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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
ANA CRISTINA SANTOS LIMEIRA
ARTESÃS PROFISSIONAIS: estudo das relações entre os saberes da
cultura artesanal e os saberes tecnológicos nas histórias de vida de egressas
do Curso Técnico de Artesanato / PROEJA do Instituto Federal de Ciências
e Tecnologia de Alagoas – IFAL
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO
SÃO PAULO
2015
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
ANA CRISTINA SANTOS LIMEIRA
ARTESÃS PROFISSIONAIS: relações entre os saberes da cultura
artesanal e os saberes tecnológicos nas histórias de vida de egressas do
Curso Técnico de Artesanato / PROEJA do Instituto Federal de Ciências e
Tecnologia de Alagoas – IFAL
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência
parcial para a obtenção do título de Doutora em
Educação: Currículo, sob a orientação do Prof. Dr.
Alípio Márcio Dias Casali.
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO
SÃO PAULO
2015
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________
Prof. Dr. Alípio Márcio Dias Casali - Orientador
__________________________________________________________
Prof.ª Dra. Edla Eggert - UNISINOS
____________________________________________________________________
Prof.ª Dra. Marinês Viana de Souza - UFAM
____________________________________________________________________
Prof.ª Dra. Nádia Dumara Ruiz Silveira – PUCSP
_________________________________________________________________
Prof. Dra Maria Stela Santos Graciani - PUCSP
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Prof. Dr. Alípio Casali, pela amizade, orientação e incentivo nos
momentos necessários desta pesquisa.
Às Prof.as Dra. Edla Ergget, Dra. Marinês Viana Souza, Dra. Nádia Dumara Ruiz Silveira,
pelas valiosas contribuições dadas na Banca de Qualificação.
À Prof.ª Dra. Maria Stela Santos Graciani, por sua participação nesta Banca de Defesa.
Ao Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na pessoa
da Prof.ª Branca Jurema Ponce, o agradecimento a todos os docentes pelos momentos
enriquecedores para minha formação.
À Prof.ª Dra. Laura Cristina Vieira Pizzi, o especial agradecimento pela amizade, apoio e
incentivo à minha vida acadêmica.
Às artesãs, egressas do curso técnico de artesanato do Instituto Federal de Alagoas, pela
disponibilidade, acolhida e confiança ao longo da pesquisa.
Aos docentes do curso técnico de artesanato, pela disponibilidade e acolhimento.
Ao Instituto Federal de Alagoas, pelo apoio institucional e por autorizar a pesquisa, bem
como aos colegas de trabalho, pela força constante e imprescindível na caminhada.
Às amigas do doutorado Eulina Nogueira e Daniela Ando, pelos momentos de partilha,
amizade e convivência, importantes para superar a saudade da família na estadia em São
Paulo.
Às amizades construídas em São Paulo e, sendo inviável citar todas, concentro na família
Barboza, que me acolheu nesta cidade, o agradecimento a todos/as os/as amigos/as.
Aos meus familiares em nome de Nazaré Alves, Celso Giória e Selme, a minha gratidão pelo
colo amigo quando necessitei de acolhida e incentivo.
Às amigas, que sempre se fizeram presentes, Mary Selma Ramalho e Cláudia Albuquerque, a
certeza de que a amizade é imprescindível em qualquer etapa da vida.
E não poderia deixar de expressar gratidão à minha irmã Salete Limeira e a meus irmãos
Assis, Lineu, Limeirinha e Arnon, como também aos/as sobrinhos/as, por compreenderem os
momentos nos quais me distanciei para o doutorado; minha gratidão pela paciência e carinho
para com a conclusão desta etapa tão importante em minha vida acadêmica.
LIMEIRA, Ana Cristina Santos. Artesãs profissionais: relações entre os saberes da cultura
artesanal e os saberes tecnológicos nas histórias de vida de egressas do Curso Técnico de
Artesanato / PROEJA do Instituto Federal de Ciências e Tecnologia de Alagoas – IFAL
RESUMO
A presente pesquisa analisa os impactos da formação das artesãs egressas do Curso
Técnico de Artesanato - Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a
Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos / PROEJA na sua
reinserção no mercado de trabalho artesanal após uma formação técnica profissionalizante,
que foi realizada no período 2008-2010, no Instituto Federal de Ciências e Tecnologia de
Alagoas – IFAL. Através das histórias de vida das artesãs foi possível compreender os
impactos do processo da formação das mulheres artesãs nesse curso, suas experiências e
expectativas sociais na produção artesanal viabilizadas por meio de práticas curriculares para
a Educação de Jovens e Adultos que reconhecem e valorizam o valor da cultura artesanal, a
criação e a produção artesanal na educação profissionalizante de artesãs. Ao investigar o
retorno ao mercado artesanal após a formação, foi possível, com as narrativas das histórias de
vida das artesãs, investigar como se deu o crescimento pessoal através de sua percepção
profissional como artesã, seu lugar na família e na sua comunidade. O problema da tese é o
desconhecimento de como as artesãs egressas e os docentes do curso técnico em artesanato do
IFAL percebem o reconhecimento, a valorização e a visibilidade social do trabalho artesanal a
partir da formação oferecida no curso. A opção metodológica é de cunho qualitativo com uso
de pesquisa narrativa e abordagem em História de Vida. Tem como referenciais teóricos
Nóvoa (2010), Josso (2004), Ferrarotti (2010), Clandinin (2011). Esses autores trazem um
viés de uma relação direta com a identidade dos sujeitos desta pesquisa, considerando que o
método biográfico permite que seja concedido um grande respeito pelo processo dos adultos
que se formam, ao resgatar não somente o contexto de sua vida pessoal, profissional e social,
como também a trajetória de sua formação aliada ao valor cultural, político e ético. Os
resultados deste estudo podem contribuir para: enriquecer o valor cultural, social e
econômico que gera emprego para as mulheres em Alagoas, valorizar o reconhecimento do
IFAL enquanto espaço de formação para artesãos/ãs e trazer novos referenciais para a teoria e
práticas curriculares na relação entre currículo, conhecimento e cultura.
Palavras-Chave: Currículo. Artesãs. Profissionalização. Histórias de vida.
LIMEIRA, Ana Cristina Santos. Professional artisan: relationship between the knowledge of
handicraft culture and the technological knowledge from the life stories Curso Técnico de
Artesanato / PROEJA do Instituto Federal de Ciências e Tecnologia de Alagoas – IFAL
attendees.
ABSTRACT
The current research analyses the training impacts of the “Curso Técnico de
Artesanato - Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação
Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos / PROEJA” attendees in the
handicraft labour market after a technical training program, which was realized in the period
of 2008-2010, in the Instituto Federal de Ciências e Tecnologia de Alagoas – IFAL. Through
the histories of craftswomen lives it was possible to understand the impacts of the formation
process in this course, their experiences and social expectations in the handicraft production
made viable through curricular practices to the education of young people and adults who
recognize and value handicraft culture, the creation and handicraft production in the
professional education of craftswomen. By investigating the handicraft marketplace after
training, it was possible, with the craftswomen life stories in hand, to investigate how
personal growth developed through their professional perception as craftswoman, their place
in the family and their community. The problem with the thesis is the lack of knowledge in
how the attendee craftswomen and the IFAL handicraft technical course docents realize the
recognition, the valuation and social visibility of handicraft work from the formation offered
in the course. The methodological option is qualitative with narrative research and life history
approach. It has as references the theories Nóvoa (2010), Josso (2004), Ferrarotti (2010),
Clandinin (2011). These authors bring a direct relation bias with the identity of the subjects in
this research, considering that the biographical method allows to be granted a great respect for
the adult training process, by rescuing not only their personal, professional and social lives
context but their training trajectory allied to cultural, political and ethical values. The results
of this study can contribute to: enrich culture, social and economical values which creates jobs
to the women in Alagoas, value the IFAL recognition as training spot for craftsmen and
craftswomen, and bring new references to the theory and curricular practices in the relation
between curriculum, knowledge and cultures.
Keywords: Curriculum. Craftswomen. Professionalizing. Life Stories.
LISTA DE TABELAS
Tabela 01: Distribuição do eleitorado de Alagoas por grau de instrução............. 21
Tabela 02:
Classificação por faixa etária da Escola de Aprendizes de Artífices
de Alagoas/1911..................................................................................
26
Tabela 03:
Demonstrativo do censo de artesãos por estado / 2014......................
37
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 Taxa de escolarização bruta e líquida no ensino fundamental e
ensino médio em Alagoas: 1980/2009 (%).......................................
23
Quadro 02
Matrícula inicial por dependência administrativa na modalidade da
educação de jovens e adultos (presencial) em Alagoas 1999/2010...
24
Quadro 03
Demonstrativo de matrícula da primeira turma por ofício na Escola
de Aprendizes de Artífices em Alagoas ...........................................
26
Quadro 04
A expansão do IF em Alagoas...........................................................
28
Quadro 05
Demonstrativos de oferta dos cursos do campus Maceió/2013........
28
Quadro 06
Demonstrativos de oferta do curso técnico de artesanato no IFAL
2008 /2014.........................................................................................
29
Quadro 07 Distribuição dos módulos na organização curricular integrada ........ 32
Quadro 08 Organização Curricular do Módulo I ................................................ 32
Quadro 09 Categorização dos estudos centrada nas histórias de vida dos.......... 57
Quadro 10 Contexto Histórico e Social das Artesãs em sua trajetória de
formação ...........................................................................................
58
Quadro 11 Identificação das artesãs do Curso Técnico Artesanato .................... 67
Quadro 12 Perfil das Artesãs da primeira turma matriculada em Curso
Técnico de Artesanato/2008 .............................................................
69
Quadro 13 Quantitativo das participantes da Pesquisa, 2014..............................
70
Quadro 14 Escolaridade do Ensino Fundamental / Curso Técnico de
Artesanato .........................................................................................
73
Quadro 15 Escolaridade do Ensino Fundamental / Curso Técnico de
Artesanato .........................................................................................
73
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 Mapa de Alagoas com os municípios da Costa litorânea do norte ao
sul do estado, Sertão e Agreste ...........................................................
38
Figura 02 O tear e o processo de criação do filé.................................................. 39
Figura 03 A cultura do bordado “Rendendê”: mãos, agulha e o bastidor............ 40
Figura 04 O trançado da palha do Ouricuri e a tradição indígena....................... 41
Figura 05 “Mulheres de Fibra": mulheres artesãs no assentamento agrário em
Maragogi/AL........................................................................................
42
Figura 06 Arte em cerâmica: Quilombola: Serra da Barriga/ União dos
Palmares – AL......................................................................................
43
Figura 07 A singeleza do bordado filé ...........................................................
91
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................... 11
CAPÍTULO I - A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E O PROEJA EM ALAGOAS
21
1.1 Contexto educacional de Alagoas................................................................. 21
1.2 O PROEJA: a gênese de um programa social no IFAL................................ 25
1.3 A profissionalização das artesãs em Alagoas................................................ 30
1.3.1 Os desafios para a integração curricular....................................................... 31
1.4 A dimensão e o lugar que o artesanato ocupa em Alagoas........................... 35
CAPÌTULO II - AS ARTESÃS E A CULTURA POPULAR ................................
46
2.1 O processo de produção da cultura artesanal................................................ 46
2.2.1 A importância da arte e a criação artística.................................................... 49
2.2.2 A indústria cultural e o mercado de trabalho artesanal................................. 52
2.2.3 A (in)visibilidade da mulher na produção artesanal..................................... 54
2.2 Territórios e fronteiras da formação.............................................................. 56
2.3 Base conceitual: o artesanato e a arte popular.............................................. 61
CAPÍTULO III - AS ARTESÃS NARRADORAS E SUAS HISTÓRIAS DE
VIDA ENTRETECIDAS NO ARTESANATO: currículo, vivências e experiências
66
3.1 O caminho da pesquisa e suas trilhas investigativas..................................... 75
3.2 O contexto histórico e social das artesãs em sua trajetória de formação...... 78
3.2.1 As trajetórias de vida e os fios que entrelaçam ao artesanato....................... 80
3.2.2 O artesanato como ofício e o processo de criação artesanal......................... 84
3.2.3 Os Impactos do processo de formação: da profissionalização ao mercado
de trabalho artesanal......................................................................................
86
CAPÍTULO IV – TENSIONAMENTO DO CURRÍCULO AO PROCESSO DE
CRIAÇÃO: reflexões docentes ..................................................................................
91
4.1 O diálogo de saberes e práticas para o processo de criação e produção
artesanal......................................................................................................
92
4.2 Os conhecimentos da cultura do saber artesanal validados como eixos
norteadores do currículo................................................................................
96
4.3 Limites pedagógicos: malha conceitual de pensar o curso........................... 97
4.4 Os embates da formação e o mercado artesanal............................................ 100
4.5 Traçando novos caminhos para outras narrativas......................................... 108
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................
110
REFERÊNCIAS........................................................................................................
APÊNDICES............................................................................................................. 114
121
ANEXO...................................................................................................................... 129
11
INTRODUÇÃO
A trilha investigativa desta tese de doutorado está relacionada diretamente com o
entrelaçamento da minha relação de trabalho com a educação profissional em Alagoas, desde
o ano de 2002, no Instituto Tecnológico do estado, quando atuei na Coordenação Pedagógica
dos cursos técnicos na capital. Isso impulsionou a minha trajetória acadêmica, influenciando o
objeto de pesquisa desde o mestrado, quando foi investigado o currículo do curso técnico de
artesanato na modalidade da educação de jovens e adultos no âmbito do PROEJA no Instituto
de Educação, Ciências e Tecnologia – IFAL1. Essa investigação culminou na dissertação
(2010): Currículo integrado do Proeja: um estudo dos (des)encontros de várias práticas e
saberes - PPGE/ UFAL.
Os desdobramentos da pesquisa, por meio das análises da integração de saberes
tradicionais, possibilitaram observar as inter-relações entre os saberes profissionais e
tecnológicos, próprios dos currículos de cursos técnicos, e os saberes tradicionais, dos ofícios
artesanais.
O curso técnico em artesanato ofertado no Instituto Federal de Ciências e Tecnologia
de Alagoas – IFAL, no período 2008/2010, trouxe inquietações que não se esgotaram na
pesquisa de mestrado (2010), pela sua pertinência e relevância para os estudos no campo
curricular. Daí a razão de, agora, uma pesquisa em nível de doutorado.
A pesquisa realizada no curso técnico de artesanato, em 2008, possibilitou à
investigação uma experiência inovadora na época, uma formação técnica profissionalizante
em nível médio para artesãs com uma proposta curricular idealizada e estruturada para essa
categoria de profissionais, valorizando a cultura e os saberes práticos advindos de uma
tradição artesanal.
As questões centrais da discussão desta pesquisa junto ao curso técnico de artesanato
estão estruturadas em práticas de um currículo integrado, que foi pensado e planejado para
uma clientela específica: as artesãs de Alagoas, cujo saber está incorporado na cultura
popular, a qual se mantém constituída de saberes perpetuados através de seus ofícios, tradição
de uma cultura artesanal.
1 Peço licença aos homens artesãos de Maceió e aos alunos da primeira turma de artesanato/IFAL para que se
sintam incluídos na flexão plural feminina da palavra “artesãs”. É que, em nosso trabalho, todas as entrevistadas
foram mulheres. É relevante destacar que, no censo do artesão em Alagoas, 86% são mulheres; portanto, são
“artesãs”. E, se a regra é pela lógica de uma minoria, democraticamente, quando temos uma maioria de
mulheres, a linguagem pode ser toda no feminino. Eis, pois, uma forma de posicionar-se politicamente na
visibilidade das mulheres em Alagoas e no mundo.
12
Nossa pesquisa do mestrado (2010) possibilitou compreender que a vertente desta
organização curricular não se constrói e/ou se estabelece apenas por materializar-se em uma
confluência de níveis e modalidades da educação básica com os saberes artesanais e
científicos. Essa integração curricular também se propôs a superar a dualidade clássica entre o
ensino profissional e a formação geral, tendo a modalidade da educação de jovens e adultos
como centro do processo de aprendizagem e exigindo “novos redimensionamentos” aos
docentes para atender a especificidade da proposta pedagógica do curso.
A complexidade da proposta do PROEJA está contida nas relações que se tecem em
uma proposta de integração curricular para artesãos e artesãs nesse curso. E o diferencial da
proposta pedagógica se deu a partir da interação e reconhecimento dos sujeitos da educação
de jovens e adultos, trazendo para dentro do currículo a cultura do artesanato e a valorização
da cultura popular.
O reconhecimento da arte e da cultura especificamente nesse curso técnico
profissionalizante para artesãs, ademais, tem respaldo, como direito cultural, na Constituição
de 1988, que estabeleceu em seus artigos 215 e 216 o exercício dos direitos culturais e o
acesso às fontes de cultura nacional, ao valorizar e incentivar a produção cultural e difusão
das manifestações culturais.
A Ementa Constitucional nº 71, de 2012, ao acrescentar o art. 216-A à Constituição
Federal, institui o Sistema Nacional de Cultura, que consiste em um movimento de
reconhecimento de uma política nacional de cultura, a saber:
§ 1º O Sistema Nacional de Cultura fundamenta-se na política nacional de
cultura e nas suas diretrizes, estabelecidas no Plano Nacional de Cultura, e
rege-se pelos seguintes princípios:
I - diversidade das expressões culturais;
II - universalização do acesso aos bens e serviços culturais;
III - fomento à produção, difusão e circulação de conhecimento e bens
culturais;
IV - cooperação entre os entes federados, os agentes públicos e privados
atuantes na área cultural;
V - integração e interação na execução das políticas, programas, projetos e
ações desenvolvidas;
VI - complementaridade nos papéis dos agentes culturais;
VII - transversalidade das políticas culturais;
VIII - autonomia dos entes federados e das instituições da sociedade civil;
IX - transparência e compartilhamento das informações;
X - democratização dos processos decisórios com participação e controle
social;
XI - descentralização articulada e pactuada da gestão, dos recursos e das
ações;
XII - ampliação progressiva dos recursos contidos nos orçamentos públicos
para a cultura. (BRASIL, 2012)
13
O Sistema Nacional de Cultura consiste, portanto, em uma política do governo federal
para implementar uma articulação entre o Estado e a sociedade com a proposição de
organicidade, racionalidade e estabilidade às políticas públicas de cultura, através de ações
integradas nos estados e municípios brasileiros, buscar promover a diversidade cultural,
fomentar a produção e circulação de bens culturais como direito cultural, como direito do
cidadão à cultura.
Segundo dados da pesquisa de Informações do Perfil dos Municípios Brasileiros
(MUNIC, 2006/ p. 42), dos 5.564 municípios existentes no País, apenas 33,9% aderiram ao
Sistema Nacional de Cultura, enquanto 42,1% ainda não têm uma política cultural formulada,
o que denota uma fragilidade na institucionalização da adesão dos municípios ao aludido
Sistema. Atualizando esses indicadores por meio do Ministério da Cultura, os dados
estatísticos do acordo de cooperação federativo do SNC, pelo menos até 01/04/2015,
apresentam um percentual de 34,9%, ou seja, 1% de adesão dos municípios em 09 anos.
Quanto aos tipos de ações de cultura existentes nos municípios brasileiros, os dados da
mesma pesquisa (MUNIC, 2006, p.80) apontam uma notável diversificação das atividades
culturais existentes nos municípios. Os mais importantes destaques são as exposições de
artesanato (57,7%), as feiras de artes e artesanato (55,6%), os festivais de manifestação
tradicional popular (49,2%), os festivais de música (38,7%), os eventos de dança (35,5%), os
concursos de dança (34,8%) e os de música (31,9%).
Levando em conta os 16 diferentes tipos de atividades artísticas presentes nos
municípios, observa-se que 64,3% dos municípios brasileiros possuem algum tipo de
produção artesanal, liderando o percentual das manifestações esculturais identificadas na
pesquisa.
Em Alagoas, o censo do artesão realizado pela Secretaria de Estado do Planejamento e
do Desenvolvimento Econômico de Alagoas, entre 2008/2010, cadastrou 7.918 artesãos e,
apesar de 86% terem o artesanato como principal fonte ativa de renda, 90% não possuem
vínculo empregatício, apenas 6% estão inseridos em alguma associação e apenas 1% em
cooperativas. É importante destacar que o censo não faz nenhuma referência à escolaridade
dos artesãos em Alagoas, o que seria um dado relevante, de suma importância para fomentar
políticas públicas para a categoria.
Em pesquisa realizada sobre a oferta de cursos de artesanato nos Institutos Federais,
foi possível identificar que ela existe na modalidade PROEJA nos seguintes Institutos
Federais (IF):
14
1. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília - Campus
Taquatinga, com a oferta do curso técnico integrado de jovens e adultos em artesanato. Eixo
tecnológico: produção cultural e design. Carga horária: 2.400 horas, cujo início se deu em
2013, segundo consta da proposta do plano de curso (www.ifb.edu.br).
2. O Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia de Goiás – Campus
Cidade de Goiás, com a oferta do curso técnico em artesanato integrado ao ensino médio, no
período noturno. Eis um curso na modalidade da educação de jovens e adultos, com carga
horária de 2.460 horas, ofertado no período noturno (www.ifg.edu.br).
3. O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão, no Centro
Histórico, oferta o curso técnico em artesanato, com a proposta de criação e desenvolvimento
de produtos artesanais, utilitários ou decorativos, a partir de materiais, técnicas e processos
variados, além de gestar organizações referentes à produção artesanal. Modalidade: integrado
e PROEJA (www.ifma.edu.br).
São cursos técnicos profissionalizantes em artesanato, todos ofertados dentro da
proposta do PROEJA, visando atender a modalidade EJA em nível médio de ensino integrado
à educação profissional. A iniciativa ainda é, porém, incipiente no âmbito federal, apesar de
os cursos serem estruturados de acordo com a proposta pedagógica de cada um deles, com
suas especificidades próprias e com as demandas sociais de cada região onde são ofertados.
São propostas curriculares diferenciadas, todas voltadas para formar artesãos.
Também se insere nesse contexto o Programa Nacional de Acesso ao Ensino
Técnico e Emprego/PRONATEC. Teve início em 2011, é considerado como programa
prioritário da agenda do governo federal e visa a ampliar a formação do profissional,
principalmente trabalhadores e beneficiários de programas de transferência de renda.
Inicialmente ofertado pelo IF, as redes estaduais e municipais de educação e as instituições do
Sistema S (SENAI, SESI, SENAC, SESC) também ofertam. E essa demanda foi ampliada em
2013 com a oferta das instituições privadas.
Esse modelo tem uma forte relação com os outros programas, como o Plano Nacional
de Qualificação do Trabalhador/PLANFOR, implantado em 1996, no governo de Fernando
Henrique Cardoso. Ali se efetivou por meio de ações do Ministério do Trabalho e Emprego/
MTE e foi expandido para todas as regiões do país com financiamento de recursos do Fundo
de Amparo ao Trabalhador/FAT. Já a oferta se deu por ONGs, associações, comunidades,
instituições de ensino da rede pública, etc. As grandes questões que perpassaram esse formato
de programa, que visa a democratizar o acesso dos trabalhadores à qualificação profissional, é
a ausência de vinculação com a escolaridade, ou seja, não trazer em sua proposta o itinerário
15
formativo para esses trabalhadores, reafirmando, dessa forma, a inserção imediata de mão de
obra para atender a demanda de mercado.
A oferta e a expansão dos atuais programas de qualificação traz uma conotação que o
investimento do governo federal em implementar a qualificação e inserção de trabalhadores
através de cursos de formação continuada, em novos programas, visando à inserção de forma
mais imediata/restrita ao mercado de trabalho, não tem impulsionado a politica do PROEJA
no âmbito da rede federal, como afirma Franzoi, 2013:
O “esquecimento” do PROEJA diante do PRONATEC pode pôr a perder os
ganhos que esse programa trouxe ao público da EJA, tanto em qualidade
quanto em acesso às escolas federais onde antes não tinham vez nem lugar.
A intencionalidade de oferecer o PROEJA dentro do PRONATEC é outra
perspectiva que preocupa, com o agravante de que esta possibilidade pode
condená-lo ao seu fim, tendo em vista que o PRONATEC possui caráter
emergencial e pode ser substituído a qualquer tempo por um novo programa
de governo para formação aligeirada de trabalhadores (FRANZOI, 2013, on-
line).
A inserção da proposta do PROEJA no IF, mesmo que ainda tenha sido efetivada com
resistências para institucionalizar a modalidade EJA em seu plano de desenvolvimento
institucional, trouxe avanços, considerando a dívida social do governo federal para com a
formação de trabalhadores, uma conquista que tem sintonia com a LDBEN e o Plano
Nacional de Educação/PNE (2014-2024). A questão central está na descontinuidade de
propostas que não trazem um caráter formativo social para os trabalhadores.
PROBLEMA, OBJETO e OBJETIVO DA PESQUISA
A pesquisa exige que o pesquisador adote procedimentos teóricos e metodológicos
para nortear o planejamento, seja para encontrar o fio condutor que irá tecer o próprio
trabalho, seja para refinar o problema a ser investigado, o objeto e os objetivos. Essa
construção do caminho metodológico nos remete a escolhas que delimitaram a abrangência da
pesquisa, o que não é uma tarefa tão fácil para o pesquisador; é desafiante e provocadora.
Consideramos que a definição do problema da tese é um dos momentos mais
inquietantes da elaboração do projeto de pesquisa; pois, ao mesmo tempo que requer decisão
para responder o que e para que esse problema, também traz implícita a questão da relevância
social da pesquisa, que trata do conhecimento que será ampliado, interpretado, socializado. A
pesquisa está contida no brilho do olhar do pesquisador, no desejo de investigação que o
16
seduz para que o conhecimento por ele produzido possa ser validado pela comunidade
acadêmica.
A pesquisa nesta tese é oriunda do desdobramento das investigações do mestrado e
das inquietações ao conhecer a organização curricular do curso técnico de artesanato, o locus
onde se deu o curso, o Instituto Federal de Educação de Alagoas/IFAL, que tem tradição
centenária na oferta da educação profissional no estado. Além disso, são relevantes neste
trabalho a importância da cultura que envolve os seus sujeitos, a relação da pesquisadora que
se estabeleceu com os atores da pesquisa e, principalmente, a relevância de investigar uma
política pública para a formação das artesãs de Alagoas.
O Instituto Federal de Alagoas / IFAL, uma entidade formadora com tradição em
produzir conhecimentos tecnológicos de ponta, conhecimentos estes que são articulados entre
a ciência e o mundo produtivo, tem como um dos princípios norteadores atender as demandas
do setor de produção da região. Foi nesse instituto, onde os saberes tecnológicos possuem
uma dinâmica própria, altamente valorizada com a oferta do ensino tecnológico, que se
instituiu a oferta do curso técnico de artesanato, em 2008, como uma das ações de
implantação do PROEJA.
Dessa forma, é importante compreender o que representa a formação em artesanato
para o fortalecimento da identidade cultural do estado de Alagoas. Considerando que o
artesanato em Maceió é um segmento “profissional” importantíssimo e que tem, em sua arte
de fazer, o trabalho feminino, ele possui valor cultural de arte popular e, não bastasse, resiste
à indústria cultural, empreendendo um segmento econômico importante, pois gera emprego
com efeitos culturais. A artesã é uma categoria profissional desvalorizada por diversos
fatores, mas um deles é o fato de ainda não haver a regulamentação da profissão, apesar da
tramitação na Câmara dos Deputados do Decreto para o reconhecimento da profissão.
Portanto, o problema central em discussão é o desconhecimento de como as artesãs
egressas e os docentes do curso técnico em artesanato do IFAL percebem o reconhecimento, a
valorização e a visibilidade social do trabalho artesanal a partir da formação oferecida no
curso.
Os saberes de seus ofícios, passados de geração para geração, foram importantes como
ponto de partida desse processo de aprendizagem. Ao serem reconhecidos e valorizados no
currículo do curso do PROEJA/IFAL, há uma tendência de valorização também das
profissionais portadoras desses saberes. As artesãs egressas do curso sentiam-se valorizadas
pelo saber prático que trouxeram de seus ofícios. Isso ficou evidente durante a pesquisa do
mestrado.
17
No entanto, há outro fator importante, que diz respeito à forma como atuam, ainda de
maneira muito precária, em Alagoas, e que diz respeito à luta pelos direitos sociais das
artesãs: o movimento de uma categoria pela aprovação do Projeto de Lei2 para a
regulamentação do ofício do artesão no país.
Apesar de existir um apoio institucional do Programa do Artesanato Brasileiro / PAB,
através da Secretaria da Indústria e Comércio de Alagoas, as vendas dos produtos artesanais
são realizadas em feiras livres de artesanato, em mercados de artesanato ou mesmo de “porta
em porta” nos bairros da cidade, diretamente ao cliente. Na cidade de Maceió, mesmo com
seu potencial turístico, nem todas as artesãs têm acesso a pontos de venda do artesanato, nem
todas têm trabalhos reconhecidos e consolidados que garantam a sobrevivência econômica
exclusivamente do artesanato.
Poucas são as artesãs que conseguem ser reconhecidas e/ou valorizadas como artistas e
viver exclusivamente de sua profissão, pois em sua maioria o trabalho artesanal é uma
segunda fonte de renda. É um percentual pequeno das artesãs que possuem barracas em
espaço público; algumas só conseguem participar de exposição em feiras de artesanato ou em
pontos turísticos da cidade, em determinados períodos, dependendo do fluxo do turismo, da
alta temporada.
É perceptível que nas feiras há um artesanato massificado, a exemplo da jangadinha
em madeira que existe em todas as regiões do nordeste do Brasil, identificando a cidade em
sua vela: “Estive em Maceió, lembrei de você”, por exemplo. Esses produtos são
comercializados por atravessadores que dividem os espaços de venda com as artesãs.
Quanto aos ateliês das artesãs, na sua maioria, são espaços improvisados em suas
residências, sem infraestrutura de trabalho, pois lhes faltam recursos para investir na
produção, na matéria-prima, nos instrumentos de trabalho para o processo de criação,
experimentação e elaboração dos produtos.
É imprescindível considerar a diversidade cultural existente no país, a relevância do
artesanato como fortalecimento do resgate cultural e de definição de políticas para o fomento
da cultura e, em especial, para a profissionalização e visibilidade social das mulheres artesãs.
2 Projeto de Lei nº 7.755/2010, que visa a definir a atividade profissional do artesão. Eis um tema que tramita nas
esferas legislativa, judiciária e executiva; no entanto, apesar da política de implementação de um Sistema
Nacional de Cultura (CF/1988 e EC nº 71, de 2012), a Comissão de Educação (2013) não estabeleceu nenhum
diálogo quanto ao projeto, ou seja, o tema “cultura” não dialoga com o “educativo”. A relatora da Comissão de
Cultura, deputada Luciana Santos, ressalta o quanto o artesanato brasileiro muito tem lutado pelo
reconhecimento legal como atividade econômica. Em 25/03/2015, o PL foi encaminhado à Comissão de
Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio.
18
Dessa forma, pretende-se desenvolver uma pesquisa cujo objetivo geral consiste em
analisar em que medida os conhecimentos, as experiências e as vivências produzidos através
de uma organização curricular integradora do curso de artesanato do PROEJA/IFAL
viabilizaram a reinserção das artesãs, com mais autonomia, no mercado de trabalho após a
formação profissionalizante.
Como desdobramento, teremos os seguintes objetivos específicos:
a. Identificar as mudanças das práticas e as transformações na cultura das artesãs após
a formação técnica e suas implicações na sua inserção no mercado de trabalho;
b. Identificar a incorporação dos conhecimentos tecnológicos aos saberes tradicionais
na produção artesanal;
c. Analisar em que medida o entrelaçamento das práticas e saberes reconhecidos e
ampliados que se estabeleceram na organização curricular deste curso possibilitou a
autonomia das artesãs no processo de criação do artesanato;
d. Apresentar como se dá a implementação da política de fomento para o artesanato
em Alagoas;
A relevância desta pesquisa reside em contribuir para um debate na educação de
jovens e adultos, na formação profissional das mulheres no artesanato e no campo curricular,
através do processo de formação continuada de mulheres artesãs. Dialogar com a instituição
escolar, através dessa pesquisa, para validar e ampliar as experiências sistematizadas e
vivenciadas que teceram pelas mãos das artesãs egressas na aprendizagem e no processo
laboral.
Como também, no processo de criação, da produção artesanal e na sua inserção no
mercado artesanal, o que revela respeito ao processo de quem se forma – Artesãs Narradoras,
e, através de suas histórias de vida, respeito à identidade cultural, da autonomia econômica e,
sobretudo, da visibilidade social do trabalho dessas mulheres.
Para o desenvolvimento deste estudo, foi empregada a pesquisa narrativa, como
enfoque metodológico para a análise das narrativas das histórias de vida das artesãs egressas
do curso técnico em artesanato (primeira turma, que concluiu em 2010).
A opção metodológica pela pesquisa narrativa se dá nessa tessitura sobre o formar -
como se constrói o processo de formação (antes da escola no processo de autoformação x
espaço formal) no caso específico dessas mulheres, que trazem saberes vindos da cultura
popular. E, ainda, enquanto proposta pedagógica reconhecer o formar-se – permitir ao sujeito
refletir sobre a integralidade de sua formação (o valor cultural, ético, político), para que possa,
através de práticas pedagógicas dialogar com os seus saberes no exercício da produção e da
19
criação, para assim validar o currículo no qual ela se forma. Uma proposta é apresentada por
Nóvoa (2010), que também nos guia nessas reflexões:
A questão central continuou se formar (Como? Quando? Onde?) e não
formar-se (o que é formador na vida de cada um?); continuou a refletir-se (e
a trabalhar-se) fundamentalmente em torno de uma formação
institucionalizada. [...] Mas faltou uma interrogação epistemológica sobre
o processo de formação [...] (grifos do autor) (NÓVOA; FINGER, 2010, p.
23).
Nessa perspectiva, Nóvoa; Finger (2010) trata da necessidade de uma interrogação
epistemológica para o processo de formação de adultos, o que está subtendido numa crítica
sobre uma “visão desenvolvimentista” de educação, visando, com isso, através da pesquisa
narrativa, a favorecer o indivíduo para “pensar-se na ação”.
