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CAPITULO 6 Apoiar e separar: duas fun~6es do pai / a papel do pai como esteio emocional • COnfusao de papeis nos tempos modernos • E quem apoia 0 pai? • a papel do pai como separador emocional • Outros separadores • a caso Pablo • Manter 0 lugar do pai mesmo que esteja ausente • Criar Osfilhos sem pai • As crianfas que acordam a node: a impor- tancia da figura paterna • Funfoes feminina e mas- culina na familia. ~~'--- :5",

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CAPITULO

6Apoiar e separar: duas fun~6es do pai

/a papel do pai como esteio emocional • COnfusaode papeis nos tempos modernos • E quem apoia 0

pai? • a papel do pai como separador emocional •Outros separadores • a caso Pablo • Manter 0 lugardo pai mesmo que esteja ausente • Criar Osfilhossem pai • As crianfas que acordam a node: a impor-tancia da figura paterna • Funfoes feminina e mas-culina na familia.

~~'---:5",

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o PAPEL DO PAl COMO ESTEIO EMOCIONAL

A fun~ao do pai se desenvolve em dois tempos: 0 primeiro diz res-peito ao apoio entre 0 e 2 an os, e 0 segundo, a separa~ao, depoisque a crian~a completa 2 anos e come~a a se separar emocional-mente da mae e a construir 0 proprio eu.

o apoio

I II)

Nos tempos modern os, as maes e os pais tern dificuldade decompreender essa atitude. Refere-se a prote~ao e ao cuidado que 0

pai deve destinar a mae para que ela possa desempenhar seu papelmaterno. Requer uma atitude muito ativa.

o que significa apoiar a maternidade?1. Facilitar a fusao mae-bebe, permiti-Ia e defende-Ia. Para estar

( m condi~oes de submergir na fusao, a mae precisa se despojar de\odas as preocupa~oes materia is e mundanas. Deve delegar todas ast.lrefas que nao sejam imprescindiveis a sobrevivencia da crian~a:(Ill seja, tudo que nao se refira a amamentar, ninar, acalmar, higie-IlIzar, alimentar e apoiar 0 recem-nascido. As tarefas domesticas, alI('n~ao aos filhos maio res, a organiza~ao do lar, a administra~aoIII dinheiro, os conflitos com outras pessoas, as rela~oes intrafami-

I,.lr's, 0 reconhecimento do mundo e as decisoes mentais devemI ,mibuidos ao homem, que deve tomar decisoes pertinentes para

Id\l'I"ara mae do reino do terrestre. Para a mulher puerpera, esse e1111 p'rfodo celestial, no qual sua consciencia opera mais alem daI 1~'ll a e da causalidade. E necessario que se despoje dos pensamen-

I I,lCionais e admita que atrav ~ssa lima realidade milagrosa e sem

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sentido aparente. A vida cotidiana continua com suas exigencias eritmos, e a tarefa do homem e justamente a de se encarregar deorganizar e administrar a rotina domestica.

2. Defender a fusao do mundo exterior, massacrado pelos pal pi-tes, crfticas e sermoes que circulam acerca do que "deve ser feito".Resguardar 0 ninho. Ser urn intermediario, constituir-se em mura-lha entre 0 mundo interno e 0 mundo externo. Quase tudo 0 quechega do mundo exterior parece hostil a mae, porque funciona emuma frequencia muito elevada e veloz para a sutileza do recem-nascido e desequilibra 0 mundo emocional da mulher puerpera. Asmaes fusionadas precisam de urn defensor aguerrido que lhes pos-sibilite se retrair em sua fun~ao espedfica sem precisar se armarcontra 0 que esta do lado de fora. Toda energia usada para se de-fender e energia subtraida do processo de cria~ao do filho. Concre-tamente, 0 homem deve zelar para que a mae e a crian~a dispo-nham de silencio e intimidade, para que circulem p.ela casa poucaspessoas ou apenas aquelas requeridas pela mulher, e prover 0 ni-nho s6 do alimento, do conforto e da tranquilidade necessarios. Einteressante observar como a maio ria das aves age em seus ninhos:o macho entra e sai trazendo alimentos e evitando que algum intru-so se aproxime, enquanto a femea nao se afasta dele.

3. Apoiar ativamente a introspec~ao, ou seja, permitir que.mae explore a abertura de sua sombra vivenciando com liberdade intimidade a experiencia do florescimento de sua mae interior. )apoio e 0 acompanhamento afetuoso permitirao a mae que nao s 'assuste com suas partes ocultas, que confie no processo e saiba quha uma mao estendida que podera segurar nos momentos rnais duros. Nao importa se 0 homem compreende ou nao do que se trat •importa apenas saber que algo acontece e que talvez a compre II

sao racional apare~a mais tarde. Nao ha muito a compreendcr,tempo de fazer a travcssia.

4. Proteger. Ha muitos meios de proteger. Em nossa socied disso se refere principalmente aos aspectos economicos: e 0 p II

quem consegue, ganha, administra e organiza 0 dinheiro neces III I

IlU

para cobrir as necessidades basicas da diade mae-filho. Liberar amae dessas preocupa~oes the permite sustentar a fusao e a ma-ternidade no periodo inicial. 0 homem deve manter 0 espa~op~iquico dis.ponivel para tamar decisoes, procurar ajuda, orga-lllzar 0 funclOnamento familiar e resolver as questoes do mundomaterial.

