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Jos AFonso da Silva Professor Titular aposentado da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo, onde tambm foi responsvel pelo Curso de Direito Urbanstico em Ps-Graduao. Procurador do Estado de So Paulo aposentado, alm de ter sido Professor LivreDocente de Direito Financeiro, de Processo Civil e de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da UFMG. membro do Instituto dos Advogados do Brasil, do Instituto dos Advogados do Par e do Instituto Iberoamericano de Derecho Constitucional (cuja Seo Brasileira organizou e preside); do Instituto de Derecho Poltico y Constitucional da Faculdade de Cincia Jurdicas e Sociais da Universidade Nacional de La Plata (Argentina) e membro correspondente do Instituto de Derecho Parlamentario del Senado de la Nacin Argentina e da Academa Nacional de Derecho de Crdoba (Argentina). Publicou vrias obras, dentre as quais se destacam: Recurso Extraordinrio no Direito Processual Brasileiro; Ao Popular Constitucional; Oramento-Programa no Brasil; Do Recurso Adesivo no Processo Civil Brasileiro; Execuo Fiscal; O Municipio e a Constituio; Mandado de Injuno e "Habeas Data "; O Prefeito e o Municpio; Principios do Processo de Formao das Leis no Direito Constitucional; Sistema Tributrio Nacional; Tributos e Normas de Politica Fiscal na Constituio; alm de inmeros artigos, pareceres e colaboraes em revistas especializadas, sobre temas de Direito Constitucional, Administrativo, Municipal, Financeiro, Tributrio e Processual Civil. Alm do j clssico Curso de Direito Constitucional Positivo (15 ed., 1998), autor, tambm, do Direito Urbanistico Brasileiro (2 ed., 2 tir., 1997), Direito Ambiental Constitucional (2 ed., 2 tir., 1997) e Manual do vereador (4 ed., 1997), publicados por esta Editora. APLICABILIDADE DAS NORMAS CONStItUCIONAIS

MALHEIROS EDITORES jos Afonso da Silva

APLICABILIDADE

DAS NORMAS CONS7'IT'UCIONAIS

3 ediFo, revirta, amjliada e atualiada

:f,:7 L5..-r = MALHEIROS : EDiTORES APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

JOS AFONSO DA SILVA 1 edio, 1967; 2 edio, 7982. ISBN 85-7420-045-X

Direitor rereruador desta edio por MALHEIROS EDITORES LTDA. Rua Paer de Arajo, 29, conjunto 171 CEP 04531-940 - So Paulo - SP Tel : (011) 822-9205 - Fax.' (011) 829-2495

Compario pC Editorial Ltda.

Capa Criao: Vnia Lcia Amato Arte: PC Editorial Ltda.

Impresso no Brasil Printedin Brail 04-1998 Em memria de DORACY DE MARIA DI MUNNO CORRA Ah, minha querida amiga, como diz a .cano sertaneja: "Uma scdade dor que no consola, quanto mais di a gente quer lembrar". (Mouro da Porteira, Raul Torres e Jos Pacifico) SUMRIO INTRODUO COLOCAODOTEMA ..... .......................... .... I - O tema ..... ..................... ................... ll - Limitcs deindagao ............ .. ,............ Ill - Plano da monograEta ................................... N - Referncias bibliogrficas .............................. TruLo I - CONSTITUIO E NORMAS CONSTITUCIONAIS Cnrruco I - SENTIDO E ESTRUTURA DAS CONSTITUIES I - Introduo ............................................. ll - Constituio em sentido sociolgico ...................... Ill - Constituio em scntido poltico ......................... N - Constituieo em scntido jurdico ......................... V - Conccito estrutural de constituio ............ ............. VI - Constituio em sentido formal .......................... VII - Constituio rgida e normas constitucionais.............. Cneiruc.o II - NATUREZA JURDICA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS I - Norznas constitucionais...................................... II - Direito constitucional e constituio ....................... lll - Estrutura lgica e natureza das normas constitucionais ..... IV - Condies de aplicabilidade das nomtas constitucionais .... V -- igncia ........... . . . ..................... . ... VI - "Vacatio constitutionis" ... . ........ ... . ........ VII - Legitimidade ..... . ................ ................ VIII - Eficcia ........ .. ...................... ... Truc.o II - EFIC CIA JURDICA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS Cnrrut.o I - NORMAS CONSTITUCIONAIS QUANTO ,4 EFICCIA I - O problema da eficcia das norxnas constitucionais ......... ll - Normas constitucionais mandatrias e normas constitucionais diretrias Ill - Noimas constitucionais "self-executing" e "not self-executing" ... N - Concepo moderna sobre a eficcia e aplicabilidade das normas constitucionais: o problema terminolgico. . . ..

V - A trplice caracterstica das normas constitucionais quanto eficcia c aplicabilidade ...................... . ... ...... 81 CArrul.o II - NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICCIA PLENA I - Normas de eficcia plena na Constituio ............... 8R II - Caractersticas bsicas 91 Ill - Natureza e conceito........................... 101 N - Condies gerais de aplicabilidadc ................. 101 CnrruLo III - lVORM.4S CONSTITUCIONAIS DE EFICCIA CONTIDA I - Razo desta classificao.. . ...... .. .. ...... 103 II - Caractersticas e enumerao........................... 104 llI - Razo da possibilidade de delimitao dc cficcia dcssas nonnas 114 IV - Natureza e conceito .............................. 116 V - Condics gerais de aplicabilidade ..... ...... 116 CneruLo IV - NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICCIA LIMITADA Seo I -NORMAS CONSTITUCIONAIS DE PRINCPIO I - Probleina terminolgico .. .. ................. II - Classificao das normas constitucionais de princpio ...... .. Ill - Normas constitucionais dc princpio, nonnas constitucionais de princpios gcrais e princpios gerais do dircito constitucional .... Sco II -NORMAS CONSTITUCIONAIS DE PRINCPIO INSTITUTIVO IV - Outra vez o problema tenninolgico ..... . V - Caracterizao e cxemplificao VI - Funo, naturcza e conccito...... VII - Eficcia ....... VIII - Condics gcrais dc aplicabilidade ........... .... .. Seo III - NORMAS CONSTITUCIONAIS DE PRINCPIO PROGRAMTICO IX - Conccito ...... . ......... . ........................ X - Localizao das normas programticas .......... .............. XI - Normas programticas e direitos sociais ...................... XII - Normas programticas e fins da ordem econmica e social ....... XIII - Disposies programticas c princpios constitucionais ..... XIV - Normas programticas no sistema constitucional brasileiro ..... XV - Natureza dos direitos sociais .... . ............... ...... XVI - Juridicidade XVII - Funo e relevncia .. ............. ... .............. XVIII- Normas programticas e rcgime poltico ........... ...... XIX - Nonnas programticas e interprctao do Direito ............... XX - Normas programticas e constitucionalidade das leis ............ XXI - Normas programticas e leis anteriores incompatveis .... .. ..... XXII - Condics gerais de aplicabilidade ............... .... Seo IV - INSTRUMENTOS DA EFICCIA CON S TlTUCIONAL XXIII - Questo de ordem ... .. .............. ...... XXIV - O ad. SQ, 1', da Constituio ...................... XXV - Mandado dc injuno ...................... . ......... ...... XXVI - Inconstitucionalidade por omisso ....... . ............. . . . XXVII- Iniciativa popular........ . ......... . . ............ SUMRIO CAPTULO V - EFICCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS E TUTELA DE SITUA'ES SUBJETIVAS I - Programa II Proteo jurdica dos interesses e direitos subjetivos

lll - Classificao e conceito dc situaes subjetivas IV - Normas constitucionais de eficcia plena c tutela das situaes jurdicas subjetivas V - Normas constitucionais de eficcia contida e proteo das situacs subjetivas VI - Normas constitucionais dc princpio institutivo e tutcla das situaes subjetivas ................................ VII - Normas programticas e tutela das situaes subjetivas ... CneruLo VI - ESTRUTURA NORMATIVA DAS CONSTITUIES E EFIC.4 CIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS I - Estnxtura c clcmentos das constituies ................. II - Eficcia das normas constitucionais orgnicas ... . .. ...... - Eficcia das normas constitucionais limitativas ................... IV - Eficcia das normas constitucionais scio-ideolgicas ....... V - Eficcia das normas de estabilizao constitucional .... .. ...... VI - Eficcia das normas dc aplicabilidadc da constituio .... CnPruLo VII - EFICCIA JURDICA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS E ORDEM JURDICA I - Colocao do tcma ...... .............. II - Constituio c ordemjurdica......................................... Ill - Unidade da ordem jurdica e Estado ficdcral ........ . . IV - Validade fomial e material das nonnas jurdicas.......... V - Eficcia ab-rogativa das normas constitucionais .............. VI - Eficcia construtiva das normas constitucionass............... VI1 - Constituio vientc c nonnas constitucionais anteriores ... TruLo III - .. . APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS E LEIS COMPLEMElVT ARES DA CONSTITUIO CnPruLo I - INTEGRAO DA EFICtl CIA DAS NORMAS CONSTITUCIOllS I I - Aplicao da constituio .... .. ......... ....... I II - Sistema de integrao das normas constitucionais ....... Ill - Leis integrativas das normas constitucionais ............. N - Leis complementares da constituio, conceito e espccies.... i V - Leis complementares no direito constitucional brasileiro .... CAPruc.o II - LEIS COMPLEMENTARES NA CONSTITUI'O FEDERAL I - O termo "lei" na Constituio Federal.......... II - Referncia s leis complementares na Constituio.... . Ill - Normas constitucionais dependentes de leis complementares . N -Naturezajurdica ............ ............... V - Conceito ... ...................... VI - Leis complementares e a Constituio ...... .............. . 245 vii - Leis complementares e leis constitucionais ........... 246 Vm - Leis complementares e leis ordinrias ............ . . ..... 246 IX -Leis complementares e leis delegadas ......... .......... 250 X - Leis complementares e medidas provisrias .... ......... . 251 XI - Processo legislativo das leis complementares ......... .. .. 251 XII - Formao das leis complementares c promulgao das leis por decurso de prazo 256 CONCLUSES ... . .......................... ....... .......... .... 261