O método biográfico permite que seja concedida uma atenção muito
particular e um grande respeito pelos processos das pessoas que se formam:
nisso reside uma das principais qualidades, que o distinguem, aliás, da maior
parte das outras metodologias de investigação em ciências sociais.
Respeitando a natureza processual da formação, o método biográfico
constitui uma abordagem que possibilita ir mais longe na investigação e na
compreensão dos processos de formação e dos subprocessos que o compõem
(NÓVOA; FINGER, 2010, p. 23).
E, para a pesquisa com os docentes, optamos pela entrevista e grupo de discussão, para
trazer suas análises e reflexões sobre o curso, pois fazem parte desse processo, são os
mediadores dessa formação e têm contribuições significativas para o processo de formação
dessas mulheres. Weller (2013), apresenta uma abordagem desenvolvido por grupos de
discussão na Alemanha, destacando a importância do aporte teórico metodológico desse
procedimento como um método de investigação.
Após a breve contextualização, apresentamos a estrutura da tese, composta em quatro
capítulos assim organizados e definidos:
No primeiro capítulo, definido como A educação profissional e o PROEJA em
Alagoas, apresentamos reflexões sobre o contexto educacional de Alagoas e a política de
profissionalização na qual se efetivou a formação da primeira turma do curso técnico de
artesanato do Instituto Federal de Alagoas/IFAL, inserido em um programa que se encontra
sobreposto pela política do PRONATEC, ainda tratado como programa e sem o
reconhecimento institucional, apesar do valor social da formação de artesãs. Houve retomada
de análises da organização curricular do curso, da formação inicial das artesãs, da avaliação e
da criação laboral do artesanato, análises estas que se deram no processo de formação das
egressas.
20
No segundo capítulo, definido As artesãs e a cultura popular, buscamos analisar o
processo de produção da cultura artesanal, retomando a importância da arte e da criação
artística, a indústria cultural e o mercado de trabalho artesanal, além da (in)visibilidade da
mulher na produção artesanal e dos “embates” do território e fronteiras de formação.
No terceiro capítulo, denominado As artesãs e suas histórias de vida entretecidas no
artesanato: currículo, saberes, vivências e experiências, foi estudado o entrelaçamento
trazendo o currículo como campo onde se deu o diálogo dos saberes aliados às experiências
que as artesãs trazem de seus ofícios, que resgatamos das narrativas das histórias de vida das
mulheres no exercício de seus ofícios, na cultura popular.
No quarto capítulo, Tensionamento do currículo ao processo de criação: reflexões
docentes, é discutido o tensionamento do curso a partir da visão formadora de quem o
planeja, de quem esteve no cotidiano da sala de aula e vivenciou, durante três anos, a
experiência da organização curricular integrada para formar mulheres artesãs, resgatando suas
histórias e seus conhecimentos em um curso que reconhece seus saberes e ofícios artesanais.
Isso deveras tem, nesses sete anos de implantação do curso, contribuído com a formação das
artesãs em Alagoas.
E, para finalização da presente tese, nas Considerações finais, retomamos as tramas
que envolveram o curso, numa perspectiva de contribuir com as práticas curriculares de uma
organização que reconhece a identidade cultural dos atores sociais, na modalidade da
educação de jovens e adultos, cuja relevância está em trazer para a academia um tema pouco
valorizado – o processo de aprender e ensinar a cultura artesanal, a partir das narrativas das
histórias de vida de mulheres que lutam pela visibilidade e pelo reconhecimento do trabalho
artesanal em Alagoas.
21
CAPÍTULO I – A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E O PROEJA EM ALAGOAS
Neste capítulo abordaremos a educação em Alagoas tomando como base o perfil do
eleitorado de 2008/2012 e as taxas de escolarização da educação básica de 1980/2009. A
tarefa é refletir sobre a dimensão do PROEJA para a formação de mulheres artesãs e
considerar o valor cultural e econômico da cultura para o estado de Alagoas. É, pois, uma
análise que se propõe a discutir o papel social do Instituto Federal de Alagoas, ao ofertar
curso de formação de artesãos/ãs.
1.1 Contexto educacional de Alagoas
Analisar os indicadores sociais do estado de Alagoas nos possibilita compreender as
variáveis presentes nas relações intersubjetivas que permeiam o processo formativo em
Alagoas, pois são indicadores que retratam o contexto social, político e educacional. Nesta
pesquisa, a proposta inicial foi redimensioná-los para a escolaridade dos ensinos fundamental
e médio, visando a investigar como se deram os processos da escolaridade das artesãs.
Enfatizamos que, muito mais que retratar dados estatísticos para quantificar o
diagnóstico desses indicadores, a ideia é repensar o processo educacional em Alagoas, tendo
como base o perfil de escolaridade dos eleitores, cujos indicadores sociais, ao retratar o grau
de instrução da população, revelam também o perfil do eleitor jovem, de 16 anos, que é a
idade mínima exigida pelo Tribunal Superior Eleitoral, apesar de não demarcá-los nos
percentuais divulgados pelo site.
Através do relatório do TSE de 2008/2012, foi possível conhecer os percentuais da
eleição de 2012 e a escolaridade dos eleitores alagoanos, conforme apresentamos na tabela 01,
para uma posterior análise do que representam os índices para o estado de Alagoas:
Tabela 01: Distribuição do eleitorado de Alagoas por grau de instrução
Grau de Instrução 2008 % 2010 % 2012 %
Não Informado 1.663 0,0084 1.438 0,0071 2 0,000
Analfabeto 332.791 16,835 325.009 15,976 248.433 13,335
Lê e escreve 489.681 24,771 472.014 23,202 312.238 16,760
E. Fund. Incompleto 631.774 31,959 651.018 32,002 506.010 27,161
E. Fund. Completo 89.667 4,536 90.178 4,433 86.800 4,659
E. Médio Incompleto 235.016 11,888 265.775 13,065 197.247 10,587
E. Médio Completo 138.147 6,988 160.309 7,880 322.125 17,290
Superior Incompleto 23.988 1,213 29.522 1,451 76.269 4,094
Superior Completo 34.109 1,725 39.063 1,920 113.905 6,114
Total 1.976.836 2.032.888 1.863.029
Fonte: TSE/2014.
22
Destacamos inicialmente o índice de analfabetos dos que leem e escrevem, cujo
percentual em 2012 foi de 30% dos eleitores alagoanos. Outro aspecto a considerar refere-se
aos eleitores que possuem o ensino fundamental incompleto ou completo, perfazendo um total
de 31%, o que significa dizer que 61% dos eleitores de Alagoas possuem baixo índice de
escolaridade. Apenas 17% dos eleitores têm o ensino médio completo. É relevante refletir
acerca desses indicadores, pois os dados expressam a desigualdade social da população
alagoana, que, consequentemente, não possui uma qualificação elevada para o trabalho. Para
Carvalho (2007), esses indicadores retratam as consequências diretas da combinação entre
pobreza, concentração de renda e baixa escolaridade.
Segundo os indicadores sociais (IBGE 2012), entre as regiões que concentram a maior
parcela de trabalhadores informais, o Nordeste apresenta a menor média de anos de estudo.
Tal resultado é reflexo, por um lado, da maior oferta de empregos precários e, por outro, da
baixa qualificação da população; ou seja, quanto menor é o nível de escolaridade, maior é o
índice de pessoas que atuam na informalidade: eis a relação capital humano e trabalho.
Quanto à educação superior em Alagoas, podemos considerar qualitativamente o
avanço dos índices de 3% para 10% dos eleitores que obtiveram o acesso ao nível superior no
período 2008/2012, o que pode ser atribuído à expansão e à interiorização da educação
superior, tanto na esfera pública quanto na privada.
A análise dos indicadores do TSE requer uma interpretação que favoreça a
compreensão das causas e/ou consequências desses entraves que permeiam o sistema
educacional em Alagoas, em especial na educação básica, redimensionando o olhar sobre a
educação de adultos.
Uma das hipóteses sobre a baixa escolarização da população de Alagoas está nas
distorções entre a idade cronológica e o ano cursado. Os indicadores apresentados no Anuário
Estatístico (2010) da Secretaria de Educação de Alagoas retratam como a distorção foi
acentuada desde a década de 1980 até 2009, principalmente no ensino fundamental.
Considere-se que a matrícula bruta é a razão do número total de estudantes que
frequentam determinado curso independentemente da idade, enquanto a matrícula líquida é o
percentual de pessoas com faixa etária apropriada para frequentar determinado curso,
consoante estipula a legislação educacional vigente.
No quadro 01, apresentamos um panorama das matrículas do ensino fundamental e
ensino médio de Alagoas. Com esses dados, será possível tecer análises das décadas de 1980,
1990 e 2000, precisamente até 2009:
23
Ano Ensino
Fundamental
Ensino Médio
Bruta Líquida Bruta Líquida
1980 74,5 59,5 19,5 5,6
1991 93,4 72,4 24,6 8,5
1998 132,4 86,3 34,7 11,5
2000 134,5 89,3 44,5 11,5
2009 115,3 89,3 67,4 33,3
Quadro 1: Taxa de escolarização bruta e líquida no ensino fundamental e ensino médio de Alagoas: 1980/2009
(%)
Fonte: Anuário Estatístico da Educação de Alagoas/2010
A educação em Alagoas, segundo o PEE/AL 2006/2015, sofre nos anos finais de 80 os
impactos das mudanças econômicas no cenário nacional e, nos anos 90, as demandas
provocadas pelas demissões de servidores públicos e professores (plano de demissão
voluntária/PDV), o que implicou esvaziamento de servidores nas instituições públicas e nas
escolas.
No final dos anos 90, tanto a rede pública estadual, como as redes
municipais, com raríssimas exceções, indicavam grandes lacunas no acesso
escolar e na qualidade do ensino, expressas pela inexistência de uma política
educacional pensada para o estado com um todo, que tratasse de forma
integrada e com financiamento adequado, as dimensões da matricula, das
condições de educação de uma linha de ação pedagógica construída,
assumida e avaliada coletivamente, bem como de uma previsão realista de
financiamento ( PEE/AL, 2006, p.15).
Considerando que, quanto maior é a matrícula bruta, maior será a defasagem entre a
idade cronológica dos estudantes e o ano cursado, a distorção idade-série é um dos fatores
predominantes para abandono e reprovação. Esse quantitativo é muito mais expressivo no
ensino fundamental. Entre 2000 e 2009, em nada avançou, reafirmando as desigualdades
sociais e as condições de acesso da população alagoana à educação, como retrataram os
índices da escolaridade apresentados pelo Tribunal Superior Eleitoral.
A dimensão de políticas públicas para a educação básica está no bojo do Plano
Nacional de Educação (PNE 2014/2024), em suas metas 2 e 3, que visam a garantir o acesso e
a conclusão na idade certa, o que representa grande desafio aos estados e municípios, assim
como à União, porquanto devem garantir políticas públicas para a educação básica – não só o
direito à educação como também condições de garantir o acesso com qualidade de
aprendizagem.
A meta 2, por exemplo, visa a universalizar o ensino fundamental de 9 (nove) anos
para a população de 6 a 14 anos, além de garantir que pelo menos 95% dos alunos concluam
essa etapa na idade recomendada. São implicações que perpassam o ingresso da criança na
24
instituição a partir dos 06 anos de idade e que predominam nas classes populares que não
tiveram direito à pré-escola. São questões que direcionam para o fator tempo de permanência
na escola e condições de permanência, de aprendizagem, de sucesso escolar, entre outros
fatores, que envolvem também políticas públicas de formação e valorização do trabalho
docente, essencialmente na esfera municipal, responsável pela oferta do ensino fundamental.
Já a meta 3, que propõe universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a
população de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos e elevar a taxa líquida de matrículas no ensino
médio para 85% (oitenta e cinco por cento), atinge diretamente a universalização do ensino
médio, que requer mais investimentos da esfera estadual, com políticas para garantir a
ampliação da demanda e abranger as áreas urbana e rural.
Considerados os dados da realidade de Alagoas, são muitos os desafios à rede pública
para o cumprimento dessas metas, para conter a demanda de jovens fora da faixa etária, que
aumentam gradativamente as matrículas da modalidade de jovens e adultos. Um contingente
plural e heterogêneo de jovens, adultos/as e mulheres predominantemente marcados/as pelo
insucesso em suas trajetórias escolares, de ingresso e (re)ingresso, continuidade e
(des)continuidade, torna-se público-alvo de programas de qualificação para aligeiramento e
inserção mais imediata no mercado de trabalho.
A LDBEN, ao tratar dos princípios e fins da educação no art. 3º, inciso I, sobre a
igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, garante o direito institucional.
No entanto, o acesso à educação tem uma defasagem histórica, e vários fatores determinam
essa desigualdade de oportunidades.
Segundo dados do IBGE (2012), o Norte e o Nordeste são as regiões com maior
quantitativo de pessoas de 15 anos ou mais que frequentam cursos de educação de jovens e
adultos ou o supletivo nos ensinos fundamental e médio. Esses dados agravam-se quando
retratamos a realidade das matrículas na modalidade de jovens e adultos em Alagoas, nas
esferas pública e privada, conforme apresentamos:
Ano Total Federal Estadual Municipal Particular
1999 46.697 - 25.756 18.652 2.289
2000 48.660 - 20.948 23.935 3.777
2005 103.926 - 31.082 70.460 2.384
2008 103.272 139 32.626 68.098 2.409
2009 112.037 217 32.214 77.427 2.179
2010 97.178 370 21.968 72.978 1.862
Quadro 02: Matrícula inicial por dependência administrativa na modalidade da educação de jovens e adultos
(presencial) – Alagoas 1999/2010
Fonte: Anuário Estatístico da Educação de Alagoas/2010
25
O quadro 02 acima nos possibilita realizar algumas análises do diagnóstico da
modalidade da educação de jovens e adultos nas esferas pública e privada em Alagoas.
Destacamos a esfera federal, quando em 2008 teve início à oferta da modalidade PROEJA no
IF de Alagoas. Uma política de profissionalização para adultos, homologada pelo Decreto nº
5.840/2006, que instituiu o PROEJA na rede federal e que se efetivou em um campo de
resistência pelos docentes por considerar como imposição do governo federal a inserção de
programa para jovens e adultos, por meio de decreto, no âmbito da rede Federal. Resistências
estas que não ampliaram a oferta de cursos para o PROEJA e não se institucionaliza no IFAL
enquanto política de profissionalização.
1.2 PROEJA: a gênese de um programa social no IFAL
Para compreender a dimensão da atual política da rede federal de educação
profissional, é importante retomar brevemente, em uma linha de tempo, como se consolidou a
educação profissional no Brasil, que teve a sua origem com a formação dos artífices em 1909,
com as 19 escolas de artes e ofícios, por Nilo Peçanha, em cada uma das capitais dos estados
da República. O IFAL comemorou 105 anos de implantação da rede federal, a primeira
instituição a ofertar o ensino técnico no estado.
Segundo Manfredi (2002), a definição da localização das escolas obedeceu mais a um
critério político do que econômico, pois na época havia poucas capitais com parque industrial
desenvolvido, como foi o caso de Alagoas.
A escola de aprendizes de Alagoas foi inaugurada em 10 de janeiro de 1910, instalada
em Maceió em local cedido pelo governo do estado, na rua Conselheiro Lourenço de
Albuquerque. Foi necessário passar por adaptações em sua estrutura por não ter os requisitos
necessários para satisfazer as necessidades da escola. Posteriormente, o governo a transferiu
para outras instalações, em prédio próprio (BONAN, 2010), onde se encontra até hoje.
De acordo como o Decreto nº 7566/1909, que trata da criação, a proposta das escolas
de aprendizes artífices tinha por objetivo “[...] não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da
fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual, como fazê-los adquirir hábitos de
trabalho profícuo, que os afastará da ociosidade, escola do vício e do crime” (BRASIL, 1909).
Essas escolas de aprendizes de artífices tinham um sistema escolar próprio desde sua
criação, autonomia para definir o currículo e metodologia cujas finalidades se diferenciavam
das demais escolas da época, como afirma Manfredi (2002):
26
A finalidade educacional das escolas de aprendizes era a formação de
operários e contramestres, por meio do ensino prático e de conhecimentos
técnicos transmitidos em ofícios de trabalhos manuais ou mecânicos mais
convenientes e necessários ao Estado da Federação que a escola funcionasse,
consultando, quando possível, as especialidades da indústria local
(MANFREDI, 2002, p. 83).
Conforme o Decreto de sua criação, a escola deveria ofertar até cinco oficinas de
trabalhos manuais ou mecânicos, de acordo com a estrutura e a capacidade da escola, e
atender as especialidades das indústrias locais. Considerando que a economia de Alagoas era
mais agrária que industrial, as primeiras oficinas criadas tiveram origem com um trabalho
manual, com o intuito de formar menores com ofício de operário e contramestre, consoante
apresentamos na tabela 02:
Tabela 02: Classificação por faixa etária da escola de aprendizes artífices de
Alagoas/1911
FAIXA ETÁRIA ALUNOS (%)
10 a 11 anos 38 41
12 a 13 anos 55 59
TOTAL 93 100
Fonte: Bonan (2010).
Essa tabela retrata o perfil dos alunos das primeiras oficinas, todos menores,
atendendo a determinação da legislação do ensino profissionalizante à época, cujos requisitos
visavam a atender aos desfavorecidos de fortuna com idade mínima de 10 anos e máxima de
13 anos, na sua maioria, analfabetos.
Para ensinar os ofícios, foram contratados mestres em marcenaria, funilaria, sapataria,
carpintaria, ferraria e serralharia, além de uma professora, para oferta de curso primário
obrigatório para alunos que não soubessem ler, escrever e contar. Segundo Bonan (2010),
constava do relatório do diretor da escola uma curiosidade: à época, para a divulgação dos
cursos, foram distribuídos 2.500 folhetos à comunidade, contudo não houve demanda. Foram
realizadas 93 matrículas, e apenas 60 alunos frequentaram os cursos, conforme apresentamos
no quadro 03 a distribuição por oficinas na primeira turma:
OFICINAS MATRÍCULA FREQUÊNCIA DOS CURSOS
Aprendiz de marceneiro 15
60 alunos Aprendiz de sapateiro 23
Aprendiz de serralheiro 27
Aprendiz de carpinteiro 12
Aprendiz de funileiro 16
Total 93
Quadro 03: Demonstrativo de matrícula na escola de aprendizes de artífices em Alagoas/ 1911
Fonte: Bonan (2010).
27
Por que retomamos a constituição dessas escolas, uma história de 105 anos de oferta
do ensino profissional em Alagoas? Porque esse percurso remete à origem da criação de
oficinas com o trabalho manual, o trabalho artesanal, constituído de um saber prático do
ofício de seus mestres, da experiência e da tradição de produção artesanal, em que aprender
ofícios era um requisito mínimo para obter a escolaridade.
Em 1937, em função do processo de desenvolvimento do país, que foi outro marco
para o ensino profissional em Alagoas, a transformação das escolas de aprendizes de artífices
em liceus profissionais configurou novos rumos para a educação profissional, por causa do
processo de desenvolvimento industrial do Brasil: em 1942, escolas industriais e técnicas; em
1959, escolas técnicas; em 1978, surgem os Centros Federais de Educação Tecnológica –
CEFET, que mais recentemente foram transformados nos atuais Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia – IF.
Dessa forma, um século depois há um retorno à oferta de um curso artesanal com a
oferta de curso técnico em artesanato, trazendo outro viés, não mais o da escola de aprendizes
artífices, dos desafortunados da sorte; estamos, agora, no século XXI, com a exigência de
saberes tecnológicos, com as transformações no modo de produção, o que exige um
redimensionamento do ensino profissional e tecnológico, com mudanças determinantes na
oferta do ensino profissionalizante em Alagoas.
Atualmente, o Instituto de Educação Profissional tem tido avanços significativos no
cenário da educação com a oferta do ensino profissionalizante em Alagoas, mudanças estas
que não aconteceram espontaneamente; são, em verdade, transformações históricas ao longo
de 105 anos. Hoje, essa expansão traz um redimensionamento com a interiorização dos
institutos federais em 11 municípios, conforme o quadro 04:
28
Institutos Federais Cidades
Campus
Maceió
Marechal Deodoro
Palmeira dos Índios
Satuba
Expansão
Arapiraca
Maragogi
Murici
Penedo
Piranhas
Santana do Ipanema
São Miguel dos Campos
Em Projetos
Batalha
Coruripe
Rio Largo
União dos Palmares
Quadro 04: A expansão do IF em Alagoas, 2014.
Fonte: http://www.mec.gov.br
A dimensão da oferta dos cursos, enquanto Instituto de Educação, Ciência e
Tecnologia, retrata as demandas do estado de Alagoas, com a expansão de sua economia e o
desenvolvimento econômico, em especial, do campus Maceió, no qual iremos focalizar, tendo
em vista o objeto da pesquisa. No quadro 05 apresentamos sua atual estrutura de oferta dos
cursos:
CAMPUS MACEIÓ
CURSOS TÉCNICOS
Técnicos Integrados Edificações / Eletrônica/ Eletrotécnica/ Estradas /
Informática / Mecânica / Química
Técnicos Subsequentes Eletrônica / Eletrotécnica / Mecânica/ Química /
Segurança do Trabalho
Técnicos Subsequentes em EAD Secretaria Escolar / Infraestrutura Escolar
Proeja Artesanato
CURSOS
SUPERIORES
Tecnológicos Alimentos / Construção de Edifícios / Design de
Interiores / Gestão de Turismo / Hotelaria
Bacharelado Sistema de Informação
Licenciatura Ciências Biológicas / Letras / Matemática / Química
Superior EAD Administração Pública / Ciências Biológicas /
Letras/ Português
Lato Sensu Pós-Graduação em Educação de Jovens e Adultos
Especialização em Gestão Municipal a distância
Quadro 05: Demonstrativos de oferta dos cursos do campus Maceió/2013
Fonte: http://www2.ifal.edu.br
O PROEJA se insere entre os cursos ofertados na instituição; mesmo objetivando se
efetivar como diretriz do Ministério de Educação, não ampliou a oferta de cursos no campus
Maceió. Vários fatores foram determinantes, principalmente por se tratar de um programa
29
para jovens e adultos, e a resistência em reconhecer o instituto federal como locus para oferta
dessa modalidade.
O quadro 06 apresenta a oferta do curso técnico de artesanato no campus Maceió
(2008/2014):
Turma I Módulos Matricula Inicial Aprovados Retidos Evadidos
2008
I 31 25 6
15
II 23 14 9
III 22 19 3
IV
V 19 18 1
VI 18 16 2
Total Aprovados 16
Turma II Módulos Matricula Inicial Aprovados Retidos Evadidos
2009
I 27 21 6
14
II
III 20 18 2
IV 22 20 2
V 19 19 0
VI 19 13 3
Total Aprovados 13
Turma III Módulos Matricula Inicial Aprovados Retidos Evadidos
2011
I 22 17 4
5
II 20 17 3
III 20 15 5
IV 18 17 1
V 17 - 17
VI 17 17 -
Total Aprovados 17
Turma IV Módulos Matricula Inicial Aprovados Retidos Evadidos
2012
I, II, III,IV 15
Curso em Andamento
Turma V Módulos Matricula Inicial Aprovados Retidos Evadidos
2014
I 25
Curso em Andamento
Quadro 06: Demonstrativo da oferta do curso técnico de artesanato no IFAL 2008 /2014
Fonte: Arquivo da Coordenação do Curso Técnico em Artesanato – PROEJA/ IFAL, 2014
Com esses dados podemos observar a oferta das vagas do curso técnico em artesanato
no período de 2008/2014. Essas ofertas são de 05 turmas, perfazendo um total de 120
alunos/as. Desse total, 03 turmas já concluíram, englobando 80 alunos/as; no entanto, apenas
46 alunos concluíram o curso, o que equivale a 57,5 % de aprovação, com uma evasão de
42,5%. Em 2010 a instituição não abriu vagas para matrículas.
O objeto dessa pesquisa se insere nesse contexto, o que representa a oferta do curso
técnico em artesanato para o estado de Alagoas, considerando o seu potencial cultural,
turístico, a riqueza do folclore com sua tradição, como também a importância da oferta do
curso técnico em artesanato pelo Instituto Federal de Alagoas.
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A dimensão da política de profissionalização dessa pesquisa está voltada para as
camadas populares em um processo de formação continuada de adultos - o PROEJA, e
pautada em uma organização curricular integrada. A temática alicerça-se em um tripé que
envolve o campo do currículo, da cultura artesanal e da formação para o trabalho, cuja
relevância aos estudos contribui para um debate com um tema que é pouco investigado na
área da educação, ao trazer a formação de mulheres no processo artesanal, o processo de
ensinar e aprender que se constitui na cultura do artesanato brasileiro.
1.3 A profissionalização das artesãs em Alagoas
Ao investigar as transformações que se deram no campo profissional das artesãs
egressas do curso técnico de artesanato, é imprescindível retomar o percurso da trajetória da
formação profissionalizante dessas mulheres, tendo como ponto de partida a natureza
específica do curso: a integração curricular e os saberes e ofícios das artesãs através de suas
experiências. Uma organização curricular que valoriza os saberes oriundos da cultura
artesanal por meio de uma linearidade com os saberes tecnológicos, um diálogo sobre o
pensar e fazer artesanal com design.
Nesse contexto, que fez parte do nosso mestrado, Limeira (2010), o resgate irá
favorecer o estudo desta tese sobre as histórias de vida dessas mulheres, compreender o
crescimento da participação das mulheres no processo de produção artesanal e suas formas de
organização profissional e social no mercado de trabalho.
Na proposta do curso do IFAL, estão presentes elementos centrais para nortear a
pesquisa: um currículo que propõe novos arranjos voltados efetivamente para artesãs -
valorização dos conhecimentos dos saberes, práticas, técnicas, tecnologias e dos saberes
oriundos da cultura popular, como também a valorização das experiências e vivências, o que
foi o diferencial desta proposta, o reconhecimento das experiências das artesãs para o
currículo.
Com a pesquisa realizada no mestrado, percebemos que foi no campo curricular que se
deram as mudanças de paradigmas nestas relações, os fios que teceram ao artesanato ao longo
do curso. Foram questões desafiadoras aos docentes e às artesãs, pois exigiu uma
compreensão sobre o currículo, a integração de saberes, a interdisciplinaridade e a
profissionalização.
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A dinâmica do processo pedagógico do curso trouxe elementos na sua metodologia
que romperam com uma estrutura e uma organização curricular tradicional centrada nas
disciplinas escolares, além de trazer para o centro desse currículo proposições à cultura
artesanal, como eixo articulador do processo de aprendizagem.
1.3.1 Os desafios para a integração curricular
É de fundamental importância apresentar como foi a metodologia de avaliação do
curso, que teve um diferencial nessa organização curricular, pois foi considerada por alunas e
professores como elemento impulsionador para o processo de criação das peças artesanais.
Para tanto, retomo a pesquisa de mestrado (2010) para, em alguns momentos, fundamentar a
atual pesquisa de doutorado e com ela dialogar. Eis uma análise das alunas e docentes que é
possível hoje, tendo como parâmetro o distanciamento da primeira turma do curso, hoje como
egressas.
A proposta de avaliação por Banca foi uma metodologia impulsionadora para
promover a integração curricular, foi considerada por docentes e artesãs um processo
desafiador. Uma metodologia de avaliação que se propôs a superar modelos de avaliação
tradicional, fragmentada, cujo desafio consistiu em redimensionar em um único momento de
avaliação todas as disciplinas para avaliação do módulo a cada semestre.
Trata-se, portanto, de uma metodologia que possibilitou o diálogo entre os saberes
trazidos pelas artesãs através dos seus ofícios, suas experiências aliadas aos novos
conhecimentos. Ao apresentar os produtos artesanais que foram criados em cada módulo, sob
a orientação dos docentes, apresentavam seus projetos e defendiam a criação da peça por elas
elaborada e, consequentemente, toda a metodologia do seu processo artesanal.
Na organização curricular do curso, as disciplinas foram pensadas para dialogar com o
eixo norteador, “Fases da Produção do Artesanato”. A consideração como eixos se justifica
porque são os princípios norteadores de cada módulo, conforme quadro 07 a seguir:
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Módulos C/ H Eixos Disciplinas Projeto
Módulo I 400h/a Fundamentação Projeto de Composição Plástica
Módulo II 400h/a Instrumentação Filosofia e Projeto de Valor Estético
Módulo III 400h/a Identidade Cultural Projeto de Valor Cultural
Módulo IV 400h/a Composição Projeto de Composição de Referências
Módulo V 400h/a Produção Projeto de Responsabilidade Social
Módulo VI 400h/a Veiculação -
Quadro 07: Distribuição dos módulos na organização curricular integrada
Fonte: Limeira//2010.
A distribuição dos componentes curriculares foi alinhada à formação geral e à
profissional, além de distribuídos homogeneamente com carga horária de 400h em cada
módulo. Os eixos foram considerados como princípios norteadores na disciplina-projeto, por
serem o elemento que dimensiona a proposta do módulo a cada semestre. Apresentamos a
seguir o módulo I, para exemplificar como se deu essa organização curricular:
Módulo I
Eixo Tema Gerador Disciplinas
Fundamentação
Moda3
Língua Portuguesa
História Geral da Humanidade
Matemática
Projeto de Composição Plástica
Desenho Aplicado
Introdução ao Design
Quadro 08: Organização Curricular do Módulo I
Fonte: Limeira/2010.
No módulo I, a temática “moda” era norteadora dos projetos, para criação de peças
artesanais e projeto de composição plástica. Foi a disciplina mediadora para fomentar a
interdisciplinaridade com os demais componentes curriculares e promover a ação da Banca de
avaliação.
A Banca foi considerada como elemento desafiador para as artesãs, pois a integração
dos saberes e ofícios agregados aos novos conhecimentos era imprescindível para a criação do
produto artesanal, para fazer pesquisa sobre a origem da peça, para o estudo das cores, para
elaborar cálculos dos custos, para elaborar croquis e, enfim, para apresentar o produto final.
A Banca propôs estabelecer parcerias em dupla e/ou em grupo, de acordo com a as
tipologias, apesar de haver a resistência pela dificuldade de passar para o outro a sua técnica,
3 Tema Gerador: uma proposição da Banca que desafia as artesãs a criarem produtos artesanais alinhados à
moda, tendo como ponto de partida seus saberes artesanais, pois já produziam produtos artesanais voltados para
moda; o diferencial consistiu em ter uma autoria para desenvolver novos produtos, tendo como ponto de partidas
os saberes de seus ofícios agregados ao conhecimento do design, ao conhecimento tecnológico.
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pois para elas a colega era vista como concorrente (impera a sobrevivência econômica do
trabalho). Depois, as dificuldades para aceitar novas metodologias de trabalho, a resistência
em agregar outras ideias, novos elementos ao seu produto. Foram momentos que exigiram dos
docentes outras formas de organização, e as parcerias foram sendo formadas por afinidades,
confiança e, para outros, a opção por trabalhar individualmente.
Por último, o momento da defesa perante as Bancas: o emocional das artesãs para
defender o projeto do produto artesanal, pois a maioria sentia-se despreparada para enfrentar
uma apresentação, já que estava há 15, 20, 25 anos fora da sala de aula. Mas essa dinâmica e
o fato de estudar no IFAL trouxeram autoestima, de modo que foram, gradativamente,
sentindo mais confiança e autonomia na feitura do seu artesanato.
É importante ressaltar que a preparação para a Banca exigiu toda uma reorganização
da metodologia dos docentes, desde a elaboração de material didático em função da natureza
do curso, até a formação dos grupos, das relações do coletivo. Também exigiu um
redimensionamento da metodologia de trabalho; apesar de trazer, desde 2001, essa
experiência das Bancas do curso tecnológico de design de interiores, houve uma reestruturada
devido ao perfil dos sujeitos da educação de jovens e adultos.
A pesquisa atual se propõe a trazer as narrativas das artesãs, não mais alunas do curso,
mas em outra etapa de sua vida profissional; agora, na condição de EGRESSAS, para
conhecer as suas reflexões a respeito dessas experiências vividas a partir do curso.
Compreender o sentido que essa formação trouxe à vida profissional. Essa pesquisa gira em
torno de eixos que visa a compreender os sentidos existentes: a experiência na vida dessas
mulheres, o retorno à sala de aula, o olhar crítico das artesãs sobre o caminhar da formação,
compreendendo que as narrativas são essências para compreender as mudanças que se deram
na vida profissional e social dessas mulheres.
Que sentidos o curso proporcionou para a formação dessas mulheres? Que análises
fazem dessa formação na sua aprendizagem? Eis os depoimentos posteriores à formação; eis
como analisam o formar-se:
Eu tive algumas dificuldades, como sempre, em Matemática. Os professores
que eu tive, eles foram a cara do PROEJA mesmo, sabe, de entender as
nossas dificuldades, de entender até onde podíamos ir: aí eles não vão mais,
tem que esperar aquele momento que eles aprendam e comecem a entender
que possam ir mais adiante. (Cita o nome de professores.) Eu não posso
dizer que teve um, em que eu possa dizer que não tivesse o esforço deles
para nos ensinar. Então a participação deles nesse conforto meu, estou aqui e
não vou me desesperar, porque esse professor sabe até onde eu posso ir.
Então foi tranquilo. Então, tinha aquela cobrança que a gente tinha na
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adolescência, de certa forma tinha a cobrança, que tinha que ter, mas não que
a gente se desesperasse (CARMEM, 2014).
E, ao indagar que aspecto do curso considerou mais importante na sua formação de
artesã, ressalta:
As disciplinas de projetos, a parte técnica: foi mostrado como fazer as
etiquetas, como embalar meus produtos, como dá uma cara nova para eles,
tudo foi interessante de aprender. Assim, eu acredito que só não vai adiante
quem realmente quiser fazer uma pincelada no fazer, mas a forma de fazer
vai ser o diferencial dos outros. Quem seguiu o projeto do produto, de
etiquetas, embalagem, tudo foi muito interessante de fazer (CARMEM,
2014).
