaca que a instruo implcita mais ou menos automtica, isto , aprende-se sem que se perceba claramente que se est aprendendo. Doughty (1988) identificou trs elementos fundamentais que deveriam estar presentes nas pesquisas sobre resultados da instruo: 1) um alvo especfico para o aprendizado deve ser particularizado; 2) o tratamento instrucional deve ser psicolinguisticamente apropriado; 3) os ganhos atingidos pelo aprendiz devem ser avaliados de acordo com os objetivos. Apresentados brevemente os elementos fundamentais presentes na pesquisa sobre instruo na lngua estrangeira, deve-se refletir sobre a interao dos conhecimentos implcitos e explcitos, assunto que ser o tema da prxima seo.

1.6.3 A interao entre a instruo explcita e a instruo implcita: uma viso dinmica Estudos recentes indicam uma contribuio mtua de ambos os tipos de instruo para o desenvolvimento da aquisio de uma lngua estrangeira. Essa interao entre os tipos de instruo advm, em parte, da questo que diz respeito interface entre as memrias e os conhecimentos explcitos e implcitos. Quer sejam independentes, autnomos ou, ainda, interligados, os conhecimentos implcito e explcito relativos L2 tm sido investigados quanto possibilidade de haver uma interface entre o primeiro e o segundo (NICK ELLIS, 2005). Ao mencionar-se conhecimento explcito, supe-se controle consciente, ao passo que o conhecimento implcito subentende automaticidade de aes, independentemente do fato de se

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estar ciente. Enquanto o conhecimento implcito est disponvel para uso automtico, o conhecimento explcito abrange processos conscientes e controlados. Segundo a concepo de Paradis (2004), ambos os conhecimentos no se relacionam, e impossvel a converso de um no outro. Paradis (2004) adota a posio de no-interface entre os conhecimentos implcito e explcito, defendendo a sua separao. Nessa concepo, no h uma transferncia direta entre eles, uma vez que esto em dois sistemas neuroanatmicos distintos; a memria explcita armazenada em grandes reas do crtex cerebral que envolve o sistema lmbico enquanto que a memria implcita estaria ligada aos processos corticais atravs dos quais adquirida, no envolvendo o sistema lmbico. Ento, deve-se questionar qual seria o mecanismo da interface, quais so os processos psicolgicos e neurolgicos que permeiam as associaes, pelas quais a aprendizagem explcita constri significado, e cujo resultado atinge o aprendizado implcito da linguagem. A concepo da interface fraca considerada intermediria (R.Ellis, 1994) entre a hiptese da no-interface e da interface forte. A interface fraca refere que o conhecimento explcito desempenha uma funo sobre a percepo a formas em L2, facilitando o processo da focalizao da ateno a formas lingusticas especficas do input. Consultando Nick Ellis (2005), temos que a conscincia gera o acesso aos contedos do subconsciente e sua vasta fonte de conhecimento circunscrito ao sistema cerebral, assim sendo; a conscincia a interface. Em outras palavras, a interface, assim como a conscincia, dinmica e, mesmo ocorrendo durante o processamento consciente, mantm sua influncia na cognio implcita por um longo tempo. De acordo com DeKeyser (2003), mesmo que a aquisio implcita do conhecimento tenda a permanecer implcita e a aquisio explcita tenda a permanecer explcita, o conhecimento apreendido de forma explcita pode vir a se tornar implcito. A hiptese da interface forte refere existncia de uma forte interao entre os conhecimentos implcitos e explcitos, que possibilitam a converso do conhecimento explcito em implcito. Segundo essa concepo, o conhecimento explcito pode vir a ser automatizado. Nos estudos de aquisio de lngua estrangeira, ainda no se sabe at que ponto a quantidade e a qualidade do insumo determinam como a lngua-alvo

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percebida e processada pelo aprendiz, tornando-se intake13, e como a quantidade e a qualidade do insumo afetam a proficincia na lngua-alvo. Comparada aquisio da lngua materna, que se baseia principalmente em dados naturais, o insumo na aquisio da lngua estrangeira varia significativamente de acordo com o ambiente de ensino-aprendizagem. Concernente integrao da aprendizagem explcita com a implcita, Zimmer e colegas (2006) sugerem que somente a obteno de conhecimento explcito a respeito da L2 no parece ser condio suficiente para conduzir aquisio:A aquisio da L2 por um falante adulto no nem puramente implcita nem puramente explcita (...). Existe uma interao gradiente entre a codificao explcita e a implcita na formao de novas memrias ou conhecimentos medida que o processo de consolidao vai se desenrolando. Evidenciar o funcionamento do sistema para os alunos atravs da explicitao de regras, feedback ou qualquer outra forma de se tornar mais evidentes alguns aspectos do input, sob o paradigma conexionista, contribuir para que os aprendizes comecem a processar tais regularidades presentes neste input, dando incio a um processo de aquisio estocstico e probabilstico (ZIMMER, ALVES e SILVEIRA, 2006, p. 169).