BIBLIOGRAFIA ... .......... ..... 265 INTROD U'4 O COLOCAO DO TEMA I- O tema. II- Limites de indagao. III- Plano da monogrnfia. Ili- Referncias bibliogrf cas. I - O tema 1. Esta monografia se prope a estudar a aplicabilidade das normas constitucionais. Aplicabilidade significa qualidade do que aplicvel. No sentido jurdico, diz-se da norma que tem possibilidade de ser aplicada, isto , da norma que tem capacidade de produzir efeitos jurdicos. No se cogita de saber se ela produz efetivamente esses efeitos. Isso j seria uma perspectiva sociolgica, e diz respeito sua eficcia social, enquanto nosso tema se situa no campo da cincia jurdica, no da sociologia jurdica. 2. O tema no tinha sido tratado sistematicamente entre ns antes da 1 edio desta monografia. Fora suscitado apenas em aula do Pro Jos Horcio Meirelles Teixeira (que citamos entre parnteses em diversas passagens da nossa monografia), segundo a fonnulao de Crisafulli consoante se revela com a publicao de seu Curso de direito constitucional, Rio de Janeiro, Forense Universitria, 199 I, organizado a partir de apostilas de suas aulas e atualizado pela Profa. Maria Garcia, pp. 285 e ss. Esta inonografia teve uina repercusso nacional e internacional que nos suipreendeu. Mais surpreendente para ns foi sua intensa utilizao nos tribunais; mas, apesar de sempre inuito citada pela doutrina e jurisprudncia, no provocou inelhores estudos sisteinticos sobre o teina - coino, alis, reconhece Lus Roberto Baizoso,' cuja obra trata de tema diverso, ainda que conexo. Sinceramente espervamos uma produo inais ampla e mais aprofundada da matria, ainda Que alguns textos de boa qualidade tenhain sido produzidos, suscitados, ineQuvoca e confessadamente, pela nossa monografia, tais coino: Rosah Russomano, "Das norinas constitucionais prograinticas", in Paulo Bonavides e outros, As tendncias atuais do direito pblico (homenagem ro Piof. Afonso Arinos), Rio de Janeiro, Forense, 1976, pp. 267-286; Maral Justen Filho,' "Eficcia das normas constitucionais (relendo Jos Afonso da Silva)", Revista do IAP 5/38-71, I981; Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres de Brito, Interpretao e aplicabilidade das normas constitucionais, So Paulo, Saraiva, 1982, com a confessada pretenso de propor "categorizao mais abrangente e com diversa nomenclatura" (p. 21, nota 7); Celso Antnio Bandeira de Mello, "Eficcia das nonnas constitucionais sobre a justia social", tese apresentada IX Conferncia Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Florianpolis, 1982; Luiz Pinto Ferreira, "Eficcia ', verbete na Enciclopdia Saraiva de Direito, v. 30, 1979; Geraldo Ataliba, "Eficcia das nonnas constitucionais e leis complementares, RDP 13/35, 1968; Maria Helena Diniz, Norma constitucional e seus efeitos, 1 e 2 eds., So Paulo, Saraiva, 1989 e I992; Flvia C.

Piovesan, "Constituio e transformao social: a eficcia das normas constitucionais programticas e a concretizao dos direitos e garantias fundainentais", Revista da Procuradoria-Geral do Estado de So Paulo 37/63-74,1992. Todos me honram muito com citaes e referncias elogiosas. O texto de Maral Justen Filho desenvolve crtica nossa obra; pareceu-lhe em primeiro lugar que nosso conceito de eficcia jurdica pennaneceu algo obscuro e intil se no se deterininassem os requisitos da existncia da capacidade de produzir efeitos jurdicos; como no dedicamos ateno a essa matria que, segundo o crtico, nosso conceito de eficcia era algo dbio; o autor props tambm outra classificao das normas constitucionais sob o ponto de vista da eficcia e aplicabilidade, a que faremos referncia em outro lugar. Celso Bastos e Carlos Ayres de Brito, embora reconhecendo merecimento cientfico nossa classificao das normas constitucionais, se propuseram "perlustrar novos caminhos que mais adequadamente iluminassem o tema da aplicabilidade das nonnas constitucionais" (p. 2); especialinente se dedicarain a formular "uma categorizao mais abrangente e com diversa nomenclatura". Ficamos sempre pensando que esse trabalho se ressentiu um pouco de maior pesquisa e meditao, no nos parecendo que a nova nomenclatura tenha corrigido eventual falha da nossa. Mas certamente foi uin texto a mais que, como outros, propicia aos leitores mais uma fonte de reflexo sobre o formoso tema. Manoel Gonalves Ferreira Filho dedica quase todo o seu parecer "O Sistema Financeiro Nacional. Limitao de juros. Comentrios ao ait. I 92", in Direito constitucional econmico, So Paulo, Saraiva,1990, pp. 130-152, a expor nossa doutrina e contestar-lhe a validade. Sintetiza com fdelidade nossa classificao e finalmente observa: "Sein embargo do merecido respeito de que desfiuta o Prof. Jos Afonso da Silva, a sua lio, a propsito da classificao das norinas constitucionais quanto eficcia e aplicabilidade, falha, cientificamente falando. No pode ser seguida". Faz outras observaes desqualificadoras de nossa doutrina, que sero leinbradas nos lugares prprios nesta nova edio de nosso texto. Apenas aqui cuinpre dizer que o ilustre professor e amigo queria sustentar, no referido parecer, a tese de que o 3' do art.192 da Constitu:o de 1988 era de eficcia limitada e de aplicabilidade dependente da lei coinplementar prevista no caput do artigo. Segundo a doutrina sustentada nesta monografia, essa tese seria impossvel, de sorte que o nclito professor, para chegar concluso pretendida, tinha necessariamente que buscar desqualificar a validade de nossa classificao das nonnas constitucionais quanto eficcia e aplicabilidade. Aceit-la seria um obstculo tese pretendida. Outras crticas do professor sero apreciadas no texto na oportunidade devida. Mas, se o tema no tinha sido tratado sistematicamente entre ns, tambin no era novo. A jurisprudncia e a doutrina americanas suscitaram-no, sob o conceito de self executing provisions e not self executing provisions e de mandatory provisions e directory provisions, logo que a Constituio dos Estados Unidos da Amrica do Norte comeou a ser aplicada. Mas essa doutrina, que teve enonne repercusso no Brasil pela pena de Ruy Barbosa e Pontes de Miranda, est hoje superada, e o debate cient ico da matria encontrou na teoria constitucional italiana nova formulao, provocada pelos dissdios suscitados pela aplicao da Constituio de 1948. Essa reelaborao doutrinria, contudo, no havia atingido ainda uma soluo satisfatria, nem esta obra tivera, ento, a veleidade de consegui-la, mas procurara contribuir, com algumas idias originais, para esses estudos, servindo-se, como instrumento de anlise, da Cons-

tituio do Brasil de 1967, depois, na segunda edio, da sua Emenda Constitucional n. l, de 17 de outubro de 1969, e agora se atualiza em face da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, daqui por diante chamada apenas Corzstituio Federal. II - Limites de indagao 3. Nossa pesquisa ter, pois, como fulcro a Constituio, considerada como fonte formal do direito constitucional. Mas no podemos insular as normas constitucionais da ordem social em que se inserem, nem dos precedentes histricos que a infonnam, nem do sistema de valores que visam a realizar. Procuraremos ter sempre em mente a lio segundo a qual "a regra de Direito deve viger para atualizar efetivnmente este ou aquele valor".4 4. Tampouco olvidaremos que no h experinciajurdica em que a fora normativa dos fatos desempenhe to relevante papel colzna atuao do direito constitucional,' muitas vezes a despeito mesmo das normas escritas. paradoxal que as normas supremas da ordem jurdica, o Direito dotado de supremacia e de superlegalidade, sejam as de eficcia menos efetiva e mais sujeitas ao desrespeito e inaplicabilidade. Quantas nonnas constitucionais ficam letra morta! E quantos preceitos da constituio dispem num sentido e a prtica constitucional resolve em outro!6 Tal a fora dos costumes, convenes e usos constitucionais, mesmo nos pases de constituio escrita. Afonso Arinos salienta bem esse aspecto quando afirma que, "nos pases de Constituio escrita como o Brasil, o campo do Direito Constitucional muito mais extenso d que o Direito consignado na Constituio. Assim como no h Constituio verdadeiramente costumeira, tambm no as h verdadeiramente escritas".s 5. A sociologia jurdico-constitucional reala, com vigor, a falta de coincidncia entre a constituio fonnal e a constituio efetiva ou material, pois "uma coisa a constituio vigente, solenemente proInulgad; outra a constituio eficaz, isto , desde logo aplicvel, exigvel, com fora obrigatria; outra, afinal, a constituio aplicada, efetivamente cumprida, aplicada e eflcaz".9 6. Sem desconhecer - e, muito menos, sem desprezar - essas implicaes scio-polticas, no situaremos nosso estudo no campo da sociologia jurdica. Pretendemos circunscrever-nos em os limites da cincia do Direito, examinando a aplicabilidade das normas constitucionais no sentido posto no incio desta introduo. lll - Plano da monografia 7. A problemtica do tema exige sejam colocados e defmidos, como pressupostos prvios, certos conceitos fundamentais da incia i do direito constitucional, como os de constituio, nonnas constitucionais e questes conexas, o que feito no Ttulo I. a Como a aplicabilidade a qualidade do que aplicvel, e a norma constitucional s aplicvel na medida em que capaz de produzir efeitos jurdicos, e nos limites dessa capacidade, o Ttulo II cuidar da questo da eficcia jurdica das normas constitucionais, procurando dilucidar o tema segundo as disposies da Constituio Fe-

deral, basicamente. 9. Descobrir-se-, na anlise procedida no Ttulo II, que existem normas constitucionais de eficcia limitada, cuja aplicabilidade postula uma normao integrativa ulterior. Por isso, o Ttulo III trata dos meios integrativos da eficcia das normas constitucionais, terminando com o estudo das leis complementares da Constituio. 10. Assim, a obra desenvolve-se de conformidade com o plano Ininuciosamente apresentado no sumrio que antecede estas pginas. IV - Referncias bibliogrficas ll. Comporta, finalmente, d:zer duas palavras sobre a u.tilizao da bibliografia. Procuramos fundamentar-nos em trabalhos jurdicos de reconhecido valor. Vez por outra, recorremos a manuais, especialInente de autores estrangeiros, os quais so, no entanto, de inegvel autoridade. Citamos, tam5m, trabalhos menores, como artigos e coInentrios de acrdos, mas s aqueles estritamente vinculados ao tema da monografia. 12. As citaes do texto, quando de autores estrangeiros, foram feitas na verso portuguesa, quase sempre de nossa autoria, quando a obra citada no tenha traduo no vernculo. Nas notas de rodap utilizamos, mais freqentemente, o original. 13. As obras so indicadas nas notas de rodap precedidas do nome do autor quando este j no tenha sido mencionado no texto. Citam-se, alm do autor, o ttulo da obra, seguida da pgina. Osdemais elementos (edio, casa editora e data) constam da bibliografa geral, no fm do volume. Usamos de abreviaturas de praxe (ob. cit.) sempre Que isso no perturbe a imediata identificao da obra. TTULO I CONSTITUI O E NORMAS CONSTITUCIONAIS CAPTULO I SENTIDO E ESTRUTURA DAS CONSTITUIES I - Introduo. II - Constituio em sentido sociolgico. IIIConstituio em sentido poltica. IV- Constituio em sentidojuridico. V- Conceito estrutural de constituio. v1- Constituio em sentidoformal. VII- Constituio rigida e normas constitucionais. I - Introduo l. A constituio, como sistema de nonnas jurdicas, que constituir o objeto nuclear de nossa preocupao, no como nonna pura, desvinculada da realidade social e vazia de contedo axiolgico, mas como uma estrutura, considerada como uma conexo de sentido, o que envolve um conjunto de valores. Pois, como assinala Herman Heller, se se prescinde da nonnalidade social positivamente valorada, a constituio, como mera fonnao normativa de sentido, diz sempre muito pouco. 2. Mas aqui mesmo j se vislumbra um campo de profundas di-

