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VITIMOLOGIA : tal vocábulo, segundo Piedade Jr. (1993: p, 78) que “ deriva do latim victima e da raiz grega logos, foi, pela primeira vez, segundo se afirma, empregado por Benjamin Mendelson, em 1947 ”. De acordo com este autor (idem, p.79) Mendelson, em seus estudos, limita a Vitimologia à investigação das vítimas de crimes, ao invés do estudo de todas as vítimas”. “...devemos compreender que os limites da Vitimologia devem estabelecer-se em relação ao interesse da sociedade nos problemas das vítimas. Portanto, repetimos, que todos os determinantes da vítima, tais como: a superpopulação, a ação da lei, o índice de natalidade, a desnutrição, as enfermidades episódicas (intimamente ligadas à alimentação e às perdas materiais), a contaminação etc., todos esses determinantes pertencem ao campo da Vitimologia, disciplina que gradualmente firmará seu lugar na ciência” (Mendelson, apud Piedade Jr., op. cit. p.81). Com base ainda na classificação de Mendelson pode-se ver a existência de três grandes grupos de vítimas: “1- vítima inocente ou ideal, uma vez que não teve a menor participação na produção do resultado; 2- vítima provocadora, imprudente, voluntária e ignorante, caracterizada pela evidente participação prestada aos fins queridos pelo agente,

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VITIMOLOGIA : tal vocbulo, segundo Piedade Jr

VITIMOLOGIA : tal vocbulo, segundo Piedade Jr. (1993: p, 78) que deriva do latim victima e da raiz grega logos, foi, pela primeira vez, segundo se afirma, empregado por Benjamin Mendelson, em 1947.

De acordo com este autor (idem, p.79) Mendelson, em seus estudos, limita a Vitimologia investigao das vtimas de crimes, ao invs do estudo de todas as vtimas.

...devemos compreender que os limites da Vitimologia devem estabelecer-se em relao ao interesse da sociedade nos problemas das vtimas. Portanto, repetimos, que todos os determinantes da vtima, tais como: a superpopulao, a ao da lei, o ndice de natalidade, a desnutrio, as enfermidades episdicas (intimamente ligadas alimentao e s perdas materiais), a contaminao etc., todos esses determinantes pertencem ao campo da Vitimologia, disciplina que gradualmente firmar seu lugar na cincia (Mendelson, apud Piedade Jr., op. cit. p.81).

Com base ainda na classificao de Mendelson pode-se ver a existncia de trs grandes grupos de vtimas:

1- vtima inocente ou ideal, uma vez que no teve a menor participao na produo do resultado;

2- vtima provocadora, imprudente, voluntria e ignorante, caracterizada pela evidente participao prestada aos fins queridos pelo agente,

3 - vtima agressora, simuladora e imaginria, que na verdade, deve ser considerada como suposta vtima, uma vez que, na realidade deve ser tipificada como co-autora do resultado querido pelo agente

Para o citado autor (idem, p. 106),

No estudo da tipologia da vtima, talvez o maior mrito tenha sido a descoberta de que a vtima de crime nem sempre aquela pessoa inofensiva, passiva, inocente. Ao contrrio, a Vitimilogia tornou evidente que a vtima pode ter exercido uma cooperao relevante, acidental, negligente ou dolosa na conduta do agente

A nova cincia, destaca a importncia de uma reflexo das cincias sociais que tm por objeto o estudo da criminalidade acerca de alguns pontos a saber:

a)um estudo da personalidade da vtima, de modo a se verificar se ela foi vtima de um delinqente o se foi vtima de seus impulsos inconscientes;

b) um estudo dos elementos psquicos de complexo crimingeno existente na dupla penal;

c) um estudo na descoberta dos indivduos predisponentes a uma vocao vitimal e a descoberta dos mecanismos teraputicos e de mtodos psicoeducativos objetivando um processo de reorganizao de suas personalidades malformadas ou desestruturadas

Partindo do objeto e da definio do que venha a ser a Vitimologia podemos presumir o que, importante ressaltar que a situao desta nova cincia, em relao Filosofia e s Cincias Sociais e Humanas, de uma maneira geral, condicionada pelo grande confronto que atravessa as cincias humanas modernas entre o empirismo e o racionalismo.

A MODERNIZAO DA CRIMINALIDADE

A humanidade assiste ao crescimento do crime organizado, de uma maneira quase impassvel. Ou melhor dizendo, impotente diante de um monstro, de um verdadeiro rolo compressor. Quem tem pode, quem no tem assiste ao espetculo. A platia se compe de um pequeno nmero cada vez mais poderoso e um grande nmero cada vez mais enfraquecido e marginalizado.

Com o desenfreado crescimento e globalizao da economia, crescem e se avolumam cada vez mais e com grande sofisticao os crimes cometidos contra a sociedade.

A Europa j se preocupa em aprimorar a sua legislao para reprimir tais crimes. Em alguns pases como a Frana, a Alemanha, a Espanha, Portugal e outros j foi feita uma recodificao penal. Houve uma preocupao em ampliar mais a legislao para tutelar novos bens. O Direito Penal Econmico e Social passa a se fortalecer.

Da reforma do nosso Cdigo Penal a notcia mais concreta que se tem de que um dos membros que compem a Comisso, para anlise do projeto, o Deputado Ricardo Fiza.

O mundo dos "negcios" no tm fronteiras e em conseqncia disso os crimes ligados aos "negcios", tambm, no conhecem limites. O princpio da territorialidade, em muitos casos, atrapalha a Justia. H uma grande complexidade nesses crimes. J deveria se pensar em criar varas especializadas, com juizes, tambm, especializados em matria econmico, social e financeira.

As mudanas ocorrem de maneira avassaladora, principalmente na tecnologia. Tudo acontece em poucos minutos. Faz-se a transferncia de bilhes em um piscar de olhos. Os mtodos criminosos so cada vez mais sofisticados e as pessoas fsicas se escudam nas pessoas jurdicas para terem seus atos diludos e passarem impunes pela Justia. Chegando at a zombar dos que esto situados do outro lado. Os mtodos de lavagem de dinheiro se aprimoram a cada dia.

O suborno, a corrupo os favorecimentos, o uso indevido de fundos, benefcios, simulaes de emprstimos e de gastos, fraudes, sonegao fiscal, falncias fraudulentas, contrabandos, trfico de drogas, improbidade administrativa de vrias formas, etc, etc e etc. Na corrida pelo poder, vale qualquer coisa.

O homem deixa de ser o centro, o lucro ocupa o seu lugar. O lucro o Deus da modernidade. Bem diferente do pensamento de Burdeau: "a economia no s uma tcnica para criao e funcionamento de empresas rentveis, tambm, e sobretudo, um meio destinado a aumentar o bem-estar dos homens (...). a necessidade dos homens e no o esprito de lucro que deve presidir a vida econmica."

O interesse geral deve subordinar as riquezas em suas mais variadas formas. Cabe ao Estado legislar e ao Judicirio fazer cumprir a lei, para controlar as atividades econmicas em atendimento s necessidades coletivas, controlando o desenvolvimento, numa justa distribuio de rendas e de pleno emprego. O Estado de Direito somente atinge o plano social quando se preocupa com os menos favorecidos atravs de uma poltica social que atinja o pleno emprego, ao invs de abandon-los prpria sorte. Assiste-se como disse Pinatel, " a uma combinao de uma criminalidade violenta e muscular, de uma parte, e a criminalidade intelectual e astuta, de outra."

Os direitos e liberdades outorgados pela Constituio dita social e econmica so pura utopia. A justia social est longe de ser atingida. O prprio sistema cria os mecanismos de imunidade e/ou impunidade para os delinqentes econmicos. O delito econmico sempre praticado por pessoas pertencentes a classes socioeconmicas elevadas. Para se ter uma ordem econmico social justa que garanta a todos os cidados vida digna, necessrio que haja um controle dos atos criminosos praticados pelo abuso do poder econmico.

Ao Estado cabe, no s prometer, criar as condies necessrias para que esses princpios constitucionais sejam respeitados e todos possam exercitar a sua cidadania. O que se observa, no entanto, um Estado sem foras para impedir a delinqncia socioeconmica que ameaa a sua estrutura, minando a confiana da populao e corroendo o sistema financeiro, econmico e social. O Direito penal deve punir no somente os pequenos roubos mas os grandes rombos econmico financeiros. O que se v uma punio inversamente proporcional ao tamanho do crime, nos casos da delinqncia econmica. A ineficcia das normas penais diante da criminalidade econmica pede uma urgente modificao, seja na lei ou nos mecanismos para a sua aplicao.

A Folha de So Paulo do dia 16, prximo passado, traz em sua primeira pgina a chamada para a sua matria. Logo no topo em manchete; " Eduardo Jorge monta rede de lobby." Um pouco abaixo: " Falta de saneamento mata mais que crime." Como se a falta de saneamento diga-se sade- no fosse o resultado dos crimes de improbidade praticados nesse Pas. Parece at ironia. As cifras apontadas so de 10.116 pessoas vtimas de crimes de assassinatos diretos e 10.844 (29 por dia) de assassinatos indiretos ou resultantes dos desvios de verbas.

Os criminosos de luxo so to, ou mais, perigosos quanto os criminosos comuns. Aqueles matam um nmero ilimitado. A diferena est em que os criminosos de gravata so bem aceitos e at bajulados pela sociedade. Essa mesma sociedade que reclama dos trombadinhas que infestam as ruas, sem oportunidade para estudar, moradores dos casebres infectos da periferia onde os esgotos correm a cu aberto. Para alguns, no so mais do que seres desprezveis que ameaam a integridade fsica dos transeuntes.

Os responsveis por esse estado de coisas continuam solta, impunemente, desdenhando da misria que os cerca. Continuam jogando nas ruas os pequenos marginais. Continuam praticando a improbidade no Servio Pblico, desviando as verbas da educao e da sade. So crimes ultraindividuais, atingem um nmero sem limites de pessoas.

A macrocriminalidade cresce assustadoramente. Nos ltimos meses tem sido este o principal assunto dos jornais e revistas.

J est na hora da sociedade entender que a falta de saneamento bsico, de educao e outras prioridades derivam diretamente do desvio de verbas pblicas e que os criminosos devem ser punidos com o rigor que a extenso dos crimes, por eles praticados, merece.

Maria do Carmo (Nita) LeoProfessora da graduao e do mestrado do Centro de Cincias Jurdicas da UFPB

Vitimologia e Violncia Urbana

Jos Maria MarletProfessor Titular de Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da USP e de Criminologia da Academia de Polcia de So Paulo

Sendo inmeras as formas com que se pratica a violncia, algumas passveis de controvrsia, limitamos este estudo a casos de violncia letal, pois a morte uma entidade objetiva, de cuja realidade no se pode duvidar.

