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52 www.backstage.com.br CAPA 52 Aposentadoria: você está preparado? N Aposentadoria Enquanto o trabalho aparece, a impressão é de que o sucesso é eterno. Mas, como em qualquer profissão, são poucos os músicos e profissionais do áudio que conseguem manter o sucesso e o trabalho até idades mais avançadas. Então, como você pretende viver na aposentadoria? como você está se preparando? Miguel Sá [email protected] esta reportagem, a Revista Back- stage pretende levar os músicos e os técnicos de áudio a refletirem sobre o seu futuro, sobre a terceira idade, sobre os recursos necessários à sobrevi- vência sem a remuneração advinda do trabalho. Abordamos as formas mais co- nhecidas de previdência que servem para os músicos e técnicos de áudio. Há três tipos de previdência no Brasil que o músico e o técnico de áudio podem vir a utilizar: o Regime Próprio, para o fun- cionalismo público, que pode ser usado por músicos que são professores da rede públi- ca, por exemplo; o Regime Geral, que é a do INSS, do qual, a princípio, todos devem participar, com exceção dos funcionários públicos; e a Previdência Complementar. Na previdência complementar, a aberta é aquela comercializada por bancos e segu- radoras e pode ser uma opção para comple- tar a renda que é paga pela previdência pú- blica; a fechada é a administrada por enti- dades sem fins lucrativos para grupos especí- ficos. O CulturaPrev, por exemplo, fundo de previdência destinado exclusivamente à classe artística, se encaixa nesta última cate- goria. Ele foi fundado em outubro de 2004 e dois anos depois, no dia 31 de outubro de 2006, aconteceu a cerimônia de lançamen- to do seu programa de divulgação, chama- do Reconhecimento Além do Aplauso. O palco eterno A vida do músico é feita de altos e bai- xos. A despeito de a profissão ser regula- mentada desde 2 de dezembro de 1960, quando entrou em vigor a lei 3.857, a rea- lidade que o profissional encontra hoje é a de um mercado informal. Isso significa que ele trabalha sem carteira assinada ou contrato e está sujeito a toda sorte de abusos, colocando-se à margem de ins- trumentos importantes para a proteção do profissional, ainda que esses não aten- dam de forma satisfatória, como a previ- dência pública do INSS. Quando o tra- balhador de qualquer categoria faz o seu trabalho de modo não informal, a contri- buição para o INSS é obrigatória e é feita pelo próprio trabalhador ou pelo empre- gador. Quando as condições para receber os benefícios dela são preenchidas (basi- camente, chegar à idade limite para apo- sentadoria sem débitos com o INSS), o contribuinte pode requerer a aposenta- doria. O problema é que o músico não costuma se preocupar em trabalhar utili- zando os instrumentos formais de prote- ção, nem com o momento em que não terá mais tanto trabalho assim. Leny Andrade não tem meias pala- vras quando fala sobre o espírito da ca- tegoria: “Músico sabe tocar, cantor sabe cantar, mas ninguém tem juízo. Todo mundo gasta tudo o que ganha, não cuida do futuro, e todo mundo tem de se cuidar porque o tempo passa”, afirma. O profissional da música tem a sensação de que sempre poderá trabalhar. Isso porque, ao contrário do que acontece em outras carreiras, como bailarinos ou esportistas, ele não precisa de juventude para continuar em atividade. Mas com o tempo, a tendência é que o músico seja menos requisitado, independente- mente do fato de a capacidade dele to- car, compor ou arranjar continuar intac- ta com a idade. “O músico acha que o palco estará eternamente sob os seus pés”, comenta Débora Cheyne, presi- dente do Sindicato dos Músicos do Rio de Janeiro (SindMusi/RJ). “Músico sabe tocar, cantor sabe cantar, mas ninguém tem juízo. Todo mundo gasta tudo o que ganha, não cuida do futuro” (Leny Andrade)

Aposentadoria - Revista Backstage CAPA Aposentadoria: você está preparado? N Aposentadoria Enquanto o trabalho aparece, a impressão é de que o sucesso é eterno. Mas, como em qualquer

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AposentadoriaEnquanto o trabalho aparece, a impressão é de que o sucesso é eterno.Mas, como em qualquer profissão, são poucos os músicos e profissionaisdo áudio que conseguem manter o sucesso e o trabalho até idades maisavançadas. Então, como você pretende viver na aposentadoria?

como você está se preparando?

