Upload
nelson-soares-de-souza
View
39
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
1
PROJETO: “ IMPLANTAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DE LABORATÓRIO DE GESTÃO DE
OPERAÇÕES E DA CADEIA DE SUPRIMENTOS DA INDÚSTRIA DE CONSTRUÇÃO NAVAL”
PR-011 PROTRAN - Programa Tecnológico de Transpetro
Convênio FINEP: 01.05.0931.00
Instituições Participantes: Universidade de São Paulo/ Universidade Estadual de Campinas/ Universidade Federal de Pernambuco/ Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo
DOCUMENTO: Benchmarks e melhores práticas da cadeia de suprimentos em indústrias selecionadas: lições para a construção naval no Brasil
Elaborado por:
Rodrigo Sabbatini, José Augusto Ruas, Fernando Sarti e Marcos Barbieri NEIT-IE-UNICAMP
Clésio Xavier IE-UFU
Novembro de 2007
2
Índice
A) Sumário Executivo ..................................................................................................................................3 B) Apresentação ...........................................................................................................................................6 1. Melhores práticas na indústria mundial: cadeia automobilística e construção naval................................7
1.1 A experiência internacional na cadeia de suprimentos da indústria automobilística ..........................7 1.1.1 O sistema de produção enxuta da indústria automobilística japonesa .........................................7 1.1.2 Modularização na cadeia de suprimentos na indústria automobilística mundial nos anos 90 ...11
1.2 A experiência internacional recente da indústria naval ....................................................................16 1.2.1 Diferenças entre a indústria automobilística e a indústria naval................................................16 1.2.2 Produção enxuta na indústria naval ...........................................................................................17 1.2.3 A prática do outsourcing na indústria naval mundial ................................................................19 1.2.4 A indústria de navipeças em nível mundial ...............................................................................25 1.2.5 Fornecedores e conteúdo local na indústria naval: Japão, Coréia do Sul e China. ....................27
1.3 Uma breve síntese.............................................................................................................................29 2. Melhores práticas na cadeia aeronáutica ................................................................................................31
2.1 O padrão de concorrência e estrutura de mercado da indústria aeronáutica mundial .......................31 2.2 A Inserção da Embraer na indústria aeronáutica mundial ................................................................33
2.2.1. Características gerais da Embraer.............................................................................................33 2.2.1 A Embraer e seus mercados.......................................................................................................35 2.2.3. A capacitação tecnológica da Embraer.....................................................................................39 2.2.4. Os investimentos da Embraer ...................................................................................................39 2.2.5. A internacionalização produtiva da Embraer............................................................................40 2.2.6. Riscos da inserção competitiva da Embraer .............................................................................40 2.2.7. As vantagens competitivas da Embraer e as suas potencialidades ...........................................41
2.3 Embraer: evolução da relação com seus fornecedores .....................................................................43 2.3.1. Origem da Embraer - uma empresa horizontal .........................................................................43 2.3.2. Anos 70-80: Embraer - relação direta com os fornecedores.....................................................44 2.3.3. Anos 90: Embraer – criação das parcerias de risco ..................................................................45 2.3.4. Anos 2000: Embraer – expansão das parcerias de risco ...........................................................49 2.3.5. Parcerias de risco: conclusões ..................................................................................................54
2.4. Recomendações para indústria naval...............................................................................................56 3.Cadeia de suprimentos na indústria automobilística brasileira................................................................60
3.1 Breve histórico: dos anos 50 à crise dos anos 80..............................................................................60 3.2 A reestruturação dos anos 90 e seus efeitos......................................................................................64 3.3 Conclusões: lições para a construção naval......................................................................................73
4. Cadeia de suprimentos na indústria naval no Brasil: práticas atuais e fatores críticos ...........................77 4.1 Indústria naval brasileira e a indústria de navipeças: um renascimento ...........................................77 4.2 Importância da nacionalização da cadeia de suprimentos para indústria naval ................................79
5. Conclusões e recomendações de políticas ..............................................................................................82 C) Bibliografia Utilizada ............................................................................................................................86
3
A) Sumário Executivo
As principais conclusões deste estudo são:
1. A indústria naval mundial tem procurado avançar em práticas de gestão da
produção e da cadeia de suprimentos que se aproximam da chamada lean
production, desenvolvida inicialmente pela indústria automobilística. Os
melhores e mais competitivos estaleiros do mundo estão bastante
avançados neste sentido, reduzindo custos e encurtando prazos de entrega.
2. A indústria aeronáutica brasileira se reinventou competitivamente a partir
de novas práticas de gestão da cadeia de suprimentos. Fornecedores diretos
se tornaram parceiros de risco e, através de radical global sourcing,
incrementaram fortemente a competitividade da então semi-falida Embraer
que, uma década depois da introdução destas práticas, se tornou o terceiro
maior player do setor no mundo.
3. A indústria automobilística brasileira também se reestruturou nos anos 90
a partir da reconfiguração de sua cadeia de suprimentos. Desverticalização
da produção, outsourcing, modularização da produção e aumento do
conteúdo importado (partes e componentes) permitiu que a indústria
nacional eliminasse a defasagem competitiva em relação ao estado-da-arte
mundial, no que se refere ao desempenho tecnológico e design de seus
produtos finais. Uma nova onda de investimentos, inclusive fora do eixo
tradicional, intensificou estes processos e contribuiu para ampliar a
competitividade através de redução de custos, aumento de produtividade e
melhor desempenho dos veículos. No entanto, deve-se ressaltar que os
ganhos de competitividade do elo das montadoras foi contrabalançado por
relativo desadensamento da cadeia, em especial por desmobilização de
fornecedores de autopeças e forte retração no número de empregos.
4. A cadeia de construção naval do Brasil, após 20 anos de
desindustrialização, parece dar indícios de recuperação, ao menos nos elos
de construção propriamente dita, graças ao poder de compra da Petrobras e
da Transpetro. Não há indícios, entretanto, da recuperação dos segmentos
4
fornecedores de navipeças, ainda muito desarticulados. Da mesma
maneira, os estaleiros nacionais ainda estão muito distantes das melhores
práticas de produção e gestão da cadeia de suprimentos observados nos
casos paradigmáticos do segmento (por exemplo, estaleiros líderes sul-
coreanos).
5. As principais lições que a reestruturação das indústrias aeronáutica e
automobilística pode oferecer para a retomada da construção naval no
Brasil são:
a. reorganizar a cadeia de suprimentos em direção a uma maior
participação do segmento fornecedor é crucial para o aumento da
competitividade da montagem (edificação) final;
b. eleger um nicho de mercado e se especializar através de ampliação
de escala para atender tanto o mercado doméstico em crescimento,
quanto o exterior através de exportações para mercados
semelhantes, é uma vantagem competitiva que amplia rentabilidade
e cria defesas naturais com relação às importações;
c. deter capacitação de projeto é fundamental para comandar a cadeia
de maneira mais eficiente;
d. o uso de insumos importados permite produzir o bem final de
maneira mais eficiente, tanto em relação a custos, quanto em
relação a desempenho;
e. novos investimentos permitiram romper com a ineficiente, ao
menos no início dos anos 90, característica anterior (plantas
desatualizadas, verticalização excessiva, alto conteúdo nacional,
proximidade com mercado e com fornecedores, etc). Casos de
sucesso, com o da Ford na Bahia ou o novo processo de
“docagem” de aviões da expansão da Embraer, parecem indicar
que o advento do estaleiro Atlântico Sul em Suape-PE, pode
contribuir fortemente para o êxito da reconstrução da indústria
naval no Brasil.
5
6. Para que estas lições sejam melhor aproveitadas, o estudo entende que é
preciso decidir que tipo de construção naval se deseja re-instalar no Brasil:
uma indústria concentrada na montagem (lançando mão de alto conteúdo
importado e presidindo de uma densa rede de fornecedores locais de
equipamentos) ou uma que progressivamente vá adensando a montante a
cadeia produtiva no Brasil.
7. O estudo recomenda que a segunda opção seja perseguida pelos policy
makers, através da implementação de diversas ações, todas elas voltadas
para o desenvolvimento de fornecedores locais e competitivos de
navipeças, através de aprofundamento da política de compras de empresas
nacionais de transporte aquaviário e mobilização de órgãos públicos de
planejamento (MDIC, MME, MT) e de financiamento (BNDES, FINEP,
BNB), além de entidades do terceiro setor (SEBRAE, SENAI, associações
empresariais como ABIMAQ ou ONIP). Em suma, o conteúdo nacional
exigido pelo poder de compra de demandantes públicos não deveria ficar
restrito ao aço e à agregação de mão de obra na montagem final.
6
B) Apresentação
O presente relatório pretende responder os seguintes questionamentos:
• Quais os procedimentos adotados na evolução recente da cadeia de
suprimentos da indústria em geral e que impactos tais processos têm causado
(quantitativos em redução de custos e qualitativos em qualidade e prazo)?
Qual a importância de uma moderna gestão dessa cadeia?
• Quais as tendências para o futuro na gestão da cadeia de suprimentos na
indústria mundial?
• No caso da construção naval mundial, existe uma convergência em direção a
uma gestão da cadeia de suprimentos que utilize as melhores práticas da
indústria como um todo?
• Quais são as práticas atualmente utilizadas nos estaleiros benchmarks e na
média da indústria naval?
Para abordar tais temas o relatório se divide em quatro seções. A primeira
discutirá as atuais práticas correntes na indústria mundial, destacando os casos
específicos da indústria naval e automobilística. A segunda seção discutirá as
características da indústria aeronáutica, discutindo em especial o caso da Embraer e de
suas práticas na gestão cada cadeia de suprimentos. A terceira seção discutirá as
relações na cadeia de suprimentos na indústria automobilística no Brasil, com destaque
para as novas formas adotadas em plantas mais recentes e descentralizadas. A
comparação entre estes setores e a construção naval, destacando as formas de
organização da cadeia produtiva, mostrou-se extremamente adequada para apontar
rumos para a retomada da construção naval no Brasil. Em primeiro lugar, por mostrar os
avanços já obtidos em outras estruturas industriais que, em muitos casos, são ou vêm se
tornando realidade nos países com indústria naval desenvolvida. Em segundo lugar, por
mostrar que o potencial nacional para desenvolvimento competitivo de fornecedores
tem precedente e pode ser reproduzido, com devidas mediações setoriais, na indústria
naval brasileira. Nesse sentido, a quarta seção discutirá as práticas da cadeia de
suprimentos na indústria naval brasileira, descrevendo os processos atuais e apontando
lições que poderiam ser aproveitadas dos casos anteriormente descritos.
7
1. Melhores práticas na indústria mundial: cadeia automobilística e construção naval
Esta seção refere-se à análise da cadeia de suprimentos da indústria
automobilística internacional, comparando-a com a indústria naval. O estudo se valeu
de pesquisa bibliográfica recente a respeito da relação entre fabricantes e fornecedores
no Japão, EUA países europeus, e no tocante à indústria naval foi utilizado um precioso
levantamento de informações realizado por pesquisa de campo em vários estaleiros
asiáticos - considerados benchmark da indústria naval, assim como bem como diversos
relatórios e estudos internacionais1.
1.1 A experiência internacional na cadeia de suprimentos da indústria automobilística
1.1.1 O sistema de produção enxuta da indústria automobilística japonesa
O sistema de produção enxuta se constituiu em fator determinante da obtenção de
vantagem absoluta de competitividade na indústria automobilística japonesa,
particularmente dos princípios aplicados à produção pela Toyota, logo no início da
década de 80 quando Japão ultrapassou os EUA, transformando-se no maior produtor
mundial de automóveis em 1981. De imediato é preciso ressaltar que tal sistema de
produção foi desenvolvido adotando inicialmente um princípio básico da produção
fordista - a linha de montagem - e, através de tentativa e erro no “chão de fábrica” ao
longo do tempo, a Toyota constatou a viabilidade de obtenção simultânea de controle
total de qualidade (TQC), baixo custo, just in time (JIT), ou seja, entrega de peças e
componentes em tempo real, resultando em eliminação de perdas e forte encurtamento
dos fluxos de produção (FUJIMOTO & TAKEISHI, 2001).
Em segundo lugar, a produção enxuta na indústria automobilística japonesa
possui, desde sua origem, uma característica fortemente sistêmica e não fragmentada,
envolvendo:
• Coordenação e cooperação entre todos os agentes envolvidos no sistema,
ou seja: fornecedores diretos do mesmo grupo, fornecedores indiretos de
1 Com destaque para Balance Technology Consulting (2000), Fleischer, Kohler e Lamb (1999) e Bongiorni & Lamb (1998).
8
unidades subcontratadas fora do grupo, trabalhadores, gerentes e
engenheiros;
• Polivalência e elevação dos requisitos de qualificação da mão-de-obra,
com a conseqüente redução da distância hierárquica entre produção,
gerência e engenharia e maior co-responsabilização dos agentes
envolvidos na obtenção de metas de qualidade total e encurtamento de
prazos; e
• A elevada interação entre fornecedores e fabricante, de um lado, e
entre fabricante e usuário, de outro lado, através da integração entre
atividades de P&D, desenho, engenharia e marketing, possibilitada pela
adoção de sistemas flexíveis de automação como CAD (Computer Aided
Design), CAE (Computer Aided Engineering) e CIM (Computer
Integrated Manufacturing), permitiu viabilizar a “customização em
massa” na oferta de produtos (PINE, 1993, apud SAKO, 2002, p.17),
atendendo à diferenciação de produtos exigida pelas preferências dos
diferentes usuários, mas sem perder de vista a escala de produção.
WOMACK, JONES & ROOS (1997, p. 85) chamam a atenção para que os
aspectos organizacionais da produção enxuta (alterações nas relações de trabalho,
coordenação e cooperação com fornecedores, entre outros) tenham precedência à
introdução da automação de alta tecnologia, na busca de obtenção plena dos resultados
positivos deste tipo de organização da produção.
Em terceiro lugar, é necessário destacar que a experiência da produção enxuta da
indústria automobilística japonesa, incluindo a cadeia de suprimentos, somente foi
possível graças à presença absolutamente imprescindível de grupos multisetoriais
ultradiversificados. Em geral, os grandes grupos japoneses atuam no complexo
eletrônico, na informática, nas telecomunicações, em bens de capital, em produtos
petroquímicos, na automação industrial, em software, na indústria automobilística entre
outros.
Em quarto lugar, no mesmo sentido, somente graças à fortíssima vinculação
existente entre bancos e indústria no Japão foi possível minimizar os riscos inerentes às
inovações tecnológicas e gerenciais adotadas pelos fabricantes de carros, principalmente
9
nos estágios iniciais de implantação. Ou seja, os bancos submetiam seus interesses
imediatos aos objetivos do grupo, propiciando fontes de financiamento de longo prazo
com juros menores aos projetos de longo prazo dos fabricantes de veículos do mesmo
grupo.
Disso se depreende que, a experiência da produção enxuta na indústria
automobilística japonesa depende de características prévias da estrutura industrial, não
podendo, portanto, ser simplesmente transportada integralmente para outras regiões.
Neste sistema de produção enxuta, destaque especial deve necessariamente ser
atribuído à rede de fornecedores, pois a montagem final de um automóvel envolve
apenas 15% do processo de fabricação total, o qual inclui entre projeto e fabricação
mais de 10 mil peças distintas, e sua montagem em aproximadamente 100 grandes
componentes como motores, transmissões, sistemas de direção, suspensões, entre
outros. Dessa forma, a forma de estruturação da rede de fornecedores de peças e
componentes se constitui em um aspecto estratégico na obtenção de indicadores
positivos de qualidade, produtividade e competitividade da indústria automobilística.
O dilema entre a produção interna e a compra externa de peças e componentes
jamais se colocou para a Toyota, pois o fundamental era como a montadora e os
fornecedores poderiam atuar em cooperação, diante do objetivo de redução de custos e
melhoria de qualidade, pouco importando se o tipo de relação contratual existente era
hierárquica (com produção verticalizada) ou simplesmente mercantil (FUJIMOTO &
TAKEISHI, 2001).
Na perspectiva da produção enxuta, o suprimento de peças e componentes para
indústria automobilística envolveu os seguintes aspectos (idem):
a) Organização dos fornecedores em diferentes níveis funcionais,
qualquer que fosse a relação contratual com a montadora, sendo que os
fornecedores de primeiro nível eram responsáveis pelos sistemas de maior
complexidade que interferiam no desempenho do automóvel (direção,
frenagem, elétrico, etc.), participando plenamente do desenvolvimento de
novos produtos e encomendando peças e componentes dos sistemas a
fornecedores de segundo nível e assim por diante. Além disso, como tais
fornecedores de primeiro nível eram especializados em determinados
10
sistemas e não concorriam entre si, foram estimulados a trocarem
informações e experiência de modo a obter melhorias nos projetos;
b) Participação acionária cruzada entre montadora e os fornecedores:
apesar dos fornecedores de primeiro nível serem empresas quase-
independentes, a Toyota manteve parte do controle acionário de tais
fornecedores. Adicionalmente, atuava como banco deste grupo de
fornecedores, financiando a aquisição de máquinas para o
desenvolvimento de novos produtos;
c) Compartilhamento de recursos humanos entre a montadora e os
fornecedores de primeiro nível através de empréstimo de pessoal nos
momentos de picos na produção e transferência de engenheiros seniores
para posições estratégicas nas firmas fornecedoras;
d) Finalmente, a coordenação do fluxo de peças e componentes passou a ser
regulada pelo sistema just-in-time, onde a produção de peças de uma
etapa do processo produtivo era suficiente apenas para suprir a
necessidade imediata da etapa subseqüente, impedindo assim a formação
de estoques. Neste sistema de suprimentos, onde cada caixa ou container
vazio devolvido pela montadora aos fornecedores sinaliza a necessidade da
produção adicional de peças, é fundamental a estabilidade e uniformização
do volume de produção, mesmo diante da flexibilidade exigida pela
mudança do mix de produtos (FUJIMOTO & TAKEISHI, 2001).
Portanto, diante de tais características, pode-se concluir que o sistema de
produção enxuta na indústria automobilística japonesa não é integralmente replicável
para diferentes países, pois que depende de especificidades locais e/ou regionais como a
diversificação setorial dos grupos econômicos e a forte interação banco/indústria. Além
disso, explicitou-se a precedência e importância das mudanças organizacionais,
incluindo o novo tipo de relação com fornecedores, em relação às inovações
tecnológicas para o êxito da produção enxuta. Por último, a coordenação da rede de
fornecedores envolve, acima de tudo, relações hierárquicas e interpenetração
patrimonial e de recursos financeiros e humanos para viabilizar os resultados positivos
em termos de encurtamentos de prazos, melhorias de qualidade e redução de custos.
11
1.1.2 Modularização na cadeia de suprimentos na indústria automobilística mundial nos anos 90
Em meados da década de 90, a economia japonesa interrompe seu longo período
de crescimento sustentado e entra em um ciclo de estagnação, explicitando algumas
“falhas” e limitações presentes na produção enxuta, mais especificamente na cadeia de
suprimentos da indústria automobilística.
Segundo FUJIMOTO & TAKEISHI, (2001, p. 12), o sistema de produção enxuta
era um sistema de produção superior, mas parcialmente dependente do crescimento da
produção que ocorreu durante mais de quatro décadas no Japão. Em meados dos anos
90, com a estagnação da demanda doméstica de automóveis e com as dificuldades de
crescimento das exportações japonesas em função da reorganização das montadoras
americanas e européias, os gargalos dos fabricantes japoneses aparecem
simultaneamente: insatisfação da força de trabalho, especialmente jovens com as
reduções das horas trabalhadas, preocupações ambientais e excesso de “gordura” nas
atividades de design do produto, design da planta e sistema de distribuição. Constata-se,
nesse momento, uma inércia e fragilidade na gestão das montadoras japonesas no
sentido de busca e/ou adoção de inovações organizacionais.
Em relação à cadeia de suprimentos, enquanto a maior parte dos produtores
japoneses ainda continua comprando a maior parte dos componentes de fornecedores
pertencentes ao mesmo grupo industrial (STURGEON & FLORIDA, 1999, p.61), os
fabricantes americanos e europeus de automóveis têm adotado estratégias locais e
globais de outsourcing no fornecimento de peças e componentes, denominadas de
modularização.
De acordo com STURGEON & FLORIDA (1999, p.67), as crescentes taxas de
salários de trabalhadores alocados na montagem de veículos, induziu os fabricantes
europeus e norte-americanos à formulação de uma estratégia de busca, junto aos
fornecedores externos e internos, de ampliação das atividades de design e de
submontagem de automóveis, externalizando trabalho do processo final de montagem.
