Acidentes domésticos e de lazer

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Acidentes domsticos e de lazer na infncia uma revisoRUI SOUSA SANTOS*

RESUMO Procede-se a uma reviso dos dados disponveis sobre as causas, a mortalidade e a morbilidade decorrentes de acidentes domsticos e de lazer na infncia, com particular nfase no escalo 0-14 anos. So analisados dados disponveis relativos aos pases integrantes da Unio Europeia e a Portugal. Aborda-se a problemtica da pobreza na sua relao com o aumento de risco e prope-se uma listagem de procedimentos preventivos a abordar com os pais na prtica clnica. Fornecem-se referncias de consulta para recolha de informao.

A SITUAO NA EUROPA EDITORIAISConveno Internacional dos Direitos da Criana afirma que a criana tem direito ao melhor nvel de sade que possa ser atingido, bem como direito a um meio ambiente to seguro quanto possvel1. So muitos os factores que tornam o atingimento deste desiderato muito difcil, ou, por vezes, mesmo impossvel e a pobreza no ser, de todo, o menos relevante. O nvel socio-econmico determinante na qualidade de vida da criana e no grau de segurana que lhe possvel desfrutar, uma vez que pais com parca disponibilidade econmica tm menos acesso informao e muito menor capacidade de escolha da zona de habitao, das caractersticas da casa, dos locais onde os seus filhos brincam e, at, das escolas que frequentam. Mesmo quando o acesso informao possvel, a plena utilizao dessa informao proporcional ao grau de educao e a evoluo tecnolgica torna cada vez mais difcil a compreenso da totalidade das implicaes para a segurana dos mltiplos produtos que, quotidianamente, utilizamos2. A segurana das crianas e dos jovens dever ser, assim, considerada como

A

*Chefe de Servio de Clnica Geral Centro de Sade de Beja

um direito fundamental. Segundo a Organizao Mundial de Sade (OMS)3 morreram em todo o mundo, devido a acidentes das mais diversas origens, cerca de 5.800.000 pessoas, apenas durante o ano de 1998 e esse nmero dever subir, em 2020, para cerca de 8.400.000 pessoas. Na Europa, os acidentes so responsveis por cerca de 200.000 mortes por ano e muito mais pessoas sofrem incapacidades temporrias ou permanentes em consequncia desses acidentes. No escalo etrio 1-14 anos a mortalidade por acidente o dobro da mortalidade por causas oncolgicas e oito vezes superior mortalidade decorrente de patologia respiratria. Significa isto que, em cada semana, morrem, em toda a Unio Europeia, mais 100 crianas por causas, na grande maioria das vezes, evitveis. Um estudo efectuado na Holanda4 mostra que, por cada criana que morre em consequncia de uma acidente domstico ou de lazer, outras 160 crianas so objecto de internamento hospitalar devido a leses traumticas severas e cerca de 2.000 so observadas nos diferentes tipos de servios de urgncia. A estes nmeros impressionantes h que adicionar os muitos milhares observados pelo pediatra ou pelo mdico de famlia em consequncia de ferimentos ou leses de menor importncia (ver Fig. 1). Para alm da morbilidade e da mortalidade relacionadas com os acidentes na infncia e na juventude, h que ter em conta os custos directa e indirectamente delasRev Port Clin Geral 2004;20:215-30

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Figura 1. Fonte: Consumer Safety Institute, 2000decorrentes. Esto em curso estudos para essa quantificao, mas estima-se j que os custos globais relacionados com os acidentes se aproximem dos quatrocentos mil milhes de euros anuais, ou seja, quatro vezes o oramento anual da prpria Unio Europeia5. A todos estes valores crescem ainda os custos dos anos de vida perdidos e os seus reflexos directos e indirectos, para no falarmos das consequncias especficas das mortes ou das incapacidades ao nvel das estruturas familares. As principais causas de morte por acidente so idnticas, no seu conjunto, nos estado membros, apenas variando a distribuio por categorias (ver Fig. 2).