vergncias doutrinrias: em que sentido se deve tomar a constituio: no sociolgico, no poltico ou no jurdico? , Para bem fixar os limites de nossa pesquisa e evitar perspectiva unilateral, mister se faz definamos nossa posio em torno dessa indagao, pois, embora pretendamos examinar a aplicabilidade das norn-as de uma constituio concreta - a Constituio da Repblica Federativa do Brasil -, importa muito saber, para a compreenso da anlise, que sentido lhe damos, e isso s ser conseguido mediante uma perquirio terica e geral do problema. II - Constitaio em sentido sociolgico 3. O direito constitucional manifesta-se rico de influncia da realidade social e poltica. O sociologismo jurdico exacerba essa influncia ftica, concebendo a constituio comofato, antes que como norma. "O conceito sociolgico de constituio" - adverte Garca-Pelayo - " a projeo do sociologismo no campo constitucional".3 4. O sociologismo, nas suas vrias tendncias, expriine uma poslo jurdica que concebe o Direito como fato social, "apresentando-o como simples componente dos fenmenos sociais e suscetvel de ser estudado segundo nexos de causalidade no diversos dos que ordenam os fatos do mundo fsico".4 Para ele, a fonte, a origem da ordem constitucional positiva, deve procurar-se na prpria realidade social, em seus estratos mais profundos. As constituies, assim, no so meros produtos da razo, como diriam os racionalistas; algo inventado ou criado pelo homem, ou por ele deduzido logicainente de certos princ.pios, como pretendem os formalistas em geral. Ao contrrio, so resultados de algo que se encontra em relao concreta e viva com as foras sociais, em determinado lugar e em determinada conjuntura histrica, cabendo ao constituinte, se tanto, apenas reunir e sistematizar esses dados concretos num documento formal, que s teria sentido na medida em que correspoudesse quelas relaes materiais que representam a verdadeira e efetiva constituio.' Ressalvadas as posies particulares, o sociologismo constitucional fundamenta-se nas seguintes afirmaes: a) a constituio primordialmente uma forma de ser, e no de dever-ser; b) a constituio imanncia das situaes e estruturas sociais do presente, que, para uma grande parte do pensamento do sculo XIX - e no somente para Marx -, se identificam com situaes e relaes econmicas; c) a constituio no se sustenta numa norma transcendente, pois a sociedade tem sua prpria "legalidade", que rebelde pura normatividade e no se deixa dominar por ela; o ser tem sua prpria estrutura, da qual emerge ou qual deve adaptar-se o dever-ser; d) enfim, se, no que respeita ao Direito, a concepo racionalista da constituio gira sobre o momento de validez, a concepo sociolgica o faz sobre a vigncia, considerada esta como praticidade e efetividade das normas, na verdade como eficcia social da regra jurdica. 5. Lassalle exmio representante do sociologismo constitucional. Indagando da verdadeira essncia do conceito de constituio, afirma que o conceito jurdico, normativo, apenas diz como se formam as constituies, o que fazem, mas no diz o que uma constituio ; no d critrios para reconhec-la exterior e juridicamente; no nos diz sequer onde est o conceito de toda constituio, a essncia

constitucional. Para ele, constituio de um pais , em essncia, a sorna dos fatores rais do poder que regem nesse pais,s e esses fatores reais dopoder constituem a fora ativa e eficaz que informa todas as leis e instituies jurdicas da sociedade em questo, fazendo com que no possam ser em substncia, mais que tal e como so.9 Os fatores reais do poder convertem-se em fatoresjuridicos quando, observados certos procedimentos, so transportados para "uma folha de papel", recebem expresso escrita; ento, desde esse momento, incorporados a um papel, j no so simples fatores reais de poder, mas transmudam-se em direito, em instituies jurdicas, e quem atentar contra eles atentar contra a lei, e ser castigado. Io Desse modo, segundo Lassalle, relacionam-se as duas constituies de um pas: a real e e Jetiva, formada pela soma dos fatores reais e efetivos que regem na sociedade, e a escrita, a que, para distinguir daquela, ele denomina folha de papel. sta - a constituio escrita - s hoa e durvel quando corresponde constituio real, quela que tem suas razes nos fatores de poder que regem no pnis. Onde a constituio escritn no corresponde real, estala inevitavelmente um conflito que no h maneira de eludir e, cedo ou tarde, a constituio escrita, a "folha de papel", tem necessariamente que sucumbir ante o empuxo da constituio real, das verdadeiras foras vigentes no pas.ll Esse conflito irredutvel importar sempre o desrespeito e o descumprimento da constituio escrita, e somente se resolver se esta for modificada para ajustar-se constituio real, ou, ento, mediante a transformao dos fatores reais do poder. I ' Os problemas constitucionais - afirma Lassalle - no so, primariamente, problemas de direito, mas de poder; a verdadeira constituio a real e efetiva; as constituies escritas no tm valor nem so durveis, seno na medida eIn que do expresso fiel aos fatores de poder imperantes na realidade social.l3 Admite ele, contudo, que a proporo de foras efetivas, que comea sendo mero fato, acaba por converter-se em normas,' mas no aceita a acusao, que se lhe fez, de que professava a teoria de que o Poder deveria antepor-se ao Direito, de que o Poder prevalece sobre o Direito, pois, para ele, o Direito prima sobre o Poder, mas a teoria que estava sustentando no se desenvolvia no plano do dever-ser, mas no plano do que real e verdadeiramente . I A teoria de Lassalle ressalta, inegavelmente, verdades que a experincia constitucional, da poca e de agora, confrma. Charles A. Beard, numa pesquisa sobre os interesses que h por trs da constituio, publicou uma obra em 1913 que causou enorme impacto na literatura constitucional norte-americana.l6 Procede le a uma interpretao econmica da Constituio dos Estados Unidos da Amrica, para demonstrar os interesses econmicos subjacentes a toda forma constitucional e para demonstrar "que inteiramente falso o conceito de que a Constituio uma pea de legislao abstrata, onde no se reflete nenhum interese do grupo e no se reconhece nenhum antagonismo econmico. Pelo contrrio, foi um documento desta ndole, feito com extraordinria destreza por homens que tinham, na balana, seus direitos de propriedade, e que, em razo do mesmo, invocaram, direta e certeiramente, os interesses anlogos do pas em geral".I Nas concluses do seu livro, Beard destaca que est documentadamente comprovado que a Inaior parte dos membros da Conveno de Filadlfia reconhecia que a propriedade tinha direito especial na

Constituio, assim como esta no foi criada "por todo o povo", como afirlriam os juristas, nem tampouco "pelos Estados", como sustentaram, por longo tempo, os que, no Sul, desejavam anul-la. Foi obra de um grupo compacto, cujos interesses no reconheciam fronteiras estaduais e que eram realmente de mbito nacional.ls 7. Laski de certo Inodo participa dessa opinio, quando sustenta que "a Constituio britnica, sob a forma que conhecemos, uma simples expresso, em termos polticos, de um paralelogramo particular de foras econmicas".I9 Alis, noutro trabalho exprime ele a mesma concepo em termos gerais e mais profundos, ao admitir "que cada regime econmico cria, por sua vez, uma ordem poltica que representa os interesses daqueles que dominam o regime, que possuem os instrumentos essenciais do poder econmico".zo Entre ns, Pinto Ferreira observa que evidente a atuao da realidade social (econmica e cultural) sobre os textos constitucionais e que o ideal de constituio est condicionado historicamente, mediante a presso de fatores scio-culturais e espirituais, como tambm da infra-estrutura econmica das sociedades,'I e acha que os "textos legislativos constitucionais so uma fotografia em miniatura da paisagem social. Decalque rigoroso das contradies dialticas da sociedade, que se consubstanciam numa frmula de compromisso e harmonia da sociedade, que a constituio".22 O prprio Ruy Barbosa j dizia que as constituies so conseqi.incias da irresistvel evoluo econmica do mundo.23 &. Sociolgica tambm a concepo marxista da constituio. Para os marxistas, o Estado e o Direito so partes essenciais da superestrutura que se erige sobre as relaes de produo da sociedade dividida em classes. So produto da diviso da sociedade em classes antagnicas e constituem um instrumento nas mos da classe dominnnte dentro do tipo dado de relaes de produo. Qualquer Estado , antes de tudo, a organizao poltica da classe dominante, que garante seus interesses de classe, enquanto todo Direito representa a vontade desta classe, "constituda em lei" e determinada pelas condies da existncia material.24 Guiando-se pelas teses do materialismo histrico, que a aplicao do materialismo dialtico ao estudo da sociedade, a teoria marxista-leninista do Estado e do Direito considera os fenmenos estatais e jurdicos, sobretudo, em sua interconexo com o regime econmico da sociedade dividida em classes. Estuda o Estado e o Direito em seu desenvolvimento, sendo a origem deste nas contradies entre as relaes de produo e o desenvolvimento das foras produtivas, nas contradies entre as classes, na luta entre o novo e o velho, entre os elementos da vida social que nascem e se extinguem. A teoria marxista do Estado e do Direito considera a mudana revolucionria de um tipo histrico de Estado e de Direito, por outro lado, como um fenmeno sujeito a leis, como uma mudana qualitativa ("salto") preparada pelas mudanas quantitativas anteriores, que se sucederam gradualmente. Da se pode concluir que, na concepo marxista, a constituio um produto das relaes de produo e visa a assegurar os interesses da classe dominante, representando a nonna suprema da organizao estatal, determinada pelas condies da existncia material. III - Constitaio em sentido politico 9. No fundo, a concepo poltica da constituio revela certa fa-