Lacassagne e colaboradores, desenvolvendo idias de Durkheim e de Ferri, acreditam que o crime um fenmeno social, logo, para estud-lo, preciso partir de dados objetivos, capazes de fornecer informaes cientficas inabalveis, que nos levem descoberta de algumas das causas criminognicas, ao invs de partir de conceituaes preconcebidas, que procuram atravs da observao dos fatos, meras justificativas para as mesmas.

bvio que em todo crime h dois sujeitos: o ativo ou autor e o passivo ou vtima.

notrio que os estudos criminolgicos costumam estar voltados quase que exclusivamente para os autores, esquecendo das vtimas, talvez porque a sociedade se preocupe mais com o autor, que a ameaa com sua conduta do que com a vtima que sofre as conseqncias do ilcito penal.

Para corrigir no possvel esta distoro criminolgica, aproveitamos as informaes extradas dos laudos necroscpicos do Instituto Mdico Legal de So Paulo.

Classificamos as mortes violentas em:

a) Homicdios;

b) Suicdios;

c) Atropelamentos;

d) Acidentes de trabalho;

e) Acidentes que no de trabalho;

f) Afogamentos;

Os resultados encontram-se nos grficos de n. 1 a 6.

1. O grfico 1 mostra que na capital tem aumentado, em mdia, 8 homicdios por ms. O aumento mdio do nmero mensal de homicdios na Grande So Paulo ainda maior, atingindo 12 casos mensais. No interior do Estado o nmero mensal mdio de homicdios tem aumentado num ritmo bem menor: 2 homicdios por ms. Ao estudar o nmero mensal de homicdios do Estado, como um todo, observa-se que o acrscimo mdio mensal de 14 homicdios.

2. O grfico 2 torna evidente que o nmero de suicdios tem se mantido constante ao longo de perodo estudado, tanto na capital ( 49), como na Grande So Paulo ( 85), no Interior ( 62) e no Estado ( 147).

3. O nmero mensal de mortes por atropelamento, como se pode observar no grfico 3, tem crescido lentamente, em mdia, 2 casos mensais na capital. Isto no acontece na Grande So Paulo, onde a mdia mensal de casos aumenta, em mdia, ( 147), no Interior ( 111) ou no Estado ( 285).

4. O nmero mensal bitos por acidente do trabalho tem crescido lentamente na capital ( 10) e na Grande So Paulo ( 15), caindo no Interior, onde se constata uma reduo mensal mdia de ( 0,2). No Estado, como um todo, observa-se tendncia a manter constantes os nmeros mensais de bitos por acidentes do trabalho.

5. O grfico 5 mostra que o nmero mensal de xitos letais por acidentes outros, que no do trabalho, tem-se mantido constante; na Capital ( 141), na Grande So Paulo ( 226), no Interior ( 218) e no Estado ( 444).

6. O nmero mensal mdio de afogamentos, embora com grande acrscimo nos meses quentes e grande diminuio nos meses frios, tem-se mostrado constante ao largo de perodo estudado. Na Capital houve, em mdia, 16 afogamentos mensais, na Grande So Paulo, 37, no Interior 106 e no Estado 137.

Do exposto, podemos concluir que:

a) O aumento do nmero mensal de homicdios mostra a extrema violncia no nosso Estado;

b) O nmero cada vez maior de veculos automotores circulante pode explicar o aumento progressivo de mortes por atropelamento;

c) Os afogamentos apresentam grandes mudanas sazonais, mas sem tendncia a aumentar ou diminuir ao longo dos 19 meses estudados.

VIOLNCIA, (IN) SEGURANA E CUSTOS ECONMICOS

LUIZ FLVIO GOMES

Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito penal pela USP e Diretor-Presidente do IELF-Instituto de Ensino Jurdico Professor Luiz Flvio Gomes (www.ielf.com.br). E-mail: [email protected]

So muitas as razes que nos obrigam a investigar e estudar o fenmeno da delinqncia e da violncia em qualquer sociedade (para o desenvolvimento de uma correta poltica de preveno, para a manuteno da ordem e represso, para a reduo da desigualdade - inclusive na distribuio dos delitos -, para atenuar seus custos econmicos etc.). Onde a violncia endmica, como o caso do Brasil, que tem cerca de 26 homicdios para cada 100.000 habitantes (a mdia mundial 5), a investigao do delito, da violncia e dos seus custos torna-se uma imperiosa necessidade.

Eis a regra elementar: no existe liberdade nem democracia nem desenvolvimento econmico estvel sem segurana. E segurana (de uma cidade, de um povo, de uma nao) pressupe justia social, bem-estar e solidariedade, enfocar o delito como problema comunitrio e social, alm de individual, assim como uma polcia aberta comunidade. Segurana ou "cidadania segura" no significa -segundo uma viso reducionista - s ausncia (ou reduo drstica) da criminalidade.

Segurana mais que ordem: significa liberdade. mais que o cumprimento da lei: o respeito constituio e aos direitos fundamentais da pessoa. O movimento da lei e da ordem nunca conseguiu legitimar-se justamente por ser tendencioso e preconceituoso; nossa bandeira atual dever ser "segurana e respeito aos direitos fundamentais constitucionalizados".

Por qu? Porque segurana o sentimento individual e coletivo de que sua vida (pessoal, social, econmica etc.) pode ser planejada para ser desenvolvida sem sobressaltos. , em suma, a ausncia de medo, porm, encarada desde uma perspectiva globalizada (no "glocalizada").

Segurana, por isso mesmo, no a mesma coisa que proteo. Esta pode ser oferecida por vigilantes particulares, por grupos mafiosos (de traficantes, por exemplo), por terroristas e at mesmo pelo Estado (de acordo com programas de proteo a vtimas e testemunhas). Mas estar protegido no significa estar seguro.

Altos executivos agora esto exigindo das empresas carros blindados, guardas de vigilncia, armamentos etc. Isso significa proteo. Nunca segurana (que , inclusive, um estado de bem-estar). A segurana em um Estado Democrtico significa ter conscincia de que voc, sua famlia, sua comunidade, sua empresa etc. iro desenvolver suas atividades sem riscos exagerados, sem custos exorbitantes.

O economista e advogado Ib Teixeira, da Fundao Getlio Vargas, que se transformou (nessa questo da violncia) numa referncia obrigatria no nosso pas, em livro que lanar em breve (cf. O Globo de 24.02.02, p. 35) fez um outro balano dos custos da nossa violncia. Em 2001 gastamos nessa rea 112 bilhes de reais (10,2% do PIB; segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento o certo seria 10,5%). Em 1995 isso significava s 5%. No lapso de seis anos os nmeros dobraram.

A violncia impede investimentos? No h nenhuma dvida. Ningum de bom senso, no mundo da economia, lana-se em aventuras. A vida econmica (das empresas, do Estado ou mesmo individual) no pode ser uma loteria. A Cmara Americana de Comrcio fez uma pesquisa em 1999 e a preocupao com a segurana no aparecia nos 15 itens mais citados. Em 2000 j era a nona preocupao. Hoje est dentre as cinco primeiras.

Temos no nosso pas um exrcito de mais de 1 milho de vigilantes. O setor privado, em 2001, gastou com a "indstria do medo" 70 bilhes de reais. Quase o dobro dos gastos pblicos (37 bilhes). As perdas com roubos e furtos de carros, mortes, privao da liberdade etc. atingiram 15 bilhes. Em 2002 foram furtados ou roubados 380 mil carros (21% da produo nacional); j contamos com cerca de 100 mil veculos blindados; a esperana de vida dos brasileiros aumentou 2,6 anos de 1991 a 2000. Para as mulheres o aumento foi de 2,8: a diferena se explica em razo das mortes violentas dos homens entre 15 e 49 anos.

Nossos legisladores, nos ltimos tempos, numa velocidade aloprada, sem critrio cientfico algum, esto aprovando toneladas de leis penais, que serviriam para o "combate" ao crime. Isso muito discutvel. Esto produzindo o Direito penal mais aterrorizante da nossa histria. Pior que no fazer nada contra a delinqncia e a violncia fazer coisas erradas, iludindo outra vez a populao com medidas simblicas e demaggicas (leia-se: eleitorais).

A criminalidade em nenhum pas nica: deve sempre ser analisada sob quatro aspectos: vivncia do delinqente, sofrimento da vtima, castigo pela Justia e percepo da populao (seu temor, seu medo). Sem bases cientficas e criminolgicas, as decises legislativas tendem a no produzir nenhum efeito prtico positivo. Que adianta aumentar a pena dos delitos se todos temos a certeza (incluindo o criminoso) que poucos (pouqussimos) so devidamente descobertos e punidos!

Un Juez de Lrida absuelve a un conductor ebrio porque no lo pareca. El titular del Juzgado nm.2 de lo Penal de Lrida ha absuelto a un joven de 28 aos de edad, que conduca un turismo por la ciudad, y que haba dado positivo en un control de alcoholemia practicado por la Guardia Urbana. El conductor haba sido interceptado por la Guardia Urbana mientras "realizaba maniobras irregulares e increpaba a la gra municipal". Se le practicaron las pruebas de alcoholemia que dieron 0,45 y 0,51 mg de alcohol por litro de aire espirado, cuando el mximo tolerado es de0,4. Sin embargo, el Juez estim que el joven no presentaba "sntomas evidentes de ir ebrio, salvo ojos brillantes y olor a alcohol":

Segn la sentencia "no se ha probado que la tasa de alcoholemia de 0,45 y 0,51 tuviera influencia en la conduccin, con independencia de que de forma irrespetuosa increpara a la gra municipal, porque esa noche a un amigo suyo le haba retirado un vehculo por aprcamiento indebido. La Audiencia de Lrida, en sendas resoluciones de Abril y Mayo de 1997, ya sentenci que para condenar por un delito contra la seguridad en el trfico no bastan las pruebas de alcoholemia, sino que hay que presentar sntomas evidentes de borrachera.

La pareja homosexual de un trabajador tambin tendr derecho a las prestaciones previstas por las empresas para los cnyuges, segn un dictamen emitido el pasado 30 de Septiembre por el Abogado General del Tribunal de Justicia de la Unin Europea, Michael B.Elmer.

El Pleno del Tribunal Constitucional ha declarado constitucional el art.380 del Cdigo Penal, que castiga con penas de seis meses a un ao de prisin al conductor que se niegue a practicar la prueba de alcoholemia a requerimiento de la autoridad, considerndolo autor de un delito de desobediencia grave (art.556 del CP).

El Pleno del Consejo General del Poder Judicial acord recomendar al Gobierno que se eleve de 12 a 13 aos la edad mxima para castigar como delito de abusos las relaciones sexuales mantenidas con estos menores, aunque sea con su consentimiento.

