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Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Ray Edmondson

ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

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Page 1: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

Ray Edmondson

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associação brasileira de preservação audiovisualabpa

Page 2: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

Page 3: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| Filosofia e princípios

da arquivística audiovisual

Ray Edmondson Tradução de Carlos Roberto de Souza

associação brasileira de preservação audiovisualabpa

Page 4: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

Copyryght © 2004, UNESCOCopyright © 2013, Associação Brasileira de Preservação Audiovisual/ Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro

Copyright do texto: Ray EdmondsonTradução: Carlos Roberto de SouzaRevisão: Carlos Roberto de Souza, com a colaboração de José Francisco de Oliveira MattosProjeto gráfico e diagramação: Avellar e Duarte Consultoria e Design

Dados internacionais de catalogação na publicação (CIP-Brasil)Ficha catalográfica elaborada por João Paulo Borges Paranhos

2013Todos os direitos desta edição reservados aAssociação Brasileira de Preservação Audiovisual – ABPA eCinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro Avenida Infante Dom Henrique, 85Parque do FlamengoCEP 20021-140Rio de Janeiro – RJ – Brasil

E24 EDMONDSON, Ray Filosofiaeprincípiosdaarquivísticaaudiovisual/RayEdmondson; Tradução de: Carlos Roberto de Souza. – Rio de Janeiro: Associação Brasi- leira de Preservação Audiovisual/Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 2013. 224p.:il.;23cm.

Bibliografia: p. 206. ISBN 978-85-825400-27-2

CDD²³ 025.1773 CDU²: 791.02(086)

Índice para Catálogo SistemáticoArquivística Audiovisual : Documentação : Preservação : Organização de arquivos : Gestão de arquivos

1. Arquivística Audiovisual. 2. Documentação. 3. Preservação. 4. Or- ganização de Arquivo 5. Gestão de arquivos. I. Título

Apresentação ..............................................................................9

Introdução à edição brasileira ..................................................11

Prefácio da primeira edição ......................................................15

Prefácio da segunda edição .......................................................19

Notas editoriais ........................................................................22

Informações complementares na Internet .................................23

Agradecimentos........................................................................25

1. Introdução ...........................................................................31

1.1 O que é filosofia? .......................................................................32

1.2 Filosofia e princípios de arquivos audiovisuais ...........................33

1.3 O estado atual da profissão de arquivística audiovisual ..............36

1.4 Principais questões atuais ..........................................................37

1.5 Contexto histórico .....................................................................41

2. Fundamentos ........................................................................43

2.1 Premissas básicas .......................................................................43

2.2 As profissões de coleta e conservação .........................................46

2.3 Valores ......................................................................................48

2.4 A arquivística audiovisual como profissão ..................................51

2.5 A formação de arquivistas audiovisuais ......................................57

2.6 As associações profissionais ........................................................60

2.7 Produtores e difusores ................................................................61

2.8 Reflexão ......................................................................................63

| Sumário

Page 5: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

3. Definições e terminologia .....................................................65

3.1 A importância da precisão ............................................................65

3.2 Terminologia e nomenclatura .......................................................66

3.3 Conceitos fundamentais ................................................................80

4. Arquivos audiovisuais ...........................................................91

4.1 Histórico ...................................................................................91

4.2 Campo de atividades .................................................................96

4.3 Tipologia ...................................................................................98

4.4 Visão de mundo e paradigma ..................................................110

4.5 Principais perspectivas dos arquivos audiovisuais .....................115

4.6 Base de apoio ..........................................................................127

4.7 Governo e autonomia ..............................................................130

5. Preservação: características e conceitos ..............................137

5.1 Princípios objetivos e subjetivos ...............................................137

5.2 Degradação, obsolescência e duplicação ..................................140

5.3 Conteúdo, suporte e contexto ..................................................144

5.4 As tecnologias analógicas e digitais ..........................................151

5.5 O conceito de obra ..................................................................155

6. Princípios de gestão ............................................................159

6.1 Introdução ..............................................................................159

6.2 Políticas ...................................................................................159

6.3 A constituição das coleções: seleção, incorporação,

exclusão e descarte ..................................................................161

6.4 Preservação, acesso e gestão dos acervos ..................................166

6.5 Documentação ........................................................................171

6.6 Catalogação ............................................................................173

6.7 Aspectos jurídicos ....................................................................175

6.8 Nenhum arquivo é uma ilha ....................................................177

7. Ética ...................................................................................179

7.1 Códigos de ética ......................................................................179

7.2 A ética na prática ....................................................................181

7.3 Questões de ordem institucional ..............................................182

7.4 Ética pessoal ............................................................................187

7.5 O poder ...................................................................................192

8. Conclusão ..........................................................................195

Anexo 1 – Glossário e índice ............................................................200

Anexo 2 – Quadro comparativo: arquivos audiovisuais,

arquivos generalistas, bibliotecas e museus .......................................202

Anexo 3 – Relatório de reconstituição ..............................................204

Anexo 4 – Bibliografia selecionada ...................................................206

Anexo 5 – Mudança e obsolescência de alguns formatos ..................208

Page 6: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| Apresentação

A Associação Brasileira de Preservação Audiovisual tem a honra e a

felicidade de entregar ao público leitor de língua portuguesa a obra

de Ray Edmondson Filosofia e Princípios da Arquivística Audiovisual.

Poder-se-ia pensar que esta publicação vem um pouco tarde, déca-

da e meia após o aparecimento de sua primeira edição e quase dez

anos após a segunda. Nada disso. Este livro nasceu clássico. Sem

espaço para nos emaranhar pelas inúmeras definições do que seria

um “clássico”, lembremos apenas das palavras de Ítalo Calvino:

“um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que

tinha para dizer” (Por que ler os clássicos?) e complementemos com a

afirmação de Ezra Pound de quem um clássico o é “devido a uma

certa juventude eterna e irreprimível” (ABC da literatura).

Pois é exatamente uma sensação de novidade e descoberta que nos

invade a cada nova leitura que fazemos deste trabalho de Edmond-

son. Longe de ser um frio e distante manual didático, o texto pulsa

de vida e emoção, humor e sentimento. Sem nunca deixar de ser

absolutamente claro e preciso nas afirmações, ele próprio se ques-

tiona sobre a correção de seu raciocínio, pede nossa ajuda para o

contestarmos quando necessário e nos lança alertas preocupantes.

Aqui e ali, ainda, o autor lembra que o livro não é definitivo, não

é a “palavra final” sobre um processo dinâmico que ninguém sabe

que rumo tomará.

Page 7: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

13

Esta tradução começou a ser feita em 2005, por ocasião de uma

oficina que Ray Edmonson coordenou em São Paulo sob o título

“A Cinemateca Brasileira discute uma filosofia de arquivos audio-

visuais”, discussão que poderia ter representado uma nova etapa

na vida da instituição, com equipes integradas na construção co-

letiva de um arquivo moderno. Mas esse não era o modelo que os

então gestores almejavam implantar.

Aos capítulos selecionados por Edmondson para a oficina e por

mim traduzidos a toque de caixa, acrescentei posteriormente o res-

tante do texto. Sob a orientação do autor atualizei também alguns

anexos e o conjunto da obra foi revisado cuidadosamente por José

Francisco de Oliveira Mattos, companheiro de muitas lutas pela

preservação do patrimônio audiovisual brasileiro. Eis a gênese do

trabalho que ora recomendamos aos arquivistas audiovisuais e a to-

dos os interessados, para que seja lido com toda atenção e carinho.

Carlos Roberto de Souza, abpa

| Introdução à edição brasileira

No início dos anos 1990, uma rede informal de arquivistas au-

diovisuais começou a discutir a necessidade de um corpo teórico

documentado que fundamentasse sua profissão. Nos dias antes do

e-mail, as ideias eram trocadas por fax e em discussões pessoais

aproveitando-se encontros em conferências. Em 1994, com o apoio

da Unesco, o projeto assumiu uma forma mais concreta e comecei

a redigir blocos de texto e circulá-los para comentários entre um

grupo de trabalho ad hoc de colegas da Europa e da América do

Norte. O resultado final foi a primeira edição deste livro, publicada

em 1998. A segunda edição, aumentada, é de 2004.

Em uma profissão que precisa ser exercida com recursos abaixo

dos necessários e trabalhos acima dos normais, onde todos apren-

dem na prática, houve a princípio pouco tempo e pouca simpatia

para teorizações e reflexões. Mas a importância de uma filosofia

foi progressivamente compreendida, à medida que foram surgin-

do cursos universitários de treinamento e qualificação formal, e

tornou-se cada vez mais obrigatória para os que procuram uma

carreira em arquivos de filmes, de televisão e de som.

Quando aquele primeiro mirrado volume apareceu em 1998, pou-

cos de nós prevíamos a carreira que o livro teria a seguir, com

edições completas em francês, espanhol, alemão, japonês, farsi e

macedônio, e traduções parciais em outras línguas. Esta recente

Page 8: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

15

tradução para o português torna a obra imediatamente acessível

para outro grande grupo linguístico. Eu gostaria de agradecer o dr.

Carlos Roberto de Souza por seu dedicado trabalho ao preparar

esta edição e entregá-la para o que, eu confio, será uma ampla

comunidade de leitores.

No prefácio da edição de 1998, observei que esta

...poderáserapenasa“primeirapalavra”,nãoa“palavrafi-

nal”. Se ela ganhar alguma aceitação e estimular o debate,

terá provado seu valor. As práticas e experiências dos arquivos

audiovisuais, e a contribuição intelectual de indivíduos e gru-

poscontinuarãoaenriquecerateoria.Definirosprincípios

de qualquer nova disciplina é um processo de longo prazo.

À medida que nos movemos rapidamente para a era digital, este

sentimento permanece mais verdadeiro do que nunca.

Ray Edmondson

Camberra, Austrália, 2013

| Prefácio da primeira edição

1.“Filosofia”, segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Por-

tuguesa, é o “estudo que se caracteriza pela intenção de ampliar

incessantemente a compreensão da realidade, no sentido de

apreendê-la na sua totalidade, quer pela busca da realidade ca-

paz de abranger todas as outras, o Ser [...], quer pela definição

do instrumento capaz de apreender a realidade, o pensamento

[...], tornando-se o homem tema inevitável de consideração”. A

exemplo de outros aspectos do trabalho de coleta e preservação

da memória da humanidade, a arquivística audiovisual tem, em

sua base, certas “causas e princípios gerais”. Para serem abertos

ao exame e ao reconhecimento geral, eles precisam ser conve-

nientemente codificados.

2. A necessidade de empreender esta codificação ganhou nos úl-

timos anos alguma aceitação à medida que arquivistas audiovi-

suais – em vários fóruns internacionais – começaram a refletir

sobre sua identidade, sua imagem e filiação profissional, a consi-

derar a base teórica e a ética de seu trabalho, e a enfrentar ques-

tões práticas de formação e certificação. Este documento é uma

resposta específica a esta necessidade de codificação: a primeira

publicação de uma filosofia da arquivística audiovisual.

3. Seus antecedentes diretos foram as trocas de ideias e observa-

ções, nos últimos cinco anos, no interior da Audiovisual Archiving

Page 9: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

1716

Philosophy Interest Network (Avapin), uma rede informal que reú-

nemaisde60arquivistasdefilmesesons,eoutros interessados

na pesquisa e definição da base teórica do campo da arquivística

audiovisual. Embora esta seja uma rede de pessoas que se iden-

tificam e exercitam seus interesses em base estritamente indivi-

dual, a maioria de seus membros tem também relações pessoais

e institucionais com as principais associações profissionais ativas

no campo (elas são mencionadas ao longo deste documento).

Até o momento, funcionei como o coordenador da rede Avapin,

e a instituição em que trabalho, o National Film and Sound

Archive da Austrália (nfsa), assumiu os custos de secretaria e

correio.

4.Nofinalde1993,surgiuaoportunidade–atravésdaconcessão

de uma bolsa da Australian Public Service Commission – para

que eu passasse algum tempo na Europa, durante 1994, dedica-

do a colocar no papel algumas das discussões. Nessa tarefa, jun-

taram-se a mim os membros da Avapin, Sven Allerstrand, Helen

Harrison, Rainer Hubert, Wolfgang Klaue, Dietrich Schüller,

Roger Smither e Paolo Cherchi Usai, e formamos o “1994

Philosophy Working Group”. Cada membro do grupo deu, ao

longo de extensos debates e/ou através de reações escritas aos

diferentes estágios do rascunho, sua contribuição à síntese que

constituiu o documento inicial. O projeto de 1994 começou em

reuniões durante o congresso da Fiaf (Federação Internacional

deArquivosdeFilmes)emBolonha,Itália,emabril/maio;otex-

tofoiconcluídonofinaldejulhoesubmetidoacríticasemtrês

oficinas durante a conferência conjunta da Iasa (International

Association of Sound Archives) e Fiat (Federação Internacional

de Arquivos de Televisão) em Bogensee, Alemanha, em setem-

bro.Asdiscussõesnasoficinasforamdocumentadase,juntamen-

te com outros aportes subsequentes, foram utilizadas como base

pararevisão.Osegundodocumento foidebatidonumaoficina

na conferência da Amia (Association of Moving Image Archivis-

ts) em Toronto, Canadá, em outubro de 1995.

5. Preparei o presente texto sob os auspícios da Unesco e em

consulta com um grupo editorial composto por Ernest J. Dick

(Canadá), Annella Mendoza (Filipinas), Robert H.J. Egeter-van

Kuyk (Países Baixos), Paolo Cherchi Usai (Estados Unidos), Die-

trich Schüller (Áustria), Roger Smither e Helen Harrison (Reino

Unido) e com contribuições de alguns outros membros do “1994

Philosophy Working Group” original. Embora todas essas pes-

soas tenham feito suas contribuições em caráter estritamente

pessoal, sua situação profissional deu-lhes acesso aos pontos de

vista de virtualmente todas as maiores associações profissionais

no campo da arquivística audiovisual. Sou grato aos comentá-

rios detalhados que Wanda Lazar e Paul Wilson fizeram ao tex-

to e a colegas do nfsa e de outras instituições por suas sugestões

durante a gênese deste trabalho.

6. A partir de setembro de 1994, a primeira e depois a segunda re-

dação deste documento tiveram uma circulação cada vez maior,

ainda que informalmente. Partes foram traduzidas para uso em

diferentes países, e versões integrais foram incorporadas aos

programas de formação desenvolvidos pelo NFSA, pela Asso-

ciation of South East Asian Nations-Committee on Culture and

Information (Asean-Coci), pela University of New South Wales,

Page 10: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

1918

Sydney, Austrália, e pela George Eastman House School of Film

Preservation, Rochester, Estados Unidos. Partes da segunda re-

dação foram incluídas no livro Audiovisual archives: a practical rea-

der (Unesco, 1997). A publicação do presente texto pela Unesco

é um passo lógico e vital na formalização do documento em sua

integralidade e na ampliação do acesso a ele.

7. Aooferecerumabaseteóricadocumentadaaocampoeàprofis-

são da arquivística audiovisual, esta publicação poderá ser ape-

nasa“primeirapalavra”,nãoa“palavrafinal”.Seelaganhar

alguma aceitação e estimular o debate, terá provado seu valor. As

práticas e experiências dos arquivos audiovisuais, e a contribui-

ção intelectual de indivíduos e grupos continuarão a enriquecer

ateoria.Definirosprincípiosdequalquernovadisciplinaéum

processo de longo prazo. Esperemos que, no futuro, haja tenta-

tivasmais abrangentes emelhores de codificação da teoria da

arquivística audiovisual.

8.A própria natureza de umdocumento como este significa que

sempreexistirãolimitesàpesquisaeàreflexão.Esperoqueestas

provoquem reações e sugestões. Ter essas reações e sugestões le-

vantadasedebatidasnaliteraturaprofissionalelevadasemcon-

ta em futuras revisões é parte do processo de desenvolvimento

deumafilosofiamadura.Ficareiagradecidosetaissugestõesme

forem encaminhadas.

9. Ao entregar para publicação este trabalho de aproximadamente

cincoanos,gostariadeagradeceroapoiofinanceiroematerial

da Australian Public Service Commission, do nfsa e da Fiaf (em

especial a secretaria em Bruxelas) que tornaram possível o pro-

jeto de 1994 e a primeira redação deste documento. Agradeço

os muitos colegas da Avapin pelas contribuições que deram à

segunda redação. Quero agradecer os companheiros acima cita-

dos que deram seu tempo e sua energia para contribuir editorial-

mente na formatação das diferentes redações e/ou na edição do

texto ora em publicação – em ambos os casos foi um trabalho de

amor dedicado por pessoas muito ocupadas. Finalmente, quero

agradecer a Unesco pelo apoio e abrangência de visão ao publi-

car este documento.

Ray Edmondson

Camberra, abril 1998

Page 11: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

21

| Prefácio da segunda edição

1. “Esta foi a primeira tentativa de codificar a base filosófica da

arquivística audiovisual enquanto profissão. Não será surpre-

sa ou ofensa para nenhum dos envolvidos em sua criação se

ela rapidamente se demonstrar incompleta ou necessitada de

modificações. Parte de seu propósito é estimular discussões e

debates, encorajar análises, convidar ao questionamento de seus

pressupostos.”

2. Este sentimento final, reproduzido da primeira edição, com-

provou estar correto. A arquivística audiovisual – a coleta, pre-

servação, gestão e uso do patrimônio audiovisual – conquistou,

por assim dizer, suas credenciais como profissão distinta. Num

campo tão dinâmico quanto este, os pressupostos precisam ser

constantemente testados, e incorporadas as implicações de no-

vos desenvolvimentos. Respostas, formais e informais, foram re-

cebidas de todo o mundo e ficou evidente que a primeira edição

comprovou-se útil como ponto de referência na defesa da pro-

fissão bem como em questões de administração prática e ética.

Tudo isso foi levado em conta na revisão e na ampliação do

texto. Embora sejam numerosas e diversas demais para agrade-

cê-las formalmente, sou grato por todas as reações à primeira

edição. Fico especialmente contente com o fato de a discussão

de conceitos filosóficos ser agora um aspecto mais natural e mais

central na vida profissional de arquivistas audiovisuais.

Page 12: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

2322

3. Nos poucos anos que se seguiram à primeira edição, mudanças

significativas ocorreram no campo da arquivística audiovisual.

O desafio da digitalização e as mudanças tecnológicas associa-

das a ela colocam em questão a continuidade da existência dos

suportes tradicionais. Filmes em nitrato, considerados instáveis

e efêmeros no passado, estão sobrevivendo a materiais de pre-

servação em acetato feitos a partir deles. Em alguns países, a

formação em arquivística audiovisual ao nível de pós-graduação

está implantada e se tornou a norma para os que querem en-

trar para a profissão. Estes e outros desenvolvimentos levantam

questões filosóficas que precisam ser levadas em conta.

4. A primeira edição foi publicada pela Unesco em inglês, francês

e espanhol, com uma tradução portuguesa posterior prepara-

da e publicada pela Associação Portuguesa de Bibliotecários,

Arquivistas e Documentalistas. A edição em papel do texto em

inglês está esgotada e logo as outras também estarão. Esta nova

edição responderá à demanda e esperamos que atinja um públi-

co ainda mais amplo.

5. Como na primeira edição, tive o privilégio de me beneficiar dos

conselhos e das reações de um grupo internacional de referência

formado por companheiros que leram e comentaram o texto

em vários estágios: Sven Allerstrand, Lourdes Blanco, David

Boden, Paolo Cherchi Usai, David Francis, Verne Harris, Sam

Kula, Irene Lim, Hisashi Okajima, Fernando Osorio e Roger

Smither. Embora cada um deles tenha contribuído individual-

mente, suas atividades, como se verá, refletem acesso aos pontos

de vista de quase todas principais associações profissionais de

nossa área, em sua diversidade geográfica e cultural. Suas con-

tribuições foram feitas graciosamente e sou devedor a eles pelo

tempo que lhes roubei de suas agendas sobrecarregadas e pelos

conselhos ponderados. Quero agradecer também Crispin Jewitt,

coordenador do ccaaa (Co-Ordinating Council of Audiovisual

Archives Associations) por seus valiosos comentários do texto

final, e Mme. Joie Springer, interlocutora na Unesco, por seu

apoio ao projeto. Esta publicação aparece sob os auspícios con-

juntos da Unesco e do ccaaa. A recente criação deste último,

um órgão máximo de coordenação da profissão, é em si mesma

uma prova das mudanças e do amadurecimento em curso.

6. A 27 de outubro de 1980, a Conferência Geral da Unesco ado-

tou a Recomendação sobre a Salvaguarda e Preservação das

Imagens em Movimento, um considerável avanço internacional

no reconhecimento legal e cultural da arquivística audiovisual.

Esta publicação, apropriadamente, aparece no 25º aniversário

desse documento e a ele deve muito dos princípios aqui formu-

lados.

7. Todas as opiniões, erros e omissões do texto são meus, obvia-

mente. Como antes, comentários e reações serão muito bem-

vindas, já que nenhum texto desse tipo é “definitivo”.

Ray Edmondson

Camberra, abril 2004

Page 13: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

2524

AV ou audiovisual: Ao longo deste texto, a palavra audiovisual é usa-

da preferencialmente a sua abreviação AV. No campo da arquivísti-

ca audiovisual, ambos os termos são usados no mesmo sentido, mas

achamos melhor nesta publicação, em nome de sua consistência, pa-

dronizar o uso de um ou outro.

Mídia, documento ou material: Da mesma forma, o termo do-

cumento audiovisual foi em geral preferido ao termo mídia audiovi-

sual ou material audiovisual, embora a escolha tenha dependido do

contexto. Além disso, documento é usado no sentido de um registro

criado com intuito deliberado, não no sentido de um fato oposto

a uma ficção.

Notas editoriais

Ao longo deste texto, muitas referências são feitas a várias organiza-

çõesprofissionais,associaçõesinternacionaisearquivosindividuais.

A maioria desses organismos possui páginas informativas na Internet.

Muitas também editam uma série de publicações, incluindo periódi-

cos e boletins, e possuem listas de divulgação às quais se pode facil-

mente associar. Os serviços que oferecem merecem ser pesquisados.

Existem alguns portais muito úteis para acessar esses recursos e

essas redes.

O portal de arquivos da Unesco (http://www.unesco.org/new/

en/communication-and-information/portals-and-platforms/unes-

co-archives-portal/) contém links para dezenas de organizações e

arquivos de dimensão internacional, regional e nacional, mantém

um calendário de eventos e disponibiliza publicações e recursos.

Consultar também a página do programa Memória do Mundo (www.

unesco.org/webworld/mdm) que facilita acesso a várias publica-

ções mencionadas neste documento.

A página do ccaaa (www.ccaaa.org) – Co-Ordinating Council of

Audiovisual Archives Association é o fórum das associações inter-

nacionaisquepossuemrelaçõesoficiais comaUnesco.Suapágina

remete às destas federações.

Informações complementares na Internet

Page 14: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

27

As pessoas a seguir são membros do grupo de referência interna-

cional que atuaram como leitores e conselheiros durante a prepa-

ração desta publicação. Embora suas trajetórias profissionais e fi-

liações a associações na área estejam indicadas, enfatizo que todos

prestaram colaboração a título estritamente pessoal.

Sven Allerstrand

Arquivista. Diretor geral do Arquivo Nacional Sueco de Sons Gra-

vados e Imagens em Movimento desde 1987. Membro dos conse-

lhos da Sociedade Sueca de Arquivos desde 1993 e da Biblioteca

Nacional Sueca desde 1995. Secretário Geral (1991-1996) e Presi-

dente (1997-1999) da Iasa.

Lourdes Blanco

Curadora de arte pré-hispânica e contemporânea e ensaísta. Ex-

diretora do Centro de Conservação e de Arquivos Audiovisuais da

Biblioteca Nacional da Venezuela. Membro do comitê regional

para América Latina e Caribe do programa Memória do Mundo.

David Boden

Administrador de arquivos. Chefe do setor de Preservação e Serviços

Técnicos do National Screen and Sound Archive da Austrália. Mem-

bro do Conselho Executivo e tesoureiro da Seapavaa desde 2002.

| Agradecimentos

Page 15: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

2928

Paolo Cherchi Usai

Arquivista, ensaísta e professor. Curador Chefe do Departamento

de Cinema e diretor da L. Jeffrey Selznick School of Film and Vi-

deo Preservation da George Eastman House, Rochester, Nova Ior-

que, desde 1994. Membro do conselho das Giornate de Cinema

Muto de Pordenone desde 1982. Membro do Comitê Executivo

da Fiaf.

David Francis OBE

Consultor em arquivística. Curador do National Film Archive (In-

glaterra) até 1990. Diretor da Motion Pictures, Broadcasting and

Recorded Sound Division da Library of Congress até 2001. Mem-

bro honorário da British Kinematograph and Television Society.

Ganhador dos prêmios Jean Mitry e Mel Novikoff. Membro hono-

rário da Fiaf.

Verne Harris

Arquivista e ensaísta sobre assuntos arquivísticos. Diretor do South

African History Archive, um arquivo independente que documenta

as lutas contra o apartheid. Conferencista sobre arquivos da Uni-

versity of Witwatersrands. Diretor adjunto do South Africa State

Archives/National Archives até 1993.

Sam Kula

Ensaísta, consultor em arquivística. Presidente (2003-2004) e mem-

bro do Conselho da Amia. Ocupou vários cargos executivos na

Fiaf e na Fiat. Participou de missões de estudo para a Unesco e

Ica. Diretor do National Film and Television Archives/National

Archives do Canadá até 1988.

Irene Lim

Diretora adjunta (Audio Visual Archives/Exhibitions) do National

Archives de Singapura. Membro do Conselho Executivo da Seapa-

vaa de 2000 a 2002. Atualmente termina um mestrado em ciências

da informação na Nanyang Technological University.

Hisashi Okajima

Ensaísta de cinema, professor e crítico. Curador do arquivo de fil-

mes e chefe do setor de Programação/Difusão do National Film

Center, National Museum of Modern Art, Tóquio, Japão. Mem-

bro do Conselho de diretores da Japan Society of Image Arts and

Sciences desde 2000.

Fernando Osório

Professor de arquivística e conservação audiovisuais. Professor

de preservação fotográfica na Escola Nacional de Conservação,

Restauração e Museologia, Cidade do México. Diretor de con-

servação da Coleção Manuel Alvarez Bravo do Centro de Cul-

tura Casa Lamm. Ganhador da bolsa Fulbright – Gracia Robles

(1994-96).

Roger Smither

Ensaísta e arquivista. Conservador do Imperial War Museum Film

and Video Archive desde 1990. Editor do Código de Ética da Fiaf

(1998). Membro da Comissão de Catalogação da Fiaf (1979-1994),

do Comitê Executivo da Fiaf (1993-2003) e secretário geral/vice

presidente da Fiaf (1995-2003).

Page 16: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

Page 17: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

33

1.1 O que é filosofia?

1.1.1Toda atividade humana baseia-se em valores, crenças ou no conhe-

cimento de certas verdades, ainda que estas sejam percebidas ins-

tintivamente e não verbalizadas (“se não respirar, eu sufoco”). Da

mesma forma, todas as sociedades funcionam porque existem valo-

res compartilhados e regras aplicadas em comum, frequentemente

expressas em fórmulas escritas, como leis e constituições. Essas, por

sua vez, fundamentam-se em valores que, independentemente de

estarem ou não expressos nesses textos, constituem sua base, bem

como a base de sua aplicação.

1.1.2A filosofia coloca a problemática dos valores e crenças em um pa-

tamar mais elevado ao fazer perguntas do tipo “por quê?”, “quais

os princípios fundamentais e a natureza de...?”, “o que é esse todo

1 | Introdução

Page 18: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 3534 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Introdução

do qual eu vejo apenas uma parte?”, e de propor respostas que

se articulam num sistema lógico ou numa determinada visão de

mundo. As religiões, os sistemas políticos e a jurisprudência são

expressões de filosofias. Também o são os campos de atividades

que habitualmente chamamos de “profissões” – a prática da me-

dicina, por exemplo, tem uma base filosófica que reconhece a su-

perioridade da vida e o bem-estar do indivíduo como um estado

normal e desejável.

1.1.3As filosofias têm força porque as teorias, as visões de mundo e os

quadros de referência que elas criam são base de ações, decisões,

estruturas e relações. Os arquivistas audiovisuais, assim como os

bibliotecários, os museólogos e outros profissionais de coleta e con-

servação, exercem um tipo particular de poder sobre a sobrevi-

vência, o acesso e a interpretação da memória cultural do mun-

do (estudaremos isso no capítulo 7). Compreender as teorias, os

princípios, os postulados e realidades que influenciam seu trabalho

tem, portanto, importância não somente para os próprios arquivis-

tas mas também para toda a sociedade.

1.1.4A teorização é uma ferramenta para explorar e entender um domí-

nio profissional e esse objetivo é o propósito deste texto. A hipótese

inicial é que os arquivistas audiovisuais precisam entender e refle-

tir sobre os fundamentos filosóficos de sua profissão para exercer

seus poderes com maior responsabilidade, estar abertos à discussão

e ao debate em defesa de seus princípios e práticas, e ao mesmo

tempo evitar a tentação de se esconder atrás de dogmas rígidos.

De outra forma, a ação nos arquivos corre o risco de ser arbitrária

e inconsistente, baseada em intuições não verificadas e em políticas

caprichosas. Tais arquivos não teriam condições de garantir confia-

bilidade, previsibilidade e seriedade.

1.2 Filosofia e princípios de arquivos audiovisuais1

1.2.1Foi durante a década de 1990 que, por diversos motivos, o desen-

volvimento de uma base teórica codificada para a profissão tor-

nou-se finalmente uma preocupação. Em primeiro lugar porque

a importância óbvia e crescente da mídia audiovisual como parte

integrante da memória do mundo provocou uma rápida expan-

são da atividade arquivística, sobretudo em contextos comerciais

e semicomerciais além do âmbito dos tradicionais arquivos ins-

titucionais. Grandes somas de recursos foram gastas mas talvez

nem sempre tenham sido obtidos os melhores resultados devi-

do à ausência de normas profissionais definidas e reconhecidas.

Décadas de experiência prática acumulada em arquivos audio-

visuais forneciam agora uma base sobre a qual firmar mais so-

lidamente – através da codificação dessa experiência – as possi-

bilidade de maximizar os ganhos potenciais e os inconvenientes

de perder oportunidades.

1.2.2Emsegundolugar,osprofissionaisdearquivosaudiovisuaispormui-

to tempo careceram de uma identidade clara e de reconhecimento

1 . O t e r m o a rq u i v o a u d i o v i s u a l c o m o d e f i n i ç ã o d e u m c a m p o d e a t i v i d a d e s e r á d i s c u t i d o n o C a p í t u l o 3 , j u n t a m e n t e c o m o u t r a s t e r m i n o l o g i a s u s a d a s n e s t e t e x t o .

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| 3736 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Introdução

profissional entre as profissões correlatas, o governo, as indústrias

audiovisuais e a comunidade em geral. Careciam também de um

vital quadro de referências crítico para obter aquele reconheci-

mento: uma síntese teórica definindo valores, éticas, princípios e

percepções inerentes a seu campo de atividades. Isso os tornava

intelectual e estrategicamente vulneráveis, além de prejudicar a

imagem pública e o status da profissão, que resultavam da apa-

rente ausência de fundamentos. Ainda que várias associações de

arquivos audiovisuais2, bem como arquivos individuais, tivessem

desenvolvido políticas, regras e procedimentos, tradicionalmente

tinha-se pouco tempo para retroceder e refletir sobre a teoria em

que se baseavam. O surgimento de organizações3 com o objetivo

de atender essas necessidades profissionais e individuais foi um

sinal de mudança.

1.2.3Em terceiro lugar, a falta de padrões e de cursos de treinamen-

to formal para profissionais práticos emergiu como uma questão

significativa e estimulou a Unesco a iniciar processos que resulta-

ram em publicações sobre a função e a situação legal dos arquivos

audiovisuais4, e no desenvolvimento de programas de formação

de quadros. Tais cursos5, à medida que surgiam, necessitavam de

textos e quadros de referência teóricos assim como de formas de

ensinar atividades práticas. Diversos programas desse tipo encon-

tram-se estabelecidos atualmente.

1.2.4Em quarto lugar, as rápidas mudanças tecnológicas desafiaram ve-

lhos postulados à medida que se abriam as chamadas “autopistas

3 . C o m o a A m i a , S e a p a v a a e S o c i e d a d e d e A rq u i v i s t a s d e F i l m e s d a s F i l i p i n a s ( S o f i a ) .

4 . A s p u b l i c a ç õ e s s ã o C u r r i c u l u m d e v e l o p m e n t f o r t h e t r a i n i n g o f p e r s o n n e l i n m o v i n g i m a g e a n d re c o rd e d s o u n d a rq u i v e s ( D e s e n v o l v i m e n t o d e p ro g r a m a s p a r a o t re i n a m e n t o d e p e s s o a l e m a rq u i v o s d e s o m e d e i m a g e n s e m m o v i m e n t o ) ( 1 9 9 0 ) e L e g a l q u e s t i o n s

2 . Nes te documen to , os t e rmos “assoc iações” e “ f ede rações” em ge ra l se re f e rem a o n g s ( o rgan i zações não gove r namen ta i s ) i n t e r nac iona i s que ope ram exc lus i vamen te no espec t ro aud iov i sua l – I asa (Assoc iação I n te r nac iona l de A rqu i vos Sono ros e Aud iov i sua i s ) , F i a t ( Fede ração I n te r nac iona l de A rqu i vos de Te l ev i são ) , F i a f ( Fede ração I n te r nac iona l de A rqu i vos de F i lmes ) e Am ia (Assoc iação de A rqu i v i s t as de Imagens em Mov imen to ) . Quando o con tex to i nd i ca r, i nc l uem também os com i tês re l evan tes da I f l a ( Fede ração I n te r nac iona l de Assoc iações de B ib l i o tecas ) e do I ca (Conse lho I n te r nac iona l de A rqu i vos ) e ó rgãos reg iona i s como a Seapavaa (Assoc iação de A rqu i vos Aud iov i sua i s do Sudes te da Ás i a e do Pac í f i co ) . Es tas o rgan i zações t êm rep resen tan tes no Conse lho de Coordenação das Assoc iações de A rqu i vos Aud iov i sua i s ( c c a a a ) .

de informação”. Os arquivos de “múltiplas mídias”6 cada vez mais

aumentam de número e às vezes substituem os antigos arquivos de

filmes, de televisão e de sons gravados, ao mesmo tempo que diver-

sificam suas formas de organização e prioridades.

1.2.5Esta preocupação cristalizou-se, entre outras formas, na instala-

ção da Avapin (Rede sobre a Filosofia dos Arquivos Audiovisuais),

no início de 1993, bem como numa maior visibilidade de discus-

sões teóricas e filosóficas na literatura profissional. Embora os

primeiros arquivos audiovisuais tenham surgido há cerca de um

século, e se possa dizer que a atividade desenvolveu consciência

profissional a partir da década de 1930, seu crescimento com con-

tinuidade é essencialmente um fenômeno da segunda metade do

século XX. É, portanto, um campo novo, que se desenvolve com

rapidez e que possui recursos e competências desigualmente dis-

tribuídos pelo planeta.

1.2.6A visão das gerações pioneiras que estabeleceram os conceitos di-

ferenciados de arquivo de filmes, de televisão e de som enriqueceu-

se, modificou-se e foi testada pelo tempo e pelas experiências, pelas

tentativas e pelos erros. Os arquivistas audiovisuais de hoje formam

um círculo muito mais amplo, ainda pioneiro, mas que enfrenta

tarefas mais complexas, com novas e crescentes necessidades colo-

cadas pela época e pelas circunstâncias. O desafio é ir ao encontro

dessas necessidades num ambiente audiovisual profundamente mo-

dificado e em constante transformação à medida que avançamos

pelo século xxi.

6 . U s a - s e o t e r m o “ m ú l t i p l a s m í d i a s ” p a r a e v i t a r c o n f u s ã o c o m “ m u l t i m í d i a ” , q u e h a b i t u a l m e n t e s i g n i f i c a u m a m i s t u r a d e s o n s , i m a g e n s e m m o v i m e n t o , t e x t o s e g r á f i c o s p ro c e d e n t e s d e u m a f o n t e d i g i t a l .

5 . A F i a f f o i p i o n e i r a , e m 1 9 7 3 , n a c r i a ç ã o d e c u r s o s e s e m i n á r i o s i n t e n s i v o s , e s t i l o “ e s c o l a d e v e r ã o ” i n t e r n a c i o n a l , q u e c o n t i n u a m a f u n c i o n a r. D e p o i s d e l a , o u t ro s u s a r a m o m e s m o f o r m a t o c o m o , p o r e x e m p l o , o c i c l o d e s e m i n á r i o s d e t r ê s a n o s n o S u d e s t e d a Á s i a d u r a n t e 1 9 9 5 - 7 , s o b o s a u s p í c i o s d a A s e a n - C o c i . To r n a r a m - s e f re q u e n t e s o s s e m i n á r i o s e o f i c i n a s d e c u r t a d u r a ç ã o o r g a n i z a d o s p o r f e d e r a ç õ e s o u a rq u i v o s i n d i v i d u a i s . N o m o m e n t o e m q u e e s c re v e , o a u t o r t e m c o n h e c i m e n t o d e p ro g r a m a s p e r m a n e n t e s d e p ó s - g r a d u a ç ã o e m a rq u i v í s t i c a a u d i o v i s u a l o f e re c i d o s p e l a U n i v e r s i t y o f E a s t A n g l i a ( G r ã -B re t a n h a ) , L . J e f f re y S e l z n i c k S c h o o l o f F i l m P re s e r v a t i o n , G e o r g e E a s t m a n H o u s e , N e w Yo r k U n i v e r s i t y, U n i v e r s i t y o f C a l i f ó r n i a L o s A n g e l e s ( t o d a s n o s E s t a d o s U n i d o s ) e C h a r l e s S t u r t Un ive rs i t y (Aus t rá l i a ) , es te ú l t i m o o f e re c i d o a t r a v é s d e e d u c a ç ã o à d i s t â n c i a , p e l a I n t e r n e t .

f a c i n g a u d i o v i s u a l a rc h i v e s ( Q u e s t õ e s l e g a i s e n f re n t a d a s p e l o s a rq u i v o s a u d i o v i s u a i s ) ( 1 9 9 1 ) .

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| 3938 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Introdução

1.3 O estado atual da profissão de arquivista audiovisual

1.3.1Diante das necessidades que rapidamente se ampliam, as federa-

ções (muitas das quais hoje possuem comissões de formação) e o

ccaaa esforçam-se no desenvolvimento de políticas, orientações

e na organização de diferentes modalidades de oficinas e semi-

nários para arquivos individuais ou grupos de arquivos em todo

o mundo. As maiores dificuldades são o custo e a disponibilidade

de profissionais qualificados e experientes que possam ser libera-

dos pelas instituições em que trabalham pelos períodos de tempo

necessários.

1.3.2 A arquivística audiovisual apenas nos últimos anos começou a

emergir como disciplina acadêmica. O número de programas de

pós-graduação existente é ainda pequeno, mas tudo indica que

crescerá. Habitualmente envolvem um ou dois anos de dedicação

em tempo integral, seguidos de estágios práticos. A julgar pela cres-

cente visibilidade que esses programas adquirem nas federações, a

perspectiva de emprego para os graduados é alta.

1.3.3As federações começam a enfrentar agora a difícil, mas inevi-

tável, questão da exigência de graduação formal para os ar-

quivistas audiovisuais. Ainda que não seja resolvida em curto

prazo, a etapa é tão necessária nesse campo quanto o foi no de

outras profissões.

1.3.4Aliteraturaespecífica,queincluimanuaispráticos,rigorososestudos

de caso, teses de doutorado e uma série de recursos técnicos, não pára

de crescer. Pode-se tomar conhecimento da existência desses mate-

riais e obter parte deles através de pesquisa nos portais na Internet

das federações, da Unesco e de arquivos individuais.

1.3.5Contudo, há pouca evidência de que este crescimento tenha se

transformado em reconhecimento formal da profissão por parte

de governos ou de autoridades reguladoras do trabalho. Se é pro-

vável que arquivos gerais, bibliotecas e museus sejam geridos por

especialistas reconhecidos e adequadamente qualificados nesses

campos, isso parece menos verdade no que respeita os arquivos

audiovisuais, que são frequentemente dirigidos por pessoas sem as

necessárias competências.

1.4 Principais questões atuais

1.4.1Em muitos países – talvez a maioria – já não é mais necessário ar-

gumentar que os filmes e registros precisam ser preservados e exigem

armazenamento correto e outros cuidados para que tenham sua

sobrevivência garantida. Este princípio recebe pelo menos apoio

verbal, ainda que as verbas não venham junto com este apoio.

Sem esquecer esta última circunstância, uma ampla diversidade

de outras questões e problemas que surgiram recentemente merece

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| 4140 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Introdução

atenção. Muitos serão analisados posteriormente em seus contex-

tos, mas estão agrupados abaixo de forma sumária, sem nenhuma

ordem específica, com o objetivo de chamar a atenção para eles e

colocá-los em evidência. (O autor não tem a pretensão de ser capaz

de adivinhar o futuro quando algumas questões comprovar-se-ão

menos importantes do que outras.)

1.4.2 Digitalização: “Você ainda não digitalizou seu acervo?” é a per-

gunta feita sistematicamente aos arquivistas por políticos, adminis-

tradores e supervisores dos orçamentos dos arquivos. A pergunta e

seus pressupostos são muito reveladores de sua desinformação, mas

o movimento para a tecnologia digital por parte das organizações

da mídia tem um efeito profundo sobre a prática arquivística, as

demandas de acesso e o planejamento estratégico.

1.4.3Obsolescência: A digitalização coloca o dilema da obsolescência

cada vez mais rápida dos formatos, com os arquivos precisando

lidar com os mistérios da preservação digital, por um lado, e, por

outro, com a necessidade de continuar preservando e atendendo

às demandas de acesso aos “formatos tradicionais”, mais antigos.

1.4.4Valor de artefato: As cópias de filmes, os discos de vinil e ou-

tros suportes anteriormente encarados e administrados como bens

de consumo substituíveis e descartáveis começaram a ser perce-

bidos como artefatos que exigem abordagens e manuseios muito

diferentes. Esta mudança de percepção deu um novo status a, por

exemplo, cópias em nitrato sobreviventes e ao conjunto de normas

relativas a padrões de projeção, competências e habilidades.

1.4.5Países em desenvolvimento: Existe uma crescente consciência

sobre o fato de que a arquivística audiovisual obedeceu tradicio-

nalmente a uma pauta sobretudo euro-americana que deu pouca

atenção às realidades dos países em desenvolvimento. Instalações,

padrões e competências disponíveis no hemisfério norte simples-

mente não estão disponíveis no hemisfério sul, onde soluções mais

simples, baratas e sustentáveis precisam ser encontradas. Atraves-

sar esse abismo e compartilhar recursos, habilidades e descobertas

é atualmente um grande desafio para a profissão.

1.4.6Regionalização e proliferação: Um número crescente de fede-

rações regionais reúne-se às antigas federações internacionais, o

que pode ser sinal de um importante redirecionamento de papéis e

prioridades. Além disso, novos eventos relacionados com arquivos

– como festivais de filmes silenciosos realizados na Europa – au-

mentam a complexidade do campo e de suas possibilidades.

