A Classe Operaria Vai Ao Campus

Embed Size (px)

Citation preview

  • Disponvel em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=71580210

    Red de Revistas Cientficas de Amrica Latina, el Caribe, Espaa y PortugalSistema de Informacin Cientfica

    Carlos BauerPoltica de expanso do ensino superior: a classe operria vai ao campus

    Eccos Revista Cientfica, vol. 8, nm. 2, julho-dezembro, 2006, pp. 449-470,Universidade Nove de Julho

    Brasil

    Como citar este artigo Fascculo completo Mais informaes do artigo Site da revista

    Eccos Revista Cientfica,ISSN (Verso impressa): [email protected] Nove de JulhoBrasil

    www.redalyc.orgProjeto acadmico no lucrativo, desenvolvido pela iniciativa Acesso Aberto

  • EccoS Revista Cientfica, So Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.

    Artigos

    449

    poltiCa de expanSo do enSino Superior:

    a ClaSSe operria vai ao campus

    Carlos Bauer

    Busca-se, neste artigo, discutir alguns elementos que constituem a chamada crise do ensino superior brasileiro. Particularmente, chama a ateno seu processo de expanso e o de proletarizao dos docentes que nele se produz. So analisadas as origens histricas e sociais do processo de elitizao do ensino superior e reconhecidos os mecanismos polticos que remeteram iniciativa privada a responsabilidade pela ex-panso dessa modalidade de ensino no pas. Tambm interessa apontar os riscos da massificao, a precarizao do trabalho docente e os de-safios postos com a chegada desse inusitado personagem ao cenrio do ensino superior brasileiro: os filhos da classe operria.Palavras-chave: Desafios da educao superior. Histria social do ensino superior. Massificao. Proletarizao.

    Docente do Programa de Ps-Graduao em Educao, do Centro Universitrio Nove de Julho (PPGE-Uninove). Uninove. Embu-Guau SP [Brasil][email protected]

  • EccoS Revista Cientfica, So Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.450

    EccoS

    Revista

    Cientfica

    1 Introduo

    Debater a expanso e as dificuldades do ensino superior brasileiro no nenhuma novidade. No meio acadmico (ADRIO; PERONI, 2005; ALMEIDA, 2001; BUFFA, 1979; CASTRO, 2002; CURY, 1978; DIAS SOBRINHO, 2003; FVERO, 1980; JARDILINO, 2005; LEHER, 2001; OLIVEIRA, 2005; PERONI, 2003; RISTOFF, 2003; SAMPAIO, 2000; SIMES, 2006; SAVIANI, 1984) e mesmo fora dele, todos, de certa forma, tm algo a dizer sobre as maledicncias que nele se expressam e se desenvol-vem, desde a crtica aos cronicamente escassos gastos com a educao e a falta de estmulo pesquisa, passando pela formao de seus quadros, pela ingerncia das agncias, bancos e governos internacionais, at chegar forma pela qual o Estado regula ou deveria regular o ensino universitrio. Para minimizar esses problemas, segundo alguns desses autores, seria necessrio fortalecer a escola bsica em nosso pas.

    A educao bsica, em razo do descaso, em parte, do poder pblico, tem-se constitudo, ao longo dos anos, um problema extremamente pre-ocupante, pois, muitas vezes, o estudante chega ao ensino superior com todo tipo de dificuldades, desprovido de uma cultura geral que lhe permita um pleno desenvolvimento nessa nova etapa de sua formao educacional, sendo, inclusive, discriminado, em pesquisas acadmicas, com a pecha de analfabeto funcional.

    O ensino bsico acabou de ser universalizado no Brasil, o que muito importante; no entanto, esse processo no veio acompanhado de medidas estruturais como a valorizao do trabalho docente; ao contrrio, obser-vou-se um progressivo descaso com a profisso e um crescente desprestgio social do professor. Some-se a isso o fato de as escolas encontrarem-se semi-abandonadas, desprovidas de equipamentos, exigindo que o profissional da educao, desesperadamente, busque elementos paliativos para conseguir fazer alguma coisa.

  • EccoS Revista Cientfica, So Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.

    Artigos

    451

    2 O ensino superior, suas crises e dificuldades

    As dificuldades do ensino superior tm descaracterizado seu objetivo: o de preparar o profissional para o mercado de trabalho. Atualmente, mesmo a definio do que venha a ser ensino superior no tarefa fcil. Recentemente, no livro Polticas e gesto da educao superior: transformaes recentes e debates atuais, organizado por Dourado, Catani e Oliveira, o professor Dias Sobrinho observava que a chamada

    [...] educao superior uma expresso de contedo um tanto elstico que engloba um subsistema posterior ao nvel mdio e que comporta um leque de instituies educacionais, diferencia-das quanto natureza jurdica, mantenedoras, qualidade, his-tria, tamanho, reas de atuao, vocao, funo etc. (DIAS SOBRINHO, 2003, p. 99).

