A Grande Espera de Eurípedes

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História do Essênios à época de Jesus

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A GRANDE ESPERA

CORINA NOVELINOEURIPEDES BARSANULFO (ESPI'

RITO)

MOMENTOS HISTRICOS DOS ESSNIOS E DO CRISTIANISMO DO SCULO I

Capa:Cludio de Oliveira Santos

Notas:Hrcio Marcos C. Arantes

1991, Instituto de Difuso Esprita

511 edio - 3511 ao 43 milheiro - junho/1996

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INSTITU'l'O DE DIRJSO ESPRITA Av. Otto Barreto, 1067- Caixa Postal110Fone: (0195) 41-0077 - CEP 13600-970 - AratasEstado de So Paulo - BrasilC.G.C. (MF) 44.220.101/0001-43Inscrio Estadual 182.010.405.118

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NDICE

Palavras Nossas ...... ........ ....................... .. ........ ...... ......... ..13

1 - Uma famlia patrcia na Samaria .................. ............... .17 2 - As primeiras sombras ............ ............. ............ ........... ..22 3 - Sombras e luzes... 284 - Rumos novo.s ........................... .................................... .315 - A viagem ....... ..................................... ......... ................ . 366 - Novas surpresas ..................... ........... ......................... 43

497 -A grande revelao ............... ......... ......... ................... ..8 - O ancio do Mar Morto ................................................549 - A Histria de Jlia ...................................... ..................60

671 O Inquietaes e jbilos .................... ............... .............. ..11 - Novas esperanas ................ .............. ........... ............. .72

788512 - No povoado essnio ................... ................... ...............13 - Carinhosa recepo ............................................... ......14-A Palavra de Lisandro .............. ... .......... ..................... .9215 - Encontro jubiloso ....................... ................. ................. ..16 - O primeiro dia no povoado .. ....... .... .. ... ......... .. .... .... ... . .. 1 0217 - A grande mensagem .... ................. ... . ..... .......... ............ 11 O18 - Orao matinal ..... ........ ... ... . .. .. ....... ... . .................... ... ... 117 19- A primeira lio de astronomia .......... ........................... 12220- Em tarefas teraputicas ..... ..... ..... ............................ .... 131

21 - Lgrimas e sorriso.. . ... ... ...... . ... ...... .. .......... ... .... . ... .. .. ... 138 22 - Claridades novas ... ... . . . .... .... . ... . . .... .. . . .. .. .... ... . ........... . .. 144 23 - O regresso de Marcos . .. . ... . ........... . .. . . . ... . ..... . .......... . ... 15124 - As tarefas novas .... .. .. . .. .................... . .. ......... . ........ . .. .. . 15525 - Espinhos e flores no jardim da esperana ...... . .......... . .. 16026 - O primeiro testemunho .. . ...... .. .. . . . . . . . . . .. ...... . ....... . ... ..... . 16527 -Imprevistos ....... .............. .... . .. ........... .. .. .. .... . .... . . . ........ 171 28 - Lutas abenoadas ..... . .... . . . ................ .. .. ... ................... 17529 - Divagaes na dor . ....... . .................... ... .. . ...... ......... . .... 181 30 - Encontro inesperado .... .. . . ..... . .............. ............. . . . ........ 18631 - A caminhada inesquecvel .... ............... .. .. . ........ . .......... 19232 - Luzes no caminho . .... . ................ . . . . . . . .. .. ..... . ... ...... .. . . ... . 196 33 - Coraes em prova ............. . . .... ... .. .. . ............ . . . .. ... .. .. .. 20034 - Eterno dilema ............ ............ .. . .. . ................ ........ . . ... ... 20635 - Acontecimentos singulares ...... . .... . .............. .......... . ..... 212

.36 - A responsabilidade do amor ....... . ...... . ............. .. ........... 218 37 - Novas Diretrizes ...... . ............. . .... . .. ........... . ...... .. .. ... . .... 22438 - Rotas de luz .. ... ... . . .... .... ..... . .. ... . . .. . .. . ... ..... ....... ... . ...... .. 23039 - Planos ................... ............. .......................... ............... 23540 - Esperanas e lgrimas ...... ............................. . ............ 23941 - Meditaes e certezas novas ............. .. .. .......... .. .......... 24542 - Em Laquis . ................ .. ......................... ... ......... . .. . .. . ...... 25243 - Oportunidades ... . ..... . .. . . ...... . .. ... .... .. .... ... .... ... . . .. . . . .. .. . ... 25944 - Problemas e expectativas .. .. .. .. ... .. . . . ........ ... .. ..... .. .. .... .. 26745 - Os primeiros passos em Jerusalm . . ......... . . . . ...... .. ... . . . 27246 - O Templo o 27847 - Jbilos .... o o . . . . . . . . . . . . . . . o o o o 28548 - Visita o o . o o o. o o o o . o o o o o o . o o o o o o o o o. o . o 29149 - Surpresas da viagem . .. .. . . . . ... . . . . .... .......... . ... .. ... .. ..... .. ... 29650 - No Santurio do Carmelo ... . ... .. . ........... .. . . . ...... ...... . . ..... 30451 - O testem unho supremo ...................... .. . ... ....... . ..... .. .... 309

Notas * o o o . o .. .. .. .. .. 325

(1 A numerao colocada margem esquerda do texto corresponde s notas que aparecem ao final deste volume.

PALAVRAS NOSSAS

Em outubro de 1955, . quando iniciamos nosso segundo livro medinico, tnhamos ao lado, no Lar de Eurpedes, em Sacramento, MG, extraordinria equipe de sustentao, cons tituda pelas inesquecveis Tia Amlia e Maria da Cruz, que nos ofereciam reconfortante circuito de implementas propiciadores de singular integrao espiritual.

O seNio iniciante produzia em nosso reduzido crculo um clima de paz, de jbilos e de certa curiosidade pelo desenvolvi mento do tema, que se nos afigurava como os desenhos delicados de uma obra de lavor valioso, levando-nos a considerar a respon sabilidade do trabalho.

Tia Amlia - mdium clarividente de respeitvel bagagem -mostrava-se encabulada por no perceber a Entidade comunicante a no ser pela alva mo sobre o meu brao direito.

Nosso querido Francisco Cndido Xavier, ento domicilia do em Pedro Leopoldo, escrevia-nos com freqncia, no devota do empenho de conduzir-nos os vacilantes passos de mdium incipiente, aos roteiros da disciplina. At o iluminado Guia Emmanuel, caridosamente, empenhou-se, espontaneamente, atra-vs do seu mdium, em nosso favor, com orientaes incentiva-doras.

Dessa forma, dois meses aps a recepo do primeiro captulo do livro, eis que o abenoado mdium de Pedro Leopoldo nos remete uma carta, anunciando que Emmanuel lhe comuni cara que Eurpedes estava ditando um livro por nosso intermdio.

Ante o inesperado da notcia, pusemo-nos a chorar de alegria, sentindo a responsabilidade do compromisso assumido.

Decorriam os meses. Cada vez nos sentamos mais empolgadas . pelo trabalho. Quando surgiram as primeiras pginas, em que se relacionavam as estruturas sociais e educa tivas da vida essnia, no sul da Judia, o assunto era completamente estranho ao pequeno crculo e de tal sorte envolvamo-nos na projeo mental do Autor Espiritual que as paisagens, os locais,as pessoas, tudo, tornara-se-nos extremamente familiar.

As montanhas, o mar, o povoado essnio apareciam aos olhos de todas ns como elementos j conhecidos.

Tia Amlia habituara-se a solicitar-nos, todas as vezes que concluamos os trabalhos medinicos da noite: "No leia o captulo, antes que eu descreva os quadros e cenas que me foram mostrados."

As descries de Tia Amlia coincidiam de modo perfeito com as narrativas recebidas por ns.

Fran cisco Cndido Xavier, aps a leitura da primeira parte do livro, afirmou-nos que Eurpedes aparece nestas pginas encarnado num de seus personagens.

A obra foi concluda em 16 de dezembro de 1 956. Entrega-

mo-la em 1970 experincia do notvel escritor e publicista espritaWallace Leal Rodrigues, que no-la devolveu em 1 974 sem as correes, que lhe solicitamos. Assinalou o ilustre confrade, em carta, que o livro deveria ser divulgado como estava, sem modificaes sofisticadoras, capazes de alterar-lhe a singeleza do estilo, vazado em termos didticos facilmente assimilvel a todas as idades, a comear pelas faixas etrias infanta-juvenis.

Evidencia Wallace L. Rodrigues que o livro contm a verdade, por isso tambm deve ser publicado.

Desse modo, entregamos A GRANDE ESPERA a voc, leitor amigo, esperando em Jesus, venha o livro oferecer modes tas sugestes ao seu bom nimo, na jornada santificante do Bem.

Sacramento, janeiro de 1977.

Corina Novelino

1- UMA FAMLIA PATRCIA NA SAMARIA

Aos poucos, Sebaste tornara-se o centro de atrao dos estrangeiros radicados no sul, norte e no centro da Palestina, em razo das excelentes condies de segurana criadas por He rodes, o Grande, que a dotou de imponentes edifcios e de ex-. tensas muralhas, tornando-a uma das maiores cidades do mundo.

A reconstruo da cidade destruda por Hircano valera grande fama ao Tetrarca, que j havia construdo a fortaleza Antnia, perto do Templo de Jerusalm.

Alm de construir um castelo em Gabara e outro na Peria fez levantar outro forte no local denominado Campo.

Todo o poderio do rei buscava uma meta central: proporcio nar as possveis medidas de segurana para suas provncias a fim de evitar quaisquer movimentos de rebeldia popular.

Sebaste nova era bem o espelho desse pensamento dominante do governo de Herodes, que aumentou o permetro da cidade, fortificou-a com muralhas e ergueu a majestosa Torre de Estrato. No centro construiu espaosa praa, onde levantou um templo soberbo.

A antiga Samaria revestira-se de opulncia no brilho de seus mrmores, graas ao carter de fora e beleza que o rei lhe imprimira, de vez que Herodes a considerava como monu mento da grandeza e da magnificncia a alimentar suas ambiciosas pretenses, no obsessivo desiderato de imortalizar seu nome, atravs dos sculos.

Desse modo, Sebaste robusteceu-se com bem organizado contingente de tropas estrangeiras e das provncias vizinhas.

A habilidade do soberano levara-o a dividir asfrteis terras da vizinhana com os habitantes de Sebaste a fim de povo la rapidamente.

Situada numa colina, a cidade oferecia opulentos quadros panormicos, aliados excelncia do clima.

Tantas razes levaram Copnio, alto mandatrio romano na Judia, a eleger Sebaste como domiclio ideal para seus filhos de oito e onze anos, respectivamente, enquanto ele permanecia grande parte do tempo em Jerusalm, no cuidado das atividades atinentes ao governo da provncia.

A bela residncia do Copnio erguia-se na parte sul da cidade. Imponente moldura frontal, ostentando arbustos ornamentais, enriquecia o quadro, que a construo de acentuadas caractersticas romanas oferecia.

Grande ptio, marginado por magnficas palmeiras, quase todo o ano em frutescncia, estendia-se a perder de vista.

Ali, divertiam-se os filhos queridos de Copnio, numa das manhs clidas de Sebaste.