1.4.7Comercialização e acesso: Prover acesso é, em suas muitas for-

mas, uma prova visível – e muitas vezes a justificativa política – da

manutenção de recursos públicos para os arquivos audiovisuais. É

também a razão de ser do arquivo, e o status da profissão depende

em grande medida de quão bem o acesso é propiciado. A pressão

para que os arquivos gerem receitas, que tenham consciência de

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| 4342 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Introdução

sua imagem, e a introdução de estratégias de cobrança de servi-

ços são sintomas de um tempo em que se espera que a preserva-

ção do patrimônio cada vez mais pague suas próprias despesas.

As tendências e imperativos do mercado colocam novas questões

que abrem desafios éticos e de gestão.

1.4.8Estatutos: Diferentemente da maior parte das bibliotecas, arqui-

vos de documentos e museus, muitos dos arquivos audiovisuais do

mundo carecem de uma base legal, estatutos, decretos de criação

ou documentos equivalentes que definam seu papel, sua segurança

e sua missão. Eles são vulneráveis aos desafios e mudanças, e sua

continuidade pode ser bastante ilusória.

1.4.9Desafios éticos: Em tudo – da política de acesso à possibilidade

de mudar a história pela manipulação digital – o arquivista audiovi-

sual enfrenta um leque cada vez maior de dilemas e pressões éticas.

1.4.10A Internet: A rede mundial, atualmente um importante instru-

mento de prestação de serviços e de pesquisas, coloca também no-

vas questões relativas à seleção, incorporação e preservação, bem

como questões de ordem conceitual e ética.

1.4.11 Propriedade intelectual: As novas tecnologias e suas variadas

formas de distribuição e acesso criaram novas oportunidades co-

merciais para velhas imagens e sons. O direito público ao acesso

livre se retrai à medida que restrições legais tornam-se mais amplas

e complexas, e os governos ampliam a duração do controle do di-

reito autoral diante da pressão das empresas. Observa-se também

um aumento paralelo na pirataria de imagens e sons.

1.5 Contexto histórico

1.5.1Os conceitos de biblioteca, arquivo e museu são heranças da an-

tiguidade. O desejo de acumular e transmitir a memória de uma

geração para outra cresceu ao longo da história humana. O século

xx caracterizou-se por novas formas técnicas de memória: a grava-

ção sonora e a imagem em movimento. Sua preservação e acesso

dependem de uma nova disciplina, síntese das três tradições men-

cionadas. A filosofia e os princípios da arquivística audiovisual, da

guarda e conservação desse novo tipo de memória emanam daque-

les fundamentos. A filosofia praticada na arquivística audiovisual – o

que é feito ou não, e por que – é consequência daqueles princípios

e valores fundadores.

1.5.2Este documento pode ser encarado como uma contribuição a um

vasto e respeitável corpo de escritos, discussões e debates sobre a

filosofia, os princípios e a prática de algo que chamo de profissões

de coleta e conservação, e sobre o papel e a responsabilidade de

arquivos, bibliotecas e museus na sociedade. Parte das intenções do

autor estará realizada se o texto for útil para introduzir o leitor a

esse amplo universo.

Page 23: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

4544 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

1.5.3Os próximos capítulos explorarão os valores e princípios e, de-

pois, a definição de conceitos e da terminologia da arquivística

audiovisual. Em seguida, discute-se sua aplicação em contextos

de organizações e em relação à natureza das mídias audiovisuais.

Finalmente, considera-se a base ética do campo, tanto a nível pes-

soal quanto institucional.

1.5.4A discussão, contudo, não tem uma postura distante e fria. Paixão,

poder e política são tão inseparáveis da arquivística audiovisual

quanto de quaisquer outras disciplinas mais tradicionais de coleta e

conservação. O desejo de proteger a memória coexiste com o dese-

jo de destruí-la. Já foi dito que “ninguém e nenhuma força poderão

abolir a memória”7. Mas a história mostrou – e nunca mais dra-

maticamente do que nos últimos cem anos – que a memória pode

ser distorcida e manipulada e que seus suportes são tragicamente

vulneráveis à negligência e à destruição proposital.

1.5.5Em outras palavras: a preservação consciente e objetiva da memó-

ria é um ato intrinsecamente político e pleno de valores. Não há

poder político sem controle sobre os arquivos e sobre a memória.

A democratização concreta sempre poderá ser medida à luz deste

critério essencial: o grau de participação na formação dos arquivos,

o acesso a eles e a participação em sua interpretação8.

8 . J a c q u e s D e r r i d a , A rc h i v e f e v e r : a F re u d i a n i m p re s s i o n , U n i v e r s i t y o f C h i c a g o P re s s , 1 9 9 6 , p . 4 , n . 1 .

7 . “ O f o g o n ã o p o d e m a t a r o s l i v ro s . A s p e s s o a s m o r re m , m a s o s l i v ro s n u n c a m o r re m . N i n g u é m e n e n h u m a f o r ç a p o d e r ã o a b o l i r a m e m ó r i a . [ . . . ] N e s t a g u e r r a , s a b e m o s , o s l i v ro s s ã o a r m a s . P a r t e d e n o s s a d e d i c a ç ã o é s e m p re m a n t ê - l o s c o m o a r m a s u s a d a s e m d e f e s a d a l i b e rd a d e d o h o m e m . ” . F r a n k l i n D e l a n o R o o s e v e l t , M e s s a g e t o t h e b o o k s e l l e r s o f A m é r i c a [ M e n s a g e m a o s l i v re i ro s d a A m é r i c a ] , 6 d e m a i o d e 1 9 4 2 .

2.1 Premissas básicas

2.1.1Este documento baseia-se necessariamente em determinadas pre-

missas que precisam ficar claras desde já.

2.1.2Ele tenta sintetizar os pontos de vista de profissionais que falam em

seu próprio nome e não como representantes oficiais de institui-

ções ou federações (o que teria exigido uma abordagem diferente e

muito mais complexa). Em consequência, ele não representa uma

posição “oficial”, salvo se alguma organização o adotar explicita-

mente como tal.

2.1.3 O documento adota a postura da Unesco que considera a arqui-

vística audiovisual como um campo único, no qual operam várias

2 | Fundamentos

Page 24: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 47Fundamentos46 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

federações e diversos tipos de instituições de arquivo, e que pode

ser encarado como uma área profissional única com pluralidade e

diversidade internas. (Outros pontos de vista, sabemos, encaram, por

exemplo, os arquivos de filme, os de televisão e os de som como

campos tradicionalmente separados.)

2.1.4Independentemente do grau de seu reconhecimento acadêmico

ou oficial atual efetivo, a arquivística audiovisual será tratada

aqui como uma profissão com seus direitos específicos. Donde,

não será encarada como um subconjunto especial de uma outra profis-

são existente como, por exemplo, a biblioteconomia e a museolo-

gia – também profissões de coleta e conservação da arquivística

clássica –, embora estreitamente relacionada a elas. Sobre isso

falaremos no parágrafo 2.4.

2.1.5As respectivas federações são fóruns apropriados para a discussão e

o posterior desenvolvimento da filosofia e dos princípios da arqui-

vística audiovisual. Contudo, sabemos que muitos arquivos e arqui-

vistas audiovisuais, por diversas razões, não pertencem a nenhuma

dessas associações. Este documento tem a mesma relevância para

tais instituições e profissionais, e suas opiniões também devem ser

levadas em consideração.

2.1.6Este debate sobre teoria e princípios da arquivística audiovisual

acontece num momento em que o panorama mundial está mu-

dando, e as federações, antigas e novas, adaptam-se às mudanças.

Essas mudanças, como não poderia deixar de acontecer, colocam

em cheque tanto os princípios quanto a prática.

2.1.7A intenção é, na medida do possível, documentar o que existe

mais do que inventar ou impor teorias e modelos: ser mais descriti-

vo do que prescritivo9. A filosofia da arquivística audiovisual pode

ter muito em comum com as outras profissões de coleta e conser-

vação, mas é lógico que emane da natureza dos documentos audiovisuais

mais do que de uma analogia automática com aquelas outras profissões10. Se-

guindo o mesmo raciocínio, os documentos audiovisuais merecem

ser descritos em termos do que são e não do que não são. Termos

tradicionais como “não-livros” “não-texto” ou “materiais espe-

ciais” – comuns na linguagem das profissões de coleta – são inade-

quados. Não seria igualmente lógico descrever livros ou arquivos

de correspondência como materiais “não-audiovisuais”? Não há

lógica na implicação de que um tipo de documento é “normal” ou

“padrão” e que tudo o mais, definido em relação a ele, tem uma

posição hierárquica inferior.

2.1.8 A arquivística audiovisual é um campo que tem sua própria termi-

nologia e seus próprios glossários (isto será tratado no Capítulo 3).

O jargão audiovisual é um vocabulário dinâmico que se modifica

no tempo e com as mudanças da área. Palavras como filme, cine-

ma, audiovisual, programa e registro podem ter uma ampla gama

de significados e conotações de nuances diferentes em função do

contexto e do país.

9 . A o e s t a b e l e c e r, m a i s a d i a n t e , p r i n c í p i o s é t i c o s , p a s s e i d a d e s c r i ç ã o p a r a j u í z o d e v a l o re s s o b re c o m p o r t a m e n t o s d e s e j á v e i s , e m b o r a b a s e a d o n a a b o rd a g e m d e s c r i t i v a s e g u i d a n o c o n j u n t o d o d o c u m e n t o .

1 0 . E s s a i d e i a p o d e s e r m e l h o r t r a b a l h a d a . Ve r n e H a r r i s a r g u m e n t a : “ E u d i s c u t i r i a a n o ç ã o d e u m a f i l o s o f i a q u e e m a n a d a n a t u re z a d a m í d i a . N e n h u m re g i s t ro f a l a p o r s i . S u a ‘ f a l a ’ é m e d i a d a p o r i n d i v í d u o s , i n s t i t u i ç õ e s , d i s c u r s o s e t c . E n t ã o , é m e l h o r d i z e r : u m a f i l o s o f i a q u e e m a n a d a s m e d i a ç õ e s e s p e c í f i c a s a o a u d i o v i s u a l ” .

Page 25: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 49Fundamentos48 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

2.2 As profissões de coleta e conservação

2.2.1 A arquivística audiovisual é uma das profissões pertencentes ao

grupo geral das profissões chamadas de coleta e conservação. A

nomenclatura difere de um país para outro mas, de maneira geral,

essas profissões incluem:

p a biblioteconomia

p a arquivística

p a conservação de materiais

p a documentação

p a ciência da informação

p a museologia, a curadoria de arte e seus subconjuntos.

Essa lista não é exaustiva!

Conceitos padrão2.2.2Os conceitos padrão tendem à simplificação. Nesse sentido, o arqui-

vista é a pessoa que cuida de arquivos e localiza papéis ou registros.

O bibliotecário é a pessoa que fica atrás de um balcão de empréstimo

ou organiza livros em uma estante. O arquivista de som ou arquivista

de filmes talvez ainda não possua uma imagem tão clara e definida

na consciência coletiva.

2.2.3A forma como os profissionais se definem a si mesmos para go-

vernos, autoridades ou diante de seus colegas pode ser importante

para os profissionais, mas as sutilezas da definição têm importân-

cia apenas em círculos restritos. Os arquivistas audiovisuais, en-

quanto grupo, carecem de uma imagem pública de maior clareza.

Nos círculos profissionais, têm a necessidade e o direito de ser

reconhecidos como diferentes dos arquivistas e de não se tornarem

vítimas da semântica11.

2.2.4Algumas vezes, a identidade manifesta-se a nível institucional e

está estreitamente ligada ao caráter, finalidade e filosofia da ins-

tituição em que opera. É o caso das bibliotecas, arquivos e mu-

seus nacionais. Algumas vezes, manifesta-se em nível de um setor

dentro de um quadro maior, onde a profissão coexiste com outras

mas mantém sua própria integridade e filosofia. Nesse caso estão

as bibliotecas de galerias ou museus de arte, arquivos de manus-

critos em vários tipos de instituição, e arquivos internos de orga-

nizações comerciais.

2.2.5Acima dessas considerações, o arquivista audiovisual opera como

um profissional nesses contextos, utiliza suas competências, co-

nhecimentos e filosofia nesses diversos contextos. A autonomia

profissional – ou seja a liberdade de expressar sua identidade

e integridade profissionais, aplicar suas competências e agir de

forma ética e responsável, independentemente das circunstân-

cias – pode ser mais fácil em alguns lugares do que em outros,

mas é relevante em todos.

1 1 . A o d a r u m n o m e , e m 1 9 9 8 , p a r a s e u n o v o c u r s o d e a rq u i v í s t i c a a u d i o v i s u a l , a S c h o o l o f I n f o r m a t i o n , L i b r a r y a n d A rch i ve S tud ies (S i l as ) da U n i v e r s i t y o f N e w S o u t h Wa l e s e o N a t i o n a l F i l m a n d S o u n d A rc h i v e d a A u s t r á l i a d e c i d i r a m - s e s o b re o t e r m o “ g e s t ã o a u d i o v i s u a l ” . E m b o r a n ã o s e j a u m a s o l u ç ã o i d e a l p a r a o d i l e m a d a n o m e n c l a t u r a , n a é p o c a o t e r m o e v i t o u a c o n f u s ã o c o m o s c u r s o s d e a rq u i v o s e b i b l i o t e c o n o m i a q u e ex is t i am na S i l as , c r i ando u m t e rc e i ro c u r s o c o m s t a t u s e q u i v a l e n t e a o d a q u e l e s .

Page 26: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 51Fundamentos50 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

2.3 Valores

2.3.1A arquivística audiovisual compartilha valores com as profissões

de coleta e conservação e com os programas, recomendações e

convenções da Unesco relativos à proteção e acesso ao patrimô-

nio documental e cultural, sobretudo a Convenção para a salvaguar-

da do patrimônio imaterial (2003), Memória do mundo: diretrizes para a

salvaguarda do patrimônio documental (2002) e a Recomendação para a

salvaguarda e preservação das imagens em movimento (1980). Expomos, a

seguir, os valores característicos da profissão. Aspectos éticos serão

tratados no Capítulo 7.

2.3.2Os documentos audiovisuais são tão importantes – em alguns ca-

sos mesmo mais importantes – quanto outros tipos de documentos

e artefatos. A relativa novidade de sua invenção, seu caráter fre-

quentemente popular e sua vulnerabilidade às rápidas mudanças

tecnológicas não diminuem sua importância. Consequentemente,

sua conservação e o acesso a eles devem ser garantidos, assim como

os recursos necessários para isso.

2.3.3Os arquivistas audiovisuais, entre outras responsabilidades, preci-

sam garantir a autenticidade e a integridade dos materiais sob seus

cuidados, que precisam ser protegidos de danos, de censura ou de

alterações intencionais. Sua seleção, proteção e acesso em nome

do interesse público devem ser orientados por diretrizes objetivas

e não submetidas a pressões políticas, econômicas, sociológicas ou

ideológicas como, por exemplo, noções do que seja num determi-

nado momento considerado politicamente correto. O passado é

fixo. Ele não deve ser alterado.

2.3.4Os documentos audiovisuais são muitas vezes efêmeros por sua

própria natureza. Desta forma, as ações de coleta e preservação

podem exigir vigilância e presteza.

2.3.5Num contexto em que a propriedade e a exploração dos direitos

patrimoniais têm grande importância comercial, os arquivistas au-

diovisuais procuram um equilíbrio entre a legitimidade de tais di-

reitos e o direito universal de acesso à memória coletiva. Este inclui

o direito de assegurar a perenidade de uma obra editada sem neces-

sariamente ter de levar em conta aqueles direitos patrimoniais. Esse

valor inspirou o conceito de depósito legal, aplicado amplamente a

livros e outros suportes escritos, conquistado pelas bibliotecas e que

vem sendo progressivamente estendido para a área audiovisual.

2.3.6Comoadequadoaumaprofissãonovaerelativamentepoucodesen-

volvida, ligada a uma indústria de dimensões mundiais, existe entre os

arquivistas audiovisuais uma consciência internacional: a perspectiva

da produção audiovisual local e nacional com relação a um patrimô-

nio internacional. Têm também a consciência do contexto histórico

no qual recursos e oportunidades foram distribuídos desequilibrada-

mente entre o “primeiro mundo” e o “terceiro mundo”, o que resul-

tou na perda da memória audiovisual em muitas partes do planeta12.

1 2 . A D e c l a r a ç ã o d e S i n g a p u r a , a d o t a d a p e l a c o n f e r ê n c i a c o n j u n t a d a I a s a e S e a p a v a a d e 2 0 0 0 , e s c l a re c e : “ A I a s a e a S e a p a v a a a p o i a m o p r i n c í p i o d o d e s e n v o l v i m e n t o a d e q u a d o e e q u i t a t i v o d a s p r á t i c a s e d a s i n f r a e s t r u t u r a s d e a rq u i v í s t i c a a u d i o v i s u a l e m t o d o s o s p a í s e s d o m u n d o . A m e m ó r i a aud iov isua l do sécu lo XX I d e v e r i a s e r v e rd a d e i r a e e q u i l i b r a d a m e n t e o re f l e x o d e t o d o s o s p a í s e s e d e t o d a s a s c u l t u r a s . O f r a c a s s o d o s é c u l o X X e m a s s e g u r a r e s s a m e m ó r i a e m m u i t a s p a r t e s d o m u n d o n ã o p o d e s e re p e t i r. E s t e p r i n c í p i o e s t á e m c o n s o n â n c i a c o m o d e s e n v o l v i m e n t o d e a p o i o e e s t í m u l o m ú t u o s q u e s ã o p a r t e d a r a z ã o d e s e r d e a m b a s a s i n s t i t u i ç õ e s ” .

Page 27: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 53Fundamentos52 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

2.3.7Boa parte do trabalho dos arquivistas audiovisuais não pode ser

controlada ou validada. Os riscos de conflitos de interesse são, por-

tanto, consideráveis. Por isso, o exercício da profissão demanda

um rigoroso senso de ética e de integridade pessoais. Elementos

integrantes dessa postura são a clara demonstração de trabalhos

executados, a transparência, a honestidade e a precisão.

2.3.8Os arquivistas audiovisuais trabalham em contextos comerciais e

não comerciais. Esses contextos não são mutuamente exclusivos e

os arquivistas precisam muitas vezes conciliar julgamentos de va-

lor cultural com imperativos de uso comercial. Algumas empresas

comerciais levam o trabalho dos arquivos audiovisuais a sério: ao

proteger seu próprio patrimônio audiovisual estão também agindo

em seu próprio interesse. Outras dão pouca relevância ao assunto.

O contexto cria suas próprias questões éticas e práticas.

2.3.9Na coleta e no uso de materiais de acervo, os arquivistas audiovi-

suais, como outros profissionais de coleta e conservação, operam

numa área onde regras, relacionamentos e propriedades nem sem-

pre estão claras, e a privacidade e o sigilo devem ser respeitados.

Espera-se que o arquivista tenha a capacidade de merecer a con-

fiança nele depositada e mantenha sua discrição.

2.3.10O trabalho do arquivista audiovisual raramente compartilha o

charme e o prestígio das indústrias das quais protege a produção.

Ele não recebe todos os recursos de que necessita, não é ampla-

mente conhecido, e a maior parte das vezes seu trabalho demanda

tempo e energia. Ele atrai e conserva pessoas motivadas por um

sentimento de vocação, para as quais o trabalho realizado repre-

senta a própria recompensa.

2.4 A arquivística audiovisual como profissão

2.4.1Ao afirmar o status profissional da atividade do arquivista audiovi-

sual, é necessário definir o conceito aplicado na prática às atuais

profissões de coleta e conservação. Para a construção de uma defi-

nição, propomos que as características de uma profissão incluam:

p um corpo de conhecimentos e uma literatura

p um código de ética

p princípios e valores

p terminologia e conceitos

p perspectivas ou paradigmas gerais

p uma filosofia codificada por escrito

p procedimentos, métodos, padrões e códigos das melhores

práticas

p fóruns de discussão, de estabelecimento de padrões e de

resolução de problemas

p normas de formação e de verificação de conhecimentos

compromisso: membros utilizam seu próprio tempo perseguin-

do os melhores interesses em prol de sua atividade.

Page 28: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 55Fundamentos54 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

Profissionais são, por definição, pagos por seu trabalho. O amador,

também por definição, dedica-se por puro amor a uma tarefa ou a

um campo de atividade mas é possível que o trabalho e a motiva-

ção de ambos sejam os mesmos.

2.4.2Como demonstrará este documento, esses elementos participam

efetivamente da definição da arquivística audiovisual, mesmo que

um ou dois deles – sobretudo as normas de verificação de conheci-

mentos – ainda estejam em embrião13. Antes de discutir esses ele-

mentos, convém destacar alguns pontos de história e percepção.

2.4.3A arquivística audiovisual originou-se de vários contextos institu-

cionais. Na falta de alternativas, foi, e ainda é, natural que os que

a praticam encarem e interpretem seu trabalho à luz de suas dis-

ciplinas formadoras ou de suas instituições-mães. Essas disciplinas

incluem, em sua variedade, formação em biblioteconomia, museo-

logia, ciência de arquivos, história, física e química, administra-

ção e as práticas técnicas envolvidas nas atividades de rádio e

teledifusão, registro de imagens e sons. Podem excluir também

algum tipo de treinamento formal, ou seja, podem ser fruto uma

formação autodidata e entusiasta14. Pressionado a especificar sua

filiação profissional, o arquivista audiovisual pode amparar-se

em sua qualificação formal – se ele a tiver – ou identificar-se

com os termos arquivista ou conservador de sons, de filmes, au-

diovisual, de televisão, ou similares. Alguns podem mencionar

suas relações com uma ou mais federações como prova de seu

status profissional.

1 3 . A s n o r m a s d e v e r i f i c a ç ã o d e c o n h e c i m e n t o s p o d e m i n d e p e n d e r d e q u a l i f i c a ç õ e s a c a d ê m i c a s . N o c a m p o d a s a r t e s e d a c o n s e r v a ç ã o d e m a t e r i a i s , p o r e x e m p l o , a s s o c i e d a d e s p ro f i s s i o n a i s e s t a b e l e c e r a m s e u s p r ó p r i o s e x a m e s d e c e r t i f i c a ç ã o a n t e s d o s u r g i m e n t o d o s c u r s o s u n i v e r s i t á r i o s . N o c a m p o d a a rq u i v í s t i c a a u d i o v i s u a l , o p ro c e s s o s e r á i n v e r s o .

1 4 . A t í t u l o d e re g i s t ro , o a u t o r t e m u m d i p l o m a d e p ó s - g r a d u a ç ã o e m b i b l i o t e c o n o m i a , o b t i d o e m 1 9 6 8 , q u a n d o a a t i v i d a d e d e a rq u i v a m e n t o d e f i l m e s e r a re s p o n s a b i l i d a d e d a i n s t i t u i ç ã o e m q u e t r a b a l h a v a , a B i b l i o t e c a N a c i o n a l d a A u s t r á l i a . C o n t u d o , a t e o r i a e a p r á t i c a d a a rq u i v í s t i c a a u d i o v i s u a l f o i u m a c o n q u i s t a a u t o d i d a t a – o u , m a i s p re c i s a m e n t e , d e s c o b e r t a – n a p r á t i c a d e m u i t o s a n o s .

2.4.4Ou seja, os arquivistas audiovisuais – coletivamente ou em suas res-

pectivas especialidades – ainda estão longe de ter uma identidade

profissional clara e sem ambiguidades. Contudo, muitos profissio-

nais com formação universitária que ocupam cargos de responsa-

bilidade têm a firme convicção de que não são bibliotecários, arqui-

vistas generalistas ou museólogos, e isso inclui mesmo aqueles que

tiveram educação formal nessas áreas. A frequente identificação

pessoal com frases como arquivista de filmes ou arquivista de som é uma

forma de afirmar uma identidade percebida.

2.4.5Quando é, então, que um novo campo de atividade torna-se uma

profissão válida e deixa de ser – ou de ser encarada como – parte

de alguma outra coisa? Na falta de circunstâncias externas que o

definam, em último caso a resposta pode estar na imagem e na

própria afirmação disso: nós somos o que acreditamos ser, o que

dizemos que somos e demonstramos que somos. Num mundo em

que a produção audiovisual explode, os arquivistas audiovisuais es-

tão hoje em boa posição para serem ouvidos e reconhecidos como

um grupo diferente de todas as profissões análogas.

2.4.6Uma parte do processo consiste em responder às reações de pessoas e

degruposprofissionaisexistentesquediscordamdequeaarquivísti-

caaudiovisualsejaumaprofissãoàparte.Odebateélegítimoepode

terefeitosbenéficoseesclarecedoresparaambasaspartes,quandose

buscaaverdade.Umanovaprofissãoinevitavelmentemudaasitua-

ção existente e deixa claro que antigas analogias não se aplicam a um

Page 29: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 57Fundamentos56 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

novomodelo.Osadversáriospoderãoafirmarocontrário,etentar

adequar as novas realidades a um modelo existente. Algumas vezes,

essespontosdevistapodemserabertamentediscutidos;outrasvezes,

o “novo” pode ser caracterizado como um desvio do “ortodoxo” e

ser discutido nesses termos15. Nossa posição é que os arquivistas au-

diovisuais deveriam defender objetivamente seu modelo e avaliar os

argumentos com objetividade. É inevitável que aqui haja questões de

princípio mas também questões políticas envolvidas.

Especializações16

2.4.7Como também acontece nas outras profissões de coleta e conser-

vação, a especialização em temas ou suportes é uma característica

tradicional dos arquivistas audiovisuais, e isso continuará aconte-

cendo, tanto em razão de preferências individuais quanto da ne-

cessidade de atender carências e objetivos institucionais. Em conse-

quência disso, há arquivistas de filmes, de som, de televisão e de rádio que

encontram nesses termos sua identidade profissional básica. Há

pessoas que se especializam em determinadas áreas de conteúdo,

em uma combinação de mídias, em áreas de difusão ou de técnicas

específicas. Essas especializações têm a ver com preferências e com

necessidades. Num campo de conhecimentos tão vasto e que se ex-

pande rapidamente não há lugar mais para especialistas universais.

2.4.8Os exemplos são inúmeros, mas basta citar alguns. Os arquivistas

de som podem se especializar em sons da natureza, documentos et-

nológicos, história oral ou em alguns gêneros musicais. Arquivistas

defilmespodemescolhergênerosdefilmesdelongametragem,do-

1 5 . P o r e x e m p l o , o c a p í t u l o “ M a n a g i n g re c o rd s i n s p e c i a l f o r m a t s ” , i n E l l i s , J . ( e d . ) K e e p i n g a rc h i v e s ( D . W. T h o r p e / A u s t r a l i a n S o c i e t y o f A rc h i v i s t s , 1 9 9 3 ) , d i s c u t e a “ s e p a r a ç ã o d o s s u p o r t e s ” e m o p o s i ç ã o a u m a a b o rd a g e m d o “ a rq u i v o t o t a l ” , n o q u a l t e r m o s c o m o “ a rq u i v o d e f i l m e s ” , “ a rq u i v o d e s o m ” e “ a rq u i v i s t a d e s o m ” s ã o s i s t e m a t i c a m e n t e c o l o c a d o s e n t re a s p a s . Q u a n d o s e re f e re a e s t e s , a n o t a q u e s e t r a t a “ q u a s e d e u m a d i s c i p l i n a à p a r t e , [ c o m i n t e r s e c ç õ e s ] c o m a g e s t ã o d e a rq u i v o s e a b i b l i o t e c o n o m i a ” .

1 6 . U m t e m a m u i t o d e b a t i d o é a q u a l i f i c a ç ã o o u f o r m a ç ã o d o s d i re t o re s e v i c e - d i re t o re s d e a rq u i v o s a u d i o v i s u a i s . A l g u n s d e f e n d e m q u e t a i s p e s s o a s d e v e r i a m s e r p ro f i s s i o n a i s t re i n a d o s n a á re a e t e r u m d i p l o m a a d e q u a d o o u e x p e r i ê n c i a c o m o t é c n i c o s o u h i s t o r i a d o re s o u c u r a d o re s o u e s p e c i a l i s t a s n o a s s u n t o , e , c o n s e q u e n t e m e n t e , t e r u m a d e q u a d o q u a d ro d e re f e r ê n c i a s p a r a a s t a re f a s a d m i n i s t r a t i v a s . A l g u n s s e p re o c u p a m c o m a c re s c e n t e t e n d ê n c i a d e i n d i c a r c o m o d i re t o re s d e a rq u i v o s a d m i n i s t r a d o re s s e m n e n h u m a e s p e c i a l i d a d e n a á re a .

cumentais,animação.Áreasespecíficasderádioetelevisãoincluem

ficção,noticiário,atualidades,publicidade.Restauraçãofísica,copia-

gem e revelação, tratamento de materiais de áudio e vídeo, restau-

ração óptica ou digital, manutenção de equipamentos são algumas

das especialidades técnicas. Habilidades gerenciais e administrativas

na área de prestação de serviços, incorporação e gestão de acervo,

difusão e comercialização constituem outros tipos de especialização.

Reconhecimento2.4.9A obtenção de reconhecimento formal por parte de organismos de

âmbito acadêmico, governamentais e industriais é um importante

sinal de maturidade e um processo ainda em curso. Até que isso

seja conseguido junto à administração pública de diferentes paí-

ses, os arquivistas audiovisuais, por exemplo, devem ser assimila-

dos, por analogia, à categoria mais próxima17. As situações podem

variar muito, e isso eventualmente resulta em assimilações inade-

quadas que desqualificam a complexidade e a responsabilidade do

trabalho, ou exigem que os arquivistas audiovisuais tenham quali-

ficações formais inapropriadas ou desnecessárias (excluindo com

isso quadros potencialmente valiosos).

Bibliografia e conhecimentos2.4.10 Há vinte e cinco anos, a bibliografia específica de um arquivista

audiovisual ocuparia pouco espaço numa estante: alguns manuais e

estudostécnicos,enadamais.Atualmente,umabibliografiabásica

que cresce exponencialmente está além da capacidade de ser domi-

nada por uma única pessoa. Uma grande variedade de questões de

1 7 . To d o s t ê m s u a s a n e d o t a s p re d i l e t a s . E i s a m i n h a : e m 1 9 1 3 , o g o v e r n o a u s t r a l i a n o n o m e o u s e u p r i m e i ro o p e r a d o r c i n e m a t o g r á f i c o o f i c i a l , p o s t o i n é d i t o . C o m o c l a s s i f i c á - l o ? F á c i l : e l e re c e b e r i a o m e s m o s a l á r i o d e u m a g r i m e n s o r, p o rq u e a m b o s u s a v a m t r i p é s .

Page 30: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 59Fundamentos58 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

história, teoria e prática está documentada e é debatida em uma

série enorme de monografias, manuais e compêndios, bases de da-

dos técnicos, dissertações, guias e normas da Unesco, bem como

em jornais e boletins profissionais. Entre esses últimos estão as pu-

blicações das principais federações.

2.4.11A disseminação da Internet estimulou muito a expansão do conhe-

cimento ao tornar disponível para consulta (aos que têm acesso à

rede) uma grande quantidade de catálogos, sites, bases de dados e

outros recursos. Além disso, o crescente número de servidores de

listas18 consolidou o sentimento de comunidade profissional, esti-

mulou a tomada de consciência, multiplicou muito a velocidade da

troca de informações e da resolução de problemas.

2.4.12A enorme bibliografia e a soma de conhecimentos das profissões de

coleta e conservação estão disponíveis aos arquivistas audiovisuais

e são importantes nas áreas de habilidades e necessidades comuns,

como as atividades de conservação de materiais, catalogação e ad-

ministração de acervos. Os arquivistas audiovisuais também po-

dem contribuir para essa massa de conhecimentos, sobretudo em

áreas de sua atividade que têm aplicação em contextos mais tradi-

cionais, como é o caso por exemplo da preservação de microfilmes

e de registros de história oral.

2.4.13Os vastos domínios de estudos sobre cinema, televisão, rádio e som

valem-se muito dos recursos e serviços dos arquivos audiovisuais.

1 8 . A q u a n t i d a d e e a e s p e c i a l i z a ç ã o d o s s e r v i d o re s d e l i s t a s c re s c e m s e m p a r a r e i n c l u e m l i s t a s o p e r a d a s p e l a s f e d e r a ç õ e s e p o r v á r i a s s o c i e d a d e s p ro f i s s i o n a i s . Ta l v e z a m a i o r e m a i s a t i v a d e l a s s e j a a d a A m i a , q u e a p re s e n t a d i a r i a m e n t e d ú z i a s d e m e n s a g e n s n o v a s (w w w. a m i a n e t . o r g ) .

Os profissionais desses arquivos, por sua vez, contribuem cada vez

mais com monografias e periódicos19 que formam hoje uma litera-

tura abundante e distinta de seus campos correlatos.

2.4.14Deve-se reconhecer, contudo, que a riqueza desses conhecimentos

não é igualmente disponível para todos. Como a maior parte deles

é escrita em inglês, profissionais que não dominam esse idioma

estão em desvantagem.

2.5 A formação de arquivistas audiovisuais

2.5.1A existência de cursos universitários credenciados é uma das carac-

terísticas de uma profissão. Existem, há muito tempo e no mundo

inteiro, cursos universitários que preparam profissionais de coleta

e conservação de documentos, e muitas instituições exigem um di-

ploma de graduação ou de pós-graduação para a contratação de

profissionais. A titulação acadêmica também é necessária para a

afiliação a algumas associações profissionais que oferecem fóruns

de discussão, debates e aperfeiçoamento profissional e defendem os

interesses coletivos de seus membros.

2.5.2Os arquivistas audiovisuais evoluíram num contexto muito diferen-

te.Oriundosdeformaçãodiversificada,nemsemprediplomadosem

disciplinas de coleta e de conservação, em geral foram obrigados

1 9 . A b a s e d e d a d o s P i p m a n t i d a p e l a F i a f i n d e x a m a i s d e 2 0 0 p u b l i c a ç õ e s re l a t i v a s a c i n e m a e t e l e v i s ã o d e t o d o o m u n d o .

Page 31: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 61Fundamentos60 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

a aprender seu trabalho em condições que exigiam que se pri-

vilegiassem os aspectos práticos de funcionamento do arquivo e

se relegasse para segundo plano sua dimensão teórica. Cursos e

seminários de curta duração ofereceram a possibilidade de com-

partilhar uma capacitação teórica a pessoas que já exerciam a pro-

fissão, e continuaram a fazê-lo20. Esses cursos respondem a uma

necessidade fundamental mas, por sua própria natureza, não po-

derão nunca proporcionar uma base global de conhecimentos de

amplitude profissional.

2.5.3Os cursos de nível universitário em arquivística audiovisual, que

se multiplicaram a partir de meados da década de 1990, vieram

preencher uma lacuna21. Oferecem uma formação prática e teórica

que, ao final de um ou dois anos, é consagrada por um diploma.

Paralelamente, cursos mais gerais em biblioteconomia e arquivísti-

ca começaram a incorporar elementos audiovisuais à medida que

estes passaram a ocupar um lugar cada vez maior nas coleções ge-

rais das bibliotecas, dos arquivos e dos museus. Evidentemente, aos

olhos dos potenciais empregadores, uma especialização desse tipo

constitui vantagem para os que aspiram trabalhar nesse campo. A

obrigatoriedade de possuir uma qualificação na área será em breve

definitiva para qualquer pessoa que quiser ocupar um lugar dentro

de um arquivo audiovisual.

2.5.4Todo arquivista audiovisual deveria adquirir, numa carreira aca-

dêmica ou assemelhada, uma bagagem elementar que englobasse,

entre outros, os seguintes domínios do conhecimento:

2 0 . O s c u r s o s d e v e r ã o o r g a n i z a d o s p e l a F i a f e m 1 9 7 3 , n o S t a a t l i c h e s f i l m a rc h i v d e r D D R , e m B e r l i m , i n a u g u r a r a m u m c o n c e i t o q u e c o n t i n u a a s e r a p l i c a d o a t u a l m e n t e e q u e , s o b o s a u s p í c i o s d a U n e s c o o u d e d i v e r s a s f e d e r a ç õ e s , o u p o r i n i c i a t i v a d e s e r v i ç o s d e a rq u i v o s , re ú n e m e s p e c i a l i s t a s i n t e r n o s e e x t e r n o s .

2 1 . U m e s t u d o d a U n e s c o i n t i t u l a d o C u r r i c u l u m d e v e l o p m e n t f o r t h e t r a i n i n g o f p e r s o n n e l i n m o v i n g i m a g e a n d re c o rd e d s o u n d a rc h i v e s e s t a b e l e c e u u m p ro g r a m a “ m o d e l o ” d e u m c u r s o u n i v e r s i t á r i o . B o a p a r t e d o s c u r s o s o r g a n i z a d o s s e g u i u e s s e m o d e l o e m e s t a b e l e c i m e n t o s d e e n s i n o s u p e r i o r, m a s e x i s t e t a m b é m u m c u r s o à d i s t â n c i a p e l a I n t e r n e t . A l i s t a d e c u r s o s e x i s t e n t e s f i g u r a n o f i n a l d e s s a p u b l i c a ç ã o d a U n e s c o .

a história do audiovisual

as tecnologias de registro utilizadas pelos diferentes suportes

audiovisuais

as estratégias e políticas de gestão de acervos

as técnicas fundamentais de conservação e acesso

aos acervos

a história dos arquivos audiovisuais

a física e a química básicas dos suportes audiovisuais

um panorama da história contemporânea.

2.5.5Como ocorre com outras profissões, um conhecimento amplo e

diversificado constitui base prévia para uma especialização poste-

rior e permite aos arquivistas audiovisuais localizarem-se no con-

junto dos profissionais especializados na coleta e conservação de

documentos. Os conhecimentos de história são essenciais para a

compreensão e a apreciação pessoal da importância social dos do-

cumentos – para responder à pergunta: “para o que serve o que es-

tou examinando?” A natureza dos documentos audiovisuais exige

uma formação técnica universal;deoutramaneiraseriaimpossível

entender o acervo com o qual se ocupa e explicá-lo para os outros.

Um conhecimento da história contemporânea em geral e de seu

próprio país em particular fornecerá um quadro para avaliar fil-

mes, programas e gravações. A capacidade de apreciar, criticar e

julgar a qualidade dos materiais dá coerência a todo esse conjunto.

2.5.6A formação de arquivistas audiovisuais tem relações intrínsecas com

a informática e a arquivística, a conservação e a museologia, de modo

Page 32: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 63Fundamentos62 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

que os cursos existentes nessas áreas são parte inerente de suas ne-

cessidadesdeconhecimento.Alémdisso,asnecessidadesespecíficas

da arquivística audiovisual exigem conhecimentos especializados. Por

outrolado,comaconvergênciadastecnologias,asprofissõestradicio-

nais de coleta e de conservação de documentos devem adaptar-se a

novas necessidades. A história, porém, demonstra que elas possuem

um caráter conservador e resistente às mudanças tecnológicas.

2.6 As associações profissionais

2.6.1 Diferentemente das outras profissões de coleta e conservação, que

possuem um único organismo central internacional, o campo da

arquivística audiovisual é fragmentado22. Federações ou associa-

ções internacionais de arquivos de filmes (Fiaf), de televisão (Fiat),

de arquivos e arquivistas de som (Iasa), de profissionais individuais

que trabalham com arquivos de imagens em movimento (Amia),

todos têm origens históricas diferentes. Paralelamente a elas, as-

sociações regionais atendem uma diferente área de interesses. Es-

tas incluem a Seapavaa, a Association of European Cinemathe-

ques (Ace), a Association for Recorded Sound Collections (rsc) e

o Council of North American Film Archives (cnafa). Alguns são

fóruns de organizações, outros de profissionais individuais, outros

ainda de ambos. Embora essa fragmentação tenha uma série de

causas, a mais importante talvez se deva às mudanças de percep-

ção. O que antes foi visto como mídias diferentes, que exigiam

tipos de organização e campos de experiência diferentes, com o

tempo encontraram um terreno comum. A mudança tecnológica e

2 2 . O I n t e r n a t i o n a l C o u n c i l o f A rc h i v e s ( I c a ) , I n t e r n a t i o n a l F e d e r a t i o n o f L i b r a r y A s s o c i a t i o n s ( I f l a ) e I n t e r n a t i o n a l C o u n c i l o f M u s e u m s ( I c o m ) s ã o a s O N G s re c o n h e c i d a s p e l a U n e s c o p a r a a s t r ê s p ro f i s s õ e s t r a d i c i o n a i s . N o c a m p o d a a rq u i v í s t i c a a u d i o v i s u a l , a U n e s c o t e m a t u a l m e n t e re l a ç õ e s d i re t a s c o m a F i a f , I a s a , F i a t e S e a p a v a a . J u n t o c o m a A m i a , o I c a e a I f l a , e s s e s o r g a n i s m o s f o r m a m a C C A A A .

a evolução dentro dos próprios arquivos reorientaram as percep-

ções e as focou nas semelhanças, não nas diferenças.

2.6.2As federações proporcionam fóruns de debate, cooperação e de-

senvolvimento, e tomam parte na definição da identidade do ar-

quivista audiovisual. Nenhuma delas, contudo, tem ainda o papel

de credenciar arquivistas individuais. O assunto está em debate.

Talvezumadas federações existentes assumaessepapel; talveza

CCAAA estimule a criação de alguma outra estrutura. O papel

e o potencial desse organismo central como porta-voz de toda a

profissão ainda estão se definindo ao mesmo tempo que se procura

superar as limitações da tradicional fragmentação sem perder os

benefícios de sua diversidade.

2.7 Produtores e difusores

2.7.1Dependendo da natureza de seus acervos e de suas atividades, os

arquivos audiovisuais podem ter relações de trabalho muito pró-

ximas com vários setores das indústrias audiovisuais. Na verdade,

eles existem por causa dessas indústrias, ainda que não comparti-

lhem da sua influência e poder de penetração.

2.7.2As indústrias de difusão, registro, cinema e relacionadas, como ou-

tras indústrias, não são monolíticas nem fáceis de definir, de forma

que qualquer esquema que se queira aplicar a elas será sempre

Page 33: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 65Fundamentos64 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

arbitrário e inevitavelmente incompleto. A título simplesmente in-

dicativo, sugerimos o modelo abaixo:

Radiodifusores e difusores: estações e redes de rádio e de televisão,

seja por emissão, cabo ou satélite, e suas subsidiárias

Companhias produtoras: as empresas que produzem filmes,

registros sonoros, documentários, séries de rádio e de televisão

Gravadoras e produtoras de vídeo: empresas que produzem e

comercializam cds, dvds e vídeos

Distribuidores: os intermediários – companhias que ad-

ministram a comercialização, as vendas e o aluguel de filmes de

cinema, registros de som e de vídeo e séries de televisão

Exibidores: os cinemas

Provedores de serviços via Internet: oferecem música e vídeos

para downloads

Varejistas: lojas de venda ou de locação de discos e vídeos

Fabricantes: de equipamentos e fornecedores de material

de consumo

Estúdios e outras instalações de produção: incluem empre-

sas especializadas, grandes ou pequenas

Infraestrutura: o enorme conjunto de serviços de apoio à in-

dústria – os laboratórios de processamento de película, ser-

viços de publicidade, fabricantes de computadores, especia-

listas em tecnologia de informática, fabricantes de trans-

parências para publicidade cinematográfica e até os fabri-

cantes de cadeiras para os cinemas

Agências governamentais: organismos de apoio, financiamento

e promoção, autoridades de censura e regulamentação, or-

ganismos de formação

Associações e fóruns: corporações e associações profissionais,

sindicatos, grupos de pressão

O “setor amador”: realizadores e produtores amadores de fil-

mes, vídeos e programas, cineclubes

O “setor cultural”: grupos, revistas e boletins, festivais,

universidades.

Os arquivos podem se relacionar com várias das categorias acima.