Figura 2. Principais causas de morte por acidente no intencional nas crianas entre os 0 e os 4 anos na UE (Fonte: OMS, 2000)mortalidade de 28,4 (por 100.000 crianas 0-14 anos) no perodo 1971/75 para uma taxa de 8,3 no perodo 1991/95, nmeros a que corresponde uma melhoria dos indicadores de 70,8%, Portugal figura em 15 lugar, conseguindo melhorar os seus indicadores em cerca de 42,8%, passando de uma taxa de 31,1 para cerca 17,8 (Ver Quadro I). Numa anlise das taxas estandartizadas de mortalidade por acidentes/ /100.000 habitantes no escalo 1-14 anos, efectuada pela OMS3 e referente a 1994/95, por tipo de acidente e referente aos 15 pases que, at h pouco, integravam a EU, Portugal ocupa o 15 e ltimo lugar no que respeita aos acidentes rodovirios (8,03) e s intoxicaes (0,55), o 9o lugar no captulo das vtimas de incndios (0,44), o 11o em matria de afogamentos (1,04) e o 13o no que respeita s vtimas de quedas (0,62). Desde 1987 que existe em Portugal um sistema de registo dos acidentes domsticos e de lazer (ADL). At 2000 da responsabilidade do Instituto do Consumidor (IC), com o acrnimo EHLASS (European Home and Leisure Surveillance System) e, desde ento, promovido pelo Observatrio Nacional de Sade (ONSA) sob a designao ADELIA (Acidentes Domsticos E de Lazer Informao Adequada), este

A SITUAO EM PORTUGAL EDITORIAISChalmers e Pless6 estudaram a evoluo da melhoria dos indicadores relativos mortalidade por acidente nas crianas e jovens entre os 0 e os 14 anos em 19 dos 25 pases que actualmente integram a EU (no estudo no foram includos dados relativos aos trs pases blticos, Eslovquia, Eslovnia, a Malta e a Chipre), comparando dados dos quinqunios 1971/75 e 1991/95 e medindo a velocidade da diminuio desses indicadores. Se a Alemanha, o pas europeu com melhores resultados, passou de uma taxa de216Rev Port Clin Geral 2004;20:215-30

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QUADRO I MELHORIA DA MORTALIDADE POR ACIDENTE NA EUROPA (POR 100.000 CRIANAS ENTRE OS 1 E OS 14 ANOS)

Pas Alemanha Holanda Finlndia Noruega Itlia ustria Sucia Dinamarca Reino Unido Sua Blgica Frana Irlanda Grcia Portugal Espanha Polnia Rep. Checa Hungria

Taxa 1971-75 28,4 20,1 24,7 21,6 16,3 23,7 13 19,9 14,3 22,5 20 19,4 17,2 13,5 31,1 13,7 22,5 19,6 16,1

Taxa 1991-95 8,3 6,6 8,2 7,6 6,1 9,3 5,2 8,1 6,1 9,6 9,2 9,1 8,3 7,6 17,8 8,1 13,4 12 10,8

% Melhoria 70,8 67,2 66,8 64,8 62,6 60,8 60,0 59,3 57,3 57,3 54,0 53,0 51,7 43,7 42,8 40,9 40,4 38,8 32,9

Velocidade de Melhoria 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19

Fonte: adaptado de Chalmers and Pless, Injury Prevention, 2001 in ECOSA. Priorities for Child Safety in the European Union: Agenda for Action, Amsterdam, 2001

sistema, baseado nos registos fornecidos por um conjunto de Centros de Sade e de Hospitais distribudos pelo conjunto do territrio nacional e que exclui os acidentes rodovirios, classifica os acidentes segundo a data e hora e local da ocorrncia, o mecanismo da leso, a actividade exercida no momento do acidente, o tipo de leso, a parte do corpo lesada e a descrio do acidente. Os ltimos dados disponveis, relativos ao ano de 2002 apontam para um total de 21.711 ADL registados, dos quais 9.477 (43,6%) respeitam a crianas e jovens entre os 0 e os 14 anos, havendo uma maior frequncia de ocorrncias no escalo de idade igual ou inferior a quatro anos, seguido pelo grupo 10-14 anos (ver Fig. 3) Os locais onde ocorrem os acidentes com mais frequncia so, por ordem decrescente, a habitao, a escola e o meio exterior, sendo o mecanismo da leso mais

frequente a queda (66,7%), seguida pelo atingimento por objecto estranho (15,6%) e a compresso/corte (6,5%) (ver Fig 4). O tipo de leso mais frequente, em cer-

Figura 3. Acidentes domsticos e de lazer em Portugal em 2002 em crianas e jovens entre os 0-14 anosRev Port Clin Geral 2004;20:215-30

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Figura 4. Acidentes em jovens e crianas entre os 0-14 por local de ocorrncia e por grupo etrio (ADELIA 2002)

