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Almanaques_especial111

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Ela foi a trilha sonora de um momento de ebulição cultural, política e social. Mais do que uma simples mistura entre samba e jazz, uma nova batida ou um jeito diferente de cantar, a Bossa, que completa 50 anos, é e para sempre será Nova. ESPECIAL Arte: Guilherme Resende 20

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batida de violão da Bossa Nova e o canto conti-do, hoje, nos parecem muito naturais. Mas em meados da década de 1950, nas nossas paradas musicais o que retumbava era a grandilo-

qüência e a dramaticidade. “Quem matou nosso amor foi a superstição”, entoava o

pernambucano Orlando Dias a plenos pul-mões em um bolero de 1955. Depois da gravação de Chega de Saudade por João Gilberto, em 10 de julho de 1958, o Bra-sil se viu perplexo diante de cantores de “voz pequena”, que versavam sobre amor, sorriso, fl or, abraços e beijinhos e carinhos sem ter fi m. Some-se a um jeito de tocar violão diferente de tudo que havia até então, e tinha-se “uma pernada na era boleral”, como es-creveu mais tarde o maestro Rogério Duprat. A Bossa

Nova pegou de surpresa os músicos, os profi ssionais da indústria fonográfi ca, enfi m, toda a gente.

Mas houve quem não tivesse assimilado a novidade.Quando ouviu o compacto de João, o gerente de

vendas das Lojas Assumpção, em São Paulo, achou que o cantor estava resfriado. Es-

traçalhou o disco na quina da mesa, berrando: “Então, é esta a merda

que o Rio nos manda?”. Teve gente da velha guarda

que também

não simpatizou nem um pouco com a novidade.O veterano Sílvio Caldas sentenciou: “É uma manifes-tação passageira, própria dos moços que retratam o es-

pírito de desobediência e má educação da época atual. Vai passar, porque carece da categoria que so-

mente a autenticidade confere às coisas”.A despeito dos prognósticos, a Bossa se es-tabeleceu. Capitaneada por João Gilberto, Tom Jobim e Vinicius de Moraes, a turma ganhou espaço, agregando aliados de toda parte. Entrou na onda até Vicente Celesti-

no, cantor que fi cou célebre por narrar as desventuras de um malfadado ébrio. Além

de gravar Se Todos Fossem Iguais a Você, de Tom e Vinicius, ele soltou a voz tenor em outro

clássico da Bossa, a prosaica O Pato: O pato vinha can-tando alegremente / Qüém, qüém / Quando um marre-co sorridente pediu / Pra entrar também no samba. A publicidade e o jornalismo se apropriaram do termo pAra apelidar tudo que fosse novo ou di-ferente: era “presidente bossa-nova” pra lá, “Fla-Flu bossa-nova” pra cá... Até “geladei-ra bossa-nova” se vendia.Neste Especial, relembramos os persona-gens e as histórias desse gênero mu-sical brasileiro que tomou de assalto o País e ganhou o mundo.

ESPECIAL

Ela foi a trilha sonora de um momento de ebulição

cultural, política e social. Mais do que uma simples mistura entre samba e jazz, uma

nova batida ou um jeito diferente de cantar, a Bossa, que completa 50 anos, é e para sempre será Nova.

Arte: Guilherme Resende

Bossa sempre Nova

A

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Até aquele encontro

Já consagrado como poe-ta, teve um ano de vacas

magras em 1951. Pra se virar, descolou um trabalho no Última Hora. Além de uma crônica diária, escrevia críticas de cinema e aconselhava leitoras no “cor-reio sentimental”. Dois anos depois, dei-xou as atividades no jornal para seguir a carreira diplomática na embaixada brasi-leira em Paris. Foi na França que escreveu Orfeu da Conceição. De volta ao Brasil, em 1956, precisava de um compositor “moderno” para musicar a peça. O escolhido foi Antonio Carlos Jobim. Nascia assim uma das parcerias mais frutíferas da nossa música. Depois de uma bem-sucedida tem-porada de Orfeu, Vinicius preparava-se para vol-tar a Paris. Mas adiou a ida em alguns dias para escrever a letra de uma música nova de Tom...

Juazeiro, Bahia, 1948. João tinha 17 anos quando dei-xou os estudos de lado para

se dedicar à musica. A cidade era peque-na demais para ele. Foi para Salvador. Em 1950, foi convidado a integrar o conjunto vocal Garotos da Lua, no Rio. Mas João queria mesmo era iniciar a carreira solo. Gravou em 1952 um compacto em que soava demais como Orlando Silva, can-tor romântico que admirava. O disco foi um fracasso. João gravou ainda alguns

jingles, tocou em festas e espetáculos teatrais, mas estava infeliz. Sem rumo

e sem dinheiro, foi acolhido pelo gaúcho Luís Telles, que o levou

a Porto Alegre em 1955. Pas-sou ainda por Diamantina, Juazeiro e Salvador. Nes-se período, de forma ob-sessiva, desenvolveu um jeito próprio de cantar e tocar violão. De volta ao Rio em 1957, foi ao apartamento de Roberto