2.7.3A indústria também pode ser descrita, de outro ponto de vista,

como abrangendo as seguintes atividades e áreas de trabalho (em

ordem decrescente de pertinência):

p Atividade criativa (artistas, escritores, diretores etc.)

p Programação (conteúdo e linha editorial)

p Promoção (comercialização, vendas, imagem)

p Serviços técnicos (engenharia, operações)

p Administração (produção, planejamento, políticas)

p Serviços de apoio (administração, finanças).

2.8 Reflexão

2.8.1Por que, embora a arquivística audiovisual exista há um século,

apenas recentemente colocaram-se as questões relativas à identida-

de, à filosofia e à teoria profissionais, bem como as relativas à for-

mação universitária e seus atestados? Em um campo inicialmente

Page 34: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

6766 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

desbravado por individualistas apaixonados, a evolução das menta-

lidades foi lenta e as teorias e estruturas formais adotadas muito

gradualmente. O desenvolvimento de arquivos institucionais en-

cerra a época em que prevaleciam a intuição, a personalidade dos

arquivistas, a improvisação e a aprendizagem prática, assim como

práticas não viáveis a longo prazo. A era do individualista apaixo-

nado termina, enquanto se abre a do indivíduo apaixonado. Apenas

mediante a colaboração entre indivíduos poderemos construir ins-

tituições estáveis e sólidas, necessárias para garantir a longo prazo

a proteção e o acesso ao patrimônio audiovisual.

3 | Definições e terminologia

3.1 A importância da precisão

3.1.1 A arquivística audiovisual tem sua própria terminologia e seus pró-

prios conceitos, mas eles são frequentemente usados – e mal usados

– com pouco cuidado para com a precisão, de forma que a comuni-

cação nem sempre é clara. Este capítulo estuda esses pontos de refe-

rênciafundamentaisepropõeumasériededefiniçõeseprincípios.

3.1.2O Anexo I contém um glossário com alguns termos comuns. Glos-

sários maiores podem ser encontrados em algumas outras publica-

ções.Nemtodossãoconcordes;alémdisso,aterminologiavariade

acordo com os idiomas. Nem todos os conceitos – sobretudo os abs-

tratos – podem ser traduzidos com precisão. Estimulamos o leitor

a abordar com cuidado esse tópico, tanto ao analisar os conceitos

quanto ao aplicá-los no curso de seu trabalho cotidiano.

Page 35: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 69Definições e terminologia68 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

3.1.3 A terminologia e a nomenclatura transmitem mensagens, intencio-

nal ou não intencionalmente. As palavras têm conotações e cargas

afetivas, significam coisas diferentes para diferentes pessoas. Pen-

sem, por exemplo, nas várias conotações que tem, para diferentes

grupos sociais, a simples palavra “arquivo”. Devemos ter muito

cuidado ao empregar termos, com o mais completo entendimento

de como serão interpretados.

3.2 Terminologia e nomenclatura

3.2.1 Arquivo, biblioteca ou museu?

3.2.1.1 O título desta publicação define a profissão como arquivísti-

ca audiovisual. O que significam estas duas palavras? O adjetivo qua-

lificativo audiovisual será analisado mais abaixo. Primeiro devemos

dar atenção à palavra arquivística.

3.2.1.2 A palavra arquivo origina-se do latim archivum, que significa

“edifício público” e “registro”, e do grego archeion, literalmente “lu-

gar ocupado pelo archeon [magistrado superior]”. Ambas, por sua

vez, originam-se da palavra arche que tem múltiplos significados

incluindo “origem”, “poder” e “começo”.

Em chinês, a palavra utilizada para designar arquivo é ziliaoguán

(資料館) que poderia ser traduzida como “sala onde se organizam

os bens”. Cada caractere que forma o vocábulo tem uma série de

significados alternativos que, em alguns casos, enriquecem sua sig-

nificação. Dessa forma, atualmente, o vocábulo “arquivo” contém

em si uma grande variedade de conotações dentro de um mesmo

idioma e cultura e que variam entre idiomas e culturas23. Arquivo

pode significar:

um edifício ou parte de um edifício onde são guardados e

ordenados documentos históricos e registros públicos –

um depósito

um receptáculo ou contêiner no qual são guardados

documentos físicos, como um móvel para pastas suspensas

ou uma caixa

uma localização digital, como um lugar num diretório de com-

putador, onde os documentos do computador são armazenados

os próprios registros e documentos, quando deixam de ser

de uso corrente, mas podem ter relações com atividades,

direitos, posses etc. de uma pessoa, de uma família, corpo-

ração, comunidade, nação ou outra entidade

a agência ou organização responsável pela coleta e guarda

de documentos.

3.2.1.3 Os termos registro e documento são tratados abaixo. O verbo

arquivar também pode, por extensão, ter uma grande variedade de

significados que incluem a colocação de documentos num receptá-

culo,numalocalizaçãoounumdepósito;aguarda,aorganização,

amanutençãoearecuperaçãodessesdocumentos;eaadministra-

ção do organismo ou do lugar onde os documentos são guardados.

3.2.1.4 Arquivística audiovisual é, portanto, um campo que abarca todos

os aspectos da guarda e recuperação de documentos audiovisuais,

2 3 . A s f o n t e s d e re f e r ê n c i a d o a u t o r p a r a e s t a s e ç ã o i n c l u e m T h e C o n c i s e O x f o rd D i c t i o n a r y ( 1 9 5 1 ) , T h e M a c q u a r i e D i c t i o n a r y ( 1 9 8 8 ) , T h e O x f o rd p a p e r b a c k S p a n i s h D i c t i o n a r y ( 1 9 9 3 ) , R o g e r ’s T h e s a u r u s ( 1 9 5 3 ) . O e n s a i o “ I n s t i t u i ç õ e s d e a rq u i v o ” , d e A d r i a n C u n n i n g h a m , i n c l u í d o e m R e c o rd k e e p i n g i n S o c i e t y ( e d . M i c h a e l P i g g o t t e t a l , Wa g g a Wa g g a , C h a r l e s S t u r t U n i v e r s i t y P re s s , 2 0 0 4 ) , a c o m p a n h a a e v o l u ç ã o d o c o n c e i t o d e s d e a a u ro r a d a h i s t ó r i a e s c r i t a .

Page 36: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 71Definições e terminologia70 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

a administração dos locais onde eles são guardados e das organi-

zações responsáveis pela execução dessas tarefas. Ela adquiriu suas

próprias gradações particulares à medida que se desenvolveu e à

medida que os termos preservação e acesso, no seu âmbito, ganharam

significados particulares.

3.2.1.5 Tendo em vista o exposto, é importante nos referirmos a

dois outros termos, também centrais para as profissões de coleta e

conservação: biblioteca e museu, cada um deles com seu próprio mun-

do de significados. Na tradição greco-romana, biblioteca originou-se

do grego biblionthiki, depósito de livros. Museu é uma palavra latina

derivada do grego mouseion, o lugar das Musas, ou lugar de estudos.

O conceito moderno de biblioteca talvez seja o de uma fonte de

referências ou de estudos composta de materiais publicados numa

grande variedade de formatos e não apenas livros. O de museu, um

local para a guarda, estudo e exibição de objetos de valor histórico,

científico ou artístico.

3.2.1.6 Foi por motivos históricos que nossa atividade escolheu

identificar-se fundamentalmente com o termo genérico arquivo

mais do que com as duas alternativas (ver, contudo, 3.2.4). Os três

termos, entretanto, são poderosos e evocativos, e sugerem sua vin-

culação com profissões, padrões e identidades de âmbito mundial,

e com a guarda, a responsabilidade e a continuidade culturais.

3.2.2 Descritores de suportes e de mídias

3.2.2.1 Uma ampla gama de termos é usada para descrever os itens

físicos das coleções ou acervos dos arquivos audiovisuais que con-

têm imagens em movimento e sons gravados. Alguns termos estão

em evolução, outros são específicos de instituições ou de determi-

nados países. Abaixo estão alguns termos-chave.

3.2.2.2 Referimo-nos em geral aos itens físicos discretos – discos,

rolos de teipe ou de filme, cassetes etc. – como suportes. O material

específico usado – vinil prensado, filme fotográfico, videoteipe etc.

– é a mídia. Uma coleção típica compõe-se de uma grande varie-

dade de mídias de formas, configurações e dimensões – formatos –

diferentes.

3.2.2.3 Filme refere-se, em termos físicos, à tira perfurada de nitra-

to, acetato ou poliéster na qual se inscrevem imagens sequenciais

e/ou trilhas sonoras. Engloba também as várias formas de negativo

ou positivo transparente usadas em fotografia fixa.

3.2.2.4 Teipe significa a tira de poliéster com uma camada magne-

tizada na qual se inscrevem informações de áudio ou de vídeo. É

usada numa grande variedade de tipos de carretéis abertos ou em

cassetes.

3.2.2.5 Disco refere-se a uma vasta gama de formatos de suporte

de som e/ou imagem desenvolvidos há mais de um século e que

engloba dos registros analógicos de som de 78rpm [rotações por

minuto] aos atuais formatos de discos compactos digitais (cd) e dis-

cos digitais de vídeo (dvd).

3.2.2.6 Alguns suportes são mais conhecidos por acrônimos co-

muns ou patenteados, como cd, cd-r, dvd, vcd,vcr, vhs.

Page 37: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 73Definições e terminologia72 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

3.2.2.7 Grupos de suportes tecnicamente idênticos relacionados

entre si para formar um todo coerente – como os diversos rolos de

filme que compõem o negativo de imagem de um longa-metragem

– são algumas vezes chamados de elementos ou componentes.

3.2.3 Descritores conceituais

3.2.3.1 Há diversas maneiras de descrever conceitualmente as

imagens em movimento e os sons gravados. De novo, as gra-

dações de termos particulares variam em função de cada país,

idioma e instituição.

3.2.3.2 O termo audiovisual – dirigido aos sentidos da visão e da

audição – ganhou uso crescente como uma palavra simples, con-

veniente para abarcar todos os tipos de imagens em movimento

e de sons gravados. Com alguma variação de conotação, é usada

no nome de alguns arquivos e associações profissionais da área. É

o termo adotado pela Unesco para reunir os campos de atividade

dos arquivos de filme, de televisão e de som que, embora de origem

diversa, encontram cada vez mais pontos comuns em virtude das

mudanças tecnológicas.

3.2.3.3 Originalmente, documento aplicava-se à palavra escrita – um

registro de informação, comprovação, atividade criativa ou intelec-

tual. No século xx, tendo em vista sobretudo os trabalhos audiovi-

suais, seu âmbito ampliou-se para incluir a apresentação factual de

acontecimentos, atividades, pessoas e lugares reais – o documentário

é um tipo específico de filme, de programa de rádio ou de televisão.

O programa Memória do Mundo da Unesco estabelece que os do-

cumentos – inclusive os audiovisuais – possuem dois componentes:

o conteúdo da informação e o suporte no qual esta se inscreve. Ambos

são igualmente importantes24.

3.2.3.4 Registro é um termo conexo e também pode ser aplicado a

qualquer mídia e a qualquer formato. É tradicionalmente usado

na arquivística com o sentido de comprovação duradoura de tran-

sações, decisões, compromissos ou processos, frequentemente na

forma de documentos originais únicos25.

3.2.3.5 Filme foi o termo original usado para descrever o suporte

transparente de nitrato de celulose ao qual se aplicava a emulsão

fotográfica (filme fotográfico). O significado do termo ampliou-se

para abarcar as imagens em movimento em geral, assim como de-

terminados tipos de obras, como por exemplo filmes de longa metra-

gem, independentemente do seu suporte. As produções televisivas

utilizam alguns termos cinematográficos como metragem e filmagem.

Termos conexos como cine, cinema, imagem em movimento, tela e vídeo,

em graus variados, compartilham o mesmo território.

3.2.3.6 Som é, literalmente, a sensação produzida no ouvido pela

vibração do ar circundante. Ele pode ser gravado e reproduzido de

forma a recriar essas sensações.

3.2.3.7 Radiodifusão diz respeito à televisão e ao rádio, independen-

temente de a transmissão ser feita pelo ar ou através de cabos. Es-

sas duas mídias possuem em comum a capacidade de transmissão

ao vivo – por exemplo, em noticiários, atualidades, conversas te-

lefônicas e programas de entrevistas –, o que não é, nem pode ser,

2 4 . P a r a u m a d i s c u s s ã o m a i s e x t e n s a s o b re o s t e r m o s d o c u m e n t o e p a t r i m ô n i o d o c u m e n t a l , v e r M e m ó r i a d o m u n d o : d i re t r i z e s p a r a a s a l v a g u a rd a d o p a t r i m ô n i o d o c u m e n t a l ( U n e s c o , 2 0 0 2 ) w w w. u n e s c o . o r g /w e b w o r l d / m d m .

2 5 . E m i n g l ê s , o t e r m o re c o rd – v e r b o e s u b s t a n t i v o – re l a c i o n a -s e t a m b é m à s g r a v a ç õ e s s o n o r a s d e q u a l q u e r t i p o e a o s o b j e t o s d e l a s re s u l t a n t e s : o s d i s c o s .

Page 38: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 75Definições e terminologia74 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

característica das criações estudadas, como as gravações de mú-

sica, os filmes de longa metragem ou os programas documentais.

3.2.3.8 Vídeo pode significar uma imagem em movimento eletrô-

nica (em oposição à fotográfica) exibida numa televisão ou numa

tela de computador, ou ser uma abreviação para uma mídia ou um

formato relacionado, como registro de vídeo, videoteipe ou videocassete.

3.2.3.9 Materiais especiais, não-livros, não-texto e outros termos seme-

lhantes são habitualmente usados para identificar suportes audiovi-

suais no jargão das bibliotecas e às vezes em arquivos tradicionais.

Do ponto de vista do arquivista audiovisual, esses termos não são

úteis e, dependendo do contexto, podem mesmo ser pejorativos e

ofensivos (ver 2.1.7).

3.2.4 Descritores institucionais

3.2.4.1 Na medida em que os arquivos audiovisuais são instituições

ou parte de instituições, eles são habitualmente identificados por

um descritor. O descritor é algumas vezes neutro (por exemplo:

organização, instituto, fundação), mas, com mais frequência, é um

termo específico da profissão, como arquivo, biblioteca ou museu.

Isso tem o efeito de dar a conhecer a natureza da instituição (ou do

departamento competente) e, ao mesmo tempo, declarar os valores

associados a ela.

3.2.4.2 Em alguns países, os arquivos audiovisuais utilizam um tipo

específicodedescritororiginadodostermosfrancesesouespanhóis

para biblioteca (bibliothèque, biblioteca). Daí, cinémathèque (cinemateca, si-

nematek, kinemathek)paraarquivosdefilmes,phonothèque ou discoteca para

arquivos de som, médiathèque para arquivos de mídias audiovisuais26.

3.2.4.3 Pelo mesmo motivo, a palavra museu é empregada por inúme-

ros arquivos. Há, por exemplo, vários museus de cinema na Europa. Em

alguns, mas não em todos, há uma ênfase na coleção e exibição de arte-

fatoscomofigurinos,objetosdecenaeequipamentostécnicosantigos.

3.2.4.4 Como unidade administrativa dentro de uma organização

maior, um arquivo audiovisual pode às vezes ser chamado de cole-

ção – literalmente, um grupo de objetos ou documentos colocados

juntos. Dependendo do contexto, o termo pode ter diversas cono-

tações, inclusive o sentido de itens selecionados individualmente de

acordo com uma política, em oposição a um fundo de arquivo, ou a

um grupo de registros relacionados que forma um todo orgânico.

Em termos de organização, a palavra enfatiza a dependência com

relação a uma organização ou conceito maiores, mais do que suge-

re uma organização com direitos próprios.

3.2.5 Nomes de instituições

3.2.5.1 Os nomes institucionais dos organismos públicos de coleta e

conservação preenchem várias funções importantes, entre as quais:

descrever a instituição, declarar seu caráter profissional,

seu status, sua missão e eventualmente outros atributos

informarecomunicar;sãoumpontodereferênciaatravés

do qual a instituição é encontrada (em catálogos, pesquisas

na Internet etc.)

2 6 . F o i p ro v a v e l m e n t e a C i n é m a t h è q u e F r a n ç a i s e , u m d o s p r i m e i ro s a rq u i v o s d e f i l m e s d o m u n d o , q u e d e u o r i g e m a e s s a t e n d ê n c i a , n a d é c a d a d e 1 9 3 0 .

Page 39: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 77Definições e terminologia76 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

posicionar a instituição em face de órgãos do mesmo tipo,

nacionais e internacionais, e demarcar seu “território”

evocar qualidades intangíveis, como valores profissionais,

responsabilidade e prestígio

exercer uma função simbólica, possuída e valorizada por

um grupo de apoio, e que representa suas relações, sua his-

tória e seus sentimentos

em consequência, são bens valiosos pois têm o duplo valor

de “marca” da instituição e de declaração de sua identida-

de. A formalização dos nomes através de uma legislação

reconhece sua significação a longo prazo e serve para inibir

mudanças precipitadas.

3.2.5.2 De acordo com essas funções, os nomes institucionais ten-

dem a compartilhar certas características:

não são ambíguos mas únicos e autoexplicativos

são traduzíveis e seguem um padrão estabelecido (ver abaixo)

são estáveis: a mudança é rara e, quando acontece, é pau-

latina – a menos que haja uma transformação fundamental

no caráter ou no status da instituição (como uma fusão ou

uma mudança de papel ou de status).

3.2.5.3 O padrão habitual consta de um descritor profissional

(biblioteca, arquivo, museu) e um qualificativo (de som, de filme, au-

diovisual etc.) – ou de uma palavra que combine ambos (cinemate-

ca, phonogrammarchiv) – mais um definidor de status (governamental,

nacional, universitário etc.) e/ou o nome de um país ou de uma

região. Exemplos:

p Cinémathèque Française

p National Film, Video and Sound Archives (África do Sul)

p Ucla (University of Califórnia, Los Angeles) Film and

Television Archive

p Österreichische Phonogrammarchiv

p The National Library of Norway/Sound and Image

Archive

p Gosfilmofond (da Rússia)

p New Zealand Film Archive / Kaitiaki o Nga Taonga

Whitiahua27

p National Archives of Malaysia / National Centre for

Documentation and Preservation of Audiovisual Material

p Nederlands Filmmuseum

p Discoteca di Stato (da Itália)

p Library of Congress: Motion Picture, Broadcasting and

Recorded Sound Division.

Nomes institucionais, como outros nomes, são muitas vezes abre-

viados. Isso pode resultar numa sigla útil, especialmente se for um

nome eufônico e fácil de ser lembrado. Por definição, a sigla indica

a existência de um nome mais extenso e convida à sua descoberta.

3.2.5.4 Alguns arquivos, bancos de imagens para venda e outras

instituições usam marcas ou razões sociais, ou recebem o nome de

pessoas (como o de um antigo benfeitor). Exemplos:

p Walt Disney Archives

p George Eastman House / International Museum of

Photography and Film

2 7 . O t í t u l o e m m a o r i p o d e s e r l i t e r a l m e n t e t r a d u z i d o p o r “ g u a rd i õ e s d o s t e s o u ro s d e l u z ” .

Page 40: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 79Definições e terminologia78 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

p Smithsonian Institution

p Filmworld [um banco de imagens]

p Archimedia [um programa de ensino para arquivistas

audiovisuais]

p Memoriav [uma associação de arquivos audiovisuais suíços]

p Steven Spielberg Jewish Film Archive

p ScreenSound Australia [arquivo nacional de cinema e som]28.

Nomes e marcas corporativas são em geral impostos pela orga-

nização superior, sobretudo no caso de arquivos comerciais. Eles

também podem ser usados quando um nome descritivo é muito

difícil de ser encontrado, ou quando o contraste é proposital. Uma

limitação das marcas pessoais ou corporativas é que elas não são

autoexplicativas: elas necessitam de explanações e da construção

de uma imagem29.

3.2.6 Preservação e acesso30

3.2.6.1 A preservação e o acesso são as duas faces de uma mesma

moeda. Por comodidade, esses conceitos serão examinados separa-

damente, mas guardam entre si uma relação de interdependência,

pois o acesso é parte integrante da preservação.

3.2.6.2 A preservação não é um fim em si. Ela é necessária para

assegurar o acesso permanente e careceria de sentido sem esse ob-

jetivo. Os dois termos possuem, não obstante, uma ampla gama de

significados e os profissionais tendem a dar-lhes diferentes sentidos

segundo o contexto em que trabalham. Além disso, a natureza re-

lativamente frágil e efêmera dos suportes e das tecnologias audio-

2 8 . P a r a u m a a n á l i s e d a s c o n f u s õ e s p ro v o c a d a s p e l o u s o d e u m a m a rc a c o m e rc i a l p o r u m a i n s t i t u i ç ã o p ú b l i c a , v e r m e u a r t i g o “ A C a s e o f m i s t a k e n i d e n t i t y : G o v e r n a n c e , g u a rd i a n s h i p a n d t h e S c re e n S o u n d s a g a ” i n A rc h i v e s a n d M a n u s c r i p t s , J o u r n a l o f t h e A u s t r a l i a n S o c i e t y o f A rc h i v i s t s , v o l . 3 0 , n . 1 , m a i o 2 0 0 2 , p . 3 0 - 4 6 . h t t p : / / w w w.a f i re s e a rc h . r m i t . e d u .a u / a rc h i v e f o r u m /p d f s _ n e w / C a s e _ o f _M i s t a k e n _ I d e n t i t y. p d f .

2 9 . E x i s t e m u i t a l i t e r a t u r a s o b re a c o n s t r u ç ã o e a a d m i n i s t r a ç ã o d e m a rc a s . U m b o m p o n t o d e p a r t i d a p o d e s e r w w w.b r a n d c h a n n e l . c o m .

3 0 . O a u t o r a g r a d e c e a K a re n F. G r a c y p o r s u a t e s e d e d o u t o r a d o T h e I m p e r a t i v e t o p re s e r v e : c o m p e t i n g d e f i n i t i o n s o f a v a l u e i n t h e w o r l d o f f i l m p re s e r v a t i o n ( U n i v e r s i t y o f C a l i f o r n i a , L o s A n g e l e s , 2 0 0 1 ) e e m p a r t i c u l a r a s u a a n á l i s e a p ro f u n d a d a d a d e f i n i ç ã o d o t e r m o “ p re s e r v a ç ã o ” .

visuais, assim como as restrições jurídicas e comerciais que pesam

sobre o acesso, colocam essas funções no centro da gestão e da

cultura dos arquivos audiovisuais.

3.2.6.3 Podemos dizer que a preservação abarca o conjunto de opera-

ções necessárias para perenizar o acesso a documentos audiovisuais

no maior grau de sua integridade. Ela pode englobar um grande

número de procedimentos, de princípios, de atitudes, de equipa-

mentos e de atividades. A preservação engloba, por exemplo, a con-

servação e a restauraçãodesuportes;areconstituição de uma versão ori-

ginal;acopiagem e o processamento do conteúdo visual e/ousonoro;a

manutenção dos suportes em condições adequadas de armazenamen-

to; a recriação ou imitação de procedimentos técnicos obsoletos, de

equipamentosedecondiçõesdeapresentação;apesquisaeacoleta

de informações para conduzir a bom termo todas essas atividades.

3.2.6.4 Em inglês, por razões históricas, o termo preservation (preser-

vação) é utilizado amplamente, mesmo pelos arquivistas, num sen-

tido muito restrito, como sinônimo de reprodução ou duplicação31.

Infelizmente, isso tende a reforçar a ideia errônea segundo a qual

a reprodução de um suporte em perigo coloca um ponto final na

questão, quando na verdade essa é apenas uma primeira etapa. A

preservação não é uma operação pontual mas uma tarefa de gestão

que não acaba nunca. A manutenção a longo prazo da integridade

dos registros ou dos filmes – quando sobrevivem – depende da cor-

reção e do rigor da política de preservação levada a cabo ao longo

dos anos por sucessivos gestores. Nunca se termina de preservar

umaobra;namelhordashipóteses, ela está sempreemprocesso

de preservação.

3 1 . I ro n i c a m e n t e , e s s e s e n t i d o t e m s u a o r i g e m t a l v e z n u m a c a m p a n h a p ú b l i c a d e s e n s i b i l i z a ç ã o re a l i z a d a h á b a s t a n t e t e m p o p e l o s a rq u i v o s c i n e m a t o g r á f i c o s . E s s a c a m p a n h a d i f u n d i a a m e n s a g e m c l a r a e e n f á t i c a s e g u n d o a q u a l a ú n i c a m a n e i r a d e p re s e r v a r ( o u s e j a , s a l v a g u a rd a r ) o s f i l m e s d e n i t r a t o e m p e r i g o e r a c o p i á - l o s n u m s u p o r t e d e a c e t a t o : “ n i t r a t e w o n ’ t w a i t ” ( o n i t r a t o n ã o e s p e r a ) . Tr a t a v a - s e d e u m g r i t o d e a l e r t a p e r t i n e n t e n a é p o c a e q u e d e u re s u l t a d o s . S a b e m o s h o j e q u e a re a l i d a d e é b e m m a i s c o m p l e x a e , c o n s e q u e n t e m e n t e , m a i s d i f í c i l d e s e r e x p l i c a d a . A s i d e i a s a n t i g a s n ã o d e s a p a re c e m c o m f a c i l i d a d e .

Page 41: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 81Definições e terminologia80 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

3.2.6.5 O uso impróprio do termo preservação, aliado ao desconhe-

cimento dos aspectos práticos da preservação, coloca problemas de

comunicação aos arquivistas, porque também é suscetível de explo-

ração comercial. Por exemplo: a utilização da expressão “remas-

terização digital” escrita em embalagens de dvds e de vhss sugere

uma operação muito mais elaborada do que a simples reprodução

que sem dúvida foi feita. Os serviços que oferecem a “preservação”

de filmes domésticos em Super 8mm através de sua copiagem em

dvd insinuam muito mais do que a simples mudança de formato

que efetivamente oferecem.

3.2.6.6 A palavra acesso possui igualmente um amplo leque de sig-

nificados. Ela designa qualquer forma de utilização das coleções,

dos serviços ou dos conhecimentos de um arquivo, notadamente a

leitura em tempo real de sons e imagens em movimento e a consul-

ta de fontes de informação sobre o material sonoro e de imagens

em movimento, bem como sobre os campos de conhecimento a

que se referem. O acesso pode ter um caráter ativo (de iniciativa da

própria instituição) ou passivo (de iniciativa dos usuários da institui-

ção). Num estágio posterior, podem-se fornecer cópias de materiais

selecionados, em atendimento a demandas do usuário.

3.2.6.7 A imaginação é o único limite para uma política ativa de

acesso. Ela inclui a difusão regular no rádio ou na televisão de do-

cumentospertencentesaosacervosdosarquivos;asprojeçõespú-

blicas; o empréstimo de cópias ou a produção de registros desti-

nadosaapresentaçõesforadosarquivos;apreparaçãodeversões

reconstruídas de filmes ou programas que existem apenas em ver-

sõesparciaisoudeterioradas;acriaçãodeprodutosinspiradosnas

coleções (cd, dvd, vídeo) para permitir o acesso universal aos mate-

riais;adigitalizaçãoeadisponibilidadededocumentospelaInter-

net;exposições,conferências,apresentaçõesdequalquernatureza.

O papel do curador é fundamental em todas essas atividades, por-

que cabe a ele interpretar e contextualizar os documentos. O uso

inadequado de itens do acervo, sem nenhuma mediação (como, por

exemplo, a difusão ou a venda de cópias de má qualidade ou a prá-

tica comum de incluir em documentários de televisão sequências

de materiais antigos projetados a velocidade errada), desvaloriza

o próprio acervo e gera impressões errôneas sobre sua natureza e

sua importância.

3.2.6.8 Os arquivos audiovisuais devem, mais ainda do que as ou-

tras instituições de coleta e preservação, articular sua política de

acesso levando em conta as realidades comerciais ligadas aos direi-

tos de autor. Para facilitar o acesso aos acervos geralmente é neces-

sário obter o acordo prévio do titular dos direitos e frequentemente

pagar aluguéis e percentuais. Muitos filmes e gravações são pro-

dutos comerciais suscetíveis de gerar consideráveis receitas (para o

titular dos direitos, não para os arquivos) e os arquivos devem estar

alertas para não violar aqueles direitos. O assunto fica mais com-

plexo devido às mudanças tecnológicas e os arquivos devem contar

com uma assessoria jurídica sistemática.

3.2.6.9 No âmbito da preservação e do acesso, as perspectivas de

um arquivo não comercial são diferentes das de um arquivo comer-

cial. No primeiro caso, as coleções são consideradas bens culturais: o

propósito de conservar o material e facilitar o acesso obedece a con-

siderações baseadas no valor cultural e nas demandas de pesquisa,

Page 42: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 83Definições e terminologia82 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

conceitos que influem amplamente no estabelecimento de priori-

dades. No segundo, os arquivos praticam uma espécie de gestão

de ativos e as prioridades de preservação são determinadas por

imperativos de comercialização, como cronogramas de lançamen-

to de cd, dvd e pelas televisões a cabo.

3.3 Conceitos fundamentais

3.3.1 Definição de patrimônio audiovisual

3.3.1.1 Os documentos audiovisuais – gravações, filmes, programas

etc., como definido em 3.3.2 abaixo – são parte de um concei-

to mais amplo que pode ser chamado de patrimônio audiovisual. As

conotações e o alcance deste conceito variam de acordo com as

culturas, os países e as instituições, mas sua essência é que os ar-

quivos precisam contextualizar seus acervos de gravações, progra-

mas e filmes através da coleta e da formação de uma série de

itens, informações e competências a eles associadas. Propomos a

seguinte definição32:

O patrimônio audiovisual inclui (mas não se limita a) os seguintes componentes:

Sons gravados, produções radiofônicas, cinematográficas, televisivas, videográ-

ficas e outras que contenham imagens em movimento e/ou sons gravados, des-

tinados prioritariamente ou não à veiculação pública.

Objetos, materiais, trabalhos e elementos imateriais relacionados

a documentos audiovisuais, considerados do ponto de vista téc-

nico, industrial, cultural, histórico ou qualquer outro. Isso inclui

3 2 . B a s e a d a n a d e f i n i ç ã o o r i g i n a l m e n t e p u b l i c a d a e m T i m e i n o u r h a n d s ( N a t i o n a l F i l m a n d S o u n d A rc h i v e d a A u s t r á l i a , 1 9 8 5 ) , e re v i s t a p o r B i r g i t K o f l e r e m L e g a l q u e s t i o n s f a c i n g a u d i o v i s u a l a rc h i v e s ( P a r i s : U n e s c o , 1 9 9 1 , p . 8 - 9 ) .

materiais relacionados aos filmes, indústrias de radiodifusão e de

gravação de sons, como publicações, roteiros, fotografias, cartazes,

material de publicidade, manuscritos e artefatos como equipamen-

tos técnicos ou figurinos33.

Conceitos como a perpetuação de procedimentos e ambientes em

vias de desaparecimento associados à reprodução e à apresenta-

ção34 desses documentos

Materiais não bibliográficos ou gráficos, como fotografias, mapas, manuscritos,

transparências e outros trabalhos visuais, selecionados por seu próprio valor.

3.3.1.2 Em consequência, a maior parte dos arquivos audiovisuais,

se não todos, deveria ajustar essa definição a seus parâmetros par-

ticulares de forma a adaptá-la a sua situação – por exemplo, a uma

qualificação geográfica (isto é, o patrimônio de um país, de uma

cidade ou de uma região), a uma limitação temporal (por exemplo,

o patrimônio da década de 1930) ou a uma especialização temática

(por exemplo, o patrimônio radiofônico como fenômeno social an-

tes do surgimento da televisão).

3.3.2 Definição de mídias, documentos e materiais audiovisuais

3.3.2.1 Há muitas definições e outras tantas hipóteses a propósito

destes termos que podem, em combinações variadas, abarcar (a)

imagens em movimento, tanto em película quanto eletrônicas, (b)

projeções de transparências acompanhadas de sons, (c) imagens

em movimento e/ou sons gravados em vários formatos, (d) rádio e

3 3 . O u t r a re d a ç ã o p a r a a s e g u n d a p a r t e d e s s a c l á u s u l a f o i s u g e r i d a p o r Wo l f g a n g K l a u e : “ ( . . . ) i s s o i n c l u i m a t e r i a i s re s u l t a n t e s d a p ro d u ç ã o , g r a v a ç ã o , t r a n s m i s s ã o , d i s t r i b u i ç ã o , e x i b i ç ã o e r a d i o d i f u s ã o d e d o c u m e n t o s a u d i o v i s u a i s t a i s c o m o ro t e i ro s , m a n u s c r i t o s , p a r t i t u r a s , d e s e n h o s , d o c u m e n t o s d e p ro d u ç ã o , f o t o g r a f i a s , c a r t a z e s , m a t e r i a i s d e p u b l i c i d a d e , c o m u n i c a d o s p a r a a i m p re n s a , d o c u m e n t o s d e c e n s u r a , a r t e f a t o s c o m o e q u i p a m e n t o s t é c n i c o s , c e n á r i o s , a c e s s ó r i o s , e l e m e n t o s d e f i l m e s d e a n i m a ç ã o e d e e f e i t o s e s p e c i a i s , f i g u r i n o s ” .

3 4 . K l a u e s u g e re a q u i “ p ro d u ç ã o , re p ro d u ç ã o e a p re s e n t a ç ã o ” .

Page 43: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 85Definições e terminologia84 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

televisão, (e) fotografias e gráficos fixos, (f) video games, (g) CD-Roms

multimídias, (h) qualquer coisa projetada em uma tela, (i) todos os

anteriores. Damos em nota alguns exemplos de definições. Existem

muitas outras. As enumeradas o são a título meramente ilustrativo

da diversidade de perspectivas. Não endossamos nem comentamos

nenhuma delas35.

3.3.2.2 O leque vai de qualquer coisa com imagens e/ou sons, de

um lado, a imagens em movimento com som ou uma apresentação

sonorizada de transparências, de outro. Em seus respectivos con-

textos essas definições podem ser úteis. Mas em termos práticos e

filosóficos, os arquivos audiovisuais precisam de uma definição que

se ajuste à realidade de seus trabalhos e que afirme claramente o

caráter das mídias audiovisuais por seu próprio valor.

3.3.2.3 Palavras como mídia, material ou documento tendem a ser usa-

das de forma intercambiável. Em seu sentido mais comum, entre-

tanto, mídia e material sugerem sobretudo suporte. Documento, como é

usado pela Unesco, tem o duplo significado de suporte e de conteú-

do deliberadamente criado.

3.3.2.4 Em consequência do exposto, propomos a seguinte defini-

ção profissional de documentos audiovisuais:

Documentos audiovisuais são obras que contêm imagens e/ou sons reprodutí-

veis reunidos em um suporte36 e que

em geral exigem um dispositivo tecnológico para serem registrados,

transmitidos, percebidos e compreendidos

3 5 . D e f i n i ç ã o 1 – D o c u m e n t o s a u d i o v i s u a i s s ã o :– re g i s t ro s v i s u a i s ( c o m o u s e m t r i l h a s o n o r a ) i n d e p e n d e n t e m e n t e d e s e u s u p o r t e f í s i c o e d o p ro c e s s o d e re g i s t ro u t i l i z a d o , c o m o f i l m e s , d i a p o s i t i v o s , m i c ro f i l m e s , t r a n s p a r ê n c i a s , f i t a s m a g n é t i c a s , q u i n e s c ó p i o s , v i d e o g r a m a s ( v i d e o t e i p e s , v i d e o d i s c o s ) , d i s c o s a l a s e r d e l e i t u r a ó p t i c a ( a ) d e s t i n a d o s à re c e p ç ã o p ú b l i c a p e l a t e l e v i s ã o , p o r p ro j e ç ã o e m u m a t e l a o u p o r q u a i s q u e r o u t ro s m e i o s , ( b ) d e s t i n a d o s a s e r c o l o c a d o s à d i s p o s i ç ã o d o p ú b l i c o .– re g i s t ro s s o n o ro s i n d e p e n d e n t e m e n t e d e s e u s u p o r t e f í s i c o e d o p ro c e s s o d e re g i s t ro u t i l i z a d o , c o m o f i t a s m a g n é t i c a s , d i s c o s , t r i l h a s s o n o r a s o u re g i s t ro s a u d i o v i s u a i s , d i s c o s a l a s e r d e l e i t u r a ó p t i c a ( a ) d e s t i n a d o s à re c e p ç ã o p ú b l i c a p o r r a d i o d i f u s ã o o u p o r q u a i s q u e r o u t ro s m e i o s , ( b ) d e s t i n a d o s a s e r c o l o c a d o s à d i s p o s i ç ã o d o p ú b l i c o .To d o s e s s e s m a t e r i a i s s ã o d o c u m e n t o s c u l t u r a i s .E s s a d e f i n i ç ã o o b j e t i v a e n g l o b a r o m á x i m o d e f o r m a s e f o r m a t o s . ( . . . ) A s i m a g e n s e m m o v i m e n t o ( . . . ) c o n s t i t u e m a f o r m a c l á s s i c a d o d o c u m e n t o a u d i o v i s u a l e s ã o a p r i n c i p a l f o r m a e x p l i c i t a m e n t e i n c l u í d a n a R e c o m e n d a ç ã o d a U n e s c o d e 1 9 8 0 . ( . . . )

o conteúdo visual e/ou sonoro tem duração linear

o objetivo é a comunicação desse conteúdo e não a utilização da tecno-

logia para outros fins.

3.3.2.5 A palavra obra supõe uma entidade que resulta de um ato

intelectual deliberado, e poderia se contestar que nem todos os fil-

mes ou registros de vídeo ou som possuem um conteúdo ou uma

intenção intelectual deliberada – por exemplo, a gravação dos sons

de uma rua, onde o conteúdo é incidental. (O contrário também

poderia ser contraposto: que a intencionalidade – o mero ato de

colocar uma câmara ou um microfone para fazer um registro – é

em si uma prova suficiente da intenção intelectual.)

3.3.2.6 A noção de que uma obra audiovisual só pode ser feita

e percebida diacronicamente – ao longo de uma duração de

tempo – é difícil de ser definida, especialmente quando a obra

pode ser percebida como parte de uma página da Internet ou

de um cd-rom onde o usuário escolhe a ordem segundo a qual

quer que o conteúdo seja mostrado. Entretanto, os registros de

imagem e de som, por mais curtos que sejam, são lineares por

sua própria natureza: eles não podem ser percebidos de manei-

ra instantânea.

3.3.2.7 Aceita a impossibilidade de chegarmos a uma definição

exata, propomos uma definição formulada de maneira a categori-

camente incluir os registros convencionais de som e imagem, ima-

gens em movimento (sonoras ou silenciosas) e programas de radio-

difusão, publicados ou inéditos, em todos os formatos. Formulada

também de maneira a categoricamente excluir materiais de texto

n a re a l i d a d e , e l a s i n c l u e m n e c e s s a r i a m e n t e t a m b é m o s re g i s t ro s s o n o ro s . ( K o f l e r, B i r g i t , L e g a l q u e s t i o n s f a c i n g a u d i o v i s u a l a rc h i v e s , p . 1 0 - 1 3 . )D e f i n i ç ã o 2 – [ U m a o b r a a u d i o v i s u a l ] d e s t i n a - s e a o m e s m o t e m p o a s e r o u v i d a e v i s t a e c o n s i s t e d e u m a s é r i e d e i m a g e n s re l a c i o n a d a s , a c o m p a n h a d a s d e s o n s re g i s t r a d o s n u m s u p o r t e a d e q u a d o ( Wo r l d I n t e l l e c t u a l P ro p e r t y O r g a n i z a t i o n /W i p o , G l o s s a r y o f t e r m s o f t h e L a w o f C o p y r i g h t a n d N e i g h b o u r i n g R i g h t s ) .D e f i n i ç ã o 3 – [ O p a t r i m ô n i o a u d i o v i s u a l ] e n g l o b a o s f i l m e s p ro d u z i d o s , d i s t r i b u í d o s , d i f u n d i d o s o u d e q u a l q u e r o u t r a f o r m a c o l o c a d o s à d i s p o s i ç ã o d o p ú b l i c o . ( . . . ) [ D e f i n e - s e f i l m e c o m o ] u m a s é r i e d e i m a g e n s e m m o v i m e n t o f i x a d a s o u a r m a z e n a d a s s o b re u m s u p o r t e ( q u a l q u e r q u e s e j a o m é t o d o d e re g i s t ro e a n a t u re z a d o s u p o r t e u s a d o i n i c i a l o u p o s t e r i o r m e n t e p a r a i s s o ) , c o m o u s e m a c o m p a n h a m e n t o s o n o ro q u e , q u a n d o p ro j e t a d a , d á u m a i l u s ã o d e m o v i m e n t o ( . . . ) . ( P r i m e i r a v e r s ã o d o p ro j e t o d a D r a f t C o n v e n t i o n f o r t h e P ro t e c t i o n o f t h e E u ro p e a n A u d i o - v i s u a l H e r i t a g e , re d i g i d a p e l o C o m i t ê d e E s p e c i a l i s t a s e m C i n e m a n o C o n s e l h o d a E u ro p a , e m E s t r a s b u r g o . )

3 6 . U m a o b r a i n d i v i d u a l p o d e e s t a r c o n t i d a e m u m o u e m v á r i o s s u p o r t e s ; a l g u m a s v e z e s u m ú n i c o s u p o r t e p o d e c o n t e r m a i s d e u m a o b r a .

Page 44: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 87Definições e terminologia86 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

em si, independentemente do suporte utilizado (papel, microfilme,

formatos digitais, gráficos ou transparências de projeção etc. – a

distinção é mais conceitual do que técnica, embora em grande me-

dida também exista uma diferença tecnológica). A definição proposta

exclui também a conotação popular do termo mídia, que inclui jornais as-

sim como as atividades de radiodifusão. Programas de rádio e de

televisão – inclusive noticiários – estariam, claro, incluídos na defi-

nição de documentos audiovisuais.

3.3.2.8 Entre esses dois grupos, obviamente, existe um largo espec-

tro de materiais e obras que são menos automaticamente a preo-

cupação dos arquivos audiovisuais e que, dependendo da percepção

de cada um, podem ou não se enquadrar plenamente na definição

acima. Eles incluem fotografias, multimídias em CD-Rom, rolos

de música de pianos automáticos e música mecânica, assim como

o “audiovisual” tradicional composto de transparências copiadas

em fitas magnéticas. Os cd-roms, video games, portais da Internet

e outras criações digitais são, por definição, não-lineares em sua

construção, e a possibilidade de “embaralhar” ou fazer a exibi-

ção aleatória do conteúdo de arquivos de áudio ou de vídeo é um

aspecto padrão dessa tecnologia. Mesmo assim, os fragmentos de

imagem e som resultantes, não importa quão curtos sejam, perma-

necem lineares em si, e uma sequência – intencional ou não – de

fragmentos também é linear.

3.3.2.9 Variantes culturais também precisam ser consideradas.

Em alguns lugares da América Latina, por exemplo, o termo au-

diovisual tende a designar um leque amplo de documentos visuais

não literários como mapas, fotografias, manuscritos, páginas da

Internet e outros tipos de imagens, reunidos por sua própria qua-

lidade e por sua relação aos documentos audiovisuais tal como

definidos em 3.3.2.4 (ver também a definição anterior de patrimô-

nio audiovisual). Na Europa, ao contrário, a tendência é reduzir o

âmbito do adjetivo.