5. Aceitar e amar sua mulher. Neste periodo, 0 essencial e naoquestionar as decisoes ou intui~oes sutis da mae, que surgem comor~demoinhos incontrolaveis, pois respondem a uma viagem inte-nor na qual ela esta embarcada e sobre a qual nao tern controle.Ponanto, nao tern elementos para justificar suas sensa~oes, umavez que passa por uma transfigura~ao de sua existencia e por urndesdobramento indescritfvel de recorda~oes, necessarias a fusao ea seu devir consciente. 0 pai nao pode constituir-se em urn ini-migo das sensa~oes il6gicas, dando conselhos, discutindo as maisinfimas decisoes a respeito de como erguer 0 bebe, alimenta-Ioou a~ormece-Io, denegrindo 0 processo de regressao psiquica,nem tmpondo suas ideias sobre a educa~ao correta do filho deambos. ~ao e tempo de discus sao. E tempo de aceita~ao e obser-va~ao: E tempo de contempla~ao sobre como as coisas aconte-cern. Eo Tao.

CONFusAo DE PAPEIS NOS TEMPOS MODERNOS

11:1uma grande confusao acerca do papel dos pais nessa fase depl'rda de identidade. Nao e fundamental que urn pai troque fraldasI HI p~nha 0 bebe para dormir, embora sejam atitudes sempre bernI(cebtdas pela mae esgotada. No entanto, quando urn pai que naoI 'Ill condi~oes de sustentar emocionalmente a mulher se ocupa deII (lCar fraldas, 0 desequilibrio familiar e imenso. Qualquer mulherpode trocar as fraldas de seu bebe, mas esta ou qualquer outra ta-I( 1.1 se torna incomensuravel quando nao conta com apoio emocio-1,,11 suficicnt '.

III

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AS pais acreditam, entao, que nao tern nada de importante afazer se a mae e a unica pessoa que se ocupa do bebe. No entanto,se apoiar ativamente sua mulher, fica completamente envolvido natrfade. Nao e necessario que 0 pai esteja dentro do redemoinhoemocional, porque esta nao e sua fun~ao. Ao contrario, e necessa-rio alguem que mantenha sua estrutura emocional intacta e sus-tente 0 mundo material para que a mae nao se veja obrigada aabandonar 0 mundo emocional em que esta submersa. a pai naotern de exercer a maternidade; tern de apoiar a mae em seu papelna maternidade.

as papeis familiares sao estabelecidos inconscientemente a par-tir da forma~ao do casal. Em minha experiencia profissional, cons-tato dois esquemas muito frequentes:

Mulher ----~- Homem

Durante 0 namoro ou a convivencia sem filhos, tanto 0 homemcomo a mulher conservam urn espa~o proprio (estudo, trabalho,rela~6es pessoais afetivas), embora, habitualmente, a mulher escoremocionalmente 0 homem (ajuda-o a estudar para ser admitido n.faculdade, estabelece com seus pais uma rela~ao mais amavel doque a que ele proprio mantem, cuida dos filhos de seu primeirocasamento, acomoda seus horarios de acordo com os dele etc.).Isto e forjado com total espontaneidade e amor, conservando espa~os proprios, afetos e interesses pessoais.

Quando nasce 0 primeiro filho, a mulher retira 0 apoio qu .dava ao homem para dol-Io primordialmente ao bebe. a esquemque estabelecem sem se dar conta e 0 seguinte:

Pai ---- •. Mae ---- •. Filho

A mulher, habituada a dar afeto e a apoiar alguem, retira 0 apoioao homem, dirigindo-o ao filho que deve criar. Assim, 0 pai eelufdo da dfade e a mae acaba nao tendo esteio para a criacsao lil I

filho. Este funcionamento leva a insatisfacsao e a infelicidad' I

II'

ambos: 0 pai se sente so, enciumado, abando'nado e inutil. A mae ~esente desamparada, so, esgotada e ocupada com afazeres que naosao proprios do puerperio.

Tambem se estabelece em alguns casos 0 seguinte esquema:

Mae

APai Filho

au seja, uma mae que e esteio tanto do pai como do filho. Urnpai infantil pedindo atenS;ao. Urn filho as vezes deslocado do lugarem que receberia atenCSao.

Em urn esquema equilibrado e harmonico, 0 casal deveria cons-tituir-se com urn funcionamento similar ao seguinte:

Mulher -~~---~ Homem

Trata-se de urn apoio emocional com ida e volta. Cada mem-bro do casal se ocupa e satisfaz as necessidades e os desejos dooutro; eles estao voltados ao bem-estar e ao equilibrio de am-bos. Nestes casos, quando 0 filho nasce, estabelece-se 0 seguinteintercambio:

Pai ----~ Mae ----.. Filho

Trata-se de urn pai que sustenta emocionalmente a mae, quesustenta emocionalmente a criancsa. A flecha que vai do homem. mulher ja estava em funcionamento antes da apari~ao do filhoreal, portanto 0 fato de 0 pai apoiar a mulher nao se transformaI m urn problema. A flecha que apontava da mulher para 0 ho-lIlem muda temporariamente de rumo e se dirige ao recem-nas-ido, garantindo uma cadeia de apoios a urn feliz exercfcio da

Illaternidade.Lamentavelmente, as mulheres estao tao perdidas de si mesmas,onhecem tao pou 0 e estao t:o infantilizadas que costumam

III

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formular pedidos deslocados. A questao dos pedidos deslocados eaprofundada no capitulo "Os limites e a comunicae;ao".