    Portanto, trata-se de um sistema amplo, complexo e com dificuldades de estabelecer quaisquer possibilidades de homogeneizao. No que se refere s universidades pblicas, federais ou estaduais, a falta de recursos, tais como computadores, acesso rede mundial de computadores, bibliotecas arejadas e atualizadas, retroprojetores, vdeos, televisores, data show, mesas, cadeiras, sem falar das salas de aulas e prdios abandonados, e de condies polticas adequadas que poderiam priorizar as questes educacionais no debate na-cional, mas esto muito longe de faz-lo dificulta a integrao entre elas. No h sequer condies de comparar instituies da mesma rede, pois so tratadas de forma diferenciada para atender a determinados interesses que no compreendem o todo institucional, quando se fala em formao de mo-de-obra qualificada no caso da pesquisa cientfica, por exemplo. No novi-dade para ningum que as universidades federais no conseguem manter um mesmo padro de excelncia em todas as suas unidades espalhadas pelo terri-

  • EccoS Revista Cientfica, So Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.452

    EccoS

    Revista

    Cientfica

    trio nacional. Em alguns estados, tanto nas federais quanto nas instituies privadas, fundaes, comunitrias ou mesmo confeccionais, a concorrncia, que as envolve, inclusive regida pela sobrevivncia no mercado e, portanto, pelas questes de capital e retorno dos investimentos, distorce o verdadeiro objetivo institucional: a formao de profissionais cidados, capazes de com-petir em igualdade de condies e de contribuir para o desenvolvimento so-cioeconmico/cultural do pas. Nessa conjuntura institucional, necessrio estabelecer algumas caracterizaes que permitam apontar certos dilemas que se desenvolvem no ensino superior brasileiro para discuti-los.

    Ristoff (2003) faz sarcstico diagnstico sobre a crise da universidade pblica brasileira que pode dificultar o desenvolvimento de sua trajetria his-trica e social. Para ele, h simultneas, distintas, mas articuladas crises, entre as quais destaca a de identidade, a de elitismo, a de modelo e a financeira.

    Comeando pela crise de identidade, Ristoff (2003), em tom jocoso, observa que, no mbito do ensino pblico federal ou estadual, h diferentes instituies funcionando simultaneamente, inclusive nos mesmos prdios, mas produzindo realidades totalmente distintas e, at mesmo, antagnicas entre si. Assim, alguns professores que se preocupam com o ensino de gradu-ao so submetidos a toda sorte de privaes, pois no h condies adequa-das de ensino e aprendizagem, em decorrncia da falta de equipamentos, de laboratrios bem aparelhados e de bibliotecas atualizadas. Ressalta-se o fato de coexistirem duas realidades distintas: de um lado, os professores substi-tutos informais dos titulares trabalham muito e recebem bolsas ou salrios extremamente baixos e desestimulantes; de outro, os programas de mestrado e doutorado, cujos professores recebem subsdios por produtividade em pes-quisas e complementos salariais por meio de bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), tm acesso a laboratrios e grupos de estudos avanados, com possibilidade de participar de projetos de extenso e assessoria. Quanto mais orientam e publicam, mais acesso eles tm a essas bolsas e verbas de produtividade. So os catedrticos do nosso tempo.

  • EccoS Revista Cientfica, So Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.

    Artigos

    453

    Nesse mesmo espao e tempo, tambm se desenvolveram, e muito, as fundaes, as instituies de apoio e pesquisa, estimuladoras de programas de mestrado e doutorado fora da sede, cursos a distncia e servios de assessoria eficientes e bem remunerados. Pode-se dizer, sem subterfgios, que se tem uma universidade pblica a servio dos interesses privados de alguns poucos beneficiados.

    A crise de elitismo, por sua vez, expressa um modelo anacrnico que concebe a universidade como uma experincia social destinada aos membros das classes dominantes uma parcela nfima da populao que dever cons-tituir suas elites econmicas, polticas e culturais.

    Quanto ao cotidiano das instituies privadas, h crises com outras caractersticas. Talvez a mais dramtica delas seja aquela que se refere ao sig-nificativo crescimento de um setor marcado pela competitividade exacerbada, que puxa as mensalidades cada vez mais para baixo, e que apresenta difi-culdades de captar recursos externos que possam somar-se aos pagamentos efetuados pelos alunos no financiamento de suas atividades acadmicas. As conseqncias desse quadro, resultado do expansionismo do setor privado, tm desdobramentos na incessante rotatividade dos professores e de outros profissionais que atuam nessas instituies. Para superar esse problema, in-dispensvel que se analise, com profundidade, a situao e que haja claro (conseqente) posicionamento poltico das instituies da sociedade civil, acadmicas, cientficas e das personalidades que julgam importante manifes-tar-se sobre o tema.

    Um dos marcos fundamentais compreenso desse processo de crise do ensino superior brasileiro o conjunto de reformas que comearam ser intensificadas a partir do governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), que buscou adotar uma srie de medidas que flexibilizaram e favoreceram a expanso dessa modalidade educacional, e foram aprimoradas pelo governo de Lus Incio Lula da Silva. Porm, justia seja feita, esses problemas tm origem no perodo de represso, iniciado em 1964.

  • EccoS Revista Cientfica, So Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.454

    EccoS

    Revista

    Cientfica

    No auge do regime militar, por volta de 1968, com o desenvolvimen-to de uma reforma universitria fortemente influenciada pelo modelo norte-americano, embora o nmero de estudantes matriculados nas universidades tenha chegado perto da marca de um milho e meio, o ensino superior brasi-leiro continuou elitista, basicamente incorporando os jovens oriundos das ca-madas privilegiadas, econmica e culturalmente, da populao. interessante notar que as instituies privadas tambm atendiam a esse setor da sociedade que, por um motivo ou por outro, no encontrava lugar no ensino pblico gratuito. Os setores proletarizados da populao buscavam o ensino tcnico; quando no, faziam de tudo para que seus filhos encontrassem uma vaga no Servio Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai).