Menescal mostrar o que havia criado. Professor de

violão, Menescal teve uma epifania, assim como todos a

quem apresentou João. Foi esca-lado por Tom Jobim para tocar vio-

lão no disco de Elizeth Cardoso...Ele tinha apenas 22 anos quando casou,

em 1949. Tocando piano na noite carioca, garantia ao menos uns trocados para sustentar a fa-mília. Três anos depois, conseguiu um bom emprego: arranjador da gravadora Continental. O novo trabalho lhe estimulou a compor. Em 1954, escreveu com Billy Blanco Sinfonia do Rio de Janeiro – obra-prima da mú-sica brasileira, mas um fracasso de vendas. O sucesso veio mesmo com Teresa da Praia, outra parceria com

Apesar de histórico, Canção do Amor Demais, disco de Elizeth que

contém a primeira gravação de Chega de Saudade (a tal parceria de Tom e Vinicius), mal

foi notado depois de seu lançamento, em maio de 1958. O País só se deu conta de quanto a canção era

revolucionária quando o próprio João a registrou em compacto, a seu modo, dois meses depois. A gravação foi conturbada: o perfeccionismo de João gerou con-flitos com Tom, autor do arranjo, e a orquestra. Mas, enfim, o disco saiu. Causou um frenesi sem pre-

cedentes na nossa música popular. Entre a le-tra de Vinicius, a música de Tom e a voz e

violão de João aflorou a Bossa Nova. E nunca mais o Brasil soou

do mesmo jeito.

Vinicius de MoraesJoão Gilberto

Tom Jobim

CHEGA DE SAUDADE

Blanco, gravada em dueto por Dick Farney e Lúcio Alves. Seu nome como compositor começou a se propagar. Impressionado pela batida de violão que um certo baiaNo lhe mostrou em 1958, Tom tirou da gaveta uma canção que havia escrito com Vinicius. Acredi-tava que poderia caber como uma luva no novo ritmo criado por João...

A quantas

andavam Vinicius,

Tom e João antes

do encontro que

deu a largada

para a revolução

da Bossa Nova.

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oão Gilberto, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Luiz Bonfá, Ronaldo Bôscoli, Newton

Mendonça, Nara Leão, Tito Madi, João Donato, Johnny Alf, Sergio Mendes,

Agostinho dos Santos, Dolores Duran, Maysa, Sylvia Telles, Baden Powell, Luiz Eça. A lista dos que contribuí-ram para a gênese e a difusão da Bossa Nova poderia ocupar o ALMANAQUE in-teiro. Seja no apartamento de Nara, no Beco das Garrafas ou no Carnegie Hall, em Nova Iorque, essas fi guras propa-

garam melodias, letras e harmonias em que está contida a esperança de um País

moderno e promissor, o mesmo da arquite-tura de Oscar Niemeyer em Brasília e dos pés

de Garrincha e Pelé na Copa do Mundo de 1958. Mas teriam tantos nomes outras ligações?

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m cantinho, um... acordeão? Não fosse o violão de João Gilberto, talvez

começasse assim a letra de Corcovado, de Tom Jobim. Exagero? Na década de 1950, o verdadeiro rei da sanfona chamava-se Mário Mascarenhas. Gaúcho radicado no Rio, fabricava milhares desses instrumentos e coordenava escolas espalhadas pelo País. Muitos fi lhos de famílias cariocas – boa parte deles a contragosto – estuda-ram com Mascarenhas. Entre os formandos de 1957 estavam fi guras como Edu Lobo, Eumir Deodato, Francis Hime e Marcos Valle. A sanfona rei-nava soberana na nossa música popular. Mas os rapazes queriam mesmo era tocar o violão que ouviam em canções estrangeiras.Antes do lanCamento ofi cial de Chega de Sau-dade, em 1958, já começavam a circular timida-mente na zona sul do Rio fi tas de rolo com a grava-ção. Foi a estocada derradeira na sanfona. De sinônimo de vadiagem, o violão virou objeto de desejo e presença constante nas festinhas. Mais do que saber tocar o ins-trumento, o máximo era aprender aquela batida. Quem lucrou com isso foi Carlos Lyra e Roberto Menescal, sócios desde 1956 em uma escola de violão. Tom Jobim, pianista, viu-se obrigado a empunhar o pinho em suas primeiras incursões nos Estados Unidos, por exemplo. Se, até hoje, o violão é um instrumento indissociável da música popular brasileira, a verdade é que isso muito se deve à Bossa Nova.

O VIOLÃO

Elizeth Cardoso Cantora carioca cujo disco de 1958 contém a primeira gravação de Chega de Saudade, acompanhada pelo violão de...

João Gilberto Violonista e cantor baiano, inventor da batida da Bossa Nova. Em 1960, ele se casou com...

Astrud Gilberto Cantora baiana, uma das intérpretes femininas mais populares da Bossa Nova, assim como...