3.3.3 Definição de arquivo audiovisual

3.3.3.1 Talvez por razões históricas, não existe em uso nenhuma

definição sucinta e padronizada do que seja um arquivo audiovi-

sual. Os estatutos da Fiat, Fiaf e Iasa descrevem muitas caracte-

rísticas e expectativas de tais organismos para com seus membros,

mas não fornecem nenhuma definição relativa ao que deve ser a

instituição em si. Os estatutos da Seapavaa (1996) definem os ter-

mos audiovisual e arquivo a partir dos requisitos para a filiação a ela.

É interessante citá-los:

Artigo 1b: Entende-se aqui audiovisual por imagens em movimento

e/ou sons gravados, registrados em filmes, fitas magnéticas, discos ou

quaisquer outros suportes existentes ou que venham a ser inventados.

Artigo 1c: Entende-se aqui arquivo como uma organização ou unida-

de de uma organização que se ocupa em coletar, administrar, preservar

e facilitar acesso a ou uso de uma coleção de materiais audiovisuais e

relacionados. O termo inclui instituições governamentais e não gover-

namentais, comerciais e culturais que cumpram essas quatro funções.

As regras [dos estatutos] podem exigir a aplicação estrita desta

definição na determinação da elegibilidade do candidato.

Page 45: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 89Definições e terminologia88 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

3.3.3.2 Como ponto de partida, em decorrência do exposto, propo-

mos a seguinte definição:

Um arquivo audiovisual é uma organização ou um departamento de

uma organização cuja missão, eventualmente estabelecida por lei, con-

siste em facilitar o acesso a uma coleção de documentos audiovisuais

e ao patrimônio audiovisual mediante atividades de reunião, gestão,

conservação e promoção.

3.3.3.3 Esta definição leva em consideração o que foi exposto

no ponto 3.2.6 e responde à ideia de que a preservação não

é um fim em si, mas uma maneira de atingir uma finalidade,

que é o acesso permanente. Também estabelece que a coleta,

a gestão, a conservação, a promoção e o acesso ao patrimônio

audiovisual são funções principais e não uma atividade de menor

importância entre várias outras. A palavra que importa aqui

é e não ou: o arquivo faz todas essas coisas, não apenas algu-

mas. Isto por sua vez supõe que reúne materiais, ou pretende

reuni-los, nos diferentes formatos apropriados tanto para sua

preservação quanto para sua consulta.

3.3.3.4 Esta definição deve ser aplicada de forma criteriosa e não

dogmática. Por exemplo, a atividade de preservação de um arquivo

audiovisual não pode ser confundida com a de uma distribuidora

de filmes, vídeos ou gravações sonoras cuja missão é o acesso e não

a preservação. Na prática, esse segundo tipo de instituição pode

se converter com o tempo em uma instituição do primeiro tipo, se

sua coleção for preciosa ou única, e sua perspectiva se transformar.

Repetindo: embora as coleções privadas não sejam organizações –

ou não sejam consideradas como tal –, se forem geridas de acordo

com a definição indicada, na prática serão arquivos.

3.3.3.5 A tipologia dos arquivos audiovisuais (ver próximo capítu-

lo) indica que nesta definição incluem-se numerosas categorias e

preocupações. Por exemplo, alguns arquivos audiovisuais dedicam-

se a uma determinada mídia, como filmes, programas de rádio e

detelevisão,ougravaçõessonoras;outrosenglobamváriasmídias.

Alguns se ocupam de conteúdos variados enquanto outros se dedi-

cam a conteúdos específicos ou especializados. Finalmente, podem

ser públicos ou privados, e ter ou não finalidades comerciais. O

que importa é o caráter predominante das funções, não as políticas que

orientam essas funções. Por exemplo, alguns arquivos audiovisuais

de empresas não permitem o acesso público, pois sua política é

atender apenas “clientes internos”. Alguns arquivos públicos ou

institucionais, por outro lado, optam por facilitar o acesso a usuá-

rios não comerciais, sem objetivo de lucro. Nos dois casos, a função

de possibilitar acesso, em si, é a mesma.

3.3.4 Definição de arquivista audiovisual

3.3.4.1 Embora termos como arquivista de filmes, arquivista de sons e

arquivista audiovisual sejam de uso comum na área e em sua biblio-

grafia, parece não haver uma definição oficial desses termos adota-

da pelas associações profissionais, pela Unesco ou mesmo entre os

profissionais. Tradicionalmente, são conceitos subjetivos e flexíveis

que evidentemente significam coisas diferentes para pessoas dife-

rentes: uma afirmação de percepção e identidade pessoais mais do

que uma qualificação formal.

Page 46: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 91Definições e terminologia90 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

3.3.4.2 Para exemplificar: nota-se que a afiliação à Amia é aberta

a “qualquer pessoa, instituição, organização ou corporação inte-

ressada”, sem outras especificações37. A categoria de membro indi-

vidual efetivo da Iasa é aberta a “pessoas profissionalmente enga-

jadas no trabalho de arquivos e outras instituições que preservam

documentos sonoros ou audiovisuais ou a pessoas que têm um inte-

resse sério nos objetivos explícitos da Associação”38 (o termo arquivo

não é definido com mais precisão). A Seapavaa oferece afiliação

individual àqueles que “compartilhem os objetivos da Associação e

respeitem seus estatutos”. Os candidatos devem fornecer informa-

ções sobre a instituição à qual estão ligados, um currículo e uma

referência de apoio de um membro (institucional) pleno39. A Fiat

não estabelece nenhuma condição para a candidatura de membros

individuais. A Fiaf não os aceita.

3.3.4.3 Cursos universitários estão atualmente formando gradua-

dos em cinema, imagens em movimento e arquivos audiovisuais.

Embora o número seja relativamente pequeno, cresce a cada ano.

Para esses graduados, a identidade é uma questão de qualificação

formal mas também de imagem que têm de si próprios.

3.3.4.4Levandoemcontaoexposto,propomosaseguintedefinição:

Um arquivista audiovisual é uma pessoa formalmente qualificada ou

credenciada como tal, ou que exerce, num arquivo audiovisual, uma

atividade profissional voltada para o desenvolvimento, a gestão, a con-

servação ou a possibilidade de acesso ao acervo, bem como para o

atendimento de uma clientela.3 9 . S e a p a v a a : E s t a t u t o e re g i m e n t o a d o t a d o s a 2 0 d e f e v e re i ro d e 1 9 9 6 .

3 7 . A m i a 2 0 0 2 , D i re t ó r i o d e m e m b ro s .

3 8 . I a s a : E s t a t u t o d a I a s a a d o t a d o a 8 d e d e z e m b ro d e 1 9 9 5 .

3.3.4.5 Os arquivistas audiovisuais em atividade provêm de

vários campos de formação. Alguns são universitários, outros

aprenderam sua profissão na prática de muitos anos. A longo

prazo, contudo, a proporção daqueles dotados de qualificação

formal na área vai crescer, e a questão do credenciamento formal

dos arquivistas em atividade por parte das federações deverá ser

enfrentada, da mesma forma que o foi em outras profissões de

coleta e conservação: parece lógico que um título de pós-gra-

duação ou experiência equivalente seriam um mínimo adequado

para esse credenciamento.

3.3.4.6 Aqui é necessário analisar o significado do termo profissio-

nal, amplamente utilizado. Para um bibliotecário tradicional, um

arquivista ou um museólogo, o termo supõe uma titulação aca-

dêmica e a possibilidade de credenciamento e afiliação a uma as-

sociação profissional. Numa estrutura menos consolidada como

é a do audiovisual, o termo pressupõe um nível equivalente de

treinamento, experiência e responsabilidade – incluindo tomadas

de decisão qualitativas e de julgamento em qualquer área de ope-

ração do arquivo.

3.3.4.7 Como os arquivistas em geral, os bibliotecários e os museó-

logos, os arquivistas audiovisuais deveriam poder seguir quaisquer

especializações correspondentes a suas oportunidades, preferên-

cias ou conhecimentos temáticos, e identificar-se de acordo com

eles. Dessa forma poderiam, por exemplo, compartilhar uma base

comum em teoria, história e conhecimento técnico, mas escolher

seguir carreiras como arquivistas de som, de cinema, de televisão,

de radiodifusão, de multimídia ou de documentação.

Page 47: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

93

3.3.4.8 Deveriam também poder escolher as áreas de administra-

ção, promoção e gerenciamento. Existe um debate eterno sobre se

“gerenciamento” e uma disciplina profissional como a arquivística

audiovisual são habilidades distintas, mesmo mutuamente exclusi-

vas. É mais fácil treinar um administrador a partir de um arquivis-

ta, ou um arquivista a partir de um administrador? Muitos da área

(inclusive este autor) acreditam que as habilidades executivas de

gerenciamento, promoção, captação de recursos e administração

são partes inseparáveis da visão de mundo e da bagagem profis-

sional dos arquivistas audiovisuais, e não distintas dela. Existem

muitas provas para atestar que as instituições de arquivo são admi-

nistradas com muito sucesso por profissionais de arquivo.

4 | Arquivos audiovisuais

4.1 Histórico

4.1.1 Nãoexisteumadataoficialparaonascimentodaarquivísticaau-

diovisual. Ela surgiu de fontes difusas, em parte sob os auspícios de

uma ampla variedade de instituições de coleta e conservação, de uni-

versidades e de outras, como uma extensão natural do trabalho que

realizavam. Desenvolveu-se paralelamente, embora com bastante

atraso, ao crescimento da popularidade e alcance das próprias mí-

diasaudiovisuais.Arquivosdesom,defilmes,derádioedepoisdete-

levisão tenderam a ser, a princípio, institucionalmente diferentes uns

dosoutros,refletindoocaráterdistintoe individualdecadamídia

e das indústrias a elas associadas. A partir de 1930, ganharam uma

identidademaisvisívelaoseorganizaremassociaçõesprofissionais

internacionaisquerepresentavamcadamídiaemespecífico40. Com

o decorrer do tempo, foram também reconhecidos pelas organiza-

ções internacionais de arquivos gerais, museus e bibliotecas.

4 0 . E m b o r a n o m i n a l m e n t e a F i a f , a F i a t e a I a s a re p re s e n t e m re s p e c t i v a m e n t e a rq u i v o s d e f i l m e s , d e t e l e v i s ã o e d e s o m , o s p a p é i s re l a t i v o s s ã o m a i s c o m p l e x o s . A F i a t , c o m e f e i t o , é u m a a s s o c i a ç ã o d a i n d ú s t r i a d a t e l e v i s ã o . A F i a f é u m f ó r u m p a r a a rq u i v o s n ã o - c o m e rc i a i s d e f i l m e s e d e t e l e v i s ã o q u e d e s e m p e n h a m u m p a p e l m a i s a u t ô n o m o c o m o i n s t i t u i ç õ e s p ú b l i c a s e d e p o s i t á r i o s c u l t u r a i s . O q u a d ro d e a f i l i a d o s d a I a s a i n c l u i o r g a n i z a ç õ e s i n t e re s s a d a s e m s o m e , m u i t a s v e z e s , o u t r a s m í d i a s a u d i o v i s u a i s . A l g u n s a rq u i v o s p e r t e n c e m a v á r i a s f e d e r a ç õ e s . A I C A e a I f l a p ro m o v e m f ó r u n s p a r a a rq u i v o s a u d i o v i s u a i s q u e t ê m re l a ç õ e s c o m o s m u n d o s d a b i b l i o t e c o n o m i a e d a a rq u i v í s t i c a e m g e r a l .

Page 48: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 95Arquivos audiovisuais94 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

4.1.2Os arquivistas audiovisuais, enquanto grupo profissional, também

não têm um nascimento oficial. À medida que a área se desenvol-

veu, atraiu profissionais de muitos campos: as profissões de coleta

e conservação, a universidade, as indústrias cinematográficas, de

radiodifusão e de som, as ciências e as artes. Alguns tinham titula-

ção formal em seus campos de origem, outros não. O que parecia

reuni-los era provavelmente um sentimento de perda e catástrofe,

e uma motivação, em alguns casos um zelo missionário, da neces-

sidade de deter a maré.

4.1.3Nos primeiros anos do século XX, não era de modo algum eviden-

te que os registros sonoros e as imagens em movimento tivessem

qualquer valor permanente. Embora sua invenção tenha sido, em

grande parte, resultado da curiosidade e do empenho científicos,

seu rápido desenvolvimento deveu-se à sua explosão como forma

de entretenimento popular.

4.1.4Algumas tentativas pioneiras foram feitas para que instituições

especializadas reconhecessem o valor dos materiais audiovisuais.

Por exemplo, em Viena, em 1899, a Österreichische Akademie der

Wissenschaften estabeleceu um Phonogrammarchiv com a finali-

dade de recolher registros etnográficos sonoros (provavelmente o

primeiro arquivo sonoro estabelecido no mundo com essa finali-

dade expressa, arquivo até hoje em funcionamento)41. Ao mesmo

tempo, em Londres, o British Museum esboçou uma coleção de

imagens em movimento de valor histórico, enquanto em Washin-

4 1 . D e s d e s e u i n í c i o , o o b j e t i v o e r a a s s e g u r a r a p e r m a n ê n c i a d o s re g i s t ro s , c r i a r u m a d o c u m e n t a ç ã o d e a p o i o à p e s q u i s a e d e s e n v o l v e r u m p ro g r a m a . I s s o v a i a o e n c o n t ro d a d e f i n i ç ã o d e a rq u i v o a u d i o v i s u a l e x p re s s a e m 3 . 3 . 3 . 2 .

gton, a Library of Congress perguntava-se o que fazer com as

cópias em papel dos primeiros filmes recebidos para registro de

direitos autorais.

4.1.5Um jornal britânico da época expressou o dilema:

O filme não era nem um impresso nem um livro – na verdade, qualquer

um poderia dizer o que ele não era, mas ninguém podia dizer o que ele

era. O objeto não tinha uma categoria na qual se encaixasse. O verdadeiro

problema era que ninguém sabia dizer a que categoria ele pertencia (The

Era, 17 outubro 1896).

Alguns meses depois, a Westminister Gazette via a questão da se-

guinte forma:

...a atividade cotidiana da sala de gravuras do British Museum está com-

pletamente atrapalhada pela coleção de fotografias animadas que foram

despejadas em cima dos funcionários atarantados (...) a degradação da

sala consagrada a Dürer, Rembrandt e outros mestres (...) [onde o pessoal]

cataloga de má vontade O Derby do príncipe, A Praia de Brigh-

ton, Os Ônibus de Whitehall e outras cenas atraentes que deliciam

os olhos do público dos cafés-concerto... Falando seriamente: essa coleção

de porcarias não está se tornando uma bobagem absurda?

4.1.6Os suportes audiovisuais não se enquadraram facilmente nos pres-

supostos de trabalho das bibliotecas, arquivos e museus do começo

do século XX e, embora houvesse exceções42, seu valor cultural era

4 2 . C o m o o I m p e r i a l Wa r M u s e u m i n g l ê s q u e d e s d e 1 9 1 9 e f e t i v a m e n t e c o l e t o u f i l m e s .

Page 49: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 97Arquivos audiovisuais96 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

amplamente desconsiderado43. Em 1978, o pioneiro arquivista de

filmes Rod Wallace, da National Library da Austrália, recordava a

década de 1950:

As atitudes públicas para com os materiais históricos eram então muito di-

ferentes, em especial no mundo cinematográfico. Nós éramos olhados como

doidos, e em muitas ocasiões isso nos era dito. Nunca vou esquecer uma

vez que uma sala de projeções cheia de gente da indústria cinematográfica

assistiu um programa de filmes antigos recuperados pela Biblioteca e um

homem me disse que nós deveríamos ter jogado tudo fora. E as outras

pessoas concordavam com ele!

4.1.7Os arquivos de filme, como organizações distintas das instituições

tradicionais de coleta e conservação, apareceram primeiro na Eu-

ropa e na América do Norte – fenômeno que se nota a partir dos

anos de 193044 –, enquanto os arquivos de som, sob uma grande

variedade de formas institucionais, desenvolveram-se em separa-

do. Depois da Segunda Guerra Mundial, o movimento espalhou-se

para o resto do mundo – país a país, instituição por instituição, de

forma irregular. Lentamente, e por estágios, o valor cultural dos

suportes audiovisuais adquiriu legitimidade e ampla aceitação. O

desenvolvimento do rádio, de 1920 em diante, com a posterior gra-

vação e distribuição de programas por redes, criou tipos de mate-

riais inteiramente novos para uma potencial preservação, enquanto

a popularização da televisão a partir de 1940 fez o mesmo para um

outro tipo de imagens em movimento. Aliás, fez também algo mais:

trouxe de volta ao público conteúdos esquecidos das coleções dos

estúdios e sensibilizou uma geração para a importância de preser-

4 4 . A rq u i v o s p i o n e i ro s i n c l u e m o A rq u i v o C e n t r a l d e C i n e m a d a H o l a n d a , q u e c o m e ç o u a f u n c i o n a r e m 1 9 1 7 , e o s q u a t ro m e m b ro s f u n d a d o re s d a F i a f , q u e s u r g i u n a d é c a d a d e 1 9 3 0 .

4 3 . U m f a t o r c h a v e p a r a o d e s p re s t í g i o c o m q u e o g ro s s o d a s b i b l i o t e c a s e a rq u i v o s e n c a r a v a o s m a t e r i a i s a u d i o v i s u a i s e r a a ê n f a s e q u e d e d i c a v a m a o d o c u m e n t o t e x t u a l . O s c a n a d e n s e s Te r r y C o o k e J o a n S c h w a r t z e s t ã o e n t re o s p e s q u i s a d o re s d e s s e f e n ô m e n o .

var do desaparecimento o patrimônio cinematográfico. A mudança

de formatos de registros sonoros e da película virgem de nitrato

de celulose para triacetato de celulose reforçou as crescentes preo-

cupações quanto à sobrevivência e a garantia de acesso futuro.

4.1.8Foi a ação deliberada dos arquivos audiovisuais, frequentemente

diante da indiferença – quando não da oposição direta – dos produ-

tores de cinema, televisão e discos temerosos de que materiais dos

quais detinham os direitos patrimoniais ficassem em outras mãos

que não as suas, que resultou afinal em inesperados ganhos para

os mesmos produtores. Isso começou a acontecer quando as redes

de televisão e em seguida os distribuidores de áudio e vídeo para

os mercados de consumidores começaram a explorar as riquezas

do mundo dos arquivos de cinema e de som, demonstrando assim

o princípio da justificativa econômica da preservação audiovisual.

4.1.9O panorama hoje é bastante complexo, como a tipologia abaixo in-

dica. O arquivamento audiovisual acontece numa ampla gama de

tipos de instituição e está em constante desenvolvimento à medida

que se expandem as possibilidades de distribuição, como o cabo, o

satélite e a Internet. Um crescente número de produtoras e de re-

des de radiodifusão compreende hoje o valor comercial de proteger

seu patrimônio e criam seus próprios arquivos.

4.1.10 A história da preservação audiovisual difere muito de país para país

e está muito distante de ter sido pesquisada ou registrada (tarefa

Page 50: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 99Arquivos audiovisuais98 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

muito além dos objetivos deste documento). Em países geográfica

e culturalmente tão diversos como (por exemplo) a Áustria, a In-

glaterra, a China, a Índia, os Estados Unidos e o Vietnã, há insti-

tuições e programas há muito tempo estabelecidos. Em outros paí-

ses igualmente diversos, essas iniciativas são recentes; emoutros,

o trabalho ainda deve ser iniciado. Até o presente, o patrimônio

audiovisual da América do Norte e da Europa está em condições

relativamente melhores do que no resto do mundo, tanto em ter-

mos de conservação quanto de acesso.

4.1.11São vários os motivos para esse desenvolvimento desigual da área.

Entre eles estão as circunstâncias políticas, históricas e econô-

micas de determinados países e suas indústrias audiovisuais, as

realidades climáticas (os materiais audiovisuais deterioram com

mais rapidez em zonas tropicais) e as considerações culturais. A

ampla aceitação do valor da preservação cultural aliada à von-

tade política é essencial para o desenvolvimento da preservação

audiovisual. Mas em seus princípios exigiu – e ainda exige –, con-

tra todas as opiniões, pioneiros dedicados. Felizmente eles ainda

continuam a aparecer.

4.2 Campo de atividades

4.2.1Os arquivos audiovisuais, em seu conjunto, desenvolvem muitas

das atividades executadas por outras instituições de coleta e con-

servação. As tarefas de reunir, documentar, administrar e conservar

um acervo são centrais, e delas decorrem a natural consequência e

o desejo de que a coleção seja tornada acessível.

4.2.2O âmbito e o caráter do acervo serão definidos por uma política

– de preferência escrita, embora políticas sempre existam, mesmo

quando não estão escritas. Tipos de conteúdo, de suporte, descrição

técnica, origem, limites cronológicos, gênero e situação de direitos

estão entre os muitos elementos que podem definir o âmbito de um

acervo. Sua documentação, conservação, gestão física e acordos de

acesso devem ser providenciados. Embora a administração seja de

responsabilidade do arquivo, o acervo pode estar armazenado em

um edifício que não esteja sob controle do arquivo: a guarda pode

eventualmente ser contratada junto a uma empresa.

4.2.3A conservação também será responsabilidade do arquivo embora

novamente algumas atividades ou processos – como a duplicação –

possam ser contratados com prestadores de serviços especializados.

Quando isso acontece, é dever do arquivo exercer um sistema de

controle de qualidade para assegurar que os padrões que estabele-

ceu sejam observados.

4.2.4Estabelecida a partir dessas atividades, encontra-se uma legião de

outros processos que pode variar de arquivo para arquivo, suas po-

líticas, prioridades e circunstâncias, mas que são, não obstante, ex-

pressões de seu caráter essencial. Eis uma relação deles:

Page 51: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 101Arquivos audiovisuais100 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

p instalações públicas para pesquisa, biblioteca e

serviços

p projeção pública, instalações para exposições e debates

p catálogo on-line

p programa de história oral

p programa de ensino profissional

p comercialização de produtos elaborados a partir

do acervo

p programa de publicações

p empréstimo de materiais e objetos para projeções e expo-

siões externas

p programa de eventos públicos: conferências, aulas, festi-

vais, exposições

p instalações públicas: loja, café, pontos de encontro.

4.3 Tipologia45

4.3.1 Esclarecimento

4.3.1.1 Os arquivos audiovisuais abarcam uma grande diversidade

de modelos, tipos e interesses institucionais. Embora reconheça-

mos que toda organização é única e que qualquer tipologia tem

um grau de arbitrariedade e artificialismo, a categorização é uma

forma útil de tentar dar alguma forma ao campo.

4.3.1.2 Como proposta para isso, listamos abaixo vários pontos de

referência contra os quais qualquer arquivo pode ser “posicionado”:

4 5 . E s t a s e ç ã o a p ro v e i t a m a t e r i a i s d o a r t i g o “ A b r i e f t y p o l o g y o f s o u n d a rc h i v e s ” , d e G r a c e K o c h ( P h o n o g r a p h i c B u l l e t i n n . 5 8 , j u n h o 1 9 9 1 ) e o u t r a s f o n t e s d e p e s q u i s a c i t a d a s n e s s e a r t i g o , b e m c o m o n a t i p o l o g i a d e a rq u i v o s d e f i l m e p ro p o s t a p o r P a o l o C h e rc h i U s a i e m s e u l i v ro B u r n i n g p a s s i o n , L o n d re s : B r i t i s h F i l m I n s t i t u t e , 1 9 9 4 [ N T: a m p l i a d o e re e d i t a d o c o m o S i l e n t c i n e m a . B F I , 2 0 0 0 . ]

p com ou sem finalidades lucrativas

p grau de autonomia

p status

p clientela

p amplitude de mídias e capacidades

p caráter e ênfase.

4.3.1.3 Nenhuma das categorias dessa tipologia coincide com

as exigências de quaisquer das associações profissionais, embo-

ra representem fatores que algumas levam em consideração ao

admitir ou não a afiliação. Muitos arquivos não pertencem a ne-

nhuma associação.

4.3.2 Com ou sem finalidades lucrativas

4.3.2.1 A atividade de preservação audiovisual começou como um

movimento culturalmente motivado, a conservação dos materiais,

por seus valores intrínsecos independentemente de seu potencial

comercial – agindo algumas vezes, na verdade, contra um princí-

pio comercial predominante que exercia a destruição de filmes e

registros “ultrapassados” e aparentemente sem interesse. Esse va-

lor altruísta fundamental continua muito importante, embora nesse

como em outros campos da preservação cultural, a atividade não

seja economicamente autossuficiente e dependa de dotações públi-

cas e particulares.

4.3.2.2 Cada vez mais, arquivos sem finalidades lucrativas estão

sendo complementados por um outro modelo: o arquivo autos-

suficiente, capaz de sustentar-se através da geração de recursos

Page 52: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 103Arquivos audiovisuais102 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

provindos de seu acervo, através de licenciamentos, segmentação,

reutilização e outras formas de exercer direitos patrimoniais, seus

próprios ou de cedentes. Tais arquivos são geralmente subcon-

juntos de vastos empreendimentos produtores como indústrias de

disco, estúdios de cinema ou redes de televisão. A proliferação da

demanda por materiais antigos de repertório tornou novamente

valiosos bens até então negligenciados.

4.3.2.3 Um arquivo nacional gerido pelo governo é o exemplo clás-

sicodomodelosemfinalidadeslucrativas;oarquivodeumarádio

ou de uma televisão o do modelo com finalidades lucrativas. O

primeiro persegue objetivos altruístas que são publicamente reco-

nhecidos como meritórios, a despeito de seu retorno financeiro.

O segundo administra seus ativos com vista à geração de lucros,

em dinheiro ou espécie. Essas diferentes perspectivas e valores in-

terferem em tudo, da política de seleção e serviços de acesso aos

padrões e métodos de preservação.

4.3.2.4 A diferença é fundamental para a estrutura da área e

suas associações profissionais. A Fiaf, por exemplo, não aceita

instituições com finalidades lucrativas como membros, enquanto

a Iasa e a Amia estão abertas para organismos com ou sem finali-

dades lucrativas. Desde que os dois tipos de arquivos participam

de uma mesma tarefa – assegurar a sobrevivência do patrimônio

audiovisual – existem pontos em comum e esferas de coopera-

ção. Arquivistas individuais podem se mover entre os dois tipos

ao longo de sua carreira, e as questões e as tensões criadas pelos

dois conjuntos de valores são uma área importante para as dis-

cussões profissionais.

4.3.2.5 As duas abordagens não são mutuamente exclusivas. Ar-

quivos sem finalidades de lucro enfrentam a realidade que os acer-

vos e os programas crescem numa velocidade maior do que os

orçamentos. A consequência é que eles se engajam em atividades

comerciais (como a comercialização de direitos ou o lançamento

de CDs ou DVDs baseados em materiais do acervo) ou de capta-

ção de recursos de patrocínio como forma de suplementar suas

dotações – e, ao fazer isso, aprendem as úteis habilidades e pers-

pectivas do empresário comercial. Por outro lado, os arquivos com

finalidades lucrativas podem ser capazes de introduzir um grau de

altruísmo na implementação de suas políticas de coleção, talvez

executando um delicado processo de educação interna nas organi-

zações de que fazem parte.

4.3.3 Grau de autonomia

4.3.3.1 Alguns arquivos são organizações independentes no mais

amplo sentido do termo: são legalmente constituídos como tal, têm

dotação assegurada, estatutos e acordos de gestão que permitem

que prestem contas a um conselho e à sua base de apoio, e têm

completa autonomia profissional na execução de suas funções. Ou-

tros são claramente setores integrantes de instituições maiores, com

dotações restritas e âmbito limitado de autonomia profissional. A

maior parte dos arquivos situa-se entre esses dois extremos.

4.3.3.2 A autonomia é um atributo muito valorizado, e um nível

mínimo de autonomia profissional é fundamental se o arquivo qui-

ser funcionar com eficiência e ética. O grau de autonomia tam-

bém não é imediatamente evidente: há instituições aparentemente

Page 53: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 105Arquivos audiovisuais104 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

independentes que podem ser departamentos de organismos maio-

res e ter pouca autonomia legal e prática. Departamentos de or-

ganismos maiores, ao contrário, podem algumas vezes gozar de

considerável independência de facto.

4.3.4 Status

4.3.4.1 A palavra não tem aqui um sentido pejorativo ou elitista: é

unicamente um descritor prático e um componente essencial dos

termos de referência do arquivo.

4.3.4.2 Status geográfico define o território que o arquivo cobre ou

representa. Um arquivo nacional tem um âmbito de coleta e de ser-

viços mais amplo, mas talvez menos detalhado do que um arquivo

que opera em nível regional, estadual ou local. Pode também ter

outras funções pertinentes à escala nacional como, por exemplo,

um papel de coordenação ou de formação.

4.3.4.3 Muitos arquivos governamentais ou semigovernamentais têm

status oficial: seu papel e mandato são reconhecidos de alguma forma

pelo governo, ou através de uma legislação ou de disposições admi-

nistrativas práticas. Esse status pode estar expresso através de meca-

nismos de apoio financeiro (uma subvenção governamental anual

fixa),mecanismosdeprestaçãodecontasecontrolepúblicos.Podem

beneficiar-sedodepósitolegaledeoutrasdisposiçõescompulsórias.

4.3.4.4 Os arquivos consolidam seu status e autoridade com o pas-

sar do tempo. Isso pode se dever aos efeitos conjugados da idade

institucional, do prestígio do acervo, do âmbito de atividades, da

visibilidade geral e da liderança de personalidades que participam

de seus trabalhos. Também pode se dever ao papel desempenhado

pelo arquivo no mundo profissional e pelo efeito percebido de sua

atuação no campo em geral.

4.3.5 Clientela

4.3.5.1Osarquivos sãodefinidospelospúblicosqueatendem.Nes-

se sentido, cabe estabelecer uma diferenciação paralela à dicotomia

com/semfinalidadesdelucroestabelecidaacima.Osarquivosdere-

des de radiodifusão, por exemplo, podem servir prioritariamente às

necessidades e estratégias internas de produção da organização maior

e,emcertograu,estãointegradosaofluxoprodutoretécnicocotidia-

no da empresa. Também podem fornecer materiais para uma cliente-

lamaior,emtermosquereflitamosobjetivosdelucro,naeventualida-

de provável de que a emissora controle também direitos patrimoniais.

Oacessoinclusivepodesernegadoseestiveremconflitocomalgum

planejamento (por exemplo, uma estratégia de relançamentos).

4.3.5.2 O arquivo sem finalidades lucrativas será motivado por

valores de interesse cultural e público, mas mesmo dentro desses

parâmetros existe um amplo espectro de clientes. Arquivos ligados

a universidades, por exemplo, podem conscientemente voltar-se

para o usuário acadêmico, com o desenvolvimento do acervo e de

serviços orientado pelos currículos. Outros podem estar sintoni-

zados com as necessidades da indústria de produção audiovisual,

com a cultura cinematográfica, com a pesquisa, com o turismo, por

exemplo. Quanto maior o arquivo e o âmbito de sua coleção, maior

será a variedade de públicos que poderá atender.

Page 54: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 107Arquivos audiovisuais106 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

4.3.6 Amplitude de mídias e capacidades

4.3.6.1 Embora a maioria das instituições de coleta e conservação

detenha atualmente uma gama ampla de mídias, muitos arqui-

vos audiovisuais (e suas associações profissionais) têm uma histó-

ria de especialização em cinema, televisão, rádio ou som que é

tanto conceitual e cultural quanto prática. Enquanto as mídias

audiovisuais convergem tecnologicamente, o âmbito de especia-

lizações práticas e de conteúdo no mínimo aumenta. O reparo e

a restauração da película são operações diferentes da restauração

acústica de discos de acetato ou dos primeiros registros em fita.

Uma especialização na história da ópera chinesa é um campo de

conhecimento diferente do filme de animação feito em Hollywood

antes do surgimento da televisão.

4.3.6.2 Os arquivos variam muito não apenas em suas áreas de

foco e especialização mas também em suas instalações e capaci-

dades. Existem arquivos grandes, com locais adequados para o

armazenamento das coleções, laboratórios de processamento de

áudio, vídeo e película, salas e auditórios bem equipados, sistemas

de armazenamento digital em massa, instalações públicas de pes-

quisa etc. Por outro lado, há arquivos pequenos que têm poucas

ou nenhuma dessas coisas, mesmo que aspirem por elas, e que

dependem da contratação de serviços para o armazenamento do

acervo, duplicação e outros trabalhos, seja de empresas comerciais

seja de outros arquivos ou instituições. Nesse último caso, devem

desenvolver um sistema de controle de qualidade para assegurar a

aplicação dos padrões que estabeleceram.

4.3.6.3 Como cada arquivo evoluiu em circunstâncias econômicas,

políticas e culturais específicas, seu âmbito de atividades e suas ca-

pacidades são fruto tanto do pragmatismo quanto do idealismo. O

que é executado por uma única instituição nacional em um país

pode estar distribuído por várias em outro, e há as questões políti-

cas entre as instituições bem como dentro de cada uma.

4.3.7 Caráter e ênfase

4.3.7.1 Com o risco de aplicar rótulos simplistas, o que vai abaixo

é uma proposta de agrupamento de arquivos tendo em vista suas

características e objetivos prioritários. Alguns arquivos perten-

cem a dois ou mais desses grupos. Alguns começaram pequenos

e cresceram mediante seleção e coleta sistemáticas, baseadas em

políticas concretas. Alguns começaram incorporando um grande

acervo privado ou empresarial. Alguns carregam a marca de uma

personalidade fundadora cujas preferências conformaram a cole-

ção e o caráter do arquivo.

4.3.7.2 Arquivos de emissoras: armazenam prioritariamente coleções

de programas selecionados de rádio e/ou televisão e gravações co-

merciais, guardadas para preservação (habitualmente como ativos

empresariais) e como fontes de emissão e produção. Com algumas

exceções significativas, muitos são departamentos de organizações

de radiodifusão, de grandes redes a pequenas estações públicas de

rádio e televisão, enquanto outros têm graus variados de indepen-

dência. As coleções podem incluir também material “bruto”, como

entrevistas e efeitos sonoros, bem como materiais acessórios como

roteiros e documentação relacionada aos programas.

Page 55: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 109Arquivos audiovisuais108 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

4.3.7.3 Arquivos de programação:algunsarquivosdefilmesoudetelevi-

são caracterizam-se particularmente por um bem pesquisado e cui-

dadosamente preparado programa de projeções em seus próprios

cinemas ou salas de exibição de acesso público. As projeções podem

conter elementos como uma apresentação verbal, acompanhamento

musicalaovivoparafilmessilenciosos,folhetosdeprogramação,a

tentativa de projetar cópias da melhor qualidade e excelência geral

das apresentações. Como muitos desses arquivos operam cinemas

especializados, capazes de projetar formatos obsoletos e recriar uma

atmosfera contemporânea ao material que exibem, estão aptos a

cuidar da arte da projeção e da importante dimensão do contexto,

cada vez menos disponíveis nos cinemas comerciais. A característica

é a ênfase na natureza artística do cinema46.

4.3.7.4 Museus audiovisuais: a ênfase dessas organizações é a conservação

e a exposição de artefatos como câmaras, projetores, fonógrafos, carta-

zes, publicidade e outros materiais, roupas e objetos de recordação, e a

apresentação de imagens e sons num contexto de exibição pública com

propósitos educativos e de entretenimento. Artefatos como lanternas má-

gicas e brinquedos ópticos – o prelúdio do advento do registro sonoro e

do cinema – são muitas vezes incluídos para ilustrar o contexto histórico.

Nesta categoria, os museus de cinema formam um grupo reconhecido

e crescente, enquanto outros enfatizam a mídia radiofônica ou o som

gravado. Existem algumas coleções e exposições grandes e espetaculares.

Como a maioria dos arquivos audiovisuais, em certo grau, mantém tec-

nologia em obsolescência, eles são museus audiovisuais que funcionam.

4.3.7.5 Arquivos audiovisuais nacionais: são organizações de âm-

bito amplo, frequentemente grandes, que operam em nível na-

4 6 . D e a c o rd o c o m a ê n f a s e o p e r a c i o n a l d a p ro v á v e l m a t r i z d o t e r m o , a C i n é m a t h è q u e F r a n ç a i s e , t a i s a rq u i v o s s ã o m u i t a s v e z e s – e m b o r a n ã o c o m e x c l u s i v i d a d e – t r a d i c i o n a l m e n t e c o n h e c i d o s c o m o c i n e m a t h è q u e s o u v i d e o t h è q u e s . M a i s re c e n t e m e n t e , e n t re t a n t o , e s s e s t e r m o s f o r a m u t i l i z a d o s p o r o u t r a s o r g a n i z a ç õ e s q u e , e m b o r a n ã o a rq u i v o s e m s i , a p re s e n t a m p ro g r a m a s d e p ro j e ç ã o d e f i l m e d e re p e r t ó r i o o r g a n i z a d o s e m m o s t r a s .

cional, com a missão de documentar, preservar e tornar publi-

camente acessível o conjunto, ou uma parte significativa, do

patrimônio audiovisual de um país. São frequentemente finan-

ciados pelo estado e nesta categoria estão incluídos os maiores

e mais conhecidos arquivos de filmes, de televisão e de som do

mundo. Se mecanismos de depósito legal funcionam no país

em questão, esses arquivos são muito provavelmente os deposi-

tários desse material. Os serviços de acesso podem ser amplos

e cobrir todo o espectro da exibição pública, comercialização,

apoio profissional e serviços privados de pesquisa. Podem in-

cluir serviços e assessoria técnica especializados: muitas vezes

prestam serviços e coordenam as atividades de preservação au-

diovisual de outras instituições do país. O papel é análogo ao

das bibliotecas, arquivos e museus nacionais – em alguns casos

esses arquivos são departamentos de tais organizações, em ou-

tros casos são instituições independentes, com estatura e auto-

nomia comparáveis às daqueles.

4.3.7.6 Arquivos universitários e acadêmicos: em todo o mundo, exis-

tem numerosas universidades e instituições acadêmicas que abri-

gam arquivos de som, de filmes, de vídeos ou audiovisuais em ge-

ral. Alguns foram fundados pela necessidade de servir os cursos

acadêmicos, outros para preservar o patrimônio da localidade

geográfica ou da comunidade onde funciona a instituição. Al-

guns fazem ambos. Muitos se desenvolveram com o passar do

tempo e se transformaram em instituições de projeção nacional

e internacional. Alguns diversificaram suas fontes de recursos e

estabeleceram importantes programas de conservação, restaura-

ção e promoção. Alguns seguiram a trilha da “programação” e se

Page 56: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 111Arquivos audiovisuais110 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

especializaram nesta área. Outros permaneceram pequenos, foca-

dos numa área específica, da qual aprofundam o conhecimento47.

4.3.7.7 Arquivos temáticos e especializados: este é outro grande e va-

riado grupo de arquivos que não lidam com o patrimônio audio-

visual em geral, mas que optaram por uma especialização clara e

às vezes altamente delimitada. Esta pode ser um tema ou um as-

sunto, uma localidade, um período cronológico em particular, um

formato específico de filme, vídeo ou áudio. Podem ser materiais

relativos a grupos culturais específicos, disciplinas acadêmicas ou

campos de pesquisa. Exemplos são coleções de história oral, de

música folclórica, de materiais etnográficos. A maioria são prova-

velmente departamentos de organizações maiores, embora alguns

sejam independentes. A característica é a ênfase no atendimento

de pesquisas privadas ou acadêmicas.

4.3.7.8 Arquivos de estúdios: algumas grandes empresas de produção,

como por exemplo na indústria cinematográfica, tiveram consciên-

cia da necessidade de preservar seus próprios produtos e estabele-

ceram setores ou divisões de arquivo em suas organizações. Como

no caso da maioria dos arquivos de emissoras, o propósito funda-

mental é habitualmente o gerenciamento de ativos no serviço dos

objetivos empresariais maiores, mas esses arquivos algumas vezes

têm recursos significativos para dedicar à restauração e à recons-

trução de filmes, programas e registros percebidos como possibili-

dades potenciais de comercialização48.

4.3.7.9 Arquivos regionais, municipais e locais: há muitos arquivos

que operam em nível abaixo do nacional. Sua formação pode

4 7 . N ã o n o s re f e r i m o s a q u i à s c o l e ç õ e s d e f u n d o s a u d i o v i s u a i s q u e a s u n i v e r s i d a d e s p o s s u e m , s e m i n t e n ç ã o d e c o n s t i t u i r u m a rq u i v o .

4 8 . U m e x e m p l o b e m c o n h e c i d o é a re s t a u r a ç ã o d i g i t a l d o c l á s s i c o d e D i s n e y S n o w W h i t e / B r a n c a d e N e v e , h á c e rc a d e d e z a n o s . O i n v e s t i m e n t o f o i re c u p e r a d o p e l o p ro p r i e t á r i o c o m o s a c o rd o s d e re l a n ç a m e n t o . O c u s t o d a re s t a u r a ç ã o t e r i a s i d o p ro i b i t i v o p a r a u m a i n s t i t u i ç ã o p ú b l i c a .

ter origem em circunstâncias administrativas ou políticas parti-

culares – como uma descentralização de programas de governo

– e seus objetivos tendem a ter um enfoque específico. Eles têm

a vantagem particular de serem capazes de mobilizar apoios e

interesses das comunidades locais, que podem se relacionar com

as atividades do arquivo de uma forma que não poderiam fazê-lo

no caso de instituições especializadas nacionais, mais distantes.

Como resultado, materiais inestimáveis, oriundos sobretudo de

fontes privadas, podem se tornar conhecidos e encontrar seu ca-

minho para um arquivo. Tais arquivos são abrigados em uma

grande variedade de instituições simpáticas às suas atividades,

como bibliotecas, instituições culturais, educativas, ou departa-

mentos municipais.

4.3.7.10 Arquivos, bibliotecas e museus em geral: talvez a maior categoria

de todas. Muitas instituições possuem quantidades significativas de

materiais audiovisuais destinados à guarda permanente. Algumas

vezes eles podem ter sido adquiridos como parte integrante de uma

determinada coleção ou fundo. Contudo, pode não existir nenhum

departamento audiovisual ou mesmo qualquer funcionário que en-

tenda do assunto, oumesmo locais adequados para sua guarda;

assim, a longo prazo, a preservação e o acesso ao material repre-

sentam um problema.

Page 57: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 113Arquivos audiovisuais112 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

4.4 Visão de mundo e paradigma49

4.4.1 Introdução

4.4.1.1Umacaracterísticadeterminantedasdiversasprofissõesdeco-

leta e conservação de documentos é a perspectiva, o paradigma ou

visãodemundoespecíficosquelançamsobreaenormequantidadede

materiais suscetíveis de interessá-las e que lhes permite, de forma sig-

nificativa, selecioná-los, descrevê-los, organizá-los e disponibilizá-los.

Essasprofissõestêmmuitostraçosemcomum;aconstituiçãodeacer-

vos, a gestão e a conservação dos materiais coletados e os mecanis-

mos de acesso para os usuários são elementos básicos. Há uma ética e

motivaçõesculturaisquetranscendemomecânicoeoutilitário;háo

gerenciamento de demandas simultâneas frente a recursos escassos. As

diferenças surgem na maneira de responder a essas funções.

4.4.1.2Emborainfluenciadaspelatradiçãoepelahistória,essaspers-

pectivas não são em essência determinadas pelo suporte material dos

documentos: bibliotecas, arquivos, museus e arquivos audiovisuais,

todos abrigam, por exemplo, suportes em papel, suportes audiovisuais

e suportes informatizados, e cada vez mais transmitirão e receberão

materiaispelaInternet.Apesardoriscodeumasimplificaçãoexcessi-

va, propomos abaixo algumas comparações50. Além dos comentários

que fazemos, elas demandam uma análise mais aprofundada.

