A História Crítica Do Fotojornalismo Ocidental

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Fotojornalismo

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UMA HISTRIA CRTICA DO FOTOJORNALISMO OCIDENTAL - JORGE PEDRO SOUSACAPTULO IIOS PRIMRDIOS DO FOTOJORNALISMOA fotografia nasceu no ambiente positivista do sculo XIX(25), beneficiando de descobertas e inventos anteriores, como as cmaras escura e clara, e da vontade de se encontrar um meio que permitisse a reproduo mecnica da realidade visual. O aparecimento da fotografia, singularizadora e analgica, provocar, assim, uma crise de readaptao no universo da arte representacional, "privada" do realismo por um outro realismo.Nos primeiros tempos, a utilizao da fotografia prendeu-se, principalmente, com demonstraes tcnicas, mas, pouco a pouco, por influncia dos primeiros fotgrafos, em muitos casos tambm pintores, foram surgindo determinados cnones esttico-expressivos para o medium. Estavam criadas as primeiras convenes profissionais, muito semelhantes s da pintura. O pictoralismo via, assim, a luz do dia como a primeira grande tendncia a desenhar-se em torno da fotografia, constituindo-se como um movimento que visava a integrao da fotografia nas artes plsticas, atravs de procedimentos mais ou menos forados, inclusive em laboratrio. Essa corrente vai influenciar o novo medium durante todo o sculo XIX.Os pictoralistas consideravam que se a fotografia queria ser reconhecida como arte tinha de se fazer pintura, pelo que exploravam fotograficamente os efeitos da atmosfera, do clima (nvoa, chuva, neve) e da luz (crepsculo, contra-luz).A fotografia de retrato, pelo seu lado, tambm vai copiar as poses foradas e os cenrios que a pintura usava. Mesmo ao nvel tcnico, o retoque e a pintura das fotos vo fazer escola. Tal constitui um indcio da ideia ento vigente de que a fotografia era como uma extenso da pintura que, eventualmente, substituiria esta ltima. Porm, no s a pintura no desapareceu como tambm a fotografia a poder ter ajudado a libertar-se das amarras do realismo.As primeiras manifestaes do que viria a ser o fotojornalismo notam-se quando os primeiros entusiastas da fotografia apontaram a cmara para um acontecimento, tendo em vista fazer chegar essa imagem a um pblico, com inteno testemunhal. Tambm seria uma questo de tornar a espcie humana mais visvel a ela prpria(26) e essa preocupao "() has led them to confront hostile surroundins, censorship, fallible equipment, the conventional tastes of photo editors and readers, the distorting scrims of their own prejudices, the inherent limitations on what photograph can convey".(27)Mais rigorosamente, a fotografia usada como news medium, entrando na histria da informao, desde, provavelmente, 1842, embora, com propriedade, no se possa falar da existncia de fotojornalismo nessa altura. Alis, o fotojornalismo necessita de processos de reproduo que s se desenvolvem a partir do final do sculo XIX at meados do sculo passado, desenhadores, gravuristas e gravuras de madeira eram intermedirios entre fotgrafos e fotografias e os leitores. (Fig. 1) De facto, a publicao directa de fotografias s se tornaria possvel com as zincogravuras, que surgiriam ao virar do sculo. At essa altura, a tecnologia usada envolvia papel, lpis, caneta, pincel e tinta para desenhar; depois, tornava-se necessrio recorrer a madeira, cinzis e serras para criar as gravuras.Um exemplo eloquente o registo do que aconteceu a uma das primeiras fotografias de acontecimentos, o daguerretipo das consequncias de um incndio que destruiu um bairro de Hamburgo, em 1842, realizado por Carl Fiedrich Stelzner.(28) (Fig. 2) A The Illustrated London News, revista semanal que durante muito tempo esteve frente das publicaes ilustradas, grandes artfices da comunicao/informao visual, usou uma imagem, desenhada a partir desse original, para ilustrar o sucedido(29), pois a reproduo de fotografias constitua um problema com que se defrontavam os primeiros jornais e revistas desse tipo. De qualquer modo, tambm de relevar que o gosto da poca privilegiava o desenho.(30)Nos Estados Unidos, a primeira fotografia de um acontecimento pblico foi realizada em 1844. Trata-se de um daguerretipo da autoria de William e Fredecrik Langenheim, mostrando uma multido reunida em Filadlfia por ocasio da ecloso de uma srie de motins anti-imigrao.(31)A Guerra Americano-Mexicana de 1846-1848 foi, por seu turno, a primeira guerra para onde jornais enviaram correspondentes, tendo mesmo um daguerreotipista annimo realizado uma srie de fotos de oficiais e soldados.(32)Em Abril de 1848, foi publicada no The Sunday Times uma reproduo sob a forma de gravura de madeira daquele que talvez se possa considerar como o primeiro daguerretipo poltico "publicado" na imprensa: The Great Chartist Crowd.Em 1849, um ou mais fotgrafos annimos fotografaram os soldados e oficiais envolvidos no cerco de Roma, mais um prenncio da ateno que o fotojornalismo iria devotar guerra.Em meados do sculo XIX, inicia-se a edio de publicaes ilustradas. A The Ilustrated London News, a primeira revista ilustrada, nasceu em Maio de 1842. O seu fundador, Herbert Ingram, afirmou, no nmero um, que a revista daria aos seus leitores informao em contnuo dos acontecimentos mundiais e nacionais mais relevantes, da sociedade poltica, com a ajuda de imagens caras, variadas e realistas.(33) Entre 1855 e 1860, a tiragem cresceu de 200 mil para 300 mil exemplares(34), o que indicia uma crescente apetncia social pela imagem.Em Paris, comea a ser publicada, em 1843, a Illustration, a segunda grande revista ilustrada a ver a luz do dia. tambm durante esse ano que um funcionrio fixa, em daguerretipo, a cerimnia de assinatura de um tratado de paz entre a Frana e a China. Com ele, completa-se a figura do pr-foto-reprter.