    Ressalte-se que, a partir do fim do sculo XX, ocorrem significativas mudanas na sociedade capitalista, traduzindo os interesses de uma econo-mia cada vez mais mundializada. As transformaes atingem vrios setores e com a educao no diferente. A prpria percepo que os trabalhadores tm do significado da experincia educacional sofre mudanas. Uma srie de pesquisas e levantamentos de dados, como aqueles apresentados por Castro (2002), ou mesmo os realizados por institutos como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) por meio de dados coletados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (Pnad), em 2004, demonstram que os que usufruem uma formao universitria experimentam uma taxa de desem-prego de, aproximadamente, um tero daquela verificada nos contingentes menos escolarizados da populao, alm de receberem uma remunerao que , pelo menos, o dobro daqueles que tiveram oportunidade de estudar apenas at o ensino mdio.

    Mesmo que de forma difusa e distorcida, para os filhos da classe oper-ria e outros trabalhadores, o ensino superior buscado como uma possibilida-de real de mobilidade social, isto , uma ascenso social que desejada como nica oportunidade de superar as condies de vida a que foram submetidos os trabalhadores em nosso pas.

  • EccoS Revista Cientfica, So Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.

    Artigos

    455

    A classe operria foi em busca do campus universitrio, mas as polticas pblicas no favoreceram seu ingresso na universidade pblica brasileira, que continuou a oferecer poucas vagas e a restringir, ao mnimo, a ampliao de cursos. Isso pode ser facilmente comprovado, quando, por exemplo, verifica-mos que, durante o governo de FHC, no se permitiu a criao de nenhuma nova universidade pblica federal. Some-se a isso o fato de esse segmento institucional ter seus recursos diminudos, dia aps dia, restringindo a pers-pectiva de ingresso dos filhos da classe operria nesse ambiente de excelncia e de qualificada formao humana.

    Ironicamente, num momento da histria em que o trabalho um direito fundamental do homem e exige conhecimento e escolaridade mais qualificados que, por sua vez, influenciam as relaes sociais, as elites pol-ticas nacionais criam inmeros impedimentos legais ao desenvolvimento e ampliao das universidades pblicas na sociedade brasileira e, com isso, toda sorte de dispositivos que propiciaram aquilo pode ser caracterizado como uma verdadeira exploso do ensino superior privado. A partir do governo de FHC foram operadas mudanas que permitiram a criao de novas instituies, dotadas de autonomia acadmica, favorecidas que foram pela diminuio dos ritos burocrticos da poltica governamental do perodo. Em razo da deman-da represada por vagas na universidade, o resultado no poderia ser outro. O nmero de instituies privadas cresceu e o de estudantes universitrios matriculados no Brasil, em poucos anos, mais que dobrou. Para se ter uma dimenso do seu significado social, ele praticamente maior do aquele regis-trado nas duas ltimas dcadas, quando o crescimento no ultrapassou 22%. Segundo os dados oficiais (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANSIO TEIXEIRA, 2005), em 2000, as instituies pblicas de ensino superior ofereciam cerca de 20% das vagas. J em 2004, essa percentagem tinha cado para 14%. Por isso, mais significativa a comparao entre o nmero de matrculas desses dois modelos de institui-o. De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

  • EccoS Revista Cientfica, So Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.456

    EccoS

    Revista

    Cientfica

    Ansio Teixeira (Inep) (2005), de 2000 a 2003, as matrculas cresceram 78,9%, nas instituies privadas, enquanto, nas pblicas, esse aumento foi de 36,9%. Quanto sua organizao estrutural, as instituies de ensino superior (IESs) encontram-se basicamente classificadas, da seguinte forma: 1) universidades; 2) centros universitrios; 3) faculdades; 4) faculdades isoladas; 5) centros de ensino tecnolgico; 6) institutos ou escolas superiores de educao. No en-tanto, so os cinco primeiros tipos de instituies que constituem, princi-palmente, o sistema de ensino superior no Brasil. Nessas instituies se pro-duzem, para usar a terminologia oficial, os Grandes Nmeros da Educao Superior, que traduzem, de forma precisa, muito do que comentamos at agora (Quadro 1).

    Hoje, portanto, os dados so esses: a maioria dos estudantes universi-trios brasileiros est matriculada no ensino superior privado. As elites eco-nmicas, polticas e mesmo militares, pelo menos desde a segunda metade do sculo XIX, projetaram a universidade como uma experincia cultural importante para seus membros. Por volta da dcada de 1970, as camadas mdias e a pequena burguesia brasileira reconheciam plenamente sua im-portncia, reivindicando mais vagas e impulsionando seus representantes em direo s IESs.

    Um interessante panorama histrico desse processo foi apresentado criticamente por Gioielli e Bertolucci, no artigo Quando o ensino uma mercadoria: proliferam escolas em que o lucro mais importante que a educao:

    Os nmeros do ltimo Censo da Educao Superior do MEC, pu-blicado em 2000, revelam que em 1999 existiam 1.097 instituies de ensino superior no Brasil. Em 1996 eram 920; houve ento um aumento de 177 instituies nesses trs anos. No mesmo perodo, surgiram 194 novos estabelecimentos privados. primeira vista, o clculo parece estar errado, mas no est. Acontece que, nesses

  • EccoS Revista Cientfica, So Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.