4.4.2 Bibliotecas

4.4.2.1 As bibliotecas, onde tradicionalmente se depositam escritos

e impressos, também fornecem informações sob as mais variadas

4 9 . P a r a e s s a s e ç ã o , u t i l i z a m o - n o s d e J . E l l i s , K e e p i n g A rc h i v e s , D . W. T h o r p e / A u s t r a l i a n S o c i e t y o f A rc h i v e s , 1 9 9 3 .

5 0 . A o b r a c i t a d a a c i m a f o r n e c e u m a g r a d e d a s p r i n c i p a i s d i f e re n ç a s e n t re a rq u i v o s , b i b l i o t e c a s e m u s e u s e i n s p i r a m o - n o s n e l a p a r a o q u a d ro d o A n e x o 2 , e s t a b e l e c e n d o u m a c o m p a r a ç ã o c o m o s a rq u i v o s a u d i o v i s u a i s .

formas. Ocupam-se de materiais que, na maioria dos casos, foram

publicados ou criados para serem difundidos com o propósito espe-

cíficodeinformar,persuadir,emocionaroudivertir.Aunidadebá-

sica de uma biblioteca é o livro, o periódico, o programa, o registro,

o mapa, a imagem, o vídeo etc. Ainda que um mesmo livro possa

figuraremcentenasdebibliotecasdiferentes,cadacoleçãotemum

caráterúnicoquerefletesuaclientela,suasresponsabilidadesenor-

mas de funcionamento, bem como a qualidade de suas competências

naseleçãodomaterial.Acatalogaçãoeabibliografiapropiciamo

controle e a consulta desses materiais e as informações pertinentes

são o editor, o autor, os temas, a data e o local de publicação.

4.4.3 Arquivos

4.4.3.1 Os arquivos ocupam-se de registros acumulados de atividades

sociais ou institucionais. Trata-se essencialmente de materiais não

publicados, embora hoje em dia formem um conjunto mais comple-

xo. Seu interesse concentra-se sobretudo em documentos que cons-

tituem traços coletivos de uma atividade, mais do que em obras ex-

pressamente criadas para publicação. Esse material inscreve-se num

contexto preciso: a ligação com seu autor, uma atividade ou outros

domínios conexos são as considerações prioritárias. E as coleções são

constituídas, ordenadas e consultadas segundo esses critérios. Um

dossiê de correspondência arquivado, por exemplo, pode fazer parte

deumasérieespecífica,criadaporumórgãogovernamentalemcir-

cunstâncias ou época particulares. Conhecer esses detalhes e utilizar

o material dentro de um determinado contexto é essencial para sua

compreensão plena e correta. Os instrumentos de pesquisa, mais do

que os catálogos, são os pontos de apoio do usuário.

Page 58: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 115Arquivos audiovisuais114 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

4.4.4 Museus51

4.4.4.1 Pode-se dizer que os museus, em sua missão de coleta, pes-

quisa, documentação e exposição, ocupam-se mais de objetos do

que de documentos ou publicações. A conservação tem neles uma

posição central, e a capacidade técnica de expor ao público seu

acervo contextualizando-o com finalidades educativas é sua razão

de ser fundamental. O uso de técnicas audiovisuais em exposições

é cada vez mais habitual.

4.4.5 Arquivos audiovisuais

4.4.5.1 Todos os arquivos audiovisuais possuem certos traços dos

três modelos precedentes. O material de que se ocupam, por exem-

plo, pode ser publicado ou inédito: a diferença não é sempre fá-

cil nem importante; o conceito de “original” (negativo de filme,

matriz sonora) também é relevante. A catalogação e o inventário

são atividades tão essenciais para os arquivos audiovisuais quanto

para as bibliotecas, os museus e os arquivos convencionais. Como

o material coletado é um suporte tecnológico, torna-se impossível

separar conceitualmente a tecnologia de seu produto, e por isso as

disciplinas da museologia também são pertinentes. Mecanismos e

formas de acesso, para particulares ou grupos grandes ou pequenos

de pessoas, são múltiplos. Alguns traços diferenciadores ligam-se

sobretudo à natureza dos documentos (ver seção seguinte).

4.4.5.2. Neste amálgama, há aspectos das disciplinas tradicionais

que são menos pertinentes. Por exemplo, os conceitos arquivísticos

de registro, ordem original e respeito aos fundos podem se revelar res-

5 1 . S e g u n d o o I c o m ( C o n s e l h o I n t e r n a c i o n a l d e M u s e u s ) , “ m u s e u é u m a i n s t i t u i ç ã o p e r m a n e n t e , s e m f i n s l u c r a t i v o s , a s e r v i ç o d a s o c i e d a d e e d e s e u d e s e n v o l v i m e n t o , a b e r t a a o p ú b l i c o , e q u e f a z p e s q u i s a s re l a c i o n a d a s c o m o s t e s t e m u n h o s m a t e r i a i s d o h o m e m e d e s e u a m b i e n t e ; c o n s e r v a - o s , c o m u n i c a -o s e s o b re t u d o o s e x p õ e , c o m f i n a l i d a d e d e e s t u d o , d e e d u c a ç ã o e d e l a z e r ” ( h t t p : / / i c o m .m u s e u m / d e f i n i t i o n . h t m l ) .

tritivos para os arquivos audiovisuais e nem sempre pertinentes a

suas necessidades. Os conceitos de informação e de gestão de cole-

ções, utilizados em biblioteconomia, têm limitações. Os serviços de

consulta podem ser caros e o princípio de acesso público gratuito,

tradicional em arquivos e bibliotecas, pode se revelar inviável e de

difícil manutenção frente a aspectos práticos e políticos colocados

pelos direitos de autor.

4.4.5.3 As comparações são instrutivas e merecem atenção. Um

exemplo fictício serve de ilustração. Um programa de televisão

pode ocupar posição legítima nos quatro tipos de instituição que

descrevemos. Numa biblioteca, ele tem um papel informativo, de

registro histórico ou de criação intelectual ou artística. Num arqui-

vo, ele seria um dos registros de uma determinada organização, o

resultado de um processo. Num museu, ele constituiria uma obra

de arte, um objeto suscetível de ser exposto. Cada um desses con-

ceitos é legítimo e adequado em seu contexto. A mesma obra pode

ser considerada sob diferentes ângulos, de acordo com a disciplina

envolvida, e tratada segundo diferentes procedimentos. Os arqui-

vos audiovisuais veem as coisas de uma maneira diferente52, legí-

tima dentro de sua cosmovisão, adequada à qualidade de síntese

dessas disciplinas.

4.4.6 O paradigma dos arquivos audiovisuais53

4.4.6.1 Os arquivos audiovisuais encontram-se em posição de consi-

derar aquele hipotético programa de televisão enquanto ele mesmo e não

enquanto componente de uma outra coisa.Nãoclassificarãoemprincípio

esse programa como uma informação ou um documento histórico

5 2 . O re a l i z a d o r r u s s o e t e ó r i c o d o c i n e m a S e r g u e i M . E i s e n s t e i n c o n s i d e r a v a o c i n e m a c o m o “ a s í n t e s e d e t o d a s a s a r t e s ” .

5 3 . E s t e p a r a d i g m a é f r u t o d e n o s s a a n á l i s e p e s s o a l m a s n ã o n e g a e m a b s o l u t o a p o s s i b i l i d a d e d e o u t r a s o p i n i õ e s o u m o d e l o s c o n c e i t u a i s q u e a l i m e n t e m u m d e b a t e q u e d e v e t e r p ro s s e g u i m e n t o . E n t re a s re c e n t e s p u b l i c a ç õ e s s o b re o a s s u n t o , p o d e m o s c i t a r o e n s a i o d e J a c q u e s D e r r i d a e B e r n a rd S t i e g l e r, É c o g r a p h i e s d e l a t é l é v i s i o n , P a r i s : G a l i l é e , 1 9 9 6 .

Page 59: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 117Arquivos audiovisuais116 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

ou uma obra de arte ou um documento institucional, mas o consi-

derarão como uma transmissão de televisão que é tudo isso e ao mesmo tempo

muito mais do que isso–eessaclassificaçãodeterminaráseusmétodos

e ações. O caráter dos meios audiovisuais e seus produtos é o pon-

to de referência primordial que os arquivos audiovisuais levam em

conta, da mesma forma que, há séculos, a própria natureza do livro

impresso, enquanto fenômeno, foi o ponto de referência primordial

das bibliotecas tais como hoje as conhecemos.

4.4.6.2 Avançando mais, pensemos em como os arquivos audio-

visuais tratam, por exemplo, os materiais em papel – revistas,

cartazes, fotografias, roteiros etc. Na maior parte dos casos, esses

materiais não são entendidos em si mesmos mas pelo valor que

acrescentam aos registros, filmes ou programas a que se referem.

Num arquivo audiovisual, um cartaz de filme tem valor muito

por causa do filme com o qual se relaciona. Numa galeria, pode-

ria ter valor artístico54.

4.4.6.3 A medida pela qual esse modelo se traduz em práticas varia

segundo as circunstâncias e as decisões dos arquivos. Os arquivos

audiovisuais independentes (quer se consagrem a um ou a vários

suportes), dotados de um status e de uma autonomia comparáveis

aos das grandes bibliotecas, arquivos ou museus, encontram-se em

posição mais adequada para colocar em prática esse modelo: os

documentos audiovisuais têm neles o mesmo valor cultural que os

artefatos produzidos por técnicas mais antigas. Os arquivos audio-

visuais pertencentes a organizações maiores em geral encontram

um meio termo entre este modelo e a óptica dos organismos dos

quais dependem. Evidentemente, os documentos audiovisuais con-

5 4 . I s s o n ã o s i g n i f i c a q u e o s a rq u i v o s a u d i o v i s u a i s i g n o re m a d i m e n s ã o a r t í s t i c a d a m e s m a f o r m a q u e u m a b i b l i o t e c a , p o r e x e m p l o , n ã o i g n o r a o v a l o r c o m o a r t e f a t o o u o b r a d e a r t e d e u m l i v ro o u u m m a n u s c r i t o r a ro . S i m p l e s m e n t e i s s o re v e l a a ó p t i c a p a r t i c u l a r q u e c a r a c t e r i z a a c o l e ç ã o e f i x a s u a s p r i o r i d a d e s .

servam sua própria natureza, qualquer que seja o contexto institu-

cional em que estão inseridos. A questão é saber como esse contex-

to pode ou deve refletir a totalidade dessa natureza. (Bibliotecários,

arquivistas e curadores de museus que fazem parte de organizações

maiores confrontam-se com problemas semelhantes.)

4.5 Principais perspectivas dos arquivos audiovisuais

4.5.1 Traços definidores

4.5.1.1 Toda profissão lança sobre o mundo um olhar que lhe é

específico, tem seu próprio ponto de vista sobre o universo e as

questões particulares que lhe dizem respeito, e isso a diferencia

do restante da sociedade. Essa perspectiva específica pode ser sutil

ou rígida. Os arquivos audiovisuais não são exceção a esta regra.

Ao examinarmos os traços distintivos apresentados abaixo, o leitor

poderá compará-los com os de outras profissões relacionadas com

a coleta e a preservação e observar as diferenças que os distinguem.

4.5.2 A indústria audiovisual

4.5.2.1 A indústria: os arquivos audiovisuais pertencem ao mundo

das instituições de coleta e conservação de documentos e estão

conscientes das responsabilidades sociais e da ética de serviço públi-

co que os caracteriza. Mas participam também, em graus variados,

de outro universo: o das indústrias internacionais do audiovisual

Page 60: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 119Arquivos audiovisuais118 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

e de sua cultura. Eles recrutam seu pessoal nesse universo, falam

sua língua, respondem a suas necessidades, refletem seu espírito

empresarial e sua paixão pelos meios de comunicação. Ao mes-

mo tempo, sobretudo para os arquivos audiovisuais que pertencem

a uma organização com finalidades lucrativas, o imperativo por

exemplo de gerar receitas ou de atender a prioridades da empresa

de que fazem parte pode prevalecer sem questionamento sobre as-

pectos mais altruístas relacionados com o interesse público.

4.5.2.2 ...e sua história. Exceto por alguns exemplos notáveis, a expe-

riência demonstra que as indústrias audiovisuais são tão ocupadas

com sua produção corrente que têm pouco tempo, recursos ou in-

clinação para se voltar para a história da empresa e sua produção

passada, seja do ponto de vista cultural, histórico ou às vezes mes-

mo comercial. Seus interesses tampouco coincidem sempre ou são

compatíveis com os dos arquivos públicos. Frequentemente, tomam

consciência tarde demais do valor de seus ativos para que possam

preservá-los. Assim, cabe aos arquivos e aos arquivistas audiovi-

suais, qualquer que seja sua filosofia e seu contexto institucional,

adotar e promover uma visão mais ampla e de longo prazo se o ob-

jetivo for preservar a memória coletiva e manter acessível a cultura

“popular” (em oposição à cultura “elevada”). Isso pode ser fonte de

muitas dificuldades e tensões.

4.5.3 A cultura profissional

4.5.3.1 A fragilidade e o caráter efêmero dos documentos audio-

visuais, o pioneirismo da arquivística audiovisual, a frequente

falta de recursos e a insegurança no emprego, a rápida evolu-

ção da paisagem tecnológica e empresarial, a carência de pessoal

diante da enormidade da tarefa, dão aos arquivos e aos arqui-

vistas audiovisuais um sentimento de urgência: “Tanta coisa a

fazer num tempo tão curto...” Eles confrontam-se permanente-

mente com as consequências de suas intervenções, omissões e

limitações;precisampersuadir,transformaratitudes,moldarseu

próprio entorno.

4.5.3.2 Os arquivistas audiovisuais que decidem exercer sua pro-

fissão apesar desse contexto são movidos por uma vocação, e às

vezes por uma paixão, para um domínio ainda novo e que luta

para obter condições, reconhecimento oficial, estruturas de for-

mação, credenciamento e associações de defesa de seus interesses

profissionais semelhantes aos conquistados pelos profissionais de

ramos vizinhos da coleta e da conservação. A arquivística audiovi-

sual não propicia nos dias de hoje nem fama nem riqueza apesar

de sua relação com um setor que o público associa intimamente

com essas qualidades. Também não se beneficia do quadro jurídi-

co estabelecido há muito para o mundo do mercado editorial e da

burocracia governamental que cerca as bibliotecas e os arquivos

nacionais. Os arquivistas audiovisuais movem-se no terreno escor-

regadio de uma indústria com regras comerciais e jurídicas pouco

definidas e que se preocupa sobretudo em controlar seus direitos

de propriedade.

4.5.3.3 Por esse motivo, a versatilidade é frequentemente um traço

característico do arquivista audiovisual. As competências humanas

são primordiais em um domínio que depende muito das relações

pessoais formais e informais. O arquivista audiovisual precisa reunir

Page 61: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 121Arquivos audiovisuais120 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

as qualidades do político e do advogado. Trabalhar no mundo do

espetáculo exige o domínio da arte da encenação, mostrar-se cria-

tivo e audacioso em sua maneira de pensar e de agir, saber vestir

a pele de um produtor de televisão ou de um cineasta. A pessoa

que não se sente verdadeiramente atraída pelos meios audiovisuais

nunca chegará a compreender a natureza íntima nem a se identifi-

car com aqueles que consagram sua carreira à criação, exploração

e reunião de obras audiovisuais.

4.5.3.4 Essas qualidades complementam os elementos mais tradi-

cionais e teóricos da cultura das instituições de coleta. Uma base

técnica geral e o conhecimento da história do audiovisual e da ar-

quivística audiovisual, por exemplo, constituem bagagem indispen-

sável, qualquer que seja o domínio de sua especialização indivi-

dual. Uma ética exigente e escrupulosa é essencial em um domínio

no qual se manejam constantemente informações comerciais con-

fidenciais, no qual o acesso e as transações de incorporação podem

colocar em jogo somas consideráveis, no qual é necessário a todo o

momento realizar julgamentos, e no qual muitos depositantes im-

portantes (os colecionadores privados, por exemplo) confiam muito

mais no indivíduo do que na instituição.

4.5.4 Preservação

4.5.4.1 Já enfatizamos a importância central da preservação (seção

3.2.6). A tensão entre preservação e acesso existe na maioria das

instituições que gerenciam acervos. O acesso comporta riscos e

custos, grandes ou pequenos, mas a preservação sem o acesso não

teria razão de ser. Nota-se, apesar disso, que a preservação é con-

siderada, em muitas instituições, como um “extra” em relação ao

funcionamento da organização, quando na verdade trata-se con-

ceitualmente da missão prioritária dos arquivos audiovisuais.

4.5.4.2 Como as obras audiovisuais baseiam-se na tecnologia, as

realidades da preservação impregnam o conjunto das atividades

dos arquivos, integram seu funcionamento cotidiano. A preserva-

ção determina as percepções e as decisões do arquivo: a consulta

ao material tem sempre consequências tecnológicas e econômicas

maiores ou menores. As modalidades de acesso são inúmeras, des-

de retirar uma fita de uma estante, fazer uma cópia nova de um

filme à reserva de uma sala por diversas horas para sua projeção.

Qualquer que seja a opção, a consulta nunca pode expor a obra a

um risco inaceitável55. Se o custo for excessivo, a consulta deverá ser

adiada enquanto não se puder assumi-lo ou enquanto ela não for

considerada decididamente prioritária.

4.5.4.3 Em razão de sua base tecnológica, os arquivos audiovisuais

apresentam-se frequentemente como centros de conhecimento e

de equipamentos técnicos especializados, onde se guardam e se

utilizam tecnologias e procedimentos obsoletos, para que se pos-

sam restaurar e reproduzir materiais audiovisuais de qualquer tipo

e formato. Não se pode prever a longo prazo por quanto tem-

po isso continuará sendo assim, porque os arquivos dependem de

infraestruturas industriais de grande porte para o fornecimento

de matéria-prima, como a película, ou de peças de reposição. Os

arquivos audiovisuais devem também enfrentar imperativos éti-

cos e econômicos à medida que as opções analógicas e digitais se

diversificam e novos formatos proliferam. Sem dúvida, o efeito de

5 5 . “ I n a c e i t á v e l ” é u m c o n c e i t o re l a t i v o . A l g u n s a rq u i v o s a u d i o v i s u a i s f i x a m , p a r a s e u s m e c a n i s m o s d e a c e s s o , re g r a s e s t r i t a s q u e s e re v e s t e m r a p i d a m e n t e d e u m c a r á t e r a b s o l u t o . E n t re t a n t o , n ã o e x i s t e n a d a d e a b s o l u t o n o m u n d o , a p e n a s g r a u s d e r i s c o . C a d a a rq u i v o d e c i d e p o r s i p r ó p r i o a m a n e i r a c o m o g e re n c i a o s r i s c o s l i g a d o s a o a c e s s o , e o s c r i t é r i o s e s c o l h i d o s s u b o rd i n a m -s e a c o n s i d e r a ç õ e s p o l í t i c a s e e s t r a t é g i c a s , t é c n i c a s e e c o n ô m i c a s . E s s e s c r i t é r i o s p o r t a n t o m o d i f i c a m - s e c o m o t e m p o .

Page 62: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 123Arquivos audiovisuais122 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

inércia ligado ao fato de guardar, conservar e reproduzir quanti-

dades cada vez maiores de documentos audiovisuais em formatos

obsoletos desencoraja julgamentos apressados quanto ao futuro.

Por outro lado, as competências estéticas, os conhecimentos histó-

ricos e os julgamentos éticos exigidos pelo trabalho de preservação

são inerentes ao próprio caráter dos documentos audiovisuais e

sempre serão necessários56.

4.5.4.4 Outra característica decorrente da importância central

da preservação é o espírito técnico dos arquivistas audiovisuais. Ou

seja, sua capacidade de pensar a permanência em termos tanto

técnicos quanto estéticos, de explorar todo um conjunto de equi-

pamentos técnicos, de apreender as consequências diretas sobre

o material de um armazenamento inadequado ou de um erro

de manipulação ou de utilização de equipamentos. Isso significa

que os arquivistas que vão ao cinema, assistem televisão ou es-

cutam um registro sonoro percebem imediatamente as caracte-

rísticas técnicas do que veem ou escutam: as imagens digitais da

televisão, a dinâmica do registro sonoro, a qualidade visual e o

estado da cópia do filme.

4.5.5 A abordagem prática

4.5.5.1 De forma lógica e justificada, os arquivos audiovisuais

aplicam métodos e princípios de incorporação e de administra-

ção de acervos, de documentação e de prestação de serviços que

resultam da própria natureza do documento audiovisual e de seu

contexto físico, estético e jurídico. Em consequência disso, os mé-

todos podem diferir, em grau ou natureza, das abordagens cor-

5 6 . E s s a q u e s t ã o s u s c i t a u m d e b a t e é t i c o e p r á t i c o . U m a d u p l i c a ç ã o d i g i t a l p o d e s u b s t i t u i r u m o b j e t o o r i g i n a l ? P o d e - s e re c r i a r a e x p e r i ê n c i a o r i g i n a l d e v i s ã o e d e a u d i ç ã o ? Q u a i s s ã o , a l o n g o p r a z o , o s l i m i t e s d o d i g i t a l ?

rentes em outras profissões de coleta e conservação. Isso parece

evidente mas, em decorrência do fato de que a arquivística audio-

visual derivou dessas profissões, algumas premissas divergentes (e

às vezes incompatíveis) foram aplicadas, por analogia automática,

ao domínio do audiovisual.

4.5.5.2 Um exemplo simples57 é a prática (felizmente abandona-

da) dos bibliotecários de catalogar os filmes segundo o título en-

contrado nas pontas ou nos primeiros fotogramas dos créditos, ou

escrito na lata. Os catalogadores dos arquivos audiovisuais tiveram

de batalhar muito para que se admitisse que os filmes devem ser

classificados segundo o que efetivamente são e que a pesquisa per-

mite determinar – a ponta de um filme pode ter sido emendada

num rolo trocado, ou o rolo pode ter sido colocado na lata de um

outro filme. Esse era um território inteiramente desconhecido para

profissionais habituados a trabalhar com objetos com sua página

de rosto devidamente encadernada.

4.5.5.3 A necessidade de voltar aos princípios originais manifes-

tou-se algumas vezes mais tarde e, para muitos, tudo ainda parece

novidade. Por exemplo, as diferentes abordagens da arquivística e

da biblioteconomia em matéria de organização e de descrição de

coleções foram aplicadas ao arquivamento de materiais audiovi-

suais. Muitos arquivos, porém, desenvolveram procedimentos que,

embora relacionados às disciplinas anteriores, repousam sobre

premissas distintas e conduzem a práticas diferentes. Um método

corrente, por exemplo, consiste em inventariar as coleções usando

uma planilha de catalogação, o que permite dissociar as atividades

de registro das de descrição intelectual.

5 7 . E x e m p l o t i r a d o d a e x p e r i ê n c i a d o a u t o r n u m a b i b l i o t e c a o n d e d u r a n t e a l g u m t e m p o t e n t o u - s e o r g a n i z a r a s c o l e ç õ e s d e f i l m e s e m 1 6 m m s e g u n d o a c l a s s i f i c a ç ã o d e c i m a l D e w e y. O s v i d e o c a s s e t e s , o s c d s e o s d v d s , c u j a f o r m a é b a s t a n t e p r ó x i m a à d o s l i v ro s , s ã o f a c i l m e n t e i n t e g r a d o s a e s s e s i s t e m a o r i e n t a d o p a r a o a c e s s o d i re t o .

Page 63: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 125Arquivos audiovisuais124 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

4.5.6 O desenvolvimento dos acervos

4.5.6.1 A exemplo das bibliotecas, os arquivos audiovisuais ad-

quirem materiais de diversas maneiras e aplicam a seus acervos

políticas e mecanismos de seleção e de avaliação. Os mecanis-

mos de incorporação incluem a compra, a troca, a doação e, em

alguns casos, regulamentos em matéria de depósito legal. Mas a

constituição dos acervos audiovisuais apresenta alguns aspectos

específicos. Pode-se mencionar, por exemplo, o sistema de depó-

sito voluntário (o arquivo tem a guarda do objeto mas não sua

propriedade ou os direitos de autor), o registro de programas no

momento de sua transmissão, a produção de registros, a pesquisa

e a descoberta de materiais efêmeros cuja vida comercial me-

de-se por semanas muito mais do que por dezenas de anos. As

investigações metódicas, as “caças ao tesouro” em lugares susce-

tíveis de guardar materiais antigos são por vezes a única maneira

prática de encontrá-los. Os arquivos audiovisuais devem buscar

materiaisdeformaativaeseletiva;elesnãosãomerosreceptores

passivos de materiais58.

4.5.6.2. – Os particulares, sobretudo os colecionadores, consti-

tuem uma fonte importante de documentos e as relações que os

arquivos mantêm com eles são fundamentais. As próprias indús-

trias audiovisuais confiam muito no contato pessoal. A capacidade

de estabelecer e manter relações pessoais e de inspirar confiança

é essencial num domínio onde as sensibilidades se exacerbam e a

confiança se perde com facilidade. As questões éticas relativas ao

direito de propriedade e de uso estão frequentemente em jogo e

exigem muita cautela.

5 8 . E s s e e s q u e m a v a r i a s e g u n d o a e s t r u t u r a e a p o l í t i c a d o o r g a n i s m o d o q u a l d e p e n d e m . A l g u n s a rq u i v o s a u d i o v i s u a i s s e l e c i o n a m p o u c o e re c o r re m m e n o s à p e s q u i s a a t i v a . É o c a s o , p o r e x e m p l o , d o s a rq u i v o s n a c i o n a i s , q u e re c e b e m o b r i g a t o r i a m e n t e a s p ro d u ç õ e s d e o u t ro s o r g a n i s m o s p ú b l i c o s .

4.5.7 A gestão dos acervos

4.5.7.1 Por sua própria natureza, diversos suportes audiovisuais

são caros e sensíveis ao ambiente. Na medida dos recursos dispo-

níveis, os arquivos audiovisuais mantêm sistemas de armazena-

mento com temperatura e umidade controlados e utilizam proce-

dimentos de verificação do estado dos documentos no momento

de sua incorporação e, depois, a intervalos regulares. Os sistemas

de controle do tipo inventário, que permitem a cada unidade da

coleção ser identificada separadamente, e que cada material seja

classificado por forma, categoria e dimensão, são aspectos especí-

ficos dos sistemas de gestão dos arquivos audiovisuais. O estabele-

cimento de uma ficha técnica detalhada por unidade é necessário

para acompanhar as condições de conservação ao longo do tempo

e aplicar, quando for preciso, um tratamento apropriado. Nesse

quadro, a unidade-chave é o suporte individual59, associado a uma

obra identificada por um título. Essa abordagem, em sua teoria e

aplicação, emana da natureza material e conceitual dos documen-

tos audiovisuais.

4.5.8 O acesso

4.5.8.1 Dada a própria natureza dos documentos audiovisuais, exis-

tem muitas formas de acesso, reais e potenciais, seja do tipo “pas-

sivo” – como a pesquisa e a consulta individuais –, seja do tipo

“ativo” – como a exposição pública, a projeção, a transmissão,

a comercialização de produtos etc. As competências e conheci-

mentos exigidos nesse setor são, por isso mesmo, muito diversos:

por um lado, é necessário possuir sólidos conhecimentos técnicos,

5 9 . I s s o s i g n i f i c a a m e n o r u n i d a d e f í s i c a : b o b i n a d e f i t a m a g n é t i c a , ro l o d e f i l m e , d i s c o , c a s s e t e , e t c . U m a o b r a p o d e e x i s t i r e m d i v e r s o s s u p o r t e s i n d i v i d u a i s , d e t i p o s d i f e re n t e s . U m f i l m e p o d e s e r c o n s t i t u í d o d e d i f e re n t e s e l e m e n t o s : u m c o n t r a t i p o d e i m a g e m , u m n e g a t i v o d e s o m , u m p o s i t i v o i n t e r m e d i á r i o , u m a c ó p i a c o m b i n a d a e t c . C a d a u m d e s s e s e l e m e n t o s p o d e c o r re s p o n d e r a v á r i a s u n i d a d e s . I n v e r s a m e n t e , m u i t a s o b r a s p o d e m e x i s t i r e m u m ú n i c o s u p o r t e i n d i v i d u a l – p o r e x e m p l o , a s d i v e r s a s f a i x a s d e u m c d .

Page 64: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 127Arquivos audiovisuais126 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

profundo conhecimento dos acervos, do conteúdo e da história e,

por outro, a capacidade de organizar e proteger as coleções, ter es-

pírito empreendedor, dons para criar e organizar exposições. Essa

bagagem deve ser consolidada pelo domínio da legislação relativa

aos direitos de autor e dos direitos contratuais. O acesso a uma

grande parte dos acervos de todos os arquivos é, na verdade, limi-

tado pelas restrições legais derivadas da titularidade de direitos de

autor, direitos de distribuição e de difusão.

4.5.8.2 Paradoxalmente, numa época em que se pode facilmente

contornar a legislação sobre os direitos de autor pelo registro de

um documento no momento de sua difusão ou capturando-o pela

Internet, e em que a pirataria adquiriu amplitude internacional,

os arquivos – que conservam grande parte desses materiais – de-

vem com o maior escrúpulo respeitar esses direitos. Na prática, o

acesso é limitado pela necessidade de obter constantemente au-

torizações para os diversos tipos de utilização de documentos do

acervo suscetíveis de lesar os titulares dos direitos de autor. Em

numerosos casos, em particular com relação aos materiais antigos,

é difícil, às vezes impossível, estabelecer com precisão a identidade

do proprietário desses direitos. Os arquivos devem, nesses casos,

medir os riscos que correm ao facilitar o acesso público a um filme

ou registro.

4.5.8.3 Podemos folhear um livro ou uma série de manuscritos.

Não podemos folhear, pelo menos da mesma forma, um registro

sonoro, um filme, um vídeo ou um objeto. O controle intelectual que

as entradas de catálogo, às vezes muito detalhadas, permitem é

muitas vezes um meio bastante eficaz para o usuário. Como a ca-

talogação exige muito trabalho e dinheiro e numerosas coleções

ainda não estão catalogadas, o conhecimento acumulado que os

próprios arquivistas têm sobre o acervo é outra fonte fundamental

de informação. Encontrar um equilíbrio justo entre o catálogo e

o conhecimento pessoal continua sendo um dilema. Como muitas

instituições descobriram, às suas próprias custas, as pessoas podem

morrer ou ir embora de repente, levando consigo o seu saber. Como

o uso de instalações de audição e de visionamento e a pesquisa dos

documentos podem se revelar dispendiosos, o acesso “gratuito” é

frequentemente impossível.

4.5.8.4 O acesso limitado à informação pode ser um fato, mas certa-

mente não é o objetivo dos arquivos audiovisuais. As novas tecnolo-

gias ampliam rapidamente as possibilidades de consulta pela Internet

a bases de dados, a documentos sonoros e visuais (mediante autori-

zação do titular dos direitos de autor) e essas possibilidades criam,

em contrapartida, novas demandas. O catálogo tradicional está em

processo de mudança. O texto das entradas enriquece-se com ícones,

imagens e sons. Também é possível realizar pesquisas simultâneas em

múltiplas bases de dados. Esses sistemas, cada vez mais aperfeiçoados,

revolucionarão as práticas de catalogação e de acesso dos arquivos

audiovisuais, e oferecerão ao usuário maiores possibilidades e opções.

4.5.9 A contextualização

4.5.9.1 O contexto no qual as imagens e os sons foram concebidos

constitui um elemento fundamental para sua apreciação. Trata-se

aqui talvez da tarefa mais difícil que os arquivos audiovisuais de-

vem realizar.

Page 65: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 129Arquivos audiovisuais128 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

4.5.9.2 Ler um livro numa edição encadernada ou em brochura é

quase a mesma coisa. Examinar um arquivo de texto em versão im-

pressa, em suporte digital ou microforma também não muda muito

a maneira pela qual se apreende o conteúdo ou a importância de um

documento. A integridade e o valor informativo quase não variam,

mesmo quando se consulta o documento em formatos variados e nos

ambientes mais diversos. No caso dos documentos audiovisuais, po-

rém,ocontextodesempenhaumpapelextremamentesignificativo.

4.5.9.3 Assistir um longa-metragem ou um cinejornal na tela de

uma televisão numa sala iluminada ou numa cabine de visiona-

mento constitui uma experiência muito diferente da de assistir à

projeção do mesmo filme em 35mm numa sala de cinema escura,

da mesma época em que a obra foi realizada. A obra foi concebida

para ser vista neste contexto e não no anterior. Não é simplesmente

uma questão da qualidade de imagem e som, ainda que esses sejam

elementos importantes. Trata-se também das técnicas empregadas

e do entorno correspondente. Por igual motivo, os arquivos con-

servam os fonogramas e os gramofones. Uma cópia em cd de um

documento sonoro, tocado num aparelho de leitura moderno, si-

mulará mas nunca substituirá a experiência de ver e ouvir registros

reproduzidos em sua tecnologia original.

4.5.9.4 A conservação e o acesso às imagens em movimento e aos

registros sonoros implicam mais cedo ou mais tarde sua reprodu-

ção ou transferência para novos suportes. Isso não é um ato neutro.

A qualidade e a natureza da cópia dependem de julgamentos técni-

cos e de intervenções físicas (tais como o reparo manual). Corre-se

o risco de distorcer, mutilar ou manipular a história através dos

julgamentos e das escolhas feitas, assim como pela qualidade do

trabalho realizado. Documentar os procedimentos utilizados e as

decisões tomadas ao se copiar de uma geração para outra é funda-

mental para preservar a integridade de uma obra. Trata-se, talvez,

do equivalente audiovisual dos conceitos arquivísticos de respeito

ao fundo e à ordem original. A mesma lógica vale para a restau-

ração e a reconstituiçãodemateriais audiovisuais; apenas coma

documentação das escolhas pode-se julgar adequadamente, em seu

contexto, a “nova” versão. Quando o próprio autor da obra retra-

balha sua produção original60 é necessário adquirir e preservar a

documentação relativa a esta revisão.

4.6 Base de apoio

4.6.1Como outras instituições de coleta e conservação, todo arquivo

audiovisual possui uma base de apoio, um conjunto de “amigos”

e pessoas preocupadas com o sucesso da missão do arquivo e que

podem, em graus variados, exigir uma prestação de contas. A

composição dessa base de apoio varia de um arquivo para ou-

tro e inclui, naturalmente, a instituição ou organização à qual o

arquivo está ligado. Contudo, na maioria dos casos esse grupo

inclui outras pessoas pois os arquivos de maior eficiência conse-

guem diversos tipos de ajuda, patrocínio e promoção de caráter

voluntário e, frequentemente, representam determinados valores,

sentimentos e ideais compartilhados pela sociedade em seu con-

junto. A base de apoio pode ser integrada por usuários, doadores,

6 0 . G e o r g e L u c a s re n o v o u a p r i m e i r a v e r s ã o d a t r i l o g i a S t a r w a r s / G u e r r a n a s e s t re l a s , a c re s c e n t a n d o s e q u ê n c i a s e e f e i t o s .

Page 66: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 131Arquivos audiovisuais130 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

colaboradores, associações profissionais, patrocinadores efetivos e

potenciais, pelo mundo acadêmico, por setores da indústria do

cinema, do rádio, da televisão, organizações de “amigos”, outras

instituições de coleta e de conservação, organismos culturais e, às

vezes, políticos e formadores de opinião dos mais diversos tipos.

Ela pode portanto ser considerada como um subconjunto da co-

letividade que é servida pelo arquivo e que tem um interesse ativo

em seu bom desempenho.

4.6.2Os arquivos audiovisuais estão, ou pelo menos sentem que estão,

abaixo das outras instituições de coleta e de conservação mais tra-

dicionais na lista de prioridades de financiamento ou de ajuda dos

poderes públicos. Devem, por isso, defender seus interesses com

habilidade e persuasão e, como sua legitimidade e a importância

de suas necessidades nem sempre são reconhecidas, nunca devem

considerar seus problemas resolvidos. Como qualquer outra com-

petência, a arte de sensibilizar e mobilizar também pode ser apren-

dida e supõe essencialmente a criação de oportunidades e a perfei-

ta compreensão da posição da outra parte. É imprescindível dar a

seu interlocutor uma razão persuasiva e convincente para que você

seja colocado no centro de suas prioridades, e enfatizar as soluções

possíveis muito mais do que os problemas existentes.

4.6.3As bases de apoio podem ser ampliadas através da publicidade, de

modo que um número cada vez maior de pessoas saiba da existên-

cia do arquivo e conheça a natureza de sua missão. Os arquivos

audiovisuais relacionam-secomas indústriasdamídia;naverda-

de, eles “são notícia” e têm à sua disposição todos os mecanismos

de publicidade gratuita, como entrevistas no rádio e na televisão,

editoriais de imprensa, artigos em revistas e na Internet. A arte da

encenação faz parte da profissão e normalmente os próprios arqui-

vistas são os defensores mais eloquentes e eficazes de seu trabalho

em razão de seus conhecimentos, sua convicção e sobretudo seu

entusiasmo. As técnicas publicitárias também são aprendidas e se

baseiam em princípios fundamentais de bom senso sobre a simpli-

cidade e a clareza da comunicação, às quais se alia a compreensão

dos pontos fortes e fracos da mídia que se utilize.

4.6.4“Quanto mais amigos melhor” é uma resposta famosa dos quadri-

nhos do Peanuts61. Os arquivos negligenciam essa obviedade como

se não lhes dissesse respeito. Um círculo de amizades pode ser mais

amplo do que parece à primeira vista e incluir diversas associações

internacionais e seus membros, entre os quais podem figurar pes-

soas de autoridade dispostas a se identificar a uma causa ou a uma

necessidade concreta. Muitos arquivos audiovisuais tiveram sua

fortuna marcada por esse tipo de circunstância. Várias ações cole-

tivas, como cartas e abaixo-assinados conseguiram evitar o fim de

uma instituição ou a destruição de um acervo. Uma das vantagens

da Internet é que as necessidades podem ser informadas pronta e

amplamente através de e-mails e de listas e as respostas recebidas

podem ser rápidas e em grande quantidade62.

4.6.5É necessário cultivar esses apoios. Os simpatizantes precisam que

alguém simpatize com eles e é necessário cultivá-los no melhor

6 1 . R e s p o s t a d a d a e m n u m e ro s a s o c a s i õ e s p e l o h e r ó i c o n s t a n t e m e n t e a n g u s t i a d o C h a r l i e B ro w n , d o s q u a d r i n h o s d e C h a r l i e M . S c h u t z , c o m a q u a l a m a i o r p a r t e d e s e u s l e i t o re s s e i d e n t i f i c a .

6 2 . G r u p o s d e p re s s ã o , p a r t i c u l a re s e h o m e n s p ú b l i c o s u n i r a m - s e e m 2 0 0 3 e 2 0 0 4 n a A u s t r á l i a p a r a d e f e n d e r o N a t i o n a l F i l m a n d S o u n d A rc h i v e [ N T: o a u t o r re f e re - s e a q u i a o q u a s e d e s a p a re c i m e n t o d o N F S A q u a n d o d e s u a i n c o r p o r a ç ã o à A u s t r a l i a n F i l m C o m m i s s i o n ] . E s s a a ç ã o s e r i a a s s u n t o p a r a u m e s t u d o d e c a s o i n t e re s s a n t e . [ N T: o a s s u n t o é a m p l a m e n t e a n a l i s a d o p o r R a y E d m o n s o n e m s u a t e s e d e d o u t o r a d o – N a t i o n a l F i l m a n d S o u n d A rc h i v e : t h e q u e s t f o r i d e n t i t y – , d e f e n d i d a e m 2 0 1 1 j u n t o à U n i v e r s i t y o f C a n b e r r a . ]

Page 67: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 133Arquivos audiovisuais132 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

sentido da palavra. Não se trata apenas de realizar estudos de

mercado mas sobretudo de construir a longo prazo as relações

bilaterais. Os amigos devotados à causa de uma instituição mere-

cem e têm necessidade de receber mais do que boletins de infor-

mação e comunicados de imprensa. Eles querem saber se sua con-

tribuição é apreciada e querem ser consultados sobre problemas

importantes, através de mecanismos práticos de consulta. Suas

ideias e críticas devem ser solicitadas, escutadas e levadas a sério.

A experiência mostra que os esforços investidos nos amigos são

largamente recompensados. É o meio mais eficaz de se prevenir

contra a estreiteza de visão e a arrogância que facilmente tendem

a caracterizar as instituições e pode inclusive ser decisivo para a

sobrevivência de um arquivo.

4.7 Governo e autonomia

4.7.1 Contexto prático

4.7.1.1 Na maior parte dos países, as estruturas de gestão das em-

presas, instituições beneficentes e outros organismos não governa-

mentais devem cumprir determinadas obrigações legais a respeito

da prestação de contas, transparência, autonomia e competência

administrativas. Os textos que regulam as modalidades de gestão

dessas organizações definem seus objetivos, poderes e estrutura bá-

sica. O poder decisório e as responsabilidades emanam em última

instância, geralmente, de um conselho ou de um comitê que repre-

senta as pessoas interessadas na organização.

4.7.1.2 As instituições públicas de coleta e de conservação de do-

cumentos são, idealmente, dotadas de disposições equivalentes. A

missão, os poderes e a natureza das bibliotecas, dos museus e ar-

quivos nacionais são normalmente definidos por um instrumento

jurídico, uma lei ou algo semelhante, que fixa as disposições rela-

tivas à sua modalidade de gestão. Devem prestar contas aos pode-

res públicos mas beneficiam-se, em contrapartida, de segurança

e autonomia profissional no exercício de sua missão. Essas dispo-

sições podem compreender cláusulas relativas ao depósito legal,

o que impõe uma responsabilidade pública concreta à instituição

e lhe confere certo reconhecimento. Em outros âmbitos, no das

bibliotecas ou arquivos universitários, por exemplo, pode haver

dispositivos análogos estabelecidos por uma autoridade máxima,

no caso a reitoria, o conselho universitário ou outro órgão direti-

vo da universidade.

4.7.1.3 Talvez em razão de sua existência relativamente recente,

os arquivos audiovisuais movem-se com frequência num contexto

menos definido e mais instável. Apenas alguns deles beneficiam-se

de um nível de autonomia ou de reconhecimento jurídico compa-

ráveis em escala nacional. A existência e as atividades de muitos

arquivos dependem da boa vontade da instituição ou organismo

ao qual pertencem e não têm senão pouca ou nenhuma garantia

de autonomia profissional. A maioria dos arquivos com finalidades

não lucrativas ocupa uma situação intermediária entre esses dois

polos. Quanto aos arquivos que fazem parte de organizações maio-

res, com finalidades comerciais, eles estão naturalmente sujeitos

aos seus princípios de gestão, o que significa que em geral gozam

de muito pouca autonomia.

Page 68: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 135Arquivos audiovisuais134 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

4.7.2 A semiautonomia como mínimo desejável

4.7.2.1 Levando-se em conta que os dispositivos de gestão aos quais

os arquivos devem se adaptar estão longe dos ideais – quais as con-

dições essenciais mínimas a preencher?63 em que se baseiam essas

condições? –, a experiência sugere que os pontos abaixo consti-

tuem uma lista de requisitos mínimos.

4.7.2.2 O arquivo deve ser uma entidade identificável. Deve ter um

nome explícito, uma localização física, estrutura organizacional,

quadro de pessoal, acervo, equipamentos e instalações. Deve dis-

por de um estatuto, seja ele uma pessoa jurídica de direito próprio

ou um departamento ou programa de uma organização maior. Na

ausência desses elementos básicos, os grupos de apoio ao arquivo

não terão nada concreto com que se relacionar.