Un juez de Manresa dispone que un empresario condenado por delito ecolgico asista a clases de medio ambiente.

Segn la ltima encuesta realizada por el Centro de Investigaciones Sociolgicas (CIS) en Diciembre de 1996, sobre 2.489 personas, una gran mayora de los espaoles piensa que las leyes se aplican de forma discriminatoria. Un 84,4 % de los encuestados cree que en Espaa, a la hora de aplicar la ley, se da un trato diferente dependiendo de quin sea la persona. Un 39,8 % respondi que la Justicia funciona mal; un 12,3 % que funciona muy mal; un 0,2 % opin que funciona muy bien,y un 12,5 % que funciona bien. Un 75,6 % de los encuestados opina que no se castigan suficientemente los delitos. Un 43,6 % afirma que la Justicia es lenta y no vale la pena pleitear.

La titular del Juzgado de 1 Instancia num.1 de Lrida ha negado la indemnizacin de 8 millones de pesetas que reclamaban los padres de un menor de 10 aos, con sndrome de Down, que muri ahogado en la pscina de un centro de disminuidos psquicos, al considerar que estos no haban demostrado ningn tipo de afecto hacia el pequeo. Seala el fallo que "la situacin econmica de los padres era muy precaria, pero esta circunstancia no impeda o no debi impedir el contacto y el inters por el menor, y no fue as, hasta el punto que en los ltimos aos no mantuvieron ningn contacto con l".

Casi Nada - WebZine- Indice enero 1998 - Indice General Temtico - Pginas CentralesLocalizacin original de este documento: http://www.iponet.es/casinada/19dgcu2.htm

[ Introduccin ][ Clasif. desde ptica social ][ Clasif por sus efectos ][ Conceptos bsicos ][ Por qu ilegales? ]

[ Una perspectiva global e integral ][ Responsables ][ Orientaciones: padres y educadores ][ Crear ambientes sanos ]

[ Realidad y percepcin ][ Falsos estereotipos ][ Prejuicios y realidades ][ Enfoques del problema ]

[ Situaciones de riesgo ][ Entornos que predisponen ][ Drogas: buscando definirlas ]

(cuadro II)

DROGAS CLASIFICADAS POR EFECTOS

POSIBLES EFECTOSPOSIBLES CONSECUENCIAS FISICAS

DROGAS ESTIMULANTES

CAFEDisminuye la somnolencia y la fatiga.Inquietud, agitacin, temblores, insomnio, problemas digestivos

Tabaco, nicotinaDesinhibicin, sensacin de calmaTrastornos pulmonares y circulatorios. Afecciones cardacas. Infartos y Cncer.

ANFETAMINASAlerta intensificada, hiperactividad, perdida del apetito, falta de sueo, taquicardia, locuacidadDilatacin pupilas, nerviosismo intenso, estado de alerta permanente, insomnio, escalofros, anorexia,

COCAINAExcitacin, acentuada desinhibicin, hiperactividad, perdida del apetito, ansiedad, aumento de la presin sangunea y pulsaciones del corazn,Desasosiego, agitacin , hipertensin, trastornos cardio-respiratorios, desnutricin, anemia. Hasta daos hepticos, renales y cerebrales

En embarazo, fetos defectuosos

DROGAS DEPRESORAS

ALCOHOLEuforia inicial. Desinhibicin, disminucin de la tensin. Embotamiento mala coordinacin, confusinTrastornos hepticos y de los nervios perifricos, dificultad para hablar, marcha inestable, amnesia, impotencia sexual, delirio.

BARBITURICOS, SEDANTESDepresin del sistema nervioso central. Tranquilidad, relajamiento.Irritabilidad, risa/llanto sin motivo, disminucin de la comprensin y de la memoria, depresin respiratoria, estado de coma.

OPIO, HERONA, METADONASensaciones exageradas a nivel fisico-emocional, ansiedad, disminucin de la razn, el entendimiento y la memoria, retardo psicomotorEstados de confusin general, convulsiones, alucinaciones , contracturas musculares, disminucin de la presin arterial

DROGAS ALUCINOGENAS

MARIHUANADiminuye la reaccin ante los estmulos y reduce los reflejos, desorientacin temporoespacial alucinaciones.Reduccin en el impulso sexual, dao en las funciones reproductoras, psicosis txica deterioro neurolgico.

LSDAlucinaciones, desorientacin temporoespacial flasback.Delirio, despersonalizacin, terror, pnico, trastornos en la visin hipertensin arterial, problemas respiratorios

Marcela C. HOURMILOUGUE

Localizacin original de este documento: http://www.iponet.es/casinada/19dgcu2.htm

Casi Nada - WebZine- Indice enero 1998 - Indice General Temtico - Pginas Centrales

I VITIMOLOGIA E LEI PENAL

1. A vitimologia ainda luta por um status cientfico autnomo.

Trata-se de uma doutrina centrada no estudo da vtima e surgiu entre penalistas, no esforo de encontrar em disciplinas no-normativas a explicao para o fenmeno criminal.

A rigor, no est a vitimologia limitada ao direito penal, alcanando todas as provncias do direito em que exista um sujeito passivo, em qualquer fato ou relao jurdica. o caso do acidentado, no direito infortunstico; do prejudicado, na relao de consumo ou na esfera da responsabilidade civil. Enfim, sempre que o fenmeno vitimolgico estiver presente, independente do ramo jurdico, deve ocorrer estudo especializado, com o instrumental terico que vem sendo aperfeioado no correr dos anos.

ELENA LARRAURI vai ainda mais longe:

A mulher est vitimada em casa (com o trabalho domstico) escreve a penalista de Barcelona no trabalho (salrios desiguais, maior dificuldade de contratao, menos promoo), na rua (o medo s agresses), em sua vida sexual (a importncia da reputao), na vida social (bela como uma mulher, preparada como um homem), (...).[4]

certo, porm, como se disse, que a vitimologia surgiu nos estudos penais, tendo por locus a relao delinqente-vtima.

2. Devemos recordar que a histria do Direito Penal foi marcada por duas

grandes escolas teorticas a Escola Clssica, de Francesco Carrara, e a Escola Positiva, de Cesare Lombroso.

Para os clssicos, a matria-prima do direito penal era o crime, como manifestao danosa convivncia social. Assentava-se a responsabilidade penal no livre-arbtrio, e a pena era legtima retribuio ao mal praticado.

Os positivistas criminolgicos, capitaneados por um psiquiatra-forense de Turim, e no por um jurista, optaram por outro enfoque. E colocaram no centro do direito penal o delinqente (no por acaso, a obra capital de Lombroso se chamou O Homem Delinqente).

Negavam os positivistas a liberdade humana, preferindo afirmar a responsabilidade social; no lugar da culpabilidade, como responsabilidade individual pelo agir ilcito, colocaram a periculosidade. E a pena, sob feio teraputica, passava condio de verdadeira medida de segurana, no mais com caractersticas retributivas, mas preventivas.

Seguiram-se escolas que ora privilegiavam o aspecto tcnico-normativo da cincia penal, ora retomavam o estudo do criminoso, propondo classificaes tipolgicas de infrator, at chegarmos poca atual, em que os especialistas manifestam profunda descrena no direito penal, como forma institucionalizada de controle social, a ponto de alguns deles proporem a prpria abolio do sistema penal, enquanto a populao, sugestionada pela mdia descomprometida com a racionalidade, confunde direito penal com represso pura e se atm funo simblica do direito penal, postulando exacerbao de penas e criminalizao crescente.

No s a opinio pblica, todavia, deposita confiana no direito penal, notando-se que algumas minorias postulam a utilizao da norma penal incriminadora como forma de conscientizar sobre as discriminaes sociais, normalmente ocultadas, e reprimir efetivamente os comportamentos ilcitos. Nesse rol se incluem militantes feministas, partidrias da mxima interveno penal, em benefcio da mulher.

3. O impacto do positivismo criminolgico foi intenso, e sob seu reinado

nasceu a criminologia (ttulo, alis, de uma das obras de GARFALO).

Na lio de HERMAN MANNHEIM, criminologia em sentido estrito significa o estudo do crime. No seu sentido mais lato inclui, tambm, a penologia, - o estudo da punio e dos mtodos similares do tratamento do crime e, por fim, o problema da preveno criminal atravs de medidas no-punitivas.[5]

Ao contrrio do direito penal, a criminologia no normativa. Limita-se a estudar fatos, causas e probabilidades, relativamente a casos concretos, sem estabelecer comandos para o comportamento humano. Portanto, a criminologia factual, descritiva.

Funciona como cincia auxiliar do direito penal. Alguns negam tal posio, dizendo que longe de ser um mero auxiliar do direito criminal, situa-se a um nvel superior[6]. Outros, negam-lhe autonomia, dizendo THORSTEN SELLIN, em 1950, que os criminlogos so reis sem reino, nada mais sendo do que socilogos, psiquiatras, juristas e assim sucessivamente, mas com o ttulo de honra de criminolgos.

Tradicionalmente, centrou-se a criminologia no estudo do delinqente, mantendo-se fiel s origens positivistas.

Por isso, quando em 1947 um advogado de Jerusalm, B. MENDELSOHN, proncunciou conferncia em Bucareste, sob o ttulo Um Horizonte Novo na Cincia Bio-psico-social: a Vitimologia - , o territrio criminolgico se ampliou.

Fala-se hoje, por exemplo, em uma criminologia feminista, e sabemos que as novas abordagens criminolgicas no se limitam etiologia da infrao penal, centrada no delinqente, mas est sintonizada com os novos paradigmas de abordagem do sistema penal, em que se incluem os processos de criminalizao e tambm de vitimizao.

Na tica multidisciplinar de MENDELSOHN, o estudo da vtima no se confinaria ao direito penal, alcanando tambm a psicologia e a psiquiatria. E a vitimologia iria alm de simples departamento da criminologia, erigindo-se condio de cincia autnoma, unida criminologia.

Por bvio, muitos autores examinaram o fenmeno criminal sob o ngulo da vtima, antes de MENDELSOHN, como o caso de HANS GROSS, em 1901, e SUTHERLAND, em 1937, abordando a credulidade da vtima, na fraude.