    Artigos

    457

    Categoria administrativa Total Federal Estadual Municipal PrivadaEstatsticas bsicas

    Instituies 1.859 83 65 59 1.652 Cursos 16.453 2.392 2.788 482 10.791

    Matrculas 3.887.022 567.101 442.706 126.563 2.750.652 Concluintes 528.223 84.341 65.375 19.443 359.064

    Docentes em exerccio 254.153 47.709 33.580 7.506 165.358 Servidores em exerccio 241.658 61.489 42.764 4.539 132.866

    VestibularVagas oferecidas 2.002.733 121.455 111.863 47.895 1.721.520

    Inscries 4.900.023 1.269.432 1.014.503 83.512 2.532.576 Ingressos 1.262.954 120.562 108.778 37.741 995.873

    IndicadoresMatrculas (%)

    Turno noturno 58,4 25,5 38,3 73,7 67,7Sexo feminino 56,4 51,4 59,4 56,6 57,0

    Bsicos/programas gerais 0,0 0,3 0,0 - 0,0Educao 21,6 23,3 48,5 28,0 16,6

    Humanidades e Artes 3,5 6,9 4,9 2,1 2,6Cincias Sociais, Negcios e Direito 41,7 22,6 16,8 41,9 49,7Cincias, Matemtica e Computao 8,6 12,4 8,4 8,5 7,8Engenharia, Produo e Construo 7,7 15,0 8,9 7,8 6,0

    Agricultura e Veterinria 2,1 5,8 3,5 0,6 1,1Sade e Bem-Estar Social 12,5 12,8 8,2 10,0 13,2

    Servios 2,3 0,9 0,6 1,1 3,0Docentes (total/%)

    Mestres 35,1 28,0 24,7 34,8 39,3Doutores 21,4 43,4 40,0 12,1 11,8

    Relao alunos/docente em exerccio 15,3 11,9 13,2 16,9 16,6Vestibular

    Relao inscries/vaga 2,4 10,5 9,1 1,7 1,5

    Quadro 1: Nmeros da educao no Brasil (2003)Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (2005).

  • EccoS Revista Cientfica, So Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.458

    EccoS

    Revista

    Cientfica

    mesmos trs anos, o pas passou a contar com menos dezessete estabelecimentos pblicos de ensino superior (de 209 para 192). O equvoco, portanto, no est na aritmtica.O mesmo estudo mostra que 82,5% (905) das instituies perten-cem iniciativa privada. Se analisarmos os censos dos anos anterio-res, perceberemos que essa porcentagem s aumentou. Esses nme-ros apenas reforam a certeza quanto a um processo que h muito vem sendo notado no pas, a expanso do ensino superior atravs apenas do setor privado. A partir dos anos 1960, com o processo de industrializao pelo qual passava o Brasil, surge a necessidade e o incentivo para o desenvolvimento de novos saberes tcnicos e novas habilitaes profissionais. na produo desse espao da tcnica, cincia e informao que a qualificao da mo-de-obra se torna decisiva e se verifica uma exploso na demanda por ensino superior.As inscries no vestibular passaram de 400.958, em 1971, para 2.193.861, em 1987. S entre as dcadas de 1960 e 1980, o nme-ro de matrculas universitrias aumentou em 1.480%. Mas a ex-panso das vagas no acompanhou o ritmo da procura. Em 1971, existiam, em mdia, 2,09 inscritos no vestibular para cada vaga oferecida, nmero que subiu para 5,21 em 1985.Se a expanso do ensino no conseguiu acompanhar a demanda, esse processo foi ainda mais desigual no ensino pblico. Em 1960, existiam 350 instituies de ensino superior, das quais 247 pbli-cas. Em 1980, o nmero de instituies sobe para 882, mas as p-blicas caem para apenas duzentas, nmero que, em 1999, mesmo com um aumento total de 215 estabelecimentos, diminuiu para 192. O fenmeno no inexplicvel. Na dcada de 1990, com a implantao da poltica neoliberal, o Estado declaradamente se desobriga do ensino superior e transfere a expanso desse para a

  • EccoS Revista Cientfica, So Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.

    Artigos

    459

    iniciativa privada. Em vez da abertura de novas escolas pblicas ou de um aumento considervel de vagas nessas instituies, o que se verifica a abertura indiscriminada de instituies particula-res, premiadas quase sempre com incentivos e apoio na forma de emprstimos feitos pelo Banco Nacional para o Desenvolvimento Social (BNDES). Em vez de ensino gratuito para todos, o governo passa a oferecer aos estudantes o crdito educativo, um financia-mento para as mensalidades a ser devolvido, corrigido e com juros, aps a concluso do curso. A notvel ampliao pela qual passou o sistema de ensino superior brasileiro nos anos 1990 baseada, como demonstrado, nas instituies particulares no chegou, po-rm, nem mesmo a acompanhar a demanda, que teve um aumento ainda mais expressivo.Em 1994, 915 mil estudantes concluram o ensino mdio. Cinco anos depois, esse nmero passou para 1,535 milho, um aumento de 67,8%. No mesmo perodo, o nmero de vagas oferecidas nos vestibulares aumentou 55,7%. Essa desigualdade, somada polti-ca governamental, tornou o ensino superior um mercado promissor que vem despertando interesses empresariais. Das 905 instituies privadas, apenas 348 so consideradas comunitrias ou confessio-nais, o restante, mais que a metade do total das instituies brasi-leiras, pertence a iniciativas empresariais, assumidamente com fins lucrativos. (GIOIELLI; BERTOLUCCI, 2002, p. 17).