Ao questionar as mudanças que se deram também no âmbito pessoal, afirma:
As mudanças se deram em todos os aspectos. Eu morria de medo de ir para
frente, ficar na frente, falar sobre um trabalho, nossa, eu tremia toda, parecia
mais um papel. Então, nas bancas que eu apresentava lá no IFAL o professor
pensava que eu iria desmaiar de tanto nervosa que eu estava. Através dessas
técnicas, eu fiz até apresentação em palco. Está vendo como eu estou
segura? Me apresentei, fiz peça no teatro Marista, fiz peça no IFAL, fiz
reportagem para o programa do AL TV Escola (reportagem local da TV
Gazeta de Alagoas). Foi sobre os trabalhos que a gente fez sobre
reaproveitamento de lixo (PAULA, 2014).
Um dos maiores desafios no processo de preparação para Banca teve início quando foi
proposto às artesãs romper com a cultura de elaborar peças artesanais, reproduzindo modelos
de revistas, ou mesmo de modelos preestabelecidos pelo artesanato local. A proposta da
Banca visou a romper a cultura de cópia e reprodução de produtos massificados pelo mercado
artesanal, desafiando-as a criar peças com as experiências de que dispunham, sem deixar,
porém, de agregar o design ao artesanato. Para a Paula, o curso proporcionou a teoria, porque
o ofício, o fazer, ela já o dominava, como afirmou: "É um curso que ele dá a prática, não é?
Não, é a teoria. Ele dá a teoria porque a prática a gente já leva no sangue [...] (PAULA,
2014)".
Os docentes também trazem essa experiência de forma muito intensa; por meio da
entrevista realizada, foi possível conhecer suas reflexões, principalmente como se deu a
experiência de trabalhar com adultos, considerando a proposta do curso, o déficit de
aprendizagem e o desafio de inserir a disciplina na prática do fazer artesanal:
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As dificuldades, principalmente nós que somos da área de exatas, geralmente
existe muitas. Matemática é passada como aquela disciplina, aquele campo
do conhecimento que nem todos tem habilidade para prosseguir, não é
assim? Mas, em função já da maturidade deles, eu acredito que essa questão
traz um pouco da responsabilidade deles, que ajudou bastante para que eles
conseguissem superar em grande parte dessas dificuldades. Por outro lado o
que aliciou também foi à matemática aplicada nas atividades que eles já
vinham desenvolvendo, e isso gerou uma motivação muito maior para
aprender algo mais naquilo que aqueles já conseguiam fazer que fosse a
prática do artesanato (DOCENTE 1, 2014).
Como as mudanças foram acontecendo e se efetivando a partir desse curso na prática
do fazer artesanal, no processo de criação e na autoria? Foram criados momentos que
conduzissem as artesãs a pensar como pesquisadoras, momentos que as autorizassem a
construir conhecimentos? São indagações que trazem um olhar reflexivo sobre a proposta do
curso, fazendo uma relação com a atuação no mercado artesanal.
Eu diria que as dificuldades não se deram apenas no âmbito pedagógico. É
um curso que embora a gente tenha se preparado durante dois anos, nos
ensaios pedagógicos4, que apesar de já ter passado três turmas por nós
docentes, a gente vem melhorando a forma de passar as técnicas, de mostrar
formas de criação, a gente vem alterando esse processo. [...] E hoje,
refletindo, há algo que está na relação cultural que eles/as tinham com o
produto delas. E, fazendo a reflexão os alunos/as que tiveram mudanças nos
seus produtos, eles quiseram, eles passaram a olhar com outros olhos os
produtos deles. (DOCENTE 2, 2014)
Portanto, as análises serão retomadas no capítulo III, que trata da relação dos saberes
da cultura artesanal com os conhecimentos tecnológicos, de agregar um valor à peça artesanal,
de inserir o design. Além disso, conhecer como os docentes analisam os efeitos da
profissionalização após a formação, no capitulo IV; afinal, estamos tratando da primeira
turma, mas já concluíram mais três turmas e há outras sendo ofertadas.
1.4 A dimensão e o lugar que o artesanato ocupa em Alagoas
Propusemos destacar uma questão imprescindível: identificar o perfil das artesãs, cujas
atividades artísticas estão subordinadas à lógica do mercado e que são fatores determinantes
quanto se trata da valorização e reconhecimento dessa categoria de trabalhadoras. Trazemos,
4 “Ensaios pedagógicos”, assim denominados pelos docentes, foram os encontros pedagógicos para discutir a
proposta curricular e promover a interdisciplinaridade entre os componentes curriculares. Foi um ano de
preparação entre os docentes que antecedeu e preparou o início de curso.
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assim, um questionamento sobre a importância da formação das artesãs para o artesanato de
Alagoas.
Ao nos reportarmos ao trabalho das artesãs, mesmo no período atual, não temos ainda
como estabelecer uma relação com outras categorias sociais, por vários fatores: primeiro
porque é um trabalho que, por sua natureza, atua na informalidade, de modo que há nessa
relação uma questão relevante a tratar do mercado da arte, que requer alguns questionamentos
acerca do valor da arte e do valor do artesanato.
O segundo fator diz respeito à regulamentação da profissão do artesão/ã5 como
mecanismo de garantir políticas públicas para sua formação e, consequentemente,
financiamento para o fomento do artesanato. É uma questão que está diretamente vinculada à
garantia de um direito do/ã artesão/ã, a sustentabilidade, condição efetiva para garantir a
autonomia econômica dele/a, que como todo trabalhador paga tributos, gera rendas, mas não é
valorizado na condição de categoria.
O desenvolvimento turístico do estado de Alagoas é um fator determinante que poderá
justificar o potencial do estado com o artesanato, sua importância para o desenvolvimento
econômico como geração de renda. O valor cultural do artesanato e o reconhecimento de uma
identidade cultural produzidos por sujeitos econômicos, no exercício de uma função essencial
para a sociedade, dizem respeito à cultura, de tal sorte que são necessárias as condições
mínimas para criar o seu artesanato, além de espaços públicos para expor e vender seus
produtos artesanais. São questões imprescindíveis como direito social.
É importante ressaltar que Alagoas ocupa o segundo lugar no “Censo do Artesão”,
segundo dados do Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro - Sicab/2014,
dados obtidos através da Secretaria como também o potencial dos estados do Nordeste com os
primeiros lugares em números de artesãos cadastrados.
5Aprovado no Senado Federal, em 05/05/2014, o Projeto de Lei nº 7.755/2010, que regulamenta a profissão de
artesão e estabelece que deverá haver políticas públicas de apoio, crédito e aperfeiçoamento do setor.
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Tabela 03: Demonstrativo do Censo de Artesãos por Estado /2014
Classificação ESTADOS ARTESÃOS TRABALHADOR MANUAL
1º BAHIA 10.984 0
2º ALAGOAS 10.901 575
3º CEARA 9.424 0
4º PERNAMBUCO 7.825 714
5º ESPIRITO SANTO 6.086 1020
6º DISTRITO FEDERAL 6.041 1187
7º MATO GROSSO 4.915 572
8º RIO DE JANEIRO 4.671 2
9º RIO GRANDE DO SUL 3.665 0
10º RIO GRANDE DO NORTE 2.702 2368
11º MATO GROSSO DO SUL 2.258 549
12º PARAIBA 2.285 1802
13º MINAS GERAIS 1.951 14
14º SERGIPE 1.947 0
15º PARA 1.898 359
16º AMAZONAS 865 64
17º PIAUI 861 188
18º GOIAS 604 414
19º AMAPA 524 76
20º ACRE 505 328
21º SÃO PAULO 489 81
22º TOCANTINS 590 0
23º SANTA CATARINA 352 7
24º PARANA 347 761
25º RONDONIA 282 1
26º MARANHÃO 220 6
27º RORAIMA 169 13
TOTAL 83.361 11.101
Fonte: Arquivo da Diretoria de Design de Artesanato - Secretaria de Estado do Planejamento e
Desenvolvimento econômico/ Seplande, 2014.
O artesanato tem um papel relevante na economia do Nordeste. Destacamos na tabela
03 os estados da Bahia, Alagoas, Ceará e Pernambuco pela tradição cultural, como também
pela riqueza do folclore. A cultura e a regionalidade demarcam a região pelo potencial
turístico, e os artesãos imprimem seu estilo influenciados pela cultura local.
Outra questão diz respeito à forma de organização do trabalho das artesãs, como estão
inseridas atualmente, as formas de organização de trabalho. Esses são fatores determinantes
na relação com o mercado do artesanato, ou seja, se produzem individualmente e/ou em
associações, se têm acesso a exposições de artesanato (em shoppings da cidade, eventos,
congressos, feiras em municípios circunvizinhos, entre outros), como também as condições
financeiras para alugar e/ou comprar pontos de artesanato em feiras6.
6 Atualmente, em Maceió, há espaços permanentes de artesanatos em pontos turísticos e feiras de artesanato em
períodos de alta temporada do turismo. Destacam-se a tradicional feira de Artesanato da Pajuçara, com
aproximadamente 200 lojas, que expõem o artesanato local e regional; o Mercado de Artesanato, com uma
média de 250 lojinhas; e o Núcleo de Artesanato do Pontal da Barra, à margem da lagoa Mundaú, que possui
cerca de 280 lojas (os espaços de venda são nas próprias residências).
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São, portanto, fatores que determinam a organização da produção artesanal na região,
a sustentabilidade econômica das artesãs, a inserção e visibilidade do artesanato, condições
imprescindíveis para serem absorvidas pelo mercado artesanal da região, como também a sua
sobrevivência econômica como artesãs. Quando não se enquadram nesses parâmetros, ficam à
margem da produção artesanal e, por conseguinte, estão fora do circuito das vendas do
artesanato no município, restando-lhes as vendas “porta a porta”, nos bairros da cidade, ou
então trabalhos por encomenda de clientes.
O artesanato em Alagoas tem um grande potencial como atividade econômica nos
municípios, nas mais diversas comunidades que preservam a cultura artesanal. O mapa de
Alagoas a seguir apresenta os municípios da Costa litorânea e de regiões que têm grande
potencial turístico e tradição na cultura de trabalhos artesanais.
Figura 01: Mapa de Alagoas com os Municípios da Costa litorânea, do norte ao sul do estado, Sertão e Agreste.
Fonte: http://www.blogtimberland.com.br/viagens/beleza-e-historia-no-litoral-sul-de-alagoas/
É de grande importância apresentar o potencial do artesanato de Alagoas, não com
objetivo de mero marketing, mas sim para justificar, nesta pesquisa, o valor cultural que tem o
estado e também o valor econômico, de modo que essa categoria de artesãs precisa ser
cuidada, necessita de definição de políticas públicas para fortalecer o potencial cultural da
região, criar mecanismo que fortaleça o processo artesanal e a visibilidade social das artesãs.
Portanto, apresentamos nas figuras a seguir algumas das tipologias do artesanato em
Alagoas que sobressaem pela tradição no estado: o bordado filé, o bordado rendendê, o
trançado de palha de ouricuri, o trançado da palha de bananeira, a cerâmica etc.
LEGENDA:
Bairros de Maceió
Municípios Alagoanos
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Figura 02: O tear e o processo de criação do filé
Fonte: http://www.articulacaosocial.al.gov.br/sala-de-imprensa/noticias/artesaos-alagoanos-participam-de-
exposicao-internacional-em-belo-horizonte
O bordado filé é um dos ícones da cultura de Alagoas, reconhecido atualmente como
principal técnica do artesanato alagoano. Destaca-se pela variedade de cores e tons e pela
identidade cultural que representa. Sua origem vem do período da colonização, tem como
base uma rede de pesca presa a um tear de madeira, um trabalho totalmente manual realizado
pelas rendeiras, como também por homens (em minoria) que trabalham no anonimato, por ser
o bordado considerado um trabalho do gênero feminino. Alagoas possui duas comunidades
que têm o filé como principal fonte de renda: Pontal da Barra (bairro em Maceió, tradicional
pelo filé e artesanato) e a cidade histórica de Marechal Deodoro, a 35 km da capital.
Como também, 70% dos nove mil artesãos inscritos no Sistema de Cadastramento do
Artesanato Brasileiro (Sicab) trabalham com o filé em Alagoas. Esse bordado, pela sua
tradição, está em processo de reconhecimento como patrimônio cultural do estado, para
receber um selo de origem geográfica, que garantirá a valorização e exclusividade do estado
de Alagoas. (SEPLANDE, 2014)
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Figura 03: A cultura do bordado Rendendê: Mãos, agulha e o bastidor, uma tradição de mãe para filha.
Fonte: http://artesanato.culturamix.com
O bordado rendendê, um trabalho manual desenvolvido por mulheres bordadeiras,
conforme figura 03, realizado tradicionalmente em bastidor7, consiste em compor os pontos
com linhas, por meio de habilidosas mãos trabalhando com tecidos de cambraia e linho. É
tradição do município de Piranhas, em Alagoas, que fica à margem do rio São Francisco,
entre Alagoas e Sergipe, onde são conhecidas como as famosas bordadeiras de rendendê de
“Entremontes”.
As bordadeiras do rendendê mantém uma tradição do bordado, cuja habilidade foi
herdada de suas mães e avós, com desenhos variados que trazem a cultura e a tradição,
deixando a marca e o estilo ao compor os diversos pontos: olho de pombo, carocinho de arroz,
bolachinha, casinha de aranha e estrela. Seus trabalhos se destacam pela produção de toalhas
para bandejas, serviços americanos, toalhas de chá e jantar, guardanapos e cortinas, entre
outros produtos.
7 É uma ferramenta de bordar composta por dois círculos de madeira fina e flexível que se encaixam firmemente
um dentro do outro, prendendo o tecido enquanto é realizado o bordado.
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Figura 04: O trançado da palha do Ouricuri: Artesãs de Feliz Deserto
Fonte: http://www.revistaturismoenegocios.com/materia.php?c=208
Outra tradição, os trançados de palha de Ouricuri, é um artesanato que explora a
biodiversidade, associado ao processo de desenvolvimento sustentável, mediante a palha do
ouricuri, uma espécie de palmeira, cultivada no litoral sul de Alagoas, que se destaca em
Pontal do Coruripe, a 80 km da capital. O manuseio de recursos naturais, segundo o Sebrae
(2014), no qual 90% da comunidade fazem o artesanato, é na Associação dos Artesãos de
Pontal de Coruripe, que desenvolve um trabalho para melhor atender as demandas do
mercado artesanal, assim como as Artesãs de Feliz Deserto. São associações composta por
mulheres, cujo manuseio de recursos naturais da região é realizado por mulheres da região
que produzem artigos com trançado do Ouricuri, valendo destacar: bolsas, mandalas, chapéus,
cestarias, porta-joias, abajures, jogos americanos, entre outros produtos. (SEBRAE, 2014).
O trançado com fibra e palha também existe em outros municípios de Alagoas, com
outras características da região: Água Branca, Feliz Deserto, Girau do Ponciano, Palmeira dos
Índios, Paripueira, Piaçabuçu e Taquarana.
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Figura 05: “Mulheres de Fibra": mulheres artesãs no Assentamento Agrário em Maragogi/Al
Fonte: http://g1.globo.com/al/alagoas/noticia/2014
Explorando a agricultura regional, a arte de transformar a fibra de bananeira em
peças de decoração é uma técnica artesanal desenvolvida pelas artesãs no litoral norte de
Alagoas, região onde predomina o cultivo da bananeira e onde mulheres artesãs transformam
a palha, como matéria-prima, no trançado, produzindo então o artesanato. É um trabalho
extremamente artesanal, passa por um processo de preparação da fibra de bananeira, o que
exige uma técnica de secagem ao sol até deixar no ponto de fibra para a tecelagem; só
posteriormente, com criatividade e com conhecimento da técnica artesanal, transformam em
peças, que trazem a identidade da cultura da região.
Atualmente, já vêm sendo desenvolvidos trabalhos na região que agregam novos
conhecimentos utilizando a técnica do filé e do tear, substituindo o colorido da linha de
algodão pela fibra de bananeira. É um trabalho com novos conhecimento e um outro valor ao
produto da região, apresentado na figura 05.
Para finalizar, os trabalhos em cerâmica, uma tradição da comunidade de
remanescentes quilombolas no povoado de Muquém, aos pés da Serra da Barriga, em União
dos Palmares, mantêm uma história na produção de peças de barro. O talento de várias
gerações com a argila, cujas expressões da tradição da cultura são feitas artesanalmente pelas
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mãos de quilombolas, expressa a tradição de seu povo através de trabalho com rostos de
barro.
Figura 06: Arte em cerâmica: Quilombola: Serra da Barriga/ União dos Palmares -AL.
Fonte: http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil
Essas tipologias apresentam a expressão da cultura alagoana, pela tradição, como
também a identidade cultural nos trançados das fibras, na singeleza e cores dos bordados, no
moldar da cerâmica, revelando a singularidade de uma tradição dos quilombolas. O traço
predominante impresso que demarca a regionalidade da cultura local em suas técnicas
conserva saberes e experiências de várias gerações presentes na composição que mantém a
riqueza de detalhes em cada peça produzida.
Na constituição desse cenário que enriquece o valor cultural do estado, estão as
artesãs, que em sua maioria vivem no anonimato do trabalho artesanal, do trabalho invisível,
enquanto preservam uma tradição, e poucos conseguem sobreviver economicamente do
trabalho artesanato como principal renda familiar.
Mas existem ainda outros municípios em Alagoas que trazem a diversidade do
artesanato: em São Sebastião, a renda de bilro, uma tradição há mais de 60 anos; em Porto
Real do Colégio, o bordado rendendê; em Pão de Açúcar, o bordado “boa noite”, bordado
feito no tecido de linho e na cambraia há 03 gerações; em Feliz Deserto, a tradição do
trançado de taboa, fibra natural da taboa, planta aquática; em Água Branca, a delicadeza do
bordado singeleza, desenvolvido no município há mais de 30 anos, como também o trançado
com palha de Ouricuri e cipó, há mais de 05 gerações; e em Cajueiro, a tradição do trabalho
com retalhos de tecidos.
44
Portanto, há questões que são cruciais para essa pesquisa e que perpassam todo o
trabalho das artesãs: a valorização do trabalho artesanal, a sustentabilidade e o mercado do
artesanato, além do valor econômico que a arte tem para o estado. A cultura artesanal se
diferencia em Alagoas pela sua riqueza e diversidade. As regiões listadas, em sua maioria, já
possuem uma estrutura mais consolidada do artesanato, por se tornarem referências naquelas
comunidades, com trabalhos consagrados.
No entanto, é importante ressaltar que as artesãs do curso técnico de artesanato não se
inserem nesse contexto, não possuem trabalhos reconhecidos, não estão envolvidas com
trabalhos de cooperativa ou associação; em verdade, poucas conseguem ter espaços fixos para
venda de produtos, de sorte que não conseguem sobreviver exclusivamente do artesanato.
Iremos posteriormente apresentar onde e como se inserem hoje as artesãs após a formação
profissionalizante.
Entender a heterogeneidade do artesanato é fundamental para compreender suas
dimensões socioculturais e econômicas. Para Lima, essa classificação traduz uma divisão das
classes sociais, pois os ofícios de uma camada social, ou seja, o fazer artístico, estão
atrelados ao designer de joias, que vem da ação das elites, de um conhecimento superior,
portanto são artistas. Já o fazer artesanal, destinado às camadas populares, não é capaz de
criar, de pensar, de expressar a arte: eis os artesãos. É visível, pois, a separação de classes pela
tipologia.
Tomada em sua acepção original, a palavra artesanato significa um fazer ou
o objeto que tem por origem o fazer ser eminentemente manual. Isto é, são
as mãos que executam o trabalho. São elas o principal, senão o único,
instrumento que o homem utiliza na confecção do objeto. O uso de
ferramentas, inclusive máquinas, quando e se ocorre, se dá de forma apenas
auxiliar, como um apêndice ou extensão das mãos, sem ameaçar sua
predominância. (LIMA, s/d; s /p.)
O autor considera que não são os instrumentos que definem o processo, seja o pincel, a
agulha, um martelo em torno da olaria ou um tear de tecelagem, pois o que importa no
processo do artesanato é o fazer com as mãos, o diferencial consiste no fazer manual.
Ademais, é o gesto humano que determina o ritmo da produção. É nessa relação que o artesão
impõe sua marca sobre o produto, diferentemente do fazer mecânico, no qual a interferência
humana é mínima.
Portanto, o artesanato é uma maneira de fazer objetos, existente há milênios.
Toda a Antiguidade foi assim construída e até a Idade Média europeia essa
foi à forma pela qual a humanidade se fez. E porque durante muito tempo
essa foi a única maneira de confeccionar objetos, não havendo uma outra que
45
com ela convivesse ou mesmo a ela se opusesse, quando nos referimos a
esse longo período de hegemonia do artesanato, o termo não é enfatizado. O
termo artesanato é mais empregado ao nos referirmos ao período pós-
Revolução Industrial, quando o objeto criado pela indústria passa a ser
oposição ao hand made (LIMA , s/d., s/p.).
O autor nos proporciona compreender isso através de alguns personagens fictícios, por
ele criados, para apresentar as classificações sobre a arte e o artesanato aos que são tidos
como artesãos e aos que são reconhecidos como artistas. Não considera, porém, que sejam
critérios adotados de uma forma simplista:
Assim, alguns dizem que a louceira e a tecelã fazem arte folclórica ou
artesanato tradicional ou artesanato cultural ou artesanato de raiz. Se
Benita se aventura um pouco mais e, deixando de lado a produção de louça
utilitária, modela alguns boizinhos, cavalos, patos e galinhas para brinquedo
dos filhos, alguns dirão que ela faz arte popular; muitos consideram que a
professora aposentada participa deste primeiro grupo quando costura
bonequinhas de pano mas que, já ao se dedicar à confecção de panos de
prato, junta-se à vendedora do shopping fazendo trabalhos manuais ou
manualidades. Para outros, porque ao confeccionar os ímãs de porcelana
fria esta última utiliza moldes e produz objetos em série, o termo que melhor
se aplicaria seria industrianato, isto é, misto de indústria e artesanato; já o
expositor da praça, segundo alguns, faz artesanato hippie, o joalheiro
produz design contemporâneo e o pintor e a escultora produzem arte
erudita ou arte contemporânea ou a verdadeira arte, ou simplesmente
arte, separados de todos os demais. Quantos termos, quantas classificações!
(LIMA, s/d., s/p.).
Essa heterogeneidade do artesanato brasileiro, apesar da riqueza de sua diversidade,
não traz o reconhecimento a quem o produz. Segundo Bartra (2008): “El arte popular es
considerado de segunda, elaborado por gente también de segunda. Este arte hecho por las
mujeres es tan invisible como el trabajo doméstico, muchas de las actividades creativas de las
mujeres han quedado agazapadas detrás de esas invisibles labores del hogar y el arte popular
es una más de ellas” (p. 12).
Como reverter essa realidade de mulheres que buscam, na escola, possibilidades de
sair da invisibilidade de sua arte, para que suas criações sejam reconhecidas em sua cultura,
em sua identidade? Ao retomar a pesquisa e trazer as vozes dessas mulheres para a academia,
cria-se uma forma de lutar por essa categoria, de validar projetos que reconheçam os atores
sociais em propostas de inclusão formativa para mulheres, para artesãs.
46
CAPÍTULO II – AS ARTESÃS E A CULTURA POPULAR
2.1 O processo de produção da cultura artesanal
Ao buscar compreender a origem da cultura, respaldamo-nos na interpretação de
cunho filosófico de Álvaro Vieira Pinto (1979), cujos pensamentos ganharam repercussão no
cenário nacional a partir dos anos 50 e meados dos anos 60 do século XX.
Baseamo-nos inicialmente na premissa de Pinto (1979) de que a cultura tem uma
dupla realidade, que se apresenta em uma dupla face: por uma, materializa-se em
"instrumentos, objetos manufaturados e produtos de uso corrente"; por outra, constitui-se de
"ideias abstratas, concepções da realidade, conhecimentos dos fenômenos e criações da
imaginação artística". Para o autor, ambas as faces estão correlacionadas pelas respectivas
técnicas, e essa compreensão muitas vezes conduz o pesquisador a uma interpretação ingênua
por não ter uma visão de sua gênese.
Nesse sentido, há uma advertência do autor quando assevera que tanto a cultura como
bem de consumo quanto à cultura como bem de produção estão intrinsecamente ligadas: “[...]
É um bem de consumo, que a sociedade obrigatoriamente, mediante a educação distribui a
seus membros”. No entanto, pondera que, em certos tipos de sociedade, esse bem não é
distribuído igualitariamente (PINTO, 1979, p. 124).
A gênese da cultura desde os primórdios se manifesta por dois componentes: através
dos instrumentos artificiais, que o homem [mulher] cria e que são fabricados para prolongar e
reforçar a ação dos instrumentos orgânicos de que o corpo é dotado, a fim de opor-se à
hostilidade do meio; e por meio das ideias, que correspondem à preparação intencional,
sempre social, e à antevisão dos resultados de tal ação. Para que se materialize, há os
componentes que promovem essa ligação: a técnica, o elemento que consiste na preparação
intencional do instrumento, e a codificação para uso eficiente. Dessa forma, permite-nos
compreender que o homem materializa instrumentos e técnicas, e através delas constrói
objetos que expressam a criação cultural, ou seja, uma transformação:
A cultura constitui-se por efeito da relação produtiva que o homem em
surgimento exerce sobre a realidade ambiente. Com esse conceito
aprendemos a noção culminante da teoria da cultura: a que nos mostra a
cultura indissociável do processo de produção, entendido este, em sentido
supremo, como produção da existência geral (PINTO, 1979, p. 123).
47
Justifica o autor que nessa relação da cultura se estabelecem as desigualdades: de um
lado, um grupo minoritário, os considerados cultos, por terem o privilégio de conceber as
finalidades sociais, ou seja, são detentores da cultura, enquanto bem de produção; em lado
oposto, a classe dita inculta, “as massas”, que manejam os instrumentos, os bens de produção,
nos quais se dá o processo cultural e que, escassamente, se apropria dos bens de consumo.
O homem [e as mulheres] produz cultura por uma necessidade existencial, para se
apropriar dela, pois é assim que chega a postular as finalidades da sua ação.
A raiz da separação de classes, como consequência da posição do indivíduo
no processo social da produção de bens, está na natureza dual da cultura,
que, em suas manifestações, materiais e objetivas, é simultaneamente bem de
consumo e bem de produção (PINTO, 1979, p. 127).
A distribuição da cultura dá ênfase à desigualdade na apropriação do conhecimento,
isto é, à medida que o saber possibilita a produção da manufatura e objetos de consumo,
inicia-se um processo de especialização na criação e, consequentemente, na apropriação da
cultura.
Revela-se, nesse sentido, uma desigualdade na apropriação do conhecimento, pois a
distribuição da cultura não deveria significar uma discriminação dos grupos sociais, mas
historicamente essas diferenças de classes estão marcadas. Os bens culturais sofrem uma
divisão de classe: um grupo minoritário da coletividade detém a produção da cultura e,
depois, a torna igualitária por se apropriar desses bens culturais, essencialmente pelo valor
suntuário.
Pinto (1979) considera que, quando se dá essa divisão, a cultura deixa de ser um bem
igualitário nos dois aspectos, pois a vinculação ao ato de produzir bens de consumo e
conhecimento, particularmente as técnicas de fabricação, assim como os instrumentos de
operação, desnorteia o processo, ou seja, quem produz os bens de consumo não será o
consumidor desse bem cultural, e sim outro grupo, detentor da propriedade cultural.
Há, portanto, uma questão que faz a divisão dos bens culturais, considerados como
dois fenômenos por representar nitidamente o poder que se estabelece no acesso ao acervo
cultural. Nessa separação estão presentes duas classes, aqueles que se julgam “incultos”, as
grandes massas, de modo que a estas é destinado o trabalho produtivo, o uso das técnicas, das
ferramentas, as operações manuais, enquanto a outros, que se julgam “cultos”, são destinadas
as ideias e as criações artísticas e ideológicas, com as quais são favorecidos.
48
Existe uma distinção, pois há o grupo dos que trabalham, pouco desfrutam a cultura
que produzem, quase nada consomem, como afirma Pinto (1979), pois especializam-se no
manejo dos instrumentos materiais, das técnicas produtivas, perdem contato com o outro lado
da cultura, das ideias, o saber, a ciência, pois as ferramentas ficam nas mãos dos
trabalhadores.
Essa divisão das classes revela a relação de poder que determina a criação da cultura, a
definição da finalidade das ideias:
Chega-se, assim, à cisão da sociedade entre dois grupos desiguais, que,
ambos, manejam produtos da cultura, com a diferença de que um, o
minoritário e dominante, se reserva a parte de criação da cultura, enquanto a
imensa maioria se vê forçada a apenas operar com os produtos materiais da
cultura (PINTO, 1979, p. 129).
Assim sendo, eis a manutenção da propriedade, ou seja, os bens materiais produzidos
pelos que operam com os produtos lhes são arrebatados, enquanto o grupo minoritário e
dominante detém os valores ideais da cultura. É uma diferenciação que possui uma
significação histórica. A apropriação do aspecto subjetivo da cultura por uma classe que a
torna dona das ideias e finalidades a que se destina, ou seja:
Terá por função o conhecimento “puro”, a descoberta e a combinação das
ideias, o estudo dos processos de sua criação, dos modos em que são
pensadas, concatenadas, delas resultando outras, novas. As teorias científicas
são um dos produtos específicos de tal classe (PINTO, 1979, p. 130).
Enquanto à outra classe são destinados os instrumentos em função dos trabalhos que
executa, considerando-se incapacitada de criar e definir a que se destina o que produz, vale
dizer:
[...] A classe trabalhadora permanece incapacitada para engendrar ideias
porque se acha privada de definir a finalidade, de dar destinação das coisas
que produz. Encontramos aqui a divisão histórica do trabalho nas formas
intelectual e manual, que se projeta objetivamente numa divisão entre
camadas sociais [...] (PINTO, 1979, p.131).
Há nessa relação uma divisão entre as classes, a valorização dos bens culturais em
função do consumo por essa minoria dominante, que coloca as massas a seu serviço, um
estigma em função do trabalho manual, da instrumentalização, deixando de ser a cultura um
bem igualitário.
49
Essa separação das classes expressa de certa forma uma superioridade daqueles que
pensam e idealizam sobre aqueles que produzem. Há uma desvalorização do trabalho manual,
que a classe trabalhadora não vê reconhecido como expressão da cultura e das ideias que
elaboram:
[...] Seus produtos artísticos são classificados apenas como pitorescos,
artesanato, folclore, e somente despertam transitória e divertida curiosidade,
enquanto os dos grupos dirigentes revestem suas obras da qualidade de sérias
e eruditas [...] (PINTO, 1979, p. 131).
Com isso, formaliza-se uma distinção valorativa no campo da cultura, a classe
produtora assume o trabalho manual, instrumental, feito à mão, ficando ainda sob o olhar de
vigilância da classe que tem o saber abstrato, que exalta o trabalho intelectual e que
estigmatiza o trabalho manual, produzido com ferramentas.
2.2.1 A importância da arte e a criação artística
A função da arte para a humanidade, expressa nessa relação homem-mundo [e as
mulheres], está intimamente relacionada às suas origens, que (de)marcam historicamente
como se deram as modificações, as relações que se estabeleceram na sociedade e que novas
funções vão surgindo para a arte.
A palavra “arte” vem do latim ars, artis, que significa “maneira de ser ou agir”,
técnica, habilidade, talento e, em um aspecto mais geral, um conjunto de regras que
conduzem a atividade humana.
A arte, segundo Vázquez (2011), é uma forma de práxis que se estabelece na relação
matéria-criação. O homem e a mulher transformam a matéria através da ação consciente do
sujeito ativo no processo prático, e essa transformação se dá em diferentes níveis da práxis,
envolvendo o grau de consciência que o sujeito tem do processo de transformação, ou seja, da
atividade prática. Essa conceituação é adotada em dois critérios niveladores: de um lado, a
práxis criadora e, de outro, a chamada práxis reiterativa.
A criatividade tem graus até chegar ao produto novo e seu caráter unitário,
indissolúvel, pois só abstratamente podemos separar o interior e o exterior, o subjetivo e o
objetivo.
Ainda que a criação sempre pressuponha a práxis reiterativa, não basta repetir uma
solução construtiva fora dos limites de sua validade. Cedo ou tarde devem ser encontradas
50
outras soluções que geraram novas necessidades, as quais imporão novas exigências. A
criatividade aproxima a práxis espontânea e a reflexiva.
Como processo prático, a criação tem principio e fim. No começo, é apenas
uma forma ou projeto inicial, e uma materia disposta a ser operada. Ao final,
encontamos: a) a forma origina já materizada após ter perdido sua
originariedade; b) o conteúdo já formado, e c) a matéria que, vencida sua
resitencia, se apresenta já formada. Mas achamos tudo isso em unidade
indissóluvel, nesse produto já acabado que é a obra de arte. (VAZQUEZ,
2011, p. 274)
Essa distinção de níveis proposta pelo autor não elimina os vínculos que se
estabelecem entre uma e outra práxis; apesar de haver a distinção, esses níveis são
determinados pelas relações sociais.
Esses níveis na práxis, segundo Vázquez (2011), têm uma relação com o contexto
social no qual o sujeito se insere e que são determinantes segundo estes critérios niveladores:
a) o grau de consciência que o sujeito revela no processo prático, b) o grau de criação que o
produto de sua atividade demonstra. São elementos que expressam os vínculos presentes na
prática criadora ou na práxis reiterativa, ou seja, o que se considera como práxis espontânea
não está isento de elementos de criação, e o reflexivo pode estar a serviço de uma práxis
reiterativa.
Nesse processo da transformação da matéria, está presente a relação da subjetividade
sobre a objetividade, que se estabelece no grau de consciência que o sujeito ativo revela no
processo prático, no qual está presente a reflexão da ação.