ceta do sociologismo, segundo a formulao de Carl Schmitt, que a considera como deciso politicafundamental. Para decantar esse conceito de constituio, Schmitt pesquisou, na literatura poltico-jurdica, todos os sentidos do vocbulo constituio, classificando-os em quatro grupos: a) sentido absoluto; b) sentido relativo; c) sentidopositivo; d) sentido ideal. 10. Em sentido absoluto, a constituio considerada como um todo unitrio, significando: o prprio Estado, o Estado a constituio, a qual a concreta situao de conjunto da unidade politica e ordenno social de um certo Estndo;'6 a forma de governo, modo concreto de supra e subordiriao, forma especial de dominio;' princpio do vir a ser dinmico d unidade poltica, como formao renovada e ereo dessa unidade, a partir de uma fora e energia subjacente ou operante na base;zs finalmente, dever-ser, regulao legal fundamental, isto , um sistema de normas supremas, normas de normas, normao total da vida do Estado, lei das leis. 29 11. Em sentido relativo, a constituio aparece como uma pluralidade de leis particulares; o conceito de constituio fixa-se, aqui, segundo caractersticas externas e acessrias, formais, correspondendo ao conceito de lei constitucional concreta. Nesse caso, tem-se a constituio eIn sentido formal, constituio escrita, igual a uma srie de leis constitucionais, identiflcada com o conceito de constituio rgida.3o 12. Em sentido ideal, a constituio identiflca-se com certo contedo poltico e social, tido como ideal; nesse caso, s existir constituio quando um documento escrito corresponder a certo ideal de organizao poltica, adotando detenninadas ideologias e solues, consideradas como as nicas legtimas. Para o constitucionalismo do sculo passado, esse ideal era o da constituio liberal-democrticn: escrita, rgida, que assegurasse um sistema de garantia da liberdade burguesa e a separao dos Poderes, conforme declarava o art.16 da Declarao dos Direitos do Homem de 1789: "Toda sociedade onde no est assegurada a garantia dos direitos, nem determinada separao dos Poderes, no tem constituio".3i 13. Em sentido positivo, a constituio considerada como decisopoliticafundamental, deciso concreta de conjunto sobre o modo eforma de existncia da unidadepolitica, s sendo possvel um conceito de constituio quando se distinguem constituio e lei constitucional. S entram no conceito de constituio aqueles dispositivos constitucionais de grande relevncia poltica, que dizem respeito prpria existncia poltica concreta da nao: estrutura e rgos do Estado, direitos dos cidados, vida democrtica etc.; os outros, que no contmessa importncia, embora fgurem no texto constitucional, so simples leis constitucionais." Esse, para Schmitt, o nico e verdadeiro conceito de constituio, e a se revela, inequivocamente, um aspecto do sociologismo jurdico-constitucional. Por outro lado, teremos oportunidade de ver que esse um conceito de constituio em sentido material. 14. A constituio em sentido positivo surge atravs de um nto do poder constituinte; nesse sentido, a constituio s contm a determinao consciente da concreta forma de conjunto pela qual se pronuncia ou decide a unidade poltica. A constituio no se d a si mesma, mas dada por uma unidade poltica concreta, anteriormente existente, e ela vale em virtude dessa vontade poltica existencial daquele

(poder constituinte) que a d.33 Nisso se caracterizam o decisionismo e o voluntarismo de Carl Schmitt: constituio como deciso poltica fundamental, vlida somente em razo da vontade do poder que a estabelece.34 Todas as deinais normas so relativas e secundrias diante daquelas decises fundamentais. Salvo estas, todas as demais disposies constitucionais so simples leis constitucionais, cuja validade pressupe uma constituio, pois toda lei, como regulao normativa, inclusive a lei constitucional, necessita, para a sua validade, em ltima instncia, de uma deciso poltica prvia, adotada por um poder ou autoridade politicamente existente. 15. De acordo com esses conceitos de Carl Schmitt, na Carta Magna do Brasil, constituio seriam apenas aqueles dispositivos que contm o que ele chama de deciso poltica fundamental, ou seja, o art. IQ, onde se declara que o Brasil uma Repblica Federativa, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal; o pargrafo nico do art. 1Q, onde se estatui Que todo podei emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, fundamento da democracia representativa e participativa; o art. 2Q, que consagra o princpio da diviso, harmonia e independncia dos Poderes (divis funcional ou horizontal dos Poderes), base da organizao do sistma presidencialista; bem como os arts. 5g,12 e 14, que contm a declarao dos direitos democrticos e fundamentais do homem; os dispositivos bsicos referentes ao Poder Legislativo, ao Poder Executivo e ao Poder Judicirio (arts. 44-125); os arts. 18 a 43 e 145 a 162, sobre organizao federal e repartio de competncias entre as rbitas de governo da Federao (diviso territorial ou vertical dos Poderes). Assim mesmo, entre muitos dos dispositivos mencionados h regras que, no conceito schmittiano, no podero ser consideradas como de constituio. Essas e os demais preceitos de nossa Lei Maior seriam simples leis constitucionais, e foram inscritos nela para ficarem ao abrigo de modificaes pelas leis ordinrias. 16. Em resumo, para Schmitt a essncia da constituio no se acha numa lei, ou norma, mas no fundo ou por detrs de toda normatividade est uma deciso politica do titular do poder constituinte, isto , do povo na democracia, e do monarca na monarquia autntica.3s IV- Constitaio em sentidojuridico 17. Na concepo juridica, que interessa ao jurista como tal, a constituio se apresenta essencialmente como norma juridica, norina fundamental, ou lei fundamental de organizao do Estado e da vida jurdica de um pas. A constituio ser, ento, "um complexo normativo estabelecido de uma s vez, na qual, de uma maneira total, exaustiva e sistemtica, se estabelecem as funes fundamentais do Estado e se regulam os rgos, o mbito de suas competncias e as relaes entre eles. A constituio , pois, um sistema de normas".36 18. Essa concepo nasceu com o constitucionalismo moderno e est vinculada idia de Estado liberal e ao racionalismo, para os quais a atividade jurdica , em maior ou menor gra,z, mero produto da razo, algo deduzido de certos princpios mais ou menos imutveis, capazes de moldar, disciplinar, modificar a realidade social, e a constituio a garantia desses princpios. "Por conseqncia, tudo que assegura esses princpios constitucional e, por conseqncia, tambm, nada tein de constitucional aquilo que no os assegura."3 S seria, pois, constituio aquilo que realizasse o ideal do Estado libe-

ral, traduzido num documento escrito que contivesse a organizao do poder poltico, estruturado segundo a teoria da separao dos Poderes, e uma declarao fonnal dos direitos fndamentais do homein. No se trata, to-s, de uma concepo fonnal, mas de uin conceito ideal de constituio.3s 19. A concepo jurdica da constituio coloca-se em posio antagnica concepo sociolgica. Kelsen levou-a s ltiinas conseQncias. A constituio , ento, considerada como nonna, e nonna pura, ein coerncia com seu normativismo metodolgico, que concebe o Direito apenas como direito positivo, como puro dever-ser, sem qualquer pretenso a fundamentao sociolgica, poltica ou filos ica,39 no que bein claramente se ope aos conceitos sociolgico, poltico e ideal de constituio. Kelsen, porm, no desconhece que na base de todo Direito existein dados sociais, isto , uma realidade social complexa, que o explica e qual ele se destina, e tambm que o Direito inspirado por teorias e princpios filosficos, relacionados com a nonna positiva, mas estes so problemas metajurdicos, segundo diz, e seu estudo no compete ao jurista como tal, mas ao socilogo e ao filsofo. Sua teoria pura do Direito visa a expurgar a cincia jurdica de toda classe de juzo de valor moral ou poltico, social ou .filosfico.4o 20. A palavra constituio tomada por Kelsen em dois seuidos: no lgico juridico e no juridico positivo.4l De acordo com o prneiro, constituio significa a norma fundamental hipottica, cuja funo servir de fundamento lgico transcendental da validade da constituio jurdico-positiva.4' Para manter-se fiel ao seu normativisino puro, Kelsen no pode adinitir como fundamento da constituio positiva algo de real, qualquer dado ou elemento sociolgico, poltico ou filosfico, como a vontade popular, o direito natural ou o bem comum. Foi obrigado a procurar um fundamento tambm nonnativo para a constituio, e, como esta j , por definio, norma positiva suprema, teve que cogitar de uma norma fundamental, nonna hipottica, meramente pensada, que existe apenas como um pressuposto lgico da validade das normas constitucionais positivas, que consistiria num mandamento mais ou menos deste tipo: conduza-se naforma ordenada pelo autor da primeira constituio .43 21. A constituio jurdico positiva, na concepo kelseniana, equivale norma positiva suprema, conjunto de nonnas que regulam a criao de outras normas, lei nacional no seu mais alto grau; ou certo documento solene, conjunto de nonnas jurdicas que somente podem ser alteradas observando-se certas prescries especiais 44 Conceito que bem revela a preocupao normativista da teoria pura do Direito. 22. A teoria de Kelsen teve o mrito de revelar a natureza de dever-ser da norma jurdica, mas caiu no exagero do nonnativismo, que reduz o objeto da cincia jurdica a pouco mais que uma lgica jurdica. Seu formalismo no se compadece eom a experincia jurdica, especialmente no campo do direito constitucional, onde se verifica tanta iniluncia da realidade social, poltica e ideolgica, por sua vez exacerbada pelo sociologismo, conforme j expusemos. V- Conceito estrutural de canstituio 23. Pecam pela unilateralidade as concepes sociolgica, poltica e normativa pura. Vrias tentativas tm sido feitas para superar esse parcialismo no configurar o conceito de constituio. 24. Garca-Pelayo, desde logo, destaca que o direito constitucio-