4.7.2.3 O arquivo deve possuir documentos públicos sobre seu siste-

madegestãonosquaisestejamdefinidossuanatureza,seupapele

missão, sua condição e âmbito de responsabilidades. Esses documen-

tos serão a garantia essencial da seriedade institucional perante os

usuários, os patrocinadores, o pessoal, e serão promulgados ou re-

ferendados pela autoridade máxima competente (um parlamento,

conselho diretor de uma empresa, reitoria de uma universidade etc.).

4.7.2.4 O arquivo deve divulgar publicamente suas políticas relativas,

no mínimo, às atividades de constituição do acervo, preservação e

acesso. Essas políticas baseiam-se nos documentos de gestão e, de acor-

do com a evolução das circunstâncias, serão periodicamente discutidas

e atualizadas mediante consultas e discussões com os funcionários e

6 3 . A t é h á p o u c o t e m p o , o s e s t a t u t o s e re g u l a m e n t o s d a F i a f e x i g i a m u m a l t o g r a u d e a u t o n o m i a i n s t i t u c i o n a l c o m o c o n d i ç ã o n e c e s s á r i a p a r a a a f i l i a ç ã o d e a rq u i v o s . E m 2 0 0 0 e s s e c r i t é r i o f o i u m p o u c o a t e n u a d o e a ê n f a s e c o l o c a d a n a a d e s ã o f o r m a l a u m n o v o c ó d i g o d e é t i c a . O s c a n d i d a t o s à a d e s ã o d e v e m f o r n e c e r, n ã o o b s t a n t e , m u i t a s i n f o r m a ç õ e s s o b re o g r a u d e a u t o n o m i a p ro f i s s i o n a l d e q u e g o z a m .

com grupos interessados. As políticas serão observadas na prática e cons-

tituirão os critérios de avaliação do trabalho realizado. Na falta de uma

cultura baseada em normas corre-se o risco de que o arquivo constitua

e gerencie seu acervo de forma arbitrária e sem nenhum controle.

4.7.2.5 O arquivo terá controle sobre a constituição e a gestão de

seu acervo. Os critérios profissionais relativos à seleção, incorpo-

ração, descrição, conservação e acesso serão exercidos de forma

autônoma, sem que nenhuma autoridade superior interfira nas de-

cisões do arquivo. Sem essa condição, não há nenhuma segurança

de que as normas profissionais sejam respeitadas.

4.7.2.6 O arquivo será representado por seus próprios profissionais

quando tratar com seus grupos de interesse, compreendidos neles

os meios de comunicação, outras instituições de coleta e conserva-

ção, e fóruns profissionais de âmbito nacional e internacional. Terá

acesso direto ao conselho de administração ou ao diretor da orga-

nização à qual pertence e, idealmente, dependerá dessa instância

superior de forma direta. Essa condição é fundamental para garan-

tir a clareza de comunicação e a capacidade do arquivo em relacio-

nar-se com seus parceiros profissionais e seus grupos de interesse.

4.7.2.7 O arquivo terá fundamentos éticos e filosóficos escritos e

disponíveis ao público, seja sob a forma de compromissos expressos

de adesão a códigos ou declarações profissionais existentes seja sob

a forma de documentos que fixem suas próprias linhas de conduta.

Tanto os grupos de apoio quanto os membros do quadro pessoal

terão direito de conhecer os valores que guiam a ação do arquivo e

pelos quais se podem cobrar suas responsabilidades.

Page 69: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 137Arquivos audiovisuais136 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

4.7.2.8 Os financiamentos que o arquivo receber serão concedidos

sem condições. As prioridades serão fixadas por avaliações profis-

sionais internas e não ditadas por agentes externos como patro-

cinadores, autoridades ou pela organização de que o arquivo faz

parte. (Essa condição é, na verdade, problemática pois os arquivos

dependem de múltiplas fontes de financiamento, de patrocinadores

e de mecenas institucionais que muitas vezes impõem suas próprias

condições e prioridades.)

4.7.2.9 Se o arquivo não for gerido por seu próprio conselho ou

comitê diretor deverá contar pelo menos com um órgão consultivo

ou com mecanismos de consulta equivalentes, mediante os quais

manterá contato com as opiniões e as necessidades da coletividade

a que serve e garantirá a confiança de sua base de apoio.

4.7.2.10 O arquivo será dirigido por um diretor ou uma equipe

executiva com experiência profissional no campo dos arquivos au-

diovisuais. Isso garantirá um quadro de referência adequado à ges-

tão do arquivo.

4.7.3 ...e além da prática

4.7.3.1 O arquivo deveria ter, idealmente, outras características

que lhe garantissem a autonomia, a continuidade e a viabilidade.

4.7.3.2 Possuir personalidade jurídica própria definida por um

texto legislativo, uma constituição, uma carta, um ato constitutivo

ou equivalente. Tal documento seria a melhor garantia de con-

tinuidade, estabilidade e sistema de gestão responsável. Quando

preparados com cuidado, documentos desse tipo contribuem para

garantir que o órgão diretivo do arquivo seja composto por pessoas

capacitadas e representativas de seu domínio profissional e que as

coleções estejam protegidas pelo princípio de “sucessão perpétua”:

se o arquivo deixar de existir enquanto instituição, um organismo

de princípios afins assumirá a tutela do acervo.

4.7.3.3 O ideal de uma dotação orçamentária estável, utilizada

apenas mediante as decisões profissionais do arquivo nem sempre é

uma condição possível64. Em todo caso, o arquivo que conseguisse

compor seu orçamento com a maior parte de recursos oriunda dos

poderes públicos, naquelas condições, complementada com recur-

sos de patrocinadores e organismos de apoio mediante projetos,

aproximar-se-ia desse ideal.

4.7.3.4 A liberdade profissional para estabelecer e aplicar políticas

também é um ideal. Embora muitas instituições acreditem gozar

dessa liberdade, o certo é que com muita frequência promulga-se

uma política mas sua aplicação fica sujeita às numerosas restrições

que constrangem os arquivos. Ou seja, as políticas enunciadas nem

sempre são aplicadas na prática.6 4 . O p re s i d e n t e d a A m i a , S a m K u l a , f o r m u l o u e s s a i d e i a d e m a n e i r a e x p re s s i v a : “ O l e m a ‘ d ê - m e d i n h e i ro e m e d e i x e e m p a z ’ s e r i a m u i t o b o n i t o n u m a b a n d e i r a ( o s a n a rq u i v i s t a s p o d e r i a m o c u p a r- s e d o a s s u n t o ) m a s n ã o é p ro v á v e l q u e e n c o n t r a s s e b o a a c o l h i d a n a s a l t a s e s f e r a s ” . A m i a , N e w s l e t t e r n º 6 1 , v e r ã o d e 2 0 0 3 , p . 2 .

Page 70: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

139

5. Preservação: características e conceitos

5.1 Princípios objetivos e subjetivos

5.1.1Nesta seção estudaremos as características definidoras dos suportes

audiovisuais que, por sua vez, conformam a profissão de arquivista

audiovisual e os próprios arquivos audiovisuais.

5.1.2Os documentos audiovisuais apresentam-se sob diversos supor-

tes físicos característicos (atuais e obsoletos) cujos formatos estão

profundamente enraizados na consciência coletiva. O disco de

vitrola e a película perfurada constituem ícones concretos, re-

conhecíveis e universais, ainda que também se registrem sons

e imagens sobre suportes cuja identidade visual é menos mar-

cante, a exemplo das fitas magnéticas e dos discos rígidos de

computador. Em todo caso, as tecnologias associadas a eles são

Page 71: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 141Preservação: características e conceitos140 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

representadas com a ajuda de ícones visuais fáceis de reconhe-

cer, como o pavilhão do gramofone, o alto-falante, a bobina de

filme, o projetor e o raio de luz que ilumina a tela.

5.1.3As imagens em movimento e os sons contidos nesses suportes físicos

não têm existência objetiva. As imagens em movimento são na ver-

dade percebidas como tais em função do fenômeno da persistência

retiniana – a sucessão rápida de imagens fixas cria, a partir de uma

certa cadência, uma impressão de continuidade. Da mesma forma,

o som é produto de uma série de deslocamentos do ar que nossos

órgãos auditivos percebem e interpretam como música, fala ou ruído.

5.1.4Enquanto fenômeno óptico e acústico percebido pelos canais subjeti-

vos dos olhos e dos ouvidos de uma pessoa, o documento audiovisual

compartilha alguns traços com os documentos visuais estáticos – como

afotografiaeapintura–masdifereradicalmentedosdocumentosde

base textual, cuja transmissão repousa sobre um código interpretado

pelo intelecto65. A percepção dos documentos audiovisuais exige a in-

termediação de dispositivos tecnológicos entre o suporte e o especta-

dor/auditor.Nãosepodeouvirumdiscoouumafitaobservando-os,

nemassistirumfilmeapalpando-oouodesenrolando66.

5.1.5Devido a suas características físico-químicas próprias, muitos su-

portes audiovisuais são vulneráveis a temperaturas e índices de

umidade inadequados, efeitos de poluição atmosférica, mofo e dife-

rentes tipos de degradação e distorção que afetam sua integridade

6 5 . N ã o e n t r a re m o s a q u i n a s s u t i l e z a s a n a l i s a d a s p e l a s e m i o l o g i a ( e s t u d o d o s c ó d i g o s ) e a s e m i ó t i c a ( e s t u d o d o s s i g n o s ) . A s o b r a s a u d i o v i s u a i s g e r a r a m c ó d i g o s e c o n v e n ç õ e s i n t e r n a s p r ó p r i a s q u e s e g e n e r a l i z a r a m a t é o p o n t o d e n o r m a l m e n t e n ã o n o s d a r m o s c o n t a d e s u a e x i s t ê n c i a . P o r e x e m p l o , o s p r i m e i ro s f i l m e s e r a m a p e n a s p l a n o s ú n i c o s , e s t á t i c o s e s e m i n i n t e r r u p ç ã o . A e m e n d a e a j u s t a p o s i ç ã o d e p l a n o s ( a m o n t a g e m ) e a d e s c o b e r t a d o s d i v e r s o s t i p o s d e m o v i m e n t o d e c â m a r a p a r a a p re s e n t a r d i f e re n t e s p o n t o s d e v i s t a f o r a m e l e m e n t o s d e s t a c a d o s d a e v o l u ç ã o d a g r a m á t i c a c i n e m a t o g r á f i c a . O l e i t o r p o d e c o n s u l t a r a s o b r a s d e U m b e r t o E c o , F e rd i n a n d d e S a u s s u re e o u t ro s a u t o re s s o b re o a s s u n t o .

6 6 . D i f e re n t e m e n t e d e o u t ro s s u p o r t e s a u d i o v i s u a i s , o f i l m e é s u s c e t í v e l d e l e i t u r a h u m a n a d i re t a , m a s c o m o s e q u ê n c i a d e f o t o g r a f i a s f i x a s . A s e n s a ç ã o d e m o v i m e n t o , e n t re t a n t o , c o n t i n u a d e p e n d e n t e d a i n t e r m e d i a ç ã o d e u m p ro j e t o r o u d e u m a p a re l h o s e m e l h a n t e .

material e a qualidade da informação visual e sonora que contêm.

Alguns possuem duração de vida limitada a algumas décadas ou

ainda menos, enquanto a experiência demonstra que outros são

surpreendentemente resistentes67. Os arquivos procuram armaze-

nar suas coleções a baixas temperaturas e umidade, condições que

permitem reduzir ao mínimo a degradação e maximizar a duração

de conservação dos materiais bem como ganhar tempo68.

5.1.6A tecnologia de registro e de leitura é, em muitos sentidos, ainda mais

vulnerável do que os suportes. A rapidez com que as tecnologias

caem em desuso caracteriza o campo do audiovisual. Os formatos

mudam sem parar e os suportes – conservados em boas condições

– podem sobreviver à existência industrial da tecnologia de repro-

dução, da qual depende o acesso a eles69. Todos os arquivos enfren-

tam o problema da manutenção de tecnologias obsoletas, desconti-

nuadas pelas indústrias audiovisuais.

5.1.7A sobrevivência dos suportes audiovisuais corre perigos aleatórios

superiores aos que correm outros suportes mais antigos. A indús-

tria que os cria nem sempre é sensível aos valores e à dimensão

prática da conservação. Nem sempre existem muitas cópias de

um mesmo material. Enormes quantidades de filmes foram re-

cicladas e suportes de gravação em laca foram utilizados na pa-

vimentação de rodovias. Os suportes magnéticos (fitas de áudio,

vídeo, disquetes) são de fácil reutilização e a sobrevivência de

um programa pode estar constantemente ameaçada por motivos

práticos e econômicos.

6 7 . O t e m p o d e c o n s e r v a ç ã o p o d e s e l i m i t a r a a l g u n s a n o s , c o m o é o c a s o , d e m o n s t r a d o p e l a e x p e r i ê n c i a , d e c e r t o s f o r m a t o s d e c d o u d e c a s s e t e s , m a s p o d e s e r i n f i n i t a c o m o o s u g e re m o s d i s c o s e m 7 8 ro t a ç õ e s . O s m a t e r i a i s m a i s t r a d i c i o n a i s , t a i s c o m o o p a p e l , a t e l a , a s e d a e o p e r g a m i n h o p a re c e m p o d e r s e c o n s e r v a r e m b o m e s t a d o p o r s é c u l o s .

6 8 . E x i s t e m m u i t o s e s t u d o s e s p e c i a l i z a d o s n a c o n s e r v a ç ã o q u e a n a l i s a m a s p r á t i c a s e l o c a i s d e a r m a z e n a m e n t o e a g e s t ã o g e r a l d o s a c e r v o s .

6 9 . O s f i l m e s s ã o e x c e ç ã o à re g r a . O s f i l m e s e o s p ro j e t o re s d e 3 5 m m n u n c a s e t o r n a r a m o b s o l e t o s . O m e s m o n ã o s e p o d e d i z e r d e a l g u n s f o r m a t o s d e m e n o r l a r g u r a e d e s e u s p ro j e t o re s o u l e i t o re s , d i f i c i l m e n t e e n c o n t r á v e i s e m b o m f u n c i o n a m e n t o n o m e rc a d o .

Page 72: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 143Preservação: características e conceitos142 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

5.1.8

Ainda que as coleções estejam bem armazenadas e bem orde-

nadas nem por isso prescindem de constante supervisão. Na

ausência de controle das condições de armazenamento, os fe-

nômenos de degradação, como a “síndrome do vinagre”, provo-

cam reações em cadeia ao se propagar para materiais contíguos.

As alterações bruscas e constantes de temperatura e umidade

colocam em risco todo o acervo. Mofo e fungos alimentam-se

das partes orgânicas dos suportes. Os documentos audiovisuais

deterioram-se com o tempo e exigem medidas ativas de salva-

guarda que equivalem, mais cedo ou mais tarde, à adoção de

medidas institucionais.

5.2 Degradação, obsolescência e duplicação

5.2.1

Em função da inevitável degradação dos suportes e da irresistível

alteração dos formatos, os conteúdos sonoros e visuais sobrevivem e

permanecem acessíveis apenas graças a procedimentos de migração,

isto é, cópia ou transferência de um suporte para outro. Essa cons-

tatação inspirou aos arquivos audiovisuais a criação de programas

de duplicação empreendidos ao longo das últimas sete décadas.

Esses programas têm como objetivo a transferência do conteúdo

dos filmes em nitrato para suportes em acetato ou em poliéster, a

copiagem do conteúdo sonoro de discos ou cassetes deteriorados

para suportes analógicos ou digitais, a migração de dados de supor-

tes obsoletos para suportes mais recentes, ainda que os anteriores

continuem em bom estado.

5.2.2Esse princípio aparentemente simples coloca problemas comple-

xos. Existe com frequência uma defasagem considerável entre a du-

ração de conservação de um suporte e a duração da vida comercial

da tecnologia a ele associada. Na prática, o processo de migração

traz em si alguma perda e degradação da informação sonora e vi-

sual além de uma modificação da experiência de percepção auditi-

va e óptica. As decisões nessa matéria fundam-se necessariamente

em conhecimentos insuficientes. A experiência posterior nem sem-

pre confirma as previsões.

5.2.3Os arquivos tentaram resolver esses problemas de diferentes ma-

neiras. Primeiro armazenando em condições apropriadas e geren-

ciando suas coleções de forma a aumentar a duração de vida dos

materiais e adiar sua copiagem. Procuraram também formas de

manter em funcionamento tecnologias obsoletas e modos adequa-

dos de operação técnica, o que permite prolongar o acesso aos ma-

teriais e reescalonar os programas de migração. Ao adotar medidas

de conservação, acumularam conhecimentos a partir da experiên-

cia prática, o que levou à modificação de estratégias.

5.2.4Amudançanaestratégiadeconservaçãodosfilmesemnitratodece-

luloseconstituiilustraçãoclássicadoproblema.Ofilmeemnitratotor-

nou-sesuportepadrãodocinemaprofissionalnofinaldoséculoXIX,

apesardesuainflamabilidade.Issoporqueeraumapelícularesistente,

flexível,transparenteerelativamentebarata.Poucosesabiasobresua

estabilidade a longo prazo e a questão não parecia se colocar, mesmo

Page 73: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 145Preservação: características e conceitos144 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

que algumas hipóteses fossem levantadas sobre sua viabilidade. Quan-

doficouevidenteatendênciadeosfilmesemnitratodegradarem-se

quimicamente, os arquivos fílmicos começaram a providenciar cópias

depreservaçãoemsuportedetriacetatonãoinflamávelnacrençade

que essa película podia se conservar por séculos.

5.2.5Na década de 1950, os fabricantes de filme virgem abandonaram

paulatinamente a produção de filmes em nitrato em favor dos

filmes em triacetato, por motivos tanto práticos quanto econô-

micos. Os filmes em nitrato foram considerados cada vez mais

perigosos, o que suscitou a inquietude, às vezes o pânico, em

instituições e autoridades que estimularam sua destruição. A

maioria dos arquivistas acreditava que todos os filmes em nitrato

estariam decompostos antes do ano 2000 e que urgia realizar

campanhas de coleta e duplicação do material ainda existente.

Considerações de ordem prática e política incentivaram arqui-

vos e companhias cinematográficas a destruir os filmes em ni-

trato após copiá-los em acetato, eliminando assim os custos de

seu armazenamento.

5.2.6Hoje sabemos que essa política de destruição foi um erro. Na déca-

da de 1980, os filmes em triacetato começaram, com as primeiras

manifestações da “síndrome do vinagre”, a dar sinais da possibili-

dade de sua própria autodestruição. Ao mesmo tempo, ficou evi-

dente que os filmes em nitrato, quando corretamente guardados e

gerenciados, conservam-se por muito mais tempo do que se acredi-

tava a princípio (alguns rolos com mais de cem anos ainda estão em

bom estado). Graças ao aperfeiçoamento constante das tecnologias

de duplicação de filmes, obtêm-se hoje resultados muito melhores

do que há uma década. Materiais em nitrato que foram conserva-

dos estão frequentemente em melhor estado do que suas cópias em

triacetato, realizadas há apenas vinte ou trinta anos. É necessário

mudar a percepção pública sobre a durabilidade dos filmes em ni-

trato – considerados extremamente frágeis há até bem pouco tem-

po em consequência das campanhas de sensibilização realizadas

por arquivos com a melhor das intenções70.

5.2.7Os arquivos audiovisuais devem fazer frente todo tempo ao efeito de

inércia. De um lado, a pressão das necessidades práticas e das no-

vas ideias os impele a “modernizar” o acervo, transferindo-o para

formatos mais recentes (“Você ainda não digitalizou o acervo?” é

a pergunta mais frequente que os arquivistas escutam hoje.) De

outro, a transferência repetida da maior parte dos documentos é

não apenas materialmente impossível mas não tem, no plano eco-

nômico, o sentido que tem sua conservação. A tarefa dos arquivos

é cada vez mais complexa à medida que devem assegurar a viabili-

dade física dos acervos e, simultaneamente, preservar a tecnologia

e as competências técnicas antigas ou obsoletas que possibilitam o

acesso a eles, e sua manutenção. Produzir cópias de consulta nos

formatos digitais e ao mesmo tempo manter cópias de preservação

nos formatos mais antigos faz parte dessa equação.

5.2.8Ao longo da história, os arquivos audiovisuais adaptaram-se cons-

tantemente à evolução do mercado. Eles não formam um grupo

7 0 . T h i s f i l m i s d a n g e ro u s , p u b l i c a d o s o b a c o o rd e n a ç ã o d e R o g e r S m i t h e r e C a t h e r i n e A . S u ro w i e c – B r u x e l a s , F i a f , 2 0 0 2 – , t r a t a e m 7 0 0 p á g i n a s d e t o d o s o s a s p e c t o s d o f i l m e e m n i t r a t o e c o n s t i t u i h o j e a m e l h o r re f e r ê n c i a s o b re o a s s u n t o .

Page 74: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 147Preservação: características e conceitos146 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

suficientemente importante para pesar nos programas de desen-

volvimento das indústrias audiovisuais. Podem fazer propostas e

assumir posições, e seus problemas às vezes são levados em conta

no aperfeiçoamento dos suportes e dos sistemas ou na manutenção

de uma assistência técnica mínima para tecnologias obsoletas. Em

última instância, em função de seu poder econômico e político li-

mitado, os arquivos e os arquivistas têm como opção adaptar-se o

melhor que podem às mudanças – situação que é fonte de pressões

e inseguranças enormes em matéria de planejamento e formação

de pessoal. A evolução dos formatos obedece a ditames comerciais,

não a necessidades dos arquivos. Além disso, essas mudanças histó-

ricas rápidas nem são tão necessárias nem significam que as tecno-

logias que triunfam no mercado sejam sempre as melhores.

5.3 Conteúdo, suporte e contexto

5.3.1Os documentos audiovisuais, como quaisquer outros, possuem dois

componentes: um conteúdo visual e/ou auditivo e um suporte sobre

o qual aquele se inscreve71. Esses componentes podem estar estrei-

tamente ligados, mas é importante que tenhamos acesso a ambos.

A transferência do conteúdo de um suporte para outro com fins

de preservação ou acesso pode ser necessária ou prática, mas a

operação envolve riscos de perda de informação e de significados

contextuais da maior importância.

5.3.2A crescente facilidade de copiar ou transferir um conteúdo para

um novo suporte faz com que se diminua a importância da relação

7 1 . Ve r a d e f i n i ç ã o c o m p l e t a d e d o c u m e n t o n a s e ç ã o 2 . 6 d e M e m ó r i a d o m u n d o : d i re t r i z e s p a r a a s a l v a g u a rd a d o p a t r i m ô n i o d o c u m e n t a l ( U n e s c o 2 0 0 2 ) .

entre eles. Muitos usuários de acervos audiovisuais querem acesso

a imagens e sons da maneira que mais lhes convenha e privilegiam

esse aspecto em detrimento de considerações de outra ordem. Por

exemplo, uma sequência de cinejornal filmada em 35mm pode ter

sido copiada várias vezes, em filme ou vídeo, antes de fazer parte

de um documentário de televisão. O documento utilizado às vezes

está na relação altura/largura errada, ou na velocidade incorreta,

ou fora de seu contexto e frequentemente não possui a nitidez

da imagem original. Mas isso não importa – a produção está sa-

tisfeita. Isso perpetua estereótipos como a aparência granulada e

esmaecida da imagem e a rapidez com que as pessoas andavam

nos“filmesantigos”;pioraindaquandoriscoseefeitosespeciais

são acrescentados eletronicamente para dar ao material a aparência

de “filme de arquivo”.

5.3.3A mudança de formato pode se traduzir também em mudança de

conteúdo. A perda de qualidade da imagem ou do som equivale

por definição a uma mudança de conteúdo. A manipulação do

conteúdo quando do processo de copiagem também pode mo-

dificar a natureza intrínseca da obra – a melhoria do som, a

colorização das imagens em preto-e-branco são exemplos disso.

Uma imagem em vídeo possui textura diferente da imagem do

filme do qual foi copiada, e vice-versa; um filmeCinemascope

rodado em película na relação altura/largura igual a 1:2,35 será

diferente quando formatado a 1:1,33 para ser difundido na te-

levisão ou distribuído em vídeo – na verdade ele perde metade

de seu conteúdo visual, e sua estrutura e composição visuais são

totalmente alteradas.

Page 75: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 149Preservação: características e conceitos148 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

5.3.4Como outros objetos, os suportes audiovisuais são artefatos e os atri-

butos intrínsecos de um objeto não podem ser transferidos para um

novo suporte. Este, no melhor dos casos, comportará equivalências

com o objeto original. Podemos lembrar exemplos da primeira me-

tade do século XX, como as particularidades visuais das emulsões

cinematográficas com altos percentuais de prata, tingimentos e vi-

ragens introduzidas por substâncias químicas, alguns procedimen-

tos de cor obsoletos, como o Cinecolor, que usava emulsão dupla, e

o Technicolor, baseado na transferência de corantes, que só podem

ser devidamente apreciados com a projeção de cópias originais.

Os discos de gramofone feitos em laca ou vinil, e seus invólucros,

são objetos agradáveis ao toque, concebidos para ser olhados, além

de escutados. Informações discográficas fundamentais podem estar

escritas no suporte. A origem de uma película e as técnicas usadas

na sua produção, a montagem, o processamento químico, só po-

dem ser apreendidos quando examinamos o suporte original.

5.3.5 Poderíamos dizer que os suportes magnéticos, como os cassetes de

áudio e vídeo e os disquetes, têm menos valor enquanto artefatos

do que os cilindros de fonógrafo, os discos ou os filmes. Talvez isso

seja certo na medida em que eles não podem ser “lidos” direta-

mente, mas trata-se de uma diferença apenas de grau. Os suportes

magnéticos têm valor material porque são representativos de um

formato. Como foram concebidos para consumo, possuem também

valor visual e material como artefatos, da mesma forma que seus

antecessores. No caso de arquivos de sons e imagens baixados da

Internet, existe a mesma dicotomia suporte/conteúdo. O supor-

te éodisco rígidoouodisquete; o conteúdo,oquevemos e/ou

ouvimos, é mediado por um programa de computador e depende

das características da máquina que utilizamos. A constante evolu-

ção dos programas e dos equipamentos poderá modificar sensível

e mesmo radicalmente o conteúdo audiovisual que percebemos.

5.3.6As restrições de ordem prática a que estão submetidos os arquivos,

e em particular a ausência de curadores experientes, levam à elimi-

nação de suportes e de embalagens originais após a transferência

de seu conteúdo. Isso provoca algumas vezes a perda de informa-

ções importantíssimas relativas sobretudo à origem dos documen-

tos. Algumas películas originais, por exemplo, possuem inscritos na

borda códigos relativos a datas. Algumas informações descritivas

podem estar anotadas na embalagem original de um cassete ou em

etiquetas coladas nas bobinas.

5.3.7As obras audiovisuais não são produzidas no vácuo mas em uma

época e em um lugar concretos. Como tais, só poderão ser apre-

ciadas corretamente em seu devido contexto. A melhor maneira de

ouvir uma gravação em cilindros de Edison é reproduzi-la usan-

do a tecnologia original: um fonógrafo acústico. Para assistir um

longa-metragem sonoro da década de 1930, o melhor é projetar

uma cópia 35mm em uma sala de cinema de grandes dimensões e

reproduzir o som num sistema da época. Um programa de rádio

dos anos 1930 será mais bem apreciado num aparelho de rádio do-

méstico de grandes dimensões, do tipo daqueles que vinham com

seu próprio móvel, não num transistor compacto, aparelho que não

Page 76: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 151Preservação: características e conceitos150 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

existia na época. Naturalmente, às vezes é difícil, ou pouco práti-

co, recriar o contexto original de apresentação, entre outras coisas

porque a vida de uma pessoa do século XXI é muito diferente da

vida de há cem ou cinquenta anos. Apesar dessa dificuldade, é im-

portante contextualizar a apresentação de uma obra, por exemplo,

através de explicações que preparem e eduquem o público.

5.3.8A disponibilidade de tecnologia original é elemento essencial na re-

criação do contexto, circunstância que a longo prazo coloca sérios

problemas para os arquivos. Quando os aparelhos de leitura ficam

obsoletos, sua manutenção torna-se cada vez mais difícil pois o

fornecimento de peças de reposição diminui e acaba desaparecen-

do. Para manter os equipamentos em funcionamento, os arquivos

devem recorrer a expedientes como, por exemplo, “canibalizar”

peças de máquinas inutilizadas ou achar formas de fabricarem

eles próprios as peças de reposição. Essa estratégia permite ganhar

tempo mas tem limites. As tecnologias dos projetores de filmes e

dos reprodutores mecânico-acústicos de discos são relativamente

simples e podem ser mantidas quase indefinidamente. A situação

é diferente no caso da tecnologia eletrônica, que depende da exis-

tência de infraestruturas industriais sofisticadas. A fabricação de

cabeças de gravação e reprodução de áudio e vídeo ou de unidades

laser para leitores de CD, por exemplo, ultrapassa a atual capacida-

de dos arquivos audiovisuais.

5.3.9Contudo, as tecnologias obsoletas, ainda quando funcionam, são

acessíveis apenas se dispusermos das competências necessárias para

fazê-las funcionar e mantê-las. Ao deixarem de ser necessárias na

indústria, essas competências tornam-se esotéricas e passam para o

âmbito de entusiastas particulares e dos arquivos audiovisuais. Con-

sequentemente, é uma boa estratégia que os arquivos cultivem essas

competências a nível interno e que mantenham contato com parti-

culares especialistas de seu círculo de conhecimento. Um número re-

duzido mas crescente de prestadores de serviços especializados man-

tém equipamentos e técnicas correspondentes para realizar trabalhos

de copiagem e restauração de suportes para os arquivos, sobretudo

os que dispõem de uma infraestrutura limitada. Além disso, alguns

arquivos grandes oferecem sua própria infraestrutura técnica para

instituições análogas menores. Fica cada vez mais evidente que esse

tipo de colaboração é a única solução para esses problemas.

5.3.10Asdificuldadesinerentesàintegridadecontextualnãonosdevemfa-

zer esquecer o contraste com a realidade. As obras audiovisuais apre-

sentadas em contextos modernos com frequência dizem coisas novas.

Comparemos filmes comoO Mágico de Oz e Os Esquecidos72 com as

obras de Shakespeare. Aqueles e estas são vistos hoje em contextos

muito diferentes daqueles para que foram destinados ou imaginados

por seus criadores. O público moderno os aceita como são, indepen-

dentemente de considerações de ordem contextual. Nesse sentido,

criam um novo contexto que lhes é próprio e veiculam provavelmente

novas mensagens para o público contemporâneo.

5.3.11O conteúdo é literalmente determinado pelo suporte e pelo contex-

to. Os criadores de páginas da Internet exploram as possibilidades

7 2 . T h e W i z a rd o f O z ( V i c t o r F l a m i n g , 1 9 3 9 ) , L o s O l v i d a d o s ( L u i s B u ñ u e l , 1 9 5 0 ) .

Page 77: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 153Preservação: características e conceitos152 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

e os limites do suporte digital. As canções populares duram 3, 4

minutos porque essa era a duração de um cilindro Edison e dos

discos em 78 rotações. Os cinejornais sonoros não tinham mais do

que 12 minutos porque essa era então a duração máxima de um

rolo de película padrão em 35mm. Em muitas cenas cômicas de

filmes de longa metragem ou em desenhos animados há momentos

em que personagens dirigem-se aos espectadores da sala de proje-

ção, como atores em um teatro, e isso era uma convenção bem co-

nhecida do público. Fora de contexto, elas são incompreensíveis73.

Da mesma forma, o conteúdo de algumas gravações sonoras é de-

terminado pelo caráter material do disco com um furo central74.

Há muitos exemplos do tipo e o leitor com certeza terá alguns de

sua própria experiência.

5.3.12A ignorância pode ter consequências graves e embaraçosas. Con-

ta-se a história apócrifa de um acadêmico que escreveu um en-

saio erudito no qual apresentava uma teoria sobre mensagens

subliminares escritas por Serguei Eisenstein e inseridas em Bro-

nenosets Potyomkin/O Encouraçado Potemkin (1925). A tese baseava-

se em um postulado errôneo. O pesquisador não se dera conta

de que na realidade essas mensagens eram anotações curtas em

fotogramas brancos e continham instruções ao laboratório de

copiagem sobre as viragens desejadas pelo diretor. Se soubesse

alguma coisa sobre a origem da cópia ou do vídeo que utilizara

e sobre os métodos de trabalho dos laboratórios na década de

1920, ele não teria cometido esse erro. Mas a distância que o

separava da materialidade do suporte original levou-o a inter-

pretar incorretamente o que via.

7 3 . U m e x e m p l o c l á s s i c o é o d e s e n h o a n i m a d o d a Wa r n e r B ro s . D u c k a m u c k ( C h u c k J o n e s , 1 9 5 3 ) [ N T: c o m o p e r s o n a g e m D u f f y D u c k , c o n h e c i d o n o B r a s i l c o m o P a t o l i n o ] , n o q u a l t o d o s o s e f e i t o s e b r i n c a d e i r a s b a s e i a m - s e n o c a r á t e r m a t e r i a l d o f o t o g r a m a , n o p ro c e s s o d e c o r e n a m e c â n i c a p r ó p r i a d o s d e s e n h o s a n i m a d o s .

7 4 . N a v e r s ã o o r i g i n a l e m v i n i l , o d i s c o d o s B e a t l e s S g t . P e p p e r ’s L o n e l y H e a r t s C l u b B a n d ( E m i , 1 9 6 7 ) t e m u m s u l c o f i n a l n o l a d o B , f e i t o d e m o d o q u e o b r a ç o d o t o c a - d i s c o s re p e t e i n d e f i n i d a m e n t e o t e m a a t é q u e s e j a l e v a n t a d o . B r i n c a r c o m a m í d i a e c o m a m e c â n i c a d o d i s c o g i r a t ó r i o e n q u a d r a v a - s e p e r f e i t a m e n t e à í n d o l e p o u c o c o n v e n c i o n a l d o d i s c o . C o p i a d o e m D V D o u e m c a s s e t e , o e f e i t o p e rd e t o d o o s e n t i d o .

5.4 As tecnologias analógicas e digitais75

5.4.1Atualmente, o debate mais controvertido e transcendental na es-

fera dos arquivos audiovisuais gira em torno do impacto da digi-

talização. As tecnologias analógicas de vídeo e áudio soçobram

diante do avanço digital. A produção cinematográfica emprega

cada vez mais a tecnologia digital. Assistimos à morte da pelí-

cula cinematográfica? Encaminhamo-nos para o arquivamen-

to digital dos acervos em sistemas de armazenagem de grande

porte? Se a cópia de um documento digital para outro suporte

digital não pressupõe nenhuma perda, todos os problemas liga-

dos à preservação estarão definitivamente resolvidos? Esta é a

última palavra? Mais ainda: necessitaremos de arquivos audio-

visuais quando tudo, absolutamente tudo estiver reduzido a um

conteúdo digital que pode ser acessado mediante uma simples

conexão à Internet? Estas e outras perguntas semelhantes são de

candente atualidade76.

5.4.2Nosso campo de especialização deveria haver nos ensinado a tratar

com ceticismo qualquer previsão tecnológica. A única orientação

segura a nosso alcance é a experiência acumulada. Não é provável

que exista um formato “definitivo”. Orientados pela experiência

anterior, podemos supor que depois dos meios digitais surgirá algu-

ma outra coisa, seja o que for, ainda que atualmente não possamos

imaginá-la. Entretanto, o auge da digitalização, com as perspecti-

vas que abre e os problemas que coloca, convida-nos a examinar

alguns princípios filosóficos fundamentais.

7 5 . A c o n s e l h a m o s o l e i t o r a c o n s u l t a r a C a r t a e a s D i re t r i z e s p a r a a p re s e r v a ç ã o d o p a t r i m ô n i o d i g i t a l d a U n e s c o ( h t t p : / /u n e s d o c . u n e s c o . o r g /i m a g e s / 0 0 1 3 / 0 0 1 3 0 0 / 1 3 0 0 7 1 e . p d f )

7 6 . P a r a u m a a n á l i s e a u d a c i o s a , q u e a l g u n s q u a l i f i c a m c o m o a s s u s t a d o r a , s o b re a d i g i t a l i z a ç ã o e o f u t u ro d a p re s e r v a ç ã o c i n e m a t o g r á f i c a , c o n s u l t a r a o b r a d e P a u l o C h e rc h i U s a i , T h e d e a t h o f c i n e m a : h i s t o r y, c u l t u r a l m e m o r y a n d t h e d i g i t a l d a r k a g e , L o n d re s : B r i t i s h F i l m I n s t i t u t e , 2 0 0 1 .

Page 78: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 155Preservação: características e conceitos154 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

5.4.3 Ainda que apenas pelo efeito de inércia, podemos supor que, num fu-

turo próximo, os arquivos gerenciarão acervos compostos de materiais

em todos os formatos históricos, bem como as tecnologias e competên-

cias a eles associadas. Isso seria verdade mesmo se amanhã as indús-

trias parassem de produzir suportes e se voltassem inteiramente para

o digital. Com o passar do tempo, os problemas de gestão tornar-se-ão

mais complexos e os programas de copiagem mais importantes. De

qualquer maneira, estaremos provavelmente mais atentos ao valor de

nossos acervos enquanto artefatos e à dimensão museológica de nosso

trabalho.Escutarregistrossonorosemaparelhosoriginaisouassistirfil-

mes silenciosos com um fundo musical apropriado é experiência que os

arquivoseasorganizaçõesafinssãoatualmentequaseosúnicosapoder

propiciar. Essas perspectivas e essas responsabilidades serão crescentes.

5.4.4A transferência do analógico para o digital provoca sempre alguma

perda de conteúdo. A copiagem de digital para digital em teoria não

supõe perda. Mas nem sempre é assim na prática. Arquivos e biblio-

tecasdetodoomundodeverãoemconjuntoenfrentarodesafiode

conservar um volume quase inconcebível de dados digitais. O digital,

ao oferecer possibilidades de preservação a longo prazo, coloca atual-

mente tanto questões quanto soluções. Num mundo em que os re-

cursos digitais, assim como outros recursos técnicos, são tão desigual-

mente divididos, um ponto de interrogação existe sobre o que será

viável e factível a longo prazo. Certamente deveremos nos confrontar

com problemas ligados, entre outros, à evolução dos programas de

computadoreaseussuportesfísicos,aoconflitoentreinteressepúbli-

co e interesse comercial, à sustentação econômica e à gestão de riscos.

5.4.5Os arquivos audiovisuais empregam cada vez mais a tecnologia di-

gital para facilitar o acesso a seus acervos, tanto através de conexões

via Internet como mediante cds, dvds, vcds e outros suportes digitais,

pois é sob essas formas que um crescente número de usuários dese-

jam consultá-los. Os conteúdos analógicos de suportes magnéticos de

áudio e vídeo em perigo são atualmente transferidos para formatos

digitaiscomfinalidadesdepreservaçãoeconsulta.Astecnologiasdi-

gitais são, além disso, empregadas para a restauração de conteúdos

sonoros,defilmesedeimagensemvídeo.Suportesanalógicosmais

estáveiscomofilmesediscosemvinilouemgoma lacacontinuam

também sendo conservados e consultados em seus suportes originais.

Dimensões filosóficas5.4.6No caso de os arquivos adotarem definitivamente, para o exercício

de sua missão de preservação, as tecnologias digitais e converterem

gradualmente o conjunto de seus acervos analógicos, cortaremos o

vínculo com os suportes suscetíveis de leitura humana direta – pra-

ticamente todos os documentos criados desde a aparição da escrita

até o século xx. As películas, os cilindros e os discos são suportes

relativamente estáveis e sua integridade pode ser controlada sem

o uso de tecnologias de reprodução. O mesmo não acontece com

os registros de áudio e de vídeo conservados em banda magnética

ou em arquivos de computador, não suscetíveis de leitura humana

direta. Seu acesso e sua existência dependem da manutenção de

tecnologias cada vez mais complexas, com os riscos que isso traz.

Esses riscos são aceitáveis? Quanto tempo essas tecnologias resisti-

rão ao inelutável processo de obsolescência?

Page 79: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 157Preservação: características e conceitos156 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

5.4.7A digitalização rompe o laço com o suporte analógico e sua tecnologia.

Oconteúdodissocia-sedeseusignificadomaterialedeseucontexto

físico. Não há mais elemento material a explorar: não se poderá mais

apreender um documento pelo tato, manipulando-o ou examinando-o,

nem ter a experiência de sua reprodução pela tecnologia original. Nes-

se sentido, as experiências sensoriais e estéticas desaparecerão.

5.4.8Da mesma forma, não poderemos mais educar nossos sentidos

para distinguir um original analógico de uma cópia digital. Como

poderão as gerações futuras saber o que os diferencia, seja em ter-

mos de textura visual ou das sutilezas da qualidade sonora? Em que

medida é importante conhecer essas diferenças?

5.4.9Alguns dirão que os arquivos audiovisuais há muito abandonaram

qualquer rigor intelectual a respeito disso. Nenhum museu que se

preze exporia uma cópia romana de uma estátua grega como se

fosse a original. Não se imagina o Louvre expondo uma cópia di-

gital da Mona Lisa como se fosse o original analógico. Por que

os arquivos audiovisuais deveriam contentar-se em projetar cópias

digitais ou em acetato de um filme nitrato tingido sem explicar que

essas cópias são diferentes do original? O espectador não se impor-

ta com essa diferença? Talvez ele não saiba que existe uma diferen-

ça e que essa diferença é importante. Cabe aos arquivos, a exemplo

dos museus, fixarem regras éticas mínimas e promover uma política

ativa de sensibilização do público. De outra forma, privaríamos o

pesquisador do direito de acesso a uma informação relevante77.

7 7 . “ M e s m o a re p ro d u ç ã o m a i s p e r f e i t a d e u m a o b r a d e a r t e c a re c e d e u m e l e m e n t o : s e u c o n t e x t o t e m p o r a l e e s p a c i a l , s u a e x i s t ê n c i a ú n i c a n o l u g a r d e o r i g e m . ( . . . ) A p re s e n ç a d o o r i g i n a l é p r é - re q u i s i t o p a r a o c o n c e i t o d e a u t e n t i c i d a d e ” : Wa l t e r B e n j a m i n , A o b r a d e a r t e n a e r a d e s u a re p ro d u t i b i l i d a d e m e c â n i c a . A n o ç ã o d e o r i g i n a l , d e c ó p i a , d e s u b s t i t u t o e d e s i m u l a c ro é o b j e t o d e t e x t o s d e Wa l t e r B e n j a m i n , J e a n B a u d r i l l a rd e o u t ro s .

5.4.10O maior desafio colocado pela digitalização não é de ordem técni-

ca ou econômica, mas de ordem intelectual, educativa e ética. Os

pesquisadores e o público têm direito de ser educados e informados

sobre a relação entre conteúdo e suporte, e que lhes seja convenien-

temente explicado o contexto do que estão vendo e ouvindo. Por

isso é necessário que arquivos e arquivistas entendam perfeitamen-

te as diferenças de natureza e de textura dos diferentes suportes. O

impulso para a contextualização deve ser parte intrínseca de seu

quadro de valores.

5.5 O conceito de obra

5.5.1A gestão de acervos de qualquer tipo deve apoiar-se em uma base

conceitual lógica, que permita a definição de seus componentes.

No plano material, os acervos audiovisuais constam de uma série

de suportes diferentes. No plano intelectual e no que se refere ao

conteúdo, a unidade lógica básica é o conceito de obra.