Vázquez (2011) traduz como se estabelece a tensão dialética no processo de criação,
no qual o homem é um ser que tem necessidades de estar inventando ou criando novas
situações:
[...] O homem não vive em um constante estado criador. Ele só cria por
necessidade, isto é, para adaptar-se a novas situações, ou satisfazer novas
necessidades. Repete, portanto, enquanto não se vê obrigado a criar. Porém,
criar é para ele a primeira e mais vital necessidade humana, porque só
criando, transformando o mundo, o homem – como Hegel e Marx,
destacaram a partir de diferentes enfoques filosóficos - faz um mundo
humano e se faz a si próprio. Assim, a atividade pratica fundamental do
homem tem um caráter criador; mas, junto a ela, temos também - como
atividade relativa, transitória, sempre aberta à possibilidade e necessidade de
ser substituída - a repetição (VÁZQUEZ, 2011, p. 269).
O processo de criação surge quando o ser humano sente-se desafiado ao novo, a criar
situações inovadoras, deseja mudanças aliadas às suas necessidades; quando não mais lhe é
51
exigido, ou não mais o desafia, remete-se à repetição de sua ação, esvaziando o processo de
criação. Isso difere da práxis imitativa:
(...) A práxis imitativa ou reiterativa tem por base uma práxis criadora já
existente, da qual toma a lei que a rege. É uma práxis de segunda mão que
não produz uma nova realidade; não provoca uma mudança qualitativa na
realidade presente, não transforma “criadoramente”, ainda que contribua
para ampliar a área do criado, e, portanto, para multiplicar quantitativamente
uma mudança qualitativa já produzida. Não cria; não faz emergir uma nova
realidade humana, e nisso reside sua limitação, sua inferioridade com
respeito a práxis criadora (VAZQUEZ, 2011, p. 277).
A práxis imitativa, enquanto práxis de segunda mão, por reproduzir quantitativamente
criação sem a aura da criação, ou seja, não transforma criadoramente, pois massifica um
processo de repetição que rompe a criatividade.
A criação artística, pela sua natureza, não tolera a separação entre o interior e o
exterior, pois enquanto criação insere-se na sua essência de arte, de modo que não se acabe a
distinção, pelo fato de a criação já ser unidade.
“A criação artística é, também, um processo incerto e imprevisível” (VÁZQUEZ,
2011, p. 275). A relação do artista com sua criação é algo incerto e imprevisível, parte de um
projeto inicial, mas o modelo da criação vai tomando forma e só se torna preciso no próprio
curso de sua realização, ou seja, é só ao final que irá desaparecer o que lhe parece incerteza. O
autor considera que essa atividade artística tem algo de aventura. Não há uma previsão exata
da criação, porquanto no terreno da arte se dá a ventura, o risco e a incerteza.
Portando, considera-se que a verdadeira criação supõe uma elevação da consciência e
que sua materialização exige a íntima relação do interior e do exterior, do subjetivo e do
objetivo (VÁZQUEZ, 2011).
Vê-se que a criação artística, apesar de toda incerteza que envolve o processo de
criação, está na elevação da consciência e na autonomia para criar, para que se dê o processo
de autoria, de criação. Poderíamos trazer, para ampliar a reflexão sobre a relação do criador e
da criação, as mãos, a verdadeira mão humana, ou seja, a mão que forma e se deforma para
formar melhor:
Pelas mãos, o homem está em contato com as coisas, e lhes dá forma:
graças a elas, a matéria não estabelece com o homem uma relação
exterior. Com as mãos, o homem torna suas – isto é, humaniza – as
coisas; e ele próprio, deixando-se tocar, adaptando-se à forma delas,
abrindo-se as coisas, consuma essa relação propriamente humana. [...]
Assim é a verdadeira mão humana, isto é, a mão que não é pura e
exclusivamente parte do corpo, e sim uma mão que forma e deforma
52
para formar melhor. Mão que não se move cegamente, de modo
natural ou mecânico, porque seus movimentos são ditados pela
inteligência [...] (VÁZQUEZ, 2011, p. 287).
Há uma questão central que está na história das mulheres, no trabalho invisível das
atividades domésticas, não valorizado e não remunerado. Segundo Perrot (2007), as
sociedades jamais poderiam ter vivido, se reproduzido e desenvolvido sem o trabalho
doméstico das mulheres, que é invisível (p. 109). Uma questão central no curso é
proporcionar às artesãs que elas percebam o potencial dos seus ofícios, que se sintam
autorizadas a criar, a pensar com autonomia sobre a criatividade, a sair da invisibilidade dos
trabalhos sem rosto, sem nome.
2.2.2 A indústria cultural e o mercado de trabalho artesanal
Walter Benjamim, no clássico A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica,
sem dúvida seu texto mais influente, traz o surgimento da reprodução técnica, sua discussão
sobre arte e modernidade.
É importante frisar que Walter Benjamin, um dos principais representante da Escola
de Frankfurt, o texto no qual o autor analisa as alterações provocadas pelas novas técnicas de
produção artística na esfera da cultura e desenvolve, como elemento principal, a tese da
reprodutibilidade técnica, provocando a superação da aura pela obra de arte.
Os gregos conheciam dois processos de reprodução técnica: a fundição e a cunhagem
(bronze, terracota e moedas), um processo que podia ser fabricado por eles em massa.
Com a xilogravura, a arte gráfica se tornou reprodutível, juntando-se, no decorrer da
Idade Média, à gravura em metal e água-forte com a litografia, no início do século XIX, o que
estabelece um estágio novo em função da técnica da reprodução que permitiu à arte gráfica
não só levar suas produções, pela primeira vez, como também novas formas de produções.
(BENJAMIN, 2012)
Com o advento da fotografia e do cinema, as transformações proporcionadas pela
técnica desencadearam mudanças nesses dois campos. Aliás, com a fotografia, a mão foi
desencarregada do processo de reprodução de imagens, como afirma Benjamin, considerada
como uma das mais importantes incumbências artísticas, que cabia unicamente ao olho. A
reprodução técnica começa não só a transformar a totalidade das obras tradicionais, singulares
53
e autênticas, mas também a interferir no status da obra de arte, pois a obra moderna é
tecnicamente reprodutível.
À obra de arte na era da reprodutividade técnica, portanto, anuncia as mudanças
operadas pela modernidade, entre as quais destacamos os conceitos considerados essenciais
para a reflexão, são eles: a autenticidade, sua existência única, e a aura, uma teia singular, o
valor da unicidade.
A reprodução, por mais perfeita que seja, afirma o autor, carece de um elemento: o
aqui e agora da obra de arte. Aí se insere o conceito sobre o original que está relacionado à
esfera da autenticidade da obra, em decorrência das mudanças que ela sofreu ao longo do
tempo, preservando, porém, uma representação de uma tradição. O autor considera que:
A autenticidade de uma coisa e a quintessência de tudo aquilo que nela é
transmissível desde a origem, de sua duração material até seu testemunho
histórico. Na medida em que este se funda naquela, então, na reprodução,
quando a duração material se subtrai aos homens, também o testemunho
histórico da coisa é abalado. De certo, somente isso, mas o que desse modo é
abalado é a autoridade da coisa, mas seu peso tradicional (BENJAMIN,
2012, p. 21).
Para Benjamin, o que faz com que uma “coisa”, a obra, seja autêntica é tudo o que ela
contém de originalmente transmissível, uma relação que se estabelece desde sua duração até o
seu poder de testemunho histórico, pois considera que a técnica da reprodução em massa
interfere com mais intensidade na própria autoria, ou seja, promove um abalo da tradição. E,
afirma, o que vai desaparecer na época da reprodutibilidade será a sua aura. Garante, ainda,
que a decadência da aura baseia-se em duas circunstâncias, ambas relacionadas com o
crescimento das massas e com a intensidade de seus movimentos.
À medida que as obras se tornam mais acessíveis, através da reprodutividade técnica,
isso afeta também a própria qualidade da natureza da arte:
Levar em conta essas relações é indispensável para uma investigação que
tem a ver com a obra de arte na época de sua reprodutividade técnica, pois
preparam o conhecimento do que é decisivo aqui: a reprodutividade técnica
da obra de arte emancipa esta, pela primeira vez na história universal, de sua
existência de parasitária no ritual. A obra de arte reproduzida torna-se cada
vez mais a reprodução de uma obra de arte voltada para a reprodutividade
[...] (BENJAMIN, 2012, p.35).
O que muda nessa passagem é o critério da autenticidade, porquanto esta não se aplica
mais à produção artística; toda a função social da arte se transforma, ou seja, deixa de fundar-
se no ritual e se funda em outra práxis: na política.
54
2.2.3 A (in)visibilidade da mulher na produção artesanal
Em meio à diversificação dos espaços de trabalho, está o processo de flexibilização
nos anos de 1980, que trouxe formas de organização do trabalho e da produção. Inicialmente,
referir-se às mudanças nessa lógica de produção de trabalho remete à “fábrica flexível” e,
posteriormente, à lógica do mercado de trabalho, ou seja, à flexibilidade do empego. São
mudanças na relação de trabalho que tratam da degradação das condições de trabalho, o que
influenciou fortemente políticas econômicas e direitos trabalhistas. Como afirma Hirata
(2007):
[...] A palavra “flexibilidade” tem conotação ideológica, mascarando sob um
termo neutro ou mesmo de conotação positiva (adaptabilidade,
maleabilidade, repartição mais adequada) práticas de gestão da mão-de-obra
em que a flexibilidade e precariedade andam frequentemente juntas no
âmbito no mercado de trabalho. A degradação importante das condições de
trabalho, de salários e da proteção social seria, assim, disfarçada por um
termo positivo. [...] (HIRATA, 2007, p. 91)
“Trabalho domiciliar, trabalho a distância e tele trabalho, trabalho em empresas
terceirizadas”, segundo a autora, consistem na diversificação e multiplicação dos espaços de
trabalho que concorrem para o desenvolvimento da produção “flexível”, e, nesse cenário, se
dá a divisão sexual do trabalho como precondição dentro da lógica de organização de
produção e da precarização das relações de trabalho, presente na heterogeneidade das
situações de trabalho.
Os efeitos da globalização trazem mudanças na relação de trabalho, processo de
internacionalização do capital que traz um novo cenário mundial e que, segundo Hirata
(2002), é considerado por economistas críticos como um fenômeno que expõe a ideia de
ruptura de limites e fronteiras. Ou seja, observa-se uma reorganização do mercado nacional,
sua interdependência visando “a constituição de um mercado mundial unificado”, imposta em
função da nova ordem internacional de acumulação capitalista. Segundo Harvey (2011):
O capital é o sangue que corre através do corpo político de todas as
sociedades que chamamos de capitalistas, espalhando-se, às vezes como um
filete e outras vezes como uma inundação, em cada canto e recanto do
mundo habitado (HARVEY, 2011, p.7).
No que concerne aos homens, o emprego regrediu, há um crescimento de participação
das mulheres no mercado de trabalho e essa atuação da atividade feminina, segundo a autora,
foi uma evolução da categoria, cuja ampliação de trabalho se deu em polos opostos: de um
55
lado, a “profissão executiva e intelectual”; do outro, as atividades do setor de serviços, o que
gerou impactos:
A atividade feminina continua concentrada em setores como serviços
pessoais, saúde e educação. Contudo, a tendência a uma diversificação das
funções mostra hoje um quadro de bipolarização: num extremo, profissionais
altamente qualificadas, com salários relativamente bons no conjunto da mão-
de-obra feminina (engenheiras, arquitetas, médicas, professoras, gerentes,
advogadas, magistradas, juízas etc.), e, no outro extremo, trabalhadoras ditas
de “baixa qualificação”, com baixos salários e tarefas sem reconhecimento
nem valorização social. Essa bipolarização não surge apenas nos países
europeus desenvolvidos, mas também em países semi-industrializados como
o Brasil (HIRATA, 2001, p. 148).
Segundo Hirata (2007), a flexibilidade do trabalho feminino trouxe também outra
legitimação, que é a social para o emprego das mulheres, com a jornada de trabalho mais
curta e atrelada ao discurso de conciliação entre a vida familiar e a vida profissional.
Consequentemente, o uso do emprego e dos salários para as mulheres, dentro dessa lógica, é
tido como renda “complementar”, embora a atuação das mulheres seja crescente no mundo do
trabalho (p. 104).
Podemos ressaltar alguns dos direitos constitucionais, frutos do movimento das
mulheres na Constituição de 1988, apesar da ausência da uma representatividade expressiva
da bancada feminina no período de 1986-1990, período do processo da Constituinte, quando
foram eleitas apenas 26 mulheres, o que representou, segundo Pinto (2003), um percentual de
5,7% da Casa Legislativa. Eis conquistas que estão contempladas na CF/1988, no Título II,
que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais:
“homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição” (Art. 5º, I).
“proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos
específicos, nos termos da lei”(Art, 7º, XX)
“proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de
admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”(idem XXX)
“igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício
permanente e o trabalhador avulso” (idem, XXXIV)
“São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos
previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII,
XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as
condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento
das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de
trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII,
XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social” (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 72, de 2013) (Idem, parágrafo único)
(BRASIL, 1998)
56
Ressalta Pinto (2003) que a representatividade das mulheres à época, no movimento
político, ocorreu dentro dos moldes clássicos; o recrutamento dessas mulheres se efetivou
através de suas relações com famílias de políticos, popularidade que conquistaram por meio
da comunicação ou pelos vínculos partidários, e não pelos movimentos partidários. No
entanto, mesmo com essas características, as mulheres eleitas tiveram uma trajetória
surpreendente, superaram as extrações partidárias e se autodenominaram como “bancada
feminina”; dentro desse universo, privilegiadamente masculino, houve um movimento
feminista que construiu a identidade e a representatividade em prol dos direitos sociais das
mulheres como cidadãs, conquistas sociais homologadas na Constituição de 1988.
São questões reveladoras, pois, de que a história das mulheres não é fácil. Invisível
durante séculos, somente nos anos 1980 há a partidarização e a institucionalização do
movimento feminista no Brasil. Já a questão da violência da mulher é tratada em outros rumos
a partir de 1985, com a criação da primeira delegacia especializada, uma conquista que
garante o direito da mulher e assegura uma política pública de combate à violência da mulher,
de modo que esta possa ser atendida sem hostilização e agressão. (PINTO, 2003)
Outro movimento foi em defesa da saúde da mulher, um tema considerado sensível e
controvertido pela abrangência, e que exige do Estado uma política pública no atendimento e
assistência às mulheres, com três temas polemizados: planejamento familiar, sexualidade e
aborto. Há todo um movimento de articulação que envolve as mulheres das camadas
populares e da classe média no planejamento familiar, por esse tema estar vinculado ao debate
sobre o controle da natalidade nas camadas menos abastadas. Isso, indubitavelmente, faz o
movimento das mulheres feministas ter um papel relevante na elaboração de projetos de
planejamento familiar. (PINTO, 2003)
O tema, finalmente, emergiu como um campo definido de pesquisa para os
historiadores: o lugar da mulher e da narrativa feminina, narrativa que tradicionalmente os
homens tem ocupado.
2.2 Territórios e fronteiras da formação
Baseamo-nos na relevância e nos estudos das abordagens (auto)biográficas no âmbito
da profissão docente de Nóvoa (2007), no qual sua pesquisa retrata um conhecimento mais
próximo da realidade educativa e do cotidiano dos professores. E nos baseamos nas
contribuições da sua obra, “Vida de professores”, para ser norteadora para esta pesquisa sobre
57
a “Vida de artesãs profissionais”, uma analogia que nos possibilite compreender o formar-se,
conhecer quem são esses sujeitos, como aprendem.
Nesse sentido, é preciso assumir todas as perplexidades das abordagens
(auto)biográficas, não incentivando uma atitude defensiva que as fecharia no
interior de fronteiras disciplinares. De facto, a qualidade heurística destas
abordagens, bem como as perspectivas de mudanças de que são portadoras,
residem em grande medida na possiblidade de conjugar diversos olhares
disciplinares, de construir uma compreensão multifacetada e de produzir um
conhecimento que se situa na encruzilhada de vários saberes (NÓVOA,
2007, p. 20).
Ao tratar das dificuldades de categorização dos estudos em histórias de vida, Nóvoa
(2007) considera que a diversidade dificulta categorizar, pois cada estudo tem uma
configuração própria, e nela estão contidas as preocupações da investigação, ação e formação.
Nesse sentido, frente às dificuldades em separar analiticamente as abordagens, considera
como possibilidade a categorização baseada nos objectivos e nas dimensões, o que justifica o
quanto é difícil separar o eu pessoal do eu profissional, numa profissão que é fortemente
impregnada de valores e ideais – no caso, refere-se ao docente, e propusemos estender para
compreender a formação das artesãs, conforme apresentamos no quadro 09:
Objetivos/
Dimensões
Objetivos essencialmente
teóricos/relacionados com a
investigação
Objetivos essencialmente
práticos/relacionados
com a formação
Objetivos essencialmente
emancipatórios, relacionados
com a investigação-formação
Pessoa (do
professor)
Práticas (dos
professores)
Profissão do
Professor)
Quadro nº 09: Categorização dos estudos centrada nas histórias de vida dos professores
Fonte: Vida de Professores, Nóvoa (2007).
Baseando-se nesses princípios teóricos, práticos e emancipatórios, propusemos fazer
uma analogia em “Vidas de Professores”, de Nóvoa (2007), para categorizar a “Vida das
Artesãs”, como norte para esta pesquisa. Nesse sentido, fez-se a categorização da dimensão
pessoal e social das artesãs, restaurando o território e fronteira da formação - acreditamos ser
possível recuperar, através da narrativa de suas histórias de vida, como teve início o vínculo
com o artesanato.
Essas propostas nortearam os questionários e os roteiros das entrevistas para a
narrativa da história de vida das artesãs, conforme consta do quadro nº 10, que denominamos
de “Contexto Histórico e Social das Artesãs em sua trajetória de formação”, entrelaçada nas
histórias de vidas das artesãs em Alagoas.
58
Quadro nº 10: Contexto Histórico e Social das Artesãs em sua trajetória de formação
Fonte: Elaboração da pesquisadora, 2014.
A Tradição, o Conhecimento e a Profissão serão as categorias de análise como forma
de compreender os aspectos que se deram entre o território e a fronteira da formação das
artesãs:
A Tradição – o resgate de uma tradição cultural através das artesãs narradoras, os
vínculos que foram sendo alinhavados e costurados artesanalmente nesse percurso, a
possibilidade de mapear essas trilhas proporcionando às artesãs a recuperação de sua memória
para trazer pontos de reflexão sobre o caminhar para si, o projeto de vida, as diferentes
identidades, suas representações e projeções, como proposto por Josso (2004). Isso remete à
história das artesãs e, consequentemente, tem um valor para os processos de formação.
Através da formação profissionalizante, reflete-se sobre os Conhecimentos que se
estabeleceram nessa tessitura entre a tradição e o design inovador, a busca das artesãs pela
profissionalização e os impactos na aprendizagem após um processo descontínuo de
escolaridade. Além disso, reflete-se sobre o percurso de aprendizagem, um processo de
criação e produção artesanal, a importância de planejar, como se apropriam desses novos
conhecimentos para a criação, autoria e reinserção na produção artesanal.
Dimensões:
Pessoal e Social
Território e Fronteiras da Formação
TRADIÇÃO CONHECIMENTO PROFISSÃO
Sujeitos da
pesquisa
Ponto de partida na
relação com a cultura
artesanal
Identificação, Gênero,
Perfil Socioeconômico;
Formal /Informal
Trajetória/caminho
s da autoformação
como artesã
Origem dos vínculos com
o artesanato
Memória e o Vínculo da
relação com o artesanato
Experiências e Vivências
Sentido que o artesanato
traz em suas vidas;
Escolaridade
(espaço formal)
Tempo percorrido para a
escolarização formal: onde
e como se deu?
Continuidade/descontinuidade
da escolaridade;
Expectativas iniciais e
finais do curso.
Formação do
Curso Técnico de
Artesanato
Entrelaçamento das
relações entre os saberes
na formação técnica
(formal e não formal);
Senso comum e o tecnológico:
avanços, limites e entraves;
Impactos do processo da
aprendizagem no
percurso da formação;
Práticas artesanais
e suas
complexidades
Trajetórias da
aprendizagem no universo
(fazer) artesanal;
Tessituras das práticas: antes e
após os conhecimentos
tecnológicos;
Processo de
criação/inovação
artesanal após o curso;
Mercado de
Trabalho
A (re)inserção na
produção artesanal
Conhecimento do mercado
artesanal antes e após o curso:
mudanças desencadeadas
Mercado formal e
informal:
Associativismo
Mudanças
proporcionadas
pelo curso
Crescimento pessoal, seu
lugar na família e na
comunidade;
Percepção atual da profissão
de artesã;
Mudanças desencadeadas
na relação com o
mercado artesanal
Projetos Nível Pessoal e Satisfação Perspectivas com o mercado
Artesanal
Resultados esperados
59
E, compondo essas categorias, está a Profissão, cujo sentido etimológico vem do latin
professio,õnis, “ação de declarar, ação de professar, de ensinar, profissão, mister”
(HOUAISS; VILLAR, 2009). Eis a profissionalização das artesãs, que se instituiu através da
formação do curso de técnico de artesanato, um curso com práticas interdisciplinaridades e
metodologias pedagógicas que desafiam docentes a dialogar com a cultura popular.
Acerca das tensões existentes entre os saberes de ofícios e os saberes tecnológicos, o
tensionamento na produção do artesanato para inserção no mercado artesanal, o que muda
e/ou amplia o conhecimento das artesãs para a produção artesanal com a incorporação do
saber tecnológico.
O pensamento de Pinto (2005) possibilita discutir a natureza do conhecimento
tecnológico dentro do campo pedagógico, compreender a dimensão da “era tecnológica”:
O conceito de “era tecnológica” constitui importantíssima arma do arsenal
dos poderes supremos, empenhados em obter estes dois inapreciáveis
resultados: (a) revesti-lo de valor ético positivo; (b) manejá-lo na qualidade
de instrumento para silenciar as manifestações da consciência política das
massas, e muito particularmente das nações subdesenvolvidas. (PINTO,
2005, p.43)
A relação do homem com a tecnologia, segundo Viera Pinto (2005), deve ser vista de
duas maneiras: o maravilhamento e a dominação tecnológica; o que distingue o maravilhar-se
atual do antigo é que o homem não mais se maravilha diante da natureza, mas diante de suas
próprias obras. Pois considera que, em outra civilização, que denomina de “tecnicamente
atrasada”, o homem só podia maravilhar-se com aquilo que encontrava feito, ao passo que,
agora, com a “civilização tecnológica”, maravilha-se com o que faz e com o que produz.
Para Pinto, é necessário estudar em profundidade o significado do conceito de “era
tecnológica”, a forma como é usado para explicar os tempos atuais.
[...] Hoje a técnica necessita revestir-se de valor moral, na verdade o valor
que os grupos dirigentes e promotores do progresso desejam se adjudicar. O
saber que antes, repetindo o conhecido aforisma, apenas significava poder,
agora significa também valer. Com isso, a ciência e a técnica aparecem com
uma benemerência pelo valor moral que outorgam aos seus cultores, e, muito
naturalmente, e com mais forte razão, aos patrocinadores. O laboratório de
pesquisa, anexo à gigantesca fábrica, tem o mesmo significado ético da
capelinha outrora obrigatoriamente erigida ao lado dos nossos engenhos
rurais (PINTO, 2005, p. 42).
Para compreender onde e como se constroem essas relações, existe o Território, no
qual visamos a resgatar a proposta de Claude Raffestin, em 1993, em seu livro “Por uma
60
geografia do poder”. Ali, ao tratar das relações em um sistema territorial, propõe conhecer as
estruturas que as cercam, as imbricações de poder estabelecidas no território:
Quando um geógrafo é posto diante de um sistema territorial, ele descobre
uma produção já elaborada, já realizada. Produção suscetível de mudanças,
contudo suficientemente fixa para ser analisada. Mas toda análise supõe uma
linguagem. Sem linguagem, não há leitura possível, não há interpretação e,
portanto, nenhum conhecimento sobre a prática que produziu o território.
(RAFFESTIN, 1993, p. 153)
A origem dos saberes e experiências do processo artesanal será nosso objetivo,
conhecer sua linguagem, suas vivências. Através das narrativas, pretende-se resgatar os
vínculos de uma cultura, da tradição de um processo artesanal.
As Fronteiras geograficamente estão presentes nestas relações de poder, segundo a
demarcação dos espaços. Como afirma Raffestin (1993, p. 153), que toda tessitura implica a
noção de limite. Para conhecer como se constituíram esses limites, como e onde se deram a
formação formal e a não formal, apropriamo-nos de questionário e entrevistas como
instrumentos que possibilitam compreender como se deram os espaços na relação familiar,
pessoal e profissional das artesãs.
Retomar essas vozes através das narrativas das histórias das artesãs possibilita uma
visibilidade do território e das fronteiras da formação dessas mulheres artesãs, através de suas
experiências, práticas e saberes da cultura poular. É como se estivéssemos costurando uma
“colcha”, cujos retalhos irão compor os traços e a identidade cultural que cada uma dessas
histórias de vida traz com sua subjetividade. E essa composição não se dá apenas e
exclusivamente com a voz, mas se compõe também de outros elos, como afirma Benjamin
(2012):
A alma, o olhar e a mão estão assim inscritos num mesmo contexto.
Interagindo, eles definem uma prática. Essa prática deixou de nos ser
familiar. O papel da mão no trabalho produtivo tornou-se mais modesto, e o
lugar que ele ocupava durante a narração está agora vazio. (Pois a narração,
em seu aspecto sensível, não é de modo algum o produto exclusivo da voz.
Na verdadeira narração, a mão intervém decisivamente, com seus gestos,
aprendida nas experiências do trabalho, que sustentam de cem maneiras o
fluxo do que é dito). A antiga coordenação da alma, do olho e da mão, que
transparece nas palavras de Valéry, é típica do artesão, e é ela que
encontramos sempre, onde quer que a arte de narrar seja praticada [...]
(BENJAMIN, 2012, p. 239).
O movimento das mãos, silenciosamente, num processo dinâmico, singular do trabalho do/
artesão/ã.
61
2.3 Base conceitual: o artesanato e arte popular
É fundamental trazer alguns conceitos sobre o artesanato, conceitos esses que
expressam a heterogeneidade do artesanato e as suas dimensões socioculturais e econômicas,
conforme consta do documento que trata da Base Conceitual do Artesanato Brasileiro, 2012.
O artesanato é uma das mais ricas formas de expressão da cultura e do poder
criativo de um povo. Na maioria das vezes, é a representação da história de
sua comunidade e a reafirmação da sua autoestima. Nos últimos tempos,
tem-se agregado a esse caráter cultural o viés econômico, com impacto
crescente na inclusão social, geração de trabalho e renda e potencialização
de vocações regionais (BRASIL, 2012, p. 2).
Esse documento faz parte do Programa Brasileiro de Artesanato/PAB, responsável
pela elaboração de políticas públicas em nível nacional, coordenado pelo Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, em parceria com o governo federal, com as
coordenações estaduais do artesanato e com o apoio dos municípios. Criado por meio do
Decreto nº 1.508, de 31 de maio de1995, eis o art. 1º:
O programa do Artesanato Brasileiro, instituído com a finalidade de
coordenar e desenvolver atividades que visem valorizar o artesão brasileiro,
elevando o seu nível cultural, profissional, social e econômico, bem assim
desenvolver e promover o artesanato e a empresa artesanal passa a
subordinar-se ao Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo
(BRASIL, 1995).
A Portaria nº 38, de 01 de agosto de 2013, regulamenta as competências do Núcleo de
apoio ao artesanato, que fica subordinado à Secretaria Executiva da Micro e Pequena
Empresa da Presidência da República, conforme se vê no art. 2º:
Art. 2º - Ao Núcleo de Apoio ao Artesanato compete subsidiar o Secretário-
Executivo no apoio ao Ministro de Estado no exercício das competências: I -
na formulação, coordenação e articulação de:
a) politicas e diretrizes para o apoio ao artesanato;
b) programas e ações de qualificação voltadas ao artesanato; e
II - na articulação e incentivo à participação do artesanato nas exportações
brasileiras de bens e serviços e sua internacionalização (BRASIL, 2013).
Os eixos de atuação do PAB possuem ações em âmbito nacional que visam a atender:
1. Gestão: visa a promover a integração de iniciativas relacionadas ao
artesanato e a troca de experiências e aprimoramento na gestão de processos
e produtos artesanais.
2. Desenvolvimento do Artesanato: tem o objetivo de promover medidas
para a melhoria da competitividade do produto artesanal e da capacidade
62
empreendedora para maior inserção do artesanato brasileiro nos mercados
nacionais e internacionais.
3. Promoção Comercial: o foco é a identificação de espaços
mercadológicos adequados à divulgação e comercialização dos produtos
artesanais, a participação em feiras, mostras e eventos nacionais e
internacionais.
4. Sistema de Informação Cadastrais do Artesanato Brasileiro (SICAB):
visa a conhecer e mapear o setor por meio de estudos técnicos e do cadastro
do artesão no Sistema, com vistas à elaboração de políticas públicas para o
segmento.
5. Estruturação de núcleos para o artesanato: busca apoiar o artesão
formalizado em associações e cooperativas, ou o microempreendedor
individual envolvido em projetos ou esforços para a melhoria de gestão do
processo da cadeia produtiva do artesanato por meio da construção ou
reforma de espaços físicos gerenciados pelos estados e municípios
(BRASIL, 2012, p. 10)
As questões que se destacam nessa proposta de organização do mercado artesanal, é o
acesso a essas ações que são desenvolvidas por órgão público. A luta dessas mulheres pelos
espaços de comercialização. São elas, artesãs “anônimas”, que não tem trabalhos
reconhecidos, cujas criações de seus trabalhos estão invisibilzados pela dificuldade que
enfrentam na relação do comércio artesanal. Segundo suas narrativas, a falta de critérios para
a comercialização de artesanato nas feiras, pois dividem com os comerciantes atravessadores
os espaços do mercado artesanal.
No entanto, apesar de o artesanato ter um valor cultural, um valor econômico para a
cultura local, há uma questão que Keller (2011) aponta ao tratar da relação do/a artesão/ã com
o mercado; muitas vezes, prega-se que a/o artesã/artesão brasileiro não tem competência por
não dominar o mercado, e que é necessário formá-lo/a para esse mercado. Sobre isso,
posiciona-se:
[...] proponho sempre que temos de formar o mercado para objeto artesanal,
o mercado é que tem que perceber que esses objetos não são mera
mercadoria, que há uma cultura embutida neles [...] Que existe uma
bordadeira no nordeste que é feliz quando executa os bordados que gosta.
Então esse é o nosso papel como antropólogos voltados para o campo do
artesanato. Eu me considero, como diria Roberto Cardoso de Oliveira, “um
antropólogo da ação”, que está voltado pra intervir na realidade e brigar
pelos valores culturais dos próprios artesãos/artesãs e por uma estética nativa
e pelo respeito que se tem que ter com essas formas culturais que não podem
estar sujeitas às regras do mercado somente. (KELLER, 2011, p 193)
O Documento Base Conceitual do Artesanato Brasileiro (2012) traz conceitos
importantes que nos possibilitam conhecer o/a artesão/ã brasileiro/a. São conceitos que trazem
a dimensão cultural, a riqueza do artesanato brasileiro e a diversidade do fazer artesanal, tudo
63
executado pelas mãos de mais de 84.000 artesãos/ãs no Brasil, segundo números do Cadastro
dos/as Artesãos/as Brasileiros/as (SICAB/2014).
Artesão/Artesã: é o/a trabalhador/a que de forma individual exerce um
ofício manual, transformando a matéria-prima bruta ou manufaturada em
produto acabado. Tem o domínio técnico de materiais, ferramentas e
processos de produção artesanal na sua especialidade, criando ou produzindo
trabalhos que tenham dimensão cultural; para tanto, utiliza técnica
predominantemente manual, podendo contar com o auxílio de equipamentos,
desde que não sejam automáticos ou duplicadores de peças (BRASIL, 2012,
p. 11)
Mestre/a Artesão/ã: indivíduo que se notabilizou em seu ofício, legitimado
pela comunidade que representa e/ou reconhecido pela academia,
destacando-se através do repasse de conhecimentos fundamentais da sua
atividade para novas gerações (BRASIL, 2012, p. 11).
Outras definições são importantes porque expressam a heterogeneidade da cultura
artesanal no país:
Artesanato: compreende toda a produção resultante da transformação de
matérias-primas, com predominância manual, por indivíduo que detenha o
domínio integral de uma ou mais técnicas, aliando criatividade, habilidade e
valor cultural (possui valor simbólico e identidade cultural) e podendo, no
processo de sua atividade, ocorrer o auxílio limitado de máquinas,
ferramentas, artefatos e utensílios. (BRASIL, 2012, p.12)
Arte Popular: conjunto de atividades poéticas, musicais, plásticas, dentre
outras expressivas, que configuram o modo de ser e viver do povo de um
lugar. A arte popular diferencia-se do artesanato a partir do propósito de
ambas as atividades. Enquanto o artista popular tem profundo compromisso
com a originalidade, para o artesão essa é uma situação meramente eventual.
O artista necessita dominar a matéria-prima como o faz o artesão, mas está
livre da ação repetitiva frente a um modelo ou protótipo escolhido, partindo
sempre para fazer algo que seja de sua própria criação. Já o artesão, quando
encontra e elege um modelo que o satisfaz quanto à solução e forma, inicia
um processo de reprodução a partir da matriz original, obedecendo a um
padrão de trabalho que é a afirmação de sua capacidade de expressão. A obra
de arte é peça única que pode, em algumas situações, ser tomada como
referência e ser reproduzida como artesanato (BRASIL, 2012, p.12).
Paulo Keller, em entrevista realizada com o antropólogo Ricardo Gomes Lima (2011),
pesquisador do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNHCP/ IPHAN/Ministério
da Cultura), traz importantes reflexões sobre o artesanato brasileiro, suas análises sobre a
riqueza, a heterogeneidade e a diversidade do artesanato no país, como também as relações do
artesanato com o mercado:
São muitas técnicas, muitas matérias primas, como falei, e ao mesmo tempo
muitos campos de significado, muitos contextos em que esses objetos estão
inseridos. Por que se faz ou para que se faz um objeto artesanal? Vai desde a
necessidade mais imediata de sobrevivência, desde o instrumento que é feito
64
para o trabalho ou para o conforto: como um prato, uma colher, uma cama,
até objetos de significados muito mais amplos, como a imagem de um
sobrenatural, de um santo, um objeto religioso. Tudo isso reflete uma
diversidade muito grande e no Brasil esse campo também é extremamente
rico (KELLER, 2011, p. 189).