Figura 5. Distribuio dos acidentes por parte do corpo lesada (ADELIA 2002)ca de 49,7% dos casos a contuso/hematoma, seguida pela leso no especificada (22,2%) e pela ferida aberta em 16,3% das situaes registadas. A parte do corpo mais afectada varia significativamente com a idade, invertendo-se as posies relativas do atingimento da cabea, mais frequente nos mais pequenos e do atingimento dos membros, principal parte afectada nos mais crescidos (ver Fig. 5). bilidade na criana e no jovem, decorrente de causas externas, tem a ver com os acidentes rodovirios. Se bem que no includos em estudos sistemticos como o EHLASS e o ADELIA, merc das suas caractersticas prprias, os acidentes rodovirios respeitam no s os passageiros de veculos motorizados, como tambm os ciclistas e os pees. Assim e embora a preveno rodoviria assuma, nesta rea, o grande protagonismo, papel dos profissionais de sade reforarem, junto dos pais, das crianas e dos jovens, a necessidade de utilizao de capacetes de proteco para ciclistas, de uso de cintos de segurana e de cadeiras seguras e outros dispositivos de reteno nos au-

OS DIFERENTES TIPOS DE ACIDENTES E SUAS CARACTERSTICASACIDENTES RODOVIRIOS

A grande fatia da mortalidade e da mor218Rev Port Clin Geral 2004;20:215-30

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tomveis e autocarros, bem como de obedincia s limitaes de velocidade e s restries circulao. A adopo de limites de velocidade para cerca de 50 km/h no interior das localidades conduziu, s no Reino Unido7, a uma diminuio de cerca de 48% dos acidentes envolvendo crianas e jovens ciclistas e de cerca de 70% nas mortes de pees. As restries de circulao (e.g as bandas sonoras) conduziram a uma diminuio de acidentes de cerca de 60% nos locais onde foram adoptadas e o uso correcto de dispositivos de reteno e cintos de segurana levaram a uma diminuio de cerca de 90 a 95% de leses quando se trata de cadeiras de transporte viradas para trs em relao ao sentido de marcha e de cerca de 60% em cadeiras viradas para o sentido de marcha8. O uso de capacetes de proteco para ciclistas provou uma reduo do risco de traumatismo craneano e de leso cerebral da ordem dos 63 a 78%9

deteco so medidas de eficcia comprovada10, h um conjunto de estratgias a desenvolver tambm tanto pelos profissionais de sade junto de pais e de crianas como pelos organismos e agentes responsveis pela segurana das pessoas: o uso de bias e de braadeiras e o ensino (e a prtica) da natao so de incentivar, mas a importncia da superviso das crianas pelos adultos no pode ser negligenciada, como tambm no pode ser ignorada a necessidade da presena activa de vigilantes e de nadadores-salvadores nas praias, fluviais e martimas.

QUEIMADURASA principal causa de morte por queimadura so os incndios, mas muita da morbilidade tem a ver com queimaduras provocadas por gua fervente ou outros lquidos, por aparelhos de aquecimento ou pelo uso errado de isqueiros e de fsforos. H um relativo predomnio de leses deste tipo no sexo masculino (55%) e as principais vtimas so as crianas com menos de dois anos3. A manipulao de isqueiros ou de fsforos por crianas de menos de cinco anos causa, segundo estudos, cerca de 1.200 incndios por ano em toda a Europa, conduzindo morte de, pelo menos, 19 crianas deste escalo etrio e a leses altamente incapacitantes em, pelo menos, mais duzentas e cinquenta. Tudo isto pela manipulao errada de um produto simples de uso dirio. Ser possvel conseguir uma reduo destas leses atravs da massificao do uso de detectores de incndio, de mecanismos limitadores da temperatura de dispositivos de aquecimento de gua, da utilizao de isqueiros resistentes manipulao por crianas pequenas e do investimento na criao de fibras resistentes s chamas10.