De qualquer forma, darei urn exemplo: a mae precisa ser abra-~ada pelo marido, mas, em vez de fazer 0 pedido c1aramente, pedeao homem que banhe a crian~a. 0 pai responde com exatidao aopedido explicitado. No entanto, a mae fica insatisfeita (0 banheiroficou molhado, a temperatura nao foi adequada, a criane;a chorouetc.). Na realidade, sua necessidade original (0 abrae;o) nao foiexplicitada, portanto nao pade ser satisfeita. Fae;o este esc1areci-mento porque costumamos confundir apoio a mae com ajuda nacriae;ao do filho. E sao duas situae;oes bern distintas. Uma maeapoiada (neste caso, bern abrae;ada) pode banhar a criane;a semmaiores problemas.

Na criae;ao dos filhos nao sao fundamentais as decisoes inte-lectuais; so atuam as alternativas emocionais. Quando 0 pai estaunido a diade por meio do apoio emocional a mae, fica envolvido,constituindo, assim, a triade.

Hoje em dia, uma infinidadede pais ignora quase tudo sobre 0

funcionamento e 0 papel paterno. Eles desembarcam nesta realida-de no mesmo nivel de orfandade com que muitas mulheres chegama maternidade. Emocionalmente falando, quanto mais "orfa" setenha constituido a psique do pai, mais dificuldades ele encontrarapara proteger e sustentar 0 lar. Frequentemente, fiead fora do pal-co, deslocado no amor, pedindo atene;ao com uma atitude infantile so (estou me referindo a solidao primaria do pai interior). 0 ho-mem e a mulher so conseguem se transformar em urn casal de paiquando ha apoio mutuo.

E QUEM APOlA 0 PAl?

1. Prioritariamente, 0 homem e apoiado pela propria estrutUl'lemocional, que nao foi devastada pela erupe;ao do vulcao intericlIdepois do parto. Sem feridas f1sicas ou psiquicas, equilibrado II

III

tegro, emocionado e comovido pela presen~a da crian~a, conservaintactas suas capacidades intelectuais e sua conexao com 0 mundo.Essa estrutura emocional, que pode ser mais ou menos solida, foiconstruida a partir da infancia e e seu principal bastiao para enfren-tar as crises vitais. Em sintese, conta com 0 que conseguiu construirdentro de si, que se mantem inalterado.

2. E apoiado pelo trabalho, seu espa~o de identidade e posie;aosocial. 0 ambito no qual gera dinheiro, mantem urn posta fixodiante dos olhos dos demais, e reconhecido por suas aptidoes ffsi-cas e intelectuais. E uma esfera pessoal por meio da qual reconhecea si mesmo, e seu ponto de contato seguro com 0 mundo exterior.

3. Tambem e apoiado pela posi~ao profissional, 0 prestfgio, 0

poder conferido pelo dinheiro, a avalia~ao social de seu lugar nomundo, seu crescimento pessoal ou profissional, suas inquietae;oes,sua autonomia nos movimentos e na disponibilidade do propriotempo.

4. Apoia-o, alem disso, urn fato pequeno, mas poderoso: 0 tem-po de lazer! Aqueles dez minutos que usa para ler com tranquilida-de 0 jornal e sao tao invejados pela puerpera, que ainda nao teve achance de ir ao banheiro! A meia hora de que dispoe para jogar suapartida de tenis, 0 tempo rigoroso que dedica ao asseio pessoal,sua sesta (que po de levar ao divorcio no perfodo puerperal), enfim,a autonomia e a liberdade que concede a si mesmo, independente-mente do nascimento da crian~a, que alterou substancialmente 0

ritmo cotidiano da mae, mas mal incomoda 0 homem nas noitesimerrompidas pelo choro do recem-nascido. 0 lazer e urn apoiofundamental para 0 equilibrio emocional do homem, e e indispen-:lvellembrar que ele e 0 unico credor de tao apreciado beneficio

IIll familia.Quando os homens se queixam dos pedidos desmedidos das

llIulheres (que, em geral, sao pedidos deslocados), e importante( ';lminar se 0 homem e capaz de apoiar emocional e economica-1I1l'IIte sua mulher ou se est,i localizado em urn espae;o infantil noqll,d acr .dita star sozinho e s III comar om a ajllda de ningllem.

II

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Alem do mais, e pertinente ter consclencia da abundancia deapoios sociais que os homens recebem pelo simples fato de seremo que sao: homens em urn mundo masculino.

o PAPEL DO PAl COMO SEPARADOR EMOCIONAL

Entre 0 vigesimo e 0 trigesimo meses, a crian'5a come'5a a se des-prender da fusao emocional com a mae, anunciando a si mesmacomo urn ser separado: eu. E 0 momento ideal para que 0 pai in-tervenha interrompendo a fusao no tempo adequado, liberando,assim, tanto a mae como a crian'5a. A tendencia feminina e para afusao. A tendencia masculina assinala a separa~ao. Por isso, umamae nao pode produzir sozinha a separa'5ao necessaria quando e

chegada a hora.Convivem no pai dois interesses genuinos: por urn lado, recuperar

sua mulher como sujeito sexual e de amor; e, por outro, relacionar-sediretamente com 0 filho, agora que este virou uma coisa mais pareci-da com uma pessoa.

1. Recuperar a mulher amada: tendo este desejo como motorbasico, 0 pai cumpre seu papel de separador, dirigindo sua energiaa recupera'5ao do casal. Prevalece acima de tudo 0 genuino desejode recuperar sua companheira, po is sente que ja e tempo de voltara normalidade. A crian'5a nao parece precisar da presen'5a tao apreen- .siva da mae e a deixa disponivel para recuperar uma parte da vida

normal.Este perfodo de aproxima'5ao entre 0 homem e a mulher

coincide com 0 processo de separa'5ao da fusao vivida simulta-neamente por mae e filho. A crian'5a vai se transformando em"eu sou" e a mae tambem vai recuperando seu "eu sou separadada crian'5a", reconquistando a maneira original - e provisoria-mente perdida - de transitar pelo mundo terreno. Para realizara separa'5ao emocional, e urn aHvio para a mae que 0 homem a

reclame.