5.5.2O conceito de obra individual – entidade intelectual independente

– é por tradição o conceito básico mais utilizado em arquivos au-

diovisuais para a catalogação e o controle dos acervos. Cada obra

é identificadaporumtítuloúnico–acompanhadoquandoneces-

sário de informações adicionais, como data de lançamento ou de

produção – que serve de ponto de referência para qualquer dado

suplementar: quantidade e estado de diferentes materiais, descrição

de conteúdo, detalhes sobre a forma de incorporação e detentores

Page 80: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 159Preservação: características e conceitos158 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

de direitos, origem, documentação relacionada, anotação de exa-

mes e duplicações feitas, existência de cópias de consulta ou matri-

zes de duplicação etc. O volume de informações recolhidas sobre

cada obra depende dos recursos disponíveis e das prioridades do

arquivo. O conceito de obra é a expressão prática da capacidade

de um arquivo de individualizar um programa, um registro ou um filme e

de organizar as informações em torno deste conceito. O enfoque

demonstrou sua utilidade na resposta às necessidades de usuários e

às exigências concretas de gestão dos acervos.

5.5.3O assunto merece discussão. Uma obra pode assumir múltiplas

formas: sinfonia, canção popular, longa-metragem, programa de

televisão ou de rádio, documentário, propaganda radiofônica ou

televisiva, gravação oral sobre fatos históricos. Pode-se questionar

o sentido intelectual do termo ao se considerar como “obra”, por

exemplo, uma gravação em vídeo, com 24 horas de duração, das

imagens registradas pelo sistema de segurança de um edifício. Al-

guns objetos, como gramofones, projetores e roupas não são do-

cumentos audiovisuais mas fazem parte do acervo de muitos ar-

quivos e também nesse caso poderíamos dizer que são criações

intelectuais deliberadas.

5.5.4O conceito de obra individual constitui a unidade básica das ativi-

dades de catalogação e de organização dos acervos das bibliotecas,

além de ser o conceito-chave da legislação do direito de autor e do

direito de patentes. Um conceito diferente, o de fundo, é a base da

estrutura do acervo dos arquivos de documentos. Entende-se aqui

que um documento específico, uma carta por exemplo, é parte de

um conjunto de documentos – integra uma sequência de cartas

que forma um único dossiê de correspondência, o qual por sua vez

integra um grupo de dossiês semelhantes – e não uma entidade a

ser tratada individualmente. Em geral uma obra é algo publicado

ou publicável; o fundo não é geralmente publicado.Os arquivos

audiovisuais reúnem tanto documentos publicados quanto inéditos

e combinam elementos dos dois tipos.

5.5.5Nesse sentido, os arquivos catalogam os acervos segundo concei-

tos e normas inspirados na biblioteconomia, embora adaptados às

suas necessidades. Podem também agrupar os materiais em con-

juntos maiores vinculados a um determinado contexto (5.3.7). Es-

ses conjuntos maiores podem ser, por exemplo, coleções oriundas

de um doador específico, ou depositadas por um produtor que

impõe obrigações contratuais ou restrições de acesso, a obra de

um determinado realizador ou a produção de um estúdio, de uma

cadeia de televisão ou de rádio ou de um organismo oficial. Os

sistemas informatizados de controle do acervo facilitam a gestão

dos dois conceitos e a identificação das relações existentes entre

diferentes obras.

Page 81: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

161

6 | Princípios de gestão

6.1 Introdução

6.1.1Os arquivos audiovisuais, como outras organizações, realizam seu

trabalho apoiados em filosofias, métodos e princípios de gestão.

Cada arquivo é diferente dos demais e seus princípios nem sempre

são formalmente enunciados. Tentaremos nesta seção definir al-

guns princípios fundamentais.

6.2 Políticas

6.2.1Os arquivos seguem políticas, mas elas nem sempre são enunciadas

e definidas com o mesmo grau de precisão. Sem falar nos casos em

que elas nunca foram definidas. Na ausência de políticas e regras

Page 82: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 163Princípios de gestão162 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

claramente estabelecidas, a tomada de decisões corre o risco de se

tornar arbitrária, contraditória e escapar a qualquer controle. As

políticas servem de guias e estabelecem restrições, o que é dupla-

mente útil. Na falta de documentos que definam os princípios de

seleção, incorporação e preservação de um arquivo, o grupo que o

apoia não terá nenhuma garantia da competência do arquivo para

reunir e preservar seu acervo. Além disso, a formulação de políti-

cas permite aos arquivos avaliar suas próprias competências, assim

como suas práticas e seu rigor intelectual78.

6.2.2Disso decorre que todos os aspectos fundamentais do funciona-

mento de um arquivo – a constituição, a preservação, o acesso e a

gestão do acervo – deveriam estar apoiados em uma política explí-

cita. Essas políticas devem impregnar profundamente a cultura do

arquivo de forma que todo seu pessoal as entenda e as siga na prá-

tica. Elas são o motor que impulsiona o arquivo e estabelecem seu

estado de direito. Infelizmente isso nem sempre acontece. É muito

fácil redigir políticas que são, em essência, obras de ficção, desliga-

das da realidade da vida do arquivo, vagas e ambíguas, ao invés de

informativas e concretas. Nesse caso, tais documentos apresentam

uma imagem dos arquivos para o público, mas não revelam nada

das políticas realmente praticadas. Esta dicotomia pode ter efeitos

insidiosos do ponto de vista intelectual e ético.

6.2.3As políticas definem de maneira clara e lógica as posições, pers-

pectivas e intenções do arquivo. Elas compreendem em geral os

seguintes elementos:

7 8 . E x i s t e m m u i t o s p o n t o s d e re f e r ê n c i a d i s p o n í v e i s . F re q u e n t e m e n t e a s p o l í t i c a s d e i n s t i t u i ç õ e s re l a c i o n a d a s à c o l e t a e c o n s e r v a ç ã o e s t ã o e m s u a s p á g i n a s n a I n t e r n e t e a c o m p a r a ç ã o e n t re a s d i v e r s a s p o l í t i c a s i n s t i t u c i o n a i s v i g e n t e s é u m p o n t o d e p a r t i d a a d e q u a d o n o p ro c e s s o d e e l a b o r a ç ã o d e u m a p o l í t i c a d e s s e t i p o . C o m o i n d i c a d o n a s c l á u s u l a s 3 . 1 e 3 . 2 d o C ó d i g o d e É t i c a d o C o n s e l h o I n t e r n a c i o n a l d e M u s e u s – I c o m ( h t t p : / / i c o m . m u s e u m /t h e - v i s i o n / c o d e - o f -e t h i c s / ) a s p o l í t i c a s t ê m d i m e n s õ e s é t i c a s ( o q u e s e r á d i s c u t i d o n o C a p í t u l o 7 ) .

p definição da missão e dos objetivos explícitos do arquivo

menção a autoridades externas e a textos de referência,

como os estabelecidos pela Unesco ou pelas federações de

arquivos audiovisuais

p explicação dos princípios relevantes

p exposição das intenções, posições e escolhas do arquivo

baseadas nos fundamentos acima apresentados

p detalhamentos específicos, simples e concisos, para evitar

qualquer ambiguidade, destinados à preparação de normas

de trabalho voltadas ao pessoal (normas que, assim como a

política, devem ser públicas).

6.2.4As boas políticas são maleáveis. Resultam de avaliações adequadas

e de consultas aos interessados e devem ser periodicamente atuali-

zadas para que sejam práticas e eficazes.

6.3 A constituição das coleções: seleção, incorporação, exclusão e descarte

6.3.1A constituição de acervos é uma expressão ampla que abarca qua-

tro operações distintas:

p a seleção (operação intelectual que consiste em esco-

lher, ao final de uma avaliação, os documentos que

convém incorporar)

Page 83: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 165Princípios de gestão164 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

p a incorporação (operação prática que pode ser constituída

de escolhas técnicas e físicas, negociações e transações con-

tratuais, expedição de materiais, seu exame e inventário)

p a exclusão (decisão motivada por considerações novas,

como por exemplo uma modificação na política de se-

leção) a eliminação (operação fundada sobre princípios

éticos e que consiste em se desfazer de itens de um acervo).

O arquivo poderá ter políticas diferenciadas para as quatro

operações ou uma política única, estabelecida num mesmo do-

cumento normativo.

6.3.2Ainda que o ideal talvez seja reunir e preservar sem nenhuma dis-

criminação, isso é frequentemente impossível por razões práticas

e econômicas. Não existe relação entre o volume da produção e o

orçamento dos arquivos. É necessário escolher o que será recolhido

ou não e, portanto, emitir julgamentos de valor. Como as opções de

seleção e incorporação são subjetivas, elas nunca são fáceis. É im-

possível julgar adequadamente o presente com os olhos do futuro.

De qualquer maneira, mais vale explicitar julgamentos fundados

em uma política do que fazer escolhas sem nenhuma norma79.

6.3.3Um ponto de partida é o princípio da perda80: “se houver algum mo-

tivo de forma, conteúdo ou relação externa para que se lamente

no futuro a perda de um material, sua preservação deve ser prio-

rizada”81. Trata-se aqui mais de uma advertência para se evitar

qualquer destruição irrefletida, do que de um critério fixo para

7 9 . S o b re s e l e ç ã o e i n c o r p o r a ç ã o , c o n s u l t a r o l i v ro d e S a m K u l a A p p r a i s i n g m o v i n g i m a g e s : a s s e s s i n g t h e a rc h i v a l a n d m o n e t a r y v a l u e o f f i l m a n d v i d e o re c o rd s , L a n h a m : T h e S c a re c ro w P re s s , 2 0 0 3 . E l e c o m e ç a c o m a s e g u i n t e a f i r m a ç ã o : “ N u m a rq u i v o , a ú n i c a c o i s a q u e i m p o r t a m e s m o é a q u a l i d a d e d o a c e r v o . To d o o re s t o é q u e s t ã o d e m a n u t e n ç ã o ” .

8 0 . O a u t o r re c o rd a - s e d e q u e e s t e p r i n c í p i o f o i e n u n c i a d o p e l a p r i m e i r a v e z p o r E r n e s t L i n d g re n , f u n d a d o r e c u r a d o r d o N a t i o n a l F i l m A rc h i v e d e L o n d re s , m a s n ã o c o n s e g u i u l o c a l i z a r a re f e r ê n c i a .

8 1 . P o d e m e x i s t i r r a z õ e s p a r a a c o n s e r v a ç ã o d e m u i t o s m a t e r i a i s , m a s n e m t o d o s t ê m o m e s m o g r a u d e p r i o r i d a d e .

adotar decisões concretas. É necessário levá-la em conta para to-

mar decisões de seleção fundamentadas, claras e justificáveis. Este

é um campo da preservação no qual espera-se que os arquivistas

audiovisuais exerçam sua responsabilidade profissional. Pode ser

necessário guardar tudo em alguns casos e mostrar-se seletivo em

outros: variar os materiais e os custos em função do conteúdo, da

importância percebida e da utilização prevista. (Por exemplo: dado

um mesmo custo financeiro, é preferível adquirir uma seleção de

materiais em formato de alta qualidade ou uma coleção completa

em formato de qualidade inferior?)

6.3.4Na prática, os arquivistas audiovisuais devem emitir julgamentos

qualitativos individuais. Nessa tarefa de especialistas, que deve ser

executada no momento apropriado, eles são influenciados pelos

conhecimentos artísticos, técnicos e históricos que tenham do do-

cumento em questão e pelo âmbito de sua especialidade, por sua

visão pessoal e por limitações práticas. A responsabilidade é enor-

me: pode acontecer de no futuro não ser mais possível recuperar

um documento a que não se deu a devida importância no presente.

Diferentemente do documento impresso, um documento audiovi-

sual pode ser exemplar único e não sobreviver o tempo suficiente

para ser recuperado.

6.3.5As políticas de seleção e incorporação fundamentam-se sobre di-

versos critérios. Um dos mais correntes e determinantes é o da pro-

dução nacional82. Qual o percentual da produção nacional preserva-

da? Para responder adequadamente essa pergunta, é necessário que

8 2 . C o n s u l t a r a R e c o m e n d a ç ã o s o b re a s a l v a g u a rd a e c o n s e r v a ç ã o d a s i m a g e n s e m m o v i m e n t o d a U n e s c o – 1 9 8 0 , d a q u a l é s i g n a t á r i a a m a i o r i a d o s p a í s e s . N e s t e d o c u m e n t o , p ro d u ç ã o n a c i o n a l é d e f i n i d a c o m o o c o n j u n t o d a s “ i m a g e n s e m m o v i m e n t o c u j o p ro d u t o r o u p e l o m e n o s u m d o s c o p ro d u t o re s t e n h a s e u d o m i c í l i o s o c i a l o u s u a re s i d ê n c i a h a b i t u a l n o t e r r i t ó r i o d o p a í s d e q u e s e t r a t a ” .

Page 84: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 167166 | Princípios de gestãoFilosofia e princípios da arquivística audiovisual

a própria produção tenha sido recenseada a contento. Em alguns

países, relativamente poucos, os arquivos audiovisuais estabelecem

filmografias, discografias e outros repertórios nacionais, seme-

lhantes às bibliografias produzidas pela maior parte das bibliote-

cas nacionais. A informática permite a reunião de bases de dados

compatíveis, o que por sua vez permite que a massa de trabalho

representada pela catalogação da produção nacional seja dividida

por diferentes instituições. De qualquer modo, nem sempre os ar-

quivistas audiovisuais estão plenamente informados sobre todos os

setores da produção nacional que lhes compete.

6.3.6Um conceito complementar que engloba e vai além do de produ-

ção nacional é o que se poderia chamar de patrimônio audiovisual de

um país, em sentido amplo. Nenhum país vive isolado dos demais. O

conjunto de imagens em movimento e de sons gravados distribuído

e emitido em um país qualquer tem uma origem cada vez mais

internacional. Isso repercute sobre a cultura nacional e sobre a

memória coletiva, e influencia a produção nacional. Consequente-

mente, coloca-se com legitimidade a questão de seu arquivamento

e do acesso a ele. Numerosos arquivos consideram como sua tarefa

preservar e tornar acessível uma determinada parte desse patrimô-

nio mais amplo. Esse conceito internacional caracteriza, há muito

tempo, as políticas de seleção e incorporação de grandes bibliote-

cas e galerias de arte em todo o mundo.

6.3.7Quando o arquivo é beneficiário direto ou indireto das disposições

relativas ao depósito legal, deve aceitar tudo o que tem direito de

receber? Esta é uma questão legal. Um arquivo deve às vezes acei-

tar sem distinção e ainda cumprir a obrigação de garantir a preser-

vação do material recebido. Se o arquivo tem o direito de recusar,

torna-se possível aplicar uma política de seleção. A lei reconhece o

direito do arquivo de garantir a preservação do material (princípio

fundamental)83 e o arquivo formula um julgamento sobre o que deve

ser preservado (responsabilidade profissional). Quando o arquivo é

apenas beneficiário indireto do depósito legal – em alguns países,

por exemplo, as bibliotecas e arquivos nacionais são os depositá-

rios oficiais, enquanto os arquivos audiovisuais são os depositários

efetivos dos materiais e das competências técnicas –, o processo se

complica ainda mais.

6.3.8Com o passar do tempo, independentemente dos motivos que

presidiram a incorporação, pode haver necessidade de uma deci-

são de exclusão ou eliminação. Os motivos são diversos. Quando

se incorporam cópias melhores de uma determinada obra, as de

qualidade inferior podem ser descartadas; a missão ou a políti-

cadeseleçãodoarquivopodemmudar;aexperiênciapodepro-

vocar uma revisão dos critérios de incorporação. Seja qual for o

motivo, a decisão de exclusão tem a mesma importância, talvez

maior ainda, do que a decisão inicial de incorporação. Ela deve

ser documentada minuciosamente e endossada pela autoridade

máxima do arquivo. Também os processos de eliminação devem

ser realizados de maneira rigorosa e inquestionável do ponto de

vista ético. Iniciativas como a venda pública de materiais excluí-

dos podem parecer contraditórias junto ao público e prejudicar a

credibilidade do arquivo84.

8 3 . A R e c o m e n d a ç ã o s o b re a s a l v a g u a rd a e c o n s e r v a ç ã o d a s i m a g e n s e m m o v i m e n t o d a U n e s c o c o n s a g r a e s s e p r i n c í p i o .

8 4 . A s e ç ã o 4 d o C ó d i g o d e É t i c a d o I c o m i n s i s t e n e s s e p o n t o . O p ú b l i c o e m g e r a l i m a g i n a q u e o s a c e r v o s s ã o “ p e r m a n e n t e s ” , e a e x c l u s ã o e o d e s c a r t e d e m a t e r i a i s e m g r a n d e e s c a l a g e r a m d ú v i d a s s o b re a c o m p e t ê n c i a e a i n t e g r i d a d e d o s m é t o d o s d e f o r m a ç ã o d o s a c e r v o s d o s a rq u i v o s e n v o l v i d o s .

Page 85: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 169Princípios de gestão168 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

6.3.9

Na maior parte dos casos, os arquivos audiovisuais coletam muito

mais materiais do que os produzem. Mas não há razão para que

seja exclusivamente assim. A produção de registros pelo próprio

arquivo, ou por sua iniciativa, pode servir para preencher lacunas

identificadas. A forma mais habitual de registro promovida por

arquivos é a entrevista, em versão sonora ou visual, sobre fatos

históricos. A questão de saber em que medida um arquivo pode

ser “produtor” e ao mesmo tempo “coletor” é um interessante

tema de debate. O registro de programas durante sua transmissão

também é uma prática corrente, mas nesse caso trata-se de uma

forma de incorporação.

6.4 Preservação, acesso e gestão dos acervos85

6.4.1O acesso permanente é o objetivo da preservação. Sem ele, a

preservação não teria sentido, a não ser como um fim em si

mesma. Embora existam restrições de ordem prática tanto à

preservação quanto ao acesso, essas restrições não podem ser

artificiais. Isso seria contrário à Declaração Universal dos Di-

reitos do Homem (1948) e ao Pacto Internacional Relativo aos

Direitos Civis e Políticos (1966) das Nações Unidas. Todos os

indivíduos têm direito a uma identidade e consequentemente

direito de acesso a seu patrimônio documental, entendido o pa-

trimônio audiovisual como parte dele. Isso engloba o direito de

conhecer o que existe e de saber como ter acesso a ele. Seguem

8 5 . O l e i t o r p o d e r á c o n s u l t a r o s p r i n c í p i o s d i re t o re s d o p ro g r a m a M e m ó r i a d o M u n d o d a U n e s c o (w w w. u n e s c o .o r g / w e b w o r l d / m d m ) e o C ó d i g o d e É t i c a d a F i a f . E s t a s e ç ã o i n s p i r a -s e p a rc i a l m e n t e n e s s e s d o i s d o c u m e n t o s .

abaixo os resumos de alguns pontos básicos da prática de preser-

vação e acesso inspirados em observações formuladas em seções

anteriores do presente documento.

6.4.2Documentação e controle rigorosos dos acervos – a “boa organização” é

condição prévia indispensável à preservação. Trata-se de uma ta-

refa que exige muita dedicação, mas que não é obrigatoriamente

cara. Consiste, em princípio, na criação de um inventário completo

dos acervos, levando em conta cada um dos materiais. Isso pode ser

feito de forma manual ou, de preferência, informatizada86. Outro

aspecto importante é a descrição e a documentação da natureza e

do estado dos materiais, de modo a racionalizar sua gestão e con-

sulta. A documentação e o controle dos acervos demandam tempo

e disciplina, mas evitam perdas desnecessárias e duplicação de ma-

nipulações (ver 5.3.7).

6.4.3As condições de armazenamento – temperatura, umidade, luz, eventual

presença de poluentes atmosféricos, animais e insetos, e a seguran-

ça física – devem, na medida do possível, ser tais que maximizem

a duração de vida dos materiais armazenados. Os requisitos ideais

variam bastante em função dos tipos de suporte. Por exemplo, os

diversos tipos de papel, os filmes, as fitas magnéticas e os discos

de áudio requerem diferentes níveis de temperatura e umidade.

Infelizmente, a maior parte dos arquivos atua em condições que

deixam muito a desejar. A questão se reduz a ganhar tempo, ou

seja, fazer o melhor possível com os meios disponíveis e procurar

melhorar as instalações no futuro. Fatores como infiltração de água

8 6 . O s f o r m a t o s n o r m a t i z a d o s c o m o o M a rc e o u t ro s re c o m e n d a d o s p o r o r g a n i s m o s p ro f i s s i o n a i s d e a rq u i v í s t i c a e d e b i b l i o t e c o n o m i a p e r m i t e m a e n t r a d a , o t r a t a m e n t o o r g a n i z a d o d e i n f o r m a ç õ e s e s e u i n t e rc â m b i o c o m o u t r a s i n s t i t u i ç õ e s . E x i s t e m v á r i o s s i s t e m a s s e m e l h a n t e s , e n t re e l e s a l g u n s p re p a r a d o s e s p e c i a l m e n t e p a r a a rq u i v o s a u d i o v i s u a i s . O u t r a p o s s i b i l i d a d e é a u t i l i z a ç ã o d o p ro g r a m a g r a t u i t o d a U n e s c o , o W i n I s i s , o u p re p a r a r u m s i s t e m a p r ó p r i o , b a s e a d o e m p ro g r a m a s d e a c e s s o p ú b l i c o . N a m e d i d a d a s p o s s i b i l i d a d e s , é ú t i l r e g i s t r a r a s i n f o r m a ç õ e s e m v á r i o s i d i o m a s , p a r a f a c i l i t a r o a c e s s o e o i n t e rc â m b i o e m e s c a l a i n t e r n a c i o n a l .

Page 86: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 171Princípios de gestão170 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

pelo teto, janelas quebradas, instabilidade de fundações, sistemas

de detecção e extinção de incêndios, prevenção de sinistros e con-

trole ambiental também são aspectos importantes. Em todo caso,

métodos adequados de gestão e controle são passíveis de aplicação

ainda que as condições não sejam as ideais.

6.4.4O velho provérbio “melhor prevenir do que remediar” é uma verdade

patente no caso dos suportes audiovisuais. As práticas e técnicas

que diminuem a degradação e limitam as deteriorações resultantes

de sua manipulação são muito mais vantajosas do que não importa

quais tipos de operação de restauração, além de muito mais bara-

tas. Trata-se, em particular, de seguir métodos adequados de ar-

mazenamento, manipulação, colocação em prateleiras, segurança

e transporte.

6.4.5A conservação dos originais e a preservação de sua integridade garan-

tem que nenhuma informação se perca e não colocam em risco as

futuras possibilidades de preservação e acesso. Numerosos arqui-

vos lamentam ter destruído prematuramente originais depois de

havê-los duplicado. Muitas duplicações revelaram-se de qualidade

inferior e de longevidade mais reduzida. Independentemente do

número de cópias que tenha sido feito, os originais não deveriam

ser levianamente destruídos.

6.4.6A transferência de conteúdo ou sua copiagem em formato diferente é útil e

frequentemente necessária para finalidades de acesso. Entretanto,

como estratégia de preservação, a transferência de conteúdo de-

veria ser usada com cautela. Ela é necessária quando o suporte

original tornou-se instável, mas frequentemente traz consigo perda

de informações, reduz o campo de opções futuras, além de po-

der gerar, a longo prazo, consequências imprevisíveis no caso de a

tecnologia de reprodução utilizada cair em desuso. Essa advertên-

cia vale tanto para processos mais recentes, como a digitalização,

como para os mais antigos, como a reprodução fotográfica. Na

medida do possível, as novas duplicações de preservação devem ser

réplicas exatas do original e seu conteúdo não deve ser, de modo

algum, modificado.

6.4.7Comprometer a preservação a longo prazo de um material com a finalidade

de satisfazer demandas de acesso a curto prazo é sempre tentador

e às vezes necessário por razões políticas, mas devemos, na medida

do possível, evitar correr esse risco. Quando o original for frágil e

não existir nenhuma cópia de consulta é melhor dizer “não” do

que expor o documento a possíveis danos irreparáveis.

6.4.8Não há procedimento único. Os diferentes tipos de suporte necessitam

de condições de armazenamento específicas, mas também de di-

ferentes cuidados de manipulação, gestão e conservação. Cada

tipo de material requer um tipo de controle específico. O estabe-

lecimento de normas internacionais – por exemplo, as relativas à

transferência de dados digitais – raramente segue a velocidade das

mudanças tecnológicas mas, quando existirem normas reconheci-

das, elas devem ser respeitadas.

Page 87: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 173Princípios de gestão172 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

6.4.9Nada substitui a consulta real e direta a um documento quando o

acesso ao suporte original e seu conteúdo, num contexto adequa-

do, for desejável e possível do ponto de vista prático e econômico.

Motivos de ordem geográfica, de conservação ou de ordem téc-

nica podem impedir isso. Alguns materiais de preservação, como

negativos originais ou fitas matrizes de estúdio, têm formatos que

não se prestam à projeção ou audição. As cópias de consulta são

feitas para reduzir a pressão sobre os materiais de preservação e

para superar limitações técnicas. Essa operação é conhecida como

acervo paralelo e, embora em teoria o ideal seja possuir cópias de

consulta de todos os materiais de preservação, isso nem sempre é

possível, tanto pelo efeito de inércia quanto por limitações de ordem

puramente econômica.

6.4.10As cópias de consulta, realizadas em um número cada vez maior

de formatos, constituem alternativa necessária mas devem, por

definição, ser substituíveis em caso de perda ou danos, embora

seu custo seja muito variável: uma cópia nova em 35mm é muito

mais cara do que um DVD, além de ter especificidades de arma-

zenamento e gestão. Com o crescente surgimento de novos for-

matos, será mais necessário do que nunca fornecer aos usuários

explicações de contexto que os esclareçam sobre as diferenças que

a cópia que veem/escutam tem da obra original. Adotados os

cuidados necessários, as cópias de acesso podem, em teoria, ser

enviadas a qualquer parte, seja por meio físico ou eletrônico. À

medida que os acervos se digitalizarem e se generalizar o acesso à

Internet, os documentos serão cada vez mais consultados na tela

ou nos alto-falantes dos computadores, com as vantagens corres-

pondentes de pesquisa em base de dados e de captura instantâ-

nea, mas também com as limitações de qualidade e de entorno

impostas por essa tecnologia.

6.4.11Quando se esgotam as possibilidades de acesso oferecidas pela

consulta às bases de dados, pode-se ainda apelar para o elemento

humano: solicitar a ajuda e os conselhos dos curadores dos arquivos,

bons conhecedores de seus acervos. Catálogos e bases de dados

nunca substituirão inteiramente esses profissionais. Os conheci-

mentos aprofundados e as reflexões originais que desenvolvem

sobre os acervos são, na verdade, insubstituíveis. Seu saber pode

ser comunicado à distância ou on-line, mas pressupõem, nos dois

casos, uma interação pessoal.

6.5 Documentação

6.5.1A exemplo de outras instituições de coleta e conservação, os arqui-

vos audiovisuais devem seguir normas severas no que concerne a

documentos sobre suas incorporações, consultas e outras transa-

ções, com o objetivo de registrar a seriedade de sua gestão. Devido

à complexidade dos acervos, a exatidão da informação é essencial.

A natureza dos materiais impõe, além disso, o estabelecimento de

uma documentação precisa sobre as operações realizadas interna-

mente com as coleções (ver 5.3.7).

Page 88: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 175Princípios de gestão174 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

6.5.2Uma vez definidas as características técnicas e o estado de cada

material, essas informações devem ser registradas de maneira apro-

priada. Isso é muito importante sobretudo para os materiais de

preservação. Conceitos e terminologia devem ser precisos, a do-

cumentação específica e coerente para que se possa supervisionar,

a longo prazo, a deterioração de um sinal de áudio ou de vídeo

numa fita ou a perda das cores de um rolo de filme. Um erro pode

acarretar consequências sérias. Por exemplo, se a descrição técnica

de uma determinada película não for exata, isso pode fazer com se

aplique a ela um tratamento que a danifique irremediavelmente.

Muitos arquivos elaboraram sistemas de informação codificada efi-

cazes para registrar sem ambiguidade as informações.

6.5.3O armazenamento e a movimentação interna de cada material, bem

como os movimentos de empréstimo externo, quando for o caso, de-

vem ser administrados com rigor. Diferentes instituições de coleta

e conservação têm graus diversos de tolerância no tocante à perda

de materiais. Nos arquivos audiovisuais, a margem de tolerância é

mínima. Que explicação aceitável dar ao proprietário sobre a perda

deumrolodonegativodeumfilmeoudeumafitaoriginalqueesta-

vasobaresponsabilidadedoarquivo,quandoissosignificacolocar

emriscoaexploraçãocomercialdeumfilmeoudeumaobraque

perdeu sua integridade? Não se substitui o insubstituível.

6.5.4Em qualquer trabalho de copiagem, conservação e restauração

é fundamental documentar as operações e as decisões tomadas

com o objetivo de manter, a longo prazo, a integridade da obra.

Os curadores devem, algumas vezes, basear suas decisões sobre o

que fizeram seus antecessores. Poderá às vezes revogar decisões

tomadas por eles, quando for o caso do surgimento de melhores

soluções. Os princípios e a ética da conservação de materiais e de

fotografias são aplicáveis aos arquivos audiovisuais. Como sempre

se tomam decisões subjetivas, e duas pessoas que realizam a mes-

ma tarefa podem adotar soluções diferentes, ignorar essa etapa

equivale a reduzir ou negar ao futuro qualquer possibilidade de

realizar pesquisas87.

6.6 Catalogação

6.6.1A catalogação é a descrição intelectual do conteúdo de uma

obra, segundo regras coerentes e precisas. Como em outras ins-

tituições de coleta e conservação, o catálogo de um arquivo

audiovisual é o instrumento chave de acesso e ponto de partida

das pesquisas. Nas bibliotecas, as operações de catalogação e

registro de entrada são frequentemente simultâneas. Nos arqui-

vos audiovisuais, ao contrário, elas em geral são separadas. A

catalogação é posterior ao registro, pois os materiais não são fa-

cilmente consultáveis antes de serem inventariados. Pode acon-

tecer de os arquivos catalogarem uma obra muito tempo depois

de feito o registro. A razão é de ordem pragmática e se reduz a

uma questão de prioridades. As atividades de catalogação con-

centram-se prioritariamente em parcelas do acervo geradoras

de maior demanda.

8 7 . O C ó d i g o d e É t i c a e C o n d u t a d o A u s t r a l i a n I n s t i t u t e f o r C o n s e r v a t i o n o f C u l t u r a l M a t e r i a l – a i c c m c o n s t i t u i u m e n t re m u i t o s e x e m p l o s d e re f e r ê n c i a s o b re o a s s u n t o ( h t t p : / / w w w.a i c c m . o r g . a u / i n d e x .p h p ? o p t i o n = c o m _c o n t e n t & v i e w = a r t i c l e & i d = 3 9 & I t e m i d = 3 8 ) .

Page 89: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 177Princípios de gestão176 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

6.6.2Como em bibliotecas e museus, a catalogação nos arquivos au-

diovisuais é uma atividade profissional. Os catálogos são elabo-

rados conforme normas profissionais internacionais e o ideal

é que esse trabalho esteja a cargo de pessoas capacitadas para

isso. As normas são frequentemente adaptadas das regras de ca-

talogação de imagens em movimento e de sons gravados elabo-

radas pela Fiaf, Iasa, Amia, Fiat e outras associações, em função

das necessidades dos arquivos e de seus usuários, bem como da

natureza dos acervos. Daí existirem variações na orientação, nas

normas, na profundidade e no conteúdo dos campos de infor-

mação. Em geral, os arquivos audiovisuais adaptam os padrões

internacionais segundo suas necessidades particulares ou con-

texto nacional, sobretudo a língua do país e considerações de

ordem cultural.

6.6.3A catalogação pode ser descrita como uma especialidade profissio-

nal que atravessa as diferentes disciplinas de coleta e conservação.

Existe uma abundante literatura sobre esta atividade e alguns pro-

fissionais consagram a ela toda sua vida profissional, como ocorre

em outras áreas de trabalho dos arquivos audiovisuais. Nesse sen-

tido, o catalogador, que precisa assistir e ouvir os diferentes mate-

riais para preparar a descrição de seu conteúdo, desenvolve muitas

vezes um profundo conhecimento sobre o acervo.

6.6.4A harmonização, no âmbito audiovisual, de diferentes normas de

catalogação – que têm origens históricas diversas – e a preparação

de manuais, de regras básicas e de padrões de metadados são ta-

refas a que se dedicam coletivamente profissionais de catalogação

de todo o mundo.

6.7 Aspectos jurídicos

6.7.1Os arquivos audiovisuais exercem suas atividades no âmbito do di-

reito contratual e da legislação dos direitos de autor. O acesso e, até

certo ponto, a preservação são regidos e limitados pelos direitos dos

titulares. Em geral, os arquivos não estão autorizados a exibir pu-

blicamente ou explorar materiais do acervo sem autorização prévia

dos respectivos titulares dos direitos de autor.

6.7.2O arquivo deve respeitar a lei no que se refere aos direitos dos

titulares das obras. Quando a titularidade dos direitos é clara, o

que acontece em geral no caso de produções recentes, o cumpri-

mento dessa obrigação não coloca complicações formais. Entre-

tanto, quanto mais antigos os documentos, mais sua situação legal

tende a ser pouco clara. À medida que os direitos são cedidos

ou vendidos, que empresas produtoras se dissolvem, que criadores

de obras desaparecem e seus bens passam para mãos de tercei-

ros, torna-se cada vez mais difícil identificar com clareza o titular

dos direitos de autor. Acontece às vezes de ninguém reivindicar

sua propriedade ou de pessoas que a reivindicam não dispõem de

nenhuma prova material que apoie suas pretensões. Os arquivos

Page 90: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 179Princípios de gestão178 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

devem enfrentar essas ambiguidades levando em conta o interesse

das partes envolvidas, mas seus valores podem diferir daqueles dos

autores de tais reivindicações.

6.7.3Quando isso ocorre, os arquivos devem lembrar-se de sua missão,

que inclui em geral a obrigação de servir ao interesse público, per-

mitindo a consulta ao acervo. Alguns arquivos preferem não correr

riscos e restringir o acesso quando a titularidade dos direitos não

está clara. Outros optam por assumir conscientemente o risco, per-

mitindo o acesso a um determinado documento, depois de haver

tentado em vão descobrir a titularidade dos direitos. Se a opção

é posteriormente contestada, o que raramente acontece, podem

alegar que agiram de forma a atender o interesse público, e reem-

bolsar o titular dos direitos dos recursos financeiros eventualmente

obtidos com o acesso ao documento.

6.7.4Tendo em vista a complexidade crescente dessa área, todos os

arquivos têm necessidade de uma assessoria jurídica para guiá-

los nesse campo potencialmente minado. Mas devem também

confiar em sua própria capacidade de emitir juízos com conhe-

cimento de causa, baseados no que sabem sobre o funciona-

mento do setor audiovisual e nos contatos pessoais que tenham

estabelecido.

6.8 Nenhum arquivo é uma ilha

6.8.1Embora evidente, vale repetir que os arquivos audiovisuais depen-

dem mutuamente uns dos outros. Todos precisam dos serviços,

conselhos e apoio moral que lhes são prestados por seus congêne-

res e por associações internacionais. Mesmo as instituições mais

importantes sabem da necessidade de se relacionar entre si e de

compartilhar equipamentos e conhecimentos. Alguns arquivos de-

senvolvem especializações e podem prestar serviços rentáveis a ou-

tras instituições. Nenhum organismo pode dar-se ao luxo de viver

isolado. Os arquivos adquirem especial força graças ao intercâm-

bio de ideias propiciado por colóquios e visitas recíprocas.

6.8.2Existe igualmente uma relação de interdependência entre os ar-

quivos e as indústrias audiovisuais. Uns precisam dos outros. Essa

relação entre domínios com prioridades e concepções de mundo

muito diferentes pode parecer em desequilíbrio e desvantagem

para os arquivos. O certo, porém, é que os arquivos têm um papel

a desempenhar, estimulando trocas, influenciando prioridades das

indústrias e demonstrando-lhes sua utilidade e seu valor.

Page 91: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

181

7 | Ética

7.1 Códigos de ética

7.1.1A ética de uma profissão é produto de seus valores e motivações

fundamentais (ver Capítulo 2). Alguns aspectos são específicos do

próprio campo de especialização. Outros baseiam-se em regras de

vida e de sociedade mais amplamente aceitas. Em geral, as pro-

fissões codificam suas normas éticas redigindo declarações que

servem de orientação para seus membros e de garantia para os

interessados em seu trabalho. Os organismos profissionais dispõem

com frequência de mecanismos disciplinares com o objetivo de fa-

zer com que as normas sejam cumpridas. A ordem dos médicos e a

dos advogados são os exemplos mais conhecidos.

7.1.2Noâmbitodasprofissõesdecoletaeconservação,inclusivenosar-

quivos audiovisuais, existem códigos de ética a nível internacional,

Page 92: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 183Ética182 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

nacional e institucional. Esses códigos centram-se em condutas pes-

soais e na ética das instituições e enfatizam alguns temas comuns,

cujos principais são:

p proteção da integridade e preservação do contexto dos

documentos

p probidade nas operações de acesso, constituição de acervo

e outras

p direito ao acesso

p conflitos de interesse e proveito pessoal

p respeito à lei e tomada de decisões a partir de normas

p integridade, honestidade, responsabilidade e transparência

p confiabilidade

p ideais de excelência e desenvolvimento profissional

conduta pessoal, senso de responsabilidade e relações

profissionais.

Convidamos o leitor a aprofundar essas questões, reportando-se

aos códigos das principais associações da área88.Todos fornecem

interessantes pontos de referência para a elaboração do código ins-

titucional de um arquivo audiovisual. Como não é possível, nem

útil, examinar aqui esses temas comuns em termos gerais, enfatiza-

remos nessa seção os aspectos específicos dos arquivos audiovisuais.

7.1.3Até hoje, apenas uma federação de arquivos audiovisuais adotou

formalmente um código de ética. O código da Fiaf foi adotado

em 1998 e os membros da federação são obrigados a subscrevê-lo

(http://www.fiafnet.org). Outras federações adotaram posições

normativas em relação a questões concretas de índole ética.

8 8 . E n c o n t r a m - s e n a s p á g i n a s d o I c o m (w w w. i c o m . o r g ) , d a I c a (w w w. i c a . o r g ) e d a I f l a (w w w. i f l a . o r g ) c ó d i g o s i n t e r n a c i o n a i s a s s i m c o m o c ó d i g o s d e a s s o c i a ç õ e s n a c i o n a i s n o s c a m p o s d a m u s e o l o g i a , d a a rq u i v o l o g i a e d a b i b l i o t e c o n o m i a .

7.2 A ética na prática

7.2.1 Umcódigoescrito,deâmbitointernacionalouinstitucional,define

orientações gerais. Ele não prevê todas as situações, nem oferece

soluções prontas para problemas que exigem a formulação de julga-

mentosdevalor.Osprofissionaisaceitamemgeralaresponsabili-

dade de formular julgamentos na esfera ética, bem como em outras.

7.2.2Em âmbito institucional, os códigos só têm sentido e respeito quan-

do fazem parte integrante da vida do arquivo, são objeto de pro-

moção efetiva e são respeitados de forma transparente por todos

os escalões da hierarquia. Para isso, pode haver necessidade de um

processo de educação das equipes, mecanismos de acompanha-

mento e pesquisa, e implantação de práticas administrativas que

personalizem a aplicação do código no que respeita cada membro

do quadro. Assim, por exemplo, em algumas instituições prevê-se

que todos os empregados leiam o código interno e o debatam e

comentem, comprometam-se por escrito a observá-lo, e declarem

qualquer conflito de interesses existente ou hipotético. Quando não

se realiza esse tipo de aplicação ativa, os códigos institucionais são

puramente formais, observados apenas ao sabor das conveniências

ou utilizados apenas para exibir uma imagem pública do arquivo.

7.2.3Existe um ponto além do qual a ética pessoal não pode ser controla-

da e depende apenas da integridade e da consciência do indivíduo.

Isso acontece independentemente do rigor com que o organismo

Page 93: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 185Ética184 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

empregador ou a associação profissional aplique suas próprias nor-

mas éticas. Dilemas pessoais são inevitáveis. Em certos casos, eles

colocam em risco as pessoas envolvidas e as isolam. Pode acontecer

de o indivíduo ter de adotar uma postura impopular, denunciar

práticas irregulares na instituição ou, num plano diferente, colocar

em risco a própria carreira89.

7.2.4Queira-se ou não, a preservação do passado e o acesso a ele é uma

afirmaçãodevalorese,comotal,umpontodevista;emoutroster-

mos: uma atividade essencialmente política.Debates de profissio-

nais, bem como o registro de destruições deliberadas do patrimônio

ocorridas ao longo dos séculos, demonstram amplamente que sem-

pre haverá indivíduos que, por diversos motivos, querem eliminar ou

destruir o que foi conservado. Os arquivistas enfrentam permanen-

temente as dimensões políticas da seleção, do acesso e da preserva-

ção e os problemas éticos que essas questões colocam90. A sobrevi-

vência do passado está constantemente à mercê do presente91.

7.3 Questões de ordem institucional

7.3.1 Os acervos

7.3.1.1 Além dos pontos abordados na seção anterior e dos princí-

pios expostos no código da Fiaf (muitos deles suscetíveis de aplica-

ção aos arquivos audiovisuais em geral), a gestão ética dos acervos

coloca outras questões.

8 9 . E x i s t e m c a s o s c o m p ro v a d o s d e a rq u i v i s t a s q u e p u s e r a m e m r i s c o a v i d a e a l i b e rd a d e p a r a s a l v a r d o c u m e n t o s d a d e s t r u i ç ã o . N ã o e x i s t e m a i o r p ro v a d e d e v o t a m e n t o p ro f i s s i o n a l . E m m e n o r g r a u , o a u t o r c o n f ro n t o u - s e p e s s o a l m e n t e , c o m o a l i á s m u i t o s c o l e g a s , c o m p ro b l e m a s é t i c o s m e n o s g r a v e s . A l g u n s d e s s e s p ro b l e m a s s ã o a n a l i s a d o s n o a r t i g o i n t i t u l a d o “ Yo u o n l y l i v e o n c e : o n b e i n g a t ro u b l e m a k i n g p ro f e s s i o n a l ” ( T h e M o v i n g I m a g e v. 2 n º 1 , p r i m a v e r a 2 0 0 2 , p . 1 7 5 -1 8 4 ) . E m a l g u n s p a í s e s , a d e n ú n c i a – e x p o r p r á t i c a s i n d e v i d a s à s a u t o r i d a d e s e a o p ú b l i c o – é h o j e p ro t e g i d a p o r l e i s n e m s e m p re re s p e i t a d a s n a p r á t i c a . W h i s t l e b l o w e r s A u s t r á l i a (w w w. w h i s t l e b l o w e r s .o r g . a u ) é u m a d a s n u m e ro s a s o r g a n i z a ç õ e s q u e d o c u m e n t a m e s s e t i p o d e i n f r a ç õ e s .