O menor detinha traos remotos dos romanos do norte da

Pennsula, sem as marcas de severidade e dureza, caractersticas da raa.

O outro apresentava no rosto claro e expressivo, a vivacidade turbulenta de seu povo.

Diferentes no temperamento, mostravam sutis traos de dessemelhana no conjunto fisionmico.

Havia uma hora que os meninos brincavam na alameda saudvel e pitoresca, ensombrada ao sol matinal, sob a vigilncia carinhosa de um servo.

O mais novo estacara de repente, cansado da recreao numa das bigas, que o pai lhes brindara, visando iniciar os filhos em exerccios, que os levariam aos jogos futuros da famlia.

Pensativo, afastara-se recusando o folguedo, que o irmo mais velho amava com entusiasmo..Sem sair de sua biga, este adverte ao pequeno, com maus modos:

,-Es um moleiro, Marcos! Alguns momentos de jogo

bastam para pr-te fora de combate. Imagino s que grande guerretro sera' sf....- No serei guerreiro, Glauco. No quero matar ningum! As palavras de Marcos soaram como uma chibatada aosouvidos do irmo, que redarguiu:

- No queres, ? Acaso possuis algum privilgio maior que os meus? Achas que podes contrariar os princpios de nosso pai?

-Papai, bom como , ser o primeiro a no permitir quelevemos a morte a semelhantes nossos! - retorquiu o menino triste, com os olhos perdidos nas colinas prximas.

- Como s ignorante, meu irmo! Pois saibas que papai j decidiu sobre nosso futuro. Seremos legionrios de Csar, como convm a romanos bem nascidos como ns.

As expresses de Glauco bem lhe refletiam a vaidade precoce, incrementada de orgulho pela linhagem nobre.

Marcos, porm, j com os olhos derramando lgrimas incontidas, conclui com ingnua firmeza:

-Falarei com papai. Recuso-me a participar de lutas, nos campos de batalhas...

.-Alm de tudo,s covarde... Tens medo luta,foges. .aos mtmtgos'....

No tenho inimigos! -reage o doce menino.Como no? Os inimigos de Csar so nossos tambm! No compreendo tal disparate. Deves estar enganado,Glauco!

A conversa teria prosseguido se inopinado rumor, vindo da rua, no houvesse despertado a ateno dos irmos, que atravessaram a vasta rea recoberta de mosaicos raros, acorrendo ao largo porto, artisticamente trabalhado em alabas tro.

Na via, algumas dezenas de filas de homens ainda jovens,mas profundamente abatidos, arrastavam carretas cheias de material blico, frente de garbosos legionrios.

Mulheres e crianas participavam do estranho grupo, exibindo chagas ntimas nos rostos carregados da poeira- quem sabe de longos caminhos.

Glauco apercebeu-se logo da ocorrncia e tratou, maldosamente, de pr o irmozinho a par dos fatos.

Lembrava-se ele de recentes informaes paternas a respeito de importante expedio romana aos pases do norte do Mar Grande, quase fronteiros Antioquia, que deveria passar por Sebaste.

Aps a explicao em pormenores enfticos, Glauco assinala com ares de triunfo:

- Vs, Marcos? A tens escravos, criaturas vencidas nos combates com os nossos. Seno mudarestuasidias absurdas, sers um desses infelizes em futuro prximo! .

Marcos afastara-se at imponente soleira do palcio paterno, onde se sentou, profundamente abatido.

No lhe saa da mente o triste cortejo de seres humanos que marchavam para incerto destino. Meditava na estranheza de semelhante tratamento a criaturas, certamente dotadas da faculdade de amar e sofrer. Para ele todas eram iguais. Todas as crianas brincavam em jardins bonitos e participavam de suculentos banquetes dirios. Todas vestiam linho fino.

Agora, porm, mostravam-lhe um mundo novo, onde se viam crianas maltrapilhas e abatidas, trazidas pelos braos cansados de jovens mes, envelhecidas prematuramente.

Nesse mundo diferente, apareciam-lhe homens moos e j trpegos, marcados por feridas sangrentas e pela fome.

Como podia ser aquilo?

E como no pudesse entender os ngulos novos da vida, que lhe surgiam de inopino ante o corao sensvel, Marcos aproximou-se do porto novamente, apoiando as mozinhas leves e brancas no gradil brilhante, num gesto de dolorido des mmo.

sas.

Dos olhos claros e suaves, brotaram-lhe lgrimas silencio-

O palcio de Copnio envolvera-se em longa e sinuosa

nuvem invisvel a olhos comuns, naquela hora matinal batida de sol.

Era enorme interrogao, que se projetava do coraozinho alanceado do menino, lanando-se no espao vazio!

Por qu? Por que tantas dores neste mundo to lindo?

2 AS PRIME IRAS SOMBRAS

Algumas semanas decorreram aps os acontecimentos narrados anteriormente.

O ptio da casa senhorial de Copnio achava-se deserto etriste.

L dentro, lgubre aspecto dominava tudo e todos. Escravos iam e vinham, cabisbaixos e melanclicos.

Em dado momento, sara uma jovem de rico aposento, que compunha o crculo de quartos e salas, que circundavam o salo principal, caprichosamente ornamentado por imponentes colu nas dricas, encimadas por capitis artsticos.

Era Ruth, escrava trazida da ldumia, desde a infncia arrancada ao carinho dos pais.

A moa, muito bela, ostentava cabelos negros, presos por tranas, cadas graciosamente aos ombros. Traos delicados sublinhavam-lhe as faces morenas.

Ruth tinhaos olhos negros midos e o rosto entumescido, atestando-lhe a presena de lgrimas recentes.

Mira, escrava judia, j madura, aproximou-se, indagando com ansiedade:

-Nosso menino melhorou?

Um gesto negativo da linda cabea de bano fora a resposta melanclica e desesperanada.

A companheira assevera, chorando em desespero:

- Que se h de fazer para o restabelecimento da sade de nosso anjinho? Os melhores mdicosforam convocados parav. lo e se revezam cabeceirado menino, h trs longas semanas...

Ruth aduziu, com profundo acento:

- Nosso amado Marcos caiu de cama desde aquela ma nh fatdica, quando soldados do Imprio entraram na cidade, escoltando a ltima leva de escravos. O menino deixara se abater, impressionado com o quadro cruel, novo para a sua sensibilidade delicada.

- O fato surpreendeu dolorosamente o corao generoso de nosso menino - confirmou Mira.

- Aqui tomam-se medidas de prudncia no tratamento aos escravos a fim de no ferir a alma de Marcos. Ordens de nosso amo, que atende assim, preocupao de ver o filho sempre alegre.

- O que no deixa de ser uma grande virtude de Copnio, seno a nica... - intervm Mira, reticenciosa.

A verdade que pessoa alguma reconheceria no homem

ambicioso e prepotente, o pai carinhoso e amigo, que se tornava prdigo ao lado dos filhos. No lar de Sebaste desaparecia o usurpador inescrupufoso de Jerusalm.

Aps aflitiva pausa, Ruth retoma o fio das confidncias inquietadoras:

- Quando o menino caiu enfermo, disse ao pai que dese java morrer. Preferia sair do mundo a ter um dia de matar alguma pessoa. . . O coitadinho pensa que ser obrigado a tornar-se guerreiro, conquistador de povos e terras, como o pai...

- Como belo o corao de nosso amado Marcos! - atalhou Mira, a soluar, enquanto Ruth retomava o caminho do aposento do enfermo.

O quarto muito amplo, forrado de suntuosos tapetes vermelhos, o teta decorado de motivos florais de grande efeito.

Copnio achava-se ao lado do filho, assoando-se ruidosamente para disfarar a emoo penosa.

Homem quase maduro, de traos predominantemente romanos, trazia vistoso manto prpura com motivos bordados a ouro, sobressaindo-se sinetes representativos de muitas vit rias, alcanadas em inmeras campanhas.

Mesmo naquele momento de apreenses pungitivas, o orgulhoso mandatrio no se dispusera a abandonar a aparatosa indumentria oficial, smbolo do alto cargo que ocupava.

Num dos ngulos mais afastados do aposento, Glauco observava o irmozinho enfermo. O rosto calmo no lhe revelava emoes ntimas. A verdade que o filho mais velho de Copnio nunca fora apegado ao mano, a quem no perdoava o precoce instinto de covardia...

O procurador tomou as mozinhas frias do filho e pediu aflitivamente:

-Que queres, meu filho? Tudo farei por devolver-te a sade! Vamos, dize sem receio...

Os olhos tristonhos de Marcos levantaram-se para o genitor e a boca se lhe abriu para estranho pedido:

.-Pai, se queres que eu viva, manda teus escravos de voltaa seus lares e consente que todos os meninos da cidade sejam...1gua1sa m1m...

-Impossvel, filho -disse Copnio, vacilante entre a tentao de mentir e o horror de perder o grande tesouro de suavida.

-Por que, pai?

- Isso que me pedes impraticvel, meu filho. Os escra- vos desta casa pertencem ao Imprio Romano, portanto...

- Escolhe, paizinho. O Imprio Romano ou teu filho.,. Jamais viveremos em alegria se tiver junto a mim criaturas infelizes.

Os olhos assombrados daquele homem forte, iam do filho amado _s paredes recamadas de signos herldicos, evocadores de sua alta descendncia.

No crebro, rodopiavam-lhe tremendos conflitos. Libertar escravos era to desonroso para um romano como sair-se vencido de uma refrega.

Mas, perder o filho idolatrado era exigncia superior s suas foras...

- Que resolves, pai? -a voz dbil de Marcos ressoava aos ouvidos do genitor como terrvel sentena.

Copnio jamais enfrentara situao to difcil. As lutas mais rduas tivera na vitoriosa jornada pelos campos inimigos. Em todas houvera-se com extraordinria coragem. Agora, porm, achava-se frente a uma encruzilhada terrvel. Foroso escolher um roteiro. Que caminho escolher'?

A mente de Copnio trabalhava numverdadeiro tumulto, avolumando-se-lhe o inquietante dilema.

O enfermo cerrara os olhos fatigados pelo esforo. Mais parecia um serafim do que um ser humano, na contemplao dolorida de Ruth.

O procurador tocou enternecidamente o rosto do pequeno com a ponta do dedo. Impresso angustiosa tomou-lhe o ntimo. Pareceu-lhe sentir o menino sem vida.

E aquele homem, que nunca chorara, prostrou-se de joelhos cabeceira de Marcos, em soluos convulsivos, rogando ansiosamente:

-No te vs, meu filho! No deixes teu pai!

O aposento guardava as sombras da angstia, que tomava todos os coraes, ali reunidos em dolorosa expectativa.

Mira penetrara o quarto, como que atrada pela dor pungitiva do amo e de Ruth.

Completava-se, assim, o quadro das criaturas a quem o menino mais amava, junto de seu leito de dor.

Erguera-se Copnio de inopino e agitando os braos musculosos no espao vazio, bradou, dramtico:

-Glauco! Ruth! Mira! No posso mais!

E acercando-se de novo do filho enfermo, sussurrou-lhe, quase brandamente:

Em nome dos deuses, farei tua vontade, meu filho!

Cumprira-se a promessa.