AFOGAMENTOSCerca de 70% das vtimas de afogamento so rapazes e o escalo etrio mais vulnervel o das crianas com idade igual ou menor de quatro anos. Tal faz ainda mais sentido se nos lembrarmos que este tipo de acidente , muitas vezes, totalmente silencioso, apanhando os adultos de surpresa, e que bastam cerca de dois cm de altura de gua para que uma criana possa morrer afogada. Uma vez que a sobrevivncia a uma situao de afogamento depende, em larga medida, da rapidez de socorro a perda de conscincia surge ao fim de dois minutos e as leses cerebrais so irreversveis a partir dos quatro a seis minutos, a preveno primria deste tipo de acidentes determinante. H que ter em conta que o afogamento de uma criana pequena passvel de acontecer numa banheira ou numa simples e banal poa de gua, embora a maioria das situaes acontea, em todas as idades, em piscinas, ribeiros, rios, lagos e, com frequncia, na praia. Se a vedao das piscinas privadas e a instalao de dispositivos de

QUEDASAs quedas, grandes responsveis por um nmero significativo de leses e ferimentos acidentais no fatais, verificam-se tanto entre dois nveis (queda em altura) como no mesmo nvel. No entanto, na crianRev Port Clin Geral 2004;20:215-30

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a, as quedas em altura so mais frequentes enquanto indutoras de leses significativas. H que prestar especial ateno a mesas, cadeiras altas, camas e escadas, no esquecendo, tambm, a importncia de muitos equipamentos de parques infantis. O padro de acidente muito dependente da idade da criana fcil um beb com menos de um ano cair de uma cama sem proteco, mas h que prestar ateno especial a um dispositivo ainda comunmente utilizado, que reponsvel por muitas quedas, em especial de escadas, e por queimaduras trata-se do andarilho ou aranha, que, para alm de retardar o desenvolvimento da marcha na criana pequena, fornece aos pais uma falsa sensao de segurana. H um consenso cada vez mais significativo favorvel proibio da sua utilizao10. As janelas e varandas, em especial a partir do nvel de um segundo andar, so responsveis por grande parte das quedas fatais9. Provaram j a sua eficcia preventiva dispositivos de segurana como as cancelas nas escadas, as grades ou redes em janelas e/ou varandas e a utilizao de materiais absorventes do choque no revestimento de superfcie de parques infantis, ao mesmo tempo em que feita a reviso da altura desejvel dos equipamentos de recreio nesses parques9.

tria de embalagens seguras resistentes manipulao de crianas pequenas, em especial para medicamentos de utilizao comum nestes escales etrios, conduziram a uma significativa descida das situaes de intoxicao medicamentosa nos pases que introduziram a obrigatoriedade da sua utilizao9, e h estudos que apontam para que a eficcia se mantenha para outro tipo de produtos no farmacuticos. A arrumao cuidadosa dos potenciais txicos em locais no acessveis s crianas , tambm, uma medida preventiva de eficcia comprovada. Os alertas continuados e a informao persistente sobre o perigo destes produtos, tanto s crianas como aos adultos, provaram igualmente ser importantes na reduo deste tipo de acidentes10.

ESTRATIFICAO SOCIAL, RENDIMENTO E RISCO DE ACIDENTES NA INFNCIAExiste uma correlao entre baixos rendimentos e um mais baixo nvel de sade no conjunto dos pases desenvolvidos. A origem tnica desempenha, tambm, um papel especfico na maneira como estas desigualdades se acentuam. Embora possa no apresentar a mesma consistncia em relao aos diferentes tipos de acidentes, a desigualdade social da redistribuio de recursos est, em muitos pases, na base de uma ligao directa entre pobreza e risco aumentado11. Este aumento do risco de acidentes na infncia pode exprimir-se de diferentes maneiras: as crianas oriundas de famlias pobres vivem, com maior frequncia, em zonas menos seguras e mais envelhecidas, com maior intensidade de trfego, habitando, muitas vezes, casas que abrem directamente para a via pblica. Brincam, com mais frequncia, na rua e deslocam-se a p para a escola na grande maioria dos casos. Estas famlias, quando tm carro, dispem de viaturas mais antigas, com menos condies e equipamentos de segurana do que as das famlias mais abas-

INTOXICAOQuanto mais pequena a criana , maior o risco de intoxicao acidental. A sua curiosidade e a tentao de levar tudo boca aumentam o risco de forma exponencial. Cerca de 90% destas situaes ocorrem em casa ou nas suas imediaes e os produtos mais frequentemente responsveis pela intoxicao so os detergentes e produtos de limpeza, o lcool, os pesticidas, os medicamentos e os cosmticos. H que ter em conta, nestas situaes, que as crianas, por serem mais pequenas, tm uma taxa de metabolizao mais rpida e uma menor capacidade de neutralizao orgnica ds produtos txicos. Medidas como a adopo obriga220Rev Port Clin Geral 2004;20:215-30