Miguel Sá[email protected]

esta reportagem, a Revista Back-

stage pretende levar os músicos eos técnicos de áudio a refletirem

sobre o seu futuro, sobre a terceira idade,sobre os recursos necessários à sobrevi-vência sem a remuneração advinda dotrabalho. Abordamos as formas mais co-nhecidas de previdência que servempara os músicos e técnicos de áudio.

Há três tipos de previdência no Brasilque o músico e o técnico de áudio podemvir a utilizar: o Regime Próprio, para o fun-cionalismo público, que pode ser usado pormúsicos que são professores da rede públi-ca, por exemplo; o Regime Geral, que é ado INSS, do qual, a princípio, todos devemparticipar, com exceção dos funcionáriospúblicos; e a Previdência Complementar.

Na previdência complementar, a abertaé aquela comercializada por bancos e segu-radoras e pode ser uma opção para comple-tar a renda que é paga pela previdência pú-blica; a fechada é a administrada por enti-dades sem fins lucrativos para grupos especí-ficos. O CulturaPrev, por exemplo, fundo deprevidência destinado exclusivamente àclasse artística, se encaixa nesta última cate-goria. Ele foi fundado em outubro de 2004 edois anos depois, no dia 31 de outubro de2006, aconteceu a cerimônia de lançamen-to do seu programa de divulgação, chama-do Reconhecimento Além do Aplauso.

O palco eternoA vida do músico é feita de altos e bai-

xos. A despeito de a profissão ser regula-mentada desde 2 de dezembro de 1960,quando entrou em vigor a lei 3.857, a rea-lidade que o profissional encontra hoje é ade um mercado informal. Isso significaque ele trabalha sem carteira assinada oucontrato e está sujeito a toda sorte deabusos, colocando-se à margem de ins-

trumentos importantes para a proteçãodo profissional, ainda que esses não aten-dam de forma satisfatória, como a previ-dência pública do INSS. Quando o tra-balhador de qualquer categoria faz o seutrabalho de modo não informal, a contri-buição para o INSS é obrigatória e é feitapelo próprio trabalhador ou pelo empre-

gador. Quando as condições para receberos benefícios dela são preenchidas (basi-camente, chegar à idade limite para apo-sentadoria sem débitos com o INSS), ocontribuinte pode requerer a aposenta-doria. O problema é que o músico nãocostuma se preocupar em trabalhar utili-zando os instrumentos formais de prote-ção, nem com o momento em que nãoterá mais tanto trabalho assim.

Leny Andrade não tem meias pala-vras quando fala sobre o espírito da ca-tegoria: “Músico sabe tocar, cantor sabecantar, mas ninguém tem juízo. Todomundo gasta tudo o que ganha, nãocuida do futuro, e todo mundo tem dese cuidar porque o tempo passa”, afirma.O profissional da música tem a sensaçãode que sempre poderá trabalhar. Issoporque, ao contrário do que aconteceem outras carreiras, como bailarinos ouesportistas, ele não precisa de juventudepara continuar em atividade. Mas como tempo, a tendência é que o músicoseja menos requisitado, independente-mente do fato de a capacidade dele to-car, compor ou arranjar continuar intac-ta com a idade. “O músico acha que opalco estará eternamente sob os seuspés”, comenta Débora Cheyne, presi-dente do Sindicato dos Músicos do Riode Janeiro (SindMusi/RJ).

“Músico sabetocar, cantor sabe

cantar, mas ninguémtem juízo. Todo

mundo gasta tudo oque ganha, nãocuida do futuro”(Leny Andrade)

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Exemplos não faltam. O trombonista,arranjador e compositor Raul de Barros,92 anos completados no mês de novem-bro, sempre teve muito trabalho desde osanos 30. O compositor do famoso choroNa Glória trabalhou muito até adoecerno início dos anos 1980, quando mudou-se para Maricá, no estado do Rio de Ja-neiro. Hoje vive com uma aposentadoriado INSS e um salário mínimo comple-mentar pago pela sociedade arrecada-dora União Brasileira dos Compositores.Com dificuldades de locomoção, o músi-co ainda toca, mas sai pouco de sua casa.Conseguiu a aposentadoria pelo INSScomprovando, com a ajuda de amigos, otempo de contribuição em trabalhos fixos,como o que teve na orquestra da RádioNacional. Dona Romilda, esposa do músi-co há trinta anos, lembra que uma frasetípica dele era “se preocupe com o hoje. Oamanhã nós vemos”, diz ela. “É a vida demúsico. Ele sempre foi assim”.