No dia seguinte, antes do Sol ressurgir nas colinas verdes

de Sebaste, os escravos da casa de Copnio foram recon duzidos s fronteiras dos respectivos pases, como simples peregrinos ou aventureiros.

O procurador incumbira a Vanius, capito da guarda palaciana, elemento de sua inteira confiana, da execuo da delicada tarefa.

Os olhos de Marcos voltaram a brilhar e as cores da sade vieram-lhe ao rostinho delicado.

Profundas alegrias perfumaram o corao do bravo Co-

Apomo.

Mas a velha casa patrcia encontrava-se abalada nas suas

bases e comprometidas a fortuna e a reputao do preposto deOtvio, nas terras da Judia...

Era o incio de uma longa estrada de dores.

3 - SOMBRAS E LUZES...

Dois anos se passaram daquele acontecimento sem precedentes.

Uma pessoa na casa senhorial de Copnio no se conforma-va com a situao, que se anunciavacrtica para a famlia patrcia.

Era Glauco que, j agora, um adolescente, na faixa dostreze anos, compreendia bem o aflitivo estado de coisas a que o "capricho" de um toleiro como Marcos, colocara a todos.

Estava certo de que a qualquer momento a notcia da absurdaalforria de quase duas centenas de escravos, chegaria ao conhecimento do imperador. Da, seria fcil prever-se as conseqncias. O pior- refletia Glauco- que o pai, sempre to seguro de si mesmo, no saa de junto de Marcos, parecendo nem ligar importncia devida ao caso.

Naquela manh sorridente e luminosa de vero, a encanta dora Ruth cantarolava suave melodia da terra natal. A moa recusara-se, juntamente a Mira, a acompanhar os conterrneos felizes, no regresso ptria.

Ficara to somente por Marcos, a quem se afeioara, como verdadeira me desde a primeira infncia do menino, quando sua genitora havia deixado o mundo para sempre.

Ruth evocava insistentemente a figura formosa da jovem patrcia, to cedo afastada do convvio dos familiares queridos, pela vontade dos deuses - como dizia o esposo.

Glauco, irreverente e impulsivo, no simpatizava com aquela moa que, segundo suas conjeturas injuriosas, andava a pr "coisas" nos miolos ingnuos de Marcos.

. A moa conversava horas a fio com o menino - pensava Gl'auco - e naturalmente lhe inculcava as lendas da ldumia, contendo relatos das crueldades dos invasores herodianos e peninsulares que, no contentes em saquear casas, matar velhos e desrespeitar mulheres, ainda traziam prisioneiros os vencidos aproveitveis para o trabalho mais pesado, sendo que os mais cultos eram atirados aos labores da educao dos odiados algozes...

Esses pensamentos passavam, como redemoinhos satnicos, pela cabea do rapazinho, quando seus olhos deram com Ruth a alguns passos adiante, ultimando a limpeza de riqussimos adornos militares, que se alinhavam na majestosa sala circular, ornamentada de colunas.

- Ruth, queres fazer-me o favor de interromper essa montona cantilena? No suporto esses guinchos que bem lembram os idumeus porcos de tua terra!

A dureza das expresses de Glauco chocaram rudemente o corao da pobre moa, que se calara sem uma palavra.

Procedia sempre assim, frente s exigncias descabidas

do menino, receando que alguma palavra imprudente oferecesse margem a que o rapazinho levasse ao genitor a sugesto para o afastamento dela de junto de Marcos. E por nada, neste mundo, desejava interromper as alegrias que a presena do menino lhe proporcionava alma abnegada.

O corao sensvel da jovem, no entanto, ressentia-se com aquele tratamento rude de todos os dias.

Mas a presena querida de Marcos, sua carinhosa solicitude, emprestava Ruth extraordinria resistncia. A vida continuava para ela cheia daquelas intermitncias de sombras eluzes.

Essas reflexes acompanhavam-lhe o ritmo dos passinhosapressados, em busca do menino, que ficara no jardim para distrair-se e banhar-se aos raios vitalizantes do sol matutino.oJ ia a moa atravessando os largos umbrais, quando a voz irritada de Glauco a fez deter-se, assustada:

- Onde vais, idiota? Probo-te de encheres a cabea zonza de Marcos com tuas baboseiras! Procura ocupao decente para tuas mos desocupadas e inteis!

A moa retrocedeu, soluando baixinho e tomou o rumo do interior palaciano.

Glauco sorriu, malevolamente satisfeito.

L fora, Marcos sentira o corao alanceado por inespe rado dardo, cuja fora pungitiva, arrancava-lhe lgrimas quentes dos belos olhos claros.

Era a dor secreta de Ruth, que vinha ao encontro do doce corao do menino...

4 - RUMOS NOVOS

A manh estava coberta de luzes. A claridade uniforme do sol envolvia a natureza inteira. Tudo parecia sorrir ao Astro da Vida, endereando-lhe um Bom Da tecido de gratido e entu-.s1asmo.

As rvores das colinas, que circundavam Sebaste, pare ciam mais verdes e esplendorosas que nunca. O casario de linhas arquitetnicas nitidamente romanas e os monumentos de mrmore reluzentes da bela cidade, preferida do grande Herodes, recebiam o beijo luminoso dos raios solares.

O Garizim emergia, mais imponente que o templo majestoso de Jerusalm, ao contgio carinhoso daq uelacatadupa de fulgurncias celestes.

No palcio de Copnio, todavia, avolumavam-se as

sombras da inquietao. Abafado movimento de coisas arruma das s pressas revelava algum acontecimento inesperado. As fisionomias abatidas das servidoras abnegadas, o rosto apreen sivo de Copnio e o ar interrogante de Glauco e Marcos anulavam a hiptese otimista de preparativos para uma viagem de recreio.

Marcos passara a noite em claro. No pudera dormir com o barulho cauteloso de arranjos de malas, do empilhamento de gneros alimentcios, nas afastadas salas do palcio, sob as ordens do pai.

O menino aproximara-se do genitor, indagando, ansioso: Pai, por que esses arranjos apressados?Vamos sair em viagem, filho.

A resposta breve escondia o sentido de mal disfarada amaurn.

- Viajar? ! Por que no o disseste antes, pai? Sempre que samos, s o primeiro a organizar planos, a promover projetas...

- A verdade, filho, que no faremos desta vez uma vilegiatura, como antes, mas uma mudana talvez definitiva...

Na voz de Copnio vibrava dolorida emoo, que ele se esforava por esconder.

- Alguma coisa deve ter acontecido, pai. Por que no me contas tudo?

/-No compreenderias, filho. Es criana ainda - respon-deu o genitor, enquanto acarinhava a cabecinha loura do filho amado.

- J no sou to criana... Tenho dez anos e posso entender certos problemas - afianou o menino, com grave e. .... -tngenua conv1cao.

/-Sim. Es um homenzinho e sabers tudo, at mesmo

aquilo que no posso compreender- aduziu Copnio, apoiado nas lembranas dos ltimos e freqentes colquios com o filho, em que este o surpreendera com uma profundeza de raciocnio, que o deixava muitas vezes estonteado.

O procurador arrematou, fingindo uma alegria que estava longe de albergar:

- No te preocupes, filho. Garanto-te que nada sucedeu de grave. Viajar agora ser bom para tua sade...

Afastou-se o procurador para ultimar ordens. O corao do antigo legionrio tinha o ritmo alterado e os olhos estavam congestionados.

Marcos, cabisbaixo, olhos fixos no soalho, ricamente tape tado de fina pea da Sria, iniciou dolorosa srie de conjeturas: Por que seria aquele movimento da noite toda? Afinal para onde iriam?

Naquele justo momento, Copnio reunira-se s escravaspara combinar planos relacionados ao bem-estar e segurana de Marcos:

- Bem podeis imaginar a tortura de meu corao ante a necessidade de afastar-me do filho adorado! Mas, deixo-o nas vossas mos, confiantemente certo de vosso devotamento, em favor da sade e educao de meu Marcos...

As escravas choravam baixinho, com a alma torcida por emo() violenta.

Pobre senhor! At onde o levaram as arbitrariedades cometidas no mandato administrativo, que desempenhou por alguns anos!

O jovem Otvio tivera olhos fechados para os crimes de espoliao da plebe sacrificada, mas no perdoara a libertao indbita de escravos...

Em singular resposta aos pensamentos das fiis servidoras, Copnio esclareceu:

- Reconduzi os escravos desta casa aos lares de origem, acedendo ao pedido extremo de meu filho. E no me arrependi, pois jamais tive o corao banhado de emoes boas como as que conheci depois disso. Uma coisa, porm, atormenta-me cruelmente: a sade e a sorte de meu Marcos.

Grande silncio esmagou por momentos aquelas almas. Copnio desfez a pausa, prosseguindo:-Seguirei para Roma, onde ficarei disposio das leis de,meu pa1s...

Ruth levantara os olhos negros, em que se liam amargura e C!nsiedade. Aquele homem sempre a distinguira com paternal respeito e, mesmo, parecia-lhe reconhecido dedicao junto ao caulinha amado. Dolorosa emootomarao corao da jovemescrava, que indaga ao amo:

-A situao assim to difCil, senhor? Que fareis agora?

- Nem mesmo eu sei o que me est reservado. O impera- dor conhece, afinal, os grandes erros em que me envolvi nesses anos. Estou disposto a devolver ao patrimnio imperial todas as parcelas, subtradas ao tesouro no correr de minhas funes. Aprendi muita coisa com a cabecinha de ouro de meu Marcos...

Uma rstia de luz brilhou nos olhos claros do antigo legionrio evocao do nome querido.

Mira acentuou, com os olhos marejados:

- Que coisa triste para todos ns, senhor! Estvamos to apegadas vida nesta casa, onde vivemos em confiantes ale grias!

Copnio voltara realidade, da qual havia fugido porbreves instantes.

- O pior para mim separar-me de Marcos. Espero de ambas os maiores desvelos junto de meu.filho. Posso contar com a abnegao de ambas?

- Devotamento no se pede, senhor! Sabeis que vosso filho a preocupao maior de nossavida e a Iuz de nosso amor. Podeis partir sossegado...

Essas palavras de Ruth emocionaram aquele homem at ento insensvel a sentimentos do corao a no ser os que o ligavam aos filhos. Os olhos de Copnio sentiram a presena inoportuna de uma lgrima, fato que o levou a sair apressada mente, disfarando a emoo incmoda.

As servas entreolharam-se, dando livre curso s lgrimas, que lhes afluam da alma torturada.

Retiraram-se, sil,enciosamente, e foram cuidar dos ltimos preparativos para a viagem prxima.

L fora, o Sol distribua a magnificncia espetacular de sua potencialidade, como se aquele dia anunciasse a aurora daqueles destinos humanos, que se compungiam nas sombras contrastantes da desesperana e da aflio.

Amanh, contudo, ser um novo dia.

Dia de alegrias ou de tristezas - que importa? Mas, um dia novo...

5 - A VIAGEM

Copnio providenciara tudo, no sentido de conduzir o filho e as duas escravas chcara de antigo companheiro de armas, na regio do Hebron.

A viagem seria relativamente longa e difcil, mas o procurador preferiu afastar Marcos de Sebaste, onde mantivera a famlia no curso de sua permanncia na Palestina.