Eis a grande diversidade do artesanato do país, a riqueza das manualidades e de
trabalhos que guardam uma tradição cultural, a identidades das artesãs. Ricardo Lima aborda
essa questão trazendo a experiência das rendeiras de Florianópolis, Maranhão e Piauí, fazendo
as rendas de bilro no Mercado Brasil de Artesanato Tradicional, realizado no Palácio do
Catete, cada uma com suas almofadas de bilro, trabalhando uma ao lado da outra.
Destaca como as rendeiras ficaram surpreendidas com o diferencial das técnicas. A
rendeira de Santa Catarina, por exemplo, tinha um tipo de renda que se chama “tramoia”,
diferente da renda do Maranhão e do Piauí. Segundo Keller (2001), nós apreciamos a beleza
de uma renda, a singeleza, “mas elas faziam rendas de bilro que guardavam especificidades e
também, ao mesmo tempo, construíam suas identidades” (p. 190). Podemos complementar
que trazem em suas mãos habilidosas a singularidade de uma tradição de trabalho manual que
tem uma identidade local, que o valoriza e o torna universal.
Enfim, é a riqueza das rendas no Brasil que, quando é de bilro, é muito
diversa, e também tem a renascença, a irlandesa, o filé, o labirinto, a
singeleza, e tantas outras modalidades que são, ao mesmo tempo, tudo igual
– são rendas – e, ao mesmo tempo é muito muito diferente. Então, essa
riqueza está dada. [...] (KELLER, 2011, p. 190).
São necessárias ações que valorizem experiências como essas para que as rendeiras, as
bordadeiras e as artesãs possam vivenciar experiências que visibilizem a cultura, a troca de
conhecimentos. Ademais, conhece-se a tradição do artesanato de outras regiões como forma
de valorização do trabalho artesanal, dos conhecimentos que tem uma tradição na cultura
popular.
Em Alagoas, as ações do Programa Brasileiro de Artesanato/PAB desenvolvem
atividades visando a proporcionar aos/às artesãos/ãs atividades em nível cultural, profissional,
social e econômico, desenvolvendo ações de formação, promoção de inserção em feiras e
exposições de artesanato, além de núcleos produtivos, segundo a Coordenação da Secretaria
do Planejamento e do Desenvolvimento Econômico/ SEPLANDE.
A Coordenação Design e Artesanato/SEPLANDE, é responsável pelo cadastro dos
artesãos em Alagoas, assim como o censo do/a artesão/ã. É uma ação que viabiliza um
cadastro nacional dos/as artesãos/ãs para que a categoria tenha acesso a direitos sociais, tais
65
como: isenção do ICMS na emissão de notas fiscais avulsas, aquisição de maquineta para
venda com cartão de crédito, acesso a financiamento com juros reduzidos, contribuição para o
INSS com valor diferenciado do autônomo e cadastro para participar de feiras, eventos de
artesanato, exposição e capacitações.
Segundo dados do Portal Brasil/2015, o Sicab tem realizado modificações que
almejam aprimorar a emissão da Carteira Nacional do/a Artesão/ã, para que se efetive como
identidade formal do/a artesão/ã brasileiro/a. Apenas para se ter uma ideia, mais de 96 mil
artesãos e trabalhadores manuais participam do Programa do Artesanato Brasileiro - PAB.
Nesse sentido, a definição de políticas públicas para os/as artesãos/as se efetivará com
a homologação do Plano de Lei nº 7.755/2010, que regulamenta a profissão dessa categoria e
fixa diretrizes básicas da política nacional para o artesanato, uma conquista social, no âmbito
dos direitos sociais, para a valorização do/a artesão/ã brasileiro/a. No entanto, ao ser aprovado
pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara dos
Deputados, em 27/05/2015, suprimiu-se a necessidade de se criar a Escola Técnica Federal do
Artesanato, por acreditar que a expansão da rede de ensino tecnológico já contempla os
objetivos de qualificação do artesão. Com essa prerrogativa, reafirma a rede federal, através
dos Institutos Federais, a necessidade de institucionalizar uma política para a formação dos/as
artesãos no país. A grande questão, porém: os Institutos Federais de Educação se reconhecem
como lócus de formação para o/a artesão/ã brasileiro/a?
66
CAPITULO III – AS ARTESÃS NARRADORAS E SUAS HISTÓRIAS DE VIDA
ENTRETECIDAS NO ARTESANATO: CURRÍCULO, VIVÊNCIAS E
EXPERIÊNCIAS
Esta pesquisa busca contribuir com a história das mulheres, apresentando uma
experiência de escolarização para mulheres no contexto da educação formal especificamente
voltada para o artesanato brasileiro, através de um curso profissionalizante para as
trabalhadoras que vivem no anonimato da arte popular em Alagoas.
Para o desenvolvimento da pesquisa, uma das principais decisões consiste em definir o
caminho metodológico, para conhecer a trajetória que melhor retrata as histórias das
mulheres, com seus trabalhos voltados para a arte popular, cujas experiências são adquiridas
em espaço não formal, sem visibilidade e, consequentemente, sem valorização: “Siempre se
tiene un gran sentimiento de culpa cuando se habla sólo de mujeres”, afirma Eli Bartra (2008)
em suas reflexões em Mujeres y Arte popular, sobre não existir uma relação harmoniosa entre
arte popular e feminismo:
El arte popular ha sido una noción utilizada em América Latina para
referirse al arte de las clases subalternas para separarlo y diferenciarlo
claramente del arte de las elites, de aquellas creaciones artísticas a las que se
atribuye el concepto de arte a secas. Pero, dicho esto, hay que hacer unas
cuantas precisiones al respecto. (BARTRA, 2008, p. 10)
As relações estabelecidas no processo de formação da profissionalização das artesãs8
serão imprescindíveis para que possamos retomar o plano do curso técnico de artesanato,
analisar os objetivos propostos (2008) e retomar as expectativas iniciais das alunas9. São
dados significativos e relevantes que favorecem uma triangulação com a realidade dessas
egressas, cujas informações coletadas através do questionário e das entrevistas nos
possibilitam ter parâmetros da trajetória de sua formação - do processo inicial de
aprendizagem à conclusão do curso e aos impactos dessa profissionalização no processo de
produção, criação e inserção no mercado de trabalho.
A coleta de dados através do questionário foi estruturada buscando ter uma visão do
curso em vários aspectos, proporcionando uma análise que possibilite momentos de reflexão,
de (re)visitação dos lugares e espaços formativos, como forma de compreender a formação,
8 LIMEIRA, 2010: Currículo integrado do PROEJA: um estudo dos (des)encontros de várias práticas e saberes -
PPGE/UFAL, 2010. 9 Arquivo das entrevistas realizadas por LIMEIRA (2010).
67
sob a ótica das artesãs, no processo de aprendizagem. Ademais, a dimensão do currículo e a
relação docente contribuem para compreender: 1) o que foi planejado enquanto proposta
pedagógica para subsidiar o processo de aprendizagem, se atendeu as expectativas da
formação das artesãs; 2) o olhar, na condição de egressas, refletindo sobre o processo de
produção e criação e sua relação com o mercado artesanal; 3) o itinerário formativo e social,
do crescimento na vida profissional e social dessas mulheres.
É nesse cenário que foi realizada a pesquisa. Pretendemos apresentar os efeitos da
profissionalização na vida das artesãs da primeira turma, que se iniciou em 2008, com 30
alunos/as, e que possibilitou um levantamento preliminar para identificar onde e como estão
inseridas profissionalmente após a conclusão; enfim, conhecer o itinerário formativo e social
das artesãs.
Definidos os critérios e considerado o perfil dos sujeitos da pesquisa, fizemos uma
escolha fictícia de nomes (Paula, Rosa, Carmem e Angélica) para preservar a identidade das
artesãs
Artesãs
Idade
Escolaridade
antes iniciar o
curso
Artesanato
que produz
Tempo
exerce
artesanato
Comercialização
do artesanato
Renda do
artesanato
(S/ M)
Vinculação
Cooperativa/
Associação
PAULA 43 anos Ensino Médio Crochê,
Bordados em
sandálias,
Bonecos de
pano.
10 a 15
anos
Loja de artesanato 01 SM Não
ROSA 64 anos Magistério Crochê, Filé,
Bijuteria,
Macramê,
Pintura.
15 a 20
anos
Feira de
artesanato, Loja
de artesanato.
03 a 04
SM
(alta
temporada)
Sim
CARMEM 44 anos Ensino Médio Escultura,
Macramê,
Pintura,
Bordados
05 a 10
anos
Loja de
artesanato, e
vendas direta ao
cliente
01 a 02
SM
Não
ANGELICA 58 anos Superior Ponto Cruz,
Fibras,
Esculturas em
argila, papel
machê,
papietagem e
fibras
25 ANOS Feiras de
artesanato
03 a 04
SM
Não
Quadro 11: Identificação das artesãs do Curso Técnico Artesanato/2015
Fonte: Elaborado pela autora
Como também compreender os sentidos que o curso trouxe à prática docente, que diz
respeito tanto ao aspecto institucional, dentro de uma estrutura de um programa, quanto aos
desafios em desenvolver propostas pedagógicas em um campo do conhecimento considerado
complexo, que consiste em pensar os sujeitos da EJA e trabalhar com e na diversidade. Ou
68
seja, entender os sujeitos e suas expectativas e necessidades, de modo que possam ser
entendidas, compreendidas.
Conhecer os entrelaçamentos que constituíram, de 2008 para cá, a superação e os
desafios do PROEJA desde a implantação no âmbito do IF, como também o desafio de
constituir um curso dentro de um tema que é pouco valorizado pela academia, o artesanato
brasileiro. Isso se dá em uma proposta curricular que desafiam docentes a pensar a
escolarização de mulheres artesãs, valorizando os processos de aprender e ensinar o processo
artesanal no âmbito da escola e agregando aos conhecimentos tecnológicos do design.
Foram estruturados momentos de entrevistas com os docentes; eles serão apresentados
no capítulo IV, no qual pretendemos trazer reflexões acerca dos tensionamentos dessas
relações que se estabelecem por meio de uma organização curricular integrada, que construiu
um movimento para encontrar diferentes possibilidades de inserir a cultura da arte popular na
escola, um conhecimento pouco valorizado – o não formal, produzido por mulheres das
classes populares que vivem da produção artesanal, expondo seus trabalhos em feiras de
artesanato, de vendas no porta a porta.
As artesãs visualizam no curso possibilidades de sair do anonimato, de não ficarem
condicionadas ao trabalho doméstico. Como rever essa realidade? Bartra (2008) sugere:
Se ha dado un proceso de doble marginación intelectual que es preciso
revertir. El arte popular es considerado de segunda, elaborado por gente
también de segunda. Este arte hecho por las mujeres es tan invisible como el
trabajo doméstico, muchas de las actividades creativas de las mujeres han
quedado agazapadas detrás de esas invisibles labores del hogar y el arte
popular es una más de ellas (BARTRA, 2008, p. 2).
Para o resgate desse processo através das narrativas das artesãs, conhecer suas
experiências de saberes - não formal, como se estabeleceu o diálogo com o espaço formal
escolar, foram utilizadas as seguintes técnicas: conversa informal; aplicação de questionários;
entrevistas em profundidade; observação direta no ambiente de trabalho das artesãs; e análise
documental.
Através da pesquisa no Departamento de Assuntos estudantis do IFAL, foi realizado o
levantamento das fichas de matrícula da primeira turma: composta de 25 mulheres e 05
homens. Traçar esse perfil nos permite conhecer o nível de maturidade que trouxeram à escola
através de suas experiências de vida, pois trata-se de uma faixa etária que destoava do perfil
de jovens matriculados no IFAL, razão pela qual no início houve discriminação por parte de
alunos/as de outros cursos. Mas que souberam superar a descriminação, superar barreiras e
servir de exemplo para filhos/as, familiares e amigos, como relataram em seus depoimentos.
69
Ano Nascimento Faixa Etária Artesãs/os 1950-1959 56 a 55 07
1960 – 1969 46 a 55 anos 10 1970 – 1979 36 a 45 anos 05 1980 – 1989 26 a 35anos 06
Não informou ------ 01
Total ------- 30 Quadro 12: Perfil das Artesãs da primeira turma matriculada em Curso Técnico de Artesanato/2008
Fonte: Arquivo do Departamento de Assuntos Estudantis/ IFAL, 2014.
Havia uma ambiguidade; pois, ao mesmo tempo em que sentiam orgulho de serem
alunas do IFAL, não se sentiam acolhidas pelos “jovens alunos”, sendo discriminadas. Foi um
período de adaptação, de relações de afirmação e de conquistas em luta por uma escola que
resgate a formação, independentemente de classe social e faixa etária.
As narrativas revelam como se sentiram e como se apoiaram entre elas para superar a
discriminação:
Há algo que foi muito pesado e difícil para as minhas colegas, ouvir: ei
vovó, você não devia estar no IFAL. Foi muito complicado, porque a gente
passava e sentia o gracejo [...]. Eu passava a dizer às colegas que vai ter
sempre uma etapa em nossas vidas que vão ter aqueles que vão nos criticar e
o que vão nos apoiar, e aqueles que vão achar ridículo. E, não somos
(CARMEM, 2014).
Obstáculos que foram vencidos e que hoje as novas turmas customizam seu
fardamento, usam como forma de serem notadas por seus pares e pela comunidade. Houve
também uma inserção dos cursos do PRONATEC, entre eles o programa “mulheres mil”, que
ampliou os espaços para as mulheres na instituição e, de certa forma, abriu uma “linha de
frente” de inclusão social através da expansão das políticas de profissionalização.
Com os dados coletados na coordenação do PROEJA e no DAA do campus Maceió, e
com a aplicação dos questionários, foi possível traçar um panorama dos resultados de
aprovação, reprovação e evasão da primeira turma, que apresentamos, e nos serviu como
orientação para definição das entrevistas.
A turma teve em 2008 uma matrícula inicial de 31 alunos/as, um percentual de
alunos/as que, com os déficits de aprendizagem ao longo dos módulos, foi sendo retido, o que
trouxe uma evasão de 50% dos matriculados. As dificuldades foram relatadas em suas
entrevistas: dificuldades de ordem familiar, por serem donas de casa e o curso ser ofertado no
turno matutino; problemas de saúde; dificuldades de aprendizagem; propostas de trabalho.
70
Turma I Matriculados Evadidos Aprovados Responderam
questionários
Participaram das
entrevistas
2008 31 15 16 10 04
Quadro 13: Quantitativo das participantes da Pesquisa, 2014.
Fonte: Elaborado pela autora
A primeira etapa da realização da pesquisa teve início com a aplicação dos
questionários com a participação de 10 (dez) artesãs, fato que nos possibilitou traçar um perfil
da turma, com os seguintes aspectos:
1) a atual situação ocupacional; 2) a formação profissional e a atuação com o
mercado artesanal; 3) o processo de aprendizagem, o crescimento pessoal e profissional
através do itinerário formativo social dessas mulheres.
O questionário nos permitiu conhecer a situação ocupacional das 10 artesãs,
visualizando o momento profissional atual, como apresentamos a seguir:
1. Quanto à situação ocupacional das artesãs:
a) 03 (três) possuem outra atividade profissional e 01 (uma) tem vínculo com
associação;
b) 04 (quatro) têm o artesanato como principal fonte de renda, sendo que 03 tem
loja de artesanato;
c) Das 10 artesãs entrevistadas, 07 (sete) não têm ateliê para produzir o artesanato
– trabalham na própria residência;
d) Todas são unânimes quando afirmam a sazonalidade para comercializar: a alta
temporada do turismo local, apenas 04 (três) expõem em feiras e eventos;
e) São as artesãs que comercializam seus produtos, apenas 01 conta com ajuda
familiar.
2. Quanto à formação profissional:
2.1 O início da relação com o artesanato:
a) Por um gosto seu, um talento próprio: 03 (três);
b) Por uma tradição familiar: 05 (cinco);
c) Por casualidade, apenas buscando fonte de renda: 02 (duas).
71
2.2 Sobre as mudanças havidas no processo de produção após o curso, 09 (nove)
artesãs responderam:
a) mudanças na postura; b) mudança na forma de elaborar os produtos, pois antes
não havia planejamento; c) evolução na área de relacionamento com as pessoas,
pois consideram que estão mais fluentes; d) modificação na apresentação do
produto, na relação com os clientes, na elaboração da peça; e) na escolha da cor do
produto, composição das cores, além de mais firmeza para criar as peças, em
calcular o valor de cada uma delas; f) as peças estão mais caras, pois têm um custo
maior, são mais elaboradas, feitas com mais segurança, de modo que respondem
pela garantia da peça.
2.3 As mudanças que se deram na vida profissional, em vários aspectos:
Todas afirmam que o curso trouxe mudanças na vida profissional, o conhecimento
da origem do artesanato, sendo que 03 (três) justificaram os aspectos dessas
mudanças:
a) no aspecto social;
b) que vendiam menos e o curso melhorou o jeito de fazer os produtos, otimizando
as vendas;
c) mudanças em todos os aspectos: social e econômico;
d) adquiriu mais confiança, pois ampliaram os conhecimentos;
3. Quanto à atuação no mercado artesanal:
3.1 A avaliação da produção artesanal após a formação:
a) Motivou-se o processo de criação de novos produtos: 05 (cinco) artesãs;
b) Não se alterou o modo de fazer o artesanato, trabalho baseado na experiência
pessoal:
02 (duas) artesãs;
c) Tem-se mais objetividade, desde o planejamento do artesanato até o produto
final: 02 (duas) artesãs;
d) Estão sendo criados mais produtos artesanais e há mais objetividade: 01 (uma)
artesã.
72
3.2 O curso motivou a produzir um artesanato regionalizado, valorizou a
cultura.
Todas foram unânimes em afirmar que houve mudança para envolver a
regionalidade. Uma artesã acrescentou que tem um trabalho diferenciado por
trabalhar com a cultura popular.
3.3 O curso diversificou as ofertas dos produtos:
NÃO: 04 (quatro);
SIM: 05 (cinco).
4. Todas as entrevistadas afirmaram que houve melhora na qualidade do produto
e na apresentação, e que agora o produto se diferencia no mercado de
artesanato.
Com os dados acima, foi possível conhecer a percepção das artesãs sobre os
impactos que a formação trouxe na vida profissional dessas mulheres, a clareza
como expressam a relação com os novos conhecimentos e de que forma eles foram
sendo incorporados na vida social e profissional. São mudanças que trouxeram
mudanças na forma de organização da produção, no planejamento, na relação com
o cliente, na apresentação do produto, entre outros.
Com a realização da entrevista em profundidade, foi possível trazer outros pontos
que serão discutidos posteriormente.
Na escolaridade das artesãs, ao iniciar o curso, foi interessante perceber que não
predominou uma descontinuidade da trajetória do ensino fundamental, entre 1ª/4ª série e 5ª/8ª
série, conforme pesquisa realizada nos históricos escolares. O que trouxe um maior impacto
consistiu no distanciamento da escola para ingressar no ensino profissionalizante, no IFAL,
após 15, 20, 25 anos, ou mais, sem estudar, como afirmaram nas entrevistas.
Notou-se que 51% da turma já haviam concluído o ensino médio, um perfil
considerado diferencial entre as demais turmas que ingressaram no PROEJA em outros anos.
Eis os quadros 14 e 15:
73
Ensino Fundamental
1ª a 4ª série 5ª a 8ª série
Ano da escolarização alunas Ano da escolarização alunas
1960-1970 02 1965-1970 03
1971 – 1980 05 1971-1980 05
1981-1990 04 1981-1990 08
1991-2000 03 1991-2000 02
Não informou 16 2001-2006 03
Supletivo/Não informou ano 02
Quadro 14: Escolaridade do Ensino Fundamental / Curso Técnico de Artesanato
Fonte: Arquivo do Departamento Assuntos Estudantis – pesquisa realizada nos Históricos Escolares / IFAL
2014.
Ensino Médio
Ano de Escolarização Alunas
1970-1980 06
1981-1990 02
1991-2000 04
2001-2005 04
Total 16 Quadro 15: Escolaridade: Ensino Médio concluído / Curso Técnico de Artesanato
Fonte: Arquivo do Departamento Assuntos Estudantis – pesquisa realizada nos Históricos Escolares / IFAL
2014.
Os dados acima foram importantes para compreender o processo de adaptação das
artesãs ao IFAL e para a elaboração do questionário que norteou a triagem na segunda etapa
da pesquisa, quando da coleta de narrativas das histórias de vida, através das entrevistas em
profundidade; momentos de conversa e observação direta, no ambiente de trabalho das
artesãs, nas barracas onde expõem os artesanatos; e na instituição onde se encontravam
estudando (que consiste em outro momento da vida profissional)
Nessa segunda etapa da pesquisa com as artesãs, foi possível contar com o
envolvimento da participação de 04 artesãs, ouvindo suas narrativas, que falavam do percurso
da formação, resgate de suas histórias de vida e a relação familiar com a cultura artesanal.
Uma conversa que foi pausada por reflexões importantes para conhecer a sua trajetória.
A metodologia da pesquisa exigiu critérios para a definição da seleção das artesãs que
seriam as entrevistadas, critérios estes considerados fundamentais para a investigação da
pesquisa, a saber:
1) ter concluído o curso; 2) atuação no mercado artesanal; 3) prosseguimento dos
estudos; 4) experiência de trabalho em associação e/ou cooperativa; 5) inserção na pesquisa
de uma artesã que não concluiu o curso, visando a identificar as causas de desistência e/ou
evasão do curso.
74
A partir dos critérios definidos, foi possível identificar o perfil das artesãs que seguiriam
envolvidas com a pesquisa; apesar de algumas terem pontos comuns, suas histórias trazem
marcas de sua identidade e individualidade: a singularidade das histórias de vida:
a) PAULA: inserida no mercado artesanal da cidade com ponto comercial fixo para
expor seus trabalhos. O artesanato é hoje sua segunda fonte de renda, pois necessita de
atividade profissional formal para conquistar a autonomia financeira e continuar a
produzir o artesanato;
b) ROSA: associada à cooperativa de artesanato, possui ponto comercial fixo para expor
o trabalho, encontra-se exclusivamente voltada para a cooperativa de mulheres artesãs
relacionadas com o filé; o artesanato é sua segunda fonte de renda;
c) CARMEM: inserida no mercado artesanal, aluna com itinerário formativo na
educação superior, tem um ateliê em sua residência para lecionar e produzir o
artesanato e uma loja para expor os produtos;
d) ANGÉLICA: não concluiu o curso técnico de artesanato, é mestre em artesanato,
atualmente no mercado artesanal.
A triangulação da pesquisa possibilita analisar o cenário onde teve início a formação
das artesãs, o campo de atuação delas, a inserção no mercado artesanal e o itinerário
formativo e social. As narrativas das histórias de vida nos trazem uma contribuição para
compreender o território e as fronteiras - a educação não-formal trazida pelas experiências e
vivências das mulheres artesãs, os saberes dos ofícios oriundos da tradição artesanal, de várias
gerações, a educação formal, a descontinuidade da escolaridade e os projetos de vida das
artesãs, o crescimento no âmbito pessoal e profissional.
Essa opção metodológica traz desafios à investigação que consistem em compreender
a abrangência da formação no campo do currículo: a formação das artesãs, seus saberes
tradicionais, vivências e experiências, como também a cultura artesanal. Analisar como essa
organização curricular favoreceu o diálogo dos saberes plurais entre a cultura artesanal e os
saberes tecnológicos, proporcionando a qualificação às artesãs.
Para o início da pesquisa, foi formalizado o pedido de autorização junto à Direção do
Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia – IFAL, campus Maceió/AL. Para as
artesãs foi apresentado o convite à pesquisa, esclarecendo os objetivos e fornecendo
orientações para a participação. Previamente, foram orientadas quanto ao Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido/TCLC, no qual apresentaram-se os objetivos da pesquisa e
o uso posterior das informações e dados colhidos e registrados, além da gravação de
depoimentos com pleno consentimento e de bom grado.
75
3.1 O caminho da pesquisa e suas trilhas investigativas
Considerando que a estratégia de investigação proposta para a presente pesquisa tem
influências marcantes dos procedimentos, a opção por trabalhar a metodologia da pesquisa
narrativa traz um viés de relação direta com a identidade dos sujeitos desta proposta de
pesquisa: a visibilidade do processo e formação de mulheres artesãs, como afirma Perrot
(2007):
Porque são pouco vistas, pouco se fala delas. E esta é uma segunda razão do
silêncio: o silêncio das fontes. As mulheres deixam poucos vestígios diretos,
escritos ou materiais. Seu acesso à escrita foi tardio. Suas produções
domésticas são rapidamente consumidas, ou mais facilmente dispersas. São
elas mesmo que destroem, apagam esses vestígios porque os julgam sem
interesse. Afinal, elas são apenas mulheres, cuja vida não conta muito. Existe
até um pudor feminino que se estende à memória. Uma desvalorização da
mulher por sim mesmo. [...] (PERROT, 2007, p. 17).
É o que nos revela romper o silêncio das fontes, conhecer as fronteiras onde se deram
as experiências, as dificuldades enfrentadas, os significados que a vida cotidiana revela. A
proposta de Christine Josso (2010), ao tratar das histórias dos aprendizes e da sua relação com
o saber, pelo singular, pelo sujeito: Da formação do sujeito... ao sujeito da formação, aponta
questões que poderão ser norteadores nesse artigo do qual nos apropriamos da possibilidade
de compreender a formação do ponto de vista do sujeito, ou seja, do ponto de vista das
artesãs, para entender como elas aprendem e as representações que trazem para a instituição
escolar.
Considerando a complexidade para a realização da proposta metodológica de
abordagem narrativa sobre História de Vida, faz-se necessária, para quem pesquisa, a
elaboração de um roteiro, um planejamento, visando a uma sistematização das etapas que
serão desenvolvidas ao longo do trabalho, sem perder a finalidade que deve ser de um diálogo
não apenas e tão somente com os sujeitos da pesquisa, mas também uma análise de quem lê o
texto.
A sistematização consiste em elaborar o plano de trabalho, distribuindo-o em várias
etapas, de tal forma que isso possibilite uma construção lógica para imergir na pesquisa, que
se insere na especificidade do método biográfico. Assim sendo, o planejamento nesta pesquisa
segue a proposta de Ferrarotti (2010), dividindo os materiais que serão investigados em dois
grandes grupos:
76
1. Levantamento dos materiais biográficos primários: narrativas autobiográficas,
observação, entrevistas, questionários, que consideram como interação primária
(face to face): há uma relação e envolvimento direto do investigador.
2. Levantamento materiais biográficos secundários: considerados como os
documentos biográficos de toda espécie, e que nesta pesquisa consiste em: 1)
projeto pedagógico do curso; 2) matrícula inicial e final das artesãs no curso técnico
de artesanato; 3) alunas aprovadas e reprovadas, desistentes e evadidas;
E, para a coleta de informações: a) transcrição dos dados coletados; b) categorização
dos dados; c) análise dos dados.
Há, pois, um interesse particular que dialoga com a proposição de Ferrarotti (2010),
que reside em abandonar o privilégio concedido aos materiais biográficos secundários e
retomar ao coração do método biográfico através dos materiais primários, pelos quais são
entendidos as narrativas de fatos e os acontecimentos. Ademais, considera-se que, através dos
relatos (auto)biográficos, se encontra a (chamada) subjetividade explosiva.
Para o autor, mais do que a valorização dos materiais primários, está presente a inter-
relação (entre o pesquisador e o narrador), que denomina de pregnância subjetiva, ou seja,
essa pesquisa remete à valorização da narrativa pessoal, através da história de vida da artesã,
do reconhecimento da singularidade onde se deu o processo de formação e autoformação, o
qual é o coração da pesquisa.
Há um questionamento de Clandinin e Connelly (2011, p. 84), muito oportuno a essa
metodologia de pesquisa: o que fazem os pesquisadores narrativos? Consideramos uma
provocação por nos possibilitar compreender não apenas o campo, o itinerário, os sujeitos,
mas como o autor propõe compreender a definição e a delimitação de investigações
narrativas. Eis as direções que apontam para a investigação:
77
As quatro direções de qualquer investigação: introspectivo, extrospectivo,
retrospectivo, prospectivo. Por introspectivo, queremos dizer em direção às
condições internas, tais como sentimentos, esperanças, reações estéticas e
disposições morais. Por extrospectivo, referimo-nos a condições existenciais,
isto é, o meio ambiente. Por retrospectivo e prospectivo, referimo-nos à
temporalidade – passado, presente e futuro. Escrevemos que experienciar
uma experiência - isto é, pesquisar sobre uma experiência – é experiênciá-la
simultaneamente nessas quatro direções, fazendo perguntas que apontem par
cada um desses caminhos. Assim, quando se posiciona em um desses
espaços bidimensionais em qualquer investigação, elaboram-se perguntas,
coletam-se notas de campo, derivam-se interpretações e escreve-se um texto
de pesquisa que atenda tanto a questões pessoais quanto sociais, olhando-se
interna e externamente, abordando questões temporais olhando não apenas
para o evento, mas para seu passado e seu futuro (CLANDININ;
CONNELLY, 2011, p. 85).
Assim, pretendemos construir uma pesquisa que seja embasada na perspectiva da
narrativa que contempla dimensão pessoal e social, paralela com o território e as fronteiras da
formação das artesãs, pois são elas que irão nortear os questionários, as entrevistas e o roteiro
para as histórias de vida.
Nesse bojo, a opção pela história de vida através do registro da vida das artesãs visa a
identificar as trajetórias dos saberes tradicionais, como esses saberes foram sendo
ressignificados a partir da formação profissional. É uma proposta que busca compreender os
elementos significativos presentes na singularidade desta pesquisa, como afirma Monteagudo
(2011):
Atualmente sob uma perspectiva mais específica e também mais
especializada, as histórias de vida – métodos biográficos, enfoques
autobiográficos, narrativas pessoais e relatos de vida- são, segundo a
Associação Internacionale des Histories de Vie em Formation, práticas de
investigação, formação e intervenção, guiadas por um objetivo inovador e
emancipado, que pretendem registrar o trabalho individual do sujeito
narrador de sua vida com a dimensão coletiva própria do ser humano
(MONTEAGUDO, 2011, p. 62).
A escolha deste método se justifica com os sujeitos da pesquisa, as artesãs, egressas do
curso técnico de artesanato. Segundo Chizzotti (2009):
A história de vida é um instrumento de pesquisa que privilegia a coleta de
informação contidas na vida pessoal de um ou vários informantes. Pode ser a
forma literária biográfica tradicional como memórias, crônicas ou retratos de
homens ilustres que, por si mesmo ou por encomenda própria ou de
terceiros, relatam os feitos vividos pela pessoa. As formas novas valorizam a
oralidade, as vidas ocultas, o testemunho vivo de épocas ou períodos
históricos (CHIZZOTTI, 2009, p. 95).
78
Trazer as narrativas das histórias de vida de mulheres de classes populares entretecidas
no trabalho artesanal possibilita refletir sobre os processos de aprendizagem que se
construíram nessa relação de conhecimento e formação. Os encontros para as entrevistas
possibilitaram um (re)visitar do caminho da formação para compreender como se forma e
como se reconhece o valor das experiências, além de tomar consciência de como esses
processos vão se constituindo ao longo da vida profissional. É caminhar para si, um processo
de autoconhecimento, como afirma Josso (2004):
O processo do caminhar para si apresenta-se, assim, como um projeto a ser
construído no decorrer de uma vida, cuja atualização consciente passa, em
primeiro lugar, pelo projeto de conhecimento daquilo que somos, pensamos,
fazemos, valorizamos e desejamos na nossa relação conosco, com os outros
e com o ambiente humano e natural. (JOSSO, 2004, p. 59)
O “caminhar para si” foi vivenciado no processo da pesquisa como um momento
reflexivo também para a pesquisadora, quanto ao respeito às narrativas das histórias de vidas
das artesãs, que trazem significados expressivos de uma caminhada de superação, de
dificuldades familiares, de formas de organização, como mulheres, para ter um ofício, para ter
uma atividade com o artesanato. É um exercício de autorreflexão por se permitir entender que
há uma história que pode ser relatada através de uma pesquisa para contribuir com a formação
de adultos, de mulheres, de artesãs.
3.2 O contexto histórico e social das artesãs em sua trajetória de formação
Estudar a trajetória de formação de mulheres no curso técnico em artesanato tem
possibilitado refletir sobre várias dimensões da arte popular e do feminismo, do currículo
integrado e da educação de adultos, das políticas públicas e da profissionalização. São eixos
que se entrelaçam, de tal sorte que a pesquisa nos permite demonstrar a relevância dos
processos formativos no âmbito escolar, além da profissionalização e da articulação
promovidas em várias áreas do conhecimento, por criar espaços que justificam a importância
do processo escolar.
Pensar a formação a partir das reflexões de Pierre Dominicé (2010), de seu interesse
de pesquisa nas histórias de vida como instrumento de investigação-formação, considerando
que: “A Educação dos adultos, tomada no sentido lato de um campo diversificado de práticas
79
dirigidas a populações de idade pós-escolar, foi objeto de poucos trabalhos de investigação
[...]” (p. 194).
É relevante compreender os sentidos que a formação profissionalizante trouxe à vida
das artesãs, através do relato de suas narrativas, entrelaçadas em processos autoformadores,
com subsídios para reflexões de metodologias pedagógicas para a educação popular no campo
escolar da educação de adultos e no âmbito da educação profissional, enquanto um curso de
natureza profissionalizante.