(35) As fotografias de um incndio (o de Hamburgo) e de uma cerimnia protocolar ficam, assim, para a histria, como indcios daquilo que, mais tarde, se conformaria como alguns dos temas configuradores de rotinas produtivas e convenes no fotojornalismo. poca, os fotgrafos aventuram-se por vrios caminhos. O gosto pelo extico e a curiosidade pelo diferente, por exemplo, vo promover a produo e difuso de fotografias de inteno documental de locais distantes e de paisagens. Na Europa, a ateno vai para a frica e o Oriente, facto a que no alheia a mentalidade colonial. No entanto, se a "documentao" fotogrfica africana norteada por finalidades cientficas, o "fotodocumentalismo" no Mdio Oriente, sobretudo no Egipto, teve como fim principal a comercializao de postais ilustrados.Nos Estados Unidos, especialmente aps a Guerra da Secesso, os olhares dirigem-se para o Oeste, povoado por tribos ndias, e para onde os colonos se deslocavam, indo provocar um dos maiores genocdios da histria.Os fotgrafos que empreendiam tais expedies eram autnticos "fotodocumentalistas"-viajantes, vergados sob o peso de um equipamento de grandes dimenses e obrigados a transportar consigo literalmente o laboratrio. Visando dar testemunho do que viam, encobertos pela capa do realismo fotogrfico, comeavam a ambicionar substituir-se ao leitor, sob mandato, na leitura visual do mundo. j uma retrica da "objectividade" a despontar, mas que correspondia, de facto, a um discurso fotogrfico cujo fim residia na obteno de imagens sem censura nem truncagens. De todo o modo, embora esses fotgrafos no carregassem ainda o peso de uma tradio histrico-cultural manipuladora e censria, no eram raras as ocasies em que os gravuristas de madeira acrescentavam pormenores da sua lavra s imagens no momento em que elaboravam ilustraes a partir dos originais fotogrficos.Paralelamente, desenvolve-se, tambm, a fotografia de retrato e a fotografia arquitectnica. Evidencia-se ainda o naturalismo(36), a que sucede a fotografia pictoralista(37), onde as fotos assumiam, como se disse, uma condio de imitao da pintura. (Fig. 3) Algumas das tendncias compositivas patentes na fotografia pictoralista ainda hoje se repercutem, por vezes, no campo fotojornalstico. (Fig. 4)A necessidade agua o engenho. Sentia-se a necessidade de novas invenes e estas, como as que "aprisionam o instante", gradualmente, foram surgindo. Mas as tecnologias no so neutras: emergem num determinado estado de coisas e configuram um novo estado de coisas. pois notria a inter-relao entre as possibilidades tcnicas e os contedos: nas guerras daquele tempo seria impossvel obter spot news das batalhas. As imagens de Fenton, da Guerra da Crimeia, e de Brady, Gardner, O'Sullivan, Barnard e outros, da Guerra da Secesso Americana, por exemplo, concentram-se, por isso, mais na paisagem blica do que nos processos de guerra em si. Assim, "Depictions of battle were sanitized by distance and time, leaving the viewing public outside the process of war itself."(38)As exigncias do pblico, dos profissionais e dos consumidores levam, consequentemente, a avanos tecnolgicos, que permitiro ganhos para o contedo das fotografias. desta forma que a evoluo da temtica fotogrfica no sculo XIX acompanhada por conquistas tcnicas. Entre elas, avulta a diminuio dos tempos de exposio, ligada melhoria da qualidade das lentes e adopo de novos processos, como o do coldio hmido (cerca de 1851).A tcnica do coldio hmido contribuir para destronar o daguerretipo. Com o fim do reinado deste e com a disseminao dos processos negativo-positivo, vo produzir-se mudanas na cultura, nas rotinas e convenes profissionais. Na fotografia, vai abandonar-se a ideia da obra de arte nica, chegando-se noo de arte-obra mltipla.(39)Para o fotojornalismo, a conquista do movimento revelou-se de importncia vital, uma vez que permitiu "congelar" a aco, impression-la numa imagem quase em tempo real, capturar o imprevisto, chegar ao instantneo e, com ele, acenar com a ideia de verdade: o que assim capturado seria verdadeiro; a imagem no mentiria (note-se, todavia, que apesar de o instantneo permitir representaes fotogrficas mais "sinceras" e espontneas, as fotografias no deixam de ser representaes). O mesmo se passa com a melhoria das lentes uma maior luminosidade possibilitar at a obteno de fotografias em interiores sem recurso iluminao artificial, o que facilita, por exemplo, fotografar pessoas sem que elas se apercebam da presena do fotgrafo, com ganhos para a naturalidade e, assim tambm, para a verosimilhana.Nadar (1820-1910), o clebre retratista francs, talvez o primeiro fotgrafo a atentar nas expresses caractersticas de cada pessoa, explorando as potencialidades expressivas do rosto humano atravs da mquina fotogrfica(40), monta o seu estdio em 1853. Ser a ele que se dever a primeira fotografia area, em 1858, as primeiras fotografias com iluminao artificial (esgotos de Paris) e as primeiras fotografias de uma entrevista (as fotos do filho de Nadar entrevista que o seu pai fez ao qumico Chevreul, por ocasio do centenrio deste, em 1886, das quais 12 foram publicadas no Journal Illustr). (Fig. 5) Segundo Gisle Freund:"A foto inaugura os mass media visuais cando o retrato individual fica substituido polo retrato colectivo. De vez, convertese nun poderoso medio de propaganda e manipulacin."(41)Com a abertura do estdio de Disderi (1819-1889), tambm na capital francesa, por volta de 1854, opera-se uma mudana radical na evoluo da fotografia surge a fotografia "carto de visita" e d-se democratizao do acesso fotografia de retrato por via da diminuio dos preos. dado o primeiro passo para a fotografia se tornar um mass medium. Julgamos mesmo, alis, que foi atravs da popularizao massiva da imagem fotogrfica que se comeou a delinear um mercado para o fotojornalismo.Os pioneiros da "reportagem" fotogrfica assistiro cerimnia de abertura da reconstruo do Crystal Palace, em Sydenham, em 1854, e ao baptismo do prncipe imperial em Notre-Dame de Paris, em 1856.(42) Pelo meio, em 1855, Roger Fenton (1819-1869) parte para a Guerra da Crimeia, com quatro assistentes e uma enorme parafernlia de equipamento, entre o qual uma carroa-laboratrio, indispensvel para a necessria revelao imediata das fotografias (usava-se a tcnica do coldio hmido sobre vidro). Ele ir realizar a primeira reportagem extensa de guerra.A dcada de cinquenta do sculo passado tornou-se uma poca de oportunidades para a fotografia de paisagens, sobretudo no Mediterrneo, onde fotgrafos britnicos e franceses eram particularmente activos. Algumas das fotos surgiam na imprensa sob a forma de gravuras, como as vistas de Constantinopla de James Robertson (?-1865?), publicadas na Illustrated London News.(43)Tambm surgiam nos jornais e revistas da poca algumas gravuras de fotos que documentavam o processo de industrializao em curso, como as de Robert Howlett da construo do maior navio a vapor da poca, o Leviathan, publicadas, em 1858, na Illustrated Times.