nal vigente, como todo Direito, no pura nonna, mas a sntese da tenso entre norma e realidade com que se defronta,4 e concebe a constituio como parte integrante da ordemjuridica, da ordem estatal e da estrutura politica. "Demais, toda constituio [adita) representa, de maneira racional, ou transacional, absoluta ou de compromisso, uma concreo de valores polticos, e, qualquer que seja a expresso de suas normas - legal ou consuetudinria, sistemtica ou assistemtica -, cabe descobrir em sua base uns "princpios" polticos sustentadores".46 Adverte, em seguida, que no quer isso dizer que se trate de trs objetos independentes entre si; trata-se de trs momentos de uma Inesma realidade, que, como tais, no s se supem, mas condicionam-se mutuainente.4 Contesta a validade da teoria de Carl SchInitt Que limita a constituio a decises polticas fundarnentais, visto Que tais decises no seriam nada se no se inserissem num sistema de nonnas e entidades concretas; e, se certo que tais normas e entidades carecem de sentido, se no se vinculam em relao teleolgica com ditas decises, no menos certo que estas s tm sentido em sua vinculao com aquelas.4g 25. Heller tambm perquire um conceito unitrio de constituio. Contesta o normativismo kelseniano, que priva as normas de seu sentido serldever-ser e entende Que no cabe manter a usual rigidez entre as leis do ser e as do dever-ser, tanto que Kelsen no pde desenvolver sua teoria inteiramente, vendo-se imediatamente obrigado a pr em relevo a importncia que tem o momento da "observncia ordinria" para a positividade, ou seja, para a validade e existncia das normas jurdicas.49 Procura mostrar tambm o erro oposto de Carl Schmitt, que subestima completamente a nonnatividade, exaltando, em contrrio, a existencialidade, de modo que vem a conceber a constituio no como norma, mas s como deciso. Acrescenta Heller que no existe constituio que, cabalmente, como status real, no seja, ao mesmo tempo, um ser fonnado por normas, isto , uma fonna de atividade normada, alm de uma forma de atividade meramen:e normal.o 26. Para Heller a constituio estatal forma um todo, no qual aparecem, complementando-se reciprocamente, a nonnalidade e a normatividade, assim como a nonnatividade urdica e a extrajurdica.' 1 Realmente, buscando superar aquelas concepes parciais, diz ser preciso "distinguir, em toda constituio estatal, e como contedos parciais da constituio poltica total"a constituio no normada e a normada; e, dentro desta, a nonnad extrajuridicamente e a que o juridicamente".' No se pode separar (diz ele) a normalidade e a nonnatividade, o ser e o dever-ser, no conceito de constituio." A no normadn e a normada so contedos parciais da constituicco total. Nesta se integram o ser e o dever-ser constitucional. A constitital, por envolverem conceitos gerais, relaes, objetos, que podem ter seu estudo destacado da dogmtica jurdico-constitucional, sem negar a existncia real de princpios gerais do direito constitucional, induzidos da realidade histrico-constitucional de cada povo. Assim, entre ns, afigura-se possvel admitir alguns deles: a) o da supremacia das normas constitucionais; b) o do federalismo, envolvendo o da autonomia dos Estados; c) o da autonomia municipal; d) o do controle jurisdicional da constitucionalidade das leis; e) o da proteo da autonomia individual em face do poder, decorrente da declarao dos direitos individuais e garantias constitucionais; o da proteo social do trabalhador; o da proteo da famlia, do ensino e da cultura, embora ainda com caractersticas prograinticas; h) o da independncia da Magistratura; i) o da representao partidria etc. 10. Tais princpios gerais distinguem-se das normas constitucionais de princpio, de um ponto de vista ontolgico, pois no constituem normas, como estas ltimas, mas princpios induzidos de um conjunto de normas. Que os princpios gerais do Direito (seja do Direito como ordenaojurdica, seja de um ramo particular da cinciajurdica) no so normas, como imperativos, coisa sobre que a doutrina no controverte. H quem os considere como princpios instihlcionais que funcionam como critrios infoimadores das leis existentes. Certos autores arrolam entre tais princpios as nonnas constitucionais de princpio (esquema), especialmente as programticas.8 Vereinos essa concepo mais adiante. SEno II -NORMAS CONSTITUCIONAIS DE PRINCPIO INSTITUTIVO

IV - Outra vez o prohlema terminolgico ll. Dilucidados, como ficaram acima, os problemas gerais referentes s normas constitucionais de princpio, podemos dedicar-nos, agora, quela espcie que denominamos normas constitucionais de princpio institutivo.

7. Assim Alessandro Levi, Teoria generale del Diritto, pp.110 e 112. 8. a opinio, por exemplo, de Alessandro Levi, ob. cit., p.111. 122 APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS 12. Aqui tambm o problema terminolgico se nos antepe como questo prvia. Tais normas so de eficcia limitada e de aplicabilidade mediata ou indireta, porque dependentes de legislao. Na jurisprudncia e na doutrina clssica nozte-americana erazn denominadas, j unto com as puramente programticas, not sel J executing provisions, ou not selfactingprovisions, ou, ainda, not selfenforcingprovisions - expresses traduzidas no direito constitucional brasileiro por disposies ou normas no auto-aplicveis, ou no auto-executveis, ou p 9 Ilo-executveis or si nzesmas, ou, ainda, no-bastantes em si. 13. A jurisprudncia e certa corrente doutrinria italianas, separando-as das normas programticas (que chamazn de normas diretivas), conceberam-nas como normas preceptivas de aplicabilidade iio-imedintn, ou, ainda, de aplicabilidade ou eficcia diferida. Crisafulli chama-as de normas de legislao,lo mas taznbm as tem como disposies constitucionais de principio, ao lado das programticas.l A expresso normas de legislao seria a mais aproxiznada da realidade, se no houvesse norznas n-organizativas que tambm podem depender de legislao, eomo exemplo a do 2 do art. 227: "A lei dispor sobre nonnas de construo dos logradouros e dos edificios de uso pblico e de fabricao de veculos de transporte coletivo, a fizn de garantir acesso adequado s pessoas portadoras de deficincia". 14. Ora, as normas de que se trata aqui so as no-prograznticas dependentes de legislao. So de eficcia limitada porque o legislador ordinrio que Ihes vai conferir executoriedade plena, mediante leis complementares ou ordinrias integrativas. No so, todavidestitudas de aplicabilidade, como querem aQueles que as chaznazn de nozmas de eficcia ou aplicabilidade diferida, como a pretender que nada significam enquanto o legislador no emitir regras jurdicas que as complementem. Para distingui-las das nonnas programticas (Que tambm so de princpio, esquematizadoras de programas), preferimos design-las como normas de principio institutivo, porquanto contm esquemas gerais, um como que inicio de estruturno de instituies, rgos ou entidades, pelo qu tambm poderiam chamar-se normas de prineipio orgnico ou organizativo. No perfeita a denominao, reconhecemos, mas qualquer outra seria ainda mais deficiente. A evoluo dos estudos dessa matria, um pouco descuidada entre ns, certamente encontrar terminologia mais precisa e adequada. O impoztante, porm, situar bem o problema, definindo com segurana as expresses ou

termos empregados, de sozte a que, metodologicamente, o objeto indicado fque devidamente circunscrito. Essa a nossa preocupao na terminologia utilizada, no a veleidade de inovaes. V- Caracterizao e exemplificao IS A caracterizao fundamental das normas constitucionais de princpio institutivo est no fato de indicarem uma legislao futura que lhes complete a eficcia e lhes d efetiva aplicao. Umas deixam larga margem ao poder discricionrio do legislador, como a do 2Q do azt. 18 da Constituio, segundo o qual a criao de Territrio, sua transformao em Estado ou reintegrao ao Estado de origem sero regularnentadas em lei complementar; outras j indicam o contedo da lei, cozno a do art. 33 - "A lei dispor sobre a organizao administrativn ejudiciria dos Territrios" -, ou, ainda, a do 2 do art. 90: "A lei regular a organizno e o funcionamento do Conselho da Repblica" (igual disposio consta do 2 do art. 91 para o Conselho de Defesa l Taciozzal); ou a do art.113: "A lei dispor sobre a constituio, investidura, jurisdio, competncia, garantias e condies de exercicio dos rgos da Justia do Trabalho, assegurada a paridade de representao de trabalhadores e empregadores". Outras deixam para o legislador ordinrio (ou complementar) apenas aspectos secundrios, como o caso do art.161: "Cabe lei complementar: I - definir valor adicionado para fins do disposto no art. 158, pargrafo nico, I; II - estabelecer normas sobre a entrega dos recursos de que trata o art. 159, especialmente sobre os critrios de rateio dos fundos previstos em seu inciso I, objetivando promover o equilbrio scio-econmico entre Estados e entre Municpios; III - dispor sobre o acompanhamento, pelos beneficirios, do clculo das quotas e da liberao das participaes previstas nos arts. 157,158 e 159". Preferiu o constituinte, nesses casos, separar em dispositivo prprio o aspecto dependente de legislao ein relao s regras principais de aplicabilidade iinediata, o que se percebe pelas remisses aos dispositivos onde tais regras principais so estatudas.i3 VI - Funo, natureza e conceito 16. Afuno, a natureza e o conceito das normas constitucionais de que estamos cogitando no tm sido objeto de apreciao doutrinria princpios a serem desenvolvidos na lei, quase todos, alis, de aplicabilidade imediata, ou seja, independente da existncia da lei). V. tambm o art.163: "Lei complementar dispor sobre: I - finanas pblicas; II - dvida pblica externa e interna, includa a das autarquias, fundaes e demais entidades controladas pelo Poder Pblico; III - concesso de garantias pelas entidades pblicas; IV emisso e resgate de ttulos da dvida pblica; V - fiscalizao das instituies financeiras; VI - operaes de cmbi realizadas por rgos e entidades da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios; VII compatibilizao das funes das instituies oficiais de crdito da Unio, resguardadas as caractersticas ,pndi-

es operacionais plenas das voltadas ao desenvolvimento regional". V., igualmente, o art. 192, com ampla enumerao do contedo da lei complementar nele prevista. 13. H disposies que ficam ininteligveis se no se tiverem em mente outras normas constitucionais. caso, por exemplo, do disposto no 5 do art. 40: "O beneficio da penso por morte corresponder totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido, at o limite estabelecido em lei, observado o disposto no pargrafo anterior". Parece contraditrio dizer-se que o beneficio corresponde totalidade dos vencimentos, ao mesmo tempo em que se fala em limite estnbelecido em lei. preciso atentar para o fato de que isso no significa que uma lei pode estabelecer o limite da penso abaixo da totalidade dos vencimentos. A compreenso do texto depende da invocao do que estatui o inciso XI do art. 37. Aqui se prevem tetos de veneimentos e lei que fixar limite mximo da remunerao em espcie, no mbito dos Poderes. a esta lei que aquele dispositivo do 5Q do art. 40 se refere. Quer dizer: a totalidade dos vencimentos est contida nos limites mximos previstos no inciso XI do art. 37. O benefcio da penso se contm no mesmo limite. VORMAS CONSTI7UCIONAIS DE EFICCIA LIMITADA 125 ria. Respigando-se, aqui e ali, notareinos que alguns autores as colocam de parelha com as programticas. E da natureza destas, de certo inodo, se aproximam, mesmo porque constituem, ambos os tipos, norinas de eficcia limitada, mas s nisso se assemelham. 17. No que se distinguem, especificainente, problema controvertido, e as poucas solues propostas no satisfazem as exigncias cientficas. Sobre o assunto j expusemos a tese de Azzariti, apoiada na jurispr,zdncia italiana, que as considera como preceptivns, dotadas de comandos jurdicos de aplicao direta, mas no imediata, porque requerem outras normas jurdicas integrativas, com o qu, salvo a terininologia, podemos concordar, e as programticas seriain iretivns, destitudas de preceito concreto, mas dando s indicaes ao legislador futuro.i4 No recapitularemos a crtica j feita a tal doutrina; apenas repetiremos que para Azzariti a diferena bsica est em que as prograinticas no seriam normas jurdicas, enquanto as outras o so. Deixando para a seo seguinte o exame dos problemas especficos das normas programticas, diremos Que os dois tipos se distinguem por seus fins e contedos. As programticas envolvem uin contedo social e objetivam a interferncia do Estado na ordem econmico-social, mediante prestaes positivas, a fim de propiciar a realizao do beizi comum, atravs da democracia social. As de princpio institutivo tm contedo organizativo e regulativo de rgos e entidades, respectivas atribuies e relaes. Tm, pois, natureza organizativa; sua funo primordial a de esqueinatizar a organizao, criao ou insti-