MOURA BITENCOURT, o primeiro sistematizador da matria no Brasil, lembra outros precursores, escrevendo:

FRANZ WERFEL (1920) pe em evidncia um trgico conflito entre pai e filho onde a vtima de assassinato torna-se responsvel por sua prpria morte; ROSNER compe (1936 a 1938) dois trabalhos sobre homicidas e suas relaes com suas vtimas, baseadas essas obras em estatsticas de condenaes na Alemanha, no curso dos anos de 1928 a 1933); GEORGES ROMANOS (1941) ocupa-se em particular das vtimas de atentados ao pudor.[7]

Permito-me observar que qualquer discusso sobre a paternidade da vitimologia, como rea especializada de estudos, pura perda de tempo. Afinal, desde sempre se discutiu o fenmeno vitimolgico na morte de Abel, infligida por Caim, e a obra de SHAKESPEARE est povoada de descries e anlises acerca da vitimizao: a leitura de HAMLET, ROMEU E JULIETA, OTELO e REI LEAR, entre outras, vale por mil tratados da nossa matria.[8]

Com o trabalho de MENDELSOHN (1947) temos a primeira sistematizao da vitimologia.[9]

A partir de suas pesquisas e propostas adquirimos valioso instrumental terico para a compreenso da criminalidade, a partir da relao delinqente-vtima. O Juiz, no caso concreto, tem melhores condies de analisar o fato e adequar a reprimenda culpabilidade do agente. Mais ainda: a vitimologia no fornece apenas diagnsticos, mas sugere formas de proteo vtima, no mbito individual e coletivo.

Embora a viso ambiciosa de seus cultores, no deve passar, contudo, de um departamento da disciplina mais ampla, que a criminologia.

4. Pessoalmente, embora no afaste a investigao do comportamento da

vtima, quando do exame do fato delituoso, mantenho cautelosa reserva acerca da utilizao da vitimologia na prtica forense.

que temi, sempre, essa acentuada tendncia a colocar na vtima parte da responsabilidade pelo crime por ela sofrido. MENDELSOHN popularizou uma classificao que deve ser tratada com extrema reserva:

1) Vtimas totalmente inocentes, as que no tm qualquer participao na produo do delito;

2) Vtimas menos culpadas que o criminoso, as provocadoras, imprudentes e ignorantes;

3) Vtimas to culpadas como o delinqente, as vtimas voluntrias dos crimes de encontro;

4) Vtimas mais culpadas que o delinqente, as que provocam o delito;

5) Vtimas totalmente culpveis, as agressoras, simuladoras e imaginrias.[10]

No clebre jri de DOCA STREET, em que houve desclassificao do

homicdio para excesso culposo de legtima defesa, o astuto EVANDRO LINS E SILVA trabalhou com a tese de vtima mais culpada que o delinqente, na medida em que o teria manipulado, como mero instrumento, para seus intentos suicidas (sic).[11]

E NELSON RODRIGUES, autor escatolgico e chovinista, capaz de cunhar uma das frases mais infames popularizadas neste pas Toda mulher gosta de apanhar. Alis, nem todas. S as normais. , inspirou-se claramente em razes vitimolgicas, na clebre exclamao: Perdoa-me por me traires, que CHICO BUARQUE perenizou em inspirada composio.[12]

Se remontarmos ao velho positivismo lombrosiano lembraremos de sua repulsa ao livre-arbtrio, razo pela qual preconizava a responsabilidade social. Diante da escala de MENDELSOHN seria o caso de perquirir sobre o livre-abrtrio... da vtima. Negado para o ru, contraditrio seria afirm-lo para quem sofre o delito...

MYRA Y LOPEZ, o conhecido psiquiatra espanhol que se exilou no Brasil, fugindo ditadura franquista, lembra-nos da importncia de outros fatores, que afastam a responsabilidade desencadeante da vtima, e sua lio sempre oportuna para que se evitem extremos no estudo vitimolgico.

Falava o mestre sobre os fatores dos quais depende a reao pessoal em um momento dado. E especificamente, recorria ao conceito de constelao:

Com este nome se designa a influncia que a vivncia ou experincia imediatamente antecedente exerce na determinao da resposta situao atual. evidente que um indivduo que sai de um concerto de msica ou acaba de ouvir um sermo religioso no se encontra em idntica disposio para distribuir bengaladas que quando acaba de ver uma luta de boxe ou uma partida de futebol. O estado de nimo anterior depende, como natural, no s de estmulos exteriores, como de estmulos interiores, e no somente de excitantes psquicos, mas tambm de excitantes fsicos; um fato provado, por exemplo, que as temperaturas extremas e os confinamentos excitam as pessoas. Se antes de discutir com B o agressor acabava de deixar sua noiva e ainda se encontrava submerso na ventura proporcionada pela entrevista, no reagir do mesmo modo caso se encontrasse meditando as conseqncias de ter sido despedido da repartio. A constelao tem, pois, um intenso valor na determinao da reao pessoal, e isso conhecido empiricamente pelas pessoas que perguntam que hora melhor para pedir um favor ou fazer uma visita...

Mas parece ser ignorado por no poucos juristas que dedicam pargrafos luminosos de seu relatrio na anlise do delito e da personalidade do delinqente, sem levar suficientemente em conta qual era sua atitude de reao imediatamente anterior.[13]

Sem esquecer das motivaes inconscientes, suscitadas por FREUD. Essa , sem dvida, a mais vulgarizada contribuio do autor vienense aos estudos criminolgicos. Em verdade, a nfase no papel do inconsciente, nos processos mentais, bem anterior elaborao freudiana da estrutura da personalidade, subdividida em ego, super-ego e id.

Permanentemente inconsciente, o id seria o territrio privilegiado do impessoal, primitivo e desorganizado. Na descrio de GLOVER, reservatrio hereditrio de exigncias instintivas e drsticas, na linha de fronteira entre o somtico e o psquico.[14] Submetido exclusivamente ao princpio do prazer, busca satisfao imediata.

J houve quem comparasse as trs camadas da personalidade a um outro trio: criminoso-sociedade-juiz, em que o cidado normal ocupa uma posio entre o primeiro e o terceiro,[15] no se perdendo de vista que o super-ego , parcialmente, uma instncia inconsciente. GLOVER, em As Razes do Crime, lembra que a conscincia consciente no representa o regulador principal do comportamento moral e tico. A moralidade e o comportamento social dependem, fundamentalmente, da atuao invisvel de cdigos inconscientes que foram incutidos durante o processo de educao. [16]

Certamente a sofisticada elaborao freudiana no pode se reduzir simplista afirmao de que o homem movido por motivaes inconscientes, at porque o fundador da psicanlise jamais defendeu tal tese.

Para os fins desta modesta exposio basta destacar que a cosmoviso de FREUD prope constante interao e conflito entre os trs setores da personalidade, estando o ego entre dois fogos, representados pelos hostis e incompatveis id e super-ego. O processo de represso do id, via sublimao, permitir maior ou menor equilbrio do indivduo, e o carter da cultura em que se vive tem decisiva importncia na quota e espcie de instintos a serem reprimidos.

Um dos conceitos-chave da interpretao psicanaltica do crime o do sentimento de culpa, como tambm os conceitos de ambivalncia, deslocamento, simbolismo e projeo. Lembra MANNHEIM que a projeo da culpa para outro grupo humano tem sido um modo expedito de lidar com o nosso prprio instinto de agresso ou com outros instintos anti-sociais.[17]

Nesse amplo quadro, em que poderiam ser convocadas tambm outras contribuies importantes, fcil perceber que a super-estimao da vtima muitas vezes ignora a diversidade de fatores desencadeantes do crime.[18] Pensemos no deslocamento presente na transferncia da hostilidade, de objetos infantis para pessoas atuais. Como atribuir vtima, presente, atual, concreta, responsabilidade por uma agresso movida por influncia de mecanismos de projeo ou deslocamento?

E quem ter o dom sobrenatural de distinguir o que imputvel vtima e o que lhe inteiramente alheio ?

5. No h negar a importncia da criminologia na implementao de novos

institutos penais e do processo. A idia de classificao dos criminosos, retomada dos positivistas, gerou uma tipologia legal que, no Brasil, ainda est presente no Cdigo Penal Militar, com as figuras do criminoso habitual e por tendncia, ao lado do tradicional reincidente. A Lei de Execuo Penal, por seu turno, consagra o exame criminolgico, idneo para a classificao do condenado e indispensvel para a progresso de regimes carcerrios.

A vitimologia, dentro do universo maior da criminologia, tem reduzida presena na lei penal brasileira.

Sua maior consagrao legislativa est no art. 59 do Cdigo Penal, com redao que remonta a 1984. Entre outras circunstncias judiciais que permitem a fixao da pena aplicvel, o art. 59 CP fala no comportamento da vtima, e a Exposio de Motivos esclarece:

Fez-se referncia expressa ao comportamento da vtima, erigida, muitas vezes, em fator crimingeno, por constituir-se em provocao ou estmulo conduta criminosa, como, entre outras modalidades, o pouco recato da vtima nos crimes contra os costumes.

Em outras raras passagens da lei penal encontraremos eco da vitimologia, como o caso do homicdio privilegiado pela violenta emoo, decorrente de provocao injusta da vtima (art. 121, 1, CP), ou a atentuante genrica de teor semelhante, que ser reconhecida diante de simples ato injusto da vtima, capaz de produzir no agente violenta emoo (art. 65, III, c, CP).

De forma indireta, a condio pessoal da vtima condiciona a incidncia da norma penal, nos dispositivos voltados tutela dos costumes sexuais, em que se protege exclusivamente a mulher honesta. Se a no-honesta est impedida de se apresentar como vtima de posse sexual mediante fraude ou de rapto violento, conclui-se que sempre estar em condies de escapar ao do delinqente, e portanto a posse ou o rapto resultaro de seu consentimento.

NELSON HUNGRIA, principal autor do Cdigo Penal brasileiro, e seu mais importante comentador, dizia que a proteo penal da liberdade sexual contra a fraude deixa de beneficiar a mulher desonesta, no porque esta haja decado do direito de livre disposio do prprio corpo (pois, de outro modo, no se compreenderia que pudesse ser sujeito passivo do crime de estupro), mas porque, em tal caso, o coito fraudulento no tem relevo suficiente para ingressar na esfera da ilicitude penal. O legislador, aqui, absteve-se, como o pretor romano, de cuidar de minimis.[19]

Obviamente, o mesmo argumento no serve para descriminalizar o rapto violento da mulher no-honesta, pois no se trata de fato bagatelar.[20]

Aqui, HUNGRIA busca apoio nos prticos da Idade Mdia:

Ainda que para fim libidinoso, a abductio ou retentio de uma meretriz ou mulher libertina no constitui rapto, mas crime contra a liberdade (crcere privado, seqestro). Este critrio de deciso remonta aos prticos: Rapiens meretricem raptus poena non tenetur (Farincio).[21]

Essa discriminao importa em punir o raptor da mulher honesta com pena de 2 a 4 anos, alm da pena relativa a outro crime de que seja vtima a raptada.

J o seqestrador da no-honesta sujeitar-se-, apenas, a recluso de 1 a 4 anos (seqestro, art. 148 CP), alm da pena por outro crime eventualmente praticado.

A vtima tambm considerada, para agravar a pena do delinqente, tendo em vista sua debilidade fsica ou maior risco de dano: o caso de crimes cometidos contra criana, velho, enfermo ou mulher grvida (art. 61, II, h, CP).