As duas figuras abaixo ilustram este processo de crescimento da externalização de
atividades produtivas por parte das montadoras européias e norte-americanas:
12
Figura 1.1 - Crescimento de Outsourcing na Produção de Automóveis - Montadoras Européias
Selecionadas (% do valor dos veículos)
Fonte: The Economist Intelligence Unit apud VELOSO (2000).
A Figura 1.1 mostra o crescimento do outsourcing na indústria automobilística
européia, especificamente nas montadoras francesas PSA (Peugeot) e Renault e na
italiana FIAT, constatando níveis de externalização fortemente significativos. Segundo
VELOSO (2000), isso é resultado do afastamento das montadoras de atividades como
engenharia de manufatura e montagem de sistemas completos ou módulos (sistemas de
freios, por exemplo), transferindo-as para os fornecedores de primeiro nível. Embora as
montadoras tenham claro que os custos de desenvolvimento de produtos dos
fornecedores sejam mais elevados que os custos da produção internalizados, adotam a
estratégia de concentrar suas compras em um número reduzido de grandes fornecedores
(Figura 1.2), os quais, por sua vez, procuram diluir seus custos ofertando tais
sistemas/módulos para várias montadoras.
13
Figura 1.2 - 100 Maiores Fornecedores da Indústria Automobilística dos EUA por Faixa de
Faturamento
Fonte: Automotive News
O tamanho dos fornecedores da indústria automobilística norte-americana teve a
seguinte evolução: enquanto em 1992 existiam apenas 28 fornecedores com faturamento
entre 1 e 5 bilhões de dólares e 5 fornecedores com faturamento superior a US$5bi, em
1998 o número de fornecedores na mesma faixa de faturamento é de 47 e 13
respectivamente, revelando o aumento do tamanho médio dos fornecedores na produção
de carros.
Figura 1.3 - Tendência de Redução no Número de Fornecedores em Fabricantes Selecionados
Fonte: The Economist Intelligence Unit apud VELOSO (2000).
14
A Figura 1.3 acima mostra que a redução do número de fornecedores é uma
estratégia geral adotada por todos os fabricantes norte-americanos e europeus ao longo
da década de 1990. Entretanto, apesar de ser uma estratégia generalizada, comporta
diferenças entre fabricantes no tocante à sua intensidade:
• A Renault (e também a Volkswagen) adota a estratégia conhecida como
2+1 fornecedores: para cada sistema completo de componentes e para cada
região onde a montadora tem uma planta produtiva, são selecionados dois
fornecedores que mantêm uma parceria estratégica com a montadora; além
disso, existe um terceiro fornecedor, com um grau de responsabilidade
menor, embora com capacidade suficiente para assumir o lugar de
fornecedor estratégico;
• A Ford adota uma estratégia mais agressiva, selecionando apenas um
fornecedor para cada módulo ou subsistema de componente. Para isto,
possui um banco de dados com o benchmark de custo na oferta de cada
componente ou sistema integrado, viabilizando maior poder de mercado da
montadora nas negociações com os fornecedores.
De uma forma geral, de acordo com VELOSO (2000), a crescente importância da
cadeia de suprimentos da indústria automobilística no fim da década de 90 e início dos
anos 2000, está alterando a estrutura desta indústria, com a nova configuração
consistindo em:
• Systems Integrator: fornecedores diretos atuam em escala global e são
especializados em sistemas complexos ou responsáveis pela integração
entre vários subsistemas de componentes diferentes. Além disso, tais
fornecedores diretos são responsáveis pelo design e engenharia destes
sistemas, coordenando uma rede de fornecedores de componentes
necessários a fabricação e montagem final de tais sistemas;
• Global Standardizer: esse grupo de fornecedores também atua em escala
global, desenhando e produzindo componentes padronizados e entregando-
os diretamente aos fabricantes ou indiretamente aos Systems Integrator;
15
• Component Specialist: fornecedores que desenham e fabricam
componentes específicos para um dado tipo de carro a ser produzido em
uma determinada plataforma. Estas firmas são fornecedoras dos Systems
Integrator e do Global Standardizer; e
• Raw Material Supplier: fornecedores de matéria-prima diretamente ao
fabricante ou aos outros níveis de fornecedores.
Essa nova configuração hierárquica da rede de fornecedores da indústria
automobilística européia e japonesa pode ser visualizada na tipologia abaixo (Figura 1.4
abaixo), construída a partir dos critérios como o foco do negócio, mercado de atuação,
capacitação e tipo de componente ou sistemas envolvidos em cada grupo de
fornecedores:
Figura 1.4 - Tipologia dos Fornecedores da Indústria Automobilística
Raw Material
Supplier Standardizer Component Specialist Integrator
Foco Fornece matéria prima
Define padrão, em bases globais, para um componente ou sistema específico
Responsável pelo design e manufatura de componentes específicos à um automóvel ou plataforma de produção
Responsável pelo design e montagem de módulos completos ou sistemas
Mercado de Atuação
Local, regional ou global global
Global para primeiro elo, e regional ou local para subcontratados
global
Capacitações
• Ciência de materiais;
• Engenharia de processo;
• Pesquisa, design, engenharia;
• Montagem e capacitações para administração da cadeia de fornecedores;
• Pesquisa, design, Engenharia de Processo;
• Capacitações de manufatura em diversas tecnologias;
• Marcas;
• Design de produto e Engenharia;
• Montagem e capacitações para administração da cadeia de fornecedores;
Tipos de Componentes ou sistemas
• Aço; • Alumínio; • Polímeros;
• Pneus; • ABS; • Unidades de
Controle Eletrônico;
• Estaparia/Pintura; • Componentes do motor; • Injection Molding;
• Interiores; • Portas; • Chassis;
Fonte: Elaboração Própria a partir de VELOSO (2000).
A modularização da fabricação de carros ainda se encontra em estágio inicial de
implantação nas montadoras européias e norte-americanas, mas no limite exigiria uma
simplificação da produção de automóveis para permitir uma modularização semelhante
ao que ocorre coma produção de computadores. De outro lado, constata-se uma inércia
16
e fragilidade organizacional dos fabricantes de veículos japoneses em lidar com a
permanente flutuação dos volumes de produção a partir do final da década de 1990.
Permanece absolutamente em aberto, todavia, o grau de aceitação dos consumidores
diante desta inovação radical de produto (“o carro em módulos”) decorrente da
modularização.
1.2 A experiência internacional recente da indústria naval
1.2.1 Diferenças entre a indústria automobilística e a indústria naval
Em que medida as experiências internacionais dos novos métodos de organização
da cadeia de suprimentos da indústria automobilística mundial - produção enxuta
japonesa ou modularização recente na Europa e EUA - pode ser transplantada para a
indústria naval?
De acordo com LIKER & LAMB (2001, p.3): “Shipbuilding is clearly different
from automobiles. One does see a ship coming off the assembly line every minute with
relatively standard configurations. Ships are built to order, one or a few at a time over
weeks or months and are often highly customized “.
Em outros termos, uma das principais diferenças entre a indústria automobilística
e a indústria naval reside exatamente em um maior grau de customização da produção
de navios em atendimento às especificações dos usuários. Trata-se, na verdade, de um
bem de capital sob encomenda, o que condiciona fortemente a organização da produção,
a relação com os fornecedores e a obtenção de escalas mínimas de produção. Mesmo
que a escala de produção e a padronização de boa parte do design e montagem sejam
elementos centrais para a competitividade na indústria de construção naval2, a
flexibilidade e necessidade de se trabalhar a interação da cadeia produtiva com o
consumidor final exigem mediações importantes para comparações com a indústria
automobilística.
Diante dessa característica estrutural da indústria naval, os referidos autores
formulam a questão da viabilidade da adaptação dos princípios da produção enxuta à
indústria naval e respondem positivamente, sublinhando dois fatores essenciais:
a) Eliminação de perdas de tempo e recursos durante o processo produtivo; e
17
b) Navios de qualidade mundial obtido graças a design do estaleiro que
permite um fluxo de produção contínuo e padronizado e entrega de
matéria-prima em tempo real.
Os autores supracitados expressaram isso diretamente da seguinte forma:
“... is the model of “lean manufacturing” worth considering? The answer is clearly yes. First, the basic principles of giving customers what they want with shortened lead times by eliminating waste apply to any process, high volume or low volume, customized or standardized. Second, Japanese shipyards are among the most efficient and have used relatively standardized, modular designs to create what some call ship factories - factories in which there is a constant flow of basic and intermediate products, built in most cases on moving lines, and material is carefully sequenced and shifted through the yard in a carefully orchestrated flowing pattern - Just in time” (Idem).
1.2.2 Produção enxuta na indústria naval
Embora se reconheça as especificidades setoriais da indústria naval, é possível
adaptar os princípios da produção enxuta da indústria automobilística, de modo a
viabilizar o atendimento às especificações dos compradores de navios, pois
encurtamento dos prazos de produção e entrega e redução de perdas de tempo, recursos
e material durante o processo de produção, são princípios gerais de redução de custos
que devem ser buscados permanentemente pela indústria naval. As possíveis perdas de
tempo e recursos na indústria naval podem ser visualizadas na figura abaixo:
Figura 1.5 - Leadtime na Indústria Naval
Fonte: LIKER & LAMB (2001)
2 Especialmente na produção de embarcações com mercado secundário mais desenvolvido.
18
A localização e o reconhecimento da existência de perdas durante o processo de
construção naval é fator primordial para eliminação das fontes de perdas, sendo que esta
última é definida como sendo qualquer parte que não contribui para atender a uma
necessidade do usuário do navio. As fontes de perdas mais comuns são:
• excesso de material intermediário, antes do momento de sua utilização;
• produtos defeituosos, interrompendo os fluxos de produção;
• estoques de material com ocupação de espaço, custo financeiro e fonte
potencial de acidentes;
• movimentação de peças e trabalhadores que não adicionam valor ao
produto;
• processamento adicional, não essencial à adição de valor do ponto de vista
do usuário;
A utilização de métodos de produção enxuta na indústria naval deve, portanto, ter
como escopo central o fluxo de valor adicionado e a eficiência de todo o sistema
produtivo, envolvendo sincronização, alinhamento das e estabilidade das operações
produtivas no interior do estaleiro.
Em segundo lugar, é parte da produção enxuta o sistema just in time que exige um
fluxo contínuo de peças denominado one piece flow, onde são identificados as peças e
componentes que possuem processos de produção semelhantes que podem utilizar a
mesma linha de produção para aquela família de bens intermediários. Tal processo tem
sido utilizado para grandes volumes de produção na indústria automobilística japonesa,
mas está sendo adaptado para a indústria naval asiática exatamente através da
similaridade das partes dos vários navios que estão sendo montados, constituindo uma
“família de peças” (LIKER & LAMB, 2001, p.17-18).
Com o processamento one piece flow, diminui fortemente as fontes potenciais de
perdas durante as várias etapas do processo produtivo, pois são reduzidos o estoque e a
movimentação de peças nas etapas de pré-montagem, submontagem e montagem final.
Utiliza-se apenas quantidade de matéria-prima suficiente para atender as necessidades
das etapas subseqüentes. A figura abaixo permite a comparação entre um sistema
19
tradicional denominado batch processing e o sistema one piece flow no corte de chapas
de aço, submontagem e montagem final do bloco de um navio:
Figura 1.6 - Batch Processing e One Piece Flow no Corte de Chapas de Aço na Indústria
Naval
Fonte: LIKER & LAMB (2001)
Contudo, lean manufacturing depende não apenas do processo de produção dentro
do estaleiro, mas, sobretudo da integração coma rede de fornecedores, como no caso das
chapas de aço que são entregues diariamente aos estaleiros japoneses e coreanos, e
várias vezes durante o dia, para atender o fluxo continuo na medida exata da demanda
da etapa seguinte sem formação de estoques. Tal processo somente é viável com
interação permanente, fluxos de informação e aprendizado recíproco entre fornecedores
e estaleiros (Idem, p. 46).
1.2.3 A prática do outsourcing na indústria naval mundial
De acordo com Schank et all (2005) o outsourcing na indústria naval, pode ser
subdividido em:
a) Peak outsourcing: subcontratação de mão-de-obra com custos inferiores
para atender as variações imprevistas da demanda;
20
b) Total outsourcing: subcontratação de sistemas completos (elétricos,
aquecimento, pintura, blocos etc.) com montagem no próprio estaleiro ou
externamente.
Figura 1.7 - Uso do Outsourcing em Estaleiros da Inglaterra - 2002
Fonte: Schank et all (2005).
Conforme pode ser observado na Figura 1.7 acima, o uso do outsourcing pleno na
Inglaterra ainda não é generalizado, apresentando variações quanto à intensidade entre
os estaleiros e também entre as principais atividades da fabricação naval. Nota-se, por
outro lado, que a maioria dos estaleiros ingleses adotam a prática do peak outsourcing,
isto é, com utilização da subcontratação de mão-de-obra como forma de atender às
variações imprevistas da demanda.
A mesma constatação pode ser percebida no caso dos estaleiros americanos e
europeus (conforme Figura 1.8 abaixo), embora os estaleiros europeus apresentem uma
maior intensidade no uso do outsourcing em relação aos estaleiros americanos. Do
ponto de vista das atividades de fabricação naval, pintura, motores de distribuição
elétrica, ar condicionado, acomodações e cozinha apresentam um maior grau de
utilização de outsourcing total.
21
Figura 1.8 - Uso do Outsourcing em Estaleiros na Europa e Estados Unidos - 2002
Fonte: Schank et all (2005).
A figura 1.9 apresenta as principais razões para o uso do outsourcing na indústria
naval inglesa, européia e norte-americana. Enquanto na Inglaterra e nos Estados Unidos,
a principal razão da adoção de práticas de outsourcing está relacionada à uma estratégia
de curto prazo de redução de custos em comparação com a produção internalizada, na
Europa, o uso do outsourcing se deve menos à redução de custos e mais às estratégias
corporativas da indústria naval no sentido de desenvolver e estabelecer uma interação
de longo prazo com parcela dos fornecedores.
22
Figura 1.9 - Razões do Uso do Outsourcing na Inglaterra, Europa e Estados Unidos -
2002
Fonte: Schank et all (2005).
A tabela 1.1 abaixo procura sintetizar os resultados em termos de diminuição de
custos associados à prática da utilização do outsourcing em estaleiros e regiões
selecionadas, onde se constata uma forte e significativa redução de custos na
experiência coreana e japonesa e uma pequena redução dos custos no caso dos
construtores norte-americanos.
Tabela 1.1 -Outsourcing e Impactos nos Custos em Países Selecionados
Origem Outsourcing
(% de redução de mão-de-obra)
Samsung/Coréia do Sul 45%
Mitsui/Japão 30%
Construtores japoneses médios 30% – 50%
Construtores-EUA 10% (redução de custos)
Fonte: Elaboração própria.
23
Uma boa síntese da prática do outsourcing em geral pode ser bem compreendida
através do método sofisticado de categorização de fornecedores desenvolvido pela John
Deere (Fleischer et all, 1999), onde os produtos e seus respectivos fornecedores são
agrupados em quatro categorias de acordo com a intensidade e diferentes tipos de risco
e valor. Tal estratégia pode ser mais bem visualizada através do quadro 1.1.
Quadro 1.1 -Tipologia de Fornecedores na Prática do Outsourcing
Fonte: Fleischer et alli, 1999.
Nessa metodologia deve ser ressaltada a importância decisiva dos acordos de
longo prazo (dez anos) para “produtos críticos” em qualquer estratégia exitosa de
outsourcing. O método adequado deste tipo de outsourcing deve envolver uma redução
do número de fornecedores e uma parceria efetiva entre a indústria e este grupo
específico de fornecedores, em relação aos quais o desempenho do estaleiro tem elevada
Alto “Produtos específicos” “Produtos Críticos” • Estratégia: Fornecedores responsáveis
pelo design, especificações e diferenciação; • Fatores Críticos: Custos de fabricação;
elevados em caso de problemas de qualidade/custo; Dependência do fornecedor;
• Horizonte Temporal: Variável • Gestão: Engenharia conjunta e parcerias
com fornecedores; • Método: Reduzir no de
produtos/fornecedores; • Contratos: Longo Prazo • Táticas: Reduzir especificidade do
produto
• Estratégia: Parcerias Estratégicas; design customizado, criar diferenciação;
• Fatores Críticos: Custos de fabricação elevados em caso de problemas de qualidade/custo; Dependência do fornecedor;
• Horizonte Temporal: Acima de 10 anos; • Gestão: Parcerias com fornecedores; • Método: Reduz\ir número de
fornecedores; • Contratos: Longo Prazo; • Táticas: Elevar papel dos fornecedores;
Genéricos Commodities
RISCO (disponibilid
ade, qualidade)
• Estratégia: Consolidar Padrão
• Fatores Críticos: Custo de Aquisição
• Horizonte Temporal: Acima de 1 ano
• Gestão: Contratos de sistemas, compras de chapas;
• Método: Reduzir número de compras
• Contratos: Ordem de compra ou mercado spot
• Táticas: Incrementar tecnologicamente o produto
• Estratégia: “Alavancar” fornecedores preferenciais;
• Fatores Críticos: Custos dos Materiais Dependência do fornecedor;
• Horizonte Temporal: Acima de 5 anos; • Gestão: Volume contratado; Algumas
Parcerias com fornecedores; • Método: Reduzir número de
Fornecedores; • Contratos: Ordem de Compra ou longo
Prazo; • Táticas: Elevar compras com menor
número de fornecedores; Baixo VALOR (custo, administração de serviços de inovação) Alto
24
dependência. Em outras palavras, a prática de outsourcing para este grupo de produtos
envolve o binômio elevado risco e elevado valor, fazendo com que as táticas
preferenciais em relação à este tipo de fornecedor seja a elevação de sua importância
nos processos de desenvolvimento de produto e diferenciação.
Segundo Fleischer et all, 1999 (p. 15), uma aplicação para o caso de “produtos
críticos” na indústria naval é adotada pela empresa européia Fincantieri, que estabelece
um “frame agreement” com seus fornecedores estratégicos, determinando uma forte
estabilidade na oferta de componente, independentemente de preços e prazos. Esta
estratégia, segundo autor, capacita a empresa a realizar ofertas aos compradores sem
preocupar-se com futuras negociações de preço e quantidades com fornecedores. Além
disso, a ausência de negociações permite uma redução do tempo de entrega, já que a
produção pode iniciar-se com maior facilidade. Outro exemplo deste tipo de relação na
indústria naval refere-se à americana NASSCO, que mantém uma parceria com os FOS
(Fabricated Outside Services), entre as quais uma subsidiária da própria empresa -
NASSCO subsidiária.
Inversamente, para o grupo de produtos “genéricos”, a estratégia de outsourcing
deve envolver um horizonte de curto prazo (1 ano) e redução do número de aquisições,
quando da existência de custos de aquisição de material elevados. Nesse caso, a adoção
crescente do uso de tecnologia deve ser a principal tática utilizada pela indústria.
Em geral, quanto maior a especificidade do produto (produtos específicos ou
críticos) maior a necessidade de interação entre estaleiro e fornecedor no que tange aos
aspectos de engenharia e design. Nesse sentido, as parcerias e os contratos de longo
prazo são recomendáveis. Nos produtos de menor risco, onde a disponibilidade no
mercado spot e os requisitos de qualidade do produto são menos rígidos, as estratégias
envolvem a consolidação de padrões e fornecedores preferenciais.
Finalmente, no mesmo sentido, de acordo com Schank et all (2005), as atividades
de instalação de tubulações, equipamentos e outros componentes, antes da montagem
final nos diques e cais de acabamento - denominadas pré-outfiting - somadas às
instalações de “sistemas completos” no próprio estaleiro - conhecidas como outfiting -
por fornecedores diretos que se responsabilizam pelo design, compras de materiais e
25
mão-de-obra têm permitido uma redução média de 25% no total de horas trabalhadas na
experiência internacional.
Todavia, a figura abaixo ilustra os fatores que dificultam a utilização do pré-
outfiting e do outfiting na indústria naval da Inglaterra, Europa e dos Estados Unidos,
constatando que deficiências de ajustamento de informação no design e lacunas no
fornecimento de material são os principais limitantes do uso desta prática na experiência
destes estaleiros, indicando, justamente, que as dificuldades no relacionamento com
fornecedores, sejam técnicas, contratuais ou logísticas, podem implicar em significativa
dificuldade de aproveitar as mencionadas reduções de custo.
Figura 1.10 - Limitações do Uso do Outfiting na Indústria Naval.
Fonte: Schank et all (2005).
1.2.4 A indústria de navipeças em nível mundial
Sendo a construção naval essencialmente uma indústria montadora, intensiva em
mão-de-obra, e absolutamente vinculada à rede de fornecedores de insumos como aço e
componentes como motores, material elétrico e eletrônico e outros equipamentos e
acessórios (FADDA, 2000), a organização da indústria de navipeças cumpre um papel
determinante na competitividade e desempenho da indústria naval.