São narrativas que, além das experiências das artesãs, retratam a condição de
mulheres, donas de casa, mães, mantenedoras do lar e da educação dos/as filhos/as, e que
estão no anonimato do processo de produção e criação artesanal. São relações diferentes que
se entrelaçam em contextos diferenciados e sem visibilidade:
Em cambio, al llmarlo arte popular se busca reivindicar su caráter diferente,
porque es diferente su origen social, como también su processo de creación,
su distribuicion y su consumo; aunque las funciones a veces san similares a
las de las bellas artes, es decir, unicamente proporcionar goce o placer al
contemplarlo. De modo que la clase social de las personas que elaboran el
arte popular tiende a ser más baja que la de las dedicadas a las artes
visuales de élite; en general, no realizan estudios formales em academias y
el aprendizaje se da com frecuencia entre familiares, se transmite de padres
o madres a hijas/os; su distribución es em mercados y tiendas, no tanto em
galerías – aunque todas las personas que crean pueden vender su arte al
público diretamente (BARTRA; ELIAS, 2015, p. 22)
A complexidade que envolve a cultura artesanal, a identidade local, as experiências
significativas que, ao serem reconhecidas e valorizadas, trazem outras formas de pensar o
currículo e o processo escolar para a educação de adultos, em especial para mulheres artesãs:
A questão básica por trás de qualquer planejamento ou proposta curricular é
sempre quais experiências educacionais vale a pena proporcionar em nossas
instituições educacionais. No entanto, essa pergunta e a forma na qual nos
propomos a respondê-las estão cheias de questões implícitas, de
pressupostos que operam em nosso pensamento sobre como são esses
lugares que chamamos de instituições educacionais e como elas realizam
suas atividades. (DOMINGO, 2013, p. 459)
Alguns significados advêm dessa compreensão, o enfrentamento na vida social das
mulheres artesãs e que consequentemente trouxeram mudanças nos âmbitos profissional e
social, nos quais buscamos compreender suas narrativas: 1) as trajetórias de vida e os fios
que entrelaçam o artesanato; 2) o artesanato como ofício e o processo de criação
artesanal; 3) impactos do processo da aprendizagem no percurso da formação, o
itinerário formativo: da profissionalização à vida social. Que serão analisados.
80
3.2 1 As trajetórias de vida e os fios que entrelaçam ao artesanato
Foram muitos os desafios no início do curso, tanto para os docentes quanto para as
artesãs. Também para a pesquisadora, a sensibilidade para fazer a investigação de um curso
que nascia lado a lado com a pesquisa, relações muito imbricadas entre os envolvidos.
Vivenciar a implantação da proposta do curso à medida que acompanhava os movimentos
iniciais que se deram na organização curricular, o que possibilitou conhecer as expectativas
iniciais, as incertezas e os “medos” das artesãs de voltar a estudar, o receio de não conseguir
acompanhar as disciplinas. Além do mais, os sentidos que a dinâmica do curso trazia para a
prática docente, os receios e dúvidas por trabalhar com adultos, planejar e (re)planejar as
atividades de sala de aula, a falta de livro didático que atendesse a proposta do curso foram
algumas das questões dignamente enfrentadas. Essa convivência durou meses de pesquisa
para o mestrado (2010), possibilitando estabelecer uma relação de confiança e harmonia entre
as artesãs e os docentes.
Ao retornar nesse outro momento, uma nova pesquisa, agora noutro estágio,
reencontrar as alunas, não mais nas salas de aula do IFAL, porém. Encontrar as artesãs, todas
egressas, ouvir as narrativas de suas histórias de vida. Ao pensar no então projeto da tese,
elaboramos várias hipóteses sobre onde e como estariam as egressas após a profissionalização,
que perspectivas profissionais o curso ofertou à vida dessas mulheres após a superação dos
desafios de retornar à escola e concluir mais uma etapa profissional.
A expectativa de reencontrá-las e saber qual seria a receptividade dessas mulheres
para fazer parte de outra pesquisa. Não nos referimos ao sentido de haver ou não
disponibilidade, do acesso às artesãs, mas sim, sobretudo, de encontrá-las receptivas, abertas
para falar de suas experiências de vida, dos conhecimentos que adquiriram nos seus ofícios,
dos (des)encontros da sua formação, da inserção profissional como artesãs após a
profissionalização e de seus projetos de vida.
Onde e como estariam após a conclusão do curso? Houve a superação dos “medos” de
não concluir o curso, sabendo que nem todas o concluíram? A expectativa para ouvi-las, não
apenas para confirmar ou negar suas trajetórias, mas sobretudo contribuir para validar suas
experiências, o reconhecimento da formação para mulheres, valorizar a arte popular que
produzem, reconhecer um curso que trabalha a complexidade da formação de adultos.
Foram vários agendamentos para nos encontrarmos, para possibilitar o resgate de
histórias de vida singulares, que envolvem fios que tecem toda uma trajetória de formação de
mulheres que, na fase adulta, buscam o reconhecimento de um trabalho por viverem no
81
anonimato da cultura local, como também a autoafirmação econômica com a arte de um
trabalho que possui uma tradição cultural e que ainda não é o suficiente para a sobrevivência
econômica. Em Alagoas, apesar de estarmos na segunda posição do país em artesãos/as
cadastrados, trabalha-se para a arte, mas não se consegue viver exclusivamente da arte quando
não se tem um nome consagrado no mercado artesanal.
Diante dessa apresentação de pesquisar a formação, baseamo-nos na proposta de
Nóvoa (2010) para fundamentar a metodologia que investiga a formação de adultos, que
discute o tempo da formação, dissociado do tempo da ação. São possibilidades de construir
uma proposta que permita refletir sobre os sentidos da formação no processo da ação.
A Abordagem biográfica reforça o princípio segundo o qual é sempre a
pessoa que se forma e forma-se à medida que elabora uma compreensão
sobre seu percurso de vida: a implantação do sujeito no seu próprio processo
de formação torna-se assim inevitável. Desse modo, a abordagem
biográfica deve ser entendida como uma tentativa de encontrar uma
estratégia que permita ao indivíduo-sujeito tornar-se ator do seu processo de
formação, por meio da apropriação retrospectiva do seu percurso de vida
(NÓVOA, 2010, p.168).
A importância de um curso que dialogue com seus atores sociais e com a
complexidade de saberes que trazem vários sentidos à aprendizagem. É um trabalho
complexo, pois desmonta metodologias tradicionais, hegemônicas, e desafia os docentes a
encontrar propostas pedagógicas. Além disso, desafia a instituição a trabalhar a diversidade, a
pensar em projetos voltados para a identidade dos seus atores sociais.
As entrevistas foram envolvidas pelo brilho dos olhos das artesãs quando narravam
suas lembranças com trabalho artesanal, suas histórias construídas com dificuldade para
manter a sobrevivência econômica familiar. Suas falas revelavam como se deram as
descobertas de suas habilidades para o fazer artesanal, os vínculos que vinham da avó, da
mãe, das tias, como os conhecimentos vieram de uma geração familiar.
Como pesquisadora, foi possível perceber a importância que o artesanato na vida
dessas mulheres, através de seus depoimentos, e resgatar como se deu essa origem:
Antes eu trabalhava numa boutique, trabalhei três anos. Ai, fui demitida
porque, na época de 92, quem tivesse muitos anos de trabalho eles botavam
para fora para não pagar os impostos, então procurei trabalho e não
consegui. Então comecei a pegar os retalhos de tecido e tentar fazer bonecos
de pano. Consegui fazer uma bonequinha, estava assim “meio feinha”, mas
mesmo assim fui fazendo. Coloquei uma estantezinha na sala, na casa onde
eu morava, abri a janela, tinha medo de abrir as portas para alguma coisa não
acontecer, e as pessoas passavam, ficava olhando as bonecas que eu fazia
pela janela. Ai eu abria a porta, elas entravam, escolhiam as bonecas e
82
compravam. Aquilo foi me dando autoestima e eu comecei a fazer bonecas e
não parei mais (PAULA, 2014).
Pesquisadora: como você aprendeu a fazer as bonecas de pano?
Foi por mim mesmo, eu pegava um jornal, fazia o modelo no papel para não
perder o tecido, pois estava desempregada e não tinha como comprar tecido,
e minha mãe, ela trabalhava com costura, então aqueles retalhos que ela não
utilizava mais eu aproveitava para fazer (PAULA, 2014).
Há também uma relação que se estabeleceu como necessidade de superação de
conflitos familiares, e o artesanato significou para ela uma possibilidade de recuperar sua
autoestima e buscar firmar-se economicamente com suas habilidades manuais.
Foi devido ao fracasso no meu casamento. Fiquei muito deprimida e
comecei a procurar curso, não precisava do curso, assim da técnica do
crochê, do tricô, da aplicação, decoração, porque eu já sabia. Tive que cair
em campo como mulher para assumir meus filhos. Então fui procurar cursos,
tirar carteira de artesã. Pensei que precisava fazer curso, mas não, só a minha
experiência. Então fui adquirir a lojinha aqui, no mercado de artesanato e
cair em campo. Depois fui fazer o curso do IFAL, fiz a entrevista, e passei.
Afinal, foram 03 anos de batalha, de sair, e cada vez mais o curso me atraía
(ROSA, 2014).
Comecei nessa história, porque não tinha condições e melhorar minha renda
familiar. Não tinha condições, tendo filhos, filhos, não trabalhava em canto
nenhum. Eu nunca fui mulher para ficar quieta esperando que os outros me
dessem as coisas para minha sobrevivência. Com isso fui fazendo algo para
aumentar a renda familiar e sustentar minha família. Acho que está no
sangue, minha mãe era bordadeira, minha avó costurava e bordava também
(ANGÉLICA, 2014).
Os vínculos com o artesanato vêm de uma relação familiar, a questão de gênero
demarcada fortemente no contexto artesanal, a luta por um espaço na sociedade como
mulheres produtivas, capazes de superar desigualdades sociais. Um vínculo que se constrói
como uma forma de superação de mulher que exerce apenas afazeres ligados ao mundo
doméstico.
[...] de certa forma eu sempre gostei das manualidades, então eu gostava de
customizar as roupas, achava o máximo. Ganhava as roupas das senhoras e
para ficar do meu porte tinha que recortar, tinha que botar fitilhos, tinha que
botar um monte de coisas e quem fazia era eu, então minha mãe só me
ensinou algumas coisas de costura. E aí, fui fazendo isso e fui me
identificando com manualidades, colagem, costuras e bordados. Então, tinha
uma senhora que era da prefeitura que ensinava gratuitamente, mas eu nunca
conseguia vagas porque era distância da minha casa e quando eu chegava já
estava completa a turma. Aí, eu sentava junto para ver como ela ensinava o
bordado. Chegava em casa e refazia todo bordado. Minha mãe também
ensinava bordado, minha avó, então foi uma coisa assim, que foi crescendo.
Então, não se tinha como artesanato, tinha aquelas meninas que tinham que
83
aprender a bordar, costurar, porque ia ser dona de casa e ela precisava saber
cozinhar e tudo, veio assim (CARMEM, 2014).
Carmem considera que a identidade cultural é algo que já tinha antes do curso, e que
este possibilitou ampliar o conhecimento sobre a cultura, sendo importante como diferencial
no artesanato: a identidade local, a regionalidade, a cultura do estado. É um vínculo que traz a
afetividade, não é algo que se rompe por uma relação para atender o mercado; existe, de fato,
uma identidade vinculada à afetividade, a uma tradição. "A relação com a cultura vem antes
do curso. Sempre gostei muito de cultura. Sempre gostei de ver o que vem da geração de
minha avó. Isso é de família mesmo (CARMEM, 2014)".
Aqui há uma relação de onde vieram os vínculos da tradição cultural, quais
afetividades são estabelecidas, quais não se rompem e se há como compreender a importância
trazida ao processo artesanal. "O curso disse assim: você pode usar a cultura na arte, você
pode usar o que você acha interessante, único, na sua arte. O curso fez essa ligação, o
conhecimento que eu tinha podia ser utilizado (CARMEM, 2014)".
À medida que ouvia o relato dos depoimentos, foi possível tecer reflexões sobre como
o artesanato trouxe marcas de relações afetivas, a busca da autonomia das mulheres através de
seus ofícios para além de ocupações domésticas como forma de construir sua identidade, que
Bartra; Elias, 2015, nos permite compreender:
Tan importante es saber a que classe social pertencen los sujetos creadores
como su género. Tener conocimiento de lo que las mujeres han creado y
crean hoy em día ayuda sustancialmente a entender mejor al grupo social;
saber em qué medida su processo de criación es igual o diferente al de los
hombres puede contribuir tanto a la formacin de una identidade feminina
más integral como a cambiar las condiciones de su existência, em la
identidade feminina más integral como a cambiar las condiciones de su
existência, em la medida en que revolarar el trabajo creativo feminino
significa la recuperacion de uma história ignorada y el reconhecimiento de
una parte de la cultura presente les es própia (BARTRA; ELIAS, 2015, p 23)
O fio condutor que une a relação ao artesanato tem pontos de singularidade entre suas
histórias de vida; o artesanato entra na vida dessas mulheres como alternativa de
sobrevivência econômica, desempregadas que estão e sem uma qualificação profissional que
dê condições para a competitividade do mundo do trabalho.
A busca por um trabalho que garantisse a sobrevivência econômica foi o ponto
motivador que revelou as habilidades manuais e os vínculos que trazem da família (costureira,
bordadeira, entre outros). Vínculos que trazem sentidos afetivos e que não são rompidos.
84
Seus depoimentos resgatam como essa relação e o orgulho de suas experiências foram sendo
construídos.
3.2.2 O artesanato como ofício e o processo de criação artesanal
Eu sou uma artesã, sabe por quê? Porque eu não preciso “está” copiando, o
que vem na minha mente eu consigo desenvolver. Assim, (explica): uma
senhora me pediu para fazer um boneco grande, só que ela queria um
dentista (com um pau enfiado por dentro) porque o filho dela ia se formar
para odontologia e ela queria aparecer quando ele fosse receber o diploma,
ela queria aparecer com o boneco representando ele. E eu consegui fazer.
Então eu me considero uma artesã. Por que o povo traz no papel para eu
desenvolver aquela peça eu consigo desenvolver, por isso que eu me
considero uma artesã. (PAULA, 2014)
Foi um momento da entrevista em que a artesã trouxe muita ênfase à narrativa, quando
falou de seu trabalho, de sua técnica, e quando indaguei o que a fazia afirmar que era uma
artesã. Fala das dificuldades familiares, que a fizeram ficar muito tempo fora da sala de aula;
até tentou seguir com o Telecurso, mas “não se sentia feliz”, o curso era muito rápido e se
sentia muito fraca nos estudos. Já “através do IFAL eu me senti mais segura” (PAULA,
2014).
Em outros momentos da entrevista, foi possível perceber a compreensão das artesãs
sobre a cultura, a regionalidade, a identidade cultural no processo de criação artesanal,
considerando a importância da dimensão de um trabalho de autoria dialogando com a cultura
local, o que poderia representar um diferencial no trabalho que desenvolvem.
Eu gosto de fazer que alguém sempre identifique a cultura, mesmo que não
entendesse antes, e vejo que meu traço é diferente, como a gente ver no
desenho, o meu traço está ali, identificado. O meu bordado pode alguém
fazer parecido, mas eu tento fazer a diferenciação, eu dou um ponto a mais,
umas três voltas a mais, sempre tento fazer algo mais, com mais esmero,
mais cuidado. Alguém diz assim: ah, é artesanato, vou fazer de qualquer
jeito, picota assim, e amarra assim e é artesanato. Que não seja
industrializado, mas que tenha mais qualidade. (CARMEM, 2014).
A satisfação que o artesanato traz para a vida profissional dessas mulheres é algo
revelador e está muito imbricado e se fortalece com a formação do curso:
Ah, Isso até me emociona em falar, não quero saber mais de outra profissão.
Eu sou professora, o meu diploma tá lá, até eu morrer, mas não quero
exercer. Eu quero é exercer o artesanato, porque é muito bom, é uma terapia
que você faz quando você coloca lá o seu amor, o seu carinho nos produtos
que está fazendo, tem que ter certo carinho, tem que ter o planejamento,
85
começa a pensar, vai planejar e o pensamento voa. Surgem cores, a natureza
abastece isso, então nós partimos para quê? Para o esboço, para planejar, aí
vai desenvolvendo com certo carinho até chegar o quê? As vitrines, você não
vai colocar o produto de qualquer jeito, e fazer o diferente (ROSA, 2014)
Como elas percebem os efeitos da formação na prática profissional, no cotidiano do
trabalho artesanal, e a importância desses conhecimentos para o exercício de saber planejar,
executar o produto, mas sobretudo como esses conhecimentos trouxeram significados para a
vida dessas mulheres, autonomia para criar e defender os produtos na competitividade do
mercado:
Ele me deu chance de cair no mercado, que é o que mais eu queria que é a
comercialização. Eu estragava muita linha, estragava muito material, a partir
do curso eu não gasto um pedacinho de material, eu aproveito tudo. Quando
eu trabalhava, que cortava, aprendi, aprendi a apanhar todos os fiozinhos e
guardá-los porque ali vai me servi, é o reaproveitamento de material. Foi
muito bom, muito bom (enfatiza) Aprendi obre as cores, a qualidade do
produto, a comercialização. [...] Eu não tinha voz, a voz que eu queria falar
chegava até aqui e voltava. Hoje eu sou um “papagaio” porque falo, eu quero
mesmo falar, porque falo com conhecimento, porque quando a gente tá numa
área que tem conhecimento é tudo, sabia? É tudo nessa vida. (ROSA, 2014).
Sobre planejar, elaborar, como o curso contribuiu nesse fazer prático do processo de
pensar a peça e quais resultados esse conhecimento trouxe para a prática profissional?
Quando vim para o PROEJA, eu aprendi: pensar e organizar todo o meu
pensamento, colocar no papel, fazer pesquisas e pesquisas de cores e tudo. E
aí eu disse: isso demora muito tempo, mas aí quando a gente vai praticando,
vai vendo que esse tempo é suficiente. É o que tinha que ser feito para que a
peça ficasse muito mais bonita. Então, não tenho gasto de material, perdi
dinheiro e todo esse trabalho, mesmo que demorado, mais quando vou fazer
o croqui, vou fazer toda a peça, nesse pensar é que vou ver. E, quando vou
para a peça, já está tudo esquematizado. (CARMEM 3, 2014)
Há identificação no trabalho dessas mulheres para ser um diferencial na
competitividade do mercado artesanal, considerando que a maioria delas não tem um espaço
com condição de inserir-se no artesanato de Alagoas; muitas enxergaram no curso uma
possibilidade de ter mais autonomia profissional, uma melhor inserção na competitividade do
mercado artesanal. Como discute Barta; Elías (2015): “trata-se de um arte sin nombre, porque
su criación se piensa como anônima, com excepción del realizado por las y los grandes
maestros que tienen nombre próprio y rosto” (p. 22).
86
Eu gosto de fazer que alguém sempre identifique a cultura, mesmo que não
entendesse antes, e vejo que meu traço é diferente, como a gente ver no
desenho, o meu traço está ali, identificado. O meu bordado pode alguém
fazer parecido, mas eu tento fazer a diferenciação, eu dou um ponto a mais,
umas três voltas a mais, sempre tento fazer algo mais, com mais esmero,
mais cuidado. Alguém diz assim: ah, é artesanato, vou fazer de qualquer
jeito, picota assim, e amarra assim e é artesanato. Que não seja
industrializado, mas que tenha mais qualidade (CARMEM, 2014)
Eu digo muito que o artesanato são produtos da sua região, é uma identidade
que nós temos na verdade desde a infância. Porque eu trabalho muito com a
cultura popular. Sou alagoana, desde pequena moro em Maceió. Sou
discípula do Mestre Pedro Teixeira, Mestra Áurea (que faleceu
recentemente), sou admiradora de Renilson França. São essas pessoas que
convivi. Artesanato é isso, são produtos de sua região, produto que identifica
sua localidade, sua regionalidade. Isso eu tenho desde pequena
(ANGÉLICA, 2014)
E percebem que o trabalho que realiza tem um diferencial, pois trazem na peça que
criam a sua identidade cultural.
3.2.3 Os impactos do processo da formação: da profissionalização ao mercado artesanal.
Faz-se necessário conhecer como se deram as dificuldades e como elas foram
superadas nas condições de estrutura do curso, além das implicações que refletiram no curso,
segundo a ótica das artesãs:
A ausência de um laboratório para o curso:
Eu acredito que na questão física. O PROEJA precisava de um lugar, de um
laboratório, onde a gente pudesse fazer as pesquisas, que a gente pudesse ver
se os produtos davam certo, de fazer algumas experiências. Então acho que
isso falhou muito, pois era só quadro, mesa, e acho que a gente precisava de
algo para gente mexer. Apesar da gente trazer o material para fazer em sala,
nós não tínhamos um ambiente adequado para aprender. Como em design
tem a sala de plástica, e a gente se sente bem ali, de fazer o material, de
cortar e tudo, e que o PROEJA não tinha (CARMEM, 2014).
A necessidade de um/a mestre artesão/ã no quadro docente para o curso:
Eu acho assim, o curso ficou a desejar para mim a parte prática, pois todo o
curso de artesanato deveria ter um mestre artesão. O curso tem professores,
tem um nível muito alto de conhecimento, mas tem muita coisa que eles não
sabem. Posso até dá um exemplo: trabalhar com palha, cipó, e tinha
professor que não sabia, não conhecia a matéria-prima. Eu fiz até um
mostruário, com pedacinho de cada fibra falando dos tipos, onde
encontravam. Tem outra coisa, eles exigem metodologia cientifica essas
pessoas não tinham condições de trabalhar metodologia científica, eles não
87
deram metodologia científica, como podiam exigir? Agora esse ano, uma
aluna minha estava passando por isso mesmo no curso (ANGÉLICA, 2014)
A falta de professores no curso:
A falta de professores no final do curso, os professores eram engajados com
o curso, mas, no final, nós percebemos a ausência de professores, suas faltas
nos prejudicaram. [...]. (ROSA, 2014)
A sazonalidade da venda artesanal:
É meio complicado aqui em Alagoas, inclusive a gente pediu feiras, eventos
que acontecesse. A alta temporada é maravilhosa, a gente está no Café com
Arte, tá no shopping, os eventos agora estão colocando o artesanato. Essa
administração da prefeitura de Maceió, não digo a do estado, eles estão
colocando o artesão/ã em todos os eventos, no domingo na praia da Ponta
Verde, estão abrindo espaço para o artesão, para o artesanato.
Periodicamente sim, mas a gente não queira que seja só fase de alta
temporada queria um espaço permanente que não tem (ANGÉLICA, 2014).
De dezembro até o mês de março é bonzinho, porque são os meses
considerados de alta temporada, vem muito turista. Depois de março vai
caindo, caindo e tem dia que não vende um real. Isso atrapalha muito?
Demais, só viver do artesanato não dá. E dá sim, se você tiver assim,
conhecimentos que você leve os produtos e vá oferecendo, se não for assim,
não dá não (PAULA, 2014).
A baixa temporada dificulta muito as nossas vidas. Agora estamos vivendo a
alta temporada. O tempo agora tá mudando muito, antes começava em
novembro, agora está começando em outubro ou setembro. Hoje a gente
trabalha com uma planilha: café com artesanato nos hotéis, que vai até 31 de
janeiro, mas já soube que vai até Abril e maio. Depois, quando acaba, nós
vamos sentar e trabalhar como formiguinhas na cooperativa (CARMEM,
2014)
Falta de apoio dos órgãos públicos para com as artesãs e o artesanato:
Acho que falta dos órgãos públicos que faça divulgação. O artesão não tem
divulgação dos produtos dele, de ir para fora. Não tem um espaço para que
divulgue para fora. Se tivesse um espaço para ir para fora, para gente
divulgar. Aqui a gente não tem (PAULA, 2014)
Gestão pública. O entrave hoje é isso, Gestão pública. Você chega na
feirinha de artesanato na Pajuçara, se encontrar cinco artesãos/ãs produtor é
muito, a maioria são atravessadores, a maioria daqueles produtos não é
nosso. Vem de fora: Caruaru, Fortaleza e aí por diante (ANGELICA, 2014).
Gestão pública para o artesanato:
Tornei a dizer essa semana na diretoria do PAB. Porque assim, você não tem
que trabalhar não só com o artesão/â que já tem nome, você tem que
trabalhar com artesão que não teve sua vez de mostrar seu produto. E isso é
o que está faltando, uma forma diferenciada de olhar os artesão/ãs, porque só
88
tem chance de participar de feiras, de encontros, de tudo isso, aquele
artesão/artesã que tem seu nome feito. [...] A minha briga maior é para dá
espaço realmente para os artesão/ã produtor/a, e dá vez também a eles/as
exporem em vários cantos como os outros têm. Pois, para o que já tem nome
não precisa ninguém está levando, pois eles já são convidados. Agente
precisa que o PAB seja para apoiar o artesão/ã produtor/a e não os
atravessadores (ANGÉLICA, 2014).
Há as dificuldades para formar cooperativas e associações, que estão fortemente
vinculadas a quem vai assumir os encargos, e não ao trabalho de um grupo que divide
despesas, que trabalha em conjunto, que se lança no mercado artesanal como grupo e trabalha
com o coletivo. Eis narrativas com duas experiências:
As despesas são muito altas, vêm os impostos, você precisa para você abrir
uma associação tem que ter advogado, tem que contador, aí vem aluguel de
sede, vem tudo isso. E tudo isso são custos para o artesão/ã. O/a artesão/ã
hoje não sobrevive com sua arte (ANGÉLICA, 2014).
Aqui mesmo, não tem divulgação [o mercado de artesanato], a maioria
acomodou, aqui está totalmente comércio, muitos são aposentados federais,
o artesão não quer mais sentar para trabalhar, por quê? Individual, duas
mãozinhas. Eles não entendem o que é trabalhar em grupo, o mais difícil é
partilha. (ROSA, 2014)
Nas duas experiências, apesar de haver posições diferenciadas sobre cooperativa, está
contida a realidade perversa dos/as artesãos/ãs em Alagoas que trabalham individualmente,
sem visibilidade. Buscam, na profissionalização do artesanato, possibilidades, brechas para
sair dessa invisibilidade, sair da atividade do mundo doméstico, como mulheres do lar. É o
desejo de não mais ter o artesanato como complemento de renda, mas sim como trabalho que
lhes traga a independência financeira, a autonomia. A artesã Rosa afirma que o/a artesão/a
não quer mais trabalhar e faz à crítica, eles/elas estão trabalhando no individual – duas
mãozinhas, porque não entendem o que é um trabalho coletivo, um trabalho de grupo, e
reafirma por vivenciar hoje um trabalho em cooperativa, que o sentido de grupo é o sentido de
PARTILHA.
Não se trata, portanto, de uma questão simples de orientações para formar
cooperativas, mas pensar em possibilitar as artesã pesquisar sobre, vivenciar o que representa
um trabalho coletivo, promover na escola o debate. Uma pesquisa de Ergget (2008) sobre
artesãs em cooperativas de tecelagens nos permite entender as experiências dessas mulheres:
[...] As brechas conquistadas para a saída do mundo doméstico tiveram na
docência e na pobreza formas diferentes de fazer com que as mulheres
ocupassem postos de trabalho relacionados com os afazeres domésticos e, de
preferência perto das suas casas. A proximidade ao lar auxiliava no controle
89
das lides domésticas. Assim como muitas professoras lecionam apenas num
turno para que no outro possam realizar as tarefas domésticas, as tecelãs
optam por trabalhos em cooperativas de trabalho artesanal próximo das suas
casas a fim de cuidarem melhor dos seus filhos e filhas. Trabalhos
invisíveis, criações invisíveis e imaginários imperceptíveis sobre essas
ações. Não há tempo para pensar sobre essas atividades. Elas se descolam do
dia a dia dando a impressão de que nada foi feito. A não ser o salário no final
do mês que lembra a precariedade dos trabalhos que se instalam como
alternativa de “auxilio” no orçamento que na maior parte das vezes passa a
ser a base principal da economia doméstica quando elas são chefe de família
(ERGGET, 2008, p.11, grifo nosso).
Essas falas são importantes para que possamos compreender os obstáculos vivenciados
por essas mulheres, pois evidenciam a necessidade de pensar sobre essas questões de forma
institucional, política e mercadológica. É preciso considerar que foi a primeira experiência da
primeira turma, que de certa forma vivenciou todos os impactos que geralmente acometem os
pioneiros, aqueles que estão na linha de frente.
Há contribuições também por serem os primeiros, mas muitas vezes os limites que se
enfrentam não são transponíveis por não haver o tempo necessário às mudanças, que não
dependem exclusivamente de uma definição da equipe pedagógica, ou do docente, mas
envolvem definições institucionais.
A pesquisa foi revelando as semelhanças nos depoimentos das artes, quanto o curso
trouxe mudanças em sua forma de pensar e criar o artesanato, formas de organizar e expor
seus produtos, de modo que vão trazendo seus sonhos, o desejo de mudanças que se deu
durante todo o processo.
Mudou-se a forma de apresentar a loja de artesanato, o espaço que expõe seu trabalho,
que comercializa e que possibilita viver do seu trabalho, de ter reconhecimento pelo que
produz e a luta pela independência econômica:
Porque antes ela era uma loja feiaaaa (enfatiza), horrível, horrível (repete
com ênfase). E hoje ela está linda. Está mesmo, linda, afirmo. Porque antes
eu não tinha esse diferencial que tenho hoje. Pra eu deixar ela assim, eu
estudei a cor da parede, os móveis, porque eu queria uma coisa que, quando
eu colocasse as minhas peças, ela chamasse a atenção do cliente, e hoje eu
sei que chama. Por que você considera que sua loja era tão feia? (indago).
Horrível, horrível, horrível. Porque eu colocava umas tábuas. Não tinha
aquela atenção do cliente. Era umas tábuas, uma mesa aqui na frente, e hoje
não, é tudo só estantes que chamam a atenção do cliente (PAULA, 2014)
O curso possibilitou o crescimento pessoal, trabalhou a autoestima dessas mulheres,
mudanças que se deram no processo artesanal, na apresentação do produto. No entanto, as
dificuldades que enfrentam na relação com o mercado, por atuarem de forma individual, a
90
maneira que produz e como produz, têm um diferencial quando se organizam de forma
coletiva. É o depoimento de quem atua em cooperativa:
É tanta coisa, o meu crescimento, através do meu conhecimento, quando
associou a parte científica, vi que era totalmente necessária à artesã. Um
precisa do outro. Aprendi muita coisa. (ROSA, 2014)
Para mim fez muita diferença. Qualquer peça que faço, quando eu mostro, a
pessoa diz: eu quero, que coisa linda, não tenho dinheiro agora, mas eu
quero. Diferença de quando você aborda a pessoa de uma situação e de outra
situação. Não tenho peças paradas. Encontrei uma colega do curso, disse já
tirei tudo, destruí tudo, não vendi. Diferente de mim, porque eu chego lá e
querem. Não tem como ficar parada (CARMEM, 2014).
Das 10 artesãs que responderam ao questionário, foi possível trazer as seguintes
análises: a) apenas quatro artesãs estão hoje em dia envolvidas diretamente com o artesanato;
apesar de terem loja, não conseguem a autonomia econômica para viver exclusivamente do
artesanato, necessitando de outra atividade profissional; b) as demais trabalham quando existe
encomenda, ou se enquadram no período da sazonalidade, que está ligado ao fluxo turístico, e
fazem as vendas no porta a porta, ou mesmo quando conseguem espaços em feira ou
exposição de artesanato; c) atuam de forma individual e sentem-se fragilizadas para enfrentar
o mercado artesanal sem a condição econômica de investir na produção, apenas 01 tem
vinculo com associação.
Percebe-se que, com essa realidade competitiva do mercado artesanal, sem um projeto
de gestão para pensar em grupo, as mulheres não consegue enfrentar de forma individual a
perversa competitividade, a competição com os comerciantes atravessadores, em função da
ausência de uma política de incentivo às artesãs que não tem espaços de comercialização.
91
CAPÍTULO IV – TENSIONAMENTO DO CURRÍCULO AO PROCESSO DE
CRIAÇÃO: REFLEXÕES DOCENTES
Para discutir as dimensões da formação de mulheres artesãs nesse curso, faremos uma
analogia de pensar as relações que se constroem na escola e em especial nas relações que se
deram nesse currículo a partir de um tear onde se trabalham as tramas do filé10, sem pensar
nesse momento qual é a forma desse tear, mas sim sobre suas múltiplas possibilidades de
criação. É um instrumento que tem como base dois elementos: a rede de pesca e um tear de
madeira, com os quais as belas tramas do filé são elaboradas.
Figura 07: A singeleza do bordado filé
Fonte: http://neideartesa.com.br/info/
Pensar sobre as tramas que envolvem o filé e que relação tem com a escola, uma
dinâmica que envolve a formação dessas mulheres, as tramas interdisciplinares do currículo
para produzir conhecimento, o planejamento para a inserção, a busca da autonomia
10 Filé: Bordado feito em tear, um dos ícones da cultura e do artesanato alagoano. Segundo o SEBRAE, o filé já
é reconhecido com Patrimônio Imaterial do Estado, e está em fase de um reconhecimento a conquista do selo de
Indicação Geográfica (IG) do Bordado Filé, ou seja, a certificação indica a procedência, a local da origem da
produção, consequentemente a referência da identidade da cultura local (SEBRAE, 2015).
Um tear e as habilidades das mãos que permitem que as linhas se cruzem
numa ordem graciosa de composição de cores para compor um arranjo
singular.
92
econômica para se manterem no mercado artesanal, pensar em formas de organização dentro
do coletivo, tudo é um desafio nesta pesquisa.
4.1 O diálogo de saberes e práticas para o processo de criação e produção artesanal
Para realizar o movimento da trama no filé, as mãos e os fios, numa integração e
sintonia harmoniosa para preencher cada cantinho desse tear a partir do que foi planejado
enquanto criação por essas artesãs, com suas idas e vindas, une-se, fazendo a composição das
cores, no ritmo silencioso do tear para criar as formas. Por isso é necessária uma interação
entre a ação, o fazer, o pensar, para compreender a dinâmica desse processo artesanal.
Um processo de criação que envolve muitas definições para a criação e elaboração das
figuras geométricas11 que são desenvolvidas em várias etapas interligadas. Na escolha e/ou
opção de qual peça será trabalhada, define-se a escolha do tear para saber o tamanho da rede
que será adequada ao tear. Em seguida a escolha das linhas para a composição das cores
harmoniosa que vai colorindo e dando forma com seus movimentos, preenchendo a rede do
tear e elaborando as figuras geométricas, que compõem a peça artesanal do filé.