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tadas. As suas casas tm, em geral, menos condies de segurana, com maior probabilidade de incndio, quer pela existncia de mobilirio facilmente consumvel pelas chamas, quer pelo facto de as instalaes elctricas serem mais antigas e menos seguras, quer, ainda, pela maior utilizao de aquecedores que no respeitam as condies mnimas desejveis de segurana. Diferentes estudos citados pela UNICEF12 mostram que, no Reino Unido e no Pas de Gales, as crianas filhas de pais com actividades profissionais essencialmente manuais e indiferenciadas apresentam um risco de morte por acidente trs a quatro vezes maior do que crianas filhas de pais com trabalho diferenciado no manual. Este mesmo estudo demonstrou, tambm, que o risco de uma criana morrer em consequncia de um incndio 16 vezes maior no grupo profissionalmente menos diferenciado quando comparado com o mais diferenciado e que o risco de leses por atropelamento cinco vezes maior. Outro estudo, realizado na Alemanha e citado pela mesma fonte, aponta para um risco de envolvimento em acidentes rodovirios duas vezes maior para as famlias pobres face s famlias com maior grau de rendimentos. Este conjunto de dados assume especial relevncia em Portugal nos tempos actuais, uma vez que, de pas de emigrao (fornecedor de famlias de maior risco aos outros pases europeus) passamos, nos ltimos anos, a pas de imigrao, tanto de populao de origem africana como de imigrantes dos pases do leste europeu. Este conjunto de cidados, com maior grau de vulnerabilidade, exige o reforo das preocupaes nesta rea, acrescidas da necessria perspectiva transcultural.

O PAPEL DOS PAIS E O PAPEL DOS PROFISSIONAIS DE SADEUm inqurito efectuado junto dos pais dos diferentes pases da Unio Europeia, levado a cabo em 200113, permitiu uma

panormica das preocupaes, das crenas e das atitudes mais correntes face preveno de acidentes na infncia. Das suas concluses, ressaltam, como mais importantes, as seguintes: 95% dos pais europeus afirmam tomar medidas para a preveno de acidentes que possam atingir os seus filhos. A principal preocupao dos pais no que respeita a segurana das suas crianas tem a ver com o risco de atropelamento. Este dado est em consonncia com as estatsticas, que demonstram que os acidentes rodovirios so responsveis por mais mortes por acidente na infncia do que qualquer outro tipo de acidente. Quando questionados sobre qual a razo pela qual alguns pais tm dificuldade em proteger os seus filhos de acidentes, a resposta maioritria referiu a impossibilidade de vigiar as crianas em permanncia. A segunda resposta mais frequente apontou como razo a falta de noo da importncia e a falta de informao sobre as causas dos acidentes (ver Fig. 6). A maioria dos pais respondentes ao inqurito manifestam a sua vontade de que os produtos de consumo sejam concebidos com a segurana das crianas como preocupao fundamental e de que aqueles que possam ajudar na preveno dos acidentes na infncia possam ter preos mais baixos, de modo a serem acessveis maioria das pessoas. A famlia e a televiso foram citadas como sendo as fontes primordiais de informao sobre o modo de prevenir os acidentes. A Internet foi citada apenas por 3% dos respondentes (ver Fig. 7). Trs em cada quatro dos pais inquiridos concordam com a afirmao de que a grande maioria das leses por acidente nas crianas pode ser evitada. Dois teros dos pais gostariam de ver um maior investimento dos governos na preveno dos acidentes na infncia (ver Quadro II).Rev Port Clin Geral 2004;20:215-30

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Figura 6. Quais considera serem as principais razes a que se deve a incapacidade de alguns pais para protegerem os filhos de eventuais leses por acidente?

Figura 7. Quais as fontes de informao que conhece ou utiliza para a preveno de leses por acidente que possam afectar o(s) seu(s) filhos(s)?