9 0 . A l e i t u r a d a p u b l i c a ç ã o d o p ro g r a m a d a U n e s c o , M e m ó r i a d o m u n d o : m e m ó r i a p e rd i d a – b i b l i o t e c a s e a rq u i v o s d e s t r u í d o s n o s é c u l o X X ( 1 9 9 6 ) é a s s u s t a d o r a . A re c e n t e e x p e r i ê n c i a s u l - a f r i c a n a e m m a t é r i a d a d i m e n s ã o p o l í t i c a d a p re s e r v a ç ã o e d o a c e s s o a o s a c e r v o s e s t á d o c u m e n t a d a n o e n s a i o d e We r n e r H a r r i s , “ T h e a rc h i v e i s p o l i t i c s : t r u s t , p o w e r s , re c o rd s a n d c o n t e s t a t i o n i n S o u t h A f r i c a ” , e f o i e x p o s t a

7.3.1.2 A constituição de acervos apoia-se na idéia de permanên-

cia. Em consequência disso, a decisão de exclusão de documentos

deveria ser muito pensada (6.3.7). Ela precisa ser tomada por uma

junta ou conselho do arquivo e não individualmente por um cura-

dor. Ao iniciar o processo de exclusão, convém primeiro levar em

conta os direitos e as necessidades de instituições de coleta que po-

deriam estar interessadas nos materiais em questão. Se, ao término

do processo, o material excluído for colocado em leilão público, é

necessário justificar esse ato para evitar que os motivos ou proce-

dimentos de tal ação sejam interpretados erroneamente. Nenhum

funcionário deve se beneficiar pessoalmente da decisão, nem pare-

cer que se beneficie92.

7.3.1.3 Tendo em vista as possibilidades de migração de conteú-

dos disponíveis hoje, e as pressões políticas e práticas para que se

contenham gastos e o crescimento do acervo, a manutenção dos

materiais originais enquanto dure sua vida útil – a despeito das có-

pias que deles tenham sido feitas – depende fundamentalmente da

integridade profissional do arquivo. As possibilidades de pesquisa

e de transferência futuras nunca deveriam ser prejudicadas pela

exclusão ou eliminação prematuras dos originais.

7.3.1.4 A natureza do digital abre perspectivas até hoje inéditas

para que a história seja falsificada, sem deixar pistas, através da

manipulação de sons e de imagens. Esse tipo de ação, que agride

a fibra mais íntima da atividade do arquivista, é intolerável. Os

arquivos devem tomar medidas preventivas com relação a isso e,

em particular, sensibilizar a atenção de suas equipes para evitar

esse tipo de ação.

9 1 . “ L o n g e d e s e re m t e s t e m u n h a s i m p e re c í v e i s d o p a s s a d o , o s a rq u i v o s d e m o n s t r a m c e r t a f r a g i l i d a d e , e s t a n d o p e r p e t u a m e n t e s u j e i t o s a o j u í z o d a s o c i e d a d e n o s e i o d a q u a l e x i s t e m . N e m t e m p o r a l n e m a b s o l u t a , a m e n s a g e m q u e v e i c u l a m p o d e s e r m a n i p u l a d a , m a l i n t e r p re t a d a o u s u p r i m i d a ( . . . ) o s a rq u i v o s d o p a s s a d o s ã o t a m b é m a s c r i a ç õ e s m u t á v e i s d o p re s e n t e ” . J u d i t h M . P a n i t c h , “ L i b e r t y, e q u a l i t y, p o s t e r i t y ? S o m e a rc h i v a l l e s s o n s f ro m t h e c a s e o f t h e F re n c h re v o l u t i o n ” ( A m e r i c a n A rc h i v i s t , v. 5 9 , i n v e r n o 1 9 9 6 , p . 4 7 ) .

9 2 . U m a b a s e d e d a d o s d e a c e s s o p ú b l i c o n a q u a l f i g u re m t o d o s o s d o c u m e n t o s e x c l u í d o s o u s u s c e t í v e i s d e e x c l u s ã o p re s t a r i a u m s e r v i ç o à s i n s t i t u i ç õ e s i n t e re s s a d a s n a a q u i s i ç ã o d e s s e s d o c u m e n t o s , e t a m b é m f a r i a c o m q u e o s a rq u i v o s p e s a s s e m b e m s u a s d e c i s õ e s .

n o C o n g re s s o “ P o l i t i c a l p re s s u re a n d a rc h i v a l re c o rd ” , U n i v e r s i t y o f L i v e r p o o l , L i v e r p o o l ( R e i n o U n i d o ) : j u l h o d e 2 0 0 3 .

Page 94: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 187Ética186 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

7.3.1.5 Em virtude da natureza das indústrias audiovisuais, cole-

cionadores e outros particulares desempenham papel importante

na sobrevivência de materiais audiovisuais, frequentemente através

de meios pouco convencionais. Em função do supremo interesse de

garantir a preservação de materiais preciosos, os arquivos procura-

rão, com a discrição que se impõe, conciliar interesses divergen-

tes surgidos entre depositantes e legítimos titulares dos direitos de

propriedade intelectual ou material. Os arquivos nunca utilizarão

esses materiais à margem do estrito respeito às leis.

7.3.2 Acesso

7.3.2.1 Ainda que sua missão primordial seja a preservação dos

acervos, os arquivos públicos reconhecem ao público o direito de

acesso aos documentos (3.2.6). Na medida de suas possibilidades,

responderão aos pedidos de informação que lhes forem dirigidos

durante pesquisas e tomarão iniciativas para apresentar seus acer-

vos ao usuário, contextualizados, de acordo com as políticas de

acesso fixadas. Respeitarão em todas as circunstâncias, escrupulo-

samente, as prerrogativas dos titulares dos direitos de autor e ou-

tros interesses comerciais.

7.3.2.2Comafinalidadedeeducaropúblicoepermitir-lheacesso

ao acervo, os arquivos devem não apenas restaurar (isto é, diminuir

efeitos de degradação e envelhecimento) mas também reconstituirfil-

mes, programas e registros existentes apenas em versões incompletas,

para torná-los mais facilmente compreensíveis. Isso quer dizer reu-

nir elementos incompletos ou fragmentados provenientes de diversas

origens e combiná-los num todo coerente, o que implica às vezes

emsignificativamanipulaçãodesonseimagensparaqueeventuais

lacunas existentes no original sejam preenchidas. Os materiais assim

reconstituídos são, na verdade, novas obras destinadas ao público con-

temporâneoediferemàsvezessignificativamentedaobraoriginal.

7.3.2.3 As operações de reconstituição devem ser realizadas cons-

cienciosamente por especialistas responsáveis. Objetivos, princípios

e métodos da reconstituição devem ser comunicados publicamente

para que todos entendam seu caráter. Haverá preocupação explí-

cita na redação de relatórios de trabalho com exaustiva documen-

tação sobre as intervenções. A reconstituição não deverá compro-

meter a preservação dos documentos utilizados, que continuarão

guardados e potencialmente acessíveis sob sua forma original.

7.3.2.4 Ao possibilitar o acesso aos acervos, os arquivos, na medida

de suas possibilidades, procurarão fornecer aos usuários informa-

ções contextuais, de forma a ajudá-los a compreender a forma e o

contexto originais da obra, e estimulando-os a utilizar com integri-

dade os materiais fornecidos. Os arquivos não serão cúmplices de

alterações propositais ou da apresentação pública equivocada dos

materiais, seja através da manipulação de seus conteúdos sonoros e

visuais, seja através de qualquer outra forma.

7.3.2.5 Ao conceber e propiciar contextos de apresentação pública,

os arquivos esforçar-se-ão em recriá-los com integridade. Resistirão

a pressões comerciais ou de qualquer outra natureza que procurem

subordinar os critérios, os estilos e os contextos de apresentação a

modismos ou imperativos de circunstância, e se manterão fiéis ao

espírito e à significação original da obra apresentada (5.3)93.

9 3 . I s s o d i z re s p e i t o , s o b re t u d o , à s s a l a s d e c i n e m a d o s a rq u i v o s e e s p a ç o s d e p ro j e ç ã o a t e n d i d o s p o r e l e s e c o l o c a q u e s t õ e s s o b re a re l a ç ã o c o r re t a a l t u r a / l a r g u r a d a i m a g e m , n o r m a s e p a d r õ e s e m m a t é r i a d e p ro j e ç ã o , m a s t a m b é m o u s o d e p u b l i c i d a d e c i n e m a t o g r á f i c a e m ú s i c a a m b i e n t e . S e r i a ú t i l q u e a s f e d e r a ç õ e s e o s d i f e re n t e s a rq u i v o s p re p a r a s s e m d i re t r i z e s a e s s e re s p e i t o . P o r e x e m p l o : e m b o r a u m a p u b l i c i d a d e c i n e m a t o g r á f i c a c o n t e m p o r â n e a p ro j e t a d a n a s a l a d e c i n e m a d e u m a rq u i v o p o s s a g e r a r re c u r s o s ( d e q u e o s a rq u i v o s s e m p re n e c e s s i t a m ) , e l a e s t a r á f o r a d e c o n t e x t o . É u m p o u c o c o m o s e c o l o c á s s e m o s u m l o g o t i p o c o m e rc i a l n a V ê n u s d e M i l o .

Page 95: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 189Ética188 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

7.3.3 Ambiente

7.3.3.1 A cultura de um arquivo, bem como o ambiente que nele

reina, tem consequências sobre a qualidade com que são realizadas

todas as suas funções. Os arquivos devem se esforçar para desenvol-

ver uma cultura interna e um espírito de equipe nos quais se valori-

zem os conhecimentos pessoais, o rigor e a curiosidade intelectuais

e a capacidade de assumir responsabilidades de decisões de cura-

doria. Devem estimular também o desenvolvimento profissional da

equipe e cultivar a memória e a história institucionais.

7.3.3.2 A atividade do arquivo será regida pela precisão, honesti-

dade, questionamento, coerência e transparência. Ninguém contri-

buirá conscientemente para a divulgação de informações inexatas,

falsas ou enganosas, nem deixará sem resposta quaisquer perguntas

pertinentes. As decisões e posições normativas serão expostas por

escrito e de maneira convincente.

7.3.4 Relações

7.3.4.1 Os arquivos compartilharão generosamente seus co-

nhecimentos e experiências para a promoção da profissão, de

forma a contribuir para o desenvolvimento e o enriquecimen-

to dos demais, em espírito de colaboração. Eles reconhecem

que, ajudando-se mutuamente, fazem progredir o conjunto da

profissão. Sempre que possível, facilitarão a informação, o em-

préstimo de materiais de seu próprio acervo, a participação em

projetos conjuntos, o intercâmbio de pessoal e as visitas de co-

legas de outras instituições.

7.3.4.2 Quando autorizados, os arquivos negociarão acordos de

patrocínio, instaurando uma parceria equitativa e benéfica para as

partes. Os acordos serão redigidos por escrito, terão duração limi-

tada, serão compatíveis com a natureza dos arquivos, seu código de

ética e seus objetivos, e lhes trarão benefícios explícitos.

7.4 Ética pessoal

7.4.1 Motivação

7.4.1.1 O campo dos arquivos audiovisuais não é lucrativo. Em

comparação com outras profissões congêneres, ele é pouco desen-

volvido e não oferece grandes oportunidades de promoção, prestí-

gio, segurança e desenvolvimento profissionais. Os que se dedicam

à atividade devem estar motivados por fatores como a afinidade

com os meios audiovisuais e a paixão por sua preservação, valori-

zação e popularização, bem como pela satisfação de se dedicar a

abrir novos caminhos. Devem também ser motivados pelo desejo

de servir à criatividade, projetos e prioridades de terceiros.

7.4.2 Conflitos de interesse

7.4.2.1 A afinidade com o domínio audiovisual pode potencial-

mente gerar conflitos de interesses. Por exemplo, quando um ar-

quivista tem relações financeiras com empresas que fornecem bens

e serviços ao arquivo, quando comercializa materiais para colecio-

nadores, quando pertence a grupos cujos objetivos são conflitantes

Page 96: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 191Ética190 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

com os do arquivo ou quando reúne uma coleção privada pessoal,

de maneira que esses interesses sejam ou pareçam ser inconciliáveis

com as atividades do próprio arquivo. Esses conflitos de interesses

podem ser mal interpretados e prejudicar gravemente a imagem

do arquivo. Quando não houver uma forma aceitável de conciliar

esses interesses, o arquivista deverá sem dúvida abandonar aquelas

atividades ou relações. O bom nome do arquivo se sobrepõe a tudo.

7.4.2.2 Outra possível fonte de conflitos é a assessoria ou avalia-

ção que, prestadas a título pessoal, podem ser interpretadas como

emitidas em caráter oficial. Pelo fato da pessoa estar intimamente

identificada a uma instituição, será difícil a ela escrever, ensinar ou

exprimir-sepublicamenteemseupróprionome;éinevitávelquese

interprete o contrário. Esses conflitos devem ser considerados em

si, e com o objetivo de evitar qualquer percepção errônea. Tam-

bém neste caso, serão privilegiados os interesses do arquivo.

7.4.2.3 As relações pessoais de mútua confiança que os arquivis-

tas estabelecem, por exemplo, com depositantes e colecionado-

res são para eles uma das melhores recompensas e uma de suas

principais obrigações. Tendo em vista que se prestam a abusos,

e que a tendência de alguns é confiar mais nas pessoas do que

na instituição, essas relações devem ser marcadas por honradez

absoluta, lealdade para com a instituição e renúncia a qualquer

proveito pessoal. Sérios problemas podem surgir quando, por

exemplo, alguém oferece presentes a um arquivista, com as me-

lhores intenções, e é necessário não magoar nem ofender quem

oferece. Nesses casos, o arquivista envolvido deverá examinar o

problema com um superior.

7.4.3 Conduta pessoal

7.4.3.1 O desempenho de uma tarefa em escrupulosa conformida-

de a normas profissionais é, em última instância, questão de honra

e probidade pessoais. Atividades como a manipulação cuidado-

sa de materiais do acervo para não danificá-los dependem dessas

qualidades. Se erros e danos não forem comunicados imediata-

mente para que se adotem as providências necessárias, pode acon-

tecer que não sejam descobertos senão anos depois. No desem-

penho de seu trabalho cotidiano, os arquivistas têm acesso a um

volume considerável de informações confidenciais. Isso pode ser,

por exemplo, o conteúdo de uma coleção privada que seu proprie-

tário não deseja ver divulgado ou segredos revelados em registros

orais cujo acesso público é restrito. Tal sigilo deve ser respeitado

sem nenhuma exceção.

7.4.3.3 O arquivista não deverá apropriar-se nem de documentos

nem de outros recursos do acervo com finalidade de uso ou provei-

to pessoal ainda que, na qualidade de servidor da instituição, possa

fazê-lo sem dificuldades. A importância desse ponto deriva tanto

do fato de haver uma infração quanto da mensagem que transmite:

nada justifica que um funcionário goze de acesso privilegiado a

bens de propriedade pública.

7.4.3.4 Os arquivistas audiovisuais reconhecem e assumem res-

ponsabilidades morais em relação aos povos indígenas, garan-

tindo que documentos relativos a eles sejam geridos e acessados

de acordo com modalidades compatíveis com as normas de suas

culturas. A única pessoa capaz de julgar se essas prescrições são

Page 97: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 193Ética192 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

respeitadasé,frequentemente,opróprioarquivista;ésuainte-

gridade pessoal que está em jogo.

7.4.3.5 Enquanto guardiões do patrimônio audiovisual, os arquivis-

tas respeitarão a integridade das obras sob sua guarda e não as mu-

tilarão, nem as censurarão. Não falsearão sua apresentação, nem

limitarão indevidamente o acesso a elas. Não tentarão de nenhuma

maneira falsificar a história ou dificultar o acesso aos registros94.

Eles opor-se-ão às tentativas de outras pessoas nesse sentido. Esfor-

çar-se-ão em conciliar seus gostos pessoais, valores e julgamentos

críticos com a necessidade de proteger e desenvolver de forma res-

ponsável a coleção, de acordo com as políticas estabelecidas95.

7.4.4 Dilemas e desobediência96

7.4.4.1 Não há razão para aceitar doutrinas elaboradas para defen-

der os poderosos e privilegiados ou pensar que somos oprimidos por

leis sociais misteriosas e desconhecidas. Trata-se simplesmente de

decisões adotadas no seio de instituições submetidas à vontade hu-

mana e cuja legitimidade deve ser posta à prova. Se a prova lhes for

desfavorável, podem ser substituídas por outras instituições mais li-

vres e mais justas, como já aconteceu no passado (Noam Chomsky).

7.4.4.2Haveráocasiõesemqueoarquivistapercebaumconflitoen-

tre as instruções que recebe e o que julga ser responsável e ético.

Os exemplos não faltam: censura política (“destrua isso – isso nunca

aconteceu”), pressão econômica (“não podemos nos permitir guardar

todo esse material, faça-o desaparecer”), opções estratégicas, diretri-

zes arbitrárias e carentes de fundamento, acesso difícil ou proibido a

9 4 . E s s a s q u e s t õ e s s ã o f u n d a m e n t a i s e c o m p l e x a s . D e u m l a d o , d e v e - s e re s p e i t a r o l e g í t i m o d i re i t o d o s t i t u l a re s d o s d i re i t o s d e a u t o r e d a s c o m u n i d a d e s ( p o p u l a ç õ e s a u t ó c t o n e s , p o r e x e m p l o ) d e e x e rc e r c o n t ro l e s o b re o a c e s s o à s o b r a s , e s e u u s o d e v e s e r re s p e i t a d o ; p o r o u t ro , a c e n s u r a e o c o n t ro l e d o a c e s s o p o d e m re v e s t i r- s e d e f o r m a s i n s i d i o s a s ( a s e r v i ç o d e o r i e n t a ç õ e s p o l í t i c a s , d e i n t e re s s e s e c o n ô m i c o s e t c . ) P a r a u m a a n á l i s e d e s s a s q u e s t õ e s , v e r o a r t i g o d e R o g e r S m i t h e r, “ D e a l i n g w i t h t h e u n a c c e p t a b l e ” ( F i a f B u l l e t i n , n º 4 5 , o u t u b ro 1 9 9 2 ) .

9 5 . Q u a l q u e r a rq u i v o a u d i o v i s u a l d e a l g u m a i m p o r t â n c i a c o n t é m m a t e r i a i s q u e o f e n d e m p ro v a v e l m e n t e a l g u m a p e s s o a . É q u a s e c e r t o q u e o s a rq u i v i s t a s a u d i o v i s u a i s n ã o c o m p a r t i l h e m v a l o re s , re g r a s m o r a i s e p o n t o s d e v i s t a i n e re n t e s a p e l o m e n o s a l g u n s i t e n s d e s u a c o l e ç ã o . M a s o r a c i s m o , o s e x i s m o , o p a t e r n a l i s m o , a i m o r a l i d a d e , a v i o l ê n c i a , o s e s t e re ó t i p o s e t c . f a z e m p a r t e d a h i s t ó r i a d a h u m a n i d a d e e s e m a n i f e s t a m e m p ro d u t o s d a s o c i e d a d e , e n t re e l e s a s p ro d u ç õ e s a u d i o v i s u a i s . A q u e s t ã o é : p e r m i t i n d o a c e s s o a e s s a s p ro d u ç õ e s , e u e s t o u e n d o s s a n d o – o u p e l o m e n o s d a n d o a i m p re s s ã o d e e s t a r e n d o s s a n d o – o s v a l o re s

materiais “politicamente incorretos” ou “inconvenientes”. Um arqui-

vista pode considerar que uma prática é a tal ponto repreensível, ou

prejudicial à instituição, que se coloque o dever de denunciá-la.

7.4.4.3 Essas decisões constituem um dos dilemas mais árduos com

que pode confrontar-se um arquivista. Ele pode julgar que a melhor

atitude seja colocar numa balança os dois princípios opostos e apli-

car o mais importante (a salvaguarda dos documentos ameaçados

pode, por exemplo, representar o princípio mais importante numa

determinada situação). A situação, porém, pode ser complexa, as

soluções nem sempre claras e a desobediência e a denúncia gerem

graves consequências pessoais que devem ser cuidadosamente pe-

sadas. Além disso, ninguém é imparcial.

7.4.4.4 A resposta não é fácil, mas podemos adotar algumas me-

didas lógicas. Analisar a situação para identificar direitos, motivos

e pressupostos de todas as partes envolvidas pode ajudar a escla-

recer as próprias motivações e prioridades. Obedecer cegamente

e deixar-se levar pela corrente é sempre mais fácil, mas a história

demonstra que isso em geral é um erro. Qual a verdadeira priori-

dade? Quais os interesses pessoais em jogo, inclusive o meu? Estou

enganando ou encobrindo alguém? Sei a resposta correta, mas não

quero enfrentar as consequências?

7.4.4.5 Uma vez analisada a situação, podemos pesar os diferentes

argumentos, nas circunstâncias que lhe são próprias. Mas frequen-

temente é difícil discernir o que a moral reprova e o que tolera, e

pode acontecer de não haver nenhuma saída satisfatória, senão a es-

colha de um mal entre outros, a partir das informações disponíveis.

9 6 . N a r e d a ç ã o d e s t a s e ç ã o , i n s p i r a m o - n o s n o a r t i g o d e Ve r n e H a r r i s , “ K n o w i n g r i g h t f r o m w ro n g : t h e a rc h i v i s t a n d t h e p ro t e c t i o n o f p e o p l e ’s r i g h t s ” ( J a n u s , n º 1 9 9 9 . 1 , p . 3 2 - 3 8 ) .

q u e e l a s v e i c u l a m ? O u e s t o u e n d o s s a n d o o d i re i t o d e a c e s s o a e l a s ? ( v e r n o t a p re c e d e n t e ) .

Page 98: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| 195Ética194 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

7.4.4.6 Confrontar suas conclusões com amigos ou com colegas

merecedores de estima pode ajudar a esclarecer o problema. Eles

terão talvez uma visão mais objetiva da situação e podem enca-

rá-la sob ângulos novos. Talvez surja então uma solução vantajosa

para todos.

7.4.4.7 Por último, ao término dessa série de investigações, é ne-

cessário escutar sua consciência. É difícil confiar na própria ra-

zão ou no instinto quando a situação não nos conforta. É mais

fácil acomodar-se a dúvidas persistentes. Mesmo nesse estágio,

não pode haver certezas. Dois arquivistas, confrontados com um

mesmo dilema, ao considerar os mesmos problemas com o mesmo

rigor, podem chegar a conclusões distintas, ainda que procedendo

com tino e sinceridade. Somos todos seres subjetivos. Devemos

apenas nos fazer as seguintes perguntas: enquanto profissional,

que escolha me será possível aceitar? Qual saída, qual resultado

me parece inaceitável?

7.5 O poder

7.5.1Os arquivistas inclinam-se a considerar que são desprovidos de po-

der, à mercê de autoridades públicas e burocráticas ou de enormes

indústrias cujas decisões estratégicas (tomadas de uma óptica am-

pla mas que não se preocupa com as repercussões na esfera dos

arquivos) constantemente afetam suas tarefas e complicam seu tra-

balho. Entretanto, os arquivistas audiovisuais, como outros profis-

sionais de coleta e conservação, detêm um poder considerável bem

como pesadas responsabilidades para com a sociedade.

7.5.2Eles são os guardiões, os “arcontes” da memória do mundo97. De-

terminam os lugares, as instituições e as estruturas nas quais ela

será conservada; fazemas escolhas cruciais sobre o quedeve ser

ounãopreservado;decidemoprazopeloqualelaserámantidaea

forma sob a qual ela sobreviverá. Eles são os “conservadores” que

velam por seu bem estar e sua perpetuação.

7.5.3Também são eles que determinam o acesso à memória, estabele-

cem suas modalidades de organização e de conservação, definem a

forma e as características do catálogo ou de outros registros que fa-

cilitam o acesso, a ordem de prioridades no quadro desse trabalho

e que escolhem o que deve ser valorizado ou eliminado e a maneira

como a memória se apresenta.

7.5.4A memória reside nos objetos mas também nas pessoas: criadores,

distribuidores, técnicos, empresários, administradores, pesquisado-

res, historiadores e os próprios arquivistas. Eles determinam quais

relatos verbais serão registrados, quais relações serão estabelecidas,

quais informações são importantes.

7.5.5 Nem todo mundo aceitará passivamente a maneira pela qual os

arquivistas e outros profissionais de coleta e conservação exercem

9 7 . “ O s a rq u i v o s n ã o c o n s i s t e m a p e n a s n a s l e m b r a n ç a s , n a m e m ó r i a v i v a , n a a n a m n e s e , m a s t a m b é m n a c o n s i g n a ç ã o , n a i n s c r i ç ã o d e u m t r a ç o q u e c o n d u z a u m l u g a r e x t e r i o r – n ã o h á a rq u i v o s s e m u m l u g a r, i s t o é , s e m e s p a ç o e x t e r i o r. A rq u i v o s n ã o s ã o u m a m e m ó r i a v i v a , m a s u m l u g a r – é p o r i s s o q u e o p o d e r p o l í t i c o d o s a rc o n t e s é t ã o e s s e n c i a l p a r a a d e f i n i ç ã o d e a rq u i v o . A s s i m p o i s a e x t e r i o r i d a d e d o l u g a r é n e c e s s á r i a p a r a q u e s e t e n h a a l g u m a c o i s a p a r a a rq u i v a r ” . J a c q u e s D e r r i d a , “ A rc h i v e f e v e r i n S o u t h A f r i c a ” e m C a ro l y n H a m i l t o n e t a l , R e f i g u r i n g t h e a rc h i v e , C i d a d e d o C a b o : D a v i d P h i l i p , 2 0 0 2 . A p a l a v r a “ a rq u i v o ” v e m d o g re g o a rc h e i o n ( l o c a l d o m a g i s t r a d o o u a rc o n t e ) . O c o n t ro l e q u e o a rc o n t e e x e rc i a s o b re o s re g i s t ro s l e g i t i m a v a s e u p o d e r.

Page 99: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

197196 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

suas prerrogativas. Os nazistas queimaram publicamente os maio-

res livros do mundo e nenhum poder os deteve. Os talibãs propu-

seram-seadestruir amemória culturaldeumanação;apesarde

riscos consideráveis, os arcontes usaram subterfúgios para que não

o conseguissem e foi seu poder que prevaleceu.

7.5.6Em todos os arquivos existem relações de poder a nível interno

e externo e as considerações éticas nem sempre predominam. Os

arquivistas audiovisuais têm diante de si a árdua tarefa de entender

seu poder e de exercê-lo de acordo com princípios éticos, no inte-

resse da sociedade, de seus colegas de profissão e para a preserva-

ção da memória do mundo.

8 | Conclusão

8.1Poucomaisdeumséculoapósosurgimentodoregistrosonoroedofilme

cinematográficoemenosdecemantesdodaradiodifusão,essastecno-

logias desempenham um papel dominante na comunicação, na arte e

no registro da história. As espetaculares mudanças acontecidas no século

XX – guerras, transformações políticas, conquista do espaço e globaliza-

ção–nãoforamapenasregistradas,difundidaseinfluenciadasporessas

tecnologias. Sem estas, aquelas não se teriam produzido. A memória co-

letiva passou do conceito manual para a dimensão tecnológica. Os meios

audiovisuais estão em toda parte: “a todo o momento irrompem todos

os lugares e o mundo inteiro no seio dos lares (...) essa intromissão per-

manente (...) do outro, do estranho, do que está longe, de outra língua”98.

8.2 A segunda edição do presente documento é bastante mais longa

do que a primeira. Os últimos anos foram ricos em mudanças e

9 8 . J a c q u e s D e r r i d a , B e r n a rd S t i e g l e r, É c h o g r a p h i e s d e l a t é l é v i s i o n , P a r i s : G a l i l é e , 1 9 9 6 .

Page 100: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

198 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

aprendizagem. O processo continua porque o empreendimento é

semfim.Hámuitoadescobrirecompartilhar.Talvez,quandouma

outra versão, qualquer que seja, substitua a presente edição, haja

ficadoparatrásumapartedaatualdesigualdadenadistribuiçãode

recursos que afeta os arquivos audiovisuais e a tarefa esteja reparti-

da e apoiada de maneira mais uniforme em todo o mundo.

8.3Poderíamos esperar que a tarefa de preservação da memória au-

diovisual do mundo ocupasse um lugar destacado e dispusesse de

recursos à altura da importância de seu papel na história da huma-

nidade. Nada mais longe da realidade. O número de pessoas que

se encarrega dessa tarefa em todo o mundo chega a menos de 10

mil e talvez esteja abaixo dessa estimativa. Essa pequena comuni-

dade formada por profissionais tenazes e comprometidos, embora

exercendo um trabalho em grande medida desconhecido e carente

de reconhecimento, tem uma responsabilidade imensa. Enquanto

profissionais, ainda que reflitam pouco sobre a questão, os arqui-

vistas audiovisuais do mundo inteiro detêm um poder considerável.

A maneira como o exercem hoje determinará, em grande parte, o

que a posteridade conhecerá sobre nossa época.

“Não duvidem nunca que um pequeno grupo de indiví-

duos pensantes e determinados pode mudar o mundo. Na

verdade, é a única força que pode conseguir isso”99.

9 9 . M a r g a re t h M e a d ( 1 9 0 1 - 1 9 7 8 ) , a n t ro p ó l o g a .

Page 101: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

| Anexos

Page 102: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

203202

Anexo 1| Glossário e índice

acervo paralelo 6.4.9

acesso 3.2.6.6, 7.3.2

Amia Association of Moving

Image Archivists –

Associação de Arquivistas

de Imagens em Movimento

analógico 5.4

arquivo, arquivar 3.2.1

artefato 1.4.4, 5.3.4

Audiovisual 3.2.3.2, 3.3.1.9

- arquivística 3.2.1.4

- arquivista 3.3.4

- arquivo 3.3.3

- catalogação 6.6

- documento 3.3.1.4

- mídia 3.2.2.2

- paradigma 4.4.6

- patrimônio 3.3.2

- radiodifusão 3.2.3.7

- suporte 3.2.2.2, 4.5.7.1, nota 18, 5.3

Avapin Audiovisual Archiving

Philosophy Interest Netword

– Rede de Trabalho de

InteressadosnaFilosofiada

Arquivística Audiovisual – ver

Prefácio

biblioteca 3.2.1.5

CCAAA Co-Ordinating Council of

Audiovisual Archive

Associations – Conselho

Coordenador das

Associações de Arquivos

Audiovisuais

coleção 3.2.4.4, 7.3.1

componente 3.2.2.7

conflito de interesse 7.4.2

constituição 6.3

conteúdo 3.3.1.6, 5.3

descarte 6.3.8

desobediência 7.4

digitalização 1.4.2, 5.4

disco 3.2.2.5

documentação 6.5

documento 3.2.3.3

duplicação 5.2

efeito de inércia 5.2.7

elemento 3.2.2.7

exclusão 6.3.8

federações 1.2.2, 2.6

Fiaf Fédération Internationale

des Archives du Film –

Federação Internacional de

Arquivos de Filmes

Fiat/IFTA International Federation

of Television Archives –

Federação Internacional de

Arquivos de Televisão

filme 3.2.2.3, 3.2.2.5

filosofia 1.1, 1.5

formato 3.2.2.2

fundo 3.2.4.4

Ica International Council of

Archives – Conselho

Internacional de Arquivos

Icom International Council of

Museums – Conselho

Internacional de Museus

Ifla Internationl Federation of

Library Associations

– Federação Internacional

de Associações de Bibliotecas

incorporação 6.3

mídia 3.3.2.7

migração 5.2.1, 6.4.6

museu 3.2.1.5

obra 5.5

obsolescência 1.4.3

Peanuts [Minduim] 4.6.4

persistência retiniana 5.1.3

poder 7.5

princípio da perda 6.3.3

produção nacional 6.3.5

profissões de coleta 2.2

preservação 3.2.6.3

profissão 2.4

reconstituição 7.3.2.2, Anexo 3

registro 3.2.3.4

restauração 7.3.2.2

Seapavaa South East

Asia-Pacific Audio Visual

Archives Association –

Associação de Arquivos

Audiovisuais do Sudeste da

Ásia e do Pacífico

seleção 6.3

som 3.2.3.6

tecnologia 5.3.8

teipe 3.2.2.4

valores 2.3

vídeo 3.2.3.8

Page 103: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

205204

Anexo 2 | Quadro comparativo: arquivos audiovisuais, arquivos generalistas, bibliotecas e museus

Arquivos

audiovisuais

Arquivos

generalistas

Bibliotecas Museus

O que

guardam?

Suportes de

imagem e som,

documentos

e artefatos

relacionados

Seleção de

documentos

antigos em qualquer

formato, em geral

únicos e inéditos

Materiais

publicados,

em qualquer

formato

Objetos, artefatos,

documentos

relacionados

Como o

material é

organizado?

Sistema

estabelecido,

compatível com

formatos,

condições e status

do material

Segundo a ordem

estabelecida

e usada pelos

criadores

Sistema de

classificações

estabelecido (por

exemplo Dewey,

Library

of Congress)

Sistema

estabelecido

compatível com

a natureza e

a condição dos

itens

Quem pode

ter acesso?

Depende da

política definida,

da disponibilidade

de cópias e

limitações

contratuais

Depende da

política da

instituição, da

legislação e das

condições definidas

pelo doador ou

depositante

Depende da

política aplicada,

do público ou

comunidade

atendidos

Depende da

política aplicada,

do público ou

comunidade

atendidos

Como você

acha o que

procura?

Catálogos, listas de

pesquisas, consulta

aos funcionários

Guias de pesquisa,

inventários, outros

documentos

Catálogos, pesquisa

livre nas estantes,

consulta aos

funcionários

Exposições,

consulta aos

funcionários

Como você

acha o que

procura?

Depende da política

estabelecida,

instalações e

tecnologia. No local

ou remoto

Nos locais da

instituição, sob

observação

Nas instalações

da biblioteca

ou (em caso de

empréstimo)

remoto

Nos locais de

exposição

Qual o

objetivo

deles?

Preservação

e acesso ao

patrimônio

audiovisual

Proteção a fundos

de arquivos, de seu

valor testemunhal

e informativo

Preservação e/ou

acesso a

materiais e

informação

Preservação

e acesso a artefatos

e informação

Por que você

os visita?

Pesquisa, educação,

lazer, negócios

Prova de transações

e atos jurídicos,

pesquisa, lazer

Pesquisa,

educação, lazer

Pesquisa,

educação, lazer

Quem

cuida dos

materiais?

Arquivistas

audiovisuais

Arquivistas Bibliotecários Curadores de

museus

Agradecimento: o conceito deste quadro, e uma parte de seu conteúdo foram

adaptados de J. Ellis (ed.) Keeping archives (segunda edição) D.W Thorpe/Australian

Society of Archivists, 1993.

Page 104: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

207206

Anexo 3 | Relatório de reconstituição

A lista de pontos a seguir é um guia que recomendamos para a elaboração de

um relatório de reconstituição que documenta, tanto para o público quanto para

referência interna, o trabalho feito na criação de uma versão reconstituída de um

filme, um programa de rádio ou de televisão ou um registro sonoro.

DefiniçãoUma reconstituição é uma versão nova de um trabalho, realizada para agrupar

elementos fragmentados ou incompletos, a partir de múltiplas fontes, e ordená-los

num todo coerente, algumas vezes com muitas manipulações de imagens e/ou

sons e o uso de artifícios de articulação, com o objetivo específico de acesso e em

geral para apresentações públicas. Ela pode ser muito diferente de quaisquer ver-

sões originais da obra. Como seu alvo é um público contemporâneo, sua eficiência

pode diminuir com o tempo, pois os gostos da audiência mudam, a tecnologia

evolui e/ou novos materiais podem ser encontrados.

Uma reconstituição é diferente de uma restauração, que envolve a remoção de

acréscimo do tempo – como ruídos de superfície, riscos e danos – de uma cópia

de preservação, mas não envolve qualquer forma de manipulação de conteúdo.

A preservação dos elementos originais utilizados na reconstituição deve ser inte-

gral. Eles devem continuar a ser conservados em sua forma original.

ParâmetrosO relatório de reconstituição deve definir os parâmetros do projeto, incluindo

p Propósito e objetivos

p O público alvo e o uso pretendido da versão reconstituída

p Detalhes claros dos elementos originais, incluindo sua natureza, condi-

ção, números de registro e os nomes dos arquivos ou coleções onde

estão conservados

p Detalhes completos das manipulações feitas para a reconstituição

p Informações sobre os detentores de direitos ou das tentativas feitas

para localizá-los

p Identificação do(s) supervisor(es) do projeto

p Quadro temporal – datas de início, fim e etapas significativas

p Créditos completos de todos os participantes e as funções que

desempenharam

p Autorização e aprovação final da direção, conselho ou instância equiva

lente do arquivo.

ProcessoO relatório deve incluir a documentação exata do processo de reconstituição. Isso in-

clui todas as decisões técnicas e artísticas tomadas, pesquisas feitas, julgamentos con-

clusivose sua justificativa.Deveacrescentaroutras informaçõespertinentes,como

referênciasabibliografia,materiaisdepublicidadeeoutroselementosconsultados.

Informação públicaAs exibições públicas ou cópias de distribuição da reconstrução devem ser acom-

panhadas de informações contextuais completas que

p Identifiquem o trabalho como uma reconstituição

p Expliquem quais são as diferenças que tem do original

p Expliquem resumidamente o processo de reconstituição

p Forneçam o contexto histórico

p Informem existência do relatório de reconstituição e incentivem

sua consulta.

Page 105: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

209208

Anexo 4| Bibliogafia selecionada

Baer, N.S. e Snickars, F. (ed.), Rational decision-making in the preservation of cultural

property. Berlim: Dahlem University Press, 2001.

Bradley, Kevin. Guidelines on the production and preservation of digital audio objects. Iasa, 2004.

Cunningham, Adrian. Archival institutions in Michael Piggott et al (ed.), Recordkeeping

in Society. Wagga (Austrália): Charles Stuart University Pres, 2004.

Cherchi Usai, Paolo. The death of cinema: history, cultural memory and the digital dark age.

Londres: British Film Institute 2001.

______. Silent cinema: an introduction. Londres: British Film Institute, 2003.

Coelho, Maria Fernanda Curado. A experiência brasileira na conservação de acervos au-

diovisuais: um estudo de caso. Dissertação de mestrado apresentada à Escola de Co-

municações e Artes/Universidade de São Paulo, 2009.

Derrida, Jacques e Stiegler, Bernard. Ecographies of television. Polity Press 2002.

Edmondson, Ray. National Film and Sound Archive: the quest for identity. Factors shaping

the uneven development of a cultural institution. Tese de doutorado apresentada à Fac-

ulty of Arts and Design/University of Canberra, 2011.

Ellis, J. (ed.). Keeping archives (segunda edição). Melbourne: D.W. Thorpe/Austra-

lian Society of Archivists, 1993.

Fossati, Giovanna. From grain to pixel: The archival life of film in transition. Amsterdã:

Amsterdam University Press, 2009.

Gracy, Karen F. Film preservation: competing definitions of value, use, and practice. Chi-

cago: The Society of American Archivists.

Haig, Matt. Brand failures: The truth about the 100 biggest branding mistakes of all time.

Londres e Sterling (Estados Unidos): Kogan Page, 2003.

Harrison, Helen (ed). Audiovisual archives: a practical reader (CH.97/WS/4), Paris:

Unesco, 1997.

______. Curriculum development for the training of personnel in moving image and recorded

sound archives (PGI.90/WS/9). Paris: Unesco, 1990.

Houston, Penelope. Keepers of the frame: the film archives. Londres: British Film In-

stitute, 1994.

Kofler, Birgit. Legal questions facing audiovisual archives (PGI.91/WS/5). Paris:

Unesco, 1991.

Kula, Sam. Appraising moving images: assessing the archival and monetary value of film and

video records. Lanham (Estados Unidos): The Scarecrow Press, 2003.

National Film and Sound Archive Advisory Committee. Time in our hands. Cam-

berra: Department of Arts, Heritage and Environment, 1985.

Quental, José Luiz de Araújo. A preservação cinematográfica no Brasil e a construção de

uma cinemateca na Belacap: a Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Dis-

sertação de mestrado apresentada ao Instituto de Artes e Comunicação Social/

Universidade Federal Fluminense, 2010.

Smither, Roger e Srowiec, Catherine A. (ed). This film is dangerous: a celebration of

nitrate film. Bruxelas: Fiaf, 2002.

Souza, Carlos Roberto de. A Cinemateca Brasileira e a preservação de filmes no Brasil.

Tese de doutorado apresentada à Escola de Comunicações e Artes/Universidade

de São Paulo, 2009.

Townsend, Robert. Further up the organization. Nova Iorque: Knopf, 1984.

Unesco. Recomendação para a salvaguarda e preservação de imagens em movimento. Adotada

pela Conferência Geral em sua 21ª sessão, Belgrado, 27 de outubro de 1980.

______. Memory of the World: General Guidelines to safeguard documentary heritage (CH-

95/WS-IIrev). Paris, 2002.

______. Memory of the World: Lost memory – libraries and archives destroyed in the twentieth

century (CII-96/WS/I). Paris, 1996.

Page 106: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

211210

Anexo 5 | Mudança e obsolescência de alguns formatos

FormatoFilme Época de produção Status

70mm formato Imax poliéster

anos 1980 -atualidade Em uso

35mm nitrato 1891-1951 Obsoleto

35mm acetato 1910-atualidade Em uso

35mm poliéster 1955-atualidade Em uso

28mm acetato 1912-anos 1920 Obsoleto

22mm acetato c.1912 Obsoleto

17,5mm nitrato 1898-1920 Obsoleto

16mm acetato 1923-atualidade Em declínio

9,5mm acetato 1921-anos 1970 Obsoleto

8,75mm EVR anos 1970 Obsoleto

8mm standard acetato 1932-anos 1970 Obsoleto

8mm Super acetato/poliéster

1965-atualidade Em uso

Áudio analógico – suportes com sulcos Época de produção Status

Cilindro (duplicado ou moldado em cera)

1876-1929 Obsoleto

Cilindro (de gravação em ditafone)

1876-anos 1950 Obsoleto

Disco de sulco grosso (78rpm ou similar)

1888-c.1960 Obsoleto

Disco de transcrição anos 1930-anos 1950 Obsoleto

Disco de laca de gravação

anos 1930-anos 1960 Obsoleto

LP (long playing) vinil microssulco

anos 1950-atualidade Em uso

Áudio analógico – suportes magnéticos Época de produção Status

Fio metálico anos 1930- final anos 1950

Obsoleto

Teipe magnético de rolo 1935-atualidade Em declínio

Cassete compacto anos 1960-atualidade Em declínio

Cartucho anos1960- atualidade

Obsoleto

Page 107: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

212

Áudio – suportes digitais Época de produção StatusDisco compacto (CD) 1980-atualidade Em uso

Rolo de piano (88 notas) 1902-atualidade Em declínio

DAT 1980-atulidade Em declínio

Vídeo Época de produção StatusQuadruplex 2 polegadas 1956-anos 1980 Obsoleto

Philips (1/2 polegada – rolo)

anos 1960 Obsoleto

U-Matic 1971-atualidade Obsoleto

Betamax 1975-anos 1980 Obsoleto

VHS anos 1970-atualidade Em declínio

Betacam 1984-atualidade Em declínio

1 polegada – formatos A, B, C, D

anos 1970-atualidade Obsoleto

Vídeo 8 1984-atualidade Obsoleto

Disco laser analógico anos 1980-atualidade Obsoleto

Disco de vídeo digital (DVD)

1997- Em uso

Disco de vídeo compacto (VCD)

anos 1990- Em declínio

Page 108: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

Esta publicação foi composta na tipogra-

fia Baskerville, corpo 11/17, sobre papel

Polen Bold 80g/m (miolo) e Duo Design

300g/m (capa).

Page 109: ABPA Filosofia e Principios Da Arquivistica Audiovisual

Filosofia e princípios da arquivística audiovisual

Ray Edmondson

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associação brasileira de preservação audiovisualabpa