E, ao final desse processo, tem início o matame, que é a fase de acabamento do
trabalho para a montagem final, para posteriormente a peça ir para pré-lavagem, para engomar
o produto final para sua melhor apresentação e exposição para a venda do produto.
Nesse contexto, para nos fundamentar sobre a “relação das mãos com o tear”,
podemos trazer Vázquez (2011) com a “Grandeza e Decadência das Mãos”, que considero
um poema pela sua sutileza e a forma como descreve a importância das mãos para a criação,
para arte. Apesar da linguagem trazer o homem como referência, ressaltamos que nessa
relação com as mãos existe a produção cultural das mulheres artesãs, que precisa também ser
visibilizada. Com as mãos, o homem e a mulher aprenderam a vencer a resistência das coisas.
Com as mãos o homem aprendeu a vencer a resistência das coisas, e com
elas começou a dominá-las. Com as mãos, o homem começou a imprimir sua
marca na natureza, e seu uso, como primeiro instrumento ou ferramenta, já
mostra também a existência de uma relação propriamente humana entre o
homem e as coisas. As mãos não só formam, vencendo a resistência das
coisas, como também tocam, exploram e, desse modo, por seu contanto com
elas, as coisas adquirem um significado humano. Porém, as mãos não só
estabelecem uma relação peculiar entre o homem e as coisas, mas também
11 A técnica do filé consiste em bordado com figuras geométricas que é trabalhado em uma rede de pesca presa a
um tear de madeira. Diferente de outros tipos de rendas, o filé não depende de riscos, o preenchimento é
realizado pela tradição e habilidade das filezeiras.
93
entre os próprios homens. Acariciam ou aproximam os homens no aperto de
mãos; mas os homens não só se acariciam ou cumprimentam, como também
brigam, isto é, expressam de um modo sensível e concreto as relações
humanas, sejam entre indivíduos ou entre grupos sociais. Essa capacidade da
mão de demonstrar os sentimentos mais opostos tem como base sua estreita
vinculação com a consciência (VAZQUEZ, 2011, p. 287).
Ao trazer essa analogia sobre o tear, trazendo na figura 07 para pensar na dinâmica da
instituição escola, da ação pedagógica, das causas da invasão, os impactos da formação, e
consequentemente, a inserção no mercado artesanal. Assim como esse tear, existe toda uma
dinâmica que exige que cada um desses elementos estejam articulados e entrelaçados para
compreensão do processo, das dificuldades, para buscar propostas que atendam a organização
pedagógica, ao currículo, ao trabalho docente, aos seus atores sociais.
Ampliamos o caminho metodológico da pesquisa, além das histórias de vida das
artesãs, de suas narrativas, buscamos trazer a reflexão docentes para possibilitar refletir sobre
a prática pedagógica, o currículo, a instituição. Trazê-los para essa pesquisa com suas
experiências em atuar com o curso:
[...] Para cientistas sociais, e consequentemente para nós, experiência é uma
palavra-chave. Educação e estudos em Educação são formas de
experiência. Para nós, narrativa é o melhor modo de representar e
entender a experiência. Experiência é o que estudamos, e estudamos a
experiência de forma narrativa porque o pensamento narrativo é uma forma-
chave de experiência e um modo-chave de escrever e pensar sobre ela. Cabe
dizer que método narrativo é uma parte ou aspecto do fenômeno narrativo.
Assim, dizemos que o método narrativo é o fenômeno e também o método
das ciências sociais (CLANDININ; CONNELY, 2011, p. 48, grifo nosso).
Partindo do princípio da pesquisa narrativa, como uma forma de experiência, e que
como tal, há também um termo chave que deve estar inserido nessa perspectiva: a
temporalidade. A “experiência é temporal”, pois traz sentidos diferentes em cada contexto que
precisa ser também ser analisada dentro da narrativa:
[...] O que podemos ser capazes de dizer agora sobre uma pessoa ou uma
escola ou outros é um sentido construído em termos de um contexto mais
amplo e esse sentido muda com o passar do tempo (CLANDININ;
CONNELY, 2011, p. 50).
É importante situar a temporalidade. Os sentidos que as experiências trouxeram em
cada momento, em especial para a instituição escola, para a educação de jovens e adultos
trabalhadores. E, com essas considerações, o sentido que as experiências trouxeram também
aos docentes nessa trajetória da formação do curso técnico de artesanato, considerando que se
94
passaram sete anos, o trabalho que realizou com 05 turmas, com suas histórias de vida, as
experiências que trouxeram. É um sentido construído historicamente, dentro de cada contexto.
Fez-se necessário entender a dimensão da organização curricular para a formação das
artesãs, as implicações que se deram nas inter-relações para estruturar a composição dessa
matriz curricular na interlocução entre os saberes tecnológicos com as experiências de seus
atores oriundos da cultura artesanal, ou seja, a integração curricular e experiências e saberes,
que apresentamos no início desse trabalho.
Como também foi apresentado no capítulo I dessa pesquisa o víeis que fundamentou
inicialmente os argumentos da organização curricular, a proposta dos eixos norteadores
fundamentados nas Fases da Produção do Artesanato, que foi pensada desde a sua concepção
a partir da identidade profissional das artesãs.
E a dinâmica das propostas das avaliações por Banca a cada módulo que impulsionou
e a metodologia do curso e que foi considerado o eixo norteador nessa organização curricular.
Foram momentos que resgatamos da minha pesquisa que foram importantes para
compreender o processo do como se forma, e dá visibilidade as experiências pedagógicas no
âmbito escolar de formação de mulheres no processo artesanal.
E, nesse contexto, as entrevistas com docentes e a roda de conversa através do grupo
de discussão, que se propõe trazer as reflexões docentes de uma trajetória que teve início
desde 2007, um exercício pedagógico de construção e (des)construção de práticas para
atender ao perfil da turma, metodologias que valorizaram a construção dos saberes e ofícios
das artesãs. Um processo de ressignificação da ação-reflexão-ação para dialogar com as áreas
do conhecimento, de integração e articulação entre as disciplinas e práticas pedagógicas.
Visando a compreender como os conhecimentos produzidos por organização
curricular que tratam da cultura artesanal, possibilitou a essas mulheres, em seu processo de
formação, identificar possibilidade de inserção do mercado de trabalho, a importância de
pensar sobre o itinerário formativo considerando as embates da relação com o mercado
artesanal, a criticidade sobre as condições de trabalho das mulheres que atuam no artesanato
em Alagoas, considerando as finalidades sociais do curso. Pontos do qual o currículo do curso
não pode se omitir.
São reflexões que consideramos importantes nessa pesquisa, que em alguns momentos
fazem relação com as narrativas das artesãs, e que, as reflexões dos docentes possam
contribuir para uma análise de criticidade sobre possíveis lagunas que o curso não atendeu,
considerando a evasão e as dificuldades das artesãs em se manterem com a produção
artesanal, seja por uma “resistência” ao associativismo e/ou cooperativismo, ou por não
95
compreender como fortalecimento de um coletivo e autonomia enquanto grupo para o
enfrentamento das relações com o mercado artesanal.
Considerando que a proposta desse curso está intimamente relacionada à identidade
cultural das artesãs, cujas histórias de vidas demonstram as trajetórias da formação de
mulheres, na busca da (re)inserção da produção artesanal, pois já eram artesãs antes do curso.
Como também, considerando as dimensões que trazem os conflitos que se manifestam nesse
curso, sua relevância em trazer para a pesquisa, visando contribuir com o campo do currículo,
experiências como essas que trazem os processos de ensinar e aprender o artesanato, um
conhecimento pouco valorizado e pesquisado pela academia.
A identidade cultural das artesãs foi o elemento significativo na concepção curricular
desse curso, como também o grande desafio, pela sua singularidade, ao mesmo tempo em que
possibilitou a escola reorganizar seus conhecimentos com o olhar sobre os atores sociais do
currículo, entrelaçando outros saberes: os conhecimentos dos ofícios e das práticas, as
experiências advindas de uma tradição da cultura artesanal que atravessam gerações, além dos
conhecimentos tecnológicos.
Santos (2010) considera que quanto à importância do conhecimento científico para a
vida das sociedades contemporâneas não há contestação. E, historicamente, as formas de
conhecimento foram objeto de debates, sobre sua natureza, sua potencialidade, os seus limites
como também as contribuições para sociedade, em cada momento histórico.
Portanto, destaca-se nesse sentido para o fato de que o conhecimento confere
privilégios extracognitivos (sociais, políticos, culturais) a quem o detém, o que evidencia o
impacto desse conhecimento na sociedade, em função da comprovação de que não há uma
equidade na distribuição dos conhecimentos para essa mesma sociedade:
Por outro lado, o conhecimento, em suas múltiplas formas, não está
equitativamente distribuído na sociedade e tende a estar tanto menos quanto
maior é o seu privilégio epistemológico. Quaisquer que sejam as relações
entre o privilégio epistemológico e o privilégio sociológico de uma dada
forma de conhecimento – certamente complexas e, elas próprias, parte do
debate –, a verdade é que os dois privilégios tendem a convergir na mesma
forma de conhecimento. Esta convergência faz com que a justificação ou
contestação de uma dada forma de conhecimento envolvam sempre, de uma
maneira mais ou menos explicita, a justificação ou contestação do eu
impacto social (SANTOS, 2010, p. 137).
Santos (2010) nos possibilita dialogar com a proposta desse curso, ao tratar sobre a
interdisciplinaridade que é o centro dessa organização curricular, que considera como “[...]
uma forma de colaboração que pressupõe um respeito pelas fronteiras entre disciplinas tais
96
como elas existem.” (p. 147). E, são essas fronteiras que nos desafiam a procurar
compreende-las, contribuir como docente e pesquisadora, não no sentido de desmistificar,
mas de aproximação, para abrangê-la enquanto experiência.
4.2 Os conhecimentos da cultura do saber artesanal validado como eixos norteadores do
currículo:
As relações intrínsecas na organização do conhecimento escolar no curso técnico de
artesanato se configuraram em uma linha tênue que envolveu o artesanato, a cultura, o
trabalho e o gênero, no processo artesanal.
A riqueza do artesanato brasileiro tem uma relação fortemente imbricada com a
regionalidade do país, uma diversidade de tipologias cuja singularidade nas tessituras das
técnicas expressa a identidade da cultura local das mais diversas regiões brasileiras,
demarcando seus estilos, suas cores e a singeleza de um trabalho artesanal, tudo oriundo da
cultura tradicional.
É nessa relação que “nasce” a criação artística, que, segundo Vázquez (2011), a arte é
a expressão da capacidade criadora do homem [e da mulher], pois considera que a criação
artística tem um caráter unitário, ou seja, é no processo da criação que o artista através da
abstração estabelece uma relação que permite separar entre o interior e exterior, o subjetivo e
o objeto, o conteúdo como fato psíquico e a forma que se dá a esse conteúdo.
Nesse contexto, o autor destaca a tarefa do artista, que consiste em formar um duplo
sentido, ou seja, através da criação ele dá forma a um conteúdo, mas essa criação acontece
através do processo formativo que só se cumpre ao transformar a matéria. Essa relação de
criação para Vázquez está presente na subjetividade, não existe como modelo pré-existente,
não consiste na duplicação de um produto da consciência. É transformação do conteúdo, a
relação psíquica, como também de uma matéria. Como afirma:
Como processo prático, a criação artística tem princípio e fim. No começo, é
apenas uma forma, ou projeto inicial e uma matéria disposta a ser operada.
No final, encontramos: a) a forma original já materializada depois de ter
perdido sua forma anterior; b) o conteúdo já formado; e c) a matéria que,
vencida sua resistência, se apresenta já formada. Mas encontramos tudo isso
em unidade indissolúvel, nesse produto já acabado que é a obra de arte (VÁZQUEZ, 2011, p. 255).
97
A criação artística apresenta-se para o artista como um processo de incerteza e
imprevisibilidade, mesmo tendo um ponto de partida inicial que foi planejado para a criação
de sua arte, ela vai tomando forma e se torna preciso no próprio curso de sua realização. Para
o autor, o resultado de sua criação se apresenta ao artista como incerto e indeterminado,
considera esse processo como uma aventura, no qual há riscos, e afirma que o ato de criar é
uma incerteza que atormenta o artista. São desafios que traduzem a dimensão da arte e o valor
cultural:
Pelas mãos, o homem [a mulher] está em contato com as coisas e lhes dá
forma: graças à mão a matéria não estabelece com o homem uma relação
exterior. Com as mãos o homem torna suas, humaniza as coisas, e ele
próprio, deixando-se tocar, adaptando-se à forma que elas têm, abrindo-se
para as coisas, consuma essa relação propriamente humana (VÁZQUEZ,
2011, p. 272).
As mãos tem um valor significativo para a arte, não apenas com um órgão na execução
do produto do trabalho, a sua grandeza e superioridade na relação como os outros órgãos vêm
de sua vinculação com a consciência. A agilidade e a sutileza com que as mãos possibilitam
criar, tecer, bordar, amassar a argila, trançar as palhas, as linhas, usar os pinceis, entre outras
atribuições.
4.3 Limites pedagógicos: malha conceitual de pensar o curso
O sentido que esse curso trouxe à vida profissional das artesãs foi analisado através
das narrativas delas, carregadas de reflexões que nos remetem ao currículo do curso, à prática
docente, à gestão institucional, à definição de políticas para o artesanato no país.
Nessa perspectiva, ao trazer análises de outros atores nesse processo: os docentes, que
descortina possibilidades de entender questões que estão presentes no curso e que não são,
digamos assim, estejam tão visíveis. Trazer suas análises e reflexões nos possibilita
compreender como a ação docente se efetivou no curso, as dificuldades enfrentadas, as
implicações que se deram na caminhada da formação dessa turma, como também conhecer se
houveram mudanças no curso com oferta de outras turmas, afinal são sete anos atuando com o
curso de artesanato na instituição.
Compreender os sentidos que o curso trouxe à ação docente, assim como as reflexões
que trazem sobre a experiência da primeira turma, considerando os embates de trabalhar com
a modalidade de jovens e adultos, as experiências que teve início desde o pensar em trazer a
98
metodologia das bancas para o proeja, a dinâmica da disciplina de projetos, aos resultados que
trazem desse trabalho, atualmente com turmas egressas.
A pesquisa com os docentes foi realizada em dois momentos, incialmente uma
entrevista com dois docentes, da formação geral e outro da formação técnica, visando
conhecer: a) o processo de criação e a relação com o mercado artesanal; b) as conquistas
alcançadas na trajetória da primeira turma; c) os limites e avanços pedagógicos da prática
pedagógica, da ação docente.
No segundo momento o grupo de discursão, como uma forma de obter as
representações do grupo de docentes, através da roda de conversa possibilitando uma
discussão coletiva, de pensar no que representou a ação pedagógica do curso, os desafios, se
debruçar fazendo reflexões sobre o currículo, e, de certa forma, propiciar uma avalição desse
processo.
Segundo Weller, 2013, mesmo guardando as semelhanças com grupos focais, os
grupos de discussão tem procedimento distinto, no que se refere ao papel do pesquisador
quanto aos objetivos que se deseja alcançar:
[...] Portanto, os grupos de discursão representam um instrumento através do
qual o pesquisador estabelece uma via de acesso que permite a reconstrução
dos diferentes meios sociais e do habitus coletivo do grupo. O objetivo
principal é análise dos epifenômenos (subproduto ocasional de outro)
relacionados ao meio social, ao contexto escolar e extraescolar, às
experiências de discriminação e de exclusão social, entre outros. A análise
do discurso dos sujeitos, tanto do ponto de vista organizacional como
dramatúrgico, é fundamental e auxiliará na identificação da importância
coletiva de um determinado tema (WELLER, 2013, p. 56).
Da primeira turma do curso aos dias atuais, existe uma linha de tempo, uma linha
tênue, que nos permite tecer algumas análises para reflexão tempo/espaço da ação dos
docentes, considerando a estrutura do curso enquanto programa; sua implantação nos
Institutos Federais por força de Decreto-Lei trouxe implicações pela relação institucional com
o curso.
Eu observei algumas dificuldades principalmente começando pela própria,
vamos dizer assim, estrutura da instituição que não conseguiu fazer com que
alguns profissionais / professores da própria instituição abraçasse o curso da
educação de jovens e adultos. Começo a colocar isso pelas dificuldades que
observei já na coordenação que fazia parte na época, eu cheguei da outra
unidade, e quando cheguei aqui, o grupo de professores da matemática
ninguém queria dar aula na educação de jovens e adultos, não digo nem só
na questão de dá aula, nem sequer participar da construção dos planos de
curso (DOCENTE 1, 2014)
99
As resistências que se deram inicialmente na implantação do PROEJA no IFAL, o
sentimento do não-pertencimento ao PROEJA parte de alguns docentes, enquanto modalidade
de ensino no Instituto Federal. É uma questão que perpassa pelo princípio da inclusão social
como direito a educação dos trabalhadores. Destacamos a importância do Plano de
Desenvolvimento Institucional - PDI/ IFAL (2014-2018), no qual destacamos a importância
das metas e princípios de um Plano de Ação, considerando a dimensão que ocupa o IF com a
política de expansão em nível nacional e em Alagoas.
Na gestão de qualquer instituição, o planejamento é uma poderosa
ferramenta, pois oportuniza um momento de reflexão sobre o que vem sendo
feito e sobre o que ainda deve ser realizado. Na gestão de uma Instituição de
educação pública, estruturada em onze campus – como o IFAL – essa
ferramenta é indispensável. Desta consciência nasceu este Plano de
Desenvolvimento Institucional (PDI). Não se trata, pois, do cumprimento de
uma formalidade demandada pelo Ministério da Educação. Este PDI
representa um intenso movimento de reflexão e de auto avaliação de toda a
comunidade do IFAL, em busca de respostas a duas questões essenciais: o
que desejamos para a 16 nossa Instituição nos próximos cinco anos? De que
maneira podemos a alcançar este futuro pretendido? (ALAGOAS, 2013, p.
15).
Dentre as ações do Plano de Desenvolvimento Institucional – PDI: 2014 /2018
destacamos três finalidades da Educação Profissional e Tecnológica no item 2.2.3 que trata do
papel do Instituto Federal no que concerne a inclusão social:
As ações que devem viabilizar os princípios norteadores da educação
tecnológica e profissional que o IFAL almeja para todos os níveis de ensino,
etapas e modalidades educativas são: 1. Melhorar os resultados da
aprendizagem, reduzindo as desigualdades educacionais no interior da
instituição. 2. Reduzir o índice de retenção e de evasão escolar. 3. Sanar as
desigualdades nas condições de acesso dos discentes aos cursos do IFAL [...]
(ALAGOAS, 2014, p. 57).
Portanto, as ações do Plano de Desenvolvimento Institucional se inserem dentre os
objetivos da Lei nº 11.892 de 29 de dezembro de 2008 que institui a Rede Federal de
Educação Profissional e cria os Institutos Federais de Educação, Ciências e Tecnologia,
garantindo no Art. 7º, a educação profissional, nas formas de articulação, a Educação de
Jovens e Adultos:
Art. 7o: Observadas as finalidades e características definidas no art. 6o desta
Lei, são objetivos dos Institutos Federais: I - ministrar educação profissional
técnica de nível médio, prioritariamente na forma de cursos integrados, para
os concluintes do ensino fundamental e para o público da educação de
jovens e adultos; II - ministrar cursos de formação inicial e continuada de
100
trabalhadores, objetivando a capacitação, o aperfeiçoamento, a
especialização e a atualização de profissionais, em todos os níveis de
escolaridade, nas áreas da educação profissional e tecnológica. (BRASIL,
2008)
Como também, dentre os objetivos dos Institutos Federais, está à oferta da educação
para adultos, que significa um passo significativo na restauração da educação tecnológica de
nível médio, que ao diversificar as formas em integrada, concomitante e subsequente,
consequentemente reafirma a necessidade da horizontalidade de ações entre os demais cursos
ofertados pela instituição.
4.4 Os embates da formação e o mercado artesanal
Os relatos das entrevistas realizadas com os docentes nos permitiram refletir sobre as
mudanças desencadeadas pelo curso no processo de criação, a busca de autonomia das artesãs
para a (re)inserção no mercado artesanal, como também tecer análises sobre a proposta do
curso. O olhar de avaliação da ação docente entre o que foi pensado, planejado no currículo,
as práticas pedagógicas e os resultados dessa ação, que implicações tudo isso trouxe ao
currículo:
O que a gente nota é que com o passar do tempo elas começam adquirir
práticas novas, isso também é valido no espaço do curso. Falando de uma
questão prática de sala, também é proposto pelos professores, porque a gente
quer provocar para eles tentarem e buscarem novas alternativas dentro do já
tem dentro da sala de aula. Por exemplo, alguém faz filé e o outro quer
aprender, quer fazer uma peça que está relacionada ao filé, ao bordado, eles
buscam essa informação, buscam essa outra técnica, aprendem, eles ampliam
na verdade os saberes deles dentro da sala de aula. Isso é bastante valido,
além deles melhorarem o olhar com relação às peças, porque também
começam a ver de outra forma, o eles produzem, que não é mais uma
simples cópia, eles fazem a partir de uma criação. É um exercício que se
pratica na sala de aula, mas, além disso, eles começam a fazer outras
técnicas que eles nem imaginavam que iriam fazer. Os homens mesmo
tentam bordar, entende? Eles tentam e muitas vezes começam a fazer coisas
muito interessante e bem interessante isso (DOCENTE, 4, 2015).
A gente imaginou que elas teriam um avanço como artesãs, de
independência. Pelo que a gente tem de informação não foi exatamente isso
que aconteceu. A gente acha também que faltou uma coisa: uma articulação
com o mercado, tipo pontos de vendas, feiras, uma coisa mais organizada
como o Sebrae faz com os artesãos dela. A gente não tem essa situação. Isso
afeta inclusive para nossa avaliação (DOCENTE 2, 2014).
101
O que podemos refletir sobre os relatos dos docentes, que o curso trouxe metodologias
que promovem a articulação do processo de criação com o trabalho artesanal, valorizando a
aprendizagem dos saberes e ofícios que trazem de uma tradição cultural, que estimulam
vivenciar outras técnicas de artesanato e de manualidades. No entanto há uma questão que
perpassa e que diz respeito à autonomia dessas mulheres, que a docente 2 afirma não “ter uma
avanço como artesãs, de independência”.
A necessidade do curso, segundo os docentes, é ter espaço na instituição adequado e
com infraestrutura, para trabalhar em sala, equipados com material de consumo para que os
produtos artesanais criados pelas ser produzidos pelas artesãs na instituição, sob orientação e
acompanhamento dos docentes para serem vendidos e testados pelas feiras, como uma
possibilidade de avaliar o processo de criação e de inserção de um novo produto ao mercado
artesanal.
Nessas circunstâncias visualizamos que existem lacunas no currículo do curso, que diz
respeito à inserção das artesãs, a busca da autonomia por meio do trabalho artesanal, no qual o
currículo poderá proporcionar a essas mulheres a construção de itinerários formativos,
conhecendo experiências de outras mulheres na relação com a produção artesanal, que tragam
elementos para subsidiar refletirem sobre formas de organização coletiva em vez de imergir
na competitividade individual. Socializando suas experiências para criar estratégias para
pensar um trabalho coletivo que viabilize a autonomia econômica, considera-se a trajetória de
aprendizagem que o curso tem proporcionado. Sair da invisibilidade, do artesanato como uma
atividade complementar das atividades domésticas, da exclusão social para uma formação
política proporcionada pela vivência em cooperativa:
A experiência coletiva proporcionada pelo cooperativismo tem feito com que
o artesanato produzido pelas mulheres cooperadas saia dos seus espaços
privados de produção e ‘circule’ em espaços públicos. Essa passagem do
provado para o público tem papel fundamental quando se pensa no
artesanato como possibilidade emancipatória, não apenas no aspecto
econômico (enquanto produtos artesanais que passam a ‘circular’ no
mercado de produção e consumo), mas também enquanto formação política
para as artesãs, em função da experiência vivenciada na cooperativa.
(SILVA; ERGGERT, 2011, p. 56)
Mas não se conseguiu ter essa experiência laboral como foi pensada na proposta do
curso. Houve alguns momentos de participação nas feiras pela instituição, mas não na
dimensão que se desejava, ou seja, de produzir as peças na instituição e vivenciar a aceitação
do mercado dos produtos elaborados nas bancas:
102
Quando há uma feira, ninguém olha esse produto da nota. Eles são
descartados pelos/as alunos/as, e eles retornam com os mesmos produtos que
eles faziam antes e vão para feira com os mesmos produtos que eles faziam
antes. Entende onde/como eu descobri que a coisa estava desandando?
Tinha alguma coisa que estava fora de compasso. Porque se eles se
apropriassem e acreditassem no que eles tinham feito para nota, eles
replicariam esse e levariam esses para a feira. Se eles não conseguem
enxergar essas peças como produto e vê isso só como nota, como uma peça
para nota, eles não se apropriaram disso e não acreditaram a peça.
(DOCENTE 2, 2014)
E o currículo, a ação docente desse curso, o processo da criação das artesãs? Como os
docentes avaliam a trajetória da ação docente. No grupo de discussão que realizamos com os
docentes, foi possível observar como avaliam essa caminhada no exercício docente com a
formação das artesãs, Há nessa roda de conversa análises que vem de uma maturidade
profissional que possibilita a auto avalição de processo:
Se eu puder fazer um resumo eu diria - que em termos relação turma, o
curso, professor - para mim foi o sentido inverso. Tivemos a primeira turma-
com o perfil profissional, eu diria bem próximo do que a gente tinha
proposto e nós com pouca proximidade com o saber fazer, o lidar com o
perfil Proeja. A turma estava bem mais calibrada e a gente até por ser novo,
estava com pouco mais de dificuldades, no dia a dia. Isso para o perfil da
turma. Depois, pelo que percebo a gente não conseguiu ter turmas com o
perfil que a gente precisava mesmo. Eu diria que não eram pessoas tão
próximas ao artesanato, tinham habilidades, tinham manualidades, mas eu
notava que não eram todos que tinham essa proximidade. Inversamente,
fomos crescendo e tendo mais experiências em saber como lidar com as
turmas. Hoje me acho, falando na primeira pessoa, falando das impressões,
estou mais capaz para lidar com as turmas, hoje, eu já me acho, é a minha
impressão – mas capaz de lidar com as disciplinas do curso, afinal são sete
anos. E a gente tenta evoluir. Em contrapartida a gente tem o aluno que não
tem o perfil na expectativa que a gente tinha. Vou dá um exemplo da última
turma, por mais esforço nosso, de todos, os alunos não vieram com o
artesanato tão aflorado, tão vivo como da primeira turma. [...]
Particularmente, eu sinto dificuldades quando vou fazer o planejamento do
semestre, pelo o perfil que estamos vendo dos alunos, se vai conseguir dá a
resposta que nós estamos esperando. E nós, se fizermos uma evolução nossa,
do nosso fazer, que hoje me sinto extremamente à vontade e seguro de estar
incluído nessa turma de artesanato [..] (DOCENTE 1, 2015)
A meu ver no decorrer do tempo à gente vai adquirindo experiências, e isso
com certeza traz muita vantagem. De fato, no início, particularmente, a gente
fica sem saber como trabalhar o interdisciplinar, com o tempo o dialogo vai
avançando, as metodologias de certa forma vão mudando e isso traz de certa
forma traz maturidade para trabalhar com o aluno Vejo assim, algumas
estratégias que a gente colocou no decorrer do tempo. Por exemplo, a
viagem a um determinado lugar, que antes não tinha e que hoje tem. A gente
observa muitas vantagens em relação a isso, contextualizar determinada
103
cidade, um determinado produto e uma ideia que os professores constroem
junto com os alunos para chegar a alguns objetivos. Então vejo assim,
pedagogicamente mudou para melhor. E, a gente tem tido assim, a alegria
de certa forma manter um grupo de professores por um tempo, quem vai
chegando vai somando, a experiência tem nos ajudado muito no decorrer
desse tempo. Pedagogicamente o curso está com mais qualidade
(DOCENTE, 3, 2015).
As reflexões dos docentes nos permite compreender que suas análises perpassam por
vários estágios desse curso, um deles, diz respeito ao ingresso de turmas, no qual a partir da
segunda seleção de ingresso foi retirado do edital o requisito de ser artesão/ã, desconsiderando
que o curso em sua proposta não ensina fazer o artesanato. E, essa questão causou problemas,
entre eles a evasão, pelo fato de não ser artesão/ã e não se identificar a proposta do curso.
Mudou o perfil da turma, exigindo novas metodologias para atender a realidade das turmas.
A primeira turma, todos/as eram artesãos/ã, a maioria já trazia os saberes e ofícios do
processo artesanal, experiência com o mercado artesanal. No entanto, apesar desse perfil,
existiu uma evasão considerável, no qual consideramos importante investigar considerando
como nós nessa trama, para que possamos analisar e contribuir com a formação desse curso.
Outro aspecto que é importante a considerar, é o fato de 50% da turma ter a
escolaridade em nível médio, ou seja: dez artesãs com formação no antigo 2º grau e ensino
médio; quatro com magistério e uma com técnico em contabilidade. A procura pelo curso por
parte da turma foi motivada pela formação profissionalizante no artesanato e não
especificamente pela formação em nível médio na modalidade EJA. A valorização do
trabalho, uma perspectiva de profissionalização no processo artesanal.
A pesquisa de Ergget (2011) sobre processos educativos no fazer artesanal, com
mulheres das classes populares em um atelier de tecelagem no Município de Alvorada, em
Porto Alegre, nos permite compreender como os processos de aprendizagem de um lugar não-
escolar trazem implicações pedagógicas que estão imbricadas no trabalho têxtil artesanal
dessas mulheres, que na sua maioria abandonaram a escola em diferentes estágios, com ensino
fundamental incompleto. E, devido ao ritmo de trabalho intenso em atelier, e a necessidade de
conciliar com trabalhos domésticos, não conseguem voltar para os cursos da EJA, e as que
tentearam não conseguiram permanecer na escola.
Nessa perspectiva, estamos trazendo análises a partir de uma experiência que se
efetivou em ambiente escolar, uma experiência de curso profissionalizante para mulheres
artesãs, uma proposta para a educação de adultos, para pensar que estamos tratando de um
percurso de formação que tem implicações para subsidiar um currículo que sofre os impactos
104
da lógica de mercado de mulheres no processo artesanal, que incide dentro de uma
modalidade de ensino na EJA, de uma organização curricular integrada.
Quais são os nós para serem percebidos e destacados pelo sistema de EJA?
Onde está o tensionamento dessa trama? Entendo que o desafio está na
escola poder enxergar o mundo do trabalho das mulheres a fim de agilizar
políticas de uma ação pedagógica sensível às experiências que formam essas
mulheres nos seus cotidianos. Parece-nos que isso é ter a dimensão dos
estudos feministas e de gênero presentes a ação pedagógica em salas de EJA.
Para tanto vários modos de visibilizar isso são necessários. A narrativa
proposta nesse texto é uma delas (ERGGET, 2008, p.11).
Os depoimentos dos docentes nos permite entender os desafios da experiência inicial
para trabalhar com a alunos/as da EJA, de dialogar a cultura artesanal com as disciplinas, o
interdisciplinar em uma dinâmica processual entre os docentes da formação geral e da
formação técnica. Os déficits que as artesãs trouxeram pelo tempo que estiveram ausentes da
escola, e que foi um desafio constante, a cada módulo trabalhar metodologias sem material
didático específico, pois não existia, e também se tornaram como desafios a prática
pedagógica, elaborar material didático para o curso.
E, dentro das limitações do curso, a ausência de quadro permanente de docentes para
trabalhar o Proeja, tornou-se um problema, pois interfere na horizontalidade das decisões para
atender a proposta da organização curricular, que exige um alinhamento das áreas do
conhecimento para manter a dinâmica do curso, consequentemente, que necessita de um
grupo de docentes afinados com a metodologia proposta e com disponibilidade de tempo que
o curso exige.
Em consequência, as dificuldades para trabalhar currículo interdisciplinar, digamos,
por existir uma bifurcação, de um lado a resistência por parte de alguns docentes em resistir
trabalhar com alunos/as da EJA, e de outro, a indisponibilidade dos docentes que atuam no
curso de não puder conciliar com as atividades pedagógicas, com as viagens dos projetos do
curso, por estarem também envolvidos em outras coordenação de cursos que também
lecionam.
São questões conflituosas, são definições institucionais, que traz implicações a
proposta do curso, consequentemente fragilidades a proposta pedagógica. Assim como
revelam os docentes em seus depoimentos:
Eu observei algumas dificuldades principalmente começando pela própria,
vamos dizer assim, estrutura da instituição que não conseguiu fazer com que
alguns profissionais / professores da própria instituição abraçasse o curso da
educação de jovens e adultos. Começo a colocar isso pelas dificuldades que
105
observei já na coordenação que fazia parte na época, eu cheguei da outra
unidade, e quando cheguei aqui, o grupo de professores da (minha área),
ninguém queria dar aula na educação de jovens e adultos, não digo nem só
na questão de dá aula, nem sequer participar da construção dos planos de
curso (DOCENTE, 5, 2014)
Embora a gente tenha no pedagógico um grupo de professores mais
alinhado, mais atentos, a gente não conseguiu manter o mesmo quadro de
professores, isso continua oscilando, tendo falta de professores. Mesmo com
os sete anos, a gente tem o mesmo grupo que vem desde o início, que estão
ali, segurando. Mas a gente não consegue a participação de todos em
reuniões, em contribuições. Mas isso se deve muito a própria instituição que
continua ignorando o Proeja. O PROEJA continua numa situação que está
presente por uma determinação, mas não por uma opção. Continuo vendo
dessa forma, sem apoio necessário ao curso [...]. (DOCENTE, 2, 2015)
Há, portanto, questões que dizem respeito à gestão institucional trazendo implicações
ao trabalho docente e consequentemente interferem na ação docente, como também no
desenvolvimento do currículo do curso. São nós entre as tramas que interferem na ação
docente e que necessitam ser revistos e/ou desfeitos à medida que interferem no processo da
aprendizagem do curso, como afirmam os docentes:
Parece-me que para a gente ter a nossa proposta do curso, pleno resultado,
todos nós, deveríamos respirar interdisciplinaridade, pois fazer
interdisciplinaridade por pedaços, por setores, me parece que não é o
razoável, não é interdisciplinaridade. [...] No semestre, todos os professores
envolvidos deveriam participar de todas as atividades, quer seja
propedêutico, ou seja, da formação técnica, e pegando o exemplo da
professora (,,) uma viagem comum para uma cidade, para que todos nós
visitemos, e tudo vai ser discutido e elaborado e pensado a partir desse
evento. Se uma disciplina ou um professor, por conta de outra atividade da
instituição não puder ir isso rompe com todo esse esforço, mas a escola não
se apercebe percebe disso, que nós precisamos ser interdisciplinares todos,
plenos (DOCENTE 1, 2015).