Essa mentalidade é incentivada pelaforma como o músico costuma receber.Em geral, o músico ganha por trabalho.Se há muitos, ele ganha bastante, se hápoucos, ele pode ficar sem ganhar nada.Isso não favorece uma contribuição con-tínua, como exige o INSS. Quando con-tribui para a previdência pública, o músi-co geralmente se inscreve como autôno-mo. Neste caso, o contribuinte paga 20%do salário base definido por ele. Tendo

como base o salário mínimo de 350 reais,este valor fica em 70 reais.

Há mais um detalhe que complica avida do músico: a informalidade do mer-cado. Se não há carteira assinada ou ne-nhum tipo de contrato, a empresa nãorecolhe o INSS para o músico. O caso deRaul de Barros reflete um tempo em queas rádios, emissoras de televisão e atémesmo gravadoras mantinham um corpo

fixo de músicos contratados e recolhiamparte do salário deles para a previdência,como explica o tecladista e vice-presi-dente do Sindicato dos Músicos do Riode Janeiro Itamar Assieri. “Muitos dosque hoje estão se aposentando ou já seaposentaram já tiveram trabalho formal.Hoje em dia, praticamente só há empre-go de carteira assinada na OrquestraSinfônica Brasileira”, afirma.

CulturaPrevNo caso específico dos músicos, o fato

novo em matéria de previdência é osurgimento do CulturaPrev, criado emoutubro de 2004. O contexto que permi-tiu a criação do plano pode ser resumidopela entrevista que o ministro da CulturaGilberto Gil concedeu durante o eventode lançamento do plano de divulgaçãodo CulturaPrev, no dia 31 de outubro, noJockey Club do Rio de Janeiro. “Vivemosem uma sociedade em desenvolvimento,onde o Estado não pode mais arcar com aprevidência de todo mundo, então cadasetor precisa se organizar, buscar os fundosde pensão, articular e estabelecer os proces-sos de compartilhamento entre o Estado e acontribuição do trabalhador”, declarou.

Entre as categorias que podem usu-fruir do CulturaPrev estão as de atores,bailarinos e, é claro, os músicos. A histó-ria da construção do plano envolve ainiciativa de artistas – como a cantoraRosemary – a participação de entidades declasse – Sindicatos de músicos, atores, téc-nicos de espetáculos e artistas plásticos detodo o país – e a participação do poder pú-blico por meio dos ministérios da Cultura eda Previdência. O pontapé inicial foi dadopela cantora Rosemary. Em meados de2003, ela pediu ajuda à executiva da RedeGlobo, Marluce Dias, que indicou pessoasque a poderiam ajudar na iniciativa. De-pois de alguns movimentos iniciais, no

Kleber Vogel, Debora Cheyne e Itamar Assiere

“Vivemos em umasociedade em

desenvolvimento,onde o Estado não

pode mais arcar com aprevidência de todo

mundo” (Gilberto Gil,ministro da Cultura)

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ano de 2004 aconteceu a primeira audi-ência com o já ministro da cultura Gil-berto Gil, na sede da Funarte, no Rio deJaneiro. Na audiência ainda estavam pre-sentes o representante do SindMusi, o en-tão diretor de comunicação Dalmo Mota,a cantora Rosemary, o presidente daFunarte e ator Antônio Grassi e o músicoJoão Bani, além de artistas de outras cate-gorias, como a atriz Narjara Turetta. “Ex-pliquei várias situações de compositores emúsicos, enfim, de todo esse povo da cul-tura com problemas sérios de sobrevivên-cia”, diz Rosemary.

O processo seguiu com um grupo detrabalho criado dentro da Funarte, no fi-nal de 2004. Os trabalhos avançaramcom outras entidades da região Sudestese agregando. Foi quando se criou o gru-po de estudos em Brasília, agora com en-tidades também da região Nordeste. Apartir daí, as reuniões começaram a con-figurar como seria este plano de previ-dência, o perfil dos artistas, a forma comoeles poderiam contribuir, as faixas deganhos deles, hábitos de consumo e for-ma como costumam receber, como expli-ca Dalmo Mota. “Às vezes você ganha

em uma época do ano e na outra vocênão ganha nada”, exemplifica.