A experiência internacional recente da indústria de navipeças – principalmente
Japão, Coréia do Sul e China que têm o domínio absoluto do mercado mundial naval -
tem demonstrado que a interação a jusante com a cadeia naval possui dois vetores: de
um lado, através da difusão de inovações organizacionais, como a redução do número
26
de fornecedores diretos aos estaleiros e fornecimento just in time de sistemas e blocos
completos; no mesmo sentido, a adoção de novas tecnologias em componentes
relacionados à propulsão, comunicações e navegação tem permitido ganhos de
produtividade à indústria naval.
Por outro lado, também no plano internacional, as estratégias de outsourcing dos
estaleiros, permitindo a obtenção de economias de escala através da padronização e
redução de custos, têm atuado na direção de redução do número de fornecedores diretos,
os quais atuam na montagem e instalação de sistemas e blocos completos de alto valor
agregado dentro do estaleiro com utilização de mão-de-obra própria e com participação
direta na elaboração dos projetos e desenvolvimento de componentes, diminuindo os
prazos de entrega e maximizando o atendimento às especificações, o que termina por
resultar em contratos de fornecimento de longo prazo.
Entretanto, constata-se uma hierarquização da indústria de navipeças, pois, além
dos fornecedores diretos, existem também os fornecedores de componentes de baixo
valor agregado, os quais não mantêm relações comerciais com os estaleiros, mas apenas
com os fornecedores diretos.
Em qualquer situação, a proximidade física com os estaleiros e com outros
fornecedores, gera externalidades positivas para a indústria de navipeças resultando em
aumento de produtividade par a cadeia produtiva e se constituindo em fator
determinante da competitividade.
Em função desse fator determinante da competitividade – proximidade física
entre fornecedores e estaleiro - ensina a experiência internacional, que é
imprescindível e absolutamente fundamental para a existência, estruturação e
competitividade da cadeia produtiva naval, que a indústria de navipeças possua um
elevado índice de conteúdo local, como forma de maximizar o aproveitamento das
sinergias existentes entre fornecedores e a indústria montadora de navios. De acordo
com MAFFIOLI, DAIDOLA & OLIVIER (2001, p.20):
Competitiveness is based on continuous product engineering and facility
improvement which are to be accomplished by one’s own company and/or in
cooperation with competent suppliers. Ship design, particularly the design of
complex ships, is strongly influenced by relations between builders and
suppliers. External costs for the complex ship are, for example, typically more
27
than 75% of the total cost of the ship. Competent suppliers know the systems
but do not know the ship and vice versa. The best results ate obtained when the
shipbuilder cooperates in teaming with chosen suppliers.
1.2.5 Fornecedores e conteúdo local na indústria naval: Japão, Coréia do Sul e China.
As empresas asiáticas entrevistadas em 2006 corroboram a assertiva acima acerca
da importância crucial de um elevado nível de conteúdo local da indústria de navipeças.
Senão vejamos.
O estaleiro japonês SHI (Sumitomo Heavy Industries), entrevistado em
Maio/2006, revela que a sua montagem de navios envolve apenas 200 a 250
fornecedores, número este que apresenta tendência de diminuição, e que sua produção
possui um índice de conteúdo local de 80% a 90%. Ainda segundo a entrevista, o
sistema de padronização e montagem “toyotista” permitiu concentração de
fornecedores, com contratos de relacionamento de longo prazo (ainda que pagamentos
sejam contra entrega de material, envolvendo cada vez mais turn key, e sistema just in
time, inclusive blocos);
Segundo os entrevistados, tal estratégia, focada no binômio especialização-
padronização-montagem, será mantida pelos próximos 3 anos, no mínimo;
adicionalmente, todos no estaleiro foram unânimes no reforço à idéia de que uma rede
de fornecedores locais bem estabelecida é fundamental para a competitividade.
Uma segunda entrevista, também realizada em maio/2006 com o CEO e principal
acionista da Yantai Raffles, Yantai, Shandong, estaleiro localizado na China, ressalta
uma forte intensificação de uma relação mais integrada com fornecedores nos últimos 4
anos, com desempenho positivo em engenharia/projeto e risco compartilhado, embora
ressalte que gostaria que seu cliente também diluísse riscos em atividades conjuntas.
Nessa entrevista, o principal executivo do estaleiro chinês foi questionado acerca
da viabilidade atual da indústria naval no Brasil e afirmou categoricamente que isso é
possível apenas e tão somente no caso da existência prévia de uma “sólida cadeia de
suprimentos”. Vale dizer, aponta que há uma clara precedência da rede de
fornecedores e da indústria de navipeças no que tange à competitividade da indústria
naval.
28
Em terceiro lugar, a visita ao estaleiro da Samsung na Coréia do Sul constatou
que, do total de 16.000 trabalhadores, aproximadamente 50% são vinculados à rede de
fornecedores, número este que apresenta tendência sistemática de aumento. Por outro
lado, em função de salários menores na subsidiária da China - 1/6 a 1/8 dos salários na
Coréia do Sul, o estaleiro tem importado 10% dos blocos maiores de um navio.
Finalmente, também foi entrevistada a empresa DSME (Daewoo Shipbuilding) da
Coréia do Sul, considerado benchmark da indústria naval. O estaleiro possui cerca de
940 fornecedores, metade dos quais é constituído de empresas estrangeiras
(principalmente França, Japão e Itália) que realizam a montagem de componentes na
própria Coréia do Sul.
No caso dos navios de grande porte (LNG, entre outros), o estaleiro coreano
DSME utiliza a quase totalidade dos fornecedores em operações locais e realizam
entrega no sistema turn key, embora parte dos funcionários da DSME tenham
participação na montagem final dentro do navio, com rateio da comissão entre
trabalhadores contratados pelos fornecedores e trabalhadores do estaleiro.
Finalmente, também no caso do estaleiro coreano DSME deve ser ressaltada
importância dos ganhos de aglomeração, pois os principais fornecedores estão
instalados bastante próximos dos estaleiros, onde realizam a montagem de blocos e
sistemas para a DSME e também para outras empresas como a Samsung.
A tabela 1.2 abaixo procura sintetizar os resultados das entrevistas e visitas
realizadas em Maio de 2006 com os principais executivos dos estaleiros asiáticos –
Japão, China e Coréia do Sul – acerca do conteúdo local utilizado nestas empresas:
Tabela 1.2 - Conteúdo Local de Estaleiros Asiáticos Selecionados – 2006 (em %)
EEssttaalleeiirrooss//PPaaííss Conteúdo Local -2006
Daewoo - Coréia do Sul 80%
Samsung – Coréia do Sul 90%
Yantai Raffles - China 80%
Sumitomo - Japão 80%
Fonte: Visitas/Entrevistas realizadas em Maio de 2006
Portanto, em todos os estaleiros visitados nos países asiáticos, os quais
concentram aproximadamente 85% do market share global da indústria naval,
29
constatou-se a importância estratégica da presença de uma rede de fornecedores
fisicamente próxima dos estaleiros como fator determinante da competitividade desta
indústria, envolvendo, naturalmente, um elevado índice de conteúdo local na cadeia
produtiva, ainda que a propriedade do capital das empresas fornecedoras seja externa.
1.3 Uma breve síntese
A comparação internacional entre a indústria automobilística e a indústria naval,
ressaltando as diferenças intersetoriais per se já revela o grau de dificuldade e a
impossibilidade de uma transferência integral dos princípios de um setor para outro,
embora isso possa ocorrer parcialmente. No mesmo sentido, a absorção das best
practice depende sempre das características concretas de cada país, sobretudo a
estrutura industrial prévia.
Conforme visto anteriormente, a experiência dos estaleiros asiáticos indica a
necessidade imperiosa de uma rede física de fornecedores locais como elemento central
da competitividade da indústria naval, indicando que não deve ocorrer trade-off entre
importação de componentes e conteúdo local, à medida que os fornecedores devem ser
predominantemente locais e próximos dos estaleiros, bem como dos demais
fornecedores.
Ressalte-se que a interação entre fornecedores e indústria naval, não subtrai a
possibilidade de importação de parcela de determinados componentes (aço, motores,
entre outros). Todavia, é essencial a proximidade entre fornecedores e estaleiros porque
permite ganhos de aprendizado com conseqüente diminuição de custos no design,
fabricação e montagem dos componentes e blocos no próprio navio, além da forte
diminuição nos níveis de estoques, como assim o demonstra a experiência dos países
asiáticos.
Dessa maneira, é mais que razoável a tentativa de indução da indústria brasileira
de navipeças através da exigência de conteúdo nacional de 65% de máquinas e
equipamentos para a construção naval, excetuando outros itens da embarcação como o
casco do navio, por exemplo. Tal exigência é parte PROMEF (Programa de
Modernização e Expansão da Frota) da subsidiária da Petrobrás – Transpetro.
30
As razões para a fragilidade atual da indústria fornecedora de componentes para a
indústria naval situam-se, sobretudo, na escala absolutamente insuficiente da produção
local, acarretando um elevado sobrecusto à produção doméstica em relação aos países
asiáticos que exercem a liderança no mercado mundial. Algumas estimativas desse
sobrecusto, que pode variar entre 17-21%, são apresentadas na seção 4.3 deste estudo.
A ausência de uma escala mínima eficiente na produção de navios de carga em
geral, petroleiros e gaseiros, afeta diretamente a rede de fornecedores, impedindo a
produção local dos componentes de maior valor adicionado. Utilizando os custos
descritos nos orçamentos-padrão apresentados pelos estaleiros para as embarcações de
grande porte recentemente encomendadas no Brasil, valores próximos a 58% do custo
podem ser associados aos componentes (materiais como aço, peças e equipamentos) e
entre 18 e 22% para a mão-de-obra.
Se, por um lado, o índice da utilização de componentes não se distancia em
demasia dos índices da utilização de componentes dos países asiáticos, pois os maiores
estaleiros japoneses possuíam percentuais de 65% e os coreanos situavam-se
ligeiramente abaixo deste índice (61%), por outro lado, os custos com mão-de-obra
superam ligeiramente estes mesmos custos nos estaleiros japoneses (24%) e
significativamente os custos coreanos (30%).
Finalmente, por se tratar de um bem de capital, a interação para frente entre a
indústria naval e usuário é muito mais intensa, exigindo maior fluxo de informações
antes da montagem final do navio por parte do usuário e maior capacidade de
atendimento às especificações dos usuários por parte dos estaleiros e da rede de
fornecedores.
31
2. Melhores práticas na cadeia aeronáutica
2.1 O padrão de concorrência e estrutura de mercado da indústria aeronáutica mundial
O padrão de concorrência da indústria aeronáutica mundial está centrado nas
inovações tecnológicas, particularmente no que se refere ao desenvolvimento de novas
aeronaves, e; nas condições de financiamento, que vão desde o desenvolvimento até a
comercialização das aeronaves.
Ao longo das últimas décadas, a crescente incorporação de avanços tecnológicos
tem resultado em maiores custos de desenvolvimento, produção e financiamento da
indústria aeronáutica como um todo. Este elevado dinamismo tecnológico tem sido o
principal determinante das estratégias das empresas produtoras de aviões, fazendo com
que estas passem a atuar globalmente, mas em segmentos definidos, de forma a poder
bancar os custos de desenvolvimento, produção e comercialização das novas aeronaves.
Estas novas estratégias empresarias, são ao mesmo tempo determinadas e
determinantes da profunda reestruturação produtiva por que tem passado a indústria
aeronáutica mundial, sendo caracterizadas pelos seguintes movimentos:
• Maior internacionalização: nenhum país, fora os EUA, possui um
mercado com dinamismo e magnitude suficiente para bancar os custos de
desenvolvimento de novos aviões, por isso, a necessidade de atuação
global;
• Maior concentração: as últimas duas décadas foram marcadas por um
amplo processo de reestruturação patrimonial (fusões, aquisições e
falências), que levou a uma crescente concentração nesta indústria, como
pode ser observado no quadro 2.1;
• Maior especialização: as fabricantes de aeronaves têm se tornado
grandes sistematizadoras, concentrando seus esforços nas atividades de
projeto, montagem e comercialização de aeronaves, demandando um
amplo conjunto de serviços e produtos de empresas fornecedoras;
32
• Criação de Alianças Estratégicas: formação de alianças, tanto
horizontais, com as empresas concorrentes, quanto verticais, com os
fornecedores, de forma a repartir os custos de desenvolvimento e
aproveitar as competências específicas.
Quadro 2.1- Concentração da Indústria Aeronáutica Mundial de Aeronaves Comerciais, 1980-
2007
Fonte: Embraer.
Cabe ainda destacar o papel do Estado, cuja importância é crescente dentro da
estrutura de concorrência da indústria aeronáutica, através do:
a) apoio as atividades de P&D inerentes ao processo de desenvolvimento de
novas aeronaves e seus respectivos componentes;
b) fornecimento de crédito aos fabricantes e financiamento às vendas, tanto
nacionais, quanto às externas;
c) incentivos e subsídios fiscais e tributários;
d) proteção seletiva de determinados segmentos de mercados;
e) utilização do poder de compra, particularmente no que se refere as
encomendas de aeronaves militares.
33
Desta maneira, pode-se concluir que, atualmente, a indústria aeronáutica apresenta
dimensão global, caracterizando-se como um oligopólio concentrado em nível mundial,
isto é, um pequeno número de atores globais (global players) que atua em segmentos
bastante definidos.
O subitem 2.2 apresenta alguns determinantes importantes da estratégia da
Embraer e de sua inserção no mercado mundial de aeronaves. Destaca sua estratégia
recente de diversificação e suas vantagens competitivas para fazê-lo. A compreensão
destes elementos faz-se importante para destacar alguns pontos de convergência e
divergência em relação à dinâmica de concorrência na indústria naval. Nesse sentido,
sua compreensão torna-se complementar à análise pura das relações da Embraer com
seus fornecedores, descrita a partir do tópico 2.3.
2.2 A Inserção da Embraer na indústria aeronáutica mundial
2.2.1. Características gerais da Embraer
No Brasil, a produção aeronáutica está concentrada em uma única firma, a
Embraer - Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A, uma empresa de capital nacional
com sede em São José dos Campos, São Paulo. Depois de mais de uma década de
intensa disputa com a empresa canadense Bombardier, a Embraer atingiu recentemente
a liderança no mercado de jatos regionais, se consolidando como a terceira maior
fabricante de aviões comerciais do mundo, atrás apenas da Boeing norte-americana e do
consórcio europeu Airbus. Esta bem sucedida estratégia empresarial se reflete no
excepcional desempenho financeiro desta empresa, cuja receita líquida saltou de R$ 1,5
bilhão, em 1998, para R$ 8,3 bilhões, em 2006, um crescimento de 453% em 8 anos.
34
Fundada em 1969, como empresa estatal de capital misto, a Embraer foi
privatizada em 1994. O controle da empresa ficou dividido entre a Cia. Bozano e os
fundos de pensão Previ e Sistel, que detinham 60% das ações ordinárias. Em 1999, a
Embraer formalizou uma aliança estratégica com um grupo formado pelas maiores
companhias aeroespaciais francesas, que adquiriram 20% do capital votante da empresa.
Apesar desta parcial desnacionalização, o grupo de controle continuou nas mãos dos
três sócios nacionais, além do governo federal, que possui uma ação que lhe confere
poderes especiais (golden share). Em março de 2006, a Embraer realizou uma ampla
reestruturação societária, que a transformou na primeira companhia brasileira de grande
porte com capital totalmente pulverizado, sendo estabelecidas as seguintes diretrizes:
a) nenhum acionista ou grupo de acionistas terá direito a voto superior a 5%,
desestimulando a concentração de ações em poucos controladores;
b) os acionistas estrangeiros, seja isoladamente ou em grupo, terão seu direito
limitado a 40% do total de votos, de forma a evitar a desnacionalização da
empresa;
c) qualquer acionista ou grupo de acionistas está proibido de adquirir uma
participação igual ou superior a 35% do capital da Embraer, salvo com
expressa autorização da União, na qualidade de detentora da golden share,
e sujeita à realização de uma Oferta Pública de Aquisição (OPA).
Atualmente, a Embraer é o único global player que o Brasil possui na área de alta
tecnologia, fazendo com que a indústria aeronáutica tenha uma grande importância para
o país, tanto do ponto de vista econômico quanto estratégico. Além disso, esta forte
atuação internacional da Embraer tem contribuído para promover a própria imagem do
Brasil no exterior. A importância desta empresa também se estende à geração de
empregos de alto nível3 e à produção de consideráveis superávits comerciais. Quanto a
este último aspecto, observa-se que a Embraer realiza mais de 95% das suas vendas no
exterior, fazendo com que ela se posicione como uma das maiores exportadoras
brasileiras.
3 A Embraer possui mais de 20 mil funcionários, sendo que aproximadamente 1/3 deste possui nível universitário (EMBRAER. Embraer em Números, 2006).
35
2.2.1 A Embraer e seus mercados
O segmento de mercado onde a Embraer mais se destaca é o dos jatos regionais,
que como pode ser visto no gráfico abaixo representa mais de 60% do seu faturamento.
Além disso, a empresa brasileira também atua na produção de aviões militares e
aeronaves executivas.
A opção da Embraer pelo mercado regional, onde a empresa brasileira atua com
uma linha completa de aeronaves modernas e de baixos custos, forneceu uma
importante vantagem competitiva para a companhia. No contexto da crise do mercado
de aviação comercial, agravado ainda mais pelo terrorismo, o segmento de aeronaves
regionais foi um dos menos afetados. Isto se deve ao fato das modernas aeronaves deste
segmento apresentarem menores custos de operação e aquisição, além de oferecerem
uma capacidade mais adequada a um mercado em retração.
Gráfico 2.2 - Embraer: distribuição da receita por segmento, 2006 (em %)
Comercial64%Defesa
6%
Corporativo16%
Outros14%
Fonte: EMBRAER.
A Embraer atua no mercado comercial com duas famílias4 de jatos regionais: a)
família ERJ-135/145 de 35 a 50 assentos, um sucesso comercial com mais de 900
unidades entregues desde o início de sua produção, em 1996, e; b) A família EMB-
170/190, aeronaves com capacidade entre 70-108 passageiros, lançada recentemente. O
novo desafio da empresa brasileira no segmento de jatos regionais é que seus modelos
4 Família de Aeronaves: versões derivadas de um modelo básico que permitem atender demandas específicas, além de propiciar menores custos e maior disponibilidade para os operadores.
36
de maior capacidade passaram a competir diretamente com as menores aeronaves
produzidas pelas duas grandes fabricantes mundiais (Boeing e Airbus).
O grande sucesso das aeronaves regionais da Embraer se deve: a) tendência
histórica de ampliação das dimensões das aeronaves regionais; b) substituição dos
aviões de grande porte por menores em rotas onde existe excesso de capacidade
(assentos); c) mercado não atendido pelos demais fabricantes, existindo uma lacuna na
oferta, particularmente no segmento de 70-110 passageiros, onde a Embraer é a única
produtora mundial; d) estabelecimento das parcerias de risco juntamente com seus
principais fornecedores.
Ainda dentro do segmento de aeronaves regionais, a Embraer têm procurado
expandir suas vendas para novos mercados, novas regiões. Contudo, observa-se que a
empresa ainda é muito dependente do mercado americano, que responde por quase 60%
do seu faturamento.
Gráfico 2.3 - Embraer: distribuição da receita por região, 2006 (em %)
Américas57%
Europa22%
Brasil4%
Outros17%
Fonte: EMBRAER.
Buscando diversificar suas atividades, a Embraer tem por objetivo se tornar um
dos grandes fabricantes de jatos executivos do mundo, nos próximos 10 anos, e para
isto tem adotado um conjunto de estratégias bastante agressivas que visam ocupar todos
os segmentos deste mercado, seja através de aeronaves derivadas dos jatos comerciais,
seja com o lançamento de aviões projetados exclusivamente para este segmento. Desde
2002, a Embraer atua no mercado de jatos executivos com o Legacy-600, um moderno
37
jato derivado do ERJ-135, cujas vendas têm apresentado um bom desempenho. Em
2006, a Embraer anunciou o lançamento de dois novos produtos para as categorias de
jatos muito leves (VLJ – Very Light Jets), designados Phenom-100 e 300, para 4 e 9
ocupantes, respectivamente5. Estas aeronaves visam atender principalmente as empresas
de táxi aéreo e operadores de propriedade compartilhada, que buscam aviões modernos
e com preços competitivos. Por fim, a Embraer também anunciou, em 2006, o
lançamento de um jato executivo de grande porte, o Lineage-1000, derivado do EMB-
190, para até 18 ocupantes, sendo um dos maiores aviões executivos “em série” do
mundo.