( III

, Durante este processo de reconquista do espa'50 ffsico dISpo-myel, costuma acontecer a segunda gravidez! De fato, quase to-dos os irma os nascem com uma diferen'5a de dois e tres anos,porque, quando uma mae come'5a a emergir da fusao, fica emcondi'56es de recome'5ar.

o pai separa quando detem a crian'5a the dizendo: "Esta mulhere minha", "Agora eu e a mamae estamos conversando e voce ternde ~sperar" ou entao "Este passeio e so para nos dois; quero passearsozmho com mamae".

Esse perfodo se caracteriza por uma volta a normalidade na vidado casal. Em uma famflia, e representado pelo seguinte esquema:

Mae ..••••--- ..•~. Pai

Filho

. Os pais r~tomam urn vinculo recfproco de apoio, e ambos parti-clpam da cna'5ao do filho.

2. Relacionar-se diretamente com 0 filho e possivel, pois 0 ho-mem agora tern urn interesse genufno. Muitos homens afirmamque conseguem se relacionar bern com as crian'5as quando e possi-vel conversar. 0 infcio da linguagem verbal coincide, justamente,lorn 0 perfodo de separa'5ao emocional, entre os 2 e os 3 anos. 0pai passa a ter uma rela'5ao direta com a crian'5a, levando-a aolIlundo social, ao que esta fora: 0 esporre, as atividades, 0 traba-11~0,0 escritorio, a aventura etc. 0 pai e quem senta a crian'5a(kllue do volante do carro, leva-a para pescar, ensina-Ihe algunst ruques.

Definitivamente, sao os pais que colocam as crian'5as no mundo.•dutto. Essa tarefa e contraditoria para as maes. De fato, a adapta-

.10 ao jardim de infancia ou a qualquer situa'5ao nova se torna mais1H'IlI-S11Cedidaquando e 0 pai quem acompanha 0 desprendimento.

(para ao masculina, enqU:lnro a fllsao e feminina. Pretender

(I

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fazer 0 que cabe ao outro por natureza nos submete a pessimasexperiencias.

Quero esclarecer que e indispensavel conhecer os tempos reaisde amadurecimento do ser humano para adaptar nossos desejos aesfera do possive!. Nesse sentido, se urn pai pretender "recuperar"sua mulher tres meses depo is de ela ter pari do, simplesmente irasubmete-Ia a seu desejo ou necessidade pessoal em franca oposi~aoas possibilidades sensatas da dfade.

OUTROS SEPARADORES

Quando nao ha urn pai presente ou entao 0 pai nao consegue agircomo separador, a mae precisa permitir que algo ou alguem desem-penhe esse papel.

o ideal para uma mulher e responder ao chama do da pessoaamada, que a obriga a se separar lentamente do filho fundido aela. Por isso, depois que a crian~a completa 2 anos, e recomenda-vel procurar urn homem de que gostemos e com quem tenhamosvontade de compartilhar situa~6es de adultos. Esta procura de es-pa~os pessoais libera 0 filho da mae, for~ando-o a explorar outrosvfnculos.

o papel de separador tambem pode ser desempenhado por urnavo ou urn amigo da mae que esteja relativamente presente na vidacotidiana. E uma pessoa que merece a confian~a da mae e por quemse sente apoiada. 0 ideal e que seja urn homem. Nao se trata deoutra mulher que ajude na cria~ao, porque, neste caso, se estabele-ce uma fusao a tres. Falando de separa~ao, e necessaria a presen~ade urn homem.

Na ausencia de urn indivfduo que possa exercer 0 papel de divi-sor, ele pode, eventualmente, ser substitufdo por urn trabalho pelqual a mae se interesse de cora~ao, ou uma tarefa criativa, ou ativi-dades poHticas, que frequentemente sao fontes de energia. E tambern por interesses artisticos, culturais e sociais que a mae as urna conscientemente, sabendo que produzirao a adrenalina de III

1~8

necessita para continuar ativa mais aIem dos cuidados com a crian-~a. Isto ocorre, por exemplo, quando a mae consegue se separar dofilho, desculpando-se cheia de felicidade: "Nao vou brincar agoraporque vou trabalhar ou tenho que ir a minha aula de teatro."Quando 0 trabalho e gratificante, conectar-se com espa~os pessoaise adultos torna-se libertador para a mae.

Nos casos em que nao ha pessoas nem situa~6es que possamdesempenhar a fun~ao separadora, e necessario inventa-Ias de-pois que a crian~a tiver completado 2 anos. Caso contrario, a re-lac;ao fusional, estendida no tempo, podera ser abusiva para a crian-c;a: atendera as necessidades afetivas da mae (que retem a crianc;apara nao ficar sozinha), em vez de resolver seus problemas pen-dentes como adulta, liberar 0 filho e permitir que trilhe 0 pro-prio caminho. Nestes casos, a mae devera realizar as duas fun-~6es: apoiar a si mesma e apoiar a si mesma no que se refere asepara~ao.