tuio dessas entidades ou rgos. 18. O legislador constituinte reconhece a convenincia de disciplinar certa matria relativamente organizao de instituies constitucionais, inas, ao mesmo tempo, por razes vrias, e at de presso, limita-se a traar esquemas gerais (princpios, como comeo) sobre o assunto, incumbindo ao legislador ordinrio a complementao do que foi iniciado, segundo a forma, os critrios, os requisitos, as condies e as circunstncias previstos na norma mesma. Confornie j observamos, essas normas deixam menor ou maior campo atuao discricionria do legislador ordinrio, mas sempre h um innimo que um poder mais elevado - o constituinte - quer ver atendido; quando inais no seja, abre-se, ao menos, uma possibilidade para o rgo legislativo atuar de certa forina. Leia-se, por exemplo, o art.18, 2Q, da Constituio; a se encontra uma norma dessas que representam insignificante vontade do constituinte, indicando uma possibilidnde (a criao e eventual transfonnao de Territrios) e uma nonna de atuao: essa criao h que ser feita inediante lei complementar, isto , uma lei cujo processo de fonnao tem caractersticas peculiares: maioria absoluta (art. 69). 19. So, pois, normas constitucionais de principio institutivo aquelas atravs das quais o legislador constituinte traa esquemas gerais de estruturao e atribuies de rgos, entidades ou institutos, para que o legismdor ordinrio os estruture em definitivo, mediante lei. VII - Eficcia 20. As nonnas constitucionais de princpio institutivo, como as programticas (temos dito sempre), so de eficcinjuridica limitada. Problema doutrinrio srio acha-se, precisamente, na configurao dessa eficcia. Uma vez comece a vigorar a constituio, que efeitos p , g roduzem desde lo o essas normas. Entram imediatamente, tambm, em vigor, ou isso s se verifica com a emisso da nonna ordinria ou complementar integrativa? Invalidain, ou no, a legislao ordinria anterior conflitante, ou esse efeito elas s adquirem com a lei integrativa? Que nportncia construtiva tm elas na ordem jurdica ulterior? Uma lei ordinria ou compleinentar posterior que as contrarie ser inconstitucional ? . 21. Eis al as indagaes fundamentais que teremos de responder; e ser bom comeannos com uma distino dessas normas sob o aspecto da obrigatoriedade. Com efeito, as normas constitucionais de princpio institutivo podem ser impositivas oufacultativas. I - Impositivns so as que determinam ao legislador, em termos peremptrios, a emisso de uma legislao integrativa, como estas: a) a ocupao e utilizao das faixas de fronteiras sero reguladas em lei (art. 20, 2); "Leifederal dispor sobre a utilizao, pelo Governo do Distrito Federal, das polcias civil e militar e do corpo de bombeiros militar" (art. 32, 4g); "A !ei dispor sobre a organizao administrativa e judiciai-ia dos Territrios" (art. 33); "a lei fixar o limite

mximo e a relao de valores entre a maior e a menor remunerao NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICCIA LIMITADA dos servidores pblicos (...)" (art. 37, XI); "A lei dispor sobre a criao, estruturao e atribuies dos Ministrios" (art. 88); "A lei regumr a organizao e o funcionamento do Conselho da Repblica" (art. 90, 2, igualmente art. 91, 2Q); "A lei disciplinar a remoo ou a permuta de juzes dos Tribunais Regionais Federais e determinar sua jurisdio e sede" (art. 107, pargrafo nico); "Aos juzes federais compete processar e julgar: (...) nos casos deter-minados por lei, [os crimes) contra o sistema financeiro e a ordem econmico-financeira" (art.109, VI); "A lei dispor sobre a competncia do Tribunal Superior do Trabalho" (art. 111, 3Q, tambm arts. 113 e 128, 5Q); "Lei conlplementar dispor sobre a organizao e competncia dos tribunais, dos juzes de direito e das juntas eleitorais" (art. 121); "Cabe lei complementar: I - dispor sobre conflitos de competncia, em inatria tributria, entre a Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios; II - regular as limitaes constitucionais ao poder de tributar; IIIestabelecer normas gerais em inatria de legislao tributria, especialmente sobre: (...)" (art. 146; cf. tambm arts. 165, 9Q, e 163). Alis, encontramos tais normas bastante disseminadas em nossa Constituio. Mas nas constituies contemporneas so encontradias. Assim, por exeinplo: a) na italiana, art. 95, 3Q comma: "La legge provvede all'ordinamento della Presidenza del Consiglio e determina il nuinero, le attribuzioni e 1'organizzazione dei ministeri"; b) na francesa, art. 25: "Une loifixe la dure des pouvoirs dechaque assemble, le nombre de ses meinbres, leur indemnit, les conditions d'ligibilit, le rgime des inligibilits et des incompatibilits"; c) na espanhola, art. 98, 4: "La ley regular el estatuto e incompatibilidades de los iniein, bros del Gobierno' (cf. tambm arts. 87, n. 3,103, n. 3,105,116,117, n. 5, segunda parte,122,124, n. 3, etc.). II - Facultntivas ou permissivas, isto , no impem uma obrigao; limitain-se a dar ao legislador ordinrio a possibilidade de instituir ou regular a situao nelas delineada, como so exemplos as seguintes: "Lei complementarpoder autorizar os Estados a legislar sobre questes especficas das matrias relacionadas neste artigo" (art. ?2, pargrafo nico); "A lei estadunl poder criar, mediante proposta do Tribunal de Justia, a Justia Militar estadual (...)" (art. 125, 3); -`A lei poder instituir outras fontes destinadas a garantir a inanuteno ou expanso da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I" (art. 195, 4); "Os Estados podero, medinnte lei complenentar, instituir regies metropolitanas, aglomeraes urbanas e microrregies (...)" (art. 25, 3); "A Uniopoder instituir: (...) media;tte lei complementar, iinpostos no previstos no artigo anterior (...)" 12S APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS (art. 154, I). Vejam-se esses dois ltimos casos. Dizer "os Estadospodero, medinnte lei complementar (...)", ou "a Uniopoder, mediante lei complementar (...) ", significa dar aos Estados e Unio a faculda-

de de dispor sobre as matrias indicadas, mas eles s podem faz-lo por meio da lei mencionada; o mesmo que declarar: "Lei complementar estadual poder instituir regies metropolitanas (...); "Lei complementar da Unio poder instituir (...)" 22. Como se percebe desses exemplos, as normas impositivas estatuem a obrigatoriedade de o legislador emitir uma lei, coinplementar ou ordinria, na fonna, condies e para os fins previstos; as normasfacultativas apenas lhe atribuem poderes para disciplinar o assunto, se achar conveniente - isto , do-lhe mera faculdade, indicando ser possvel regular a matria -, do que deflui, para ele, discricionariedade completa quanto iniciativa dessa regulamentao; mas, uma vez tomada a iniciativa, a regra constitucional vinculante quanto aos limites, forma e condies nela consignados.I' 23. Algumas normas obrigatrias chegam, inesmo, a marcar data at a qual a lei reguladora dever estar votada, como foi exemplo o art. 4 do Ato das Disposies Transitrias da Constituio de So Paulo, de 13 de maio de 1967, e tambm o caso de vrias disposies transitrias e finais da Constituio italiana. 24. Probleina que se ergue de imediato o de saber qual o valor das normas constitucionais que impem ao legislador o dever de legislar na forma prevista. Em outras palavras: qual a natureza da obrigao constitucionalmente nposta ao legislador no sentido de emitir normas integrativas? A observao, colhida na prtica constj,cional, demonstra que aquela obrigatoriedade de pequena eficcia, visto que, ao menos juridicamente, no se pode constranger o legislador a legislar, nem mesmo naqueles casos em que Ihe prefixado prazo.I6 15. A propsito, cf. Vezio Crisafulli, ob. cit., pp. 62 e 63. 16. Crisafulli (ob. cit., pp. 63 e 64) reconhece a dificuldade do problema, por falta de sano especfica; acha, no entanto, que isso "non esclude la incostituzionalit in cui sono incorsi gli organi legislativi contrawenendo all'obligo di provvedere su una certa materia, ad essi derivante dalla norma costuzionale" (p.63). Mostra que no sistema italiano h outros meios para constranger o legislador, como a petio, a iniciativa popular e a iniciativa dos Conselhos regionais (p. 64). No sistema ptrio, agora, tambm existem alguns desses meios, como o direito de petio (que no surte qualquer efeito, no caso), a inconstitucionalidade por omisso, o mandado de injuno e a iniciativa popular, que, no elitanto, no tm sido usados convenientemente. NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICCIA LIMI?AD.A 129 Se o comando impositivo no for cumprido, a omisso do legislador poder constituir um comportamento inconstitucional, que agora sindicvel e controlvel jurdica e jurisdicionalmente, por fora do 2Q do art. 103 da Constituio de 1988, segundo o qual, "declarada a inconstitucionalidade por oinisso de inedida para tornar efetiva norma constitucional, ser dada cincia ao Poder coinpetente para a adoo das providncias necessrias (...)". Mas, coino j anotamos em outro livro, a inera cincia ao Legislativo pode ser ineficaz, j que ele no est obrigado a legislar, porque, nos termos estabelecidos, o princpio da discricionariedade do legislador continua intacto,I valendo, assn ainda, a advertncia de Levi de que ningum legitimado para o exer-