As entidades instituidoras do Cultu-raPrev são o Sindicato dos Músicos doRio de Janeiro (SindMusi), os Sindica-tos de Artistas e Técnicos em Espetácu-los dos estados do Rio de Janeiro, Ceará,Sergipe e Pernambuco (Sated/RJ, Sated/CE, Sated/SE, Sated/PE). Ainda parti-ciparam da construção do grupo oSated/RJ, a Associação Sergipana deAutores e Intérpretes Musicais do Esta-do de Sergipe (Assaim), o CPT (Coope-rativa Paulista de Teatro do Estado deSão Paulo) e o Sinapesp (Sindicato dos

Artistas Plásticos do Estado de São Pau-lo). “O que nós temos de conseguir ago-ra é aumentar o número de adesões aesse programa”, diz o presidente daFunarte, o ator Antônio Grassi.

Durante a cerimônia de lançamen-to do programa de divulgação, a Asso-ciação Brasileira de Museologia e oSindicato dos Músicos da Bahia aderi-ram ao plano. Para fazer um planoCulturaPrev, o artista ou técnico teráde ser associado a uma dessas entida-des ou outras que venham a fazer parteda lista de instituidores.

Como funcionaEntre as adaptações feitas para a

classe artística está o valor de acesso.

No que diz respeito à previdência, ostécnicos não são muito diferentes domúsico, pelo menos aqueles que traba-lham como autônomos em shows e es-petáculos. Estes podem se associar aosSindicatos de Artistas e Técnicos de Es-petáculos do seu estado e se inscreverno CulturaPrev caso a entidade sejauma das instituidoras do plano.

A profissão de técnico é regulamen-tada desde a década de 70, mas a cate-goria, assim como os músicos, tambémestá imersa na informalidade. Em geral,também contribuem como autônomospara o INSS. É bom ressaltar que a ca-tegoria dos técnicos de som está dividi-da. Há os que são vinculados aos sindi-catos de radialistas (como acontece

O técnico de som

com os que trabalham em emissoras deTV) e os que são vinculados aos Sated,que são os que trabalham em shows eespetáculos. Os primeiros, em geral,têm carteira assinada e recolhem o INSSgeralmente por meio das empresaspara as quais trabalham.

Marcelo Claret, presidente da ABP-Audio, destaca que isso não é algo bom,já que “todos trabalham com áudio”.Quanto à possibilidade de se associar aum fundo como o CulturaPrev, Claretdeclara que a ABPAudio está interessa-da em tudo que possa favorecer aos as-sociados. “A participação da ABPAudiovai depender dos associados. Como emtoda associação, quem decide é a as-sembléia”, define.

Wagner Pinheiro, presidente da Petros, discursa na solenidade

“Expliquei váriassituações de

compositores e músicos,enfim, de todo essepovo da cultura comproblemas sérios de

sobrevivência”(Rosemary)

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Ele ficou estabelecido em 27 reais e 31centavos; também há uma maleabi-lidade na forma de contribuição, coma opção de ficar um período de 12 me-ses sem pagar e, ainda assim, não sersuspenso do plano. Outra exclusivida-de é a possibilidade de o fundo receberdoações de pessoas físicas ou empresaspara o CulturaPrev em geral ou paraalgum artista específico, permitindoque ele receba os benefícios mesmoque nunca tenha contribuído.

Um diferencial importante são as ta-xas cobradas pelo CulturaPrev em rela-ção aos fundos de previdência abertos,de bancos e seguradoras. São três as ta-xas que podem ser cobradas por um fun-do de previdência: a taxa de adminis-tração, a de gestão de ativos e a depatrimônio. O fundo Petrus, que admi-nistra o CulturaPrev, cobra 6% de taxade administração, o que é acima do va-lor cobrado pela previdência comple-mentar em geral. Em compensação, nãocobra as taxas de gestão de ativos, que éuma taxa de gerenciamento da contri-buição, e nem a de patrimônio, umataxa anual que, em alguns casos, chegaa 1%. Esta última, especialmente,incide sobre todo o valor acumulado apartir das contribuições. Ou seja, se emum ano de contribuição ela não faz tan-ta diferença, em dez, pode começar aincomodar. Já os 6% de taxa de adminis-tração serão sempre cobrados em cimado valor de contribuição mensal. O quesignifica que em 100 reais, o contribuin-te sempre vai pagar 6 reais de taxa. No