    Assim, h um novo sujeito social fazendo parte desse cenrio: os filhos da classe operria e das camadas mdias empobrecidas e cada vez mais prole-tarizadas da populao que, at meados daquela dcada, no tinham acesso ao ensino superior, exceto em casos isolados, muitas vezes nicos. So alunos com renda familiar muito baixa que normalmente trabalham desde muito cedo e com disposio de estudar no perodo noturno no toa que a

  • EccoS Revista Cientfica, So Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.460

    EccoS

    Revista

    Cientfica

    expanso do ensino superior privado se d preferencialmente nesse perodo, como mostram os dados do Inep, aqui reproduzidos. Esse tipo de estudante, que recebe salrios, muitas vezes, irrisrios, tem mdia de idade acima dos 30 anos e desprovido de capital cultural (BOURDIEU, 1998), o principal financiador do ensino superior privado brasileiro.

    Uma excelente apresentao desse processo de empobrecimento do estudante universitrio brasileiro foi produzida, recentemente, pela jornalista Luciana Constantino, no artigo Universitrio brasileiro est mais pobre, em que so divulgados e comentados alguns dados socioeconmicos fornecidos pelo Inep:

    Os alunos de seis cursos de ensino superior, entre eles medicina e odontologia, esto mais pobres e tendo de entrar mais cedo no mercado de trabalho do que os que se formaram em 2002.Esse o resultado da comparao de dados do questionrio so-cioeconmico aplicado aos formandos desses cursos no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) 2004 e no Provo dos dois anos anteriores.No perodo, o nmero de alunos com renda familiar de at dez salrios mnimos subiu de 41,9% para 57,8%. J os de fai-xa de renda mais alta (acima de 20 salrios mnimos) caiu de 27,4% para 19%. A proporo dos que trabalham pelo menos 20 horas semanais passou de 18,8% para 39,2%. Tambm cresceu a faixa dos formandos filhos de pais com esco-laridade at o ensino mdio (diferena de 3,1 pontos percentuais entre 2002 e 2004).Para possibilitar a comparao, o Inep [...] considerou apenas as respostas de alunos das seis reas avaliadas nas ltimas trs provas agronomia, enfermagem, farmcia, medicina, medicina veteri-

  • EccoS Revista Cientfica, So Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.

    Artigos

    461

    nria e odontologia. O resultado inclui matriculados nas redes p-blica e particular.O Enade substitui o Provo desde o ano passado. Foi criado para medir o desempenho dos alunos no novo sistema de avaliao do ensino superior, o Sistema Nacional de Avaliao da Educao Superior (Sinaes) que tambm analisa instituio e curso para chegar ao conceito final.O exame inclui alunos do primeiro e do ltimo ano e teve seu pri-meiro resultado divulgado nessa semana. Como o Provo era feito apenas por formandos, na comparao o Inep usou s os dados dos concluintes no Enade.[Universidade de So Paulo (USP) Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)] no participaram do Enade. Mas, segundo o Inep, isso no influencia o resultado socioeconmico, que colheu dados de 25.351 formandos.Parece no haver dvidas de que comeamos a sentir os efeitos do empobrecimento mdio dos alunos da educao bsica [...], diz o diretor de Estatsticas e Avaliao da Educao Superior do Inep, Dilvo Ristoff. Pelos dados da Pnad, a renda familiar mdia de 9 milhes de alunos do ensino mdio 2,3 vezes menor do que a dos estudantes de graduao matriculados (CONSTANTINO, 2005, p. C7).

    Esse processo de proletarizao dos universitrios um dos temas mais importantes na atualidade da educao brasileira. Nesse debate, no podem ser escamoteados os riscos decorrentes de uma indesejvel massificao do ensino, sem qualidade, meramente preocupada com o lucro e com a dissemi-nao de diplomas universitrios esvaziados de sentido e contedo no interior da vida social. No entanto, tambm desejvel que o nvel de escolaridade e, por conseguinte, cultural da populao cresa substancialmente nos prximos

  • EccoS Revista Cientfica, So Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.462

    EccoS

    Revista

    Cientfica

    anos, trazendo ganhos considerveis qualidade de vida e sociabilidade da maioria dos brasileiros.

    Num significativo nmero de pases latino-americanos, como Argentina, Peru, Venezuela e Uruguai, a expanso do ensino superior se fez com recursos prprios e nas instituies pblicas. Dessa forma, em curts-simo prazo, o Brasil teria de investir maciamente para atingir os nveis de escolaridade alcanados por muitos de nossos vizinhos continentais. Porm, depois de muitos anos de estagnao e conteno dos gastos educacionais, alguns importantes avanos vm sendo registrados nacionalmente. Segundo Schwartzman,

    No simples estimar quanto o Brasil gasta em educao nos di-ferentes nveis e setores, mas importante ter pelo menos uma or-dem de grandeza. Uma estimativa recente, feita por um estudo do Banco Mundial em cooperao com o Ministrio da Educao (THE WORLD BANK, 2002), que o setor pblico gastou no ano 2000 cerca de 5,5% do produto bruto, 63,8 bilhes de reais, em educao. Isso coloca o Brasil em nvel de gastos equivalente ao da Itlia (4,8) Japo (4,8), Mxico (5,5), e acima do Chile (4,3). A isso se pode adicionar cerca de 20 a 30% a ttulo de gastos privados ele-vando o total de gastos em educao a cerca de 6.3% do [produto interno bruto] PIB, ou 38 bilhes de dlares.Os gastos vm aumentando desde 1995, quando era da ordem de 4,6% do PIB. O governo federal responsvel por 18% desse total; os governos estaduais, 44,5%; e os governos municipais, 37,5%. Nos ltimos cinco anos, a participao relativa de estados e muni-cpios vem aumentando, graas implantao, em 1996, do Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorizao do Magistrio (Fundef) , que tornou efetiva a obriga-

  • EccoS Revista Cientfica, So Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.