Por ultimo, costumamos confundir separa~ao com autoritaris-mo. 0 pai - ou a figura paterna - nao precisa ser rfgido nemautoritario para dizer "nao". Nem as maes devem fazer amea~asusando a figura do pai para obter resultados. "Voce vai ver quan-do seu pai chegar", esse e urn pessimo recurso e a leva a perder aautoridade. 0 pai po de separar amorosamente. Ter autoridade emanter-se sobre 0 proprio eixo. Quem desempenha 0 papel queIhe cabe adquire autoridade. Ora, urn pai violento que precisabater para ser ouvido perde a confian~a dos filhos e fica sem con-di~6es de realizar a separac;ao. Por outro lado, 0 pai que ternlonsciencia de sua posic;ao de divisor emocional e con segue deci-dir amorosamente conserva sua autoridade. "Mamae e minha el'lI vou levar voce para a cama porque ela esta muito cansada e querdormir." Qualquer urn dos membros do casal pode esclarecer 0

p,lpcI do outro para conseguir funcionalidade. E conveniente conhe-l ('r 0 papel do outro; e conveniente que 0 outro conhe~a 0 nossop.'p 'I.

1 /I)

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Na manifesta<;ao de doen<;as ou comportamentos incomodosdas crian<;as, quando elas tern mais de 2 anos e ha urn pai que cum-pre seu papel de divisor emocional, a sombra do pai tambem cos-tuma se manifestar. Vou contar urn caso comovente:

OCASOPABLO

Pablo e urn pai que frequentava as reunioes da Crianza destin ad asaos homens. Muito comprometido com 0 funcionamento fami-liar, urn dia revelou sua preocupa<;ao com Francisco, seu filhomenor, de 4 anos. Francisco se acidentava com frequencia e sem-pre machucava a boca, partindo os labios. Como eu conheciaPablo ha varios anos, ani me i-me a perguntar se havia algo queele nao estava podendo contar, algo oculto, secreto ou doloroso,pois Francisco pare cia tentar se machucar a ponto de nao poderfalar.

Pablo ficou comovido e contou ao grupo de pais que sua irmafalecera ha poucos meses, em consequencia da AIDS. Pablo erao unico membro da famflia que sabia que ela fora vitima daterrfvel enfermidade. Foi 0 deposltario do segredo, dos pedidoexplfcitos de sua irma para que nao revelasse que ela sofriadessa doen<;a e 0 responsavel pelas decisoes futuras sobre umsobrinho que ficaria orfao. Ele havia atravessado a agonia e 0

falecimento de sua irma guardando segredo a respeito da enfermidade inominavel.

Relacionamos logo esse relata com a insistencia de Francisco elll"se calar", machucando, volta e meia, a boca. Sugeri entao quconversasse com Francisco e que se permitisse the dar outras explica<;oes, alem daquelas que circulavam sobre 0 desaparecimento d I

tia. Que falasse explicitamente sobre a AIDS, sobre como e Willmitida, sobre 0 que acontecera especificamente com sua irma, S( I

bre como a amava. Que Ihe contasse sua dor, sua angustia e qu 1\(

chorasse diante de Francisco. Isso iria permitir que Francis ()

I ()

liberasse da propria sombra, de seus dragoes ocultos. Permitindo-seviver em paz, deixaria seu filho em paz.

Para 0 espanto de Pablo, depois de algumas conversas interessan-tissimas com seu filho, que nao yOU descrever aqui, Francisco pa-rou de se machucar.

MANTER 0 LUGAR DO PAl MESMO QUE ESTEJAAUSENTE

o que acontece nos casos em que 0 pai esta ausente? Como vi-mos, isso e complexo para a mae, que se vera na obriga<;ao deconstruir 0 lugar de algo ou de alguem que a reclame e que inter-fira na rela<;ao fusional. Podem ser outras rela<;oes afetivas, 0

trabalho, interesses artisticos ou sociais, objetivos pessoais, pen-samentos ou necessidades intimas que pression em a partir de urn"Iado de fora" - ate mesmo fictfcio, mas que permitam que sel'stabele<;a a separa<;ao minima necessaria ao desenvolvimentopsicoafetivo saudavel da crian<;a.

Quero destacar que, com frequencia, as maes se queixam dafalta de interesse que alguns homens manifestam em rela<;ao aoshebes. E isso e assim porque 0 homem se aproxima de seu filhopequeno durante urn processo que e sustentado pelo am or queente pela mulher que se transformou em mae da crian~a. Aconte-t' de fora para dentro. Por sua vez, as maes fazem 0 processo in-I'rso: de dentro para fora, da fusao a separa<;ao, tanto ffsica quan-

t I) .spiritual.Ila outro elemento fundamental na constitui<;ao dos papeis in-

1,IL1miliares:as crian<;as constroem seu entendimento peia paIavraIlll'diadora da mae. No caso da fun<;ao paterna, e de se esperar que1 1I1:1Cnomeie e reconhe<;a as fun~oes do pai.

Isto e imprescindfvel nos casos de pais biologicos ausentes,PI,II1do 0 habitual e descarregar as frustra<;oes e dores pessoais (aoII<Ihor .stilo "seu pai e um des'ra ado"), que correspondem a

III

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opini6es discutfveis, e nao a construir urn relato a partir de peque-nas verdades (por exemplo: houve urn momento de amor entremim e seu pai que possibilitou sua concep~ao; ele resolveu naocuidar de nos, mas eu decidi levar adiante esta gravidez e cria-Io eama-Io, e em algum lugar do meu cora~ao sou-Ihe agradecida porter me ajudado a dar a vida a voce. Tambem me sinto sozinha,desamparada, gostaria de ter urn homem ao meu lado que nosprotegesse etc.). Esta verda de constroi 0 pensamento autonomoda crian~a, e, sobretudo, constroi urn pai interior sustentado pelodiscurso da mae.

Em situa~6es opostas - 0 pai e presente, mas 0 discurso da maeo desautoriza constantemente -, 0 dano a crian~a durante 0 pro-cesso de constitui~ao de seu pai interno pode ser grave. Seria con-veniente que as guerras dos adultos fossem travadas entre adultos,sem colocar as crian~as no campo de batalha.