Na capital judaica, sede oficial das funes do preposto romano, tambm o filho no estaria seguro.A viagem fora combinada para a madrugada seguinte. Quando as ltimas sombras da noite serviam de fundo aomanto bordado de estrelas, a pequena comitiva de Copnio pusera-se a caminho.

Apesar da tristeza que lhe dominava o corao sensvel, Marcos lanava, de momento a momento, exclamaes esfuzi antes ante a beleza nova do cu. Eraa primeiravezquese sentia em pleno deslumbramento, em to avanada hora, na contempla o dos astros distantes.

Copnio resolvera acompanhar o filho mais novo at Betnia. No dia seguinte, tomaria o rumo oeste, bordejando as costas do Mar Grande at o importante porto de Jope, onde embarcaria para Roma.

Assim teria mais algumas horas ao lado de Marcos.

Quanto a Glauco, esse o acompanharia capital do Imprio, onde passaria a residir com a velha tia Glucia, irm da genitora falecida. A matrona era um desses padres representativos da enfermia estrutura social romana, sob tormentosa fase de transio. A velha patrcia personificava a mulher da poca: carregada de dinheiro e de vcios.

A confortvel liteira que conduzia a famlia era demasiado

lenta.

A viagem decorria penosa para todos. Mesmo porque as

incertezas do futuro a todos acabrunhavam de modo especial.

As duas escravas, apesar de serenas e naturalmente submissas, revelavam a ntima apreenso, atravs da troca de furtivos olhares.

O Sol brindava regiamente a terra de Jud com revrberos de luz, quando, no dia seguinte, os viajantes entraram em Jerusalm, que se mostrava movimentada e alegre quela hora matinal de retorno vida.

Copnio guardava nas grandes mos a destra de Marcos e o olhar intranqilo lhe denunciava a preocupao de ganhar logo a estrada de Betnia.

Marcos tudo pressentia, com a admirvel percucincia

dos espritos lcidos que, embora na infncia fsica, revelam a maturidade espiritual. A posiotormentosa, em que se situavam os coraes amados, envolvia a alma do menino.

Glauco, sabedor de tudo quanto se passava, mal sopitava a grande raiva, que lhe amarfanhava o corao empedernido.

J haviam transposto as portas bem conservadas do sudoeste. Apenas quinze estdios separavam Jerusalm da potica Betnia e no tardou muito para o aparecimento dos campos frteis da pequena povoao.

Era uma regio aprazvel, cujo predominante trao de beleza eram as montanhas, que se enfileiravam no rumo sul, oferecendo o portentoso brinde de riqussimo cenrio, pleno de vida e luz, particularmente ao viajar egresso dos centros populosos, onde os motivos naturais quase desapareceram para darem lugar s realizaes humanas.

'A certa altura do caminho, surgiu um campo bem cuidado.Alegres tarefeiros entregavam-se ao trato da terra dadivosa, festejando, com cnticos harmoniosos, a divina graado trabalho.

Os olhos de Marcos iluminaram-se com a nota alviareira que se constitua em feliz novidade para os viajares cansados e cheios de ntimo acabrunhamento.

Mira suspirou fundamente na contemplao daquelas terras, demorando o olhar nas plantaes. viosas, como se alguma reminiscncia querida lhe brotasse do corao.

Marcos notara-a e perguntou-lhe, de repente:

- Eu que pensas, Mira? Parece que belas coisas vieram tua cabea...

Mira sobressaltou-se ligeiramente ante a acareao cari nhosa, mas inesperada. Os cabelos prateados da velha escrava, emolduravam a doce suavidade daquele semblante, que guarda va traos de antiga beleza.

A bondosa mulher tomou alento e confirmou:

- Tens razo, querido menino. Este lugar traz-me, realmente, doces e amadas lembranas...

- Verdade, Mira? - acentuou Ruth, timidamente, presa dessa curiosidade to caracterstica dos coraes jovens, ao pressentir alguma notcia aventurosa.'-E verdade, meubem. Aqui passei a infncia e parteda juventude. Meus pais nasceram e se criaram nesta terra bendita de Jeov.

Este ltimo nome teve o condo de despertar Glauco do mutismo voluntrio em que se fechara, desde a vspera:

- No tens o direito de pronunciar tal palavra junto de teus senhores, que adoram outros deuses!

A voz do rapazola vibrava, propositalmente, metlica, a fim de ganhar maior influncia naqueles coraes simples e humildes.

-Perdoai-me, senhor. Esqueci-me por instantes de minhaposio - disse Mira, sinceramente compungida.

mente.- Ora, vamos, Glauco! Sempre assumes esses modos de desmancha-prazeres! No h mal algum em que Mira nos conte seu passado e recorde sua gente... - advertiu Copnio, grave

Marcos intervm com terna vivacidade:

-Estou gostando muito da histria de Mira! Papai, pede bondosa amiga que continue, sim?

-Mira continuar a bela histria: Tambm desejo conhec-

la.

- Se assim o ordenais, senhor, prosseguirei.

A generosa serva passou a enumerarfatos da vida familiar,

que ficaram na distncia do tempo, mas sempre muito prximos do corao bem formado de Mira.

,Eramos ao todo cinco irmos e meus pais. Mais tarde,quando moa, veio juntar-se a ns encantadora criana. Era um sobrinho de nossa me, rfo, a quem nos afeioramos muito depressa.

Todas as noites, reunamo-nos volta da singela mesa, onde tomvamos as refeies e orvamos. Nosso pai tinha sempre uma crnica bonita para narrar. Recordava, com jbilo especial, a epopia da tribo de Benjamim, que hoje esta terra bendita que acabamos de atravessar. A saga que mais me enternecia era a de Ester.

Os olhos de Mira adquiriram estranho brilho ao evocar aqueles seres queridos da longnqua infncia.

Instada novamente por Marcos, aps ligeira pausa, a escrava reiniciou o relato das lembranas amadas, sob o melanclico entusiasmo da saudade.

- Chegamos a decorar a formosa histria de Ester, tantas vezes a ouvimos.

Quantas vezes - continuou Mira - senti o corao pulsar ao peso das emoes. Chorava mansamente, todas as vezes que entrava em contato com as aventuras da rainha mais poderosa do Oriente, cuja origem era a humilde casa de Abiail!

Os olhos nostlgicos de Mira pareciam ver distncia a fabulosa viagem da jovem Ester ao encontro do rei Assuero,>enhor de cento e vinte e sete provncias, que comeavam na lndia e terminavam na Etipia.

A velha escrava conhecia, fora de ouvir, centenas de vezes, a vida de Ester, na posio geogrfica das terras de Efraim, de Manasss, de lssacar e de Zabulon, por onde a jovem teria passado antes vezes inmeras.

Descrevia o porto de Tiro, de onde Ester teria sado pela Fencia, como se seus olhos o conhecessem na poca afastada, em que se dera a viagem aventurosa da orfzinha benjamita.

- O porto era belo, estendia-se em amplas costas de areias, sempre batidas pelo Mar Grande, e se alongavam at Sdon. Na frente surgia, fabulosamente larga, a perder-se da viso humana, a grande massa de gua. Ali a pequena despedira se para sempre da ptria querida.

Mas, longe dos compatriotas, Ester fizera mais pela terra de Jud, que todas as tribos reunidas de Israel.

Marcos aproveitou pequena pausa para exprimir o entusiasmo que o ammava:

- Mira, tua histria belssima! Por que nunca me falaste de coisas to interessantes?

A velha escrava atendeu, com simplicidade:

- Jamais expus esses fatos, meu menino, porque no me compete despertar vosso interesse pelas coisas de minha gente.

-Doravante, ficas intimada a contar-me tudo o que souberes de tua terra maravilhosa! Entendes?

Foi Glauco que respondera ao entusiasmo do irmo, com uma daquelas duchas to prprias de seu temperamento precocemente atrabilirio:

- Mira no vai narrar mais essas baboseiras sem p nem cabea, no pai?

Copnio alongou o olhar na amplido do horizonte, as sobrancelhas arquearam-se-lhe, como para despertar-se da abstrao involuntria em que se engolfara.

O antigo legionrio nada respondera. Havia muito acha va-se distante, com o pensamento tomado por apreenses an gustiantes.

Naquele justo momento, um cavaleiro alto e forte, envergando alva tnica,a cabea descoberta, surgiu ao longo da

estrada inopinadamente. Dir-se-ia tivesse tomado invisvel clareira,que convergisse para o roteiro principal.

O certo que, at ento, ningum dera pela presena do viajor estranho.

O Sol atravessava a linha meridiana do firmamento e o casario velho de pedra de Betnia aparecia a pequena distncia, qual convidativo refgio, na tranqilidade de suave bucolismo.

6- NOVAS SURPRESAS

Os viajantes acomodaram-se na hospedaria singela da cidadezinha, conduzidos pelo cavaleiro desconhecido, que acompanhara a comitiva, desde a entrada do lugarejo, onde a encontrara.

Os olhos percucientes e negros do viajar, alto e trigueiro- pelos efeitos evidentes da cancula das paragens sul inas -, revelavam inteligncia viva.

'A Ruth impressionara fundamente aquele olhardominador,bem como o porte viril do homem ainda jovem, que emergira, como por desconhecida arte de encantamento, do mar verde da vegetao robusta no caminho de Betnia.

Na manh seguinte, s primeiras horas, Copnio j se

encontrava preparado para a longa viagem em demanda do porto de Jope.

Junto do filho amado, o valente guerreirode outrostempos tremia, penosamente emocionado, ante a contingncia da- separaao.

Marcos representara sempre o encantamento mximo da vida atribulada do genitor. Glauco, entretanto, era mais parecido com o pai, no temperamento.

Mas, o caula irradiava envolvente carinho, que deixavaCopnio enlevado e feliz.

Agora, tudo seria diferente. A vida em Roma no se desenvolveria de molde a dar paz ao ex-mandatrio do Imprio. O desterro s colnias distantes da Grcia ou da Glia, seria o resgate mais suave que o otimismo mais avanado admitiria.

Caio Otvio pisara Roma como vencedor de muitas batalhas e trouxera credenciais de justiceiro impoluto junto aos vencidos, cujo tratamento humano assegurava com ardor. Isso, porm no se evidenciava com os raidores" do Imprio, em cujo nmero ele - Copnio - se enquadrava, em razo do passado pouco digno, que o relacionava no registro negro de Csar, como mandatrio em longnqua provncia judaica.

Era notrio que o imperador regulamentava o exerccio de Administrador-Mar do Mundo, empunhando o cetra de irrestrita justia. Viveria em paz o cidado que no ferisse os sagradosdireitos romanos, mas noseiludissem os transgressores de tal cdigo. Ai deles! No haveria clemncia para ningum!Que lhe reservariam os severssimos tribunais romanos? As incertezas quanto ao prprio destino no doam tanto aCopnio como a separao do filho amado.

Dentro de minutos,encontravam-se todos sada dahospedaria, no momento difcil das despedidas.

Marcos uniu-se ao genitor num abrao longo, em que se condensavam ternura e angstia mtuas.

O pai falou, com voz embargada:

- Vai para teu quarto, meu filho! Assim ser melhor para teu pobre pai...