    Artigos

    463

    toriedade de Estados e Municpios aplicarem 25% de seus recursos em educao.Em 2001, o governo federal gastou cerca de 60% de seus 11 bilhes de reais de recursos de educao com o ensino superior; o restan-te foi quase todo revertido para o ensino mdio e fundamental. (SCHWARTzMAN, 2004, p. 483).

    Alm disso, existe um fator que dificulta ainda mais esse avano. No Brasil, esse processo est sendo dirigido por interesses mercadolgicos, por investimentos associados, muitas vezes, ao lucro fcil de instituies priva-das que, por terem dificuldade em dialogar com os organismos da sociedade civil, devero encontrar obstculos no estabelecimento da necessria e desej-vel credibilidade do setor no sistema educacional brasileiro.

    No entanto, importante reconhecer que, se os padres utilizados na expanso do ensino superior reproduzirem mecanicamente os que orientaram e continuam a orientar as principais universidades brasileiras, as portas de entrada da vida acadmica estaro irremediavelmente fechadas para amplos setores da populao, pois foram as faculdades isoladas, os centros universit-rios e mesmo algumas universidades privadas, comunitrias e confeccionais que acabaram possibilitando o ingresso dos estudantes trabalhadores no coti-diano dessa importante experincia cultural.

    Evidentemente, no apenas a crescente oferta de vagas e os preos acessveis que explicam o interesse, cada vez mais vivo, dos estudantes da classe operria e das demais classes sociais proletarizadas pelo ensino univer-sitrio privado. Ressalte-se que se vem criando, na sociedade, um interesse cada vez maior pelo acesso ao ensino superior. Uma das razes desse interesse se refere ao fato de que a educao comea a ser pensada como um bem real-mente pblico, inalienvel e vital para garantir o sucesso profissional. Nessa perspectiva, mesmo aqueles cidados que se encontram numa idade, digamos, avanada no vem nenhum impedimento em se matricular nos cursos uni-

  • EccoS Revista Cientfica, So Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.464

    EccoS

    Revista

    Cientfica

    versitrios, muitas vezes, inclusive, para resgatar um velho, mas no esquecido projeto juvenil. Apesar de interessante, isso acarreta alguns problemas srios, como a frustrao por no terem respaldo cultural suficiente que lhes d sus-tentao para concretizar seu projeto de vida.

    Nos processos seletivos organizados pelas instituies privadas, em ge-ral, no existe nenhum tipo de dificuldade que possa barrar ou inibir o acesso do estudante ao curso que pretende realizar, o que ocorre seu direcionamen-to para outro, que poder tambm satisfazer seus interesses culturais ou de profissionalizao. Deve-se ressaltar que esse estudante, em sua experincia escolar anterior, muitas vezes, no teve oportunidade de ler um livro, nunca foi estimulado a traduzir, pela escrita, o que pensa ou sente nem a assistir fil-mes de arte e polticos, alm de no ter participado de uma discusso pblica sobre quaisquer temticas socialmente relevantes. Some-se a isso o fato de nunca ter estado num teatro nem freqentado bibliotecas ou exposies. Suas experincias culturais e polticas so extremamente rarefeitas, restringem-se ao que a televiso e o rdio oferecem. So signatrios de uma cultura visual muito forte (OROzCO GOMES, 1997), exercitam a conversao com difi-culdade e sem fundamentao conceitual, menosprezam as discusses tericas e, em seu cotidiano, podemos ver refletidas todas as mazelas de uma precria vida social que o capitalismo produziu historicamente.

    Recentemente, participando de um frum sobre os rumos da univer-sidade americana e europia1, tivemos oportunidade de observar que, princi-palmente a partir da promulgao da Lei 9.394 (BRASIL, 1996) tambm chamada Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educao Nacional vivencia-se um intenso processo de discusses sobre os caminhos e o significado da expe-rincia universitria em nosso pas. Para ns, esses debates produziram e ainda produzem uma profunda e complexa reflexo que no se pode restringir aos limites das decises palacianas e que pressupe uma ampla participao no apenas dos educadores, mas de toda a sociedade, para alertar sobre os riscos

    1 Hacia dnde va la educacin universitaria americana y euro-pea? Historia, temas y proble-mas de la universidad.

  • EccoS Revista Cientfica, So Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.

    Artigos

    465

    da massificao desenfreada e da atroz mercantilizao da educao superior, que esto postos hoje como uma possibilidade real em nosso pas.