Uma das mais antigas discusses penais, de vis vitimolgico, relativa chamada fraude bilateral (ou torpeza bilateral).

Trata-se de golpes conhecidos como conto do vigrio ou conto do pacote, em que a vtima, maliciosamente, tenta obter vantagem, em prejuzo do estelionatrio. Na doutrina duas correntes se entrechocam, sustentando os puristas que o direito penal no pode proteger condutas ditadas pelo fim ilcito ou imoral. Prepondera, contudo, o entendimento oposto, em prol da condenao do estelionatrio, j que a mera motivao torpe da vtima no transforma a situao imaginria em verdadeira, e a entrega da vantagem econmica ao agente sempre feita em boa f, pela vtima.

um dos casos-limite da chamada dupla-penal.

A esto alguns reflexos da vitimologia na lei penal.

Mas o direito penal ultrapassa os limites da lei. Primeiro ao selecionar o legislador as condutas que pretende tipificar; depois, quando o Juiz d aplicao norma, a partir dos fatos. Uns e outros manejam o instrumental vitimolgico.

A reflexo epistemolgica acerca da Vitimologia acompanha a crtica feita ao racionalismo positivista que permeia o Direito Penal ptrio que tenta, de certo modo, fazer reviver dentro desse racionalismo a tradio empirista.

O estudo reflexivo da Vitimologia se ope a um mtodo iminentemente racionalista e positivista recuperando, desta forma, uma categoria de revalorizao do sensvel frente ao racional.

Assim, a Vitimologia se situa no entrecruzamento desses dois caminhos: no pode ser considerado nem um racionalista no sentido positivista, nem um empirista no sentido clssico do empirismo ingls.

exatamente a que se situa a originalidade epistemolgica desta nova reflexo sob o Direito Criminal. Quem quiser estudar teoria do conhecimento em Mendelson, deve levar em conta o fato de que ele procurou manter as exigncias do racionalismo dentro de uma revalorizao do emprico, que lhe parecia essencial para o seu propsito, no s de pensador, mas, sobretudo, de homem de ao e de reformador social.

Enquanto confluncia das duas tradies, a epistemologia de Mendelson encontrou um terreno privilegiado na temtica da prxis, vir a ser, do conhecimento como articulado dialeticamente prtica.

O tema da prxis ser, como em Marx, o ponto de encontro das tradies racionalista e empirista. O conhecimento, na perspectiva marxiana, est ligado ao fazer, ou relao fundamental do homem com a natureza, que se exprime no ato de produzir. E justamente enquanto ser produtor que o homem tambm ser cognoscente.

Por outro lado, a vertente da prxis conduz o pensamento, no campo da gnosiologia, a acentuar a dimenso social do sujeito do conhecimento. Com efeito, se a prxis produo e o ato de produzir , indissoluvelmente, relao com o objeto produzido e relao social de troca e consumo, o sujeito da produo e, portanto, do conhecimento, , primigeniamente, social.

03 - Concluso

Lachaud, eminente advogado francs, numa das suas clssicas peroraes afirmou: - Nem tudo est na vtima; preciso que caia um pouco de piedade na figura do ru.

A frase do famoso jurista uma espcie de premonio a lanar as bases para um estudo mais acurado acerca do papel da vtima na consecuo de um delito.

Sintomtico o surgimento da Vitimologia enquanto cincia, com mtodo e objeto prprios, cincia do devir cujo limiar reflexo do maior genocdio da humanidade: o holocausto judeu.

Na atual conjuntura mundial, sob o signo da globalizao e da concretizao da denominada sociedade ps-moderna, mais do que nunca se faz imperioso o estudo da vitimologia, sobretudo quando a violncia um fenmeno endmico e mundial a desafiar a eficincia de um Estado falido.

Dessas reflexes dessumimos que a complexificao da sociabilidade acabou por desbordar em crises sem precedentes - do capitalismo e do socialismo real, o que redunda numa entificao da contemporaneidade tecida e involucrada por um crise global e universal, que submete a generalidade da latitudes e longitudes - geogrficas e ideolgicas.

Quase a um s tempo, por roteiros diversos, porm conexos, os dois sistemas mundiais ultrapassaram os limites da possibilidade para prosseguir velando com credibilidade seus impasses, e tem estreitadas as condies para continuar com resultados estveis os jogos de dilao e deslocamento de suas contradies especficas.

Postos em crise indisfarvel, exibem

VTIMA, DIREITO PENAL E CIDADANIA Llio Braga Calhau

Um ponto que chama a ateno no sistema criminal brasileiro, de forma negativa, o desamparo que as vtimas recebem da mquina estatal e da sociedade civil quando da ocorrncia de fatos delituosos. Uma vtima criminal um indivduo, famlia ou amigo que sofre ou foi agredida de alguma forma por uma infrao criminal praticada por um agente.

Ao contrrio do racional, que seria o fim do sofrimento ou amenizao da situao em face da ao do sistema repressivo estatal, a vtima sofre danos psquicos, fsicos, sociais e econmicos adicionais, em consequncia da reao formal e informal derivada do fato. No so poucos os autores que afirmam que essa reao traz mais danos efetivos vtima do que o prejuzo derivado do crime praticado anteriormente.

Ral Cervini, in "Os Processos de Descriminalizao", Editora RT, So Paulo, 1995, p. 232, chama esse fenmeno de "sobrevitimizao do processo penal" ou "vitimizao secundria", quer dizer o dano adicional que causa a prpria mecnica da justia penal formal em seu funcionamento.

Se de um lado a vtima no recebe ateno nenhuma do sistema penal ora vigente, com a nica exceo do Juizado Especial Criminal, por outro, a prpria sociedade no se preocupa em ampar-la, chegando muitas vezes a incentiv-la a manter-se no anonimato, contribuindo dessa forma para o aparecimento da malsinada "cifra negra", o grupo formado pela quantidade considervel de crimes que no chegam ao conhecimento do sistema penal.

Luiz Flvio Gomes, in "Criminologia Introduo a seus Fundamentos Tericos", 2 Edio, So Paulo, RT, 1997, p. 468, d a lio cristalina: "No modelo clssico de Justia Criminal a vtima foi neutralizada; seu marco de expectativas muito pobre; a reparao dos danos no prioridade, seno a imposio do "castigo"".

Agravando essa situao, o nosso sistema penal no traz ainda nenhuma forma de amenizar o seu transtorno durante qualquer fase do processo punitivo. A situao desumana das vtimas uma verdadeira "via crucis" criminal que a aflige.

Ela sofre com o crime, destratada com o atendimento, muitas vezes em pssimas condies realizado nas Delegacias de Polcia. Submete-se ao constrangedor comparecimento ao Poder Judicirio na fase processual, na quase totalidade das vezes, desacompanhada de um advogado ou de qualquer pessoa. Encontra, ainda, pelos corredores do frum, o acusado, temerosa de uma futura represlia que possa lhe acontecer, caso preste corretamente o seu depoimento.

Somamos a essa situao a aflio e as dvidas por no ter conhecimento do andamento do processo criminal em que est envolvida, se existe uma possibilidade efetiva ou no de ter seu dano reparado algum dia.

Iniciativa de grande importncia foi o "Ato Vtimas de Crime" (VOCA), de 1984 que instituiu um Fundo para as vtimas de crimes, no Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, alm da criao, pelo Departamento de Justia dos Estados Unidos da Amrica, da agncia OVC (Office for Victms of Crime) para supervisionar diversos programas que beneficiam as vtimas de crimes.

A OVC fornece fundos para a assistncia da vitima , programas de compensao e tambm d suporte no treinamentos para educao na justia criminal outros profissionais. Todo ano, milhes de dlares so depositados no Fundo de Assistncia das Vtimas (VOCA), oriundos de diversas rendas ligadas, inclusive, aos diversos programas da justia criminal

Ainda existem programas de compensao s vtimas dos crimes administrados por todos os Estados da Federao norte americana. Esses programas proporcionam assistncia financeira s vtimas de crimes de ordem federal e estadual. O tpico programa de compensao estadual requer que as vtimas se reportem dos crimes em 3 dias e reivindiquem indenizao dentro de um perodo fixo de tempo, normalmente dois anos. A maior parte dos estados da Federao pode estender esses limites para casos necessrios

A assistncia s vtimas inclui, mas no de forma limitada, os seguintes servios: interveno nas situaes de crises, consultas, abrigos de emergncia, advocacia na justia criminal, transporte de emergncia. Por toda a nao existem aproximadamente 10.000 organizaes que proporcionam auxlios desses e de outros tipos para as vtimas de crimes. Cerca de 2.800 dessas instituies recebem alguma contribuio dos fundos VOCA.

Esse tipo de iniciativa demonstra , claramente, que os Estados Unidos se conscientizaram que a vtima, como cidad, deve ser, da mesma forma, assistida pelo Estado que possui o seu aparato para a defesa do Direito ( Ministrio Pblico, Polcia etc ) quando da ocorrncia de um crime.

Iniciativas de menor tamanho, mas em nmero razovel, existem ainda em outros pases, demonstrando uma crescente conscientizao global a favor da vtima dos crimes. Vale lembrar que a proteo da vtima encontra razes no Cdigo de Hammurabi (1750 AC).

Infelizmente, no Brasil, no existe uma cultura prpria de estudo da justia criminal e tampouco da vtima criminal. O problema deixado sempre para o Estado. No existe uma discusso sria pela sociedade civil. As medidas criminais, muitas vezes, vo de encontro aos reais interesses da sociedade. Medidas de necessidade social no so sequer estudadas. Existe um certo sentimento de fuga da populao quanto a isso. No se discuti o problema. Supe-se que o mesmo no exista.

Dentro desses acontecimentos fica uma advertncia de extrema importncia: em termos de Direito Brasileiro, temos de equacionar nossos problemas respeitando sempre a dignidade da pessoa humana, fundamento da Repblica Brasileira, na forma do artigo 1, III, da Constituio Federal.

Podemos comprovar a situao de desprestgio da vtima, como cidad, numa interpretao sistemtica da Constituio Federal, pois se sobre o acusado temos vrias referncias direitos e garantias fundamentais ( art. 5o, CF ), por outro lado, no encontramos protees vtima nesse terreno.

Muito, uma referncia uma hipottica lei no Ato de Disposies Constitucionais Transitrias, art. 245, que dispor sobre as hipteses e condies em que o Poder Pblico dar assistncia aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso, sem prejuzo da responsabilidade civil do autor do ilcito.

A norma programtica acima ( de aplicao futura duvidosa ) traz sria injustia por no proteger as vtimas de crimes culposos, deixando-as desamparadas pelo Poder Pblico. A fim de se coibir tal injustia material deve ser includa a proteo das vtimas de crimes culposos nas mesmas condies acima referidas.