O orgulhoso romano abraou as servidoras, num gesto incomum de fraterna generosidade.

Glauco apertara a mo de todos, quase distrado, e retirou-se antes do pai.

Ruth reconduziu Marcos ao interior da estalagem. O menino tinha os olhos molhados e a garganta oprimida por soluos incontidos.

Grande manto bege-claro cobria as espduas largas do antigo legionrio, quando este tomara assento na carruagem, acompanhado do primognito.

Marcos ficara sob a assistncia carinhosa das grandes amigas de seu coraozinho.

- Ruth, por que papai no nos levou? - perguntou o menino, com lgrimas silenciosas a lhe correrem pelas faces.

- Algum motivo justo houve, meu menino. Vosso pai vos quer muito e s vos deixa por impedimento intransponvel. Mas, no vos aflijais... Um dia nos reuniremos a ele...

As ltimas palavras foram proferidas pela boa escrava, como acionadas por fora desconhecida e inteligente. . .

A alma do menino bebeu-as avidamente, nelas encontrando singular blsamo.

Alguns dias decorreram na hospedaria. Mira e Ruth empenhavam-se em distrair o menino, enquanto aguardavam os dois servidores de Copnio que os levariam propriedade do antigo companheiro no sul.

Numa tarde, Marcos e as dedicadas escravas encontra vam-se soleira, quando os emissrios de Copnio chegaram, trazendo confortadoras notcias.

O ex-capito deumadaslegiesdeAugusto, residente em local prximo de Hebron, ficara satisfeitssimo com a prxima vinda de um dos filhos de seu mais estimado companheiro de refregas gloriosas.

'Marcos recebera a informao com grande jbilo. E verda-de que jse aborrecia com a espera. Se algum objetivo tinham a concretizar, que os fatos viessem logo...

Esse estado de alma bem lhe definia o carter amante dos fatos positivos.

As seNidoras expressavam ntima alegria na vivacidade com que se puseram aos arranjos da viagem prxima.

Marcos, embora jubiloso, fizera-se pensativo, brilhandolhe nos olhos claros penosas emoes. Eram as saudades do pai.

No caminho - pensava ele - Iembrar-se-ia constante mente do paizinho ausente, recordando-lhe o carinho naquela viagem de Sebaste Betnia.

O momento particularmente amargurante da despedida no lhe saa do corao.

Alm de tudo, algo lhe segredava agora, que nunca mais veria o idolatrado genitor em terras da Palestina.

Na madrugada seguinte, iniciaram a viagem. O roteiro conhecido ia revelando, horas depois, aspectos novos de vegetao luxuriante, que a proximidade do Jordo se encarre gava de conservar.

No tardou que surgissem as paisagens pitorescas do caminho, cujas irregularidades do relevo mais acentuavam os traos da beleza topogrfca. Numerosos grupos de opulentas

rvores ofereciam cenrios empolgantes. Acol, o fascnio das elevaes, em cujos flancos avegetao, rasteira e cerrada, dava ao ermo da regio contrastante aspecto de vida e alegria.

O panorama impressionava bem a alma sensvel de Marcos e das companheiras, que se entregavam a comentrios entusiastas sobre as belezas daquela zona da Judia, delas to querida.

A viagem corria, assim, de surpresa em surpresa, sob a guarda silenciosa dos dois servidores, quando surgiu, numa salincia do caminho, conhecido cavaleiro. Como da outra vez, montava fogoso corcel rabe. Os olhos brilhavam-lhe suaves, atravs das pupilas escuras.

Era o homem que os conduzira hospedaria de Betnia e cujo nome nem puderai'D recolher tal a ligeireza com que lhes desaparecera da vista.

Sem saber porqu, Marcosteve um sobressalto agradvel. O corao pulsou-lhe, em incontida vibrao de contentamento e confiana, quando o viajar os abordara alegremente:

- Ol! Onde ides nessa marcha lenta? Neste deserto o meio de transporte mais rpido ainda o cavalo!

- Chegaremos dentro de trs dias propriedade de Flix, antigo capito de uma das legies romanas- disse Mira guisa de informao.

O cavaleiro ajuntou, com solicitude espontnea:

-Muito bem! E posso ser-vos til em alguma coisa, resido nas vizinhanas da chcara de Flix.

pOIS

Depois de haver feito rodopiar a alimaria, o moo colocouse na direo tomada pela pequena caravana.

Ruth ruborizara-se intensamente ao sentir os olhos

negros do desconhecido sobre os dela. Uma vibrao de enlevo e alegria intraduzveis tomara-lhe a alma singela.

O instanteforabreve, todavia, como o ligeiro roardas asas de travesso colibri sobre a flor formosa das campinas.

A viagem prosseguia rumo sul. Em cada alma um sen timento novo, misto de esperanas e incertezas, medida que se aproximavam do objetivo traado.

SomenteJosaf -o guia de peletostada e olhar penetrante- tinha o corao pleno das luzes esplendentes de singulares certezas...

7 - A GRANDE REVELAO

Algumas semanas na aprazvel propriedade de Flix ofe receram mltiplas oportunidades a Marcos e Ruth para pequenos passeios pelos arredores.

A vivenda confortvel achava-se localizada nas proximi dades da orla martima, margem direita do Mar Morto, cujas guas profundas guardam os mistrios da morte.

Esse fato, contudo, emprestava Chcara das Flores assim se denominava o pitoresco stio - a beleza de vegetao opulenta, proporcionando terra a fecundidade dos solos privile giados.

Nos arredores da habitao distribuam-se belos cenrios naturais, onde o verdor das paisagens se harmonizava com o azulneo do cu, quase sempre lmpido e banhado de sol.

Certa manh, Marcos sara com Ruth percorrendo alguns estdios da Chcara.

No roteiro florido, tecido de agreste poesia, o menino con versava com a dedicada ama. Falavam da extrema generosidade de Flix e de sua esposa Jlia. Como eram bons! No tinham fi lhos e receberam Marcos com transportes de alegria, como se tomassem o prprio rebento de suacarne nos braos carinhosos.

Ruth notara a diferena do tratamento dispensado pelo generoso casal aos servidores da casa: era inteiramente oposto quele demonstrado por romanos de seu conhecimento.

O fato causara certa estranheza ao esprito da jovem. Viera preparada para possveis humilhaes e tudo sofreria por amor de seu idolatrado menino. Entretanto, ali, era alvo de confortadoras atenes.

Uma pergunta bailava-lhe na mente: Por que Flix e Jlia eram diferentes dos romanos que ela conhecia?

Naturalmente, a moa no exteriorizaria a ntima indaga o, pois sabia que Marcos sentiria qualquer aluso ao orgulho paterno.

O Sol da Judia derramava, quela hora matinal, raios de vida e luz sobre o campo bordado de florinhas multicores. O menino, encantado, apanhava, aqui e ali, variegadas espcies, correndo de um lado para outro e chamando a companheira em alta voz:

-Ruth! Ruth! Corre at aqui! V que maravilha de florzinha...Ela ficar muito bem nos teus cabelos negros!

Ruth, sorrindo; abaixou-se a fim de que Marcos lhe colocasse a flor na cabea de bano.

A poucos passos, um cavaleiro, alto e trigueiro, observava a cenaencantadora, com visvel interesse. O vesturio branco, semelhante epmide grega, refulgia ao sol, como se fosse tecido de fios brilhantes.

-Bonita cena para um episdio no paraso!

Aquela voz to conhecida de Ruth e de Marcos, trouxelhes as emoes da alegria, no da surpresa.

Josaf habituara os amigos quelas aparies sem ann-., .CIO preVIO.

O corao da moa, alis, sentia a estranha presena deJosaf, no contato da magnificncia campestre.

A alma sensvel da jovem escrava estremecera, jubilosamente, ante a agradvel situao.

- Josaf, vieste completar nossa alegria, amigo! - exclamou Marcos, com entusiasmo confiante.

- Obrigado, menino! Como bom a gente testemunhar quadro to enternecedor! Dir-se-ia que todas as esperanas do encontro maravilhoso que buscamos, concretizam-se neste momento! - asseverou o moo em tom profundo, quase solene.

- Que dizes, Josaf? A que encontro te aludes com to grande entusiasmo? - indagou Marcos, fazendo coro secreta curiosidade de Ruth, no mesmo sentido.

- Ah, meu menino, se soubsseis! A histria muito longa, mas vale a pena ser ouvida! Busquemos uma rvore acolhedora para abrigar-nos do sol - acrescentou o moo, caminhando no rumo de opulenta figueira brava, a cuja sombra convidativa se sentaram.

- Conta-nos tua histria, Josaf! Ruth e eu somos todo ouvidos... No somos, Ruth?

- Sim! Sim! - confirmara a jovem, com mal disfarado interesse.

No topo do imponente vegetal, uma avezita iniciara melodiosa saudao aos visitantes. Os trs ficaram alguns

minutos atentos quelas ntulas suaves, que brotavam do pequenino bico de ouro, encarapitado em frgil ramo.

Josaf alongara os olhos na distncia das campinas. Comeou a falar baixinho, como se a narrativa que confiava aos coraes amigos fosse segredo inviolvel.

Ruth pousara o olhar no semblante emocionado do rapaz, como fascinada por aquela personalidade singular to distancia da das coisas comuns da vida.

Quando Josaf falava, parecia moa que as palavras sadas daquela boca eram ungidas de certeza inabalvel, de invencvel convico.

- Muitos estdios alm da Chcara das Flores - esclare ceu o moo ante o interesse dos amigos-, entre o deserto e o mar, reside ur:n ancio virtuoso, cujo corao vivo espelho de justia e bondade. Embora viva segregado do mundo, entregue con templao e vida ativa, muito conhecido em quase toda a Palestina. Todos o procuram para se aconselharem com ele, nos transes difceis.

Pois bem -continuou o rapaz-esse santo homem honra me com generosa estima e me tem confiado belos e edificantes ensinamentos. Tanto me tem falado da vinda de um Grande Esprito ao mundo para salvar-nos, que no me restam dvidas de que o Messias jveio, que anda por a, aindacriana, como o querido menino...

- Bela histria nos contas, Josaf! E como se chama o homem a que te referes? - indagou Marcos.

- Chama-se Lisandro. O santurio do ancio uma casa singela e pobre, onde reside sozinho, entregue s oraes e aos trabalhos que s ele conhece, juntamente a companheiros de seita.

Quando o conhecerdes- prosseguiu Josaf -comeareis

a ver o mundo e as coisas sob o prisma da beleza e, acima de tudo, iniciareis a Grande Procura, nas cidades e nos campos. Toda criana, com carinha de anjo, ser nova luz de esperana a brilhar-vos no corao! Exatamente como me acontece...

Josaf fez ligeira pausa, que no foi interrompida e conti

nuou:

- A Grande Estrela, segundo afirmativas de Lisandro, j

veio. Um dia, os Cus no-la colocaro nos caminhos da Dor ou daAlegria.

Marcos fixara o olhar surpreso no interlocutor. Aquilo era a coisa mais extraordinria que j ouvira.

Ruth compreendera, afi nal, a insistncia de Josaf em servi-los, desde Betnia. No era por causa ds belos olhos da jovem escrava, mas por amor de um menino desconhecido, cujo paradeiro ignorava, que o rapaz aparecia no caminho da formosa servidora da casa de Copnio.