    Ao assumir a condio de universidades, imprescindvel que tais instituies produzam uma prxis coerente com suas responsabilidades pe-rante a sociedade, no se deixando seduzir pelos enganosos discursos de uma pretensa liberalizao da educao e de sua mera transformao num produto ou servio qualquer. Assim, partimos do pressuposto de que, mes-mo com todas as limitaes e preocupaes, esse desenvolvimento desigual e combinado, que as universidades brasileiras hoje produzem, pode con-tribuir para a diminuio do apartheid cultural, poltico e econmico que caracteriza perversamente nossa realidade social. Nessa esteira, imperativo reconhecer que a educao, por si s, no capaz de provocar mudanas profundas na estrutura social existente. Sabe-se que esse tipo postura cons-titui ingenuidade. No entanto, no podemos ignorar a relevncia social e cultural das instituies educativas e o seu papel na produo do conheci-mento e na descoberta dos contextos especficos que possam colaborar para a construo da identidade social.

    3 Consideraes finais

    O sistema de ensino universitrio vigente no Brasil est muito longe de se desenvolver de forma homognea ou harmoniosa, pois suas contradi-es e antagonismos tm fontes complexas e diferenciadas. Ele produto de uma amlgama de relaes sociais, econmicas, polticas e culturais, o que dificulta sua unidade. Algumas de suas contradies, por sua vez, podem ser entendidas pelas promessas que se fizeram a seu respeito como produtora de conhecimento, estimuladora de pesquisas, do pensamento filosfico, do saber histrico, patrocinadora de relaes de extenso com a sociedade, po-litizadora de questes sociais, culturais, econmicas e formadora da inteli-

  • EccoS Revista Cientfica, So Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.466

    EccoS

    Revista

    Cientfica

    gncia nacional, instituio comprometida na luta contra o obscurantismo, a pobreza, a violncia etc. Como se pode perceber, sua reputao mais do que justificvel, mas sua abrangncia social sempre foi modesta, para no dizer reduzidssima.

    A forma pela qual a universidade se estruturou e se desenvolveu exem-plifica muito bem um sem-nmero de problemas decorrentes do desenvol-vimento histrico do capitalismo nas sociedades dependentes ou perifricas do seu sistema. Outrora reduto das elites polticas, econmicas, religiosas, militares e culturais do pas, num tempo no to distante das camadas, m-dia e pequena, aburguesadas da populao, o sistema universitrio abriga, agora, os representantes da classe operria e outros trabalhadores no Brasil. Para ns, que estamos no olho do furaco, que vivemos o boom do ensino superior privado, esse fenmeno no pode representar um processo de aban-dono fsico, de descaso com os investimentos, cortes no oramento, desres-peito aos estudantes e o pior a decadncia educacional e o desprestgio da profisso docente.

    Questes como essas nos parecem extremamente pertinentes, princi-palmente quando, num momento como esse, a expanso do ensino superior se faz de forma extremamente acelerada. Assim, precisamos nos posicionar no interior da esfera pblica, dos organismos da sociedade civil e poltica, no mbito das instituies do Estado pelo fortalecimento da instituio universitria.

    Necessrio se faz impulsionar a criao de mecanismos institucionais, por meio de slidas polticas de Estado, que no permitam seja a manuteno das mensalidades em dia, em algumas universidades privadas, o nico requi-sito para chegar ao fim do curso e receber o diploma, pois, nesse caso, no h desenvolvimento de processos educativos, e sim a compra e venda compuls-ria dos diplomas.

    Evidentemente, no se pode pensar num nico modelo de institui-es universitrias no Brasil, mas todas elas precisam, claramente, assumir

  • EccoS Revista Cientfica, So Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.

    Artigos

    467

    compromissos com a qualidade de ensino, a formao humana e cultural, alm de cultivar um profundo respeito pela comunidade acadmica que nelas se constitui e se desenvolve. Exatamente porque as IESs trazem um trao fundamental, no dizer do professor Franklin Leopoldo e Silva, isso no outra coisa seno [...] liberdade da reflexo como critrio tico da liberdade da ao conseqente [...] (SILVA, apud BAUER; JARDILINO, 2006, p. 582).

    Esse cenrio de proletarizao do ensino superior tambm torna agudo o compromisso que deve existir entre essas instituies, a realidade histrico-social e, conseqentemente, sua permanente integrao com os demais nveis educacionais.

    Nesse sentido, a adoo de polticas de Estado hoje um imperativo de-cisivo na luta por constituir a universidade brasileira, a mdio e longo prazo, e para alm das polmicas diferenas entre o pblico e o privado, num centro ativo de qualidade do ensino, pesquisas cientficas, de investigaes tcnicas, de atividades filosficas, literrias e artsticas, de estudos desinteressados de toda sorte, a fim de torn-la

    [...] o mais alto centro de expresso de nossa cultura intelectu-al; ela deve ser freqentada por estudantes de todo o pas e no apenas da capital; e por fim, deveria constituir-se no mais sli-do reduto onde pudessem ser guardadas as tradies, firmados os princpios e diretrizes que assegurassem nao brasileira a continuidade, o progresso, o equilbrio e a liberdade. (FVERO, 1980, p. 56).

    Esses princpios parecem-nos atuais e articulados com a necessria so-lidariedade e desinteressada colaborao internacional que devem vicejar na cotidianidade do ensino superior brasileiro; por isso, precisam ser defendidos, principalmente na etapa histrica de sua expanso.

  • EccoS Revista Cientfica, So Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.468

    EccoS

    Revista

    Cientfica

    Referncias

    ADRIO, T.; PERONI, V. Entre o pblico e o privado na educao: interfaces entre o Estado e a sociedade. 1. ed. So Paulo: Xam, 2005.

    ALMEIDA, C. R. S. O braso e o logotipo: um estudo das novas universidades na cidade de So Paulo. 1. ed. Petrpolis: Vozes, 2001.