Dick Farney Cantor carioca popular nas décadas de 1940 e 1950 e admirado pelos futuros bossa-novistas, mantinha

uma suposta rivalidade com...

Lúcio AlvesCantor mineiro. As animosidades

cessaram quando ele gravou com Farney em 1954 Teresa da Praia, composição de Tom Jobim com...

Billy BlancoO compositor paraense foi um

dos primeiros parceiros de Tom Jobim, assim como...

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TURMA BOSSA-NOVA

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Seis discos que não conseguimos deixar de ouvir

Chega de Saudade (1959), LP de estréia de João Gilberto. Além da música título, clássicos como Desafi nado.

A ESCOLHA DO ALMANAQUE

The Composer of Desafi nado Plays (1963), disco de Tom Jobim pela gravadora norte-americana Verve.

Getz/Gilberto (1964), encontro de João eStan Getz com participações de Tom Jobim e Astrud Gilberto.

Nara (1964), estréia em LP de Nara Leão, que acabava de romper com o movimento.

Milton Banana Trio (1965), do grupo liderado pelo grande baterista da Bossa.

Sinatra-Jobim Sessions (1979), compilação que reúne gravações de 1967 a 1971.

The Composer of Getz/Gilberto (1964), Getz/Gilberto (1964), Getz/Gilberto

(1964), estréia

J

É

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A Bossa renova

Charlie Brown Austin Powers

Nara Leão Cantora capixaba, em cujo apartamento se deram os primeiros encontros do movimento. Desejada por muitos, fi cou noiva de...

Ronaldo Bôscoli Compositor e jornalista carioca, autor de Lobo Bobo e Saudade Fez um Samba, que se apaixonou por...

Maysa Cantora paulista. Em 1961, gravou o disco Barquinho, cuja faixa-título é composiçãode Bôscoli com...

Roberto Menescal Com

positor carioca, entusiasta da pesca de m

ergulho e sócio de uma escola

de violão junto a...

Agostinho dos SantosCantor paulista que, em 1957,

gravou Chove Lá Fora, primeiro grande sucesso de...

Tito MadiCantor e compositor paulista que, em

disco de 1974, gravou Até Quem Sabe, composição de...

João DonatoCompositor e instrumentista acreano que,

na adolescência, fazia parte do fã-clube que reunia afi cionados por Frank Sinatra e...

quase um paradoxo: a Bossa Nova com-pleta 50 anos e ainda é tradução de mo-

dernidade. Sua infl uência se estende aos mais diferentes campos, aos mais longínquos can-tos do mundo. O mesmo ritmo que fez fi guras como Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilber-to Gil despertarem para a música inspira até hoje gente de Tóquio, São Paulo, Paris, Nova Iorque, Juazeiro.O gênero é quase sinônimo de música brasilei-ra no exterior. Frank Sinatra, Ella Fitzgerald,

Quincy Jones, Sarah Vaughan e Stan Getz são alguns dos artistas estrangeiros que se dedica-ram apaixonadamente a esse ritmo tão original. Garota de Ipanema, de Tom e Vinicius, é uma das canções mais tocadas no mundo, perdendo apenas para os Beatles – “Pois é, mas eles são quatro e cantam em inglês”, brincou Tom.E a Bossa Nova não dá o menor sinal de cansa-ço. Seja associada a batidas eletrônicas, relida por novos intérpretes ou diLuída entre outros gêneros. Ela sempre se renova.

Maysa - cantora paulista. Em 1961, gravou o disco Barquinho, cuja faixa-título é composição de Bôscoli com...

Carlos Lyra Compositor e cantor

carioca que, em seu prim

eiro disco de 1959, gravou Rapaz de Bem

, escrita por...

Johhny Alf Compositor e cantor

carioca que, no início da década de 1960, se apresentava no Bottle’s Bar, assim

como...

Mais do que se ater à produção musical, a exposição celebra a modernidade e a sofi sticação da Bossa Nova em um projeto múltiplo, que envolve moda, história, arquitetura, vídeo e artes visuais. Entre os curadores do projeto estão o estilista Ronaldo Fraga, o músico e pesquisador Charles Gavin, o diretor de tevê Fernando Faro e o jornalista Walter Garcia. De 15/7 a 24/8, no Pavilhão da Bienal de São Paulo (Parque Ibirapuera).

O QUETEM A VER

Sergio Mendes Instrum

entista niteroiense que, em

1962, participou do fam

oso show da Bossa N

ova no Carnegie H

all, juntamente com

...

Para Ler Chega de Saudade: A história e as histórias da Bossa Nova, de Ruy Castro (Companhia das Letras, 1990).

Bossa 5̀0

É

A trilha dos fi lmes

inclui Bossa Nova.Eram

loucos pela Bossa Nova.

Frank Sinatra Mané Garrincha

Cantaram Garota de Ipanema.

Ultraje a Rigor Madonna

Fizeram breves

incursões pelo

gênero.

Cauby Peixoto Elvis Presley

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