Dentro de sua estratégia de diversificação, a Embraer tem buscado ampliar a sua
atuação no segmento de aviões militares. Apesar de ter sido criada no final da década
de 60 para atender prioritariamente a demanda da FAB – Força Aérea Brasileira, a
atuação da Embraer no mercado de aeronaves militares não acompanhou o crescimento
da empresa. No final dos anos 90, a Embraer foi contratada para fornecer as aeronaves
de monitoramento do SIVAM - Sistema de Vigilância da Amazônia. Estas aeronaves,
derivadas do modelo regional EMB-145, estão entre as mais sofisticadas do mundo no
que se refere à vigilância eletrônica, tendo sido exportadas para as forças aéreas da
Grécia e do México. Nos últimos anos, a Embraer tem se dedicado a produção das
aeronaves de treinamento militar Super Tucano para a FAB, havendo a expectativa de
que este novo avião repita o sucesso no mercado internacional do seu antecessor, a
aeronave Tucano. A Embraer também tem participado em conjunto com a empresa
israelense Elbit dos programas de modernização dos atuais caças, F-5 e AMX, da FAB.
Recentemente, a Embraer apresentou ao público seus estudos para o desenvolvimento
de um jato de transporte militar de médio porte, denominada previamente de EMB C-
390.
5 “Os dois jatos são menores e bem mais baratos que o Legacy, que custa US$ 25 milhões. O Phenom 100 tem espaço para quatro passageiros e preço de US$ 2,85 milhões. O Phenom 300 transporta até nove pessoas e custa US$ 6,65 milhões” (Folha de São Paulo, 03/12/2006).
38
Quadro 2.2 - Embraer - Mercados de Atuação - 2007
MERCADOS CARACTERÍSTICAS GERAIS
Regional A aviação regional é o principal mercado da Embraer, que produz duas famílias de jatos:
• ERJ 135/145 (35-50 assentos)
• EMB 170/190 (70-110 assentos).
Executivo Iniciando a atuação neste mercado com a adaptação dos modelos regionais e recentemente, lançando uma linha de pequenos aviões executivos (VLJ):
• Linage 1000 (18 assentos)
• Legacy 600 (13 assentos)
• Phenom 100 e 300 (6-9 assentos)
Militar
Segunda geração de aeronaves de treinamento turboélice
• Super Tucano
Lançamento de modelos de vigilância e guerra eletrônica:
• EMB 145 AEW&C e RS/AGS
Estudo para avião de transporte militar
• EMB C 390 (capacidade - 20 tons.)
Fonte: Elaboração Própria.
A Embraer também está buscando ampliar a sua atuação no segmento de
prestação de serviços aeronáuticos. Inicialmente, estes serviços estavam voltados para
manutenção e treinamento de suas próprias aeronaves. Entretanto, nos últimos anos, esta
área de serviços tem apresentado uma participação crescente dentro dos negócios da
Embraer, passando também a fornecer serviços de manutenção e modernização para
aeronaves de outros fabricantes, além de ser subcontratada para a produção de estruturas
e sistemas aeronáuticos. Outro elemento que tem contribuído para expansão da Embraer
no segmento de serviços aeronáuticos é a sua entrada no segmento de jatos executivos.
Apesar das semelhanças técnicas com os aviões regionais, o mercado de jatos
executivos apresenta como um dos fatores competitivos determinantes a existência de
uma rede de serviços pós-venda de escala global6.
6 Na área de defesa, as forças aéreas possuem suas estruturas de manutenção de aeronaves e no mercado de aviação comercial, muitas companhias aéreas possuem subsidiárias voltadas para a prestação de serviços em suas próprias aeronaves.
39
2.2.3. A capacitação tecnológica da Embraer
A destacada competência tecnológica da Embraer foi alcançada graças aos
esforços cumulativos de desenvolver as tecnologias-chaves que determinam o avião
como um produto final: a) Produto: projetos de novas aeronaves; b) Processo:
montagem das aeronaves, a capacidade de integração de sistema; c) Serviço:
gerenciamento, comercialização e assistência pós-venda. Em suma, as vantagens
tecnológicas da Embraer concentram-se no projeto e montagem final de novas
aeronaves. A Embraer utiliza estas competências tecnológicas nos diferentes mercados
em que atua, de forma cumulativa, isto é, as tecnologias obtidas na produção de
determinados aviões são posteriormente utilizadas no desenvolvimento e produção de
novas aeronaves. Um dos exemplos foi a produção do caça tático a jato AMX, nos anos
80 e 90, em conjunto com as empresas italianas, mesmo tendo sido um fracasso nas
exportações este projeto permitiu a Embraer o domínio de diversas tecnologias, depois
utilizadas no desenvolvimento da família de jatos regionais ERJ-145, que como visto,
foi um grande sucesso comercial.
2.2.4. Os investimentos da Embraer
Observa-se que o sucesso comercial e a competência tecnológica da Embraer
estão assentados nos grandes investimentos realizados pela empresa. Mesmo com a
estagnação econômica das últimas décadas, a Embraer foi uma das poucas empresas
brasileiras que manteve elevados níveis de investimento. Nos últimos 5 anos, a empresa
investiu uma média de US$ 250 milhões/ano, nas seguintes áreas: i) novos produtos,
mais especificamente na família EMB-170/190; ii) desenvolvimento de novas
tecnologias, principalmente de produto; iii) capacitação produtiva: a. modernização da
estrutura produtiva com a incorporação de novas tecnologias de processo; b. novos
sistemas administrativos e de engenharia, com a completa informatização da empresa; c.
renovação do parque produtivo de São José dos Campos; d. nova unidade industrial,
instalada a partir de setembro de 1999, no município de Gavião Peixoto, destinada a
produção das aeronaves militares e corporativas, segmento que a Embraer elegeu para
ampliar suas atividades.
40
2.2.5. A internacionalização produtiva da Embraer
As elevadas economias de escala e escopo existentes na indústria aeronáutica
fazem com que os fabricantes busquem concentrar suas atividades produtivas em
poucas plantas industriais. Mesmo assim, a Embraer tem adotado uma estratégia de
progressiva internacionalização de suas atividades, onde se destaca a constituição, em
2003, da HEAI - Harbin Embraer Aircraft Industry, uma joint-venture entre a Embraer e
a empresa chinesa AVIC II - Aviation Industry of China II. Esta joint-venture tem como
objetivo a montagem final, venda e assistência técnicas das aeronaves de 37-50 lugares
destinadas ao mercado chinês.
No final de 2004, foi adquirida a OGMA - Indústria de Aeronáutica de Portugal
S.A. e, no ano seguinte, iniciou-se a construção de novas instalações para a manutenção
de aeronaves na Unidade de Nashville, nos Estados Unidos, a EAMS – EMBRAER
Aircraft Maintenance Services, Inc.
A internacionalização produtiva da Embraer visa, no caso joint-venture chinesa,
superar as barreiras de ordem legal, e nos outros dois casos estabelecer uma rede de
assistência técnica de escala global, que como visto, apresenta uma importância ainda
mais significativa para o segmento de aeronaves executivas. Por fim, existe a
possibilidade da subsidiária portuguesa vir a se tornar responsável pela produção de
partes e peças dos aviões da Embraer.
2.2.6. Riscos da inserção competitiva da Embraer
Apesar do grande sucesso comercial da Embraer, ela é uma empresa com atuação
pouco diversificada, concentrando, aproximadamente, 60% da sua produção em um
único segmento e em um único mercado, os jatos regionais para o mercado americano.
A Embraer divide praticamente pela metade, com sua concorrente canadense, o
mercado mundial de aeronaves regionais, cujas vendas totais estão estimadas em US$ 6
bilhões/ano. Mesmo tendo avançado sobre sua concorrente, com o lançamento de uma
nova família de aeronaves, é difícil que ela consiga ampliar continuamente sua
participação neste segmento, ao contrário, a expectativa é de que com a eventual entrada
de novos concorrentes esta participação possa vir a diminuir. Além disso, existe um teto
para a expansão do próprio segmento de aviões regionais, já que as suas maiores
41
aeronaves concorrem diretamente com os menores jatos da Boeing e da Airbus, as duas
maiores fabricantes de aeronaves do mundo.
A estratégia de diversificação da Embraer busca ampliar sua atuação nos
segmentos de aeronaves executivas e militares, contudo, a expansão nestes dois
mercados apresenta limitações que precisam ser superadas. O mercado de aviação
executiva tem como fator competitivo chave a maior sofisticação das aeronaves, que se
reflete na marca/tradição destas. Apesar das excelentes qualidades técnicas das
aeronaves executivas produzidas pela Embraer, esta empresa ainda não tem tradição de
atuação neste mercado. Além disso, este segmento apresenta uma estrutura de mercado
menos concentrada, havendo um grande número de empresas concorrentes já
estabelecidas, onde se destacam a Bombardier, a Dassault, a Gulfstream, a Cessna e a
Raytheon.
Por sua vez, o segmento de defesa representa uma grande oportunidade para a
Embraer expandir suas atividades. Entretanto, este mercado depende basicamente do
poder de compra do Estado, além da atuação do governo brasileiro junto a outras nações
visando a exportação desta categoria de aviões. As restrições orçamentárias, agravadas
ainda mais por uma política fiscal que visa a obtenção de crescentes superávits
primários, fizeram com que o programa de reequipamento da Força Aérea Brasileira
sofresse significativos cortes e atrasos. Em relação às exportações de aeronaves
militares, apesar do apoio do Itamaraty, deve-se destacar que na totalidade das vezes,
estas foram precedidas por grandes encomendas das forças armadas brasileiras,
retornando-se assim a questão orçamentária.
2.2.7. As vantagens competitivas da Embraer e as suas potencialidades
A Embraer é atualmente a líder mundial no segmento de aeronaves regionais de
propulsão a jato, tendo vencido sua concorrente canadense, Bombardier, não apenas na
OMC – Organização Mundial do Comércio, mas principalmente no lançamento de uma
nova família de aeronaves. Enquanto os aviões da Embraer já estão sendo vendidos
desde 2004, a Bombardier desistiu, pelo menos temporariamente, de lançar uma nova
família de aeronaves para operar neste segmento7. Outros potenciais concorrentes, como
a empresa russa Sukhoi, a japonesa Mitsubishi e a chinesa AVIC I, além de não terem
7 Entretanto, a Bombardier está lançando uma versão alongado de 100 assentos da família CRJ voltada inicialmente para 50 passageiros.
42
experiência na comercialização de aeronaves no ocidente, ainda estão na fase de
projeto/teste. Desta maneira, a Embraer continuará, por um bom tempo, a ser a única
fabricante mundial de aeronaves a jato com capacidade entre 70 e 110 passageiros,
havendo excelentes perspectivas de venda destas aeronaves. Por sua vez, a família de
jatos na faixa de 30 a 60 assentos atingiu sua fase de maturidade, havendo uma
desaceleração das vendas no último ano, mas a perspectiva é que a linha de produção
continue ativa por vários anos, com especial atenção para China, onde a Embraer
mantém uma unidade de montagem destas aeronaves.
Apesar das boas perspectivas na aviação comercial, a Embraer está buscando
diversificar suas operações para outros mercados, de forma a ampliar seus ganhos e
diminuir os riscos de concentrar suas vendas em apenas um único segmento. A Embraer
está adotando uma estratégia bastante agressiva para se tornar, até 2015, um dos grandes
players do mercado de jatos executivos do mundo. Para isto, ela está aproveitando as
sinergias existentes e lançando modelos derivados dos seus médios e grandes jatos
comerciais. Além disso, ela está entrando numa nova categoria que apresenta excelente
perspectiva de crescimento, a dos VLJ – Very Light Jets. De maneira geral, observa-se
que a Embraer está procurando atender a todas as faixas de mercado existentes na
aviação executiva.
O mercado de aviões militares é de grande importância para Embraer, não apenas
para diversificar suas atividades, mas como forma de acesso a novas tecnologias, que
posteriormente são utilizadas no desenvolvimento e produção de aeronaves civis. Com
relação aos aviões de militares de primeira linha, os caças supersônicos, observa-se que
atualmente, a FAB está optando por modernizar seus antigos caças, na própria Embraer.
Entretanto, a vida remanescente destas aeronaves é pequena e, em pouco mais de uma
década, todos os esquadrões de caça da FAB terão de ser substituídos, criando-se assim
uma boa expectativa de que a Embraer participe do fornecimento destes aviões, em
conjunto com a empresa vencedora da provável concorrência. Além disso, a Embraer
também possui boas perspectivas de exportação de aeronaves turbohélice de
treinamento e de vigilância eletrônica, nos próximos anos. Ambos os tipos são de
aeronaves modernas, que além de terem sido adquiridas pela Força Aérea Brasileira em
grande número, recentemente receberam as primeiras encomendas do exterior. Por fim,
o novo modelo em estudo, a aeronave de transporte militar EMB C-390 encontra
grandes chances de sucesso, pois as aeronaves atualmente em uso neste segmento têm
43
idade avançada e estão perto da desativação, não havendo, por outro lado, aeronaves
modernas que possam substituí-los.
2.3 Embraer: evolução da relação com seus fornecedores
2.3.1. Origem da Embraer - uma empresa horizontal
Dentro da indústria aeronáutica mundial, a Embraer pode ser considerada uma
empresa recente, mesmo tendo sido criada no final dos anos 60, pois a maioria dos seus
concorrentes já estava estabelecida neste período. Nesta época, a elevada da
complexidade tecnológica e altos custos dos novos projetos aeronáuticos fizeram com
que, a Embraer fosse concebida como uma montadora final, que se dedicaria
exclusivamente ao projeto e montagem de aeronaves. Desde o início de suas
atividades a Embraer buscou desenvolver as tecnologias-chaves que determinam o avião
como um produto final, de forma que o fornecimento de componentes sempre foi
realizado por outras empresas nacionais ou estrangeiras.
Esta nova concepção de indústria aeronáutica implicou em renunciar ao sonho dos
anos 40 e 50, que era o de construir, no Brasil, uma indústria aeronáutica completa e
integrada, com avião, motores, componentes, peças e aviônicos totalmente
nacionalizados. Este sonho estava de acordo com a baixa complexidade dos projetos
aeronáuticos do imediato pós-guerra, onde era possível se internalizar a maioria das
etapas da cadeia produtiva. Outros países, como a Argentina8, haviam adotado esta
estratégia, passando a produzir localmente, não apenas os aviões, como também muitos
de seus componentes.
Entretanto, o caso brasileiro seguiu direção oposta, pois na Embraer os esforços
foram direcionados para a capacitação na área de projetos e montagem de aviões e na
integração de sistemas. Cabe destacar que, inicialmente, a Embraer buscou parcerias
estratégicas para desenvolver estas capacitações, entre estas parcerias destacam-se o
acordo tecnológico com a italiana Aermacchi, para produção de um avião de
treinamento militar, e a fabricação dos aviões da Piper Aircraft norte-americana. A
primeira parceria foi fundamental para a capacitação em projetos de aeronaves e a
segunda, para aprender a produzir aviões em série.
44
A Embraer não tinha interesse de produzir internamente os componentes e
sistemas, por inúmeras razões: escala, mercado, confiabilidade tecnologia e,
principalmente, porque estas atividades não faziam parte do seu core business. Assim, a
maioria destes foi adquirida no mercado, particularmente dos grandes fornecedores
internacionais. Apenas os componentes de menor complexidade tecnológica passaram a
ser fabricados no Brasil por empresas subcontratadas.
Segundo Dagnino (1994:59), se as autoridades do setor aeronáutico tivessem
perseguido a “miragem do índice de nacionalização, nos anos 90 ela poderia ter
chegada próximo aos 50%, mas este fator teria implicado na adoção de uma estratégia
tecnológica completamente diferente. Os custos seriam talvez até mesmos proibitivos e
o tempo de entrada no mercado seria seguramente maior, pois, tal estratégia implicaria
na reprodução de todo o ciclo de desenvolvimento dos países centrais. Basta lembrar,
por exemplo, que o número de países que fabricam motores aeronáuticos com
tecnologia própria não é superior a cinco”.
2.3.2. Anos 70-80: Embraer - relação direta com os fornecedores As décadas de 1970 e 1980 marcam o início das atividades da Embraer e a sua
consolidação como uma empresa aeronáutica de atuação internacional. Nos anos
setenta, o objetivo prioritário era a operacionalização da Embraer como uma produtora
de aeronaves. O Estado fez sua parte, primeiramente ao criar a empresa, pois a Embraer
surgiu como uma empresa estatal vinculada ao Ministério da Aeronáutica,
posteriormente por garantir as demandas desta empresa através da FAB – Força Aérea
Brasileira que, inicialmente, realizou uma encomenda de 80 aviões Bandeirante e 112
jatos de treinamento Xavante. Cabe destacar que o Bandeirante foi o primeiro avião
projetado pela Embraer e também foi utilizado pela aviação regional, enquanto os jatos
de treinamento foram produzidos sob licença da empresa italiana Aermacchi. Além
disso, o Ministério da Aeronáutica decidiu também transferir para a Embraer o
programa do avião agrícola Ipanema, que estava sendo desenvolvido com verbas
fornecidas pelo Ministério da Agricultura. Por fim, o Ministério da Aeronáutica criou
8 A FMA – Fábrica Militar de Aviones foi criada pelo governo argentino em 1927, atingindo seu auge nos anos 40 e 50, tendo sido adquirida nos anos 90 pela norte-americana Lockheed Martin, passando a se chamar Lockheed Martin Aircraft Argentina SA.
45
uma reserva de mercado para os aviões leves9, segmento que a Embraer passou a
atender graças a um acordo de cooperação que foi assinado, em 1974, com norte-
americana Piper Aircraft, para produção local de uma extensa linha de monomotores e
bimotores a pistão.
A década de 80 é marcada pelo avanço internacional da Embraer, graças a dois
novos aviões desenvolvidos inteiramente no país, o turbohélice de treinamento militar
EMB-312 Tucano, apresentado em 1980, e o avião regional de 30 assentos EMB-120
Brasília. Depois de uma da grande encomenda inicial da FAB, que adquiriu mais de 130
unidades, o Tucano se consagrou no mercado internacional, sendo exportado para mais
de 10 países, entre eles a França e a Inglaterra10. O Brasília, um bimotor turbohélice de
alto desempenho foi lançado em 1983, conquistando ao longo dos anos 80 uma posição
de destaque no mercado internacional, tendo sido adotado por diversas companhias
aéreas regionais norte-americanas e européias.
Apesar do sucesso comercial e dos avanços tecnológicos obtidos ao longo destas
duas décadas, a estrutura produtiva da Embraer ainda apresentava uma relação direta
com todos os seus fornecedores. Quanto maiores e mais sofisticadas as aeronaves
fossem, maior a complexidade e o custo de se administrar esta relação direta com os
fornecedores. Por exemplo, o EMB-120 Brasília possuía cerca 500 diferentes
fornecedores, com mais de 90% destes localizados no exterior.
2.3.3. Anos 90: Embraer – criação das parcerias de risco
O início dos anos 90 é um período de grave crise econômica na Embraer, as
encomendas do modelo EMB-120 Brasília estavam praticamente esgotadas, e o projeto
CBA-123 havia sido um fracasso11. A crise financeira da empresa foi agravada ainda
mais por dois fatores estruturais: a) a crise fiscal do estado que repercutiu de forma
direta na queda dos investimentos, financiamentos e demanda pública e; b) a falta de
9 Em 1973, as importações de aviões leves mais que dobraram, atingindo 508 unidades, entre outros fatores, devido demanda gerada pela expansão da fronteira agrícola para as regiões centro-oeste e norte do país. Neste contexto de grande expansão da demanda foi estabelecida a política de substituição de importações para este tipo de aeronave. 10 Em 1985, a Embraer em conjunto com a Short Brothers, ganhou a concorrência internacional realizada pela RAF – Royal Air Force, para o fornecimento de um novo avião de treinamento, com a condição que estes novos aviões fossem produzidos sob licença pela sócia britânica. 11 O CBA - Vector, desenvolvido em conjunto com a Argentina, era um avião regional de pequeno porte e tecnologias inovadoras, mas estava totalmente descolado da realidade do mercado, pois além de apresentar custos muito elevados não apresentava demanda que justificasse sua produção. Como conseqüência, foi responsável por um prejuízo de US$ 280 milhões aos cofres da Embraer.
46
flexibilidade empresarial, principalmente para a captação de recursos, devido ao
gerenciamento estatal focado na lógica tecnológica12.