Ha maes que transferem todos os seus interesses pessoais para 0

filho. A consequencia disso e uma crian~a sobrecarregada pelocampo emocional da mae. Deverfamos aceitar que ninguem veio aeste mundo para preencher as expectativas de outro.

Os homens sao pe~as valiosfssimas neste perfodo de cria~ao, em-bora sua simples presen~a nao baste para que sejam eficazes na ta-refa da separa~ao. E verdade que os pais nao contam com umaajuda precisa para saber se posicionar no triangulo amoroso. A ati.tude do homem e mais eficaz quando corresponde a seus desejofntimos, que, em geral, tern a ver com 0 desejo de recuperar a mulher, de reconquistar a vida sexual. Esse impulso 0 obriga a interfe-rir nas exigencias constantes da crian~a em rela~ao a mae, instalando uma dinamica compatfvel com sua capacidade de enfrentar 0

d . d" d "mun 0 a partir 0 seu eu separa 0 .

Nesse sentido, as maes deveriam estar mais atentas as suas re, inecessidades, pedindo 0 que, na verdade, querem obter (carinhoamor, aten~ao, olhar etc.), em vez de pedir que 0 outro brinqucom a crian~a. Naturalmente, esta e uma atitude bem-vinda, m I

nao realiza a separa~ao emocional.

IP

Por outro lado, as maes deveriam tolerar a incursao do homemno terreno da cria~ao, no qual se sentem donas e poderosas. De-pois dos dois primeiros anos, 0 reino come~a a fraquejar.

A separa~ao emocional e urn processo lento (como qualquercria~ao). ereio que 0 ser humano se erige total mente em "pessoaseparada" na adolescencia. Quando se rebel a, quando enfrenta osparametros soeiais dos pais e proeura fervorosamente urn eami-nho pessoal. Os professores e as pessoas que trabalham comerian~as em escolas primarias sabem que 0 funeionamento e 0

rendimento das erian~as estao subordinados ao equilfbrio afetivodo lar. A separa~ao dos pais, uma doen~a, uma perda familiar,eonflitos de casal, sao todos fatores que alteram a emoeionalidadeda erian~a, pois ela continua, em parte, em fusao com sua mae,seu pai e as figuras maternas. Quero deixar claro que 0 processode separa~ao emoeional so come~a ao redor dos 2 anos e culminana adoleseencia. Aos 14, pode haver uma situa~ao traumarica na fa-mflia, 0 jovem a sofre, mas ja nao a sente como propria. E umagrande diferen~a.

CRlAR OS FlLHOS SEM PAl

As maes que eriam seus filhos sozinhas sao muitas, aqui na Argen-tina e no mundo inteiro. E uma realidade que nao podemos des-conheeer. E vale a pena refletir sobre as eondi~6es em que essasmaes e suas crian~as se eneontram.

Gostaria de distinguir duas situa~6es:1. A das maes que foram abandonadas pelo homem ou entao

partiram de uma rela~ao muito fragil, fantasiando que 0 homemllcaria a seu lado por amor ao filho que iria naseer.

2. A das mulheres que decidiram levar adiante uma gravidez(lIlseientemenre e com vonrade de eriar 0 filho sozinhas.

No easo das primeiras, que, lamentavelmente, formam a maio-11.1, sao rc orrcnt's, prim iro, a f, n 'lsi, l, dl'pois, a raiva, quando

III

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constatam que nao recuperaram 0 homem e que 0 bebe tambemnao conta com urn pai que cuide dele. Sao muitas as maes que apa-recem em meu con~ultorio irritadfssimas porque "0 pai nao telefo-na ha urn mes".

E necessario compreender como funcionam os homens e mu-lheres em rela~ao ao amor que destinam aos filhos. No caso dasmulheres, e obvio que amam seus filhos acima de todas as coi-sas. Os homens, por sua vez, constroem seu amor pelos filhosatraves do amor pela mulher. Isto significa que urn homem queama uma mulher pode amar e se relacionar com seus filhos porintermedio dela. Quando essa ponte nao existe, 0 homem sim-plesmente nao consegue construir uma rela~ao com seus filhospequenos. Essa situa~ao e modificada quando os filhos atingema adolescencia. A partir de entao, pais e filhos podem se relacio-nar sem intermedia!fao.

o homem que nao convive com a mae de seus filhos tern condi-~6es de construir uma rela~ao com eles, na medida em que algumamulher funcione como ponte. Pode ser sua proxima companheiraou ate mesmo sua propria mae, desde que deseje ocupar 0 papel depropiciadora do encontro entre esse pai e seus filhos. Sem umamulher por tras, urn homem sozinho nao consegue tomar conta decrian~as pequenas. Dizendo de outro modo, e inutil pretender quo pai cuide de urn bebe - mesmo se tratando de seu filho biologi-co - sem a intermedia~ao de uma mulher.

E indispensavel que as mulheres que criam seus filhos sozinhacompreendam este processo. Caso contrario, ficarao presas emuma desilusao que recai sobre aquele homem que nunca prometeunada e nao corresponde a qualquer das fantasias que ela criou emtorno de uma familia un ida.

Tambem e importante diferenciar, por urn lado, 0 desejo de t I

uma rela~ao de casal com 0 pai da crian~a; e, por outro, 0 de iode que esse homem se constitua no pai do filho comum. A uni .1

coisa certa e que nao e POSSIVe!reter 0 homcm Tra~:lSao nascim 1110

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da crian~a. Quando 0 interesse prioritario e '0 de que a crian~aconte com a presen~a do pai, 0 ideal e permitir generosamente queele reorganize sua vida com outra mulher, em vez de brigar e difi-cui tar essas possfveis rela~6es.