(44)Entretanto, em 1852, realiza-se uma grande exposio fotogrfica em Inglaterra. No Times escreve-se sobre o potencial "fotojornalstico" da cmara: "It secures precise and charming representaions of the most distant and the most evanescent scenes. It fixes, by almost instantaneous processes, the details and character of events and places, which otherwise the grear mass of mankind would never have brought home to them."(45)1855 o ano da grande exposio do Palcio da Indstria, em Paris, onde se inclui uma seco especial sobre fotografia. Por essa altura, nos meios intelectuais, animados pelo positivismo, e nos meios artsticos, onde pontifica paralelamente o realismo, alimenta-se uma polmica sobre a fotografia. O debate em curso "() exemplifica o ambiente de contradicin creadora que pulaba polos seus protagonistas e que estimula o camio da foto como testemua, o grande perigo aparecer vencellado coas correntes pictoralistas, de condicin recuada, que pretenden identificar, forzar, foto igual a imitacin da pintura."(46) na exposio parisiense de 1855 que, pela primeira vez, so exibidas provas retocadas de negativos, do fotgrafo Franz Hamfstangel, de Munique. Mas, se Hamfstangel inventou o retoque do negativo, tambm abriu as portas manipulao da imagem fotogrfica pela truncagem. Gisle Freund afirma mesmo que: "O retoque constituiu um facto decisivo para o desenvolvimento ulterior da fotografia. o comeo da sua degradao pois, uma vez que o seu emprego inconsiderado e abusivo elimina todas as qualidades caractersticas de uma reproduo fiel, ele despojou a fotografia do seu valor essencial."(47)Nessa mesma poca, a fotografia estereoscpica (em trs dimenses) vai popularizar-se, chegando quase ao estatuto que tm hoje os videos domsticos. Paisagens, fotos de guerra, fotos de acontecimentos (frequentemente tambm inseridas na imprensa), fotos do mundo industrial, fotos de viagem, todas contribuiam para os lucros das companhias que se dedicavam a esse produto, como a London Stereoscopic Company, que, no final da dcada de cinquenta do sculo passado, havia vendido 500 mil aparelhos em que podiam ser usadas quase 100 mil fotografias. A fotoestereoscopicomania durar at I Guerra Mundial. A este fenmeno, provavelmente, no ser estranho o facto de s a partir dos finais do sculo XIX os jornais e revistas comearem a editar fotografias e no gravuras obtidas a partir de fotografias.Alguns fotgrafos, como o coronel Langlois (1789-1870), autor de Panoramas de la Guerre de Crime, 1855) ou Gustave Le Gray (1820-1884), comearam tambm por essa poca a realizar vrias fotografias em sequncia espacial, algumas das quais com interesse documental, para tentar compor panormicas. A ideia da panormica, hoje em dia, representada pelas tcnicas que permitem a sua realizao, como o Advanced Photo System. CAPTULO IIINASCE O FOTOJORNALISMO: A GUERRA COMO TEMA PRIVILEGIADOEm meados da dcada de cinquenta do sculo XIX, a fotografia j havia beneficiado dos avanos tcnicos, qumicos e pticos que lhe permitiram abandonar os estdios e avanar para a documentao imagtica do mundo com o "realismo" que a pintura no conseguia. A foto beneficiava tambm das noes de "prova", "testemunho" e "verdade", que poca lhe estavam profundamente associadas e que a credibilizavam como "espelho do real".As guerras no puderam, assim, deixar de merecer a ateno dos "proto-fotojornalistas" e dos seus editores. Por um lado, a herana cultural consagrava-lhe ateno artstica, pois a guerra sempre foi um tema sedutor e de sucesso junto das pessoas(48); por outro lado, na segunda metade do sculo passado ocorreram numerosos conflitos em que se viram envolvidas as potncias mais industrializadas. H ainda a acrescentar que se ia formando um pblico para a "reportagem ilustrada". assim que a participao britnica na Guerra da Crimeia (1854-55), com o consequente interesse popular, leva o editor Thomas Agnew a convidar o fotgrafo oficial do Museu Britnico, Roger Fenton, a deslocar-se frente de batalha, para cobrir "fotojornalisticamente" o acontecimento.Todavia, a rudimentaridade das tecnologias vai originar um caso paradigmtico de desfavor do "proto-fotojornalismo". As fotografias da Guerra da Crimeia obtidas por Fenton, publicadas no The llustrated London News e no Il fotografo, de Milo, em 1855, foram inseridas na imprensa sob a forma de gravuras, apesar dessas fotos constituirem o primeiro indcio do privilgio que o fotojornalismo vai conceder cobertura de conflitos blicos. De qualquer modo, e de acordo com Marie-Loup Sougez, Roger Fenton foi o primeiro reprter fotogrfico.(49)As fotografias que Fenton obtm na Crimeia no mostram o horror da dor e da morte. (Fig. 6) Os cerca de 300 negativos que restam so antes imagens de soldados e oficiais, por vezes sorridentes, posando para o fotgrafo, ou imagens dos campos de batalha, limpos de cadveres, embora juncados de balas de canho.As fotos da Guerra da Crimeia realizadas por Roger Fenton possuem, de facto, um condicionalismo que ultrapassa o dos limites definidos pelas tecnologias. Sendo uma expedio encomendada pelo empresrio Thomas Agnew, com a primeira cobertura "fotojornalstica" de guerra nasce a censura prvia ao fotojornalismo.(50) Da serem imagens que nada revelam da dureza dos combates. Em vez disso, mostram a "falsa guerra", os soldados bem instalados, longe da frente. ainda a guerra vestida com a sua aurola de herosmo e de epopeia, como tradicionalmente era representada pela pintura. Por outro lado, porm, h evidentemente que atentar nas limitaes tcnicas: a "reportagem" de guerra estava limitada ao "teatro das operaes" e s consequncias das actividades blicas, pois o fotgrafo era incapaz de se posicionar "na aco". preciso que se note que as fases iniciais do conflito da Crimeia, que se desenrolaram nos Balcs, podem ter sido registadas por Karl Baptist de Szathmari, um amador de Bucareste, mas as fotos no sobreviveram, pelo que se desconhece o seu contedo.Durante a Guerra da Crimeia salientou-se ainda um outro fotgrafo, tambm britnico: James Robertson. Ele, provavelmente, foi o primeiro fotgrafo a fotografar mortos em combate, quando "reportou" a queda de Sebastopol, ampliando "o universo do mostrvel", a "liberdade de ver".