A solução encontrada pelo governo foi a privatização, que resultou numa
profunda reestruturação na empresa. A nova direção da Embraer passou a focar o
mercado, os resultados financeiros, sem abandonar, entretanto, a excelência tecnológica
que havia caracterizado a empresa enquanto estatal. O ERJ-145 sintetiza esta nova
estratégia da empresa. Antes da privatização já existia o projeto de uma nova aeronave
regional a jato, mas não havia condições financeiras de tirá-la do papel. Depois de
privatizada, a nova direção decidiu levar a frente o projeto da nova aeronave, o ERJ-
145, mesmo não possuindo recursos suficientes para isto. Esta era a única saída para a
Embraer, pois a sua maior concorrente, a canadense Bombardier, já havia lançado um
jato da mesma categoria do ERJ-145, dois anos antes e que estava sendo um sucesso.
Neste contexto de falta de recursos, a Embraer buscou parceiros de risco para o
projeto: na realidade buscou-se empresas fornecedoras que dividissem os riscos
“financeiros” do no avião com a empresa brasileira13.
Quatro foram os parceiros de risco escolhidos pela Embraer para o projeto ERJ-
145:
• Gamesa - Grupo Auxiliar Metalúrgico S.A., responsável pela produção de
asas, naceles do motor, carenagens de junção asa/fuselagem e as portas do
trem de pouso principal. A Gamesa era uma empresa espanhola que passou a
atuar na indústria aeronáutica graças à transferência de tecnologia promovida
pela Embraer14, tanto que mais de 90% do faturamento da Divisão
Aeronáutica da empresa, eram decorrentes da parceria com a empresa
brasileira;
12 Segundo Bernandes (2000:12) “apesar da história de excelência tecnológica da Embraer, sua gestão era excessivamente engineering driven, ou seja, muito direcionada para a técnica e pouco para os resultados financeiros, ou em outros termos, uma ausência de uma consciência de custos e visão negocial”. 13 Segundo a Embraer, os parceiros realizaram um aporte para o projeto ERJ-145 de aproximadamente US$ 100 milhões, o que representou aproximadamente 33% dos investimentos totais no projeto ERJ-145. Cabe destacar que o grande parceiro da Embraer neste empreendimento foi o BNDES, que financiou US$ 155 milhões, mais da metade do investido pela empresa brasileira. 14 Segundo DORNA (2003:6) “Praticamente todos os procedimentos operacionalizados pela Gamesa foram ensinados por funcionários da Embraer enviados à Espanha em 1994. Além disso, praticamente 100% da mão-de-obra contratada pela empresa no intento de atender ao aumento explosivo da demanda pela aeronave é composta por ex-funcionários da Embraer”.
47
• Sonaca - Société Nationale de Construction Aerospatiale, empresa estatal
belga de médio porte que já no segmento aeronáutico15, ficou responsável
pela construção das fuselagens central e traseira, além dos dois pilones dos
motores e portas (principal, de serviço e de bagagem);
• ENAer - Empresa Nacional de Aeronáutica, estatal chilena que passou a
produzir o conjunto de empenagem horizontal/profundor e a empenagem
vertical. A parceria com a Embraer chegou a responder por mais da metade
do seu faturamento;
• C&D Interiors, empresa norte-americana, uma das maiores do mundo em
sua especialidade - desenvolveu e produziu o interior da cabine de
passageiros e compartimento da bagagem.
O objetivo com os parceiros de risco no projeto ERJ-145 eram estritamente
financeiro, já que a Embraer possuía a tecnologia e, como visto, esta foi transferida para
os parceiros, tanto que 3 dos 4 parceiros de risco do projeto ERJ-145 eram fornecedores
estruturais, atividades produtivas que até o modelo anterior eram realizadas
internamente. Também deve se considerar que dada a crise por que passava a empresa, a
Embraer necessitava de uma capacidade produtiva complementar a sua, precisava dos
funcionários dos seus parceiros de risco já que muitos dos seus haviam sido demitidos
no processo de saneamento da empresa anterior a privatização. Em suma, a Embraer
tinha a competência técnica e necessitava dos recursos financeiros e da capacidade
produtiva dos parceiros. A Figura 2.1 ilustra as partes fornecidas pelos principais
parceiros da Embraer.
15 A SONACA é uma tradicional empresa aeronáutica belga que nos anos 70 participou do programa do caça F-16 para OTAN, em conjunto com empresas européias, sendo responsável pela fabricação de partes da fuselagem e montagem final destas aeronaves. Nos anos 80 foi contratada pela Airbus para produzir bordos de ataque das asas para as famílias de aeronaves A318/320 e A330/340, tornando-se fornecedora exclusiva deste componente.
48
Figura 2.1 -Embraer – Parceiros de Risco do Projeto ERJ-145
Fonte: Embraer.
Por outro lado, foi uma grande oportunidade para as parceiras de risco da
Embraer, particularmente das fornecedoras estruturais, pois a empresa brasileira
transferiu toda a tecnologia do projeto, permitindo que estas empresas se consolidassem
como fornecedoras da indústria aeronáutica. Cabe destacar que as três fornecedoras
estruturais eram empresas de médio porte que possuíam uma participação muito restrita
no segmento aeronáutico, uma delas, a Gamesa, sequer atuava nesta indústria. Desta
maneira, a parceria com a Embraer permitiu que estas empresas se alavancassem, não
apenas do ponto de vista tecnológico, mas também financeiro, dado que o sucesso deste
projeto robusteceu o faturamento destas16. Além disso, estes três fornecedores
localizavam-se em países com pouca tradição aeronáutica, havendo assim, um apoio do
governo destes países para que suas empresas participassem do projeto brasileiro17.
Além dos parceiros de risco o projeto ERJ-145 contou com 350 fornecedores,
constituído em sua maioria por grandes e médias empresas estrangeiras que possuem
recursos e capacitação técnica para fornecer matérias-primas, peças, partes e também
subsistemas que atendam às especificações requisitadas pela Embraer.
Por fim, encontram-se as companhias subcontratadas que em geral são pequenas e
médias empresas nacionais que prestam serviços aeronáuticos: fornecem peças
16 Segundo entrevista realizada na Sobraer: “A Embraer é responsável por mais de 40% do faturamento do grupo Sonaca, sendo o principal cliente da empresa belga, juntamente a européia Airbus”. 17 Cabe destacar que nos casos da Gamesa e da Sonaca, os incentivos fiscais vieram principalmente dos governos regionais do País Basco (Espanha) e da Valonia (Bélgica), respectivamente.
49
usinadas, estampadas e de material composto, a partir de especificações e matérias-
primas fornecidas pela Embraer. Também existem algumas empresas subcontratadas
para serviços de engenharia de projetos e sistemas. A maioria das empresas
subcontratadas apresenta uma relação de alta dependência da Embraer, pois mais de
90% de sua receita provem da prestação de serviços para essa empresa.
2.3.4. Anos 2000: Embraer – expansão das parcerias de risco
O sucesso internacional do ERJ-145, juntamente com a crescente demanda por
aviões regionais, levou a Embraer a desenvolver um projeto que atendesse as
necessidades dos clientes: aeronaves maiores, mais modernas, com maior conforto e
baixo consumo de combustível. Desta maneira surgiu uma nova família de aeronaves a
EMB-170/190, com quatro novos modelos, de 70 a 110 passageiros.
O projeto EMB-170/190 foi marcado pela rapidez com que a Embraer desejava
lançar esta nova família aeronave no mercado, pois o objetivo central era o de estar a
frente dos concorrentes e ocupar um espaço onde nenhuma outra empresa atuava, o
segmento de aeronaves a jato de 70-110 assentos. O projeto todo, da concepção ao vôo,
estava previsto para ser realizado num prazo de apenas 38 meses, um período
extremamente curto para o padrão atual da indústria aeronáutica.
Neste contexto a Embraer buscou parceiros de risco para o novo projeto, mas
agora com um aprofundamento das parcerias, tanto no número de parceiros (16
parceiros) como na intensidade desta parceria (participação na concepção técnica em
conjunto com a Embraer). Diferente do projeto ERJ-145, onde os parceiros de risco
contribuíram apenas financeiramente, na nova família de aeronaves, a seleção dos novos
parceiros teve como objetivo central a capacidade de agregação de valor tecnológico ao
projeto. Desta maneira, somente foram selecionadas como parceiras de risco, empresas
que possuíam uma posição consolidada na indústria aeronáutica mundial, como pode ser
visto na tabela 1.
50
Figura 2.2 - Embraer – Parceiros de Risco do Projeto EMB-170/190
Fonte: Embraer.
Além dos fabricantes de estruturas e interiores, empresas produtoras de motores
aeronáuticos, aviônicos, trens de pouso, sistemas hidráulicos e elétricos também foram
selecionadas como parceiras da Embraer no novo projeto. Cabe destacar que três das
quatro parceiras de risco da família ERJ-145 se mantiveram no projeto EMB-170/190,
demonstrando que a transferência de tecnologia ocorrida no primeiro projeto permitiu
que estas se capacitassem no desenvolvimento de nova tecnologia.
51
Neste novo modelo de cooperação com a Embraer, os parceiros de risco passaram
a ter obrigações financeiras e tecnológicas. Com relação ao financiamento do programa,
os parceiros tiveram de realizar um aporte para fazer parte do projeto, mas agora este
financiamento inclui não apenas recursos, mas também os materiais e equipamentos
utilizados no desenvolvimento do novo projeto. No caso do EMB-170/190 os parceiros
bancaram aproximadamente US$ 300 milhões, representando mais de 1/3 do total do
projeto, estimado em US$ 850 milhões. Ao todo foram construídos 4 modelos de
aeronaves (EMB 170, 175, 190 e 195), que foram lançados quase que simultaneamente,
com o objetivo de ocupar todas as faixas deste segmento de uma única vez.
Com relação ao desenvolvimento tecnológico, a Embraer não havia chegado às
especificações completas da aeronave, de forma que os fornecedores precisaram
desenvolvê-las em conjunto com a Embraer. Entretanto, não houve uma transferência de
tecnologia como no projeto anterior, aqui o que houve foi o desenvolvimento conjunto
coordenado e delineado pela Embraer. O corpo técnico dos fornecedores trabalhou em
conjunto e sob a supervisão da empresa brasileira, mais de 400 engenheiros dos
fornecedores trabalharam em conjunto, pelo período de aproximadamente um ano.
Existiam mais de 100 estações de trabalho para os fornecedores estrangeiros, todas
localizadas num mesmo prédio construído especificamente para isto18. Cabe destacar
que a interface da Embraer com seus diversos parceiros de risco no desenvolvimento
das novas aeronaves foi em muito facilitada pela existência do CRV – Centro de
Realidade Virtual, criado pela empresa brasileira19.
A transferência para os parceiros de risco da responsabilidade pela integração de
diversos sistemas, foi outra iniciativa que aprofundou a relação da Embraer com seus
parceiros. Esta estratégia reduziu de forma drástica o número de fornecedores que se
relacionava com a Embraer, enquanto na família ERJ-145 eram mais de 300 empresas,
no projeto EMB-170/190 apenas 22 fornecedores passaram a manter contato
diretamente com a empresa brasileira. A relação com os demais fornecedores passou a
ser feita pelas parceiras de risco, estabelecendo-se uma clara relação de hierarquia
dentro de sua cadeia de suprimentos.
18 A utilização do software CATIA, foi pré-requisito para todos os fornecedores exigido pela Embraer. Segundo Bernades (2000:22) este software permite a “realização do projeto em 3D, e eliminando a necessidade da construção do protótipo, uma vez que, ele reproduz virtualmente no computador as condições necessárias para a realização de quase todos os testes de ajustes para a finalização do produto”. 19 O software do CRV foi fornecido pela conceituada empresa norte-americana Silicon Grafics.
52
Dado que a totalidade dos parceiros de risco do projeto EMB-170/190 é formado
por empresas estrangeiras, a Embraer implantou, em 2000, o Programa de Expansão da
Indústria Aeroespacial Brasileira – PEIAB, com o objetivo de ampliar o adensamento
da cadeia produtiva aeronáutica através do estimulo aos seus parceiros a se instalarem
no Brasil20. Este programa visava aumentar a agregação de valor realizada pela indústria
nacional, facilitando assim, a elaboração conjunta de projetos e a entrega de partes e
peças das aeronaves. Como resultado, diversos parceiros de risco instalaram unidades
produtivas no país: Aernnova21, Sobraer22, Latecoére, C&D Interiors, Parker Hannifin,
Pilkington Aerospace23 e a KAB - Kawasaki Aeronáutica do Brasil. Cabe esclarecer que
a maioria destas empresas não transferiu para o país todas as etapas produtivas, mas
apenas as etapas finais, trazendo produtos semi-acabados do exterior e realizando a
montagem final no Brasil.
Neste período também foi estabelecida a única fornecedora da qual a Embraer
possui participação, a ELEB – Embraer Liebherr Equipamentos do Brasil S.A., uma
joint venture entre a Embraer e o grupo suíço Liebherr, criada em 1999. Porém sua
história remonta ao ano de 1984, quando iniciou suas atividades de engenharia e
manufatura, na época como uma Divisão da Embraer – chamada EDE (Embraer Divisão
Equipamentos), concebida para fornecer os trens de pouso do caça AMX, aeronave
desenvolvida e produzida em conjunto com as empresas italianas Aermacchi e
Aeralitalia.
As demais empresas nacionais do setor aeronáutico se encontram na base da
pirâmide da cadeia produtiva, em geral, são pequenas empresas, com menos de 50
funcionários, altamente especializadas e com elevada capacidade tecnológica nas áreas
de serviços de engenharia, usinagem e tratamento de superfícies, que prestam serviços
para a Embraer e seus parceiros de risco.
20 Desde 2003, o BNDES tem apoiado e incentivado esta política de adensamento da cadeia produtiva da indústria aeronáutica. 21 A Aernnova é a antiga Gamesa Aeronáutica. 22 A Sobraer, criada em 2000, é uma subsidiária integral da Sonaca belga que está voltada para produção de componentes estruturais para os aviões da Embraer. Recentemente esta subsidiária brasileira também passou fornecer peças à Airbus, Sonaca e Latecoére. A Sobraer também controla outras duas empresas, criadas em 2004, a Sopeçaero (66% do capital) e a Pesola (33% do capital), A primeira subsidiária, Sopeçaero, voltada para produção de peças de alumínio e a Pesola, destinada à fabricação de peças usinadas. A Sopeçaero foi criada como parte da pauta de offsets, associado à compra pela FAB do novo avião presidencial. 23 A Pilkington, uma tradicional produtora de vidros para a construção civil e automotiva, instalou uma subsidiária para fornecedor os vidros blindados das janelas das aeronaves.
53
Dada a baixa escala produtiva e a excessiva dependência da Embraer, em 2003, 15
destas subcontratadas da região de São José dos Campos formaram um consórcio
voltado para exportação denominado HTA - High Technology Aeronautics. Em 2004,
este consórcio, com o apoio da Agência de Promoção de Exportações do Brasil –
APEX, fechou o primeiro contrato de exportação para a EADS/CASA (Espanha), como
parte da pauta de offsets, associado à compra pela FAB de 12 aeronaves de transporte
militar CASA-295.
Apesar de vantajoso a criação deste consórcio não foi suficiente para superar as
deficiências de escala destas pequenas e médias empresas. Estas deficiências estão
sendo superadas nos últimos anos através de um processo de consolidação do setor, com
destaque para aquisição da Autômata Indústria de Pecas Ltda pelo grupo alemão
ThyssenKrupp24 e para criação da Graúna Aeroespace SA25, resultado da fusão de três
PMEs empresas nacionais. Cabe destacar Graúna Aerospace é a maior fornecedora de
capital nacional da Embraer e que recentemente também passou a fabricar peças de
turbinas para Pratt & Whitney Canadá.
24 Em 2005 a Autômata teve 80% do seu capital adquirido pela alemã ThyssenKrupp, passando a se chamar ThyssenKrupp Autômata Industria de Pecas Ltda. 25 Com sede em Caçapava/SP e filial em Botucatu/SP, a Grauna Aeroespace SA possui cerca de 600 funcionários, sendo especializada em usinagem de precisão. Criada em abril de 2005, esta firma é resultante da fusão de três pequenas empresas fundadas por ex-funcionários da Embraer: Grauna Usinagem, SPU Indústria e Comércio de Peças, e Bronzeana. Todas elas atuavam como fornecedoras da Embraer desde os anos 90.
54
2.3.5. Parcerias de risco: conclusões
Observa-se que ao longo dos projetos houve um aprofundamento da
“terceirização” de suas atividades. Como visto, a Embraer já nasce como uma empresa
montadora, e no projeto ERJ-145, transfere parte destas atividades de montagem para
seus parceiros de risco. Na família EMB-170/190, esta relação se aprofunda e os
parceiros passaram a ser co-responsáveis pelo desenvolvimento, montagem e integração
de sistemas. Esta evolução pode ser visto na tabela 3.
Em suma, a Embraer transferiu boa parte do seu core business para seus parceiros
de risco implicando numa parcial perda de controle de suas atividades chaves,
particularmente no que se refere à montagem e integração de sistemas das aeronaves, de
acordo com a figura 2.3. Esta perda de controle de parte do core business gerou alguns
sérios problemas para a empresa:
a) Na fase de desenvolvimento, surgiram várias dificuldades de se gerenciar
o relacionamento com os diversos parceiros de risco e, principalmente, o
relacionamento destes com seus fornecedores. Segundo a Embraer, nem
todos os seus parceiros de risco estavam capacitados para realizar a
integração de sistemas, levando assim a diversos conflitos;
55
b) Outra importante crise foi causada, pelos constantes atrasos nas entregas
das asas dos modelos EMB-190/195, produzidas no Brasil pela KAB -
Kawasaki Aeronáutica do Brasil, fazendo com que a Embraer assumisse as
atividades deste parceiro de risco26. Este exemplo mostra que o
rompimento de uma parceria de risco não é fácil nem rápido, implicando
em sérios prejuízos para a empresa, tanto no que se refere ao custo de
“aquisição” das atividades do parceiro, mas principalmente no atraso
provocado nas entregas das aeronaves27;
Figura 2.3 -Embraer – Evolução da relação com os Fornecedores
Fonte: Embraer.
c) Por fim, a transferência do core business para os parceiros de risco pode
possibilitar o surgimento de novos concorrentes a médio e longo prazo.
Algumas parceiras de risco podem vir a se tornar fabricantes de aeronaves,
ou então, transferir a tecnologia adquirida da Embraer para outros
fabricantes. Estas preocupações se concentram principalmente nos
26 Cabe esclarecer que a Kawasaki Heavy Industries continuará a fornecer outras peças para esses aviões, como a superfície de controle das asas e das portas do trem de pouso, com fornecimentos "a partir do Japão”. 27 Por conta dos atrasos na cadeia de suprimentos, a Embraer foi obrigada a reduzir sua meta de entregas para 2006. Ela foi reduzida de 145 unidades para 130. O impacto dessa redução fica claro nos resultados financeiros da empresa. Todas as leituras ficaram, em 2006, abaixo do registrado em 2005 (Valor Econômico, 2007).
56
fornecedores de componentes estruturais, como partes da fuselagem, asas e
superfícies de controle.
Por outro lado, as parcerias de risco permitiram elevar a capacidade competitiva
da Embraer, graças a estes os custos foram reduzidos, pois passaram a ser repartidos
com os parceiros, além de obter uma maior agilidade, pois são diversas empresas
trabalhando no mesmo projeto ao mesmo tempo. Mais do que a redução do tempo e do
custo de desenvolvimento das novas aeronaves, as parcerias de risco permitiram a
sobrevivência da própria empresa. Foram estas parcerias que permitiram a decolagem
do projeto ERJ-145 e a rapidez necessária no lançamento da família EMB-170/190.
2.4. Recomendações para indústria naval
Em resumo, seria possível reproduzir elementos da reestruturação da cadeia
aeronáutica na recriação da indústria naval brasileira? Indícios positivos seriam:
• Desempenho da Embraer pós articulação com seus parceiros de risco é
um tremendo incentivo;
• É possível criar fornecedores locais (e com baixa escala) quase do zero;
• Articulação através do planejamento do principal ator da cadeia, no caso
a Embraer (Transpetro poderia exercer este comando?);
• Decisivo incentivo do setor público: exemplos: Aernnova e Sobraer,
apoiados pelos governos da Espanha e Bélgica, respectivamente.
Por outro lado, não faltam indícios negativos:
• Situação financeira dos estaleiros é, quase sempre, muito mais crítica do
que a da Embraer durante a reestruturação;
• Desconcentração patrimonial dificulta (inviabiliza?) reprodução do papel
catalisador/planejador da Embraer no desenvolvimento de fornecedores;
• Estaleiros não dominam projeto e demais etapas de P&D, grandes ativos
da Embraer na organização de seus parceiros de risco e demais
fornecedores;
57
• Baixa escala e descontinuidade da demanda: só mercado interno talvez
não seja suficiente para articular a cadeia, Embraer contou com mercado
externo.