Entao, 0 que as mulheres podem fazer com a solidao e a dificul-dade adicional de ter urn filho pequeno para criar? Bern, procuraroutros recursos, outros homens, outras amizades, outra famflia emque se apOlar.

Por outro lado, e bern provavel que as mulheres que decidiram,conscientemente, criar seus filhos por conta propria admitam deante mao que estao sozinhas, que ninguem tern uma obriga~ao paracom elas ou seus filhos e que estao necessitadas. Diferencia-as, es-pecialmente, 0 fato de que fazem pedidos em espa!fos possiveis oua pessoas adequadas. A cria~ao nao e men os dura, mas estas mu-lheres costumam ser aquelas que construfram apoios emocionaismais solidos e, as vezes, contam com melhor inser~ao social ouprofissional, com bons amigos e redes de apoio. Sao mulheres quenao esperam que 0 pai biologico tome conta da crian~a nem de suapaternidade; entao, acomodam-se como maes solteiras, sem pre-tender 0 impossfve!.

A situa~ao especffica que umas e outras compartilham e a ne-cessidade de encontrar divisores emocionais que Ihes permitamromper de forma paulatina a fusao mae-filho. Essa separa~ao podeser realizada com a presen~a de urn novo companheiro, de urntrabalho interessante, de uma atividade social, artfstica ou esporti-va, na medida em que fa~am vibrar 0 cora~ao da mae e que a obri-guem a optar em algumas circunstancias a favor do desprendimen-to da rela<;ao.

Talvez este seja urn dos desafios mais importantes para as maessolteiras: procurar e encontrar conscientemente, a partir do segun-do ana da crian~a, pessoas ou circunstancias que atuem como sepa-Iadores emocionais, para que a crian~a nao se converta em objetode consumo ou de satisfa~ao da mae e para permitir 0 cresci men-to harmonioso de ambas.

1/

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E possivel que a sensa~ao de solidao no cotidiano nao seja exclu-siva das maes solteiras. Muitas mulheres se sentem igualmente so-zinhas, nao tanto pelas horas durante as quais de fato cuidam dascrian~as, mas, sobretudo, nos casos em que 0 homem nao exercesua fun~ao de separador emocional, concretamente reclamando-acomo sujeito do amor e zelando pelo conforto tanto da mae quan-to do filho.

Ha uma maneira relativamente facil de aliviar a solidao: cons-truindo redes de ajuda, apoio, encontro e intercambio entre maes denenes pequenos. Nao temos a cultura nem 0 habito das redes sociais;no entanto, vale a pena tentar. Os grupos da Crianza funcionam, emcerta medida, tambem com esse objetivo.

As maes precisam se manter em contato com suas semelhantes,sobretudo se a vida cotidiana se desenvolve em urn ambito muitopequeno (fisica ou socialmente). E no exterior, nas rela~6es afeti-vas, nos interesses pessoais que encontrarao apoio para que 0

processo da fusao e da separa~ao possa ser realizado de mane irasaudavel.

AS CRIANGAS QUE ACORDAM A NOlTE:A IMPORTANCIA DA FIGURA PATERNA

Quando os filhos aparecem, as mulheres perdem a liberdade deentre gar plenamente ao descanso e tern a sensa~ao de que jamaivoltarao a ter noites de sono profundo e reparador. Desejam a ecuridao que lhes permite 0 encontro e 0 recolhimento com seu ell,aquele instante de entrega e de confian~a que abre as portas 'HI

sono prazerosoTodos os pais compartilham esse "estar destruidos" por call .,

de crian~as que acordam varias vezes durante a noite, reclamand( I

sua presen~a de diversas formas. A questao do funcionamentodas necessidades basicas relativas ao sono de bebes e crian~as nUllto pequenas sera desenvolvida no capitulo "Comportamt:1l10

familiares na hora de dormir". Neste capit'ulo, quero me referirespecificamente as crian~as com mais de 2 anos que acordam anoite e a fun~ao dos pais nestes casos. Os leitores compreenderaoque situo esta idade como a do inicio da separa~ao emocional en-tre mae e filho. Tentarei dividir os casos de acordo com problema-ticas semelhantes.

1. As crian~as que buscam 0 tempo perdido.Sao as crian~as que tern pouca presen~a de uma mae interna, ou

porque a mae trabalha muitas horas fora de casa ou entao porquedurante 0 dia nao se coneeta com a erian~a a partir do ponto devista infantil. As maes que trabalham muitas horas fora do lar che-gam em easa desejando ficar com seus filhos, mas tambem tern suasneeessidades pessoais, telefonemas a fazer ou com pressa de prepa-rar 0 jantar em urn ritmo e uma ferocidade eompativeis com seu diade trabalho. Nao se produz urn encontro sutil porque mae e filhovibram em duas frequencias de onda descasadas, embora a maebanhe a crian~a, eoloque-a sentada no colo, Ihe de 0 jantar e a levepara dormir nao sem antes ler 15 livrinhos. Isso tambem acontececom maes que nao trabalham fora de casa, mas vivem terrivelmen-te ocupadas com 0 trabalho domestico e tern a sensa~ao de haverpassado todo 0 dia com 0 filho, mas, na realidade, "nao se conec-t:uam". Para completar, aquela pessoinha a incomoda a noite.