(51) Um outro "proto-fotojornalista" desses tempos foi um associado de Robertson, Felice Beato (c. 1830-1906). Juntos aps 1850, depois do conflito da Crimeia foram para a ndia, onde Beato fotografar a rebelio dos Cipayos, em 1857.Da Guerra da Crimeia em diante, todos os grandes acontecimentos sero reportados fotograficamente, como o conflito que ops a ustria Sardenha (Luigi Sacchi, Berardy e Ferriers, pai e filho, 1859), a colonizao da Arglia (Jacques Moulin, 1856/57), as rebelies na ndia (Robertson e Beato, 1857-1858), a interveno britnica na China, durante as Guerras do pio (Beato, 1860), o ataque da Prssia e da ustria Dinamarca (Friedrich Brandt, Adolph Halwas e Heinrich Grat, 1864), a Guerra da Secesso nos EUA (1861/65) e a Guerra Franco-Prussiana, onde Disdri chegou a fotografar as runas de St. Claud (1870). De qualquer modo, acontecimentos mais pacficos ou at mesmo agradveis tambm mereceram reportagens: concursos agrcolas, festas, exposies universais, grandes construes.(52) A audincia crescia:"With the press embarking upon a period of quick expansion the result of increasing literacy and advances in rapid printing that made it possible to produce huge editions 'the people' were becoming 'the public'. Civil life would be transfomed. Popular prejudices were magnified by the press, leading to a louder clamor and intensified passions."(53)A exemplo do que aconteceu com as fotos da Crimeia, nos Estados Unidos levantam-se tambm problemas tecnolgicos na hora de reproduzir em revistas ilustradas (como a Harper's Weekly, a New York Illustrated News ou a Frank Leslie's Illustrated Newspaper) fotografias como as da Guerra da Secesso o primeiro evento a ser "massivamente" coberto por fotgrafos.Na cobertura desse conflito pontificaram, entre outros, nomes importantes para a histria do fotojornalismo, como Mathew Brady (1823-1896), um freelance que havia sido o fotgrafo oficial do candidato Lincoln, e os seus colaboradores mais importantes, Alexander Gardner (1821-1882), Timothy O'Sullivan (activo de 1840 a 1882) e George N. Barnard (1819-1902).As prticas de construo imagtica tiveram alguma influncia durante a Guerra Civil Americana: Gardner chega a rearranjar um corpo de um sulista na clebre foto de um soldado morto intitulada "Home of a Rebel Sharpshooter".(54) (Fig. 7) Alis, esse mesmo corpo pode ter sido usado no s para essa mas tambm para outra foto de um morto, desta feita de um soldado da Unio: "A Sharpshooter's Last Home".(55)A associao de Brady (que raramente operava a cmara) com os seus colaboradores ruiu quando estes comearam a reclamar do facto de Brady assinar todas as fotos, incluindo as desses ltimos, o que deixa adivinhar o despontar da ideia do direito de autoria e assinatura no fotojornalismo. Devido ao mau estar desencadeado pela actuao de Brady, Gardner, por exemplo, dissociar-se- do seu contratante a meio da guerra, publicando, no final das hostilidades, o Gardner's Photographic Sketch Book of The War. Contudo, independentemente dos seus mritos e desmritos, Pollack assegura que foi Brady a ter a ideia inovadora de montar a primeira agncia distribuidora de fotos de actualidade, embora se tenha arruinado no empreendimento.(56)Ao contrrio do que sucedeu a Fenton, durante a Guerra da Secesso, sem censura, comea a revelar-se uma certa esttica do horror, que, mais actualmente, dominou obras como a de Don McCullin ou as de uma parte dos fotojornalistas de guerra, mas que j se adivinhava, por exemplo, nas fotos de Felice Beato durante as Guerras do pio, na China, em 1860. As imagens de Beato da captura de Tientsin pelas tropas franco-britnicas no teriam sido sujeitas aos condicionalismos com que Fenton se defrontou, mostrando os cadveres, por vezes em decomposio, dos que tombaram na luta.Pelo estudo de William Thomson, The Image of War, chega-se, todavia, concluso que a cobertura fotogrfica da Guerra Civil Americana abrangeu tambm, especialmente no seu incio, imagens idealizadas de oficiais garbosos a conduzir ordeira e heroicamente os seus soldados na frente.(57) O retrato duro e cruel das realidades (mortais) do conflito s aparece numa fase posterior, quando os editores perceberam que os leitores pretendiam notcias "factuais" sobre o que realmente acontecia aos combatentes.(58)Brady e outros fotgrafos, por exemplo, devem ter influenciado a opinio dos pblicos, ao dar a conhecer fotos do campo de prisioneiros de Andersonville, onde se dizia que morria um prisioneiro a cada onze minutos. As gravuras dos "esqueletos humanos" publicadas, em Junho de 1864, na Leslie's e na Harper's, a partir das fotos, escandalizaram o Norte: no traziam a emoo visceral, intensa e instantnea das fotos-choque, mas saber que eram desenhos executados a partir de fotografias potenciava a sua credibilidade e dramaticidade. (Fig. 8)Os principais aspectos a reter sobre o desenvolvimento do fotojornalismo durante a cobertura da Guerra da Secesso talvez sejam:a) A descoberta definitiva, por parte dos editores das publicaes ilustradas, que os leitores tambm queriam ser observadores visuais(59); a fotografia passa a ser vista como uma fora actuante e capaz de persuadir devido ao seu "realismo", verosimilitude;b) A percepo de que a velocidade entre o momento de obteno da foto e o da sua reproduo era fundamental numa esfera de concorrncia: o recurso ao comboio para transportar as fotos at redaco tornou-se um procedimento de rotina(60), que ter comeado a acentuar a cronomentalidade(61) dos fotojornalistas envolvidos e a tornar a actualidade num critrio de valor-notcia (tambm) fotojornalstico; por vezes, as fotografias das batalhas eram publicadas menos de uma semana aps a sua realizao;(62)c) A aquisio da ideia de que era preciso estar perto do acontecimento quando este tivesse lugar(63), a mesma inteno que alguns anos depois incitar Robert Capa e muitos outros fotojornalistas, especialmente nas agncias noticiosas e nos jornais e revistas; as fotos das batalhas obtm-se ainda com o fumo e o odor a sangue a pairar pelo campo(64);d) A emergncia da noo de que a fotografia possua uma carga dramtica superior da pintura e que era nisto que residia o poder do novo medium; essa carga dramtica ser-lhe-ia principalmente outorgada pelo facto de a cmara "registar" o que focado no visor; assim, o observador tende a intuir que se estivesse l veria a cena da mesma maneira;e) A guerra despida da sua aurola de epopeia;f) Como a cobertura fotogrfica da Guerra Civil que assolou os Estados Unidos foi a "estria" dos exrcitos da Unio, j que a Confederao no possua jornais ilustrados