De qualquer forma, a indústria naval apresenta características estruturais próximas
ao da sua congênere aeronáutica pelo fato de ambas atuarem na produção de material de
transporte sob encomenda. Ao longo das últimas décadas estas duas indústrias passaram
por reestruturações produtivas que aprofundaram as semelhanças no padrão de
concorrência:
• Customização dos produtos: empresas destas duas indústrias passaram a
oferecer modelos básicos que podem ser customizados de acordo com as
necessidades dos clientes;
• Globalização: empresas destas duas indústrias buscam atuar de maneira
global, mas em segmentos de mercado específicos;
• Escalas Crescentes: busca de maiores ganhos de escala para se contrapor aos
crescentes custos de desenvolvimento de novos produtos e os prazos de
entrega cada vez menores;
• Dinamismo Estrutural: amplo processo de concentração patrimonial (fusões,
aquisições e falências), além do surgimento de novos atores globais com
estratégias inovadoras, como a coreana Hyundai, na indústria naval;
• Especialização: as empresas destes dois segmentos têm se tornado grandes
sistematizadoras, concentrando seus esforços nas atividades de projeto,
montagem e comercialização dos seus produtos, demandando um amplo
conjunto de empresas fornecedoras.
Dada a elevada proximidade estrutural que existe entre as duas indústrias,
algumas estratégias de mercado vitoriosas poderiam ser copiadas e adaptadas por
empresas da outra indústria. No caso específico da indústria aeronáutica brasileira,
verificou-se que a Embraer adotou uma bem sucedida estratégia de parceria de risco
junto aos seus fornecedores estratégicos, permitindo que ela reduzisse os custos de
desenvolvimento e produção, além de diminuir os prazos de lançamento dos novos
produtos. Como concluído anteriormente, as parcerias de risco permitiram elevar a
capacidade competitiva, tanto da Embraer individualmente, como da indústria
aeronáutica brasileira como um todo.
58
A adoção da estratégia de parcerias de risco pela indústria naval brasileira
poderia permitir uma ampliação da capacidade competitiva dos estaleiros
nacionais. A grande diferença é que no caso da indústria aeronáutica, a estratégia de
parcerias de risco foi adotada por uma empresa consolidada, com 25 anos de atividade e
que já atuava de maneira destacada no mercado doméstico e internacional. Como visto,
a Embraer possuía tecnologia de projeto e produção, e num momento de crise buscou
empresas que dividissem os riscos “financeiros” do novo projeto. Somente num
segundo momento os parceiros foram convidados a participar do desenvolvimento de
novos produtos. No caso da indústria naval brasileira, a situação é bastante diferente,
pois esta ainda busca se consolidar a partir das recentes encomendas realizadas pela
Transpetro. Uma parte dos estaleiros envolvidos no PROMEF está sendo reconstruída
neste momento, restando muito pouco da capacidade produtiva e tecnológica dos anos
70, quando esta indústria atingiu seu auge no Brasil.
A constatação de que, no Brasil, estas duas indústrias se encontram em fases de
evolução tão diferenciadas, não significa recomendar que a indústria naval teria que
seguir exatamente as mesmas etapas da indústria aeronáutica para que daqui a 25 anos
pudesse adotar a estratégia de parcerias de risco. Entretanto, para que esta estratégia
pudesse ser copiada, adaptada e implementada com sucesso pela indústria naval
brasileira, esta teria de ser acompanhada por um conjunto de medidas:
• Apoio do Estado: financiamento as empresas (estaleiros e fornecedores) e as
atividades de P&D e, também através de poder de compra, como as da
Transpetro e da Marinha de Guerra;
• Seleção de empresas: as encomendas devem estar concentradas em poucas
empresas, de forma que estas tenham uma escala mínima de produção para
desenvolverem tecnologia e enfrentarem a concorrência internacional;
• Escolha dos segmentos e nichos de mercado: definição de quais segmentos
de mercado os estaleiros brasileiros poderão atuar de forma competitiva,
baseando-se nas demandas locais e na estrutura competitiva do mercado
internacional;
• Desenvolvimento tecnológico: deve se buscar o desenvolvimento das
tecnologias-chaves para que os estaleiros possam construir vantagens
competitivas de forma cumulativa;
59
• Atuação global: as estratégias dos estaleiros devem estar voltadas
inicialmente para o mercado interno, mas visando adquirir competência para
posteriormente se tornarem Global Players;
• Baixa verticalização: desde o início de suas atividades os estaleiros devem
ser constituídos como empresas pouco verticalizadas, se valendo da
repartição das responsabilidades produtivas com fornecedores selecionados.
A adoção destas estratégias de políticas públicas permitiria a constituição de
estaleiros competitivos, de forma que a implementação das parcerias de risco junto aos
seus fornecedores estratégicos seria mais um elemento na construção de vantagens
competitivas destas empresas. Em suma, a adoção de estratégias baseadas nas parcerias
de risco seria importante, mas não o suficiente para a constituição de estaleiros
competitivos, como mostra o exemplo da indústria aeronáutica brasileira.
60
3.Cadeia de suprimentos na indústria automobilística brasileira
3.1 Breve histórico: dos anos 50 à crise dos anos 80
A indústria automobilística sempre esteve associada ao desenvolvimento
industrial brasileiro. Ícone da industrialização por substituição de importação a partir
dos anos 50, capitaneou a instalação no Brasil da indústria de bens de consumo durável
e, desde então, vem sendo um dos atores mais dinâmicos de todo o complexo metal-
mecânico no país. A instalação desta cadeia produtiva explicita a própria configuração
da industrialização tripartite realizada no país. Por um lado, o Estado provedor da infra-
estrutura necessária (estradas de rodagem, energia), dos insumos básicos (empresas
estatais siderúrgicas) e formulador de política econômica promotora da indústria
nascente. De outro, empresas européias e estadunidenses que, motivadas pela
necessidade de ampliar espaço de acumulação no pós-guerra, internacionalizam a
produção de veículos em direção de mercados potencialmente atraentes e protegidos por
políticas protecionistas. Por fim, o empresariado de capital nacional que assume funções
de apoio à montagem de veículos, ao adensar paulatinamente produção de autopeças.
Entre o final dos anos 50 e a segunda metade dos anos 70 a produção doméstica
anual de automóveis cresceu mais 600 vezes, de forma concentrada no ABC paulista e
capitaneado pelas três maiores montadoras estrangeiras, GM, Ford e Volkswagen (ver
Gráfico 3.1) . Tais empresas produziam veículos com alto conteúdo nacional e com
elevado grau de verticalização, em plantas com escalas elevadas, mas de produtividade
estagnada. Além disto, as filiais aqui operavam de forma desarticulada (“stand alone”)
com o restante da corporação, em especial em relação às matrizes. Esta desarticulação
contribuiu para uma crescente defasagem tecnológica e mercadológica (em especial
design) em relação aos países de origem das montadoras.
61
Gráfico 3.1 – Brasil: produção de automóveis e autoveículos*, 1957-2006 (em unidades)
1.165.174
2.611.034
0
500.000
1.000.000
1.500.000
2.000.000
2.500.000
3.000.00019
57
1959
1961
1963
1965
1967
1969
1971
1973
1975
1977
1979
1981
1983
1985
1987
1989
1991
1993
1995
1997
1999
2001
2003
2005
Automóveis Autoveículos
*Automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus
Fonte: ANFAVEA (2007)
Em 1976, com a inauguração da fábrica da Fiat em Betim-MG inicia-se uma nova
fase, caracterizada pela descentralização regional da produção final e também de
fornecedores de autopeças. No entanto, não ocorreram mudanças significativas no
modus operandi da indústria, ainda dependente de projetos importados, produzindo de
forma verticalizada, com baixa produtividade e com defasagem tecnológica crescente
em relação às matrizes. O mercado doméstico protegido era o destino quase que
exclusivo da produção: entre 1970 e 1989 foram exportados pouco mais de 2,7 milhões
de veículos, ou 15,4% da produção acumulada neste período (Gráfico 3.2).
62
Gráfico 3.2 – Brasil: exportação de autoveículos*, 1970-2006 (em unidades)
842.812
0
100.000
200.000
300.000
400.000
500.000
600.000
700.000
800.000
900.000
1.000.00019
70
1972
1974
1976
1978
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
Automóveis Autoveículos
*Automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus
Fonte: ANFAVEA (2007)
Por sua vez, o setor de autopeças sempre esteve subordinado de forma
heterogênea às empresas montadoras. Sempre coexistiram grandes empresas de capital
nacional e estrangeiro (estas foram atraídas pelo investimento direto de seus clientes na
Europa ou EUA), além de pequenas e médias empresas de capital nacional, que
orbitavam em torno das montadoras no ABC paulista. As plantas montadoras se
relacionavam com até 500 fornecedores diretos o que permitiu a sobrevivência e o
crescimento de diversas empresas de autopeças, com grande dispersão de escalas e
capacidade competitiva. Durante os anos 80 a indústria brasileira de autopeças
empregava em torno de 260 mil empregados (com relativamente baixa produtividade) e
faturava cerca de US$ 7 bilhões ao ano, ou cerca de três vezes menos que o segmento de
montagem.
De qualquer forma, o desempenho segmento de autopeças permitia afirmar que a
cadeia automobilística brasileira era bastante densa, compondo um tecido industrial
complexo que, por sua vez, contribui fortemente para o desenvolvimento de outros
ramos da metal-mecânica no país, a montante e a jusante da cadeia. Num contexto de
baixa concorrência externa e crescimento do mercado doméstico (anos 70) a cadeia
automobilística brasileira contribuía fortemente para a geração de emprego e renda no
estado de São Paulo e no Brasil e assumia a liderança da dinâmica industrial do país.
63
Os anos 80 mudaram este quadro. A excessiva dependência do mercado
doméstico acabou por implicar na estagnação da indústria automobilística no Brasil
durante a chamada “década perdida”. A contração do crédito interno e externo, a
desaceleração do crescimento e a hiperinflação contribuíram para a estagnação da
indústria automobilística, explicitada pela queda da produção (Gráfico 3.1) e do
faturamento líquido do setor (Gráfico 3.3). Isto é, a crise da economia brasileira
significou também a estagnação da indústria de autoveículos que, com o conseqüente
encolhimento dos investimentos, ampliou sua defasagem competitiva (em termos de
preço, design e desempenho técnico) em relação às matrizes e às outras filiais das
corporações aqui instaladas.
Gráfico 3.3 – Brasil: faturamento líquido real e empregados no setor de autoveículos*, 1966-
2006 (em US$ milhões constantes de 2006 e unidades)
0
20.000
40.000
60.000
80.000
100.000
120.000
140.000
160.000
0
5.000
10.000
15.000
20.000
25.000
30.000
35.000
40.000
1966
1968
1970
1972
1974
1976
1978
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
Empr
ego
(em
uni
dade
s)
Fatu
ram
ento
Real
(US$
milh
ões d
e 20
06)
Faturamento Real Emprego
*Automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus
Fonte: ANFAVEA (2007)
Em resumo, ao final dos anos 80, a indústria automobilística brasileira poderia ser
caracterizada:
• Pelo comando da cadeia por montadoras de capital transnacional desarticuladas em relação a outras unidades da corporação;
• Pela relativa concentração regional da produção;
64
• Pela produção com alto conteúdo nacional, excessivamente verticalizada (mas com elevado número de fornecedores diretos) e realizada em unidades de grande escala, mas com baixa produtividade;
• Pela defasagem tecnológica e pela baixa capacidade de inovação e;
• Pela estagnação de um mercado pouco internacionalizado (baixas exportações e menores ainda importações).
É neste contexto de crise e estagnação que a liberalização comercial iniciada em
1990 impõe forte necessidade de reestruturação da cadeia automobilística no Brasil.
3.2 A reestruturação dos anos 90 e seus efeitos
A liberalização comercial da cadeia automobilística deu início a uma profunda
reestruturação da cadeia. Rapidamente, as filiais das montadoras estrangeiras
responderam ao acirramento da concorrência com investimentos em modernização das
plantas e na linha de produtos, procurando estreitar a então defasagem tecnológica e
mercadológica em relação às suas matrizes. Desnecessário afirmar que, ao contrário das
práticas efetivadas entre os anos 50 e 80, aprofundou-se o grau de integração entre as
matrizes e outras filiais da corporação. As práticas do tipo “stand alone” deram espaço a
uma integração complexa que, limitou autonomia das filiais, mas as aproximaram do
estado-da-arte dos produtos comercializados nos mercados centrais. No caso da
indústria automobilística difundiu-se o conceito de linha global de produtos, com
produção fracionada por filiais altamente especializadas (e com custos ou outras
vantagens competitivas em relação ao restante das plantas mundiais da corporação),
inclusive componentes estratégicos do power train. O movimento resultou em
especializações regionais, cujos mercados são complementados por produtos produzidos
em outras filiais, o que, por sua vez, contribui para o aumento generalizado dos fluxos
de comércio exterior intra-setorial e intra-firma.
Além disto, tais empresas empreenderam mudanças intensas na gestão da
produção e da cadeia de suprimentos, com franca desverticalização, contração de
fornecedores diretos e forte aumento do conteúdo importado. O outsourcing e o global
sourcing empreendidos permitiram que fossem reduzidos custos ao mesmo tempo em
que se ampliava a qualidade técnica dos veículos, que passaram a incorporar, através
destes componentes importados, atributos de desempenho no estado-da-arte mundial.
65
De fato, enquanto a produção nacional de veículos cresceu a uma taxa de 3,4% ao ano
entre 1989-2006, as importações de autopeças foram incrementadas a uma taxa média
anual de 14,2% no mesmo período (ver Gráfico 3.4 abaixo)
Gráfico 3.4 – Brasil: produção de autoveículos e importação de autopeças, 1989-2006 (em
índices, 1989=100)
0
200
400
600
800
1.000
1.200
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Indí
ces,
1989
=100
Importações de Autopeças Produção de Autoveículos
Fonte: elaboração NEIT-IE-UNICAMP a partir de ANFAVEA (2007) e SINDIPEÇAS (2007)
Vale ressaltar que a significativa apreciação cambial, vigente entre 1993 e 1998, e
a liberalização comercial mais profunda para bens de capital e partes e componentes,
favoreceu este processo de modernização de maquinário, da gestão da produção e do
produto final (agora bem menos defasado em relação aos padrões mundiais de
desempenho e design). E mais, permitiu que as montadoras incrementassem seu
desempenho num ambiente mais competitivo do que nos anos 80, ainda que
relativamente protegido28.
Por outro lado, a estabilização monetária e o crescimento da demanda a partir de
1994 permitiram que houvesse um boom de novos investimentos que foram além da
modernização: permitiram forte ampliação da capacidade produtiva local, tanto pelas
28 O Regime Automotivo, conjunto de leis que envolvem a importação de veículos e peças e componentes, tem implicado na provavelmente maior proteção efetiva da indústria brasileira. De fato, as tarifas de importação de peças, componentes e bens de capital são menores que as tarifas de para veículos, que figuram dentre as mais altas dos produtos manufaturados. Além disto, montadoras aqui instaladas se valem de tarifas menores (o que favorece a complementação do mix de produtos com a importação de veículos de maior valor agregado) do que aquelas praticadas por empresas que não têm plantas produtivas no Brasil e poderiam acirrar a concorrência nestes segmentos de maior sofisticação.
66
montadoras já instaladas, quanto pela incorporação de todos os outros players mundiais
que ainda não participavam do mercado nacional (Peugeot-Citroen, Crhysler, Renault,
Toyota, Honda, entre outras). Entre 1994 e 2001 foram investidos cerca de US$ 15
bilhões, ou quase 3 vezes mais do que tudo que foi imobilizado ao longo dos anos 80
(Gráfico 3.5).
Gráfico 3.5 – Brasil: investimentos do setor de autoveículos*, 1980-2006 (em US$ milhões
constantes de 2006)
2.359
1.750
0
500
1.000
1.500
2.000
2.500
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
*Automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus
Fonte: ANFAVEA (2007)
Os novos investimentos implementaram plantas produtivas de menor escala
relativa: apenas duas das maiores novas plantas (VW no PR e Ford na BA) têm
capacidade para cerca de 250 mil veículos/ano, que já é cerca de metade da capacidade
das plantas do ABC. A maior parte das outras novas plantas opera com capacidades
inferiores a 100 mil veículos/ano. De qualquer forma, todas as plantas têm maior nível
de automação e operam com menor quantidade de mão de obra. E mais, ao se
aproveitarem de uma miríade de agressivos incentivos fiscais nacionais, estaduais e
municipais, as empresas promoveram a descentralização da produção em direção a
regiões com ou sem uma estrutura industrial densa (ver Quadro 3.1).
67
Mais importante, os novos investimentos formataram uma especialização nacional
em carros de menor volume e baixa cilindrada29. A demanda reprimida por veículos
encontrou campo fértil nestes carros ditos “populares”, que vêm liderando, por larga
margem, o mercado nacional de automóveis. Além de permitir a expansão de produção
que assim encontrava um mercado em expansão, esta especialização serviu também
como uma defesa natural em relação à concorrência externa, uma vez que poucos eram
os produtores estrangeiros capazes de produzir competitivamente (em função de
economias de escala) e ameaçar com importações o mercado brasileiro.
Quadro 3.1 – Brasil: investimentos selecionados no setor de autoveículos, 1996-2001
Empresa Produto Localização Data
Chrysler Comerciais leves Campo Largo-PR 1998*
DaimlerChrysler Automóveis Juiz de Fora-MG 1999
Fiat Automóveis Betim-MG 2000
Ford Automóveis e commerciais leves Camaçari-BA 2001
General Motors Componentes Mogi das Cruzes SP 1999
General Motors Automóveis Gravataí-RS 2000
Honda Automóveis Sumaré-SP 1997
International Caminhões Caxias do Sul-RS 1998
Iveco Motores Sete Lagoas-MG 2000
Iveco Fiat *** Comerciais leves, caminhões e ônibus Sete Lagoas-MG 2000
Mitsubishi Comerciais leves (licenciamento MMC Motores) Catalão-GO 1998
Nissan Comerciais leves (em conjunto com Renault ) São José dos Pinhais-PR 2001
Peugeot Citroën Automóveis e motores Porto Real-RJ 2001
Renault Automóveis e motores São José dos Pinhais-PR 1998
Toyota Automóveis Indaiatuba-SP 1998
Volkswagen Motores São Carlos-SP 1996
Volkswagen Caminhões e ônibus Resende-RJ 1996
Volkswagen Audi Automóveis São José dos Pinhais-PR 1999
Volvo Ampliações do Complexo Industrial Curitiba-PR 1997, 1999 e 2000
*Desativada em 2001 Fonte: NEIT (2002)
Além disto, os novos investimentos aprofundaram as modificações na gestão da
produção e controle da cadeia de suprimentos, inclusive com inovações produtivas
paradigmáticas, com destaque para as fábricas da GM em Gravataí-RS, da Volkswagen
em Resende-RJ e da Ford em Camaçari-BA. Em todas elas implementou-se consórcios
modulares de produção, com crescente importância, inclusive na linha de montagem
29 A legislação nacional do início dos anos 90 reduziu a cobrança de impostos, majoritariamente, IPI, para veículos com motorização de até 1000cc também cumpriu papel fundamental nesta especialização, assim como a barreira natural
68
final, de empresas fornecedoras e integradoras de sistemas e módulos completos
(“sistemistas” ou 1st tiers). Estes parceiros privilegiados (em geral, grandes empresas
transnacionais de autopeças, com histórico de parceria de longo prazo com as
montadoras) ganham importância não apenas na montagem final, mas também no
comando da cadeia (controlando hierarquicamente fornecedores indiretos de segundo,
terceiro e quarto níveis) e até no desenvolvimento conjunto de projetos.
BOX: o caso da Ford em Camaçari-BA
A reestruturação da indústria automobilística brasileira teve na Ford um protagonista singular. Emergindo dos fatídicos anos 80 em que inclusive rendeu o controle de suas operações para a Volkswagen numa improvável joint-venture (Autolatina, 1987-94), perdeu espaço no mercado brasileiro, tendo atingindo em 1996 um share de 6,8% da produção de automóveis (8,2% em autoveículos, dada a força de sua divisão de veículos comerciais) no Brasil. O faturamento nominal de 1995, de R$ 3,8 bilhões, foi superior ao de 2000, que atingiu pouco mais de R$ 3 bilhões (ver Quadro 2 abaixo). O mau desempenho podia ser atribuído a erros estratégicos durante os anos 90, a saber:
a) a aventura da Autolatina, cujo maior resultado foi dotar a VW de know-how para a produção de caminhões e ônibus;
b) o atraso no desenvolvimento de carro adequado para a nova realidade do mercado (baixa motorização);
c) a aposta no aumento da importação de veículos para suprir mercado doméstico: no momento da desvalorização do rela em 1999, a Ford era a única das grandes que ainda dependia de importações em larga escala o que, ademais, já vinha ocasionando fortes constrangimentos logísticos e problemas com entregas para consumidores;
d) o atraso na reconfiguração da produção em bases modernizadas (inclusive relação com fornecedores), perdendo assim competitividade em relação aos demais rivais.