ccio de uma pretenso jurdica objetivando o adiinplemento de tal prestao por parte dos rgos legislativoslg - isto , ningum tein direito subjetivo aprovao de qualquer lei, ainda que detenninada no texto da constituio. Einbora talvez no caiba mais a outra observao de Levi, lembrada nas edies anteriores desta inonografia, segundo a qual era foroso concluir que "aqui se trata de uina obrigao de natureza poltica e nojurdica".I9 Certamente que, tendo a Constituio reconhecido a inconstitucionalidade por omisso, a obrigao de legislar, especialinente aps o reconhecimento jurisdicional dessa inconstitucionalidade, tem natureza jurdica e moral. Falta-lhe, porin, sano especfica. Quanto, pois, obrigatoriedade de emisso de leis integrativas, praticamente se eQuivalein as norinas constitucionais de princpio institutivo impositivas e facultativas. Entretanto, ao surgir uma constituio, como a nossa, inuitas das leis referidas ein suas nonnas de eficcia lnitadaj existein, e isso tein nportncia prtica, porque tais leis preexistentes, integrativas, no podero mais ser revogadas pura e simplesmente, pois, a, se ter uina atividade legislativa inconstitucional e sujeita ao controle jurisdicional. Essa assertiva tein seu fundamento no fato de que a discricionariedade do legislador diante das nonnas constitucionais de eficcia incoinpleta s se verifica quanto iniciativa da lei integrativa; emitida esta (a preexistncia a isso se equivale), a questo passa a ser jur.dico-constitucional, visto ter a lei aderido ao ditaine da lei maior, com o qu sua revogao pura e simples abre uin vazio que no mais permitido constitucionalmente; sendo, no entanto, facultado ao legislador modificar a lei, desde que mantenha seus termos na conformidade do princpio ou esquema que Ihe ditou o constituinte. 25. Essas consideraes j esto a indicar que sustentamos que as nonnas constitucionais de princpio institutivo entram em vigorjuntamente com a constituio, salvo se esta expressamente dispuser em contrrio, o que no comuin. conhecida a tese doutrinria segundo a qual uma lei dependente de regulainento nela indicado somente comea a vigorar a partir da emisso do regulamento. Nossa Lei de Introduo ao Cdigo Civil no sufraga essa doutrina, que, a nosso ver, comete o eQuvoco de confundir vigncia com eficcia. O Que se pode dizer que a lei dependente de regulamento s executria com a decretao daquele; inas isso no exclui a entrada ein vigor da lei na data prevista, nein tolhe a ocorrncia de certos efeitos jurdicos, como revogao das leis anteriores contrrias ou na fonna consagrada nos arts.1Q e 2 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil. A norma constitucional dependente de legislao tambm entra em vigor na data prevista na constituio. Sua eficcia integral que fica na dependncia da lei integrativa. A distino no acadmica. Tem conseqncias prticas de relevo. Pois tais normas, desde que entrain em vigor, so aplicveis at onde possam, devendo notar-se que muitas delas so quase de eficcia plena, interferindo o legislador ordinrio to-s para aperfeioamento de sua aplicabilidade. Exemplo disso tivemos com o 36, inciso III; do art. 141 da Constituio de 1946, Que dispunha: "A lei nssegurarri: (...) III - a expedio das certides requeridas para defesa de direito". De incio pretend se que sein a proinulgao da lei referida a Adininistrao no estava obrigada a expedir as certides solicitadas. Os tribunais, contudo, entenderain dispensvel a lei para a aplicao do inciso constitucional, reco-

nhecendo-lhe plena eficcia, tanto que a Adininistrao o aplicou 'seinpre, sem inaior relutncia. O mesmo aconteceu com disposio idntica da Constituio de 1969 consubstanciada no art.153, 35. A Constituio de 1988 elninou a exigncia da lei, assegurando diretamente o direito de obter certides ein reparties pblicas para a defesa de direitos e esclarecnento de situaes de interesse pessoal (art. SQ, XXXIV, "b"). 26. H hipteses em que o intrete tem Que recorrer a situaes pretritas para decidir at que ponto a norma dependente de legislao possui eficcia e, nesse limite, imediatamente aplicvel, alterando, ou no, situaes anteriores. Veja-se, por exemplo, o art. 14 da Constituio do Brasil de 1967, mantido na de 1969. Ali se dizia que a lei complementar estabeleceria os requisitos mnimos de populao e renda pblica e a forma de consulta prvia s populaes locais para a criao de novos Municpios. Claro est Qe essa disposio teve plena eficcia revogativa da legislao anterior, desde 15 de maro de 1967. Esses requisitos para a criao de Municpios eram fixados em leis estaduais, competncia Que ficou revogada com aquele art. 14, fcando os Estados, ento, impossibilitados de criar novos Municpios com base nos reQuisitos previstos em suas leis. Mas o art. 14 no regulava diretamente os requisitos para tal im. A o limite da eficcia daquela noima constitucional: teve eficcia revogativa, negativa, mas no teve, s por si, de imediato, eficcia construtiva, organizativa, institutiva, restringindo-se, nesse ponto, apenas a traar esquemas dependentes, para sua atuao positiva, de lei complementar. A qilesto tinha voltado ao sistema anterior, porque a Constituio de 1988 recuperou a competncia dos Estados, por lei complementar estadual, para estabelecer os reQuisitos para a criao, incorporao, fuso e desmembramento de Municpios, mas a Emenda Constitucional 15/97 voltou a exigir que a lei estadual que cuidar da criao e transformao de Municpio s o faa "dentro de perodo detenninado por lei complementar federal". Outro caso interessante era o da disposio do art. 16, 2Q, da Constituio do Brasil de 1967, que passara para o art. 15, 2Q, da Constituio de 1969. Hoje, ele est superado pela supervenincia de nonnas, inclusive da Constituio vigente (art. 29, VI e VII), que autorizarain a reinunerao de todos os vereadores. Seu exaine, no entanto, inuito til, porQue mostra certas particularidades da eficcia e aplicabilidade de determinadas norinas constitucionais. O referido dispositivo dizia o seguinte: "Soinente tero reinunerao os vereadores das Capitais e dos Municpios de populao superior a cem mil habitantes, dentro dos limites e critrios fxados em lei compleinentar". Regra como essa, do ponto de vista da eficcia e aplicabilidade, deve ser analisada sob dois ngulos: a) ao dizer que somente teriam remunerao os vereadores das Capitais e Municpios indicados, exprimia uma proibio de reinunerar outros vereadores; essa era uma regra plenamente eficaz, e incidiu desde 15 de maro de 1967, data da entrada ein vigor da Constituio de 1967; assim, tornarain-se invlidas todas as nonnas de lei estadual que disciplinavam o assunto, bem como as resolues de Cmaras Municipais que, ento, conferiam subsdios a seus vereadores que no os das Capitais e dos Municpios com popu 1 i ? APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

lao superior a cem mil habitantes; b) ao dizer que somente os vereadores das Capitais e dos Municpios de populao superior a cem mil habitantes teriam remunerao dentro dos limites e critrios fixados em lei complementar, outorgara um direito cuja eficcia, em relao situao preexistente, no era de grande realce, por dois motivos: 1) para os vereadores que j percebiam remunerao, conforme o art. 28 do Ato Institucional 2, aquela regra constitucional foi simplesmente confirmativa, e, em tal caso, a situao jurdica bsica preexistente teve sua continuidade reconhecida, devendo perdurar, como era, at que a lei complementar lhe desse nova configurao, atravs do estabelecimento de novos limites e critrios; 2) nas hipteses em que os vereadores no eram remunerados anteriormente, mas, ento, poderiam s-lo com base no inciso constitucional em questo, a nonna no tinha aplicabilidade imediata e direta, pois que, para eles, ela criou sitllao nova que s poderia serjuridicamente configurada dentro dos limites e critrios previstos na lei complementar, de sorte que qualquer norma que fosse criada, atribuindo remunerao a tais vereadores, infringiria aquela do art.16, 2, no aplicvel, no caso, sem a lei complementar. A questo evoluiuj na Constituio de 1969, que admitiu, mediante norma de eficcia limitada, a remunerao de todos os vereadores, fixada pelas respectivas Cmaras Municipais para a legislatura seguinte, nos limites e segundo critrios estabelecidos em lei complementar. Quer dizer: a norma constitucional dependia dos limites e critrios que a lei complementar haveria de estabelecer. Evolui mais ainda na Constituio de 1988, que regulou, por si, o assunto: "a remunerao dos vereadores corresponder a, no mximo, setenta e cinco por cento daquela estabelecida, em espcie, para deputados estaduais (...)" (art. 29, VI); e estes, por seu lado, tm remunera correspondente a setenta e cinco por cento da que os deputados federais recebem, em espcie (art. 27, 2). 27. Da j podemos fxar uma primeira orientao sobre a eficcia dessas normas constitucionais: a) se so confirmativas de situao jurdica preexistente, esta permanece reconhecida, como era, at que a Iei integrativa lhe imponha a alterao prevista; b) se traam esquemas novos, revogam normas jurdicas preexistentes, instituidoras de situaes contrrias ao princpio nelas consubstanciado, e a situao nova s ser validamente configurada com a promulgao da lei integrativa; c) se traam esquema contrrio a situaes preexistentes, tambm invalidam as normas agasalhadoras dessas situaes, e a nova situao somente poder comear a ser formada com a promulgao da lei integrativa. NORDl.4S COVSTITUCIOVAIS DE EFICCIA LIMITADA 13 3 28. Existem, porm, problemas mais delicados, como aqueles geI-ados pelas normas constitucionais de eficcia limitada, que somente postulam lei integrativa para aspectos secundrios. Assim, por exemplo, o art.165, 9Q, I, diz que cabe lei complementar "dispor sobre o exerccio financeiro, a vigncia, os prazos, a elaborao e a organizao do plano plurianual, da lei de diretrizes oramentrias e da lei oramentria anual". A lei j existe;'o mas, se no existisse, nem por isso deixaria de haver exerccio financeiro e oramentos plblicos, pois estes decorrem de outras normas e princpios constitucionais plenamente eficazes, bastando lembrar o caput do art.165 e as regras dos arts. 166,167, 168 e 169, que obrigam a vota-

o de plano plurianual, de leis de diretrizes oramentrias e dos oramentos anuais para a Unio, a cujos princpios esto subordinados os Estados e os Municpios. Mostra isso que aquele dispositivo do 9, I, do art. 165 visou, to-somente, a permitir que lei federal dispusesse sobre a matria com validade para todas as entidades pblicas. No chega, por conseguinte, nem mesmo a traar um esquema que devesse ser preenchido pela lei nele mencionada, pois a matria esquematizada l j contedo de outras normas constitucionais de eficcia plena e aplicabilidade imediata. Rigorosamente, aquele dispositivo no precisaria existir, pois sua ratio essendi j se encontra no art. 24,1 e II, que d competncia Unio para legislar sobre normas gerais de direito financeiro e oramento, que servem de embasamento Lei 4.320, de 17.3.64, exatamente regulando normas idnticas da Constituio de 1946, recebidas sucessivamente pelas Constituies de 1967,1969 e agora tambm pela vigente. 29. Em certos casos, a no-ex stncia de uma lei integrativa de determinada regra constitucional importa a limitao de quase todo um conjunto de disposies. Suponha-se, por exemplo, que no se promulgasse a lei complementar prevista no art. 121 da Constituio sobre a organizao e a competncia dos tribunais, juzes de direito e das juntas eleitorais. No s os ditames desse artigo, mas todas as prescries constitucionais pertinentes aos procedimentos eleitorais, ficariam praticamente inertes. Semelhantemente ocorreria a propsito do disposto no 3 do art. 111 e no art. 113 da Constituio, a respeito do funcionamento da Justia do Trabalho. 30. Sabemos que as normas constitucionais acima referidas j encontraram vigentes as leis nels mencionadas. Mas a discusso do assunto, aqui, no puramente acadmica, porque esclarece aspectos interessantes da eficcia das normas constitucionais dependentes de legislao, e serve para nos pouparmos do exame fastidioso e emprico de caso por caso, com possibilitar-nos mais uma concluso: quando um conjunto de normas constitucionais prev a instituio de um rgo, com suas atribuies e competncias, mas deixa lei ordinria a regulamentao de aspectos de seu funcionamento, praticamente essa lei interfere coin todo o conjunto, Que permanece inerte at a sua supervenincia. No entanto, salvo a existncia de outra norma constitucional, inantendo a situao pretrita (sendo o caso), esta desaparecer sob a eficcia das nonnas que esQuematizarain a situao nova. 31. At aqui temos nos preocupado coin a anlise das norinas impositivas. Alguinas palavras devem ser ditas sobre as quefncultrtm ao legislador emitir lei sobre deterininado assunto. Tais nonnaspermissivns, em regra, abrein a possibilidade de regular, organizar ou instituir situaes diferenteinente das previstas em outras normas ou princpios constitucionais. Vale, pois, dizer que, se o legislador no se utilizar da faculdade que lhe outorgada, prevalecero as situaes institudas nas normas ou princpios excepcionados. O legislador tem apenas uma faculdade. Quanto iniciativa da lei, tem discricionariedade coinpleta, no podendo sequer ser censurado moral ou politicamente se no a toinar, at porque, nesse caso, sequer cabe declarao de inconstitucionalidade por oinisso. Fica, porm, vinculado ao texto constitucional se resolver disciplinar os interesses ou instituies consignados sua discrio. Assn - s para dar uin exemplo ligeiro -, o legislador estadual foi autorizado a criar a Justia Militar nos tennos do art. 125, 3. Se entender convaiente IIsar dessa faculdade, h que respeitar, alm de outras, a exigncia de