mais, o CulturaPrev funciona comouma previdência complementar co-mum: mensalmente, o participantecontribui por conta própria para formarum fundo que é investido em aplica-ções financeiras até a aposentadoria. Ovalor das contribuições é definido nomomento da adesão, mas pode ser alte-rado anualmente. A renda que o parti-cipante vai receber no futuro depende-rá do saldo acumulado ao longo dosanos e da rentabilidade obtida com aaplicação destes recursos. Por isso,quanto maior o tempo e o valor da con-tribuição, maior será o valor do saldo e,conseqüentemente, da renda na apo-sentadoria. A dedução do imposto derenda obedece ao limite de 12% do totalde rendimentos anuais.

Outras formasde se prevenirÉ bom deixar claro que esse não é o úni-

co instrumento que o músico pode ter paraa aposentadoria. Mesmo com planos deprevidência complementar, é importantecontinuar contribuindo para o INSS, ape-sar das dificuldades, como faz Carlos Mal-

ta. Ele admite que não é um contribuinteconstante “por diversas razões”, explica osaxofonista e flautista. “A regra do jogo,para nós, artistas, não é muito justa, porquesomos uma classe que ganha diferente,que tem horários diferentes, que paga dife-rente, que recebe diferente, precisamos dealgo um pouco mais ajustável para o nossomodus vivendi”, afirma o músico, que tam-bém é atuante no Sindicato dos Músicosdo Rio de Janeiro.

Exceção à regra, também há os que estãohá muito tempo contribuindo para a previ-dência pública. O baterista Rui Motta con-tribui desde 1970 para o INSS como autôno-mo na categoria 5 (20% sobre cinco saláriosmínimos). Ele comenta que chegou a ficardois anos sem pagar. Para resolver a pendên-cia, teve de ir a um posto do INSS fazer umfinanciamento do débito com a previdên-cia. Durante algum tempo ele pagou, para-lelamente, a contribuição normal e a presta-ção do débito com o INSS. Há cerca de umano, Rui se tornou contribuinte do Cultu-raPrev e aproveita uma das vantagens doplano, que é a suspensão do pagamento poraté um ano. “Gastei muito dinheiro na cons-trução da escola”, diz o músico se referindo àOficina de Percussão e Bateria que abriu emmaio no bairro Fonte da Saudade, no Rio deJaneiro. Ele tem até maio de 2007 para reco-meçar a pagar.

Zé Leal, que foi diretor social doSindMusi do Rio de Janeiro, destaca aimportância de contribuir para o INSSmesmo quando o músico participa de pla-nos de previdência complementar, comoé o caso do CulturaPrev, do qual tambémparticipa com a contribuição mínima.“Acho importante contribuir para o INSS,porque o CulturaPrev é complementar”,explica o percussionista de 43 anos, queatualmente participa de gravações e tocacom o cantor Elymar Santos.

Ainda há a opção da previdência com-plementar aberta, administrada por ban-cos ou seguradoras. Rui Motta chegou a

Carlos Malta e Gilberto Gil

“A regra do jogo, para nós, artistas, não é muito justa,porque somos uma classe que ganha diferente, que tem

horários diferentes, que paga diferente, que recebediferente, precisamos de algo um pouco mais ajustável

para o nosso modus vivendi” (Carlos Malta)

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participar de uma, mas teve de usar o di-

nheiro aplicado na construção do estúdio de

sua escola de música. Estes planos de previ-

dência são divididos em dois tipos: o PGBL e

o VGBL. Segundo o gerente de contas de

pessoa jurídica do Banco Bradesco, Jorge

Luis de Menezes Pontes, o PGBL seria um

plano mais para longo prazo, visando mesmo

à aposentadoria. Neste caso, é possível uma

dedução de até 12% do imposto de renda. Já

o VGBL seria mais uma aplicação financei-

ra, com rentabilidade maior, visando um res-

gate em três ou quatro anos. Neste caso, não

é possível descontar o imposto de renda.

Cada banco apresenta um valor para as já

citadas taxas de administração, gestão de

ativos e patrimônio. Dependendo do mon-

tante aplicado, é possível negociar a taxa de

administração de acordo com a flexibilida-

de do operador do fundo. Entre os bancos

pesquisados, havia taxas de 3,2% e 5% sobre

a contribuição. Também há as taxas de ges-

tão de ativos e sobre patrimônio.