Grosso modo, a estratégia que recuperou a Ford no Brasil e elevou o status da filial na rede corporativa pretendeu alterar radicalmente o perfil da empresa no país. Dois investimentos foram os principais indutores desta recuperação.
i) o desenvolvimento de projeto de engenharia que agregasse valor a uma linha de produto decadente (primeira geração do Fiesta): nasceu assim o Novo Fiesta e, principalmente, o EcoSport, um utilitário leve cujo design e funcionalidade tiveram grande aceitação no mercado nacional (impulsionando a Ford para um share de quase 1/3 da produção de comerciais leves) e internacional (15,5% das exportações do setor);
ii) a construção de uma nova planta em consórcio modular, fora do eixo do sul-sudeste e, beneficiária de agressivo incentivo tributário para comandar a produção desta nova família de produtos.
O Complexo Industrial Ford Nordeste teve investimentos de US$ 1,9 bilhões, sendo que US$ 700 milhões foram investidos por 25 fornecedores sistemistas e 1st tier, que assumem etapas da montagem final, compartilhando assim a própria linha de produção da Ford. O uso deste consórcio modular, ainda que atrasado em relação aos investimentos brasileiros da VW (Resende-RJ) e da GM (Gravataí-RS), é o primeiro realizado pela Ford no mundo inteiro. É também uma das mais automatizadas plantas do Brasil e da própria corporação mundial, com mais de 500 robôs operando a linha de montagem. Apesar disto, o complexo emprega mais de 8,5 mil empregados, cerca de 56% pertencentes aos sistemistas. Segundo a empresa, a linha de montagem tem alto
69
conteúdo nacional, o que também se configura num diferencial (ao menos para a densidade produtiva do Brasil).
Os resultados deste esforço são evidentes. O faturamento nominal quase dobrou entre 2000 e 2006, atingindo R$ 5,7 bilhões neste ano*. Mesmo resultado para a produção: entre 1996 e 2006 a produção de autoveículos multiplicou-se por 2, o que resultou num aumento de share total de 8,2% para 12,3%. Domesticamente, a Ford acrescentou outros 3 pontos percentuais de share de mercado, com destaque para a liderança no segmento de veículos comerciais leves (categoria do EcoSport, com quase 1/3 do mercado em 2006). Além disto, a filial ampliou sua participação no total de vendas da Ford mundial de 2,1% em 1996 para mais de 5% em 2006**, tendo auferido lucros por 14 trimestres consecutivos, muito ao contrário da matriz***. Reestruturação a partir de projeto novo, desenvolvido no Brasil, com conteúdo nacional e produção em nova planta moderna e localizada no Nordeste. E com resultado final exitoso para a empresa, para consumidores e para a economia regional. Como será discutido adiante, o caso da Ford em Camaçari lembra em muito a proposta do estaleiro Atlântico Sul. Seria uma lição a ser seguida?
Ford Brasil: desempenho em variáveis selecionadas 1996 e 2006
Produção Em unidades Share (%)
1996 2006 Δ% 1996 2006 Δ%
Automóveis 99.574 176.521 77,3 6,8 8,4 23,6
Comerciais Leves 37.747 122.334 224,1 13,5 32,3 139,0
Comerciais 10.415 21269 104,2 15,8 7,4 -12,5
Total 147.736 320.124 116,7 8,2 12,3 49,7
Vendas Domésticas Em unidades Share (%)
1996 2006 �% 1996 2006 �%
Automóveis 85.000 141.475 66,4 6,8 9,1 33,3
Comerciais Leves 29.414 64.319 118,7 14,2 23,3 64,8
Comerciais 8.261 14671 77,6 15,5 15,3 -1,5
Total 122.675 220.465 79,7 8,1 11,4 40,5
Exportações Em unidades Share (%)
1996 2006 �% 1996 2006 �%
Automóveis 14.215 58.359 310,5 6,7 9,2 36,6
Comerciais Leves 8.003 65.116 713,6 11,3 42,6 277,9
Comerciais 3.007 7188 139,0 35,2 13,3 -62,3
Total 25.225 130.663 418,0 8,5 15,5 82,1
Fonte: elaboração NEIT-IE-UNICAMP a partir de Anfavea (1996 e 2006)
* Exame Maiores e Melhores (vários números)
** Anfavea e Ford Corporation Annual Report 2006
*** Entrevista com CEO da Ford South America: Valor Econômico, 11/10/2007
70
Como foi observado na Seção 1 acima, a redução de fornecedores diretos e a
adoção destas práticas de gestão da cadeia de suprimentos foram generalizadas na
indústria automobilística mundial, mas intensificadas de forma radical nos novos
investimentos realizados no Brasil. Por exemplo, o caso da fábrica de caminhões da
Volkswagen em Resende é considerado o experimento mundial mais profundo de
repartição da produção entre a montadora e seus poucos fornecedores de módulos
completos. Neste caso, pode-se caracterizar o empreendimento como um verdadeiro
“condomínio industrial”, liderado pela montadora alemã, mas conduzido por reduzido
número de sistemistas que dividem a linha de montagem. Outro caso interessante (ver
Box para aprofundamento) é a nova fábrica da Ford na Bahia, onde 27 fornecedores
diretos foram responsáveis por mais de 1/3 do investimento do complexo e hoje
representam quase metade da mão de obra no local.
Em suma, a reestruturação da indústria automobilística, conduzida pelas principais
montadoras estrangeiras já instaladas e pelas newcomers, promoveu uma modernização
produtiva e gerencial em que a reorganização da cadeia de suprimentos cumpriu
importante papel. Desverticalização da produção, redução do número de fornecedores
diretos e controle de uma cadeia hierarquizada, introdução de consórcios modulares em
novas plantas (de menor escala, mas mais automatizadas) e aumento do conteúdo
importado foram algumas das estratégias que pretenderam reduzir custos, aumentar
produtividade (e receitas e lucros) e reduzir defasagem de desempenho tecnológico e de
design dos produtos finais.
Os resultados alcançados foram heterogêneos na cadeia produtiva. Por um lado, as
montadoras lograram atingir seus objetivos, com grande reflexo positivo para a
competitividade do setor automobilístico brasileiro. De fato, houve aumento do
faturamento (Gráfico 3.3 acima), da produção (Gráfico 3.6), das vendas (Gráfico 3.7),
da produtividade (Gráfico 3.8).
71
Gráfico 3.6 – Brasil: produção e emprego no setor de autoveículos*, 1989-2006 (em unidades)
0
500.000
1.000.000
1.500.000
2.000.000
2.500.000
3.000.000
0
20.000
40.000
60.000
80.000
100.000
120.000
140.000
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Prod
ução
Empr
egos
Produção Emprego
*Automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus
Fonte: ANFAVEA (2007)
Gráfico 3.7 – Brasil: vendas domésticas e exportações de autoveículos*, 1989-2006 (em
unidades)
0
100.000
200.000
300.000
400.000
500.000
600.000
700.000
800.000
900.000
1.000.000
0
200.000
400.000
600.000
800.000
1.000.000
1.200.000
1.400.000
1.600.000
1.800.000
2.000.000
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Expo
rtaç
ões
Vend
as d
omés
ticas
Exportações Vendas domésticas
*Automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus
Fonte: ANFAVEA (2007)
72
Gráfico 3.8 – Brasil: produtividade física do trabalho no setor de autoveículos*, 1989-2006 (em
unidades de produto por empregado e US$ constantes por empregado)
0
50.000
100.000
150.000
200.000
250.000
300.000
350.000
400.000
450.000
0
5
10
15
20
25
30
1966
1968
1970
1972
1974
1976
1978
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
Fatu
ram
ento
/em
preg
ado
(US$
reais
/em
preg
ado)
Prod
uto/
empr
egad
o (u
nida
des)
Unidades de produto / empregdo Faturamento / Empregado
*Automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus
Fonte: elaboração NEIT-IE-UNICAMP a partir de ANFAVEA (2007)
No entanto, o segmento de autopeças foi bastante penalizado: o aumento do
conteúdo importado e o maior poder de barganha exercido pelos players a jusante
(montadoras e sistemistas) promoveu o esvaziamento da cadeia produtiva, com a
desmobilização industrial e desnacionalização de empresas de autopeças. Além disto, o
nível geral de emprego caiu fortemente: entre 1989 e 2004 foram eliminados 50 mil
empregos diretos apenas nos segmentos de montagem de autoveículos e produção de
autopeças e incontáveis empregos indiretos em demais segmentos da metal-mecânica,
serviços e outros.
Em suma, a reestruturação permitiu o aumento da competitividade da cadeia, além
de permitir o catch-up tecnológico e mercadológico em relação aos mercados centrais.
Foram beneficiados neste processo os consumidores que puderam ter acesso a produtos
melhores e as montadoras que, a despeito da grande ociosidade com que operaram de
2001 a 2005, aumentaram fortemente seu faturamento e lucratividade, muitas vezes na
contramão do desempenho de suas matrizes corporativas. Por outro lado, a cadeia
deixou de liderar a dinâmica produtiva brasileira, com diminuição significativa de seu
efeito multiplicador da renda e de empregos diretos e indiretos. Além disto, esta posição
exitosa das filiais de grandes corporações automotivas é etérea. Desde 2005 as matrizes
73
de GM, Ford, Fiat e Volkswagen, apenas para ficar no caso das 4 grandes do Brasil,
passam por forte crise, com resultados financeiros alarmantes que, por sua vez têm
imposto tomada de decisões estratégicas radicais, como fechamento de plantas, spin off
de operações, fusões e aquisições mal sucedidas, etc.
Ou seja, num contexto de crise das corporações estadunidenses e européias (as
grandes players no Brasil), acirramento da concorrência e crescimento das montadoras
asiáticas (inclusive chinesas, todas com baixa participação produtiva no Brasil), o atual
posicionamento das filiais na rede das corporações está em risco permanente,
ameaçando, portanto, mesmo os aspectos positivos da reestruturação.
Por fim, cabe perguntar até que ponto é possível afirmar que esta reestruturação
teve efeitos líquidos positivos ou negativos sobre a economia brasileira? E mais
importante, quais seriam as lições que todo este processo de renovação e incremento de
competitividade poderiam ser aproveitadas pela indústria de construção naval brasileira
que agora inicia justamente seu processo de reconstrução? É o que será discutido a
seguir.
3.3 Conclusões: lições para a construção naval
A partir da discussão anterior, é pertinente questionar: até que ponto é possível
reproduzir elementos da reestruturação da cadeia automobilística na recriação da
indústria naval brasileira?
Para responder a esta questão deve-se, inicialmente, apontar indícios positivos,
elementos que estimulariam a adoção de práticas semelhantes de reestruturação de
cadeia produtiva.
Em primeiro lugar, deve-se lembrar que há fortes ganhos de competitividade no
segmento de montagem quando ocorre a adoção de práticas como a redução do número
de fornecedores, o aumento do conteúdo importado, e o fornecimento através de
módulos e sistemas, por exemplo. Ou seja, há um forte incentivo para que estaleiros
exerçam comando da cadeia e alterem a organização da produção de forma semelhante
ao da produção de automóveis.
74
Em segundo lugar, a experiência da reestruturação da cadeia automobilística
demonstrou que novos investimentos que descentralizaram a produção favoreceram a
ruptura com práticas do passado e, além disto, permitiram intensificar a adoção de
práticas mais eficientes de gestão da produção e da cadeia de suprimentos. E mais,
permitiram atualizar o parque fabril, imobilizando ativos na fronteira tecnológica. O
caso da Ford em Camaçari é sintomático nesta direção: rompeu com o atraso em adotar
tais práticas ao introduzir um modelo radical de desvetrticalização e modularização fora
do eixo tradicional de produção. É impossível não traçar paralelo com a experiência em
curso do estaleiro Atlântico Sul em Suape. Também provoca ruptura com o passado
ineficiente (em especial no controle de capital, com newcomers) e posiciona os ativos
no estado-da-arte da capacidade (dique e içamento) e da gestão da produção (em
especial, layout).
Finalmente, é preciso reconhecer que a especialização da indústria automobilística
nacional em um claro nicho de mercado (veículos menores, de baixa motorização)
permitiu ampliar economias de escala e garantir competitividade tanto no mercado
doméstico em expansão, quanto no mercado externo para países com características
semelhantes (nível de renda, demanda potencial). O êxito nesta estratégia foi
transmitido por toda a cadeia, uma vez que o aumento da escala de produção de veículos
num contexto de intensificação da importância dos fornecedores fortaleceu não apenas
as montadoras, mas também as empresas de autopeças. Firmas que, além disto, foram
beneficiadas com a criação de mercados de reposição nos países que incrementaram
suas importações de carros brasileiros (Gráfico 3.9).
75
Gráfico 3.9 – Brasil: exportações de autopeças e autoveículos, 1980-2007 (índices, 1980=100)
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1600
1800
2000
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Índi
ces,
1980
=100
Autopeças Autoveículos
Fonte: elaboração NEIT-IE-UNICAMP a partir de ANFAVEA (2006) e Sindipeças (2006)
Por outro lado, há fortes indícios que estes incentivos e elementos indutores desta
reestruturação teriam grande dificuldades em ser em absorvidos pela indústria nacional
de construção naval. De fato, os estaleiros atualmente em processo de reconstrução têm
baixo poder de barganha e ainda não estariam preparados tecnicamente para exercer o
binômio controle/cooperação com fornecedores 1st tier.
No mesmo sentido agiria a demanda radicalmente intermitente dos últimos anos
que desarticulou o setor de navipeças. Esta desarticulação, associada à grande
heterogeneidade de competitividade, de tamanho e de interesse pelo setor naval por
parte de efetivos e potenciais fornecedores de navipeças, tornam o desafio de
reorganizar a cadeia algo improvável de ser vencido na próxima década.
De fato, a baixa escala e a descontinuidade da demanda acrescentam novos
desafios: parece igualmente improvável ser possível mobilizar sistemistas estrangeiros
para deslocarem produção para o Brasil: Neste mesmo sentido, a baixa atratividade da
construção naval de longo curso impõe significativas dificuldades para converter
empresas bem sucedidas da metal-mecânica em fornecedores da indústria naval e,
assim, desenvolver fornecedores 1st tier no Brasil. Não por falta de competência técnica
ou competitividade, mas por estrita falta de interesse, dada a baixa demanda potencial e
76
as muito específicas exigência de certificação que, assim, anulam economias de escala e
escopo destas empresas metal-mecânicas.
Finalmente, cabe mencionar que o caso bem sucedido da Ford não esteve
associado apenas à ruptura com as práticas atrasadas de gestão da produção e da cadeia
de suprimentos, mas também ao fato da empresas ter integrado ao investimento no novo
parque fabril , o desenvolvimento de um projeto automotivo próprio. Projeto que criou
um novo veículo (bem aceito pelos mercados externos e locais) a partir de linha de
montagem pré-existente, mas, no seu nascedouro já previu um sistema de produção
modular com repartição dos riscos e da produção com fornecedores de primeiro nível
selecionados. Não há indícios de que o estaleiro Atlântico Sul tenha repartido os custos
de instalação em Suape nem que, sem ter o domínio da tecnologia de produto e processo
produtivo, ambos licenciados em condições provavelmente leoninas com parceiro
internacional, inclusive no que se refere ao vendor list, possa reproduzir este
compartilhamento produtivo com fornecedores selecionados.
77
4. Cadeia de suprimentos na indústria naval no Brasil: práticas atuais e fatores críticos
Esta subseção tem o objetivo de apresentar uma análise sintética das práticas
atuais e fatores críticos à competitividade da cadeia de suprimentos da indústria naval
brasileira, utilizando como base as lições aprendidas nos casos anteriores, resultados
preliminares de entrevistas com estaleiros e informações coletadas em relatórios e na
mídia especializada. Em linhas gerais, a compreensão da dinâmica e dos fatores críticos
à competitividade do setor fornecedor de navipeças enfrenta dificuldades em relação à
qualidade das informações disponíveis, sua confiabilidade, e comparabilidade com
outros países. Este problema, que não é restrito ao Brasil30, tem como grande indutor o
fato de que as empresas desta ampla classificação são extremamente heterogêneas em
relação a tamanho, faturamento, técnicas de produção, mercados de atuação e
dependência em relação ao mercado naval.
No Brasil, essa dificuldade é reforçada pela própria característica (re) nascente da
indústria nacional. Nesse sentido, cabe um destaque inicial para a necessidade de que
associações de produtores de equipamentos, de estaleiros, ou mesmo de grandes
consumidores como a Transpetro levem a cabo esforços junto às empresas
fabricantes/fornecedoras para sistematização de informações de desempenho
operacional (faturamento, custos, produtividade), de comércio exterior, de
investimentos, mercados de atuação e inovação tecnológica. A disponibilidade de tais
informações certamente constituirá um impulso ao debate acerca de políticas (públicas e
privadas) voltadas ao desenvolvimento da cadeia de fornecedores no Brasil.
4.1 Indústria naval brasileira e a indústria de navipeças: um renascimento
Os últimos anos têm sido de enorme transformação na produção naval brasileira.
A retomada da demanda, levada a cabo inicialmente por demanda da produção offshore
nacional (embarcações de apoio e plataformas) e, mais recentemente, pela grande
demanda de petroleiros, gaseiros e outras embarcações encomendadas plea Transpetro
no âmbito do PROMEF, tende a movimentar os investimentos estaleiros e na indústria
30 Uma descrição das dificuldades para padronização de estatísticas da cadeia de fornecedores de equipamentos e serviços para construção naval e para realização de estudos e entrevistas com participação de estaleiros na Europa pode ser encontrada em Balance (2000).
78
de navipeças. Segundo estimativas do Sindicato da Indústria de Construção e Reparação
Naval e Offshore (Sinaval), os estaleiros brasileiros faturaram em 2006
aproximadamente US$ 2,5 bilhões e devem fechar esse ano com o mesmo valor. Ainda
segundo esta fonte, atualmente existe no país US$ 8 bilhões de encomendas em carteira,
sendo US$ 5 bilhões em navios e US$ 3 bilhões em plataformas. Ainda que estes dados
sejam reduzidos quando comparados às carteiras dos grandes estaleiros31, a expectativa
de crescimento e de geração de 36 mil postos de trabalho32 impõe uma pressão pela
geração de oferta de equipamentos e mão de obra qualificada, em um setor que há dez
anos atrás estava praticamente reduzido a reparos em embarcações (Jornal do
Commercio, 01/10/2007).
É justamente o cenário negativo que se estendeu desde meados da década de 1980
até o início da década atual um dos principais fatores que dificultam a reorganização do
segmento de navipeças no país. Os segmentos mais dependentes das demandas do setor
naval foram extintos. Aqueles que conseguiram sobreviver pela possibilidade de vender
a outros mercados33, ainda que possam retomar as atividades com maior velocidade têm
um problema em comum em relação aos fornecedores que têm de ressurgir: a
defasagem tecnológica e em relação aos procedimentos específicos de gestão da cadeia
de suprimentos naval que, como visto nas seções iniciais, têm passado por
transformações significativas nos últimos anos.
Um dos principais estímulos à produção da cadeia de suprimentos da indústria
naval no país é o índice de nacionalização proposto pelos contratos fechados pela
Petrobrás, de 65%. A discussão sobre a adequação deste índice varia entre dois pólos
distintos. Alguns, como a ABIMAQ, entidade representante de produtores brasileiros de
máquinas e equipamentos, argumentam que tal índice é insuficiente e desperdiça
potencial de desenvolvimento de equipamentos nacionais. Em extremo oposto, pode se
argumentar que a menor qualidade e o maior custo dos equipamentos nacionais podem
se tornar um empecilho à competitividade dos navios construídos no país – indicando a
necessidade de importar para viabilizar o business no país. Nesse sentido, uma breve
discussão sobre nacionalização do setor de navipeças é apresentada na subseção 4.2
31 A Carteira do Samsung Heavy Industries, por exemplo, é de US$ 10 bilhões em 2007 (SINAVAL, 2007). 32 Durante a década de 1970 o setor chegou a empregar 39.150 funcionários, segundo o DIEESE. 33 Alguns fabricantes de compressores, bombas, válvulas, caldeiras, escotilhas, guinchos, guindastes, mobiliário, por exemplo.
79
4.2 Importância da nacionalização da cadeia de suprimentos para indústria naval
Como apresenta a seção 1 deste estudo, diversos estudos apontam para a
importância de uma gestão adequada das relações entre estaleiros e seus fornecedores.