Que papel reservado aos profissionais de sade na preveno dos acidentes na infncia? Fundamentalmente, o de facilitadores da informao e o de agentes de consciencializao das comunidades. O profissional, tanto ao nvel dos cuidados de sade primrios como na segunda li222Rev Port Clin Geral 2004;20:215-30

nha hospitalar, deve incorporar o fornecimento de informao aos pais sobre qual o tipo de acidentes mais frequentes nas diferentes idades e a maneira de os prevenir (ver Anexo I) no seu arsenal teraputico, utilizando essa informao de modo pr-activo e com um marcado sentido de

QUADRO II

MEDIDAS EFECTIVAS NA REDUO DA MORTALIDADE E MORBILIDADE INFANTIS, POR ACIDENTE, NA EUROPA

Obrigatoriedade de uso de capacete protector para bicicleta Limitao de velocidade nas reas urbanas e nas estradas 1992

Proibio de Barreiras utilizao e /ou Embalagens de Detectores de limitadoras conduo de medicamentos fumo obrigatrios de acesso nas tractores por seguras nas casas piscinas domsticas crianas

Adopo de standards para parques infantis

Existncia de associao para a preveno de acidentes

2001

Obrigatoriedade de uso de cadeiras Obrigatoriedade de uso de cinto de segurana para criana de segurana nos automveis pelas crianas 1994 1994 1996 1975 2001

1999

1972 1952 1962 1976 1988 1994 1984 1990 1997 1993

1994 1999

1997

1992 1992 1999 2000 1990 1993 1977 2000 1981 1993 1989 2000

1998

1998

1994 1990 1995 1999 1973

1996 1997

1999

1995 1992 1988 1981 1959 1983 1995

1994 1974

DOSSIER

Austria Blgica Rep. Checa Dinamarca Frana Alemanha Grcia Hungria Islndia Irlanda Itlia Luxemburgo Holanda Noruega Portugal Espanha Sucia Suia Turquia Reino Unido 1979 1994 1992 1988 1981 1985 1983 1976

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1987

1976 1983 1998

Fonte: Towner E, Towner J. UNICEFs Child Injury League Table. An Analisys of Legislation: More Mixed Messages. 2001

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oportunidade. As diferentes fases do desenvolvimento da criana acarretam riscos diferentes e o alertar dos pais para esses riscos constitui um exemplo perfeito do que podem e devem ser os cuidados antecipatrios em cuidados primrios. Em anexo fornece-se listagem das principais fontes de informao, acessveis a pais e profissionais (ver Anexo II).

Referncias bibliogrficas1. United Nations. Convention of Rights of the Child. New York; 1989. 2. ECOSA, European Child Safety Alliance. Priorities for child safety in the European Union: Agenda for action. Amsterdam; 2001. 3. WHO. Atlas of Mortality in Europe. Geneva: World Health Organization; 1997. 4. Consumer Safety Institute. Deaths and Injuries Due to Accidents and Violence in the Netherlands 1998-1999. Amsterdam: Consumer Safety Institute; 2000. 5. European Consumer Safety Association, Priorities for Consumer Safety in the European Union. Amsterdam; 2001. 6. Chalmers D, Pless B. UNICEFs child injury league tables: a bag of mixed messages. Inj Prev 2001; 7(2):81-2. 7. British Medical Association. Injury prevention. London: British Medical Association; 2001.

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Endereo para correspondncia: Rua Prof. Bento de Jesus Caraa, 28 7800-511 Beja E-mail: [email protected]

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ANEXO I

Recomendaes e pontos a discutir com os pais para a preveno de acidentes domsticos e de lazer na infnciaA listagem no pretende ser exaustiva e deve ser adaptada s realidades sociais (uma criana de etnia cigana tem muito maior risco de se queimar numa fogueira do que uma criana em meio urbano). No esquecer que todos os dias podem surgir novos riscos.