p>vin proposta do Tr-ibunnl de Justin. Se no cuinprir tais exigncias, sila lei ser inconstitucional. Em regra, as normas que facu?tam ao legislador regular determinado assunto, mediante lei, seguem a orientao que terininamos de inencionar. So permissivas, mas no destitudas de eficcia, pois limitam a ao do titular da permisso, o que prova que so dotadas de imperatividade, porQuanto, dadas as circunstncias de sua incidncia, obrigam detenninado comportainento. VIII- Condies gerais de aplicabilidade 32. Finalmente, cabe breve considerao sobre as condies gerais de aplicabilidade das normas constitucionais de princpio institutivo. NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICCIA LIMITADA 13S 33. Pelo que deixamos exposto, podemos asseverar que elas so aplicveis, independentemente da lei prevista, enquanto possain, o que se percebe pela confgurao de elementos autnoinos que contenham. Mas sua completa aplicabilidade depende da proinulgao de lei integrativa. Esta, no caso, vale como instrumento de sua executoriedade. Convin, contudo, afastar uina possvel confuso que esse fenmeno pode gerar: a lei mero instrumento subordinado; a norma constitucional, ainda que revele snples esquema, continua a ter sua caracterstica bsica de regra jurdica dotada de supremacia hierrquica. 34. As normas constitucionais em tela so de aplicabilidade imediata no que tange legislao anterior, inclusive em relao a normas da constituio preexistente (tema que ser desenvolvido noutro captulo, de modo especfico), bem como em relao legislao futura, Que a elas tein que se conformar. SEno III - NORMAS CONSTITUCION4lS DE PRIr VCPlO PROGRAMTICO IX - Conceito 35. As constituies contemporneas constituem documentos jurdicos de compronii,sso entre o liberalismo capitalista e o intervencionismo. O Estado Liberal firmou a restrio dos fins estatais, consagrando uma declarao dos direitos do hoinem, coino estatuto negntivo, com a finalidade de proteger o indivduo contra a usurpao e os abusos do Estado;' e, desse inodo, configurou uma deinocracia poltica, cujo objetivo " a liberao do indivduo das coaes autoritrias, sua participao no estabelecnento da regra, Que, ein todos os doinnios. estar obrigado a observar"." Mas "o Estado liberal permaneceu indiferente ao uso que seria feito das liberdades e aos resultados Que da se seguissem: efeito da crena otnista na harmonia dos interesses" - como nota Duclos.3 E "a experincia histrica [conforme acentua Pelayo] acabou demonstralido que o Estado no o nico que oprime o desenvolvnento da personalidade; Que no a nica entidade que impe relaes coati-

vas de convivncia, e que as mesmas liberdades liberais esto condicionadas, ein sua realizao, a situaes e poderes extraestatais",'4 como os raciais, eclesisticos e, especialmente, os poderes econmicos, de cujas presses interessa libertar-se. O Estado evolui, e apresenta-se justamente coino meio apropriado para realizar a libertao dessas presses, o que, naturalmente, supe a ampliao de sua atividade e a interveno na vida econmico-social que permanecia sua margein.' Esse "processo de democratizao sucessiva, em luta com os princpios liberais, acentua-se cada vez mais"; o conceito de democracia se transforma, qualificando-se democracia social, "enquanto estende seus intodos e critrios a esferas situadas inicialmente inargem do Estado: econoinia, educao etc.; Que pretende, por exemplo, a participao na gesto das einpresas (deinocratizao das empresas), como antes o pretendeu no Estado; que pretende que a representao popular fiscalize a vida econinica do pas, o que supe a passagem para uina econoinia planificada, com a subseqente diminuio da esfera individual diante do Estado que postula a democracia na educao, o que, se h que ser inais Que uina mera declarao, supe o domnio da educao por paite do Estado".'6 36. Esse einbate entre o liberalisino, coin seu conceito de democracia poltica, e o intervencionisino ou o socialismo repercute nos textos das constituies contemporneas, coin seus princpios de direitos econmicos e sociais, coinportando uin conjunto de disposies concernentes tanto aos direitos dos trabalhadores como estrutura da econoinia e ao estatuto dos cidados.' O eonjunto desses princpios forma o chainado contedo social das constituies.'s Vem da o conceito de constituin`o-dirige>zte,'9 de que a Constituio de 1988 exemplo destacado, enquanto define fins e prograinas de ao futura no sentido de uma orientao social deinocrtica. Por isso, ela, no raro, foi ininuciosa e, no seu compromisso com as conquistas liberais e com um plano de evoluo poltica de contedo social, o enunciado de suas normas assumiu, muitas vezes, grande impreciso, cotnprometendo sua eficcia e aplicabilidade nediata, por requerer providncias ulteriores para incidir concretamente. Muitas normas so traduzidas no texto supreino apenas em pr-incipio, como esquemas genricos, simples programas a serein desenvolvidos ulterionnente pela atividade dos legisladores ordinrios. So estas que constituem as normas constitucionais deprincipioprogrnmtico, Que estudaremos nesta seo. 37. Sua problemtica coinea com as dificuldades em se lhes dar um conceito preciso. Para Pontes de rdiranda: "Regras jurdicas programticas so aquelas em que o legislador, constituinte ou no, em vez de editar regrajurdica de aplicao concreta, apenas traalinhas diretoras, pelas Quais se ho de orientar os Poderes Pblicos. A legislao, a execuo e a prpria Justia ficam sujeitas a esses ditaines, que so coino programas dados sua funo".3o Este acrscno fnal de suina iinportncia para coinpreender a posio do autor, que o conceito apresentado, ein si, no revela; ao contrrio, sente-se nele a influncia da doutrina das normns diretrias dos ainericanos ou das normns diretivas dos italianos, cuja procedncia j refutainos. Crisafulli, que estudou as normas programticas em sucessivos

1 ensaios, foi, paulatinainente, decantando-Ihes o conceito, com base na Constituio italiana. Para ele, inicialmente, elas constituain um verdadeiro prograina de ao (e, antes de tudo, de legislao): "uin programa tendo coino objeto principal a disciplina das relaes sociais, e, inais ein geral, da ordenao da sociedade estatal, ou seja, do Estado ein sentido amplo, segundo princpios deinocraticamente avanados e realistas, ein coerncia coin a definio do art. 1', pelo qiIal a Repblica italiana fiIcis e pessoais e a busca do pleno emprego - que possibilitam a coinpreenso de que o capitalisino concebido h de humanizar-se (se que isso seja possvel). Traz, por outro lado, mecanisinos na ordem social voltados sua efetivao. Tudo depende da aplicao das normas constitucionais que contm essas determinantes, esses princpios

e esses mecanismos. 44. No que seja destituda de valor jurdico e de eficcia a detenninante constitucional de Que as ordens econinica e social objetivein realizar a justia social. Esta uina deterininante essencial que impe e obriga que todas as demais regras da constituio econtnica sejam entendidas e operadas ein funo dela. E mais releva essa importncia quando se lembra que parte da doutrina reconhece que ajustic social se erige em fator de legitnao constitucional.4 A questo, atualinente, consiste mais em compreender a natureza desse valorfim das ordens econinica e social, a fim de que seja tido em conta na aplicao das nonnas definidoras dos direitos sociais do hoinein. XIII - Disposies programticas e principios constitucionais 45. No se confundem disposies programticas e principios constitucionais. Voltainos, aQui, como prometemos, questo dos princpios constitucionais, agora eIn correlao com as norinas programticas, a coinear pela distino entre normas e principios, leando ein conta, nesta oportunidade, as lies de Canotilho e Vital Moreira, o que completa, de certo inodo, a matria tratada no n. III, supra. 46. As normns so preceitos que tutelam situaes subjetivs de vantagein ou de vnculo, ou seja, reconhecem, por uin lado, a pessoas ou entidades a faculdade de realizar certos interesses por ato prprio ou exigindo ao ou absteno de outrein e, por outro lado, vinculain pessoal ou entidades obrigao de submeter-se s exigncias de realizar uma prestao, ao ou absteno ein favor de outrem. Os principios so ordenaes que se irradiam e nantam os sistemas de norinas, "so [como observain Canotilho e Vital Moreira) "ncleos de condensaes" nos quais confluem valores e bens constitucionais".46 47. O tema mereceu consideraes esclarecedoras de Canotilho. Refere-se ele a dois tipos de princpios: a) os principios juridicos 45. Cf. J. J. Gomes Canotilho, Constituio dirigente, p. 24. 46. Cf. Constituio da Repblica Portuguesn anotndn, v 1Q/41 e 42. NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICCIA LIMITADA I43 fundnmentais; b) os principios politicos constitucionalmente conformadores.4 Recusa a idia de que os principios juridicos fundamentnis se reduzam a simples principios gerais de Direito ou regras juridicns gerais ou se inscrevam numa ordem jurdica suprapositiva (jusnaturalismo). Entende-os como direito positivo e fonte de Direito. Mas, quando fala em princpios jurdicos fundamentais como fonte de direito constitucional, refere-se "a principiosfundamentais historicamente objetivndos e progressivamente introduzidos na conscinciajuridicn geral e que encontram uma recepo expressn ou implicita no texto constitucional. Pertencem ordem jurdica positiva e constituem uin importante fundainento para a interpretao, conhecimento e aplicao do direito positivo".4s Por outro lado, os principios politicos constitucionnlmente conformadores so os que explicitnm ns vnloraes politicnsfi