bem eruturados(65), evidencia-se que a imagem da guerra , frequentemente, a imagem que dela d o vencedor ou, pelo menos, que, em todo o caso, a imagem final da guerra conformada pela imprensa mais forte.A Guerra da Secesso foi tambm a primeira ocasio da histria em que os "fotojornalistas" correram perigo de morte ao cobrirem a frente de batalha. Um perigo agravado pela enorme quantidade de equipamento que necessitavam de transportar consigo, incluindo uma carroa-laboratrio (tal como na Crimeia, usava-se a tcnica do coldio hmido, que exigia que as fotografias fossem reveladas mal fossem obtidas) e cmaras enormes com trip.Em 1866, foram publicados dois importantes livros fotogrficos sobre a Guerra da Secesso, o primeiro exemplo de edies fotogrficas organizadas pelos fotgrafos para serem tomadas em conta na hora de se fazer histria: o j referenciado Photographic Sketch Book of the War (de Gardner, embora reunisse contribuies de outros fotgrafos) e Photographic Views of Sherman's Campaign (de Barnard). Este ltimo talvez seja mais curioso, devido ao seu pendor ensastico: trata-se de uma coleco quase obsessiva de fotografias "de paisagens" em que silhuetas de edifcios esventrados se alinham contra um cu claro. Era, afinal, o que restava da tal marcha do general Sherman.Por outro lado, so realizadas vrias exposies, nomeadamente por Brady. Livros e exposies iniciam, assim, um percurso indelevelmente ligado ao fotojornalismo, mostrando que os processos de difuso de imagem fotojornalstica na actualidade tm razes (tambm) histrico-culturais.Depois da rendio, Brady conseguiu convencer o general Lee a deixar-se fotografar em casa, na cidade de Richmond. Pela ltima vez, o general vestiu o uniforme Confederado. O trabalho de cobertura fotogrfica do conflito tinha terminado.Segundo Karen Becker, alm das imagens de guerra, a imprensa ilustrada da poca privilegiava a insero de imagens de eventos e cerimnias pblicas importantes, encetando uma lgica que configura algumas das rotinas produtivas do fotojornalismo moderno.(66) Porm, mais importante do que a simples constatao de um facto reflectir sobre as consequncias da introduo das fotos traumticas dos acontecimentos violentos nas tranquilas casas burguesas. Depois da fotografia, a guerra nunca mais seria a mesma. Com o medium emergente, o observador era projectado num mundo mais prximo, mais real, mas por vezes mais cruel. No mundo da imprensa, com as fotos, o conhecimento, o julgamento e a apreciao deixaram de ser monopolizados pela escrita. preciso notar-se que os fotgrafos que cobriram esses primeiros grandes acontecimentos no se viam a si mesmo como fotojornalistas, at porque no existia um corpo profissional autnomo. Foi apenas por volta da ltima dcada do sculo passado, graas emergncia da imprensa popular, de que resultou a contratao de fotojornalistas a tempo inteiro por Pulitzer e Hearst, que o profissionalismo fotojornalstico comeou a vir ao de cima(67) em definitivo, grande parte da produo fotogrfica deslocou-se para a imprensa, abandonando o estdio, e muitos fotgrafos deixaram, consequentemente, o seu estatuto de pequenos burgueses.O estatuto de dependncia econmica que o fotojornalismo adquiriu com a profissionalizao viria a conformar a actividade, tornando a sua produo algo "popular", uma tendncia que adquiriu maior projeco nos dias que correm com o triunfo da foto-ilustrao, do glamour e do show biz bem como com os fotgrafos paparazzi, que se movem ao faro do sensacional, do extico, do escandaloso, e no do documento de valor socio-histrico, e cuja (m) fama foi relevada com a morte da Princesa Diana.CAPTULO IVUM LUGAR AO SOL: INVENES E INOVAES DESENHAM O XITO DO FOTOJORNALISMOA agenda fotojornalstica na imprensa nos finais do sculo XIX e princpios do sculo XX vai configurando-se no ambiente tenso que resulta das pulses de sinais contrrios que animavam as discusses sobre fotografia e as prticas fotogrficas.Na mesma poca, a procura da fotografia de actualidades aumenta. Encontra aqui, alis, justificao o interesse que, em 1889, o British Journal of Photography mostra pela criao de um arquivo de fotos de actualidade(68), prenncio do que, mais tarde, jornais, revistas e agncias se veriam forados a fazer. Hoje em dia, as novas tecnologias facilitam a arquivstica fotogrfica, permitindo, entre outros factores, uma melhor conservao (digitalizao e armazenamento em banco de dados), a poupana de espao, a rpida localizao e a incluso de vrias informaes em texto anexo. Porm, as novas tecnologs facilitam tambm a manipulao imagtica, constituindo uma fonte de preocupao, embora tambm um desafio a que fotojornalistas, arquivistas e outros profissionais se rejam pelas pautas da honestidade, da tica e da deontologia.Na Europa, os grandes acontecimentos que ocorreram no ltimo tero do sculo passado mereceram cobertura fotogrfica. interessante referenciar as "reportagens" da guerra Franco-Prussiana, entre 1870 e 1871, onde se comea a detectar a introduo do conceito de velocidade na fotografia europeia. tambm nesse conflito que so realizadas as primeiras fotos de soldados lutando no campo de batalha (despontar da esttica da prximidade).A cobertura da Comuna de Paris (1871) tambm se salienta na histria da fotografia, pois, aps o desenlace da revolta, as fotos foram, pela primeira vez, usadas com intuitos repressivos, para identificar pessoas com vista instaurao de processos criminais que levaram frequentemente a execues. De facto, quando, nas barricadas, os revoltosos radicais posavam ingenuamente para os fotgrafos, certamente estavam longe de pensar nessa nova utilizao da fotografia. Hoje, quem no quer ser reconhecido, tapa a cara um gesto simples, embora denunciante de fotoliteracia, que poderia ter salvo vidas entre os revoltosos. Anos mais tarde, curiosamente, um lbum que reunia a memria fotogrfica da Comuna no teve a aceitao do mercado. Tentativas de esquecimento, de lavar a memria nas seguras regies da anestesia?Vai ser tambm depois da Comuna que surge a informao grfica truncada, com as primeiras montagens. O fotgrafo Libert publicou no livro Crimes de la Commune fotos de pessoas retratadas sobre fotos de Paris.Depois de vrias experincias de diversos inventores, em Julho de 1871 o jornal sueco Nordisk Boktryckeri-Tidning publicou uma fotografia impressa conjuntamente com o texto, graas a uma impresso em halftone com uma trama