E os olhos negros da moa traduziam-lhe a ntima decep-

-ao.

Mas a emoo dolorosa fora breve. A bela escrava

reagira valentemente, colocando-se na postura de ouvinte atenta, realmente interessada em colher as notcias restantes.

Enquanto Josaf falava das certezas luminosas, que lhe felicitavam a alma, os olhos de Ruth postaram-se na amplido da campina verde, como se buscassem algum tesouro de luz, escondido na fmbria colorida do vestido de seda de alguma florinha silvestre...

8 O ANCIO DO MAR MORTO

A Chcara das Flores apresentava aspecto primaveril. Afigurava-se ao observador que a grande variedade de arbustos floridos, que enriqueciam os canteiros, haviam sido transplan tados sob desconhecido processo de adaptao, em face da esplndida ecloso de vida e beleza que ali se manifestava.

Os canteiros bem dispostos, apresentando figuras poligonais de indescritvel bom gosto, lembravam os jardins bem cuidados de Roma.

Todas as tardes, Flix e a esposa desciam quele recanto potico, onde permaneciam horas inteiras entregues ao entrete nimento, que o cuidado das plantas lhes exigia.

Os hspedes tomavam parte daquelas horas de cotidiano enlevo espiritual.

Encontravam-se todos reunidos no jardim. O calor era intenso.

Em meio conversao, que girava sobre diversos temas, Marcos interpela a matrona:

-Senhora, desejaria de vs uma informao a respeito de Lisandro - o ancio -. que suponho seja vosso conhecido.

Jlia sorriu, e atendeu, benevolente:

- Faze a tua solicitao, meu filho. Conhecemos Lisandro, graas ao Senhor.

-Desejo saber se a gente pode ir tem com ele...

O pensamento do menino ficara suspenso, mas Jlia entendeu o restante. Levantou-se, indo ao encontro do menino e o acalmou com leve e carinhoso toque nos ombros, asseverando, sorridente:

- Como no? Iremos todos. Tambm Flix e eu temos necessidade de falar com o santo varo...

Marcos no conteve um movimento de entusiasmo todo infantil. Bateu as mos, num aplauso sincero:

- Que bom! Que bom! No vejo chegar a hora desse encontro!

- Ser amanh, querido menino! Somos dois apressados em matria de encontros agradveis! - i nterveio alegremente Flix.

'

Na manh seguinte, quando Marcos se puserade p, tudo estava preparado para a viagem.

Animais ajaezados e uma quadriga tirada por quatro cava los mansos e dceis - lembrando os velhos tempos de jogos gloriosos do antigo legionrio - encontravam-se espera dos viajantes.

Marcos e as mulheres acomodaram-se no veculo, estreitamente apertados no espao exguo.Flix e mais dois servidores tomaram as alimrias. Puseram-se a caminho, aps o primeiro repasto. Jliativera a lembrana de preparar merendas substanciosas para asrefeies do dia, pois no desejava aborrecer o ancio com tais-preocupaoes.

A viagem constituiu-se em sucesso para o corao de Marcos, que se empolgava a cada passo com o cenrio natural, no obstante a aproximao da zona desrtica, que se fazia entrever no longe, com suas plancies batidas de sol, parecendo levar ao mar a mensagem da esterilidade.

A rota era relativamente pequena. Trs horas depois, Jlia anunciou:

-L est o santurio de Lisandro!

A dois estdios surgia graciosa morada branca, semelhan do-se a uma embarcao, flutuante no mar verde de belas rvores copadas.

Os viajantes divisaram um vulto branco, de p porta estreita e alta. Neletudo era imaculadamente branco: os cabelos descidos at as espduas, as barbas longas e a tnica que lhe cobria os ps, guardados por sandlias grosseiras de fibras vegetais.

Marcos sentiu o corao pulsar-lhe mais forte. O encontro com Lisandro era singular acontecimento, cujo significado o menino no alcanava de pronto, mas pressentia.

Chegaram, finalmente.

Jlia e as escravas desceram da carruagem, auxiliadas por Flix e correram a abraar Lisandro, que as recebeu com carinhosa efuso.

A matrona apresentou as escravas de Copnio com natural espontaneidade como se lhe fossem do prprio nvel social. O ancio anotou intimamente o evento, com sorriso de profunda alegria.

Marcos ficara para trs, quase anulado por inexplicvel sentimento de inferioridade. Sentia-se constrangido diante da quele velho, que mais parecia um grande deus dos que o genitor lhe falava sempre.

Certamente era umrepresentante do Panteon, disfarado em criatura humana, como freqentemente se dava com os deuses..O menino remoa esses pensamentosna cabecinhaatormentada, quando a voz suave e alegre do ancio o despertou do enleio:

- E tu, meu menino, por que no te aproximas? Tenho pressa de apertar-te nos braos e acalmar-te o corao!

Como sabia Lisandro dos movimentos anormais de seu corao? Oh, aquele velho era mesmo um deus, peregrinando pelo mundo, sem dvida!

Marcos aninhara-se nos braos c:arinhosos do ancio. A impresso de conforto e ternura era to envolvente que o menino se mantivera, por longos instantes, agarrado ao amplexo generoso, sem poder falar.

Foi Lisandro quem, mais uma vez, quebrou o grande silncio ntimo do menino, asseverando:

- O teu corao, menino, possui o calor de grandes conquistas passadas. Mas, as vitrias do futuro sero maiores. Sers um dos mais prodigiosos vencedores que estes meus

velhos olhos j puderam contemplar, navida longa como tem sido a minha...

- Terei, ento, de lutar? Oh, tenho horror s lutas! No haver um meio de me livrardes delas? - perguntou o menino, aterrorizado.

- As tuas lutas sero diferentes daquelas que temes. Tuas mos jamais sero manchadas pelo sangue de teus semelhantes, meu filho. Descansa e prepara-te para combates de outro teor. O PaiAitssimotempressa de colocarnatuadestra a lana da Justia e do Amor!

Marcos fixara os olhos amarelo-dourados de Lisandro, como se neles buscasse resposta capaz de esclarecer todo aquele emaranhado, que lhe flutuava na cabecinha inquieta.

O ancio parecia conhecer todos os pensamentos do menino, porque afirmou com vivacidade:

- Acalma esse coraozi nho atormentado, meu filho. Dia vir em que ters todos os esclarecimentos que buscas. Mas, tudo chegar aos poucos, gradativamente, de acordo com as tuas novas conquistas...

- Quando comearei, santo homem? - indagou Marcos, com desusado brilho nos olhos claros.

- Hoje mesmo, meu amado menino. No vieste ao meu encontro para outra coisa.

A resposta pronta e incisiva de Lisandro no pareceu surpreender a Flix e a Jlia. As escravas, no entanto, entreolha ram-se aflitivamente, como buscando uma sada para a situao, que se lhes apresentava muito delicada.

Eram responsveis pelo menino. Que aconteceria se o velho Lisandro pretendesse ficar com Marcos?

O ancio voltou-se para as duas mulheres, como ferido pelos pensamentos angustiosos delas, e acalmou-as, generoso:

- O Pai sabe o que faz. Somos depositrios de Sua Vontade e no instrumentos dos desejos frgeis do homem. Anulemos nossas aflies e entreguemos ao Divino Doador da Vida a rota de nossos passos, com a confiana luminosa dos que desejam acertar com o caminho legtimo da felicidade imortal.

Ruth abaixara a cabea negra, mal sopitando as emoes e M ira ps-se a chorar sem disfarce, tomada de funda impresso.

Naquela hora memorvel selava-se o compromisso tcito de nova etapa de luzes, na estrada daqueles destinos.

Cumpria-se, assim, a Divina Vontade na humilde submisso de almas devotadas e sinceras.

,,9 - A HISTORIA DE JULIA

'A tardinha,no caminho de volta Chcara das Flores,Jlia evocava os surpreendentes acontecimentos, que precederam a permanncia de Marcos no Santurio de Lisandro.

O menino ficara, realmente, na companhia do ancio, a convite deste.

Havia tanto jbilo na voz de Marcos, quanto se dirigiu s companheiras abnegadas, solicitando-lhes permisso paraatender ao santo homem, que elas no tiveramdvidas naaqUJescencJa.

Tudoforato inesperado que asfiis servidoras de Copnio no tiveram tempo de raciocinar sobre a situao difcil em que se colocaram. As almas confrangiam-se-lhes, agora, em profunda inquietao.

Todavia, a matrona encarregara-se de desanuviar o ntimo das abnegadas mulheres com o relato dos sucedimentos.

-Flix e eu sabamos que Marcos ficaria com Lisandro...- esclareceu a generosa patrcia.

-Como?! Sabeis de tudo? Quem vos comunicou o fato?- indagou Mira,sem conter o assombro, pois no vira pessoa alguma na propriedade do ex-capito, desde a vspera.

Jlia aquiesceu com ternura fraterna:

- Oh, minha boa Mira, no compreenderias agora o que se passou! No te achas preparada para receber a verdade...

'-E assim to terrvel o que se passou? - interveio Ruth.

- Terrvel no bem o termo, querida Ruth! Sublime a significao legtima dos acontecimentos...

Aps rpida pausa, Jlia prosseguiu:

- Tentarei explicar-vos com idias que se aproximem da traduo mais clara da ocorrncia. Para isso, porm, teremos de recorrer nossa longa histria, a fim de facilitar o esclarecimento dos singulares e aparentes mistrios.

Quando chegamos a esta regio abenoada do Hebron ramos dois desesperanados da Misericrdia do Senhor, Flix

eeu,mesmo porque nossa formao religiosa no nos permitia''a crena no Poder Unico. Tmhamos a mente deformada porconcepes absurdas, baseadas no quadro multiformede divindades de matizes e procedncias diversas...

O certo que muitos anos de vida ociosa e a fatuidade dos costumes nas cortes do Imprio, inculcavam-nos ao corao amargurante tdio. A falta de um filho corroborava fortemente para o caos de nossa vida, em plena opulncia.

Jamais havamos pensado nos problemas dolorosos da plebe. Nunca empregamos tempo com a misria do prximo.

No tardou, porm, que Flix se saturasse daquela vida sem objetivos, o mesmo acontecendo comigo.

Certo dia, meu esposo veio encontrar-me nos aposentos luxuosos de nosso palacete em Roma, lanando-me ao corao o atordoamento dilacerante que oprimia o dele.

Estvamos ambos enojados daquele tumulto contnuo de reuniesfestivas e banquetes. Quebraram-se os derradeiros fios de nossa resistncia. Resolvemos tomar uma deciso capaz de pr cobro quela vida tediosa que carregvamos na Capital do mundo.

Foi nessa ocasio que meu marido caiu gravemente enfermo. Febre tenacssima enfraquecia-lhe, aos poucos, a admirvel robustez fsica.

Todos os recursos foram mobilizados por amigos mais chegados a ns para reconduzir Flix aos caminhos da antiga sade. Algumas melhoras fizeram-se notar, a princpio, mas a febre no cedera, constituindo-se em autntico espantalho frente s nossas esperanas para a recuperao do enfermo.