No existe cidadania se no proporcionada vtima o mesmo "tratamento assistencial" que o Estado recebe quando da prtica de um crime, pois a vtima, como cidad, o elemento estrutural do Estado Democrtico de Direito.

Llio Braga CalhauProfessor de Direito Penal I da FADIVALE Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce(MG), Ps-graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal. Mestrando em Direito do Estado e da Cidadania pela Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro. Presidente da Associao Mineira de Estudos da Justia Criminal.

VITIMOLOGIA : tal vocbulo, segundo Piedade Jr. (1993: p, 78) que deriva do latim victima e da raiz grega logos, foi, pela primeira vez, segundo se afirma, empregado por Benjamin Mendelson, em 1947.

Mendelson, em seus estudos, limita a Vitimologia investigao das vtimas de crimes, ao invs do estudo de todas as vtimas. No entanto ...

...devemos compreender que os limites da Vitimologia devem estabelecer-se em relao ao interesse da sociedade nos problemas das vtimas. Portanto, repetimos, que todos os determinantes da vtima, tais como: a superpopulao, a ao da lei, o ndice de natalidade, a desnutrio, as enfermidades episdicas (intimamente ligadas alimentao e s perdas materiais), a contaminao etc., todos esses determinantes pertencem ao campo da Vitimologia, disciplina que gradualmente firmar seu lugar na cincia (Mendelson, apud Piedade Jr., op. cit. p.81).

1.HISTRICO

A vitimologia surge a partir de 1947, logo aps a II Guerra Mundial, com a finalidade de estudar amplamente em todos os seus aspectos, a relao vtima-criminoso no fenmeno da criminalidade. A vtima um dos contextos criminal, que antes das outras cincias em especial a criminologia virem em auxlio do Direito Penal para anlise aprofundada do crime, do criminoso e da pena, no era levado em considerao.

O ano de 1947 pode ser considerado como fundamental para a nova cincia, so considerados seus fundadores Benjamim Mendelsohn, na Romnia o primeiro a utilizar-se ou a cunhar a expresso "Vitimologia" Hans Von Hentig criminologista alemo que estava exilado nos Estados Unidos e cujo livro "The Criminal and His Victim" (1948) considerado como o fundamental do perodo inicial da Vitimologia.

A nova disciplina desenvolveu-se rapidamente, existindo j uma copiosa literatura a respeito, tendo sido realizados congressos ou simpsios internacionais sobre Vitimologia, como os de Jerusakem, de 1973, de Boston, de 1976, de Bellagio (Itlia) em 1975, de Munster (Alemanha), 1979.

Mendelsohn conceitua a Vitimologia como "a cincia que procura estudar a personalidade da vtima sob os pontos de vista psicolgico e sociolgico na busca do diagnstico e da teraputica do crime e da proteo individual e geral da vtima". Surge, assim, a vtima como personagem to importante como o delinqente no fato delituoso e no simplesmente ou formalmente como ofendido ou sujeito passivo de crime porm como algo necessrio a estrutura do delito, como igualmente causadora provocadora ou colaboradora da conduta criminosa.

O estudo da personalidade da vtima tem de ser to completo ou profundo como o da personalidade do delinqente abrangendo os seus planos ou aspectos biolgicos, psicolgicos e sociolgicos, no plano de sua individualidade e de sua relao com o mundo circundante em todos os seus setores.

2. CLASSIFICAO DAS VTIMAS

Vrios autores sustentam que a vtima nem sempre uma pessoa, podendo ser um ente coletivo, at uma raa inteira ou uma nao, como, por exemplo, no delito de genocdio.

Em uma classificao bem ampla, geral descritiva distinguiramos as vtimas em:

Vtimas-natas indica-se como exemplo o indivduo masoquista;

Vtimas potenciais as personalidades insuportveis, criadoras de casos e que levam ao desespero aqueles com quem convivem;

Vtimas inocentes (as verdadeiramente ou realmente vtimas) aquelas que distinguiramos as de si prprias;

Vtimas provocadoras - deveras importante a sua anlise no fenmeno da execuo ou realizao do delito, resultando como vtima devido ao de algum que ela prpria originou, provocou, causou, como que obrigando algum ou o agente do delito a atuar contra a pessoa;

Vtimas falsas com duas espcies: as simuladoras e as imaginrias;

As Vtimas Simuladoras aquelas que esto conscientes de que no foi vtima de delito algum, do indivduo a quem acusa, porem age geralmente por razes de vingana ou buscando obter alguma vantagem material ou no.

As Vtimas Imaginrias geralmente inconsciente de sua acusao, podendo apresentar alguma forma de anormalidade ou deficincia psquica, mental, como nos casos de personalidades histricas, paranicas, retardadas, etc. Pensam, imaginam ou esto mesmo certas de que sofrem realmente a ao criminosa.

Vtimas indiscriminadas - compreende todas as vtimas que so passveis de sofrerem, genericamente ou indiretamente, todas as espcies de agresses ou atentados na sociedade atual;

Vtimas voluntrias concretamente existem, como nas hipteses do denominado homicdio eutansico e no par suicida ou suicdio a dois.

I VITIMOLOGIA E LEI PENAL

1. A vitimologia ainda luta por um status cientfico autnomo.

Trata-se de uma doutrina centrada no estudo da vtima e surgiu entre penalistas, no esforo de encontrar em disciplinas no-normativas a explicao para o fenmeno criminal.

A rigor, no est a vitimologia limitada ao direito penal, alcanando todas as provncias do direito em que exista um sujeito passivo, em qualquer fato ou relao jurdica. o caso do acidentado, no direito infortunstico; do prejudicado, na relao de consumo ou na esfera da responsabilidade civil. Enfim, sempre que o fenmeno vitimolgico estiver presente, independente do ramo jurdico, deve ocorrer estudo especializado, com o instrumental terico que vem sendo aperfeioado no correr dos anos.

ELENA LARRAURI vai ainda mais longe:

A mulher est vitimada em casa (com o trabalho domstico) escreve a penalista de Barcelona no trabalho (salrios desiguais, maior dificuldade de contratao, menos promoo), na rua (o medo s agresses), em sua vida sexual (a importncia da reputao), na vida social (bela como uma mulher, preparada como um homem), (...).

certo, porm, como se disse, que a vitimologia surgiu nos estudos penais, tendo por locus a relao delinqente-vtima.

2. Devemos recordar que a histria do Direito Penal foi marcada por duas

grandes escolas teorticas a Escola Clssica, de Francesco Carrara, e a Escola Positiva, de Cesare Lombroso.

Para os clssicos, a matria-prima do direito penal era o crime, como manifestao danosa convivncia social. Assentava-se a responsabilidade penal no livre-arbtrio, e a pena era legtima retribuio ao mal praticado.

Os positivistas criminolgicos, capitaneados por um psiquiatra-forense de Turim, e no por um jurista, optaram por outro enfoque. E colocaram no centro do direito penal o delinqente (no por acaso, a obra capital de Lombroso se chamou O Homem Delinqente).

Negavam os positivistas a liberdade humana, preferindo afirmar a responsabilidade social; no lugar da culpabilidade, como responsabilidade individual pelo agir ilcito, colocaram a periculosidade. E a pena, sob feio teraputica, passava condio de verdadeira medida de segurana, no mais com caractersticas retributivas, mas preventivas.

Seguiram-se escolas que ora privilegiavam o aspecto tcnico-normativo da cincia penal, ora retomavam o estudo do criminoso, propondo classificaes tipolgicas de infrator, at chegarmos poca atual, em que os especialistas manifestam profunda descrena no direito penal, como forma institucionalizada de controle social, a ponto de alguns deles proporem a prpria abolio do sistema penal, enquanto a populao, sugestionada pela mdia descomprometida com a racionalidade, confunde direito penal com represso pura e se atm funo simblica do direito penal, postulando exacerbao de penas e criminalizao crescente.

No s a opinio pblica, todavia, deposita confiana no direito penal, notando-se que algumas minorias postulam a utilizao da norma penal incriminadora como forma de conscientizar sobre as discriminaes sociais, normalmente ocultadas, e reprimir efetivamente os comportamentos ilcitos. Nesse rol se incluem militantes feministas, partidrias da mxima interveno penal, em benefcio da mulher.

3. O impacto do positivismo criminolgico foi intenso, e sob seu reinado

nasceu a criminologia (ttulo, alis, de uma das obras de GARFALO).

Na lio de HERMAN MANNHEIM, criminologia em sentido estrito significa o estudo do crime. No seu sentido mais lato inclui, tambm, a penologia, - o estudo da punio e dos mtodos similares do tratamento do crime e, por fim, o problema da preveno criminal atravs de medidas no-punitivas.

Ao contrrio do direito penal, a criminologia no normativa. Limita-se a estudar fatos, causas e probabilidades, relativamente a casos concretos, sem estabelecer comandos para o comportamento humano. Portanto, a criminologia factual, descritiva.

Funciona como cincia auxiliar do direito penal. Alguns negam tal posio, dizendo que longe de ser um mero auxiliar do direito criminal, situa-se a um nvel superior. Outros, negam-lhe autonomia, dizendo THORSTEN SELLIN, em 1950, que os criminlogos so reis sem reino, nada mais sendo do que socilogos, psiquiatras, juristas e assim sucessivamente, mas com o ttulo de honra de criminolgos.

Tradicionalmente, centrou-se a criminologia no estudo do delinqente, mantendo-se fiel s origens positivistas.

Por isso, quando em 1947 um advogado de Jerusalm, B. MENDELSOHN, proncunciou conferncia em Bucareste, sob o ttulo Um Horizonte Novo na Cincia Bio-psico-social: a Vitimologia - , o territrio criminolgico se ampliou.

Fala-se hoje, por exemplo, em uma criminologia feminista, e sabemos que as novas abordagens criminolgicas no se limitam etiologia da infrao penal, centrada no delinqente, mas est sintonizada com os novos paradigmas de abordagem do sistema penal, em que se incluem os processos de criminalizao e tambm de vitimizao.

Na tica multidisciplinar de MENDELSOHN, o estudo da vtima no se confinaria ao direito penal, alcanando tambm a psicologia e a psiquiatria. E a vitimologia iria alm de simples departamento da criminologia, erigindo-se condio de cincia autnoma, unida criminologia.

Por bvio, muitos autores examinaram o fenmeno criminal sob o ngulo da vtima, antes de MENDELSOHN, como o caso de HANS GROSS, em 1901, e SUTHERLAND, em 1937, abordando a credulidade da vtima, na fraude.