0-6 MESES QUEIMADURAS Verificar temperatura da gua do banho No beber qualquer lquido quente com a criana ao colo Cuidado com aparelhos vaporizadores Se aquecer bibero ou boies de alimentos no micro-ondas ter em ateno que o contedo aquece muito mais do que o continente QUEDAS No deixar o beb sem vigilncia enquanto muda a fralda No interromper a vigilncia para ir buscar uma fralda limpa ou para ir abrir a porta No carrinho pr sempre cinto de segurana Nunca deixar a criana no bero com as grades baixadas. A distncia entre as barras do bero deve ser inferior a 6 cm OBJECTOS PEQUENOS E PONTIAGUDOS A partir dos 4 meses a criana pode levar objectos boca Evitar deixar ao alcance do beb moedas, botes, alfinetes No pr brincos e/ou pulseiras no beb BRINQUEDOS Evitar brinquedos com arestas e pontas Evitar brinquedos com peas pequenas Evitar brinquedos com dimetro menor do que uma moeda de 2 INTOXICAES Nunca usar p de talco na higiene do beb (perigo de aspirao) No trocar embalagens de medicamentos - mant-los sempre na embalagem original Ler sempre as instrues para a administrao de medicamentos ao beb ASFIXIA Ateno a sacos plsticos que possam ficar ao alcance do beb Ateno a eventuais cordes de brinquedos e ao cordo da chupeta (deve ser curto) Evitar a utilizao de colches, travesseiros ou almofadas demasiado fofos O beb deve dormir de barriga para cima AFOGAMENTO Nunca deixar o beb sozinho na banheira, por momentos que seja Ateno s piscinas para bebs o uso de bia/braadeira obrigatrio, mesmo sob a superviso directa de adulto TRANSPORTE EM AUTOMVEL Obrigatrio o uso de cadeira/dispositivo retentor Prefervel o transporte no banco da frente, com cadeira virada para trs se no houver airbag frontal do lado do passageiro ou se o airbag puder ser desactivado.

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ANEXO I (continuao)

6-12 MESES A criana adquire progressiva autonomia, comeando a deslocar-se por iniciativa prpria e a explorar o meio ambiente. foroso que os pais se tentem aperceber do ambiente domstico segundo o plano visual do beb, pondo-se de joelhos e identificando potenciais perigos. Mantm-se a maioria das recomendaes para os 0-6 meses, acrescidas das seguintes. ELECTROCUSSO Proteger todas as tomadas de corrente elctrica, impossibilitando a introduo de objectos Ateno aos fios de ligao impedir que a criana se sinta tentada a pux-los QUEDAS Proteger o acesso a escadas com cancela com fecho Verificar segurana do bero/cama do beb, de tal modo que este seja impedido de cair Utilizar sempre cinto de segurana da cadeira alta do beb Encostar sempre a cadeira alta a uma parede TRAUMATISMOS Retirar de cima dos mveis tudo o que o beb alcance e se sinta tentado a puxar (ateno especial a toalhas, naperons, etc.) Retirar objectos pesados de cima de mveis de acesso fcil Ateno especial aos fios telefone, aparelhagens, candeeiros, aquecedores Candeeiros de mesa retir-los do alcance do beb QUEIMADURAS Especial ateno quando a criana estiver na cozinha ateno ao fogo e ao forno Os cabos das panelas e as asas dos tachos devem estar fora do alcance do beb Ateno redobrada s bebidas quentes - grande a tentao de deitar a mo chvena... Aquecedores, em especial a gs ou elctricos de barras incandescentes: nunca os ter ligados na mesma dependncia em que est o beb, sem acesso protegido Ateno ao ferro elctrico quente deixado, por momentos, em cima da tbua de passar a ferro ANDARILHO OU ARANHA Evitar seu o uso atrasa o desenvolvimento da marcha e pode facilitar quedas perigosas 1-3 ANOS A descoberta autnoma dos espaos. No h porta, escada, obstculo que resista.... QUEDAS Muita ateno s janelas e varandas anular o perigo de queda com a utilizao de grades ou redes que impeam a passagem da criana Mudar de stio mveis que possam facilitar, por escalada, o acesso a janelas. Manter fechadas portas e portes de acesso Na banheira aconselhvel a utilizao de tapete anti-derrapante Utilizao de parques infantis sempre sobre superviso de adulto ELECTROCUSSO As fichas, os fios e as tomadas continuam a exercer um grande fascnio toda a ateno pouca CORTES Ateno a facas, tesouras e outros objectos cortantes no podem estar ao alcance da criana