Decorreram trs meses e o quadro melanclico no se modificava, quando um amigo de nossa casa aconselhou--nos deixar a cidade e buscar uma regio campestre, propcia ao tratamento dessas febres pertinazes.

Tudo ficara resolvido da noite para o dia. Lembramo-nos de uma propriedade nossa no sul da Judia, que Flix recebera em paga dos muitos servios prestados legio que comandara nas expedies Galcia e Pisdia. Escolhemos de comum acordo aquela regio a que Flix sempre se referia com entusiasmo.

A viagem fora longa e difcil. A embarcao que nos trouxe atravessava o mar alto, movimentada ora por ventos fracos, ora pelos braos robustos de trs dezenas de escravos, que nos acompanhavam.

,Ao fim de quinze longos dias, a galera chegara s costasda Africa oriental, em Tapso, onde Flix estivera portas da morte. Alcanamos o porto de Apollonia duas semanas depois.

Decidimos realizar a ltimaetapa da viagem por terra, mas atentativa no fora menos feliz que a travessia martima; Flix no suportava a lentido dos camelos, no avano da caravana, no deserto egpcio.

Tomamos, a seguir, o porto de Alexandria, rumando ao objetivo final-o que se verificou ao fim de quinze dias, quando alcanamos o porto de Gaza, que limita o Egito com a Judia.

O restante da tormentosa viagem em terras judaicas, seguimos em linha reta at o Hebron.

Nossa propriedade situava-se ao sul, no muito longe da cidade, o que nos animou a seguir ao cabo de duas semanas.

No compreendamos a origem da estranha fora que sustentara meu esposo naquela travessia aflitiva.

Os primeiros dias aqui foram particularmente dolorosos para mim. Flix piorara aps a chegada com abatimento natural naquelas circunstncias. A febre aumentava de intensidade a horas certas.

J me desesperava quando, certa manh, recebemos a visita de um jovem simptico, que nos procurava da parte de santo ancio, segundo ele afirmava, com visvel emoo.

O primeiro era o nosso Josaf e o homem a que se referia no era outro que no Lisandro.

.Coisas extraordinrias sucederam-se da por diante. O mensageiro trouxera-nos pequeno frasco, contendo um lquido vermelho-escuro, com indicao para ser usado por Flix, em horrio estabelecido.

O fato surpreendeu-nos, mas desconhecida fora impul sionou-me, no sentido de atender ao imprevisto oferecimento, sem mais tardana.

Meu marido tomara o medicamento s primeiras horas da

tarde.

Ao cair da noite, na primeira viglia, a febre baixara de

modo sensvel e no dia seguinte os sintomasfebris haviam desaparecido para nunca mais reincidirem.

Flix estava salvo.

Jlia tinha os olhos molhados quela evocao. A matrona interrompera o relato por alguns momentos, prosse guindo, emocionada, ante o silncio das companheiras:

- Josaf apareceu mais vezes. Quando meu marido se encontrava totalmente recuperado fomos visitar o salvador de nossa felicidade, guiados pelo jovem mensageiro.

O acontecimento marcara solidamente as alegrias que hoje me perfumam a alma.

Lisandro era mais extraordinrio ainda que a admirao de Josaf nos havia figurado, sublime na simplicidade, grande na bondade infatigvel com que atendia aos infelizes que o buscavam no retiro abenoado. Velho j, encontramo-lo en tregue a grosseiros afazeres manuais para a segurana do po de-cada-dia. Seus olhos jamais nos pareceram cansados para a bela tarefa do estudo constante.

Nosso conhecimento com Lisandroforaaltamente benfico para mim e Flix. Logo aprendemos quo distantes do caminho legtimo do aperfeioamento nos encontrvamos.

Lisandro apontou-nos, sem rodE?ios, a necessidade de volvermos o corao para o Criador Unico de nossas almas. Mostrou-nos com paciente generosidade, os diversos roteirosque atestam a existncia de um Ser Superior, que o SupremoDoador da Vida: aqui, uma florinha humilde ao lado de rvore

gigantesca a beber recursos idnticos de vitalidade; ali, o inseto pequenino e o paquiderme imponente a usufrurem os privilgios do mesmo quadro garantidor da subsistncia; acol, o mar a conduzir mltiplas manifestaes de vida; mais alm, o cu bordado de astros, a oferecer o espetculo esplendoroso da luz.

E bem junto, a criao mais importante da Divina Vontade: o homem - com faculdades prprias para a auto-subida aos cus da Eterna Vida.

Quantos anos Lisandro vem conduzindo nossas almas nesse esclarecimento constante, incansvel!

Mas, um ano de conhecimento e convvio bastou para que o santo homem operasse em nosso ntimo prodigiosa mudana.

Conjurando-nos compreenso dos princpios de Justia, levou-nos a dar liberdade aos escravos que trouxramos de Roma.

Felizmente, compreendemos, a tempo, tantos fatores importantes para a vida sadia e harmoniosa dessa centelha que vive e vibra em ns - a nossa alma.

Quando nossos servidores despediram-se, sada do ptio da Chcara, todos chorvamos. Alguns deles ajoelharam se aos nossos ps, tomando-nos as mos e molhando-as de lgrimas. O jbilo daquelas criaturas forato intenso, que se nos refletiu nos coraes quais espadas de luz a penetrar-nos a sensibilidade para todo o sempre.

Compreendemos, ento, praticamente, pela primeira vez, que todo bem que semeamos um tijolo colocado no edifcio eterno da felicidade individual.

As alegrias multiplicaram-se com as freqentes visitas a Lisandro. Coisas extraordinrias fomos aprendendo nesses encontros abenoados.

Jlia fizera novo interregno, que no fora interrompido.

A bondosa patrcia retomou a palavra, com simplicidade:

- A oportunidade de ambas soou tambm, queridas amigas. No tardar o momento em que todos os coraes sero bafejados pela brisa suave da alegria que no morre, atravs do conhecimento salvador...

Dessa feita, Ruth no pde calar ansiosa indagao:

- Mas, como conheceis os fatos surpreendentes de hoje, antes mesmo de sua realizao?

Ao longe, a Chcara das Flores aparecia, emoldurada por magnficas trepadeiras enflorescidas, como salvadora suges to s pretenses de Jlia, no sentido de transferir para o dia seguinte a informao que lhe solicitavam.

Voltou-se a matrona para a jovem e esclareceu:

- Amanh, iniciaremos o dia apanhando o fio da conversao que aqui interrompemos...

A bela servidora compreendera que, mais uma vez, devia esperar. E, como sempre, abafou dolorido gemido de impacincia, mudando a ateno para outro interesse imediato, que surgia na curva do caminho. Era o vulto branco de um cavaleiro muito conhecido, que apontava, qual estrela nova de luz e esperanas, para o corao da jovem escrava.

,10- INQU IETAOES E JUBI LOS

Mira.

Ruth passara a noite em claro, no que fora secundada por

Todavia, impresses muito diversas tomavam aquelas almas. Ruth transferira a funda inquietude acerca de Marcos para a lembrana fascinadora de Josaf. Como o rapaz lhe parecera belo na montaria soberba, que o conduzia atravs de rotas conhecidas e de lugares ignotos! O moo parecia infatigvel nas suas viagens. Grande curiosidade, em torno da vida de Josaf, assenhoreava-se da jovem idumia. Via-o sempre na pele de viajar apressado. Dir-se-ia constantemente interessado em algum misterioso motivo, pois, a inquietao ntima ele a expressava na mobilidade singular dos olhos negros. O moo parecia muito distanciado do meio ambiente, na busca perma nente de algo longnquo.

A moa compreendia, atravs de esquisita intuio, que no era ela o objeto daquela inquietude constante, o que lhe trazia importuna dor ao corao.

Na tare anterior - refletia a formosa Ruth - Josaf encon trara o pequeno grupo, no regresso do Santurio de Lisandro. Ansiava por algumas palavras do rapaz, visto como jamais se lhedirigira diretamente. Mas aqueles olhos s vezes assumiam terna expresso ao encontrarem-se com os dela. Era s, porm.

E Ruth no se contentava com to pouco...

Esses pensamentos tomaram a cabea da jovem durante as viglias da noite, enquanto Mira suspirava, sinceramente atormentada pela sorte de Marcos. Bem sabia que o menino encontrava-se em excelente companhia, mas a situao parecia lhe, agora que podia raciocinar melhor sobre as ocorrncias da vspera, estranhamente difcil.

Pela manh, as duas servas puseram-se de p, entregan do-se aos servios que, espontaneamente, escolheram, sob a aquiescncia benevolente da dona da casa, desde a chegada de Sebaste.

Buscavam as abnegadas criaturas absorverem-se noutras preocupaes menos dolorosas para suas mentes cansadas da viglia.

No tardou que Jlia as viesse encontrar, envergando elegante traje sob a fina manta branca de l, que a abrigava da aragem fria da manh.

-Ento, queridas amigas, dormiram? - perguntou a matrona, com um sorriso de bondade.

Foi Mira quem atendeu com sincera afirmativa to de seu feitio leal:

-No. Pelo menos eu no dormi, senhora! As inquietaes sobre o menino no me permitiram repousar.

O sorriso desaparecera dos lbios de Jlia, como o canto do pssaro, cuja garganta recebesse o golpe inesperado de impiedoso caador.

- Julgava-te tranqila, desde ontem, minha boa Mira.

- A inquietao voltou a dominar-me, senhora... - asse- verou a velha escrava.

A matronaacercara-se da servidora fiel e,abraandoa ternamente, observou:

- No h motivos srios para essas preocupaes, que rida. Marcos est muito bem na companhia do santo homem que Lisandro.

A asseverao de Jlia expressava tanta confiana, que a alma da velha escrava comeou a desanuviar-se.

Jlia prosseguiu, com entusistico colorido na voz bem modulada:

- Cumpre-me pr-vos a par dos acontecimentos para tranqilidade de ambas. Lisandro to extraordinrio que co nhece o passado e prev com segurana o futuro das criaturas, como se fossem acontecimentos do presente.

Antes da chegada dos mensageiros de Copnio aqui, j trnhamos conhecimento das ocorrncias em Sebaste. Saba mos, ento, que Marcos viria para nossa companhia, o que, alis, nos encheu o corao de jbilos. Fomos informados de tudo por Lisandro - continua Jlia.

- Ele , ento, um profeta!-interveio Ruth com assombro e admirao.

-Sim. Ele isso precisamente - anuiu a matrona. -Um profeta iluminado pelo estudo das criaturas e das coisas. Um intrprete de Deus esclarecido pelo Amor aos seres e ao Criador dos Cus e da Terra.

Jlia, com os olhos a fulgir de sublime respeito, prosseguiu:

- No vos assusteis se eu garantir-vos que no existe no glossrio das tradies sagradas de todos os povos homem mais santo que Lisandro!

- Realmente extraordinrio tudo quanto nos dizeis sobre esse ancio, senhora! - exclamou Mira, sinceramente impres sionada.

- No vos posso informar acerca de inumerveis coi sas extraordinrias sobre o ancio. Seria muito para as vossas mentes, por enquanto. Contudo, o tempo e a observao apontam o caminho luminoso do entendimento s almas dese josas de aprenderem.