Um dos elementos notados por estudos do setor é justamente a proximidade física e a
formação de arranjos produtivos locais, com concentração de empresas em torno de
estaleiros. A figura 4.1 ilustra a distribuição das empresas fornecedoras na Europa.
Figura 4.1 – Localização geográfica de fornecedores da indústria naval na Europa
Fonte: Balance (2000)
O relatório produzido pela Balance (2000) chama a atenção para a concentração
de fornecedores em torno de estaleiros, com destaque para fornecedores de
equipamentos e serviços especializados. Esse mesmo relatório, inclusive, chama atenção
para as dificuldades que a indústria de navipeças européia deverá sofrer ao longo das
próximas décadas por conta da perda de importância dos estaleiros desta região em
relação aos asiáticos, fato destacável ao longo das últimas décadas.
80
Dois conjuntos de fatores podem ser associados às vantagens da mencionada
proximidade geográfica. O primeiro conjunto de fatores pode ser caracterizado por
elementos associados à logística da produção e, em maior ou menor grau, são de mais
fácil identificação. Um dos requisitos mais importantes na concorrência entre estaleiros
é o tempo de entrega da mercadoria. Além disso, como destaca a Seção 1 deste estudo, a
redução dos períodos de inatividade no estaleiro e a redução dos estoques também
constituem importantes armas de concorrência. A proximidade em relação aos
fornecedores permite a adoção de um conjunto de melhores práticas capazes de
interferir diretamente nestes aspectos.
A “produção enxuta”, discutida em seções anteriores, é dependente da capacidade
de entrega de partes, componentes e módulos de acordo com as necessidades do fluxo
de produção de estaleiros. A adoção de mecanismos informatizados para auxiliar na
sincronia destes agentes é central, mas é extremamente potencializada pela proximidade
geográfica. Essa é uma das lições das aprendidas com a indústria automobilística e que
ainda tem bastante campo a para ser desenvolvida na indústria naval, inclusive em
países com produção extremamente desenvolvida.
A nacionalização da cadeia de suprimentos, se estimulada, deve levar em
consideração estes aspectos para incrementar a competitividade dos estaleiros no que
tange à sua logística de produção. Os próprios custos de transporte e custos de transação
relacionados à importação favorecem essa substituição por fornecedores locais. Além
disso, como observado em visitas à estaleiros coreanos, a presença de mão de obra de
fornecedores dentro do próprio estaleiro tem se mostrado crescente e, obviamente, é
facilitada pela proximidade geográfica.
O segundo conjunto de fatores diz respeito à construção de ativos intangíveis, de
aproveitamento de externalidades relacionadas à atuação mais próxima entre estaleiros
e fornecedores e entre diferentes fornecedores. A literatura relacionada ao tema chama
atenção para a importância do fluxo de conhecimento e para a construção de laços
informais e formais de empresas que, imersas em um mesmo ambiente econômico, com
determinações similares, problemas correlacionados, podem vir a buscar soluções
conjuntamente. Em linhas gerais, esses são benefícios que podem ser identificados em
diversas formas de aglomerações produtivas locais.
81
No setor de navipeças, estas características podem se manifestar no fluxo de mão
de obra entre empresas do setor, facilitando a transferência de experiências e acelerando
a transição pela curva de aprendizado. Ainda em relação à mão de obra, a proximidade
de fornecedores pode estimular a formação de instituições públicas e privadas voltadas
ao treinamento coletivo. A presença concentrada de determinadas categorias amplia a
efetividade de ações desse perfil. De maneira similar, a concentração de empresas da
cadeia de suprimento e estaleiros em uma mesma região, pelos próprios impactos que
gera sobre a atividade econômica regional podem potencializar o apelo por políticas de
construção de infra-estrutura voltada para a atividade. Em termos de infra-estrutura
privada, a proximidade geográfica e de relações entre empresas pode facilitar
procedimentos de compra e estocagem conjunta de matéria-prima como aço.
Estes benefícios, de difícil mensuração, compõem um leque de fatores que, em
conjunto com os aspectos logísticos, podem ser enumerados para defesa da
nacionalização da cadeia de suprimentos nacional. Cabe observar que aqui não foram
mencionados benefícios macroeconômicos como a geração de emprego e renda locais,
que também compõem objetivos de uma política de governo. Foram apresentados
apenas argumentos microeconômicos, que interferem diretamente sobre a
competitividade da indústria naval, especialmente no que tange aos seus determinantes
de longo prazo, quando os efeitos de aprendizado e aproximação das empresas são
potencializados.
A despeito dessa defesa da nacionalização, a extensão deste processo deve ser
analisada com bastante cuidado. O próprio ressurgimento e sobrevivência do setor de
navipeças, especialmente no médio e longo prazo, estão associados à manutenção da
demanda por navios nacionais. A nacionalização “a qualquer custo”, defendida por
alguns agentes da cadeia, pode ser míope quando se considera uma estratégia de
desenvolvimento sustentável. A perda de competitividade causada pela utilização de
equipamentos e serviços inadequados às condições da acirrada concorrência
internacional em termos de qualidade e/ou custo pode reduzir as próprias perspectivas
positivas para a indústria naval, que precisará, na próxima década, ampliar suas
exportações para compensar esperada redução da demanda nacional por navios – inflada
pelo programa de renovação da frota da Transpetro. A subseção 4.3 pretende contribuir
para avaliação do processo de nacionalização, apresentando uma análise sobre a
competitividade da cadeia de suprimento no país. Essa análise foi efetuada a partir de
82
informações coletadas por entrevistas com empresas nacionais, relatórios do Programa
de Mobilização da Indústria de Petróleo (PROMINP), informações da própria
Transpetro, do perfil das encomendas relacionadas aos projetos de cada embarcação do
programa de renovação da frota e, por fim, informações coletadas junto à mídia
especializada.
5. Conclusões e recomendações de políticas
As principais conclusões deste estudo são:
A indústria naval mundial tem procurado avançar em práticas de gestão da
produção e da cadeia de suprimentos que se aproximam da chamada lean production,
desenvolvida inicialmente pela indústria automobilística. Os melhores e mais
competitivos estaleiros do mundo estão bastante avançados neste sentido, reduzindo
custos e encurtando prazos de entrega.
A indústria aeronáutica brasileira se reinventou competitivamente a partir de
novas práticas de gestão da cadeia de suprimentos. Fornecedores diretos se tornaram
parceiros de risco e, através de radical global sourcing, incrementaram fortemente a
competitividade da então semi-falida Embraer que, uma década depois da introdução
destas práticas, se tornou o terceiro maior player do setor no mundo. Paulatinamente,
têm sido adotadas medidas para adensar a montante a cadeia produtiva no Brasil, por
exemplo, através da composição de consórcios de pequenas e médias empresas
industriais e de serviços de engenharia. O poder de compra da empresa pode, nos
próximos anos, constituir no Brasil um sólido elo fornecedor. Espera-se que, no futuro,
estaleiros competitivos possam exercer o mesmo papel que a Embraer pretende agora
(ainda que lentamente) cumprir.
A indústria automobilística brasileira também se reestruturou nos anos 90 a partir
da reconfiguração de sua cadeia de suprimentos. Desverticalização da produção,
outsourcing, modularização da produção e aumento do conteúdo importado (partes e
componentes) permitiram que a indústria brasileira eliminasse a defasagem competitiva
em relação ao estado-da-arte mundial, no que se refere ao desempenho tecnológico e
design de seus produtos finais. Uma nova onda de investimentos, inclusive fora do eixo
tradicional, intensificou estes processos e contribuiu para ampliar a competitividade
83
através de redução de custos, aumento de produtividade e melhor desempenho dos
veículos. No entanto, deve-se ressaltar que os ganhos de competitividade do elo das
montadoras foi contrabalançado por relativo desadensamento da cadeia, em especial por
desmobilização de fornecedores de autopeças e forte retração no número de empregos.
Isto explicita o dilema que aflige aos policy makers interessados em reconstruir a
indústria naval brasileira: constituir uma indústria fundamentada na importação de
equipamentos e partes, com apenas o aço e a mão de obras agregadas localmente, ou
uma indústria crescentemente adensada, com desenvolvimento competitivo tanto dos
estaleiros quanto de empresas fornecedoras de navipeças?
Em parte esta pergunta pode ser respondida pela própria dinâmica de
reestruturação. A cadeia de construção naval do Brasil, após 20 anos de
desindustrialização, parece dar indícios de recuperação, ao menos nos elos de
construção propriamente dita, graças ao poder de compra da Petrobras e da Transpetro.
Não há indícios, entretanto, da recuperação dos segmentos fornecedores de navipeças,
ainda muito desarticulados. Da mesma maneira, os estaleiros nacionais ainda estão
muito distantes das melhores práticas de produção e gestão da cadeia de suprimentos
observados nos casos paradigmáticos do segmento (por exemplo, estaleiros líderes sul-
coreanos).
De qualquer forma, este estudo pôde concluir que as principais lições que a
reestruturação das indústrias aeronáutica e automobilística pode oferecer para a
retomada da construção naval no Brasil são:
a. eleger um nicho de mercado (carros “populares” e jatos regionais
de até 100 lugares) e se especializar através de ampliação de escala
para atender tanto o mercado doméstico em crescimento, quanto o
exterior através de exportações para mercados potenciais, é uma
vantagem competitiva que amplia rentabilidade e cria defesas
naturais com relação às importações;
b. reorganizar a cadeia de suprimentos em direção a uma maior
participação do segmento fornecedor, através da co-
responsabilidade da produção de módulos e sistemas e da
84
repartição dos riscos do investimento, é uma estratégia crucial para
o aumento da competitividade da montagem (edificação) final;
c. deter capacitação de projeto é fundamental para comandar a cadeia
de maneira mais eficiente, com atestaram os casos da Embraer e da
Ford com o EcoSport em Camaçari;
d. o uso de insumos importados permite produzir o bem final de
maneira mais eficiente, tanto em relação a custos, quanto em
relação a desempenho, ainda que produza efeitos colaterais que
reduzem o efeito indutor de renda e emprego no país;
e. novos investimentos permitiram romper com a ineficiente, ao
menos no início dos anos 90, característica anterior (plantas
desatualizadas, verticalização excessiva, alto conteúdo nacional,
proximidade com mercado e com fornecedores, etc). Casos de
sucesso, com o da Ford na Bahia ou o novo processo de
“docagem” de aviões da expansão da Embraer, parecem indicar
que o advento do estaleiro Atlântico Sul em Suape-PE, pode
contribuir fortemente para o êxito da reconstrução da indústria
naval no Brasil.
Para que estas lições sejam melhor aproveitadas, o estudo entende que é preciso
decidir que tipo de construção naval se deseja re-instalar no Brasil: uma indústria
concentrada na montagem (lançando mão de alto conteúdo importado e presidindo de
uma densa rede de fornecedores locais de equipamentos) ou uma que progressivamente
vá adensando a montante a cadeia produtiva no Brasil.
O estudo recomenda que a segunda opção seja perseguida pelos policy
makers. Caberia ao Estado e aos principais demandantes como a Transpetro
coordenarem uma articulação que permita a reestruturação dos estaleiros de
forma concomitante ao fortalecimento da cadeia de suprimentos.
Diversas ações podem ser implementadas neste sentido. Destacam-se:
• Mobilizar órgãos do executivo (MDIC, MME, MT, por exemplo) para
traçar estratégia comum de desenvolvimento, que envolva política
85
comercial, poder de compra, promoção de exportações e financiamento.
Replicar experiências comandadas pela Secretaria de Desenvolvimento
da Produção do MDIC para instituir um Fórum de Competitividade da
Cadeia Produtiva da Construção Naval;
• Os demandantes deveriam participar ativamente da definição de vendor
lists, privilegiando soluções que contribuam para o desenvolvimento de
fornecedores locais;
• Ampliar a iniciativa do Prominp, incorporando especificidades da cadeia
produtiva de construção naval de longo curso, estimulando a circulação
de conhecimento e definindo metas (e trajetórias) mais ambiciosas de
nacionalização de navipeças.
• Coordenar e ampliar o envolvimento de instituições de ensino e pesquisa
tecnológicas com as empresas produtoras de navipeças (existentes e
potenciais), estaleiros e órgãos de financiamento, para estimular o
desenvolvimento tecnológico que seja efetivamente aplicado em novos
produtos e processos demandados pelos produtores;
• Neste mesmo sentido, deveriam ser criadas linhas especiais de
financiamento no BNDES, seja para produção local, seja incentivando
exportações de embarcações e navipeças (e.g. usar FMM para articular
cadeia como um todo e não os estaleiros);
• Por fim , deveriam ser criadas linhas especiais de financiamento e
articular ações para o desenvolvimento de projetos, de produtos e de
APLs, articulando uma Rede de Fornecedores de Navipeças, que
incluiria empresas de todos os portes (Transpetro, BNDES, FINEP,
SEBRAE, Governos Locais, Sindicatos e Associações de Empresas,
entre outros).
86
C) Bibliografia Utilizada
BERNARDES, R. O caso Embraer – privatização e transformação da gestão
empresarial: dos imperativos tecnológicos à focalização no mercado. São Paulo:
CYTED: PGT/USP, 2000.
BALANCE TECHNOLOGY CONSULTING “Competitiveness and Benchmarking in
the field of Marine Equipment”. Alemanha, Março de 2000.
BONGIORNI, H.B., LAMB, T. “World Class Shipbuilding Steel Design, Procurement,
and Production Best Practices”. American Iron and Steel Institute, Março de 1998.
BERNARDES, R.; PINHO, M. S. Inovação e Aprendizado nas Micro, Pequenas e
Médias Empresas do Arranjo Aeronáutico de São José dos Campos. In: Helena M.
M. Lastres; José Eduardo Cassiolato; Maria L. Maciel. (Org.). Pequena Empresa:
Cooperação e Desenvolvimento Local. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003, v. , p.
101-119.
DAGNINO, R. A Indústria Aeronáutica. ECIB - Estudo da Competitividade da Indústria
Brasileira. Nota Técnica Setorial. Campinas. IE/Unicamp/MCT/FINEP/PACDT,
1994.
DORNA, M. A. S., PRANCIC, E., MERGULHÃO, R. C., ZUIN, L. F. S. Rede de
operações e integração vertical: risk-sharing agreements na cadeia produtiva
aeronáutica brasileira In: X Simpósio de Engenharia de Produção, 2003, Bauru, SP.
EFE. Colômbia terá crédito do BNDES para comprar aviões da Embraer. Bogotá: EFE,
10 nov. 2005.
EFE. Embraer quer construir avião de transporte militar. Rio de Janeiro: EFE, 19 abr.
2007.
EMBRAER. Embraer em Números, 2006.
EMBRAER. O Adensamento da Cadeia Produtiva da Indústria Aeronáutica. Rio de
Janeiro: Seminário do BNDES, 15 abr. 2004.
EMBRAER. Projeto NM – Memorando Descritivo da Operação, 2006.
EMBRAER. Relatório Anual, 2005.
87
FADDA, E. A. (2000). Construção Naval – Uma Indústria Global. As Estratégias
para o Crescimento. Congresso da SOBENA (Sociedade Brasileira de
Engenharia Naval).
FAVARIN, J. & STUPELLO (2006). Relatório Navalshore. Centro de Estudos em
Gestão Naval, Universidade de São Paulo (USP).
FERREIRA, M.J.B. Indústria Aeronáutica Brasileira. São Paulo: Banco Fator/NEIT-IE-
UNICAMP, 2003. Mimeo.
FERREIRA, M.J.B. Setor Aeronáutico e de Defesa – Workshop 12. In: II Congresso da
Indústria Paulista. São Paulo: FIESP/NEIT-IE-UNICAMP, 2004. Mimeo.
FLEISCHER, M.; KOHLER, R.; LAMB, T.; BONGIORNI, H. B. (1999). Shipbulding
Supply Chain Integration Project. Relatório Final, MANTECH, Michigan.
FOLHA DE SÃO PAULO. Embraer lança dois novos jatos pequenos para executivos.
São Paulo: Folha de São Paulo, 4 mai. 2005.
FOLHA DE SÃO PAULO. Embraer quer ampliar aviação executiva. São Paulo: Folha
de São Paulo, 3 dez. 2006.
FOLHA DE SÃO PAULO. Embraer só perde para Boeing e Airbus em jatos comerciais.
São Paulo: Folha de São Paulo, 3 dez. 2006.
FUJIMOTO,T. & TAKEISHI, A. (2001). Automobilies:Strategy-Based Lean Production
System. CIRJE-F-121 Discussion Paper, Tokyo University.
GOMES, S. B. V.; LIMA, J. C. C. O.; BARTELS, W.; PINTO, M. A. C.; e MIGON, M.
N. O desafio do apoio ao capital nacional na cadeia de produção de aviões no Brasil:
proposta de modelo de estrutura divisionalizada. Revista BNDES, n. 23, Rio de
Janeiro, BNDES, junho de 2005.
JOCKYMAN, A. & M.J. SILVA (2006). Maré Cheia. Metalurgia & Materiais, v. 62, n.
565, pp. 126-130;
JORNAL DO COMMERCIO “De vento em popa” Logística e Multimodalidade – 01 de
outubro de 2007.
LACERDA, S. M. (2003). Oportunidades e Desafios da Construção Naval. Revista do
BNDES, Rio de Janeiro, v. 10, Nº. 20, p. 41-78.
88
LES ECHOS. Dassault e Embraer discutem a Produção do Rafale no Brasil. Paris: Les
Echos, 16 out. 2006.
LIKER, J & LAMB, T. (2001). Lean Manufactures Principles Guide. Maritech ASE
Project, TIA.
MACHADO, S. (2006). Renascimento da indústria naval brasileira: o sucesso da
licitação da Transpetro. Apresentação à Câmara Americana de Comércio
(AMCHAM) em Abril de 2006..
MAFFIOLI, P., DAIDOLA, J.C. and, OLIVIER, J. (2001). Competitive Shipbuilding
Production Practices, SNAME Transactions.
OLIVEIRA LIMA, J.C.C. (Org.) A Cadeia Aeronáutica Brasileira e o Desafio da
Inovação. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 21, p. 31-55, mar. 2005.
OLIVEIRA, L. G. de. A cadeia de produção aeronáutica no Brasil: uma análise sobre os
fornecedores da Embraer. Tese (Doutorado em Geociências) - IG/UNICAMP,
Campinas, 2005.
OTTOBONI, J. Embraer lucra menos no trimestre e aposta nos jatos executivos. São
Paulo: Gazeta Mercantil, 15 mai. 2006.
RANHEIM, E. (2002). Industry Hering on Establishing competitive Conditions in
World Shipbulding. INTERTANKO.
REUTERS. BNDES abre linha para financiar compra de aeronaves da Embraer. Rio de
Janeiro: Reuters, 16 ago. 2006.
SAKO, M. (2002). Modularity and Outsourcing: The Nature of Co-Evolution of Product
Architecture and Organization Architecture in the Global Automotive Industry. Paper
prepared for the book The Business of Systems Integration edited by Andrea
Prencipe, Andrew Davis & Mike Hobday, Oxford University Press.
SALLES, F. A encruzilhada pós-moderna do mercado global de aviões de caça. UOL:
Disponível <http://www.basemilitar.com.br>. 2006.
SCHANK, J. F.; PUNG, H.; LEE, G. T.; ARENA, M. V.; BIRKLER, J. (2005).
Outsourcing and Outfiting Practices: Implications of the Ministry of Defense
Shipbulding Programmes. Great Britain, RAND Corporation, MG-198.
89
SINAVAL “Cenário 2007: A consolidação da indústria naval brasileira”. Rio de Janeiro,
maio de 2007. (disponível em www.sinaval.org.br)
STURGEON, T. & FLORIDA, R. (1999).The world that change the machine:
globalization and jobs in the automotive industry. s1, s. n. Final Report, IMVP.
VALOR ECONÔMICO. BNDES tem plano de apoio à indústria aeronáutica. São Paulo:
Valor Econômico, 15 out. 2005.
VALOR ECONÔMICO. Embraer só deve normalizar entregas de aeronaves no segundo
trimestre deste ano. São Paulo: Valor Econômico, 23 mar. 2007.
VALOR ECONÔMICO. Embraer vê hoje "condições muito mais favoráveis" para a
venda de aviões às aéreas nacionais. São Paulo: Valor Econômico, 5 jun. 2006.
VELOSO, F. (2000).The Automotive Supply Chain Organization: Global Trends and
Perspectives. Working Paper, s/n. Cambridge, MIT.
WOMACK, J., JONES, D. & ROOS, D. (1997). A Máquina que mudou o mundo. Rio
de Janeiro, editora Campus.