de linhas. Carl Carleman, o inventor do processo (que ser usado, depois, na imprensa de outros pases, como na revista francesa Le Monde Illustr, a partir de 10 de Maro de 1877), sublinhou que seria somente dessa forma que a fotografia poderia penetrar massivamente no pblico e tornar-se o meio mais poderoso para elevar culturalmente a humanidade.A conquista da travagem do movimento tambm deu passos largos: beneficiando da cronofotografia do fisiologista francs tienne-Jules Marey (1830-1904), que estudava sobretudo o movimento de pessoas e animais, mas tambm de alguns objectos, o fotgrafo norte-americano Edward Muybridge (1830-1904), j bastante conhecido pelas suas fotos de Yosemite Valley, conseguiu registar travado o movimento em trote e a galope do cavalo do governador da Califrnia, Lelan Stanford. Muybridge obteve uma sequncia das fases sucessivas do movimento usando doze mquinas fotogrficas dispostas sequentemente, em bateria, accionadas por obturadores elctricos cujo disparo era, por sua vez, accionado pelo cavalo ao tocar em fios que atravessavam a pista nos locais onde as cmaras se posicionavam.Nas duas ltimas dcadas do sculo XIX surgem revistas de fotografia em vrios pontos do Globo, como a Illustrated American (Estados Unidos, 22 de Fevereiro de 1890), provavelmente a primeira revista ilustrada concebida deliberadamente para usar fotografias em exclusivo, a The Photographic News (Reino Unido) e a La Ilustracin Espaola y Americana (Espanha).No primeiro nmero da Illustrated American, que inseria 75 fotografias, o seu editor proclamava: "() o objectivo especial ser desenvolver as possibilidades at aqui quase inexploradas da cmara e dos vrios processos que reproduzem o seu trabalho."(69)Aquelas revistas tiveram um relevante papel inovador: "Por razns de periodicidade, de especializacin temtica ou de pblico ser neste sector da prensa escrita na revista onde ir manifestarse o avance no uso da imaxe, mesmo as sas aplicacins vangardistas, sector que influir e propiciar a sa introducin no xornal, no diario."(70)Na mesma altura, porm, alguns ttulos tradicionais, como a The Illustrated London News, chegam at a manifestar-se contra a substituio da gravura artesenal pelos novos procedimentos de impresso(71), nomeadamente o halftone, disponvel em geral a partir de 1880. Por um lado, provvel que um pblico mais conservador continuasse a considerar o desenho como uma forma de arte, estatuto que no outorgaria fotografia. Desta forma, o seu gosto privilegiaria o desenho da fotografia em detrimento da fotografia em si, fazendo-se eco da polmica que os detractores do novo medium alimentavam quase desde o seu nascimento. Por outro lado, esta postura algo anacrnica, pois, ao fim e ao cabo, renegava os novos processos tcnicos e invenes que concorriam para consolidar a fotografia como news medium (lentes anastigmticas, emulses sensveis, pelcula flexvel, cmaras manuais e processos de impresso inovadores).No obstante, a informao fotovisual tinha um lugar assegurado na imprensa. Por isto, as aparies espordicas da fotografia nas pginas dos jornais e revistas mais no fizeram do que abrir caminho para a informao fotojornalstica sistemtica e, assim, para uma informao mais directa.De qualquer modo, com as conquistas tcnicas e as inovaes no uso da imagem, com o instantneo e a conquista da aco, com a competio entre as cada vez mais numerosas revistas ilustradas ("fotojornalsticas"), nasce um novo discurso "fotojornalstico", ligado a uma retrica da velocidade. Alis, em 1884, o Illustrierte Zeitung, de Leipzig, consubstancia o esprito renovador ao publicar dois instantneos (fotografias que valem mais por existirem do que pela qualidade que apresentam) de Ottomar Anschtz, em halftone, sobre as manobras do exrcito alemo em Hamburgo. Justificando o acto, o director da publicao escreveu: "Pela primeira vez vemos duas fotografias instantneas impressas conjuntamente com letra de imprensa (). A fotografia abriu novos caminhos. A sua palavra de ordem agora 'rapidez' em todos os aspectos, quer ao tirar a fotografia quer ao reproduzi-la. As velhas tcnicas esto j ultrapassadas pelas de hoje ()."(72) Estas ideias ainda hoje moldam algum fotojornalismo, como o fotojornalismo de agncia noticiosa, o que releva as condicionantes histrico-culturais da evoluo da actividade.A utilizao do halftone generaliza-se a partir de 4 de Maro de 1880, dia em que o The New York Daily Graphic publica a sua primeira foto reproduzida atravs desse processo (Stephen Horgan, A Scene in Shanty Town, uma fotografia de um bairro de lata).O halftone veio emprestar ao fotojornalismo a base tecnolgica que lhe faltava para conquistar um lugar ao sol na imprensa. Ulteriormente, tornou-se mais fcil fazer acompanhar os textos de imagens fotogrficas. Na Europa, por exemplo, so publicados dois halftones na Leipziger Illustriert, em 15 de Maro de 1884.Todavia, a introduo do halftone no originou, inicialmente, a mudana das rotinas produtivas anteriores. De facto: (a) os reprteres fotogrficos ainda necessitavam de desenvolver as performances "intuitivas" que o seu trabalho implica; (b) nem todas as notcias so fotografveis ou, pelo menos, "fotognicas"(73); e (c) a adaptao tecnolgica ao halftone era cara e poderia contrariar os gostos e expectativas do pblico.Assim, os desenhos continuaram a ser a principal fonte de imagens dos jornais, com excepo dos domingos, em que os suplementos passaram a incluir fotos em grande nmero. Consequentemente, os gravuristas de madeira eram mais considerados do que os fotojornalistas, sendo vulgar que as fotografias fossem apenas usadas como modelo para os gravuristas de madeira, que chegavam a assinar as imagens nos jornais em detrimento de quem as obtinha. Conforme explica Karen Becker: "Despite these successes newspapers resisted the costly reorganization of production and hiring of outside printers to screen photographs. Their investment in engravers also satisfied standards of visual art and supplied more lively images than the slow photographic technology was capable of the time."(74)As fotografias surgiam nos jornais do sculo XIX como um pouco menos do que intrusas. O design de imprensa era centrado na letra. Alm disso, nos jornais do final do sculo passado, como o Boston Evening Trancript, por exemplo, as fotografias surgiam sobretudo para ilustrar features. Nas pginas de features, era inclusivamente comum a incluso de fotos de casamentos, embora separadas do texto por enfeites sbrios. Frequentemente suprimia-se o fundo para se destacarem as figuras.