Mas - continuou Jlia- necessrio saibais que Marcos um Esprito assinalado pelo Supremo Poder para grandes cometimentos na jornada entre os homens. O menino como um serafim que, em veraneio pelo mundo, aproveitasse o tempo de recreio para servios do Amor, a benefcio de todos.

- O menino um verdadeiro anjo! - exclamou Ruth, com entusiasmo.

Jlia completou o pensamento da jovem, acrescentando:

- Para confirmao do que dizes basta saber que cerca de duas centenas de escravos retomaram vo livre, atravs da bondade de Marcos.

- Como sabeis desse fato, senhora? - indagou Mira, surpresa.

- Foi Lisandro - respondeu Jlia. O ancio transmitiu-nos que o fato assinalava o marco de grandes acontecmentos favorveis a muita gente, inclusive ao prprio Copnio...

-Nesse pormenor no foi acertada a previso de Lisandro! .Nosso pobre amo deve compareceraostribunais romanos...- acentuou Mira, reticenciosa...

-Lisandro nunca faz referncias s facilidades do mundo

c::omo fatores de benefcios. Estes se enquadram sempre nas renncias e sacrifcios. Entendes? - esclareceu judiciosamente a matrona.

- Quereis dizer que nosso amo fez-se credor de futuras regalias celestes pelo desprendimento e coragem com que se houve na libertao dos escravos?- perguntou Mira, interessada.

- Mais ou menos isso, querida amiga - confirmou a patrcia. - O que Copnio fez representa muito, mas no tudo perante a Divina Justia. H muito trabalho a concretizar, muito esforo a movimentar-se no mundo sagrado de nossos sentimen tos para que a verdadeira luz da santificao nos banhe a alma de esplendores novos...

Jlia deixara o pensamento em suspenso, aguardando a interferncia de uma das interlocutoras atentas..

Mas a deixa ficara em branco. Ambas achavam-se por demais absorvidas na meditao dos extraordinrios fatos para se ocuparem em observaes outras. Dir-se-i aque o crebro no lhe comportava o volume de outras preocupaes.

Mas, Jlia achou prudente completar as informaes, aduzindo:

- Lisandro enviou-nos Josaf a comunicar-nos a boa nova sobre a ida de Marcos para sua companhia, afirmando que as coisas se encandeariam de.tal maneira, que o acontecimento se daria em pouco tempo. Esperssemos e o prprio Marcos daria os primeiros passos para a concretizao da profecia.

- Assim aconteceu, realmente - anuiu Mira, assombrada, em cujos olhos brilhavam agora centelhas de esperanas e alegrias.

11 - NOVAS ESPERANAS

A convite de Lisandro, Marcos sentava-se todas as tardes soleira da porta modesta, aps ostrabalhos santificantes do dia.

Ali conversavam horas inteiras at o final da primeira viglia noturna, quando as estrelas j haviam tomado posio, no eterno cortejo de luzes pelo firmamento sem mculas.

O menino adorava as informaes acerca dos companheiros de ideais do generoso ancio.

Ficara sabendo que a seita era relativamente nova, havendo surgido depois de outras faces religiosas da Judia-a dossaduceus e a dos fariseus - cujos princpios divergiam frontalmente da flgida seita de Lisandro.

O ancio confiara ao pequeno discpulo que o Pai incumbi-

ra-os da tarefa do preparo dos coraes para o advento da Grande Estrela. Porque as conscincias carregavam-se de pecados e as mentes precisam da iluminao pelos conhecimen tos espirituais, a fim de que o Viajar Celeste encontre o caminho terreno mais arejado, os coraes preparados para o entendimento da Grande Lio redentora.

Para a concretizao do objetivo sublime aquele homens vieram de outras terras, reunindo-se sob os cus de brael, cujo solo receberia a graa de ser pisado pelo Messias. Procediam esses missionrios da Vontade Divina de vrios pases, tais como: Prsia, Sria, Grcia, Alexandria e outros centros avana dos do saber humano, trazendo imenso cabedal de experincias cientficas e filosficas, que oferecem a quantos desejem receber a ddiva do conhecimento.

Os olhos de Marcos tornavam-se chamejantes, qual belo par de setas, que ganhassem as alturas infinitas dos espaos, a subir sempre em vertiginosa viagem, sem saber at que ponto e distncia a fora penetrante do entusiasmo as conduzir.

O menino sentia-se altamente preocupado em ouvir Lisandro. Como a doce voz do ancio lhe penetrava o ntimo!

A tarde do dcimo dia da permanncia de Marcos, na morada singela de Lisandro, fora-lhe particularmente inesquecvel.

Achavam-se sentados soleira humilde eo Sol descamba va no horizonte lmpido, semelhando-se a gigantesca tocha s mos de prodigioso corredor, a empreender fantstica maratona, pelos caminhos conhecidos do campo celeste. O crepsculo propiciava temperatura ligeiramente amena.

Os dois companheiros contemplavam a descida do Astro da Vida, com sagrado respeito, sob as harmonias do silncio. Muito tempo ficaram no recolhimento esttico, como que re ceosos de quebrar o encantamento daquele divino instante.

Lisandro observou, em voz baixa:

- Marcos, meu filho, sentimos a grandeza indefinvel do Poder Divino. Todavia, bem pouco conhecemos dessa Potncia, que nos oferece tantas maravilhas...

Aps ligeira pausa, o ancio concluiu:

,-Teu corao conhece agora a presena do Pai Divino - Unico e Eterno- e no podes duvidar da Sua Oniptncia.:.

- Sim, amado mestre, depois que me mostrastes tantos testemunhos do Poder Superior, como duvidar d'Eie? - anuiu o menino, com os olhos postos na linha do horizonte, onde o atleta miraculoso penetrava o ltimo marco da corrida espetacular, conduzindo meta final a tocha do triunfo...

- Agora, meu filho, torna-se imprescindvel a tua entrada no terreno prtico do aprendizado. Amanh mesmo conduzir-te ei ao nosso povoado, no longe daqui. Entrars em contato com outros meninos de tua idade, aprendizes dos princpios vigentes em nossa seita, segundo os quais todo candidato espera da Grande Estrela deve preparar-se para o evento sublime. Todos estudam com alegria as cincias fundamentais e penetram o mundo encantador dos sons, aprimorando a divina arte musical. Quando oCordeirode Deus chegar necessrio encontre os pastores, entoando belas melodias nas avenas humildes, en quanto o aprendiz dedica-se tambm lavoura, aos trabalhos de tear e da cermica. O lema daquele que aguarda a chegada doMessias nesta seita :Mente e mosocupadas, sob a grandevoz do silncio.

As ltimas palavras de Lisandro foram sublinhadas por significativo sorriso.

Marcos indagou, ansioso:

-Ficarei l, ento? Oh, sofrerei muito se tiver de deixar

vos!

Lisandro estremeceu,mas reaprumou-se logo, obser

vando, carinhoso:

.Ser o primeiro sacrifcio, meu filho. Saibas que muitos outros sero exigidos de tua coragem, que se fortalecer no devotamento causa da Grande Espera, atravs do trabalho e do estudo. TQdavia, amado filho, no nos assiste o direito de violen tar-te a vontade . Fars o que a conscincia aconselhar-te. O livre arbtrio sagrada faculdade, doada criatura por divina con- cessao...

Os olhos expressivos de Marcos brilhavam, demorando se na primeira estrela, que surgira de inopino no cu sem nuvens. O olhar molhado semelhava-se-lhe ao oceano: refletia na superfcie azulada a profunda agitao interior.

Como dizer a Lisandro que no desejava, por nada no mundo, sair-lhe do lado?

Mas sabia que o amigo no aconselhava uma coisa injusta. Tudo que falava era certo. Terrivelmente exato e necessrio... Como foram suaves e bons aqueles dias de convvio com

Lisandro!

. Certamente no teria o menino outros semelhantes,

nunca ma1s...

A essa altura das ilaes silenciosas de Marcos, o ancio obtemperou, indo-lhe, mais uma vez, ao encontro dos pensa mentos doloridos:

- Os teus dias, meu filho, sero sempre luminosos. Mes mo quando tiveres de provar o clice do sacrifcio supremo. Aquele que espera o Divino Enviado nos trabalhos sublimes da prpria santificao, jamais ter tristezas duradouras. Estas sero passageiras como os ventos frios e espordicos, que descem do norte e so envolvidas pelas brisas mornas do sul.

O menino assombrou-se com a singular faculdade do ancio de penetrar-lhe os mais ntimos pensamentos, embora houvesse recebido outros atestados, em vrias oportunidades.

- Como podeis sondar-me os pensamentos mais escondidos, Mestre? - indagou Marcos emocionado.

- Teu corao um livro aberto para o meu. Nele leio como se tivesse diante dos olhos a pgina querida de um livro precioso. Porque nos entendemos e nossas almas se entrela am em razes muito antigas, que vitalizam a grande rvore do Amor, dentro do solo dos sculos...

A reticncia propiciava a deixa, era quase um convite para novas indagaes. Marcos no se fez de rogado e aproveitou o ensejo para dessedentar-se naquela fonte de Saber e Bondade, rogando:

- Explicai-me como pode ser isso! H coisas que no entendo... s vezes no vos compreendo!

Lisandro atendeu, generoso:

- Queres comear pelo fim, meu filho. No entraste em cantata com as lies elementares, como entender a ltima pgina da grande cincia da Vida? Por isso mesmo provoquei te o choque, abordando propositalmente o mais alto tema dos conhecimentos essnios. Precisavas ser tocado pela necessidade inadivel do aprendizado, sob o mtodo e as regras de

nosso Manual da Discpi

lina.

Aps meditaruns momentossobre as informaesdoancio,Marcos indagou com ingnuo toque na voz terna:

- Aprenderei um dia a ler a grande voz do silncio, como sempre fazeis?

Lisandro abraou o interlocutor querido e esclareceu, sorrindo:

-Como no? Entrars logo nos primeiros exerccios, se estiveres disposto ao ingresso na seita...

Marcos acentuou quase alegremente, com os olhos brilhantes:

- Sempre tendes razo, amado Lisandro! Farei o que me ordenardes.

O velho apertou o companheirinho sobre o valoroso corao sem uma palavra.

Se Marcos j conhecesse a sublime cincia de ler os pensamentos, na grande voz do silncio, ouviria a alma de Lisandro a enderear ardente prece ao Senhor, assinalando-lhe a gratido pelos jbilos daquela hora.

As estrelas pontilhavam o firmamento e pareciam enviar queles coraes silenciosa mensagem de luz e esperana.

12 NO POVOADO ESSNIO

No dia seguinte, Lisandro conduziu o menino ao povoado essnio, a leste de Hebron, a cinco dezenas de estdios da morada do ancio.

Os dois companheiros empreenderam acaminhada a p, sob a frescura trescalante e suave da manh.

De quando em quando interrompiam a marcha, voltando-se a fim de apreciar a magnificncia das montanhas, que se situavam na retaguarda e que se constituam na nica nota de vida daqueles ermos. A zona ali semelhava-se a pequeno deserto, onde predominava a vegetao rasteira.

A jqrnada era longa e algumas horas de caminhada foram gastas no objetivo visado.

Quando o casario branco surgira pequena distncia,

aqum do fundo azulado do mar, o menino sentira alvoroo irreprimvel no corao. No havia aprendido ainda o controle das emoes