Para aderir a esses planos, há um apor-

te inicial e uma contribuição mínima

mensal. Em um dos bancos pesquisados,

este aporte para um plano na modalida-

de PGBL é de 250 reais, com uma men-

salidade mínima de 80 reais.

ConscientizaçãoO caminho a ser percorrido na consci-

entização do músico com relação à sua

aposentadoria é longo. No estado do Rio

de Janeiro, por exemplo, o SindMusi tem

7.900 músicos cadastrados (os que pa-

gam a taxa sindical obrigatória). Destes,

3.580 são sócios, ou seja, pagam a taxa de

manutenção da sindicalização. Até o

mês de novembro, os que estavam em

dia com a anuidade de 2006 eram 482 e

os que pagaram alguma nos últimos qua-

tro anos eram 4.584. Com apenas 3% dos

sócios em dia com a anuidade, já dá para

perceber o tamanho do desafio de escla-

recer o músico sobre a sua aposentadoria

por meio dos sindicatos, que são o cami-

nho natural para o CulturaPrev. Neste

quadro, a campanha de divulgação, com

o programa Reconhecimento Além do

Aplauso, apoiada pela Funarte e Minis-

tério da Cultura ganha importância.

Rui Motta

Para obter informações mais deta-

lhadas sobre previdência privada

aberta, o ideal é acessar os sites de

bancos e seguradoras e procurar o

gerente do banco. Para mais informa-

ções sobre o CulturaPrev, inclusive

com simulação de benefícios e as enti-

dades que o apóiam, acesse algum

dos sites relacionados abaixo:

www.previdenciasocial.gov.br

www.petros.com.br

www.alemdoaplauso.com.br

www.mongeral.com.br

www.sindmusi.org.br

www.funarte.gov.br

www.bradesco.com.br

www.unibanco.com.br

www.sulamerica.com.br

www.itau.com.br

Para mais informações

“Acho importantecontribuir para o INSS,porque o CulturaPrev é

complementar” (Zé Leal,falando da importância de

contribuir para o INSSmesmo quando o músicoparticipa de previdência

complementar)

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Miguel Sá[email protected]

e a Previdência no BrasilLuiz Romero

Luiz Romero é o coordenador acadêmico do Instituto de Desenvolvimentoe Estudos Aplicados à Seguridade (Ideas), que desenvolve pesquisas naárea de seguridade, e fala sobre as vantagens e desvantagens de separticipar de um plano de previdência complementar.

Oque é previdência?

Luiz Romero - Previdênciaé um conceito que pertence ao

conceito maior de seguridade social.Em poucas palavras, é a atenção queas pessoas, individualmente e orga-nizadamente (através do Estado),dão as condições de bem-estar socialno presente (por meio da assistênciasocial) e no futuro (por meio da previ-dência). No caso específico da previ-dência, é compor no presente condi-ções que viabilizem um futuro debem-estar social (sobretudo financei-ro) de tal forma que ao cessar a capa-cidade laborativa das pessoas elas pos-sam continuar a viver uma vida dignae compatível com aquela vivida du-rante sua fase laborativa. Veja, porexemplo, o caso de artistas famosos nopassado que passam necessidades nopresente simplesmente porque enve-lheceram e perderam sua capacidadede trabalhar. A idéia de previdência écompor a sustentação do futuro a par-tir do presente. Tudo isso, cabe desta-car, em um contexto de sociedade enão apenas individualmente. Não seconfunde, portanto, com uma merapoupança. Em sua origem e raiz con-ceitual existem sutilezas importan-tes, como a solidariedade entre aspessoas que compõem o mesmo siste-ma previdenciário.

Quais são os tipos de previdênciaque existem no Brasil e as diferençasentre elas?

Romero - A previdência oficial, queé de responsabilidade de gestão do Esta-do. A previdência chamada comple-mentar, que pode ser de caráter “fecha-do” (os chamados fundos de pensão) e“aberto”, administrados, em geral, porinstituições financeiras. A previdência

fechada é voltada para um grupo fechadoque possui algum tipo de afinidade (em-pregados de uma mesma empresa, profissio-nais de uma mesma classe vinculados a umaentidade, etc), enquanto que a previdênciaaberta é tipicamente um produto individu-al, transacionado em uma empresa co-mercial. Cada uma dessas previdências éregida por leis e regras distintas, submeti-das ambas à fiscalização do Estado.