Com relao ao ensino-aprendizagem da lngua estrangeira no curso oferecido nesta investigao (ver seo 2.5), grande parte das abordagens teve nfase na instruo explcita para que, posteriormente, medida que os contedos fossem apresentados e reinstanciados em cada aula, ao longo do curso, o conhecimento explcito gradativamente se tornasse implcito. Cita-se como exemplo as saudaes na chegada ou na sada das aulas (good afternoon, hi, hello; bye-bye). Essas saudaes foram apresentadas aos alunos de forma explcita e, com a repetio no dia-a-dia e a contextualizao desse input, os aprendizes perceberam a sua regularidade, transformando esse conhecimento, adquirido de forma explcita, em conhecimento implcito. Enfatizando essa questo, DeKeyser (1995) sugere ser possvel tornar o conhecimento proceduralizvel ao ponto de no ser facilmente distinguido do conhecimento explcito. Nick Ellis (2007) comunga com essa idia ao propor que sequncias produzidas atravs de regras declarativas podem vir a ser efetuadas automaticamente, se a sequncia for praticada o bastante. Do que foi colocado nesta seo, deve-se destacar a possibilidade de interao entre a instruo explcita e a implcita, que foi a premissa da qual se13

Intake usado para expressar o que foi processado e aprendido pelo aprendiz atravs da instruo recebida e por ele capaz de ser produzido a partir disso.

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partiu para planejar e implementar o curso de lngua inglesa oferecida aos idosos participantes desta pesquisa, conforme ser descrito em detalhes na seo 2.5. Este captulo buscou compreender questes relacionadas ao crebro e linguagem, aos tipos e sistemas de memria; sobre a cognio durante o envelhecimento e o envelhecimento e memria, destacando as Funes Executivas (FE), e o Controle Executivo (CE), tais como a ateno, seletividade de estmulos, o controle e a inibio. Refletiu-se sobre as relaes entre controle executivo e memria episdica verbal. Discorreu-se, tambm, sobre as reservas cognitivas na preveno de decrementos relacionados s funes executivas. A seguir, tratou-se da aquisio da segunda lngua e os seus mecanismos de aprendizagem. Relataram-se pesquisas atuais nas reas de psicolingustica e neurolingustica que investigaram se a aquisio da segunda lngua poderia prover uma reserva cognitiva, agindo como defesa contra o declnio dos processos executivos na idade madura. Apresentaram-se os elementos fundamentais sobre a instruo na lngua estrangeira, trazendo reflexo os conhecimentos implcitos e explcitos, a instruo implcita e explcita e a interao entre esses conhecimentos. Uma vez exposto o referencial terico, passa-se ao prximo captulo, que trata do mtodo e dos objetivos a que este estudo se prope.

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2 A PESQUISA: OBJETIVOS E MTODO

Este captulo aborda os objetivos deste estudo, exibindo as respectivas hipteses de pesquisa e relatando os procedimentos empregados para implementar esta investigao. Na parte destinada descrio do mtodo, sero apresentados o processo de amostragem utilizado, os instrumentos e os procedimentos de coleta de dados. Este estudo do tipo longitudinal, experimental, coletado longitudinalmente, e teve como objetivo examinar se o ensino de uma lngua estrangeira para pessoas com mais de 60 anos afeta as funes cognitivas executivas.

2.1 Objetivos Esta pesquisa foi proposta com a finalidade de averiguar se a aprendizagem da lngua estrangeira pode proporcionar algum incremento cognio na terceira idade no que diz respeito aos processos executivos centrais, demonstrados em incremento nos mecanismos de percepo, memria, resoluo de problemas e eficincias do processo inibitrio, ou seja, no processo que permite pessoa descartar as opes irrelevantes de uma tarefa e concentrar a ateno nos seus aspectos mais relevantes. Alm disso, tendo em vista que a aprendizagem envolveu dois semestres de aulas com idosos, tencionou-se observar qualitativamente os efeitos da instruo explcita e implcita na amostra selecionada. Esta seo no s relata o objetivo principal da presente investigao, como tambm o seu desdobramento em objetivos especficos e hipteses.

2.1.1 Objetivo geral Verificar se a aprendizagem da lngua estrangeira pode trazer benefcios s funes executivas, demonstrando eficincia no controle inibitrio nos processos executivos, propiciando um decrscimo do declnio cognitivo na terceira idade.

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2.1.2 Objetivos especficos 1) Verificar, atravs do Teste Simon, o desempenho do grupo dos idosos com frequncia igual ou superior a 70% (+F) de presena no curso bsico de ingls quanto s funes executivas, aplicado no incio e no final do curso. 2) Verificar, atravs do teste Simon, o desempenho dos alunos (idosos) do Grupo Menos Frequente (-F), com frequncia inferior a 50%, no final do curso (psteste) em comparao com o desempenho do mesmo grupo (-F) no incio do curso, no que tange s funes executivas. 3) Comparar, atravs do teste Simon, o desempenho dos alunos do grupo mais frequente (+F) com o desempenho do grupo menos frequente ( F), no psteste (estgio final do curso). 4) Descrever e analisar qualitativamente o perodo de ensino-aprendizagem de lngua inglesa durante o curso ministrado amostra, no que tange aos efeitos qualitativos da instruo explcita e implcita observados.

2.2 Hipteses A partir dos trs primeiros objetivos quantitativos, foram elaboradas as seguintes hipteses: 1) Os participantes do Grupo Mais Frequente (+F) evidenciaro escores significativamente maiores de acurcia, e tempo de reao (TR) significativamente menor, tanto nos itens de testagem congruentes como nos itens de testagem incongruentes, e de efeito Simon, aplicada no final do curso em comparao ao desempenho do mesmo grupo na Tarefa Simon, no incio do curso. 2) Os participantes do Grupo Menos Frequente (-F) obtero escores

significativamente maiores de acurcia e tempo de reao (TR) significativamente menor, tanto nos itens de testagem congruentes como nos itens de testagem incong