(75) O Daily News, o Herald and Examiner e o Post usavam a fotografia de maneira equivalente.(76)"This mode of photo use was inspired by the art concepts of picture making, principally from portraiture and landscape genre paiting. These two sometimes joined together in a montage: cutout close shots of the principal faces, mounted on a static landscape taken after the fact, at the scene of events. Montage was used () but died out completely during the early 1930s, along with borders and silouettes ()."(77)A pelcula fotogrfica em forma de tira, um invento de George Eastman e W. Walker surge tambm em 1884, como se referiu, o ano de publicao pela Illustrirte Zeitung dos instantneos de Ottomar Anschutz das manobras do exrcito alemo em Hamburgo (hoje em dia as manobras militares continuam a ser pretexto de foto-reportagens, devido no s ao seu carcter espectacular mas provavelmente tambm aos inteligentes servios de relaes pblicas das Foras Armadas). Essa inveno, para alm de ter contribuido para o uso da fotografia como self-medium, vir a facilitar a vida aos fotojornalistas, pois trata-se de um material extraordinariamente mais manipulvel e de transporte mais fcil do que as chapas de vidro ou metal.Quatro anos mais tarde, em 1888, Eastman inventa e fabrica a primeira cmara Kodak. Com ela, a fotografia promove-se definitivamente a medium de uso massivo e democratiza-se "You press the bottom. We do the rest!" ("Voc Carrega no Boto. Ns Fazemos o Resto!"), sustentava a campanha publicitria da Kodak. A partir deste momento, deixam de ser necessrios conhecimentos relativamente aprofundados sobre os processos de revelao, impresso e composio imagtica para se ser fotgrafo.Em pouco tempo, a fotografia vai permitir o amadorismo das cabeas cortadas. E tambm disseminar as ideias compositivas estereotipadas da foto bonita, lisa e aplanada no sentido, bem centrada para o senso comum, estas seriam, em exclusivo, as boas fotografias, inclusive no domnio do fotojornalismo. Mas, por outro lado, tambm permitir ao amador tornar-se num criador e at mesmo num caador de imagens, garantindo que os acontecimentos marcantes das histrias individuais e familiares ganhem uma memria. Baptismos, casamentos, frias, ganham uma dignidade fotogrfica que, para a fotografia tradicional, actua no s como um agulho espicaador mas tambm como um boio de liberdade.O caso do pintor Jacques-Henri Lartigue (1894-1986) exemplificativo da anterior assero. De facto, Lartigue veio a ser um dos amadores que usou abundantemente as mquinas portteis. Ainda na sua juventude, realizou, a partir de 1904, diversos instantneos de pessoas, cheios de graa e ternura, que contrastavam vivamente com a anmica esttica pictoralista dominante, chegando mesmo, por vezes, a roar a abstraco. Depois, continuou a fotografar a famlia, as crianas e as mulheres de estratos privilegiados da populao francesa, at 1935, contemplando a elegncia e a doura de viver.Na imprensa, a competio derivada da cobertura da Guerra Hispano-Americana (uma guerra em que os jornalistas no se limitaram a reportar as notcias: fizeram notcias(78)), a partir de 1898, vai incentivar as empresas jornalsticas dos EUA a uma poltica de investimentos que alarga a utilizao do halftone e promove definitivamente a fotografia ao estatuto de news medium. Apesar dos excessos do yellow journalism e do jornalismo sensacionalista(79) praticados na ocasio, os jornais norte-americanos, com o sensacionalista World, de Joseph Pulitzer, e o "amarelo" New York Journal, de Randolph Hearst, cabea, faziam um "() lavish use of pictures, including faked and inaccurately labeled photographs, contributed to the war fever and increased circulation."(80) Porm, as associaes da fotografia ao jornalismo amarelo tero levado os jornais e as revistas de elite (quality papers) mais conservadores a adiar a sua adeso ao jornalismo fotogrfico.Entre os reprteres fotogrficos que cobriram a Guerra Hispano-Americana podem destacar-se James Henry Hare (Collier's e New York Journal), James Burton e F. Pagliuchi (Harper's), John C. Hemment (Leslie's) e William Randolph (World). Hare, provavelmente, foi o mais famoso de entre eles.Freelance no Reino Unido, James Hare emigrou para os EUA onde trabalhou no mesmo regime para a Illustrated American e para a Collier's Weekly. Rapidamente se tornou uma estrela do fotojornalismo emergente. Contratado por William Hearst, serviu os propsitos deste baro da imprensa, que teve O Mundo a Seus Ps na Guerra Hispano-Americana, que ajudou a fazer irromper. Nas suas imagens, Hare visava obter efeitos dramticos fossem as lutas de rua ou o avano do exrcito americano nas batalhas de San Juan ou Kettle Hills. Noutras circunstncias, a mesma pretenso visvel, nem que fosse a "prova" de que o avio dos irmos Wright podia voar.Hare foi tambm um dos primeiros photoglobetrotters: alm de Cuba, esteve no Mxico a cobrir a revoluo de Pancho Villa, na Coreia a fotografar o desembarque japons durante a Guerra Russo-Japonesa de 1904-1905, em So Francisco aps o terramoto. Em 1914, rompeu com a Collier's para poder cobrir a I Guerra Mundial na Europa para a Leslie's Weekly, tendo escolhido a frente dos Balcs para fazer o seu trabalho. Antes de se retirar, fotografou os confrontos polaco-soviticos ps-armistcio. As suas fotos do conflito entre a Rssia e o Japo, tal como as de James Ricalcon, William Dinwiddic e Robert Dunn, reproduzidas largamente na imprensa americana, foram tambm vendidas aos jornais ilustrados europeus, estabelecendo as bases para a difuso internacional das imagens fotogrficas.Apesar do uso que a imprensa mucracker e amarela faziam das fotos (no New York Journal, de Hearst, os fotgrafos chegavam a alterar fotos de pessoas conhecidas para que estas passassem por desconhecidas; as fotos serviam, depois, para ilustrar narrativas diversas, como crimes(81)), nos anos 90 do sculo passado a introduo da rotativa e a alterao do contedo dos jornais e revistas, que comeam a publicar artigos mais srios e profundos, levam a uma integrao crescente da fotografia jornalstica, mesmo nos rgos de comunicao social mais clssicos. Muitas vezes, contudo, as imagens so publicadas at trs ou quatro semanas aps o acontecimento. De qualquer