MOURA BITENCOURT, o primeiro sistematizador da matria no Brasil, lembra outros precursores, escrevendo:

FRANZ WERFEL (1920) pe em evidncia um trgico conflito entre pai e filho onde a vtima de assassinato torna-se responsvel por sua prpria morte; ROSNER compe (1936 a 1938) dois trabalhos sobre homicidas e suas relaes com suas vtimas, baseadas essas obras em estatsticas de condenaes na Alemanha, no curso dos anos de 1928 a 1933); GEORGES ROMANOS (1941) ocupa-se em particular das vtimas de atentados ao pudor.

Permito-me observar que qualquer discusso sobre a paternidade da vitimologia, como rea especializada de estudos, pura perda de tempo. Afinal, desde sempre se discutiu o fenmeno vitimolgico na morte de Abel, infligida por Caim, e a obra de SHAKESPEARE est povoada de descries e anlises acerca da vitimizao: a leitura de HAMLET, ROMEU E JULIETA, OTELO e REI LEAR, entre outras, vale por mil tratados da nossa matria.

Com o trabalho de MENDELSOHN (1947) temos a primeira sistematizao da vitimologia.

A partir de suas pesquisas e propostas adquirimos valioso instrumental terico para a compreenso da criminalidade, a partir da relao delinqente-vtima. O Juiz, no caso concreto, tem melhores condies de analisar o fato e adequar a reprimenda culpabilidade do agente. Mais ainda: a vitimologia no fornece apenas diagnsticos, mas sugere formas de proteo vtima, no mbito individual e coletivo.

Embora a viso ambiciosa de seus cultores, no deve passar, contudo, de um departamento da disciplina mais ampla, que a criminologia.

4. Pessoalmente, embora no afaste a investigao do comportamento da

vtima, quando do exame do fato delituoso, mantenho cautelosa reserva acerca da utilizao da vitimologia na prtica forense.

que temi, sempre, essa acentuada tendncia a colocar na vtima parte da responsabilidade pelo crime por ela sofrido. MENDELSOHN popularizou uma classificao que deve ser tratada com extrema reserva:

1) Vtimas totalmente inocentes, as que no tm qualquer participao na produo do delito;

2) Vtimas menos culpadas que o criminoso, as provocadoras, imprudentes e ignorantes;

3) Vtimas to culpadas como o delinqente, as vtimas voluntrias dos crimes de encontro;

4) Vtimas mais culpadas que o delinqente, as que provocam o delito;

5) Vtimas totalmente culpveis, as agressoras, simuladoras e imaginrias.

No clebre jri de DOCA STREET, em que houve desclassificao do

homicdio para excesso culposo de legtima defesa, o astuto EVANDRO LINS E SILVA trabalhou com a tese de vtima mais culpada que o delinqente, na medida em que o teria manipulado, como mero instrumento, para seus intentos suicidas (sic).

E NELSON RODRIGUES, autor escatolgico e chovinista, capaz de cunhar uma das frases mais infames popularizadas neste pas Toda mulher gosta de apanhar. Alis, nem todas. S as normais. , inspirou-se claramente em razes vitimolgicas, na clebre exclamao: Perdoa-me por me traires, que CHICO BUARQUE perenizou em inspirada composio.

Se remontarmos ao velho positivismo lombrosiano lembraremos de sua repulsa ao livre-arbtrio, razo pela qual preconizava a responsabilidade social. Diante da escala de MENDELSOHN seria o caso de perquirir sobre o livre-abrtrio... da vtima. Negado para o ru, contraditrio seria afirm-lo para quem sofre o delito...

MYRA Y LOPEZ, o conhecido psiquiatra espanhol que se exilou no Brasil, fugindo ditadura franquista, lembra-nos da importncia de outros fatores, que afastam a responsabilidade desencadeante da vtima, e sua lio sempre oportuna para que se evitem extremos no estudo vitimolgico.

Falava o mestre sobre os fatores dos quais depende a reao pessoal em um momento dado. E especificamente, recorria ao conceito de constelao:

Com este nome se designa a influncia que a vivncia ou experincia imediatamente antecedente exerce na determinao da resposta situao atual. evidente que um indivduo que sai de um concerto de msica ou acaba de ouvir um sermo religioso no se encontra em idntica disposio para distribuir bengaladas que quando acaba de ver uma luta de boxe ou uma partida de futebol. O estado de nimo anterior depende, como natural, no s de estmulos exteriores, como de estmulos interiores, e no somente de excitantes psquicos, mas tambm de excitantes fsicos; um fato provado, por exemplo, que as temperaturas extremas e os confinamentos excitam as pessoas. Se antes de discutir com B o agressor acabava de deixar sua noiva e ainda se encontrava submerso na ventura proporcionada pela entrevista, no reagir do mesmo modo caso se encontrasse meditando as conseqncias de ter sido despedido da repartio. A constelao tem, pois, um intenso valor na determinao da reao pessoal, e isso conhecido empiricamente pelas pessoas que perguntam que hora melhor para pedir um favor ou fazer uma visita...

Mas parece ser ignorado por no poucos juristas que dedicam pargrafos luminosos de seu relatrio na anlise do delito e da personalidade do delinqente, sem levar suficientemente em conta qual era sua atitude de reao imediatamente anterior.

Sem esquecer das motivaes inconscientes, suscitadas por FREUD. Essa , sem dvida, a mais vulgarizada contribuio do autor vienense aos estudos criminolgicos. Em verdade, a nfase no papel do inconsciente, nos processos mentais, bem anterior elaborao freudiana da estrutura da personalidade, subdividida em ego, super-ego e id.

Permanentemente inconsciente, o id seria o territrio privilegiado do impessoal, primitivo e desorganizado. Na descrio de GLOVER, reservatrio hereditrio de exigncias instintivas e drsticas, na linha de fronteira entre o somtico e o psquico. Submetido exclusivamente ao princpio do prazer, busca satisfao imediata.

J houve quem comparasse as trs camadas da personalidade a um outro trio: criminoso-sociedade-juiz, em que o cidado normal ocupa uma posio entre o primeiro e o terceiro, no se perdendo de vista que o super-ego , parcialmente, uma instncia inconsciente. GLOVER, em As Razes do Crime, lembra que a conscincia consciente no representa o regulador principal do comportamento moral e tico. A moralidade e o comportamento social dependem, fundamentalmente, da atuao invisvel de cdigos inconscientes que foram incutidos durante o processo de educao.

Certamente a sofisticada elaborao freudiana no pode se reduzir simplista afirmao de que o homem movido por motivaes inconscientes, at porque o fundador da psicanlise jamais defendeu tal tese.

Para os fins desta modesta exposio basta destacar que a cosmoviso de FREUD prope constante interao e conflito entre os trs setores da personalidade, estando o ego entre dois fogos, representados pelos hostis e incompatveis id e super-ego. O processo de represso do id, via sublimao, permitir maior ou menor equilbrio do indivduo, e o carter da cultura em que se vive tem decisiva importncia na quota e espcie de instintos a serem reprimidos.

Um dos conceitos-chave da interpretao psicanaltica do crime o do sentimento de culpa, como tambm os conceitos de ambivalncia, deslocamento, simbolismo e projeo. Lembra MANNHEIM que a projeo da culpa para outro grupo humano tem sido um modo expedito de lidar com o nosso prprio instinto de agresso ou com outros instintos anti-sociais.

Nesse amplo quadro, em que poderiam ser convocadas tambm outras contribuies importantes, fcil perceber que a super-estimao da vtima muitas vezes ignora a diversidade de fatores desencadeantes do crime. Pensemos no deslocamento presente na transferncia da hostilidade, de objetos infantis para pessoas atuais. Como atribuir vtima, presente, atual, concreta, responsabilidade por uma agresso movida por influncia de mecanismos de projeo ou deslocamento?

E quem ter o dom sobrenatural de distinguir o que imputvel vtima e o que lhe inteiramente alheio ?

5. No h negar a importncia da criminologia na implementao de novos

institutos penais e do processo. A idia de classificao dos criminosos, retomada dos positivistas, gerou uma tipologia legal que, no Brasil, ainda est presente no Cdigo Penal Militar, com as figuras do criminoso habitual e por tendncia, ao lado do tradicional reincidente. A Lei de Execuo Penal, por seu turno, consagra o exame criminolgico, idneo para a classificao do condenado e indispensvel para a progresso de regimes carcerrios.

A vitimologia, dentro do universo maior da criminologia, tem reduzida presena na lei penal brasileira.

Sua maior consagrao legislativa est no art. 59 do Cdigo Penal, com redao que remonta a 1984. Entre outras circunstncias judiciais que permitem a fixao da pena aplicvel, o art. 59 CP fala no comportamento da vtima, e a Exposio de Motivos esclarece:

Fez-se referncia expressa ao comportamento da vtima, erigida, muitas vezes, em fator crimingeno, por constituir-se em provocao ou estmulo conduta criminosa, como, entre outras modalidades, o pouco recato da vtima nos crimes contra os costumes.

Em outras raras passagens da lei penal encontraremos eco da vitimologia, como o caso do homicdio privilegiado pela violenta emoo, decorrente de provocao injusta da vtima (art. 121, 1, CP), ou a atentuante genrica de teor semelhante, que ser reconhecida diante de simples ato injusto da vtima, capaz de produzir no agente violenta emoo (art. 65, III, c, CP).

De forma indireta, a condio pessoal da vtima condiciona a incidncia da norma penal, nos dispositivos voltados tutela dos costumes sexuais, em que se protege exclusivamente a mulher honesta. Se a no-honesta est impedida de se apresentar como vtima de posse sexual mediante fraude ou de rapto violento, conclui-se que sempre estar em condies de escapar ao do delinqente, e portanto a posse ou o rapto resultaro de seu consentimento.

NELSON HUNGRIA, principal autor do Cdigo Penal brasileiro, e seu mais importante comentador, dizia que a proteo penal da liberdade sexual contra a fraude deixa de beneficiar a mulher desonesta, no porque esta haja decado do direito de livre disposio do prprio corpo (pois, de outro modo, no se compreenderia que pudesse ser sujeito passivo do crime de estupro), mas porque, em tal caso, o coito fraudulento no tem relevo suficiente para ingressar na esfera da ilicitude penal. O legislador, aqui, absteve-se, como o pretor romano, de cuidar de minimis.

Obviamente, o mesmo argumento no serve para descriminalizar o rapto violento da mulher no-honesta, pois no se trata de fato bagatelar.

Aqui, HUNGRIA busca apoio nos prticos da Idade Mdia:

Ainda que para fim libidinoso, a abductio ou retentio de uma meretriz ou mulher libertina no constitui rapto, mas crime contra a liberdade (crcere privado, seqestro). Este critrio de deciso remonta aos prticos: Rapiens meretricem raptus poena non tenetur (Farincio).

Essa discriminao importa em punir o raptor da mulher honesta com pena de 2 a 4 anos, alm da pena relativa a outro crime de que seja vtima a raptada.