    BAUER, C. B. de; JARDILINO, J. R. L.; Contribuies para uma histria da universidade no Brasil. In: LAFUENTE GUANTES, M. I. Hacia donde v la educacin universitria en Amrica y Europa? Historia, temas y problemas de la universidad. 1. ed. Leon: Secretariado de Publicaciones Universidad de Len, 2006. v. 1, p. 577-584.

    BOURDIEU, P. Os trs estados do capital cultural. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. M. (Org.). Escritos de educao. 3. ed. Petrpolis: Vozes, 1998.

    the expanSion poliCy of the higher eduCation: the laBorer ClaSS goeS to the campus

    This article means to discuss and to opine about some elements that are part of the Brazilian crisis of high graduate studies. Specially direct our attention its process of great expansion and proletariaza-tion that is produced in its inside. The historical and social origins are analyzed by the elitism process of the high education and are recognized the political mechanisms which sent to the private ini-tiative the responsibility for the responsibility for the expansion of this kind of education in the country. Its also important for us to point the risks of the mass production, the poverty of the teaching work and the challenges that are placed with the arrival of this un-usual character in the Brazilian high education scene: the children of the laboring class.Key words: Social history of the high education. Proletarization. Effects of mass media.

  • EccoS Revista Cientfica, So Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.

    Artigos

    469

    BRASIL. Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educao nacional. Braslia: 1996c. Disponvel em: . Acesso em: 18 ago. 2006.

    BUFFA, E. Ideologias em conflito: escola pblica e escola privada. 1. ed. So Paulo: Cortez & Moraes, 1979.

    CASTRO, M. H. G. de. et al. Os desafios da expanso do ensino superior. In: FRUM NACIONAL: ENSINO SUPERIOR PARTICULAR BRASILEIRO, 3., Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Consultor, 2002.

    CONSTANTINO, L. Universitrio brasileiro est mais pobre. Folha de So Paulo, So Paulo, p. C7, 7 maio 2005.

    CURY, C. R. J. Ideologia e educao brasileira: catlicos e liberais. 1930-1935. 1. ed. So Paulo: Cortez & Autores Associados, 1978.

    DIAS SOBRINHO, J. Educao Superior: flexibilizao e regulao ou avaliao e sentido pblico. In: DOURADO, L. F., CATANI, A. M; OLIVEIRA, J. F. (Org.). Polticas e gesto da educao superior: transformaes recentes e debates atuais. 1. ed. So Paulo: Xam, 2003.

    FVERO, M. de L. de A. Universidade e poder: anlise crtica/fundamentos histricos: 1930-1945. 1. ed. Rio de Janeiro: Achiam, 1980.

    FUNDAO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios. Rio de Janeiro: IBGE, 2004.

    GIOIELLI, R.; BERTOLUCCI, J. Quando o ensino uma mercadoria: proliferam escolas em que o lucro mais importante que a educao. Caros Amigos, Especial Universidade no Espelho, So Paulo, ano 5, n. 56, 2002. Disponvel em: . Acesso em: 7 out. 2006.

    INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANSIO TEIXEIRA. Nmeros da educao no Brasil 2003. Braslia: Inep, 2005.

    LEHER, R. Tempo, autonomia, sociedade civil e esfera pblica: uma introduo ao debate a propsito dos novos movimentos sociais na educao. In: GENTILI, P.; FRIGOTO, G. (Org.). La ciudadana negada. Polticas de exclusin en la educacin y el trabajo. 1. ed. Buenos Aires: Clacso, 2001.

  • EccoS Revista Cientfica, So Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.470

    EccoS

    Revista

    Cientfica

    OLIVEIRA, R. P. de. Educao pblica e privada na Constituio Federal de 1988. In: ADRIO, T.; PERONI, V. Entre o pblico e o privado na educao: interfaces entre o Estado e a sociedade. 1. ed. So Paulo: Xam, 2005.

    OROzCO GOMEz, G. Professores e meios de comunicao: desafios, esteretipos. Comunicao & Educao, So Paulo, n. 10, p. 57-68, 1997.

    PERONI, V. Poltica educacional e papel do Estado no Brasil dos anos 1990. So Paulo: 1. ed. Xam, 2003.

    RISTOFF, D. I. Avaliao da educao superior: flexibilizao e regulao. In: DOURADO, L. F.; CATANI, A. M.; OLIVEIRA, J. F. (Org.). Polticas e gesto da educao superior: transformaes recentes e debates atuais. 1. ed. So Paulo: Xam, 2003.

    SAMPAIO, H. O ensino superior no Brasil: o setor privado. 1. ed. So Paulo? Fapesp/Hucitec, 2000.

    SAVIANI, D. Ensino pblico e algumas falas sobre universidade. 1. ed. So Paulo: Cortez & Autores Associados, 1984.

    SCHWARTzMAN, S. Educao: a nova gerao de reformas. In: GIAMBIAGI, F.; REIS, J. G.; UROMI, A. (Org.). Reformas no Brasil: balano e agenda. 1. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.

    SIMES, P. H. B. Proletarizao do ensino superior: crise ou soluo? Revista Contexto Radial, So Paulo, n. 6, 2006.

    Recebido em 7 out. 2006 / aprovado em 19 dez. 2006.

    Para referenciar este textoBAUER, C. Poltica de expanso do ensino superior: a classe operria vai ao campus. EccoS, So Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.