A previdência pública dá conta dasdemandas? Independentemente disso,é importante contribuir para o INSS?

Romero - A previdência públicaou oficial é necessária, porém não émais suficiente no mundo de hoje. Adinâmica da sociedade, suas caracte-rísticas atuais, seus limites e possibilida-des mudaram muito desde que o con-ceito de previdência foi instituído. Aexperiência das nações tem demons-trado que além da previdência oficialdeve existir espaço para a previdênciacomplementar. A previdência oficialmanteria o caráter de solidariedade eseguridade social, o que é indispensá-vel a uma sociedade que se queira fra-terna, com um traço mínimo de igual-dade, enquanto que a previdênciacomplementar respeitaria as diferen-ças desta mesma sociedade.

É vantajoso participar de uma pre-vidência complementar? É seguro?

Romero - É vantajoso na medidaem que o valor máximo da previdên-cia oficial pode ser considerado baixopara alguns profissionais que, no pre-sente, ganham valores acima desteteto e, naturalmente, querem preser-var um futuro mais compatível comseu nível atual. Quanto à segurança éuma resposta difícil. Eu diria que nasatuais condições de legislação e na

A idéia deprevidência é compor

a sustentação dofuturo a partir dopresente. Não se

confunde, portanto,com uma mera

poupança”

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prática até então observada parece ra-zoavelmente seguro. Existem casos ex-cepcionais que por vezes preocupam,sobretudo para quem está mais distan-te deste mundo pouco conhecido.Contudo, as experiências positivas sãoextraordinariamente maiores que osproblemas vivenciados.

As previdências complementaresfechadas podem ser melhores e maisseguras que as abertas? Qual delaspode ser mais vantajosa?

Romero - São produtos diferentes.Depende das necessidades, possibili-dades e características profissionais decada um. Existe espaço para ambas. Eupessoalmente tenho as duas. A noçãode vantagem é muito relativa.

Que cuidados o contribuinte devetomar ao se associar a algum tipo deprevidência complementar? Quais ar-madilhas ele pode encontrar nos planosde previdência complementar? Quaissão os riscos que ele pode correr?

Romero - Esta pergunta por si sómereceria uma ampla resposta. Sinte-ticamente deve-se atentar para: verifi-car cuidadosamente o contrato e o re-gulamento do plano, seus direitos edeveres, os custos administrativos, ascondições de saída, os mecanismos defiscalização e controle, a solidez credi-bilidade de quem administra. As ar-madilhas podem vir de questõespouco claras, de indefinições ou decustos disfarçados, ou ainda do uso depalavras e conceitos pouco conheci-dos. Os riscos estão sempre associados àexpropriação (transferência de valorseu para outros), deterioração dos ati-vos (dinheiro) acumulados ou simples-mente inadequação ou frustraçãoquanto às necessidades futuras face àsexpectativas do presente.

O que pode falar do CulturaPrev? Elepode ser realmente mais vantajoso para omúsico que algum fundo não específico,inclusive do ponto de vista do retorno emrelação ao que foi aplicado?

Romero - Esta resposta é muitodifícil para mim, uma vez que nãotenho informações suficientes paradar uma opinião neste nível. Preci-saria fazer uma análise técnica parapoder emitir um parecer nos termoscolocados. Posso, contudo, afirmarque a idéia é saudável. Com certezaos profissionais de música terão be-nefícios com uma previdência com-plementar. A Petros é uma grandeinstituição, de gestão altamente pro-fissional, com uma imagem sólida epossuí um corpo de profissionais alta-mente qualificados.

Como o senhor vê o futuro da pre-vidência? A previdência pública aindatem futuro?

Romero - A previdência públicatem que ter futuro. Existem problemassim, mas temos que resolvê-los. Ela serásempre necessária dentro de um mode-lo de sociedade solidária. Creio tam-bém que a previdência complementarirá crescer muito, em todas as suas ca-tegorias: aberta e fechada.

Qual outro comentário que gosta-ria de acrescentar?

Romero - Precisamos desenvolvere difundir a cultura previdenciária.Muitos brasileiros não têm a menoridéia do que seja previdência. Achoque a classe artística em geral podeajudar muito nesta difusão e discussãode idéias que são tão importantes paratodos nós. Aprendemos muito com oconhecimento cientifico, mas apren-demos também muito (e talvez atémais) com a arte.