J o seqestrador da no-honesta sujeitar-se-, apenas, a recluso de 1 a 4 anos (seqestro, art. 148 CP), alm da pena por outro crime eventualmente praticado.

A vtima tambm considerada, para agravar a pena do delinqente, tendo em vista sua debilidade fsica ou maior risco de dano: o caso de crimes cometidos contra criana, velho, enfermo ou mulher grvida (art. 61, II, h, CP).

Uma das mais antigas discusses penais, de vis vitimolgico, relativa chamada fraude bilateral (ou torpeza bilateral).

Trata-se de golpes conhecidos como conto do vigrio ou conto do pacote, em que a vtima, maliciosamente, tenta obter vantagem, em prejuzo do estelionatrio. Na doutrina duas correntes se entrechocam, sustentando os puristas que o direito penal no pode proteger condutas ditadas pelo fim ilcito ou imoral. Prepondera, contudo, o entendimento oposto, em prol da condenao do estelionatrio, j que a mera motivao torpe da vtima no transforma a situao imaginria em verdadeira, e a entrega da vantagem econmica ao agente sempre feita em boa f, pela vtima.

um dos casos-limite da chamada dupla-penal.

A esto alguns reflexos da vitimologia na lei penal.

Mas o direito penal ultrapassa os limites da lei. Primeiro, ao selecionar o legislador as condutas que pretende tipificar; depois, quando o Juiz d aplicao norma, a partir dos fatos. Uns e outros, manejam o instrumental vitimolgico.

Como isso ocorre e quais as possibilidades da vitimologia, nas questes de gnero, so as preocupaes da Segunda parte deste trabalho.

3. NOTAS INTRODUTRIAS

Nos primrdios da vivncia do Direito, a vtima e sua famlia ocupavam uma posio de destaque. A elas facultava-se requerer a vingana ou a compensao. Com a evoluo social e poltica e o desaparecimento da vingana privada, o Estado passou a ser o titular da persecutio criminis e a vtima migrou de uma posio central para uma situao perifrica junto ao Direito, ou seja, a multa reparatria inicialmente era destinada vtima, mas com a estatizao da justia criminal passou a ser fonte de receitas do Estado.

Um ponto que chama a ateno nas sociedades modernas o desamparo a que se vem as vtimas abandonadas pela mquina estatal, e mesmo pela sociedade civil, quando da ocorrncia de fatos delituosos.

Ao contrrio do aspecto racional, que seria o fim do sofrimento ou a amenizao da situao em face da ao do sistema repressivo estatal, a vtima sofre danos psquicos, fsicos, sociais e econmicos adicionais, em consequncia da reao formal e informal derivada do fato. No so poucos os autores a afirmarem que essa reao traz mais danos efetivos vtima do que o prejuzo derivado do crime praticado anteriormente.

Essa situao chamada de "sobrevitimizao do processo penal" ou "vitimizao secundria", quer dizer o dano adicional que causa a prpria mecnica da justia penal formal em seu funcionamento.

Se de um lado a vtima, no Brasil, no recebe ateno nenhuma do sistema penal ora vigente, com a nica exceo do Juizado Especial Criminal, por outro, a prpria sociedade tambm no se preocupa em ampar-la, chegando, muitas vezes, a incentiv-la a manter-se num covarde anonimato, contribuindo para a formao da malsinada "cifra negra", o grupo formado pela quantidade considervel de crimes que no chegam ao conhecimento do sistema penal.

Essa "cifra negra" uma das responsveis pela falta de legitimidade do sistema penal vigente no Brasil, pois uma quantidade nfima de crimes chega ao conhecimento do Poder Pblico, e desta, uma grande parte no recebe nenhuma resposta por parte do Estado.

Essa "cifra negra" acaba gerando um "efeito domin", citado pelo Professor Louk Hulsman da Universidade de Rotterdam: "Se um grande nmero de vtimas no denuncia os fatos punveis Polcia, esta tambm no transmite todos os fatos ao Ministrio Pblico, o qual, por sua vez, longe de mover processos em relao a todos os fatos que lhe so submetidos, arquiva a maior parte".

Dentro dessa realidade muitas vezes as vtimas deixam de buscar seus direitos junto Justia por no acreditarem que tero uma soluo rpida e digna.

O certo que a vtima esquecida pelo modelo criminal vigente. O prprio mestre francesco carnelutti, em "Misrias do Processo Penal", mostra, em cores vivas, o drama da Justia Penal, falando do Juiz, do Ministrio Pblico, do Advogado e do acusado, mas da vtima penal nada se comenta. (8)

No conceito moderno de cidadania o cidado no apenas o possuidor de direitos, mas tambm o cumpridor dos deveres cvicos. Por isso a verdadeira cidadania requer simultaneidade no gozo dos direitos e no cumprimento dos deveres, uns e outros inerentes participao na vida da sociedade poltica.

A vtima est inserida nesse contexto. Uma sociedade que no protege e no presta assistncia s vtimas de seus crimes no obtm nveis de cidadania dignos para o momento histrico em que a humanidade se encontra.

Nesse sentido, a proteo aos direito da vtima tambm lembrada por Alessandro Baratta: " O cuidado que se deve ter hoje em dia em relao ao sistema de justia criminal do Estado de Direito ser coerente com seus princpios garantistas: princpio da limitao da interveno penal, de igualdade, de respeito ao direito das vtima, dos imputados e dos condenados".

Enfim, essa preocupao de respeito posio da vtima reafirmada pela prpria Organizao das Naes Unidas(ONU), em suas "Recomendaes sobre a Cooperao Internacional em Matria de Preveno do Crime e de Justia Penal no Contexto do Desenvolvimento", item 13, de 14.12.1990:

No que diz respeito s vtimas da criminalidade e de abuso de poder, h que preparar um guia que contenha um amplo inventrio de medidas de informao sobre os meios de proteo contra a criminalidade e sobre a proteo, assistncia e indenizao s vtimas. Este guia aplicar-se-ia de acordo com as circunstncias jurdicas, socioculturais e econmicas de cada pas, tendo em conta o importante papel que cabe, nesta matria, s organizaes no governamentais.

4. Vtima e o Princpio da Dignidade

A palavra princpio tem duas acepes; uma de natureza moral, e outra de ordem lgica.

Quando dizemos que um indivduo homem de princpios, estamos empregando, evidentemente, o vocbulo na sua acepo tica, para dizer que se trata de um homem de virtudes, de boa formao e que sempre se conduz fundado em razes morais

ELENA LARRAURI, NEUTRO O DIREITO PENAL? O Maltrato s Mulheres no Sistema Penal, Fascculos de C.Penais, v.6, n 1, p. 8, 1993.

HERMAN MANNHEIM, CRIMINOLOGIA COMPARADA, Fundao Gulbenkian, Lisboa, vol. I, p. 21.

MANNHEIM, op. cit., p. 43.

EDGAR MOURA BITENCOURT, VTIMA, p. 14.

Sobre o assunto, ver ASSUNCIN COSTA CAPUTTI F, in A VTIMA: UMA CONTRIBUIO AO ESTUDO DE SEUS ASPECTOS PSICOLGICOS, Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, 4(2), maio/agp.82, p. 136-42. Para a autora, o livro de HANS von HENTIG, The Criminal and his victim, de 1948, que assinala o nascimento da vitimologia, como o estudo mais sistematizado da vtima. (p.137).

ANTNIO GARCA-PABLOS DE MOLINA, em seu trabalho CRIMINOLOGIA (Uma Introduo a seus Fundamentos Tericos), sustenta que a vtima j desfrutou de mximo protagonismo sua idade de ouro durante a poca da justia privada, sendo depois drasticamente neutralizada pelo sistema legal moderno.(...) A vitimologia impulsionou, durante os ltimos anos, um processo de reviso cientfica do papel da vtima no fenmeno delitivo, uma redefinio do mesmo luz dos acontecimentos empricos atuais e da experincia acumulada. (Op. cit., p. 42). E faz a seguinte periodizao: Protagonismo, neutralizao e redescobrimento so, pois, trs fases que poderiam refletir o status da vtima do delito ao longo da histria. (Idem, idem).

Cfr. PAULO JOS DA COSTA Jnior, Comentrios ao CP, I/316, nota 135.

Lembro que esse primeiro julgamento foi anulado e, no segundo, ocorreu a condenao do ru. LINS E SILVA, porm, no atuou no segundo jri.

O trabalho de ASSUNCIN COSTA CAPUTTI F, j referido (supra, 7), traz como epgrafe: Moi l assassin, et lui, la victime, nous sommes tous les deux coupables. Mais lui, lui cest un peu plus que moi. A citao de Franz Werfel.

MIRA Y LPEZ, MANUAL DE PSICOLOGIA JURDICA, 4 ed., p. 42.

GLOVER, Psycho-Analysus, p. 64, apud MANNHEIM, I/450.

MANNHEIM, op. cit., p. 451.

GLOVER, AS RAZES DO CRIME, p. 12.

Op. cit., p. 456.

ASSUNCIN CAPUTTI, em seu trabalho, que consiste em tentativa de verificao de padres de funcionamento psicolgico comuns s vtimas de agresso corporal, selecionou 4 variveis para estudo, destacando-as de um total de 18 itens computados. Com isso possvel ampliar a abrangncia na prospeco dos fatores que desencadeiam o crime. A autora destaca: maus tratos na infncia (e alerta que talvez o mais importante dessa varivel que a encontramos presente na vida pregressa tanto de vtima como de agressores), acidentes na infncia/adolescncia (onde se examina a ocorrncia e motivao de descuidos com a prpria vida, ou presena de impulso autodestrutivo. No caso da investigao da Dra. ASSUNCIN no houve preocupao de gnero, de modo que aqui no se estabelece qualquer predominncia de um ou outro.), uso de lcool e relacionamento vtima-agressor (50% das vtimas eram conhecidas de seus agressores, 28% eram cnjuges e 20% eram desconhecidas. Vale o ltimo dado: apenas 20% das vtimas eram estranhas ao agressor. Mais uma vez, no h preocupao de gnero, mas bvio que a violncia contra a mulher se d, sobretudo, na ocorrncia de relacionamento com o agressor ou agredido. Valha a citao: Tanay encontrou em seu trabalho sobre 53 homicidas (46 masculinos e 7 femininos) que as vtimas eram cnjuges em 30%, amigo ou conhecido em 30%, estranho em 15% , amante 14% e parentes 11%. (cfr. autora e loc. cit., p. 141).

Aut. cit., Comentrios ao CP, VIII/150.

Por incrvel que parea, diz o art. 219 CP : Raptar mulher honesta, mediante violncia, grave ameaa ou fraude, para fim libidinoso, excluindo da proteo penal a mulher no honesta.

HUNGRIA, COMENTRIOS AO CP, VIII/218-9.