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prefervel a utilizao de loua e copos de material inquebrvel no dia-a-dia da criana Evitar brinquedos com arestas marcadas, potencialmente traumticas ou cortantes Usar talheres no metlicos, de preferncia ASFIXIA Evitar, na medida do possvel, o consumo de rebuados, caramelos e outras goluseimas. Se no conseguir impedir o consumo parta em pequenos pedaos. Ateno aos frutos secos amendoim, avels, etc. Ateno s pastilhas elsticas so de evitar em absoluto. Redobrar de ateno a todo o tipo de pequenos objectos ou peas de brinquedos com dimetro inferior ao de uma moeda de 2 - no devem estar ao alcane da criana Partir os alimentos em pequenos pedaos Evitar a manipulao de bales vazios AFOGAMENTO Ateno s piscinas mesmo as insuflveis so potencialmente perigosas. A criana nunca deve tomar banho na piscina sem braadeiras insuflveis Nunca deixar utilizar piscina sem a superviso de um adulto. Ensinar a nadar precocemente, sempre que possvel No deixar a criana sozinha na banheira perigo de queda e de perda de conhecimento QUEIMADURAS No deixar ao alcance da criana fsforos ou isqueiros Nunca permitir, mesmo sob superviso, a manipulao destes objectos pelas crianas Ateno ao fogo e ao forno No consumir bebidas quentes com a criana ao colo No fumar junto da criana muito menos pegar nela ao colo quando se segura na mo um cigarro aceso INTOXICAES Produros de limpeza, pesticidas e medicamentos guardados em local prprio, fechado chave e fora do alcance fcil da criana Ateno a lquidos corrosivos eventualmente guardados em garrafas de plstico semelhantes s de gua Deitar fora, com as devidas precaues, medicamentos fora de prazo Nunca mudar medicamentos de embalagem Nunca dizer criana que o remdio bom e docinho... No deixar bebidas alcolicas ao alcance das crianas Em caso de dvida ligar de imediato para o Centro de Intoxicaes prefervel pecar por excesso OUTRAS POTENCIAIS CAUSAS Ateno s armas de fogo nunca as deixar ao alcance das crianas, mesmo que haja a certeza de que esto descarregadas No deixar a tbua de passar a ferro aberta em local onde a criana circule sem superviso No deixar uma criana, qualquer que seja a sua idade, manipular uma arma de fogo, mesmo que sob a superviso de adulto Nas festas populares manter fogo de artifcio, bombinhas e outro material do mesmo tipo fora do alcance das crianas e no permitir, sob nenhum pretexto, a sua manipulao Animais domsticos-evitar a excessiva manipulao do animal pela criana, pois pode levar a comportamentos agressivos do animal NO AUTOMVEL Utilizar sempre cinto de segurana e dispositivos de reteno

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ANEXO I (continuao)

Nunca levar a criana com mais de uma ano no banco da frente Nunca levar a criana ao colo, sob qualquer pretexto Dar o exemplo activo da utilizao do cinto de segurana 3-6 ANOS Todas as precaues anteriores mantm a validade NA RUA No permitir que a criana v sozinha para a rua sem superviso Ensinar a necessidade de utilizao do passeio para pees Ensinar a necessidade de utilizao de passadeiras A BRINCAR No permitir que a criana brinque em espaos exteriores escola ou casa sem a superviso de adultos Impedir a utilizao, como rea de jogo ou de brincadeira, de locais de obras ou de escavaes a criana no resiste tentao de explorar Se andar de bicicleta utilizar um tamanho adequado altura da criana No permitir a utilizao de triciclo, trotineta ou bicicleta em locais onde haja trfego automvel Se ander de bicicleta utilizar capacete de proteco DEPOIS DOS SEIS ANOS Cuidados com a circulao na via pblica Uso de capacete de proteco quando utilizar bicicleta Uso de capacete de proteco, cotoveleiras e joelheiras se andar de skate Utilizar cinto de segurana e dispositivos de reteno no automvel No circular no banco da frente do automvel se tem menos de 12 anos ou altura inferior a 140 cm Piscinas e praia sempre sob superviso de adultos, com bia ou braadeiras insuflveis se no souber nadar Evitar, na medida do possvel, as lutas fsicas caractersticas da idade Trabalhar, conjuntamente com a criana, a noo de risco

ANEXO II

Algumas fontes de informao, para pais e profissionais de sade, disponveis na Internet http://www.tylenol.com.br/vidadecrianca/content/checklist/default.asp http://www.terravista.pt/Mussulo/4951/dica/preven.htm http://www.apsi.org.pt/ http://www.oivo-crioc.org/fr/ http://europa.eu.int/comm/health/ph_projects/injury_project_full_listing_en.htm http://www.cc.uoa.gr/health/socmed/hygien/cerepri/home.htm http://www.bish.tv/iscaip/ http://www.safekids.org/index.cfm http://www.hospvirt.org.br/enfermagem/port/acidente.htm http://www.redeplus.com.br/prevencao.htm http://www.rospa.com/CMS/index.asp http://www.who.int/violence_injury_prevention/resources/res32/en/ http://www.ecosa.org

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