modo, nesta mesma poca, revistas como a Collier's ajudaram a estabelecer as convenes da reportagem fotogrfica e do profissionalismo, ao usar a fotografia como news medium, combinada com texto, e ao organizar staffs prprios de fotgrafos, transformando o fotojornalismo em profisso e em carreira. medida que a fotografia comea a ser mais utilizada na imprensa, aparecem os primeiros reprteres fotogrficos profissionais. Estes cedo comeam a ser detestados pelas suas "vtimas" devido ao cheiro nauseabundo e luz ofuscante dos flashes de magnsio, ao carcter grotesco com que as pessoas eram fotograficamente representadas e ao facto de os fotgrafos serem frequentemente pessoas rudes, escolhidas mais pela fora fsica, devido ao peso das cmaras, do que s suas qualidades, o que at dificultava o seu acesso ao local dos acontecimentos. "O objectivo destes fotgrafos era () o de conseguir uma foto, o que na poca queria dizer que a imagem devia ser ntida e utilizvel para a reproduo.""(82)A fundao da londrina Illustrated Journals Photographic Supply Company, a primeira agncia fotogrfica "de facto", em 1894, inaugura uma era de expanso do fotojornalismo. Illustrated Journals, outras agncias se seguem, como a Underwood & Underwood (EUA), em 1896, e a Montauk Photo Concern (EUA), estabelecida em 1898, que empregou a primeira fotgrafa americana a fazer nome Frances Benjamin Johnson. Em 1899, surge em Londres a Illustrated Press Bureau, que concorre com a Illustrated Journals. Estas agncias fornecem fotografias aos jornais e revistas, entregando-as, regra geral, em mo. Contudo, em 1907 a velocidade de transmisso das imagens fotogrficas aumenta, com o estabelecimento da transmisso distncia. A partir desse mesmo ano, a National Geographic torna-se poneira do uso da cor na foto-reportagem.A 8 de Maro de 1890, editada na Illustrated American a primeira reportagem fotogrfica sobre a vida numa priso (Fig. 9) um tema que ainda hoje continua a ser abordado e que , concomitantemente, um exemplo dos primeiros passos do fotojornalismo realizada por S.W. Westmore. Em 1896, o The New York Times comea a publicar um suplemento semanal fotogrfico(83), recorrendo ao halftone, e, em 1914, lanar o suplemento ilustrado Mid-Week Pictorial, com fotografias de actualidade da guerra na Europa. Tambm impresso em rotativa, o New York Tribune converte-se, em 1897, num utilizador regular da fotografia de actualidades.Aquela que ter sido a primeira revista a usar a fotomontagem nasceu em Frana em 1898 chamava-se La Vie au Grand Air (Fig. 10) e abordava essencialmente temas desportivos. Esta revista inovou profundamente no campo grfico, no apenas atravs do recurso fotomontagem como tambm recorrendo, por exemplo, a planos detalhados sobrepostos a planos gerais e ao rompimento da mancha grfica habitual. Nesse ano, publicavam-se j regularmente doze revistas ilustradas nos EUA, dez no Reino Unido, nove em Frana, sete na Alemanha e ustria e uma ou mais noutros pases europeus, como Portugal. Tornavam-se conhecidos os rostos das figuras pblicas e visualizavam-se os acontecimentos que, neste sentido, se tornavam mais familiares. Na Europa e nos EUA, a fotografia insinuava-se, ou talvez mesmo se impusesse, na imprensa.Com a disseminao do fotojornalismo, e beneficiando das suas abordagens do quotidiano, no sentido inverso ao dos amadores, que persistiam, no incio do sculo, numa via pictoralista, constroem-se novas formas de representao da realidade e novas grelhas mais realistas de leitura do mundo.(84) De facto, a introduo da fotografia na imprensa abre a primeira janela visual meditica para um mundo que se torna mais pequeno, caminhando para a familiaridade da "aldeia global".(85)Vai ser em Frana que, a partir de 1910, a fotografia jornalstica faz a sua verdadeira apario nos jornais europeus, no Excelsior, de Pierre Lafitte. Neste jornal, quatro a doze pginas eram reservadas reproduo de fotografias de actualidade usadas como meio de informao, e no de ilustrao. No Velho Continente, isto era novidade. Com o britnico Daily Mirror, L'Excelsior torna-se um dos pioneiros europeus em matria de foto-reportagem. A L'Illustration no compete directamente com o L'xcelsior, j que publicava menos fotografias, embora talvez de melhor qualidade, com os fotgrafos Gervais Comtellemont e Jean Clair-Guyot a pontificarem entre os colaboradores da revista.Face aos dados expostos, pode concluir-se que, pelos finais do sculo XIX, a fotografia comeou a impor-se na imprensa, pelo menos como meio de ilustrao directa, graas (a) difuso crescente da informao impressa, (b) adaptao dos processos de impresso fomecnicos e (c) ao aparecimento do instantneo fotogrfico, possibilitado pelas tecnologias emergentes. Todavia, como se ver, s nos anos vinte que o medium se adaptar realmente imprensa.At l, devagar, o fotojornalismo vai encontrando os meios para cobrir com eficcia e em competio o mais difcil desafio, mas tambm talvez o mais aliciante: a guerra. assim que a Guerra dos Boers, que ensanguentou a frica do Sul entre 1899 e 1902, propiciou ao fotgrafo alemo Reinhold Thiele, entre outros, a obteno de imagens que mostram a tenso de alguns momentos do conflito, como o bombardeamento da artilharia naval britnica a uma fortaleza boer, em Dezembro de 1899. As fotos de Thiele e de outro fotgrafo, Horace Nicholls, foram publicadas no The Daily Graphic de Londres, em Maro de 1900, o jornal que encomendara o trabalho. Com um seno: nenhuma meno foi feita ao facto de o ataque britnico ter sido um desastre.As guerras, mais especificamente as revolues mexicanas, a partir de 1903 e com ponto alto em 1910, foram tambm um tema de trabalho de Augustin-Victor Casasola, que fundou a primeira agncia fotogrfica mexicana.Noutra rea, Arthur Genthe fotografou China Town, em So Francisco (1897), bem como a devastao causada pelo terramoto de 1900 na cidade. Dois anos antes, o Graphic tinha publicado fotografias de Ostanton no Sudo.Paul Martin, por seu turno, pode considerar-se um dos precursores da candid photography dos anos vinte, com os seus instantneos das ruas de Londres onde tambm faz fotografia nocturna nos anos noventa do sculo passado. Alm das figuras tpicas e das cenas do quotidiano londrino, Martin tem tambm fotografias de pessoas em frias, com o seu qu de ertico, como a foto de um casal prestes a abraar-se na praia.O fotojornalismo fazia o seu tour du monde.