Mas, sobretudo há também questões que estão no currículo, no qual não pode se omitir
de vivenciar, que envolvem questões sociais, que requer dimensões mais para ampla para a
formação das artesãs, a inclusão formativa dessas mulheres, considerando que se inserem em
contexto no qual há desvalorização das profissionais que vivem da arte popular. Como afirma
Bartra (2008), “[...] El arte popular es considerado de segunda, elaborado por gente tambien
de segunda” (p. 05). Envolve uma dimensão política para possibilitar essas mulheres sair das
produções invisíveis e conquistar os direitos sociais.
A compreensão por trabalho em cooperativa é uma possibilidade de inserir essas
mulheres para gerir negócios, pensar em uma organização de produção coletiva. É uma
discussão que perpassa pela identidade cultural no país, na América Latina, do
106
reconhecimento do trabalho artesanal e do lugar que a mulher ocupa nesse espaço de criação
artesanal.
Há também outra realidade. Apesar de o curso proporcionar a produção de um
artesanato diferenciado, a artesã não consegue enfrentar sozinha a competitividade,
permanece na venda de porta em porta ou trabalhando por encomendas, sem trazer mudanças
na sua situação econômica; consequentemente, retomam as atividades domésticas. No
entanto, não podemos desconsiderar as conquistas no âmbito social dessas mulheres, como
afirmam os docentes:
A gente percebe uma evolução dos alunos. Às vezes continuam na produção
antiga que eles tinham, mas pessoalmente você consegue ver uma evolução
em termos de postura, evolução em termos de argumentos, eles apresentam
uma mudança. O aluno que a gente teve no primeiro período e que chegou
ao sexto, como a gente os acompanha em todos os semestres, consegue
perceber que ele mudou, mudou de atitude. Isso já é um ganho ao final,
quando você vê o aluno preocupado porque ele quer continuar estudando,
isso foi um ganho que a gente conseguiu, porque esse aluno está fora da sala
de aula há 10 anos, 15 anos, e na hora que eles tomam o gosto que é bom
aprender, é bom crescer, é bom evoluir. E eles continuam buscando cursos,
capacitações, para não se distanciar, ou para não esquecer de novo que é um
indivíduo e que pode produzir. Principalmente no caso das mulheres, que
para elas é quase um grito de alforria quando elas veem e começam o curso a
duras penas, com relação ao marido e filhos, e elas conseguem concluir o
curso. A gente fica tendo notícias constantes: agora estou dando curso, ou
que está se capacitando em outro ou que entraram na universidade. Então
isso, mesmo que a gente não tenha conseguido uma evolução plena em
relação ao produto em termos de inovação, novos mercados. Mas, como
indivíduo nós fizemos uma diferença, não nos trinta alunos, mas pelo menos
em cinco, ou em três, que seja, faz diferença. (DOCENTE, 1, 2015)
Até porque a gente já identificou que está na hora de mudar a matriz, o que a
gente percebeu foi que está na hora fazer alguns casamentos interessantes de
forma interdisciplinar. Vimos que alguns casamentos entre disciplinas por
semestre deram certo, mas vimos que algumas disciplinas estão deslocadas,
alguns conteúdos estão deslocados, que poderiam estar distribuídas de
melhor forma. Já se passaram 03 turmas, e a gente já vem conversando que
há necessidade de uma revisão na matriz curricular, até porque os
professores que estavam na formação da primeira matriz não são os
mesmos. (DOCENTE 2, 2015)
Para nos oportunizar refletir essas questões que se apresenta nessa pesquisa sobre as
egressas, apresentamos uma experiência com a Educação de adultos realizada em uma
comunidade Maia na Guatemala, com mulheres de uma comunidade indígena, que trabalham
com produtos artesanais têxteis enquanto atividade tradicional. É uma experiência de
pesquisa-intervenção que se propôs criar espaços formativos para desenvolver estratégias e
107
ações de superação de exclusão das mulheres maias, e combater a invisibilidade das mulheres
Maia. (GALEOTTI, 2015)
A pesquisa com as Mulheres Maia tem como ponto de partida o reconhecimento das
trajetórias de exclusão sofrida por essas mulheres na Guatemala, reflexões que remetem a
proposta de uma educação inclusiva a uma inclusão formativa (trabalhando a dimensão
política, econômica, cultural) como caminho para combater as múltiplas formas de
marginalização, precariedade e exclusão da sociedade do conhecimento.
A autora apresenta dados do Relatório Mundial sobre a condição das mulheres no
mundo, no qual as mulheres na Guatemala representam 51% da população total do pais, no
entanto, a maioria das mulheres permanecem analfabetas, excluídas do mercado do mercado
de trabalho formal.
A pesquisa com as Mulheres Maias (15 mulheres de uma comunidade rural de
Santiago Atitlán) nos possibilitar refletir sobre uma experiência na educação de adultos, na
produção têxtil, a relevância de problematização das condições de trabalho como mecanismo
de vivenciarem suas práticas e pensar nas possiblidades de diversificar suas atividades, fazer
emergir suas dificuldades a partir de suas experiências e encontrar estratégias para enfrentar
as dificuldades do trabalho informal, sem desconsiderar as questões que expressam as
limitações sociais dessas mulheres, a posição subalterna do trabalho que exercem, em função
das altas taxas de analfabetismo que as excluem do trabalho formal:
A valorização educativa dos saberes das mulheres Maias reconhece na
experiência cotidiana o terreno no qual recuperar os saberes úteis para gerir a
complexidade da contemporaneidade e o projeto existencial. Este tipo de
trabalho educativo se desenvolve a partir da relação entre sujeito e prática de
vida e trabalho, que se torna objeto de reflexão orientada a fazer emergir o
conhecimento informal e tácito presentes na vida cotidiana, para promover a
mudança produto do encontro destes com o saber formal, através de uma
transformação negociada em conjunto (GALEOTTI, 2015, p. 21)
Essa experiência ressalta o reconhecimento dos saberes das Mulheres Maias, como
possibilidade de criar uma relação entre sujeito, prática de vida e trabalho, a relação entre o
conhecimento informal e tácito para promover as mudanças – que a autora denomina como
transformação negociada em conjunto. Ou seja, pensar a inclusão formativa dialogando com a
atividade educativa, que vem com a pergunta: “O que sabemos fazer?”. (GALEOTTI, 2015)
O eixo central na pesquisa consistiu em criar oportunidades de emancipação social e
econômica das mulheres Maias, em sua comunidade local, redefinindo oportunidades
ocupacionais levando em consideração o modo como organizam o trabalho, a partir da
108
realidade que vivem, considerando a tradição e suas dificuldades de inserção, ajudando-as a
identificar áreas ocupacionais alternativas, a pensar sobre as possibilidades de pensar e
projetar o itinerário formativo.
As múltiplas possibilidades de vivenciar experiências de mulheres no processo
artesanal, trazendo a singularidade da vida de mulheres artesãs, cujas experiências nos ajudam
a olhar para o artesanato para além de um objeto, olhar para a arte, a criatividade, a
sensibilidade que envolve sua criação e que a academia precisa discutir e que nos propomos
ao narrar as histórias das artesãs egressas do Curso Técnico de Artesanato pelo que valor
cultural que representa o artesanato em Alagoas.
4.5 Traçando novos caminhos para outras narrativas
É importante registrar que os docentes do curso técnico de artesanato têm
desenvolvido o Projeto de Ler a Cidade12, que nasceu em 2013 e trouxe uma nova proposta
embasada nos pressupostos da Educação Patrimonial, através do olhar da cidade, que envolve
alunos/as do curso técnico e do curso de design de interiores (tecnológico), com proposta de
visita técnica às cidades alagoanas para pensar o artesanato a partir da cidade, da cultura.
A inserção dessa nova forma de trabalhar, levando os alunos para as cidades
do interior de Alagoas foi uma forma de aprender, buscando essa forma de
aprender. Ter uma experiência dessa forma, em vivenciar uma cidade,
mesmo que por um dia, por alguns momentos, mas para que você conheça
elementos fundamentais dessa cidade, conhecer o lugar onde você mora e
que essas referências possam servir como fonte de inspiração para você
como criador e executor dos seus produtos (DOCENTE 4, 2015)
É uma nova proposta que surge subsidiando pensar o currículo do curso, que poderá
abrir novos debates sobre a formação, considerando as experiências que esses docentes trazem
nessa caminhada e considerando que o projeto de olhar a cidade possa também fazer pensar o
itinerário formativo dessas mulheres e os impactos que sofrem ao se distanciarem do curso.
Que sentido traz escutar as vozes das egressas, senão para compreender que sua
formação se encontra entre a singularidade do trabalho artesanal e o trabalho silenciado de
12 O Projeto de Ler a Cidade foi apresentado no II Colóquio Mulheres, Feminismo, artesanato e arte popular:
saberes de ofícios, nas “Instalação Científico-Artesanal”: que consistiu na apresentação de estudos que envolvam
mulheres na produção do” Ofício do fazer-pensar” em arte popular /artesanato. Os docentes fizeram a exposição
dos trabalhos realizados pelas artesãs referente a cidade Histórica de Penedo, e, as cidade de União dos Palmares
e Arapiraca.
109
mulheres que apesar de terem o talento para produzir suas peças artesanais não conseguem se
inserir na competitividade da globalização, de produção em massa.
Buscamos pensar em possibilidades de contribuir para a viabilização do processo de
formação escolar, processos de aprendizagem aliada as condições de autonomia dessas
mulheres para superar a evasão no curso e sua efetiva condição de competitividade de forma
planejada, coletiva. Criar possibilidades que se dê ao longo do curso, possibilitando a essas
mulheres pesquisarem, autonomia para produzir conhecimentos e simultaneamente pensar em
projetos de gestão para planejar sua independência econômica.
São possibilidades que caminham lado a lado ao processo de criação e produção
artesanal, promovendo pesquisa sobre outras histórias de mulheres no processo da cultura
popular, refletindo sobre a realidade do artesanato em Alagoas, à medida que tem um “olhar
sobre a cidade”, olham para a história que outras mulheres escreveram, e assim como elas
estão fazendo história na formação para o artesanato em Alagoas;
Portanto, a emancipação social e econômica dessas mulheres é uma questão social e
política e, como tal, o currículo desse curso não pode se omitir, envolve a ação docente,
envolve os atores sociais – as artesãs, a gestão institucional, assim como a rede do tear, que
requer harmonia para criar, desafia o campo curricular a pensar possibilidades de trazer
práticas sociais que oportunizem superar e exclusão social de mulheres, e que através da
profissionalização no artesanato escrevem suas histórias de vida.
110
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa nos proporcionou investigar as narrativas da história de vida das artesãs
egressas do curso técnico de artesanato em Alagoas. Objetivou-se contribuir com a história
das mulheres que vivem em espaços sem visibilidade de produção artesanal, no anonimato de
um trabalho que, apesar da diversidade cultural que representa, da identidade cultural tecida
em suas mãos talentosas, traz a marca de uma tradição nem sempre valorizada.
Esta pesquisa também objetivou analisar em que medida os conhecimentos,
experiências e vivências produzidos através de uma organização curricular integradora do
curso de artesanato do Proeja/IFAL viabilizaram a reinserção das artesãs com mais autonomia
no mercado de trabalho, após a formação profissionalizante, na educação de mulheres e na
modalidade de jovens e adultos, a partir das narrativas das histórias de vida das artesãs e das
reflexões da ação docente.
O capítulo I proporcionou refletir sobre o contexto educacional de Alagoas, através
dos índices que retratam a realidade defasada da educação básica. Destacamos o locus da
formação, o Instituto Federal de Alagoas, no qual se efetivou o curso, apresentando a gênese
de um programa social - o PROEJA, no campus Maceió. Situou-se a proposta pedagógica do
curso técnico de artesanato, as dificuldades e os desafios enfrentados por uma organização
curricular integrada para profissionalização das artesãs. Nesse sentido, foram feitas análises
sobre a importância desse curso, considerando que o estado de Alagoas, segundo o Censo do
Artesão Brasileiro (2014), é o segundo no ranking brasileiro com artesãos/ãs cadastros/as pelo
Programa Brasileiro de Artesanato/PAB, no qual apresentamos o valor cultural e econômico
do trabalho artesanal para o estado.
Em prosseguimento a essas análises, no capítulo II desenvolvemos uma discussão
teórica sobre o processo da produção cultural, a gênese da cultura e como se dá essa
distribuição pela sociedade, o que revela as desigualdades na produção do conhecimento e,
consequentemente, nos bens culturais. Analisa-se a importância da arte para a humanidade e a
criação artística, além de como se estabelece o processo de criação, a relação com o
homem/mulher, o valor da criação para o criador, a autonomia que envolve o processo de
criação e o lugar das mulheres no processo artesanal.
E, nessa perspectiva e indústria cultural, a obra de arte na era da reprodutividade
técnica de Benjamin, apresenta as mudanças operadas pela modernidade, o desenvolvimento
da indústria cultural e os impactos que trouxe para a cultura – o conceito de autenticidade,
enquanto existência única, e a aura, o valor da unicidade. É nesse cenário que se aborda a
111
invisibilidade da mulher na produção cultural, trazendo conceitos de flexibilidade do trabalho
feminino na história das mulheres e avanços da representatividade na Constituinte, o que
resultou em conquista de direitos sociais. Além disso, as bases conceituais sobre o artesanato
e arte popular nos remetem a compreender a heterogeneidade e a diversidade do artesanato
brasileiro, em especial, de Alagoas.
As histórias de vida das artesãs, por meio das narrativas no capítulo III, tiveram como
proposta trazer as vozes delas para conhecer e validar a trajetória da educação não formal da
cultura artesanal e dos impactos desses conhecimentos aliados aos conhecimentos
tecnológicos na criação e no processo artesanal, na instituição escolar. Buscou-se, ainda,
conhecer onde e como estão essas mulheres após a profissionalização, os avanços e projetos
no âmbito pessoal e social dessas mulheres.
O tensionamento do currículo ao processo de criação forneceu reflexões docentes
como possibilidade de nos permitir ter uma visão formadora de quem planeja o curso, de
quem esteve no cotidiano da sala de aula. Uma análise refletindo as experiências de um
percurso que se consolida com a oferta de cinco turmas numa caminhada que se deu entre
2008/2015, construção e (des)construção de um exercício de ação pedagógica.
Nesse contexto se inseriu esta pesquisa, partindo dos desafios que se deram com a
implantação da primeira turma do curso técnico em artesanato, da formação enquanto
perspectiva de uma inclusão social que trouxe à tona todo um cenário no qual esse curso foi
ofertado: a dimensão de uma organização curricular que reconhece seus atores sociais e sua
cultura, o lócus da formação e sua tradição tecnológica, os impactos para o trabalho docente e
a proposição de contribuir com a história das artesãs de Alagoas, representadas pelas egressas,
que buscam através da profissionalização sair da invisibilidade do trabalho doméstico e
projetar-se como artesãs, como mulheres.
A organização curricular tem articulação interdisciplinar para atender seus atores
sociais e sua cultura; foi o ponto de partida para o curso. É, também, o currículo que une cada
um dos fios condutores dessa formação, promovendo o diálogo entre as áreas do
conhecimento através de metodologias que envolvem a cultura popular como norteadora para
uma aprendizagem significativa nesse curso.
Uma proposta curricular que atendeu inicialmente as expectativas do curso e que hoje
os docentes percebem a necessidade de fazer mudanças no currículo, de ouvir seus atores
sociais, de estabelecer outros movimentos para novas composições para o curso, mudanças na
organização da matriz curricular.
112
As narrativas das alunas revelaram como o curso proporcionou o crescimento pessoal,
e profissional, ademais a elevação da autoestima. O retorno à sala de aula e a
profissionalização ampliaram as possibilidades da formação dessas mulheres, de ingressar na
educação superior, de ser mestre do artesanato, de se inserir em outras atividades profissionais
para além do artesanato, como, por exemplo, atividades de serviços em trabalho com
comércio, a conquista de um trabalho formal, de carteira assinada, que tanto almejam.
Mas também é relevante considerar que houve uma evasão de 50% da turma, além de
um percentual de alunos/as que não estão inseridos/as diretamente no artesanato após a
formação. É preciso considerar que a busca do curso esteve relacionada ao desejo de ampliar
os conhecimentos sobre o processo artesanal, e que isso proporcionou um diferencial na
formação dessas mulheres, que vivenciaram os vários estágios da produção, desde criar peças
até apresentar e defender o produto perante seus clientes. Registre-se que, mesmo com esse
referencial, houve as lacunas da evasão.
Nessa perspectiva, deparamo-nos com a realidade da inserção dessas mulheres,
entendemos que há vários desafios para que o currículo do curso possibilite a construção de
práticas pedagógicas que envolvam as artesãs a vivenciar outras experiências sobre o trabalho
artesanal em espaços coletivos, nas feiras, de fazer pesquisa, produzir conhecimentos como
instrumento de uma integração social.
Foi perceptível entender que o curso é bem estruturado, o trabalho que os docentes
desenvolvem tem todo um diferencial, por atender as necessidades e reconhecer a
singularidade dessas mulheres e por considerar os déficits que trazem de aprendizagem. É um
trabalho que reconhece e valoriza a identidade de seus sujeitos.
Pelas análises dos dados, foi possível perceber a necessidade de pensar na perspectiva
de incentivar essas mulheres para planejarem projetos que possibilitem capacitá-las para a
produção de um trabalho coletivo, considerando que as análises de suas narrativas revelam
que a competitividade individual as fragiliza e as impossibilitam de ampliarem espaços para
viverem do artesanato em Alagoas.
O mercado artesanal é competitivo, apesar de o curso ter um diferencial em sua
proposta, que incentiva as habilidades para a criação, a identidade cultural, as manualidades.
No entanto, sofrem os impactos quando retornam e voltam a comercializarem
individualmente. O fato de não terem trabalhos reconhecidos, com um nome no mercado, de
tal sorte que voltam a ser excluídas. É a realidade da invisibilidade da arte popular na América
Latina, como afirma Bartra (2008).
113
Há outra questão, que se refere aos vínculos afetivos com o trabalho artesanal, com
suas técnicas. As mudanças do processo de criação proposto pela escola, pelo curso, não são
incorporadas na íntegra por todos. Elaboram-se novos produtos para o curso, eles são
avaliados e, no entanto, ao produzirem para o mercado artesanal, não investem nesse novo
produto, voltando para suas técnicas (embora com mais planejamento, o que aprenderam no
curso). O fato é que o produto final permanece com a técnica que aprenderam de uma
tradição, incorporando novos conhecimentos.
São questões amplas e que precisam ser discutidas pelo currículo, são temas que
consideramos imprescindíveis para nortear o curso: criação e autoria, tradição artesanal e
design, produção individual e trabalho cooperativo, talento individual e trabalho em
cooperativa. Eis temas que trazem uma complexidade e que podem ser norteadores para
pensar, subsidiando as práticas pedagógicas para que possam desenvolver pesquisas,
proporcionar às alunas vivenciarem novas experiências e possibilitar projetos para
instrumentalizar os itinerários formativos, para além da criação do processo artesanal.
Esta pesquisa permitiu concluir que os referencias pautados por esse trabalho
possibilitaram compreender que é impossível discutir sobre a cultura e o processo artesanal
sem o reconhecimento da importância do trabalho das mulheres para o artesanato brasileiro, a
singularidade de um trabalho que traz a identidade e a riqueza do trabalho feminino. É um
trabalho que necessita da valorização e reconhecimento pelo seu valor cultural.
Tampouco se pode omitir o papel social do Instituto Federal para com a oferta desse
curso para jovens e adultos, considerando-se o ranking de Alagoas como o segundo estado em
artesãos cadastrados. A relevância da proposta pedagógica que o curso tem desenvolvido e o
redimensionamento de sua organização curricular que irão trazer avanços significativos ao
trabalho das artesãs, no qual os referenciais teóricos desta pesquisa foram norteadores no
diálogo com as narrativas das histórias de vida delas e com as contribuições das reflexões dos
docentes.
São propostas que visam contribuir com o curso, com a gestão institucional, para que
as propostas desenvolvidas alcancem a visibilidade e reconhecimento de um trabalho que
envolve o comprometimento de uma equipe pedagógica, que reconhece a Escola, como lugar
de formação de mulheres no processo de criação e de propostas pedagógicas que validam a
cultura popular, a produção do artesanato de Alagoas, e, consequentemente contribui com o
artesanato brasileiro.
114
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121
[
APÊNDICES
APÊNDICE A: Convite para Questionário - Artesãs
Convite para participar da pesquisa:
Meu nome é Ana Cristina Limeira, tivemos a oportunidade de nos conhecer no Instituto
Federal de Educação, Ciências e Tecnologia de Alagoas – IFAL durante a pesquisa que
realizei no Mestrado (2007/2010) pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL onde
investiguei o currículo integrado do Curso Técnico de Artesanato/PROEJA, do qual você
cursou.
Atualmente sou aluna do Doutorado no Programa Educação: Currículo da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo – PUCSP e participo como membro do grupo de pesquisa
Currículo, Conhecimento, Cultura sob a orientação do Profº. Dr. Alípio Márcio Dias Casali.
Você está sendo convidado(a) a participar da pesquisa em que investigarei as implicações da
formação profissionalizante do artesão na reinserção ao mercado do trabalho. Sua
participação é voluntária, seus dados serão mantidos em sigilo e serão utilizados de forma
agregada para fins de pesquisa acadêmica. Caso deseje mais esclarecimentos a respeito dessa
pesquisa, isso poderá ser através do e-mail: [email protected] ou pelo telefone de
contato (82) 9982-4274.
Agradeço antecipadamente a sua colaboração.
Ana Cristina S. Limeira
122
APÊNDICE B: QUESTIONÁRIO
Data:_____/______/2013
1.Perfil da Artesã
Nome:_________________________________________________Idade:_______________
Endereço:___________________________________________________________________
Bairro:___________________________ Telefone:__________________________________
Cidade:_____________________________________________Estado: _________________
1. Gênero: M ( ) F ( )
2.Estado civil:
( ) solteiro/a ( ) casado/a ( ) divorciado/a ( ) viúvo/a ( ) outro
3. Escolaridade:
Ensino Fundamental:
1ª a 4ª série: ano que iniciou ____________________ano que concluiu _________________
5ª a 8ª série: ano que iniciou ____________________ano que concluiu _________________
4.Atualmente está fazendo outro curso?
( ) Sim ( ) Não Qual? ___________________________________________________
Qual instituição? _____________________________________________________________
5.Você possui registro como artesã do Estado de Alagoas? ( ) sim ( ) não
Qual o órgão emissor: _________________________________________________________
Ano:______________
6. Como artesã você participa de algum programa do governo do Estado?
( ) sim ( ) não
7.Você participa ou participou recentemente de algum programa seja no âmbito Federal,
Estadual ou Municipal?
( ) sim ( ) não
Qual?__________________________________________________________________
8.Que benefícios o Estado de Alagoas oferece aos artesãos cadastrados?
______________________________________________________________________
9.Você já foi contemplado com algum beneficio (empréstimos, cursos, entre outros) para o
seu trabalho de artesã?
( ) sim ( ) não
Qual ______________________________________________________________________
123
II. Situação Ocupacional:
1.Há quanto tempo exerce a atividade de artesão(ã):
( ) menos de 05 anos
( ) 05 a 10 anos
( ) 15 a 20 anos
( ) 20 a 25
( ) 25 anos ou mais
2.Você tem algum vínculo com associações, cooperativas, empresas etc., para desenvolver e
comercializar artesanato?
( ) sim ( ) não
Essa associação se deu após o curso: ( )sim ( )não
Caso participe de alguma associação, informe em qual atua:
___________________________________________________________________________
3.O artesanato é a sua fonte principal de renda?
( ) sim ( ) não
4.Quantos salários você obtém com a venda do artesanato:
( ) menos de 1(um) salário mínimo (SM)
( ) 1(um) SM
( ) 1(um) a 2(dois) SM
( ) 3(três) a 4 (quatro) SM
( ) acima de 5 (cinco) SM
5. Você possui outro trabalho além da atividade do artesanato:
( ) sim ( ) não
Qual? ______________________________________________________________________
6.Como artesã você tem direito a alguma linha de financiamento para produção do artesanato?
( ) sim ( ) Não
7.Você já teve acesso a financiamento voltado para o artesanato?
( ) sim ( ) Não
8.Você possui um espaço (atelier, oficina) para confeccionar o artesanato?
( ) sim ( ) não
Onde funciona: ______________________________________________________________
Espaço próprio ( ) sim ( ) não
9.Onde você expõe/comercializa seus trabalhos?
( ) Feiras de artesanato
( ) Loja de artesanato
( ) Comércio
( ) Associação
( ) outro.
Qual_______________________________________________________________________
124
10.Informe o(s) endereço(s) atuais (feiras de artesanato, loja, associação etc.) onde
expõe/vende o artesanato:
End.1:_____________________________________________________________________
Dias: ______________________________________________________________________
Em que horário: ______________________________________________________________
11.Você expõe seus produtos para venda em outro Município ou em outro Estado?
( ) Sim ( ) Não
Qual? ______________________________________________________________________
12. As vendas do artesanato são atividades permanentes: ( ) sim ( ) não
Em que períodos você mais vende seus produtos:_______________________________
13.Você mesmo comercializa seus produtos?
( ) sim ( ) não
Há outras pessoas que vendem o artesanato para você? ( )sim ( ) não
Há outras pessoas envolvidas na produção do artesanato? ( ) sim ( ) não
III. Formação Profissional:
1.Como teve início sua relação com o artesanato?
( ) por uma tradição familiar
( ) como fonte de renda
( ) através de cursos realizados para o artesanato
( ) Outra alternativa__________________________________________________________
2. Que artesanato que você produz atualmente?
( ) Crochê ( ) Filé ( ) Ponto Cruz ( ) Bijuteria ( ) Pedrarias
( ) Redendê ( ) Escultura ( ) Singeleza ( ) Renda de Bilro ( ) Macramê
Outro(s) ___________________________________________________________________
3.Estes produtos são os mesmos que você fazia antes do curso?
( ) sim ( ) não
4.Houve mudanças / inovação na produção de suas peças após o curso?
( ) sim ( ) não
Em que aspecto? _____________________________________________________________
5. O curso proporcionou mudança na sua formação profissional como artesão (ã)?
( ) sim ( ) não
Se houve mudança, você pode destacar a que considera mais relevante, e por quê?
___________________________________________________________________________
125
6.Você teve dificuldades de aprendizagem durante o curso?
( ) sim ( ) não
Caso tenha havido alguma dificuldade você poderia relatar a que considerou mais importante?
___________________________________________________________________________
IV. Atuação no Mercado de Trabalho Artesanal 1. Como você avalia sua produção artesanal após a sua formação profissionalizante?
Houve mudanças na qualidade do produto após o curso?
( ) sim ( ) não
Se houve, em que aspectos se deu essa inovação?
___________________________________________________________________________
2. Quanto à sua atuação com o mercado artesanal após o curso, como você avalia sua
formação como Técnico em Artesanato:
Mudou sua forma de trabalho ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente
Melhorou a qualidade do seu artesanato ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente
Melhorou a apresentação do seu artesanato ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente
Diversificou as ofertas do produto ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente
Proporcionou no processo de inovação das peças artesanais ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente
Melhorou sua relação com o cliente ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente
Este espaço fica em aberto caso deseje explicar algum dos aspectos da sua atuação descrito
acima:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
126
APÊNDICE C: Roteiro para a Entrevista Biográfica
DATA: _______/______/2013
(Quando autorizado as entrevistas serão gravadas)
1.Como surgiu o seu interesse em aprender sobre o artesanato? Quando teve inicio sua
relação com o processo artesanal?
2. Que cursos de formação para artesanato você participou antes do Curso Técnico de
Artesanato/IFAL? Que importância tiveram esses cursos para sua prática artesanal?
3. Que técnica de artesanato você realiza atualmente? É a mesma técnica que você produzia
antes do curso? Que mudanças tiveram?
4. Como se constituiu o trajeto da sua escolaridade antes de ingressar no Curso Técnico de
Artesanato?
5. O que o (a) motivou a você a fazer o Curso Técnico em Artesanato? O fato desse curso ser
ofertado pelo IFAL fez alguma diferença para você? Qual?
6.Qual o destaque que você daria sobre a sua formação como artesão após o curso?
7.Teve algum aspecto em relação a sua formação como artesão que considere que o curso não
atendeu? Qual seria?
8. As disciplinas do curso contribuíram na sua aprendizagem com o artesanato? Fale sobre
esse processo de aprendizagem durante o curso.
9.Você poderia relatar como você percebe atualmente a sua prática de produção artesanal, na
sua formação após a profissionalização, levando em consideração os seguintes aspectos:
a.Quanto ao modo de planejar, criar e produzir o artesanato ocorreram mudanças na sua
forma de elaborar as peças? Quais foram essas transformações?
b.Quanto ao artesanato que você produz atualmente, que conhecimentos você considera que o
curso proporcionou que diferencia na sua produção artesanal antes do curso:
c. Quanto ao seu produto, o que o diferencia hoje no mercado artesanal? Você consegue
inovar, em que aspectos e por quê?
d.. Quanto a comercialização da produção artesanal, há mais vendas do produto que produz
atualmente? O que mudou nessa relação produção x comercialização?
10.Você estabeleceu alguma parceria para a produção e comercialização do artesanato com
algum colega de turma (artesão/ã) após o curso?
O que o (a) levou a essa parceria?
127
11. O que você destacaria que o Curso Técnico de Artesanato lhe proporcionou:
a. Em relação a sua formação como artesã:
b. Com relação ao mercado de trabalho, a sua produção:
c. Na relação com a sua comunidade:
d. No seu crescimento pessoal:
12. O que você avalia que o curso não conseguiu proporcionar a sua formação?
13. O que o (a) motiva a ser uma artesã?
14.Você se considera reconhecido com o trabalho que realiza?
15. O que você considera que falta a sua formação como artesã? E ao mercado de trabalho
artesanal no Estado de Alagoas?
128
APÊNDICE D: Roteiro para Entrevista com Professores do Curso
1.Fale da sua experiência como professor desse curso cuja origem se deu na instituição sob
um clima de resistência dos docentes em aceitar trabalhar com a política voltada para a
modalidade da Educação de Jovens e Adultos, no caso específico o PROEJA?
2.Esse foi o primeiro curso a ser implantado nesse programa no IFAL, o que motivou a
coordenadoria de Design a ofertar um curso técnico para artesãos?
3.O que você poderia descrever sobre o curso nos seguintes aspectos:
a. Que considerou como um desafio maior no curso:
b. As dificuldades que se deram durante a trajetória curso:
c. As conquistas alcançadas:
d. Os limites pedagógicos que se deram em relação aos docentes;
e. Limites da aprendizagem dos alunos;
4. Qual a avaliação que você faz do curso, trazendo uma linha do tempo, a primeira turma do
Curso Técnico de Artesanato (objeto dessa pesquisa)?
Quais foram as expectativas da instituição quanto ao retorno dos artesãos ao mercado de
trabalho após a formação profissionalizante?
5. Como professor(a) qual a avaliação que faz do curso, existe algum aspecto que considere
que não foi atendido nos seus objetivos? Em que?
6. O que esse curso poderá servir como orientador em sua proposta para as demais turmas que
a instituição continua a ofertar?
129
ANEXO - Matriz Curricular do Curso Técnico de Artesanato – PROEJA/IFAL, 2007
Componentes Curriculares (semestral) Carga Horária
Nº Módulo I. Fundamentação (h/a) (h/r)
1 Língua Portuguesa 96 80
2 História Geral da Humanidade 72 60
3 Matemática 72 60
4 Projeto de Composição Plástica 96 80
5 Desenho Aplicado 96 80
6 Introdução ao Desenho 48 40
Totall 480 400
Módulo II. Instrumentação
7 Matemática 48 40
8 Física 48 40
9 Biologia 72 60
10 Química 72 60
11 Filosofia e Projeto de Valor Estético 96 80
12 Artesanato 48 40
13 Materiais Artesanais 48 40
14 Cor do Produto 48 40
Totall 480 400
Módulo III. Identidade Cultural
15 Língua Portuguesa 48 40
16 História do Brasil 72 60
17 Geografia 96 80
18 Ed. Física 24 20
19 Antropologia e Projeto de Valor Cultural 96 80
20 Metodologia Projetual 96 80
21 Cultura Popular no Brasil e em Alagoas 48 40
Totall 480 400
Módulo IV. Composição
22 Língua Portuguesa 48 40
23 Matemática 72 60
24 Física 48 40
24 Ed. Física 48 40
25 Psicologia e Projeto de Composição de Referências 96 80
26 Qualidade do Produto 72 60
27 Ergonomia Aplicada 96 80
Total 480 400
Módulo V. Produção
28 Física 48 40
29 Biologia 72 60
30 Química 72 60
31 Sociologia e Projeto de Responsabilidade Social 96 80
32 Design Sustentável 96 80
33 Processo Produtivo 96 80
Total 480 400
Módulo VI. Veiculação
34 Língua Portuguesa 48 40
35 Língua Estrangeira 72 60
36 Matemática 72 60
37 Geografia 48 40
38 Empreendedorismo 96 80
39 Marketing e Logística 96 80
40 Apresentação do Produto 48 40
Total 480 400
Total Geral 2880 2400