Acaba que a noite a mae esta quieta. A crian~a a procura e aIlcontra. Ela nao tern nada mais urgente para fazer. A mae se irri-

\.1, mas esta presente, e esta muito pertinho, as vezes e ate mesmo.Irinhosa, oferece seu corpo quente, inunda tudo com sua respira-,10 profunda, e ai 0 pequeno se acomoda na caminha minuscula eIdormeee.

Sao crian~as inteligentes, que nao se eonformam quando naoIIbl rill 0 que sabem que e imprescindivel para, sua vida. Porque es-

lillO, falando de necessidades basicas de uma crian~a humana.). As crian~as que livram a mae de ter de responder sexualmen-

I ,Ill hOI11 111.

II

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Disso, nao se fala. Falta tanta informa~ao adequada sobre asmudan~as do comportamento sexual das mulheres depois do partoe durante a cria~ao dos filhos que elas fazem 0 que acham que ecorreto ou normal ou mentalmente saudavel. Porque, em algumamedida, suspeitam que ficaram loucas, que padecem de dificulda-des "anormais" ou pelo menos muito malvistas ou indignas de pessoastao inteligentes quanto elas.

o problema e que elas tern pendente uma montanha de conver-sas com 0 companheiro sobre 0 que esta acontecendo com 0 casal,sobre suas necessidades, sobre mudan~as na libido que nao com-preendem, sobre 0 fato de nao se sentirem confortaveis com 0 pr6-prio corpo, sobre a falta de vontade de ter rela~6es sexuais compenetra~ao obrigat6ria inclufda etc. Estas e tantas outras experien-cias se embaralham em seu amago sem que consigam encontrar aforma, as palavras ou 0 momento adequados para provocar dialo-gos de aproxima~ao, de conhecimento e de intercambio com apessoa amada.

E entao pedem socorro atraves do fio invisfvel que as une ao fi-lho. A conexao fusional entre uma mae e urn filho pequeno e infa-lfvel, funciona sempre.

A crian~a acode ao chamado e chora antes que ocorra ao homemtentar uma aproxima~ao com inten~6es especificamente sexuais.

Os homens, nestes casos, intuem que ficaram de fora de algumacordo, mas nao compreendem exatamente de que trata 0 acordoe nem sabem 0 que estao perdendo. Esta claro que 0 pedido foideslocado. Em vez de conversar sobre as necessidades ou os desejopessoais de urn e outro, acabam falando dos caprichos do nenemou do cha de tflia que nao surtiu efeito. E evidente que a crian~ausada inconscientemente pela mae. Nao e a crian~a quem incomoda; na verda de, ela e incomodada.

3 As crian~as que protegem a mae da solidao.Mencionei, de forma breve, situa~6es presentes ou passadas qu

afloram com a presen~a do filho. Afloram a fragilidade, a orfand,\de, 0 abandono, as situa~6es tralllmiticas. A.svezes, trata-se de 111,

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solteiras. Ou de maes que sofrem ou sofreram na infancia e adoles-cencia algum tipo de violencia emocional (esses conceitos seraodesenvolvidos mais extensamente no capftulo "Crian~as violentasou crian~as violentadas?").

Nestes casos, as crian~as se tornam protetoras ou defensoras damae emocionalmente fragil. Acordam para the dizer: "Nao se preo-cupe, eu estou aqui e yOU cuidar de voce."

4. As crian~as que precisam de urn "separador emocional".(Para ler com 0 homem)Se descartarmos por completo as hip6teses antes enumeradas

(espero que se leve em conta que foram apresentadas de formamuito esquematica e que e preciso considerar cada caso em parti-cular), e as crian~as continuam pedindo aten~ao durante a noite,talvez isso se deva a uma disfun~ao familiar previa.

Sao os casos em que 0 pai "nao se mete" nas quest6es relativasas crian~as. Ou porque delegou por inteiro a sua mulher tudo 0 queesta relacionado a cria~ao dos filhos ou nao esta de acordo com aforma como ela lida com eles ou destinou toda sua energia ao mun-do exterior (trabalho, realiza~ao pessoal etc.). Tambem e 0 caso depais muito frageis (nao sabem, nao podem, nao decidem) ou entaode casais distanciados que nao conseguem fazer acordos basicos arespeito da forma de se relacionar.

Bern ... Chegou a hora de 0 pai colocat as coisas em ordem, epara isso sera necessaria sua interven~ao efetiva. Isso significa,dcpois do segundo ano da crian~a, que se torna imprescindfvelque 0 pai atue em prol da separa~ao emocional relativa a fusaooriginal em que mae e filho se encontram. E isso nao tern averlom colocar limites, gritar mais alto ou aplicar castigos. Pelolo11trario, refere-se ao fato de recuperar a mulher para si.(i\lcn~ao! Nao se trata apenas de boa vontade, mas de reconhe-I I I' com sinceridade 0 quanto lhe importa se envolver na rela-.Ill amorosa com sua mulher, que importancia este vfnculo tern

p.\I':\ cle, 0 quanto a deseja e quanto esta disposto a arriscarII( 10 casal.)

I I()

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Quando deseja, mais do que tudo no mundo, recuperar a mu-lher, e sua tarefa fazer com que a crianlSa aprenda a dormir napropria cama, durante toda a noite. A mae pode ter boas intenlS6es,mas a fusao emocional a impede de suportar 0 choro do filho. Na-turalmente, e imprescindivel urn acerto basico entre os pais sobre anecessidade compartilhada de recuperar a posse das noites. Casocontrario, todas as tentativas serao em vao. Nesses casos, as maesterao de se esforlSar para permitir que 0 pai entre em alSao, semdesqualificar a maneira masculina de desempenhar 0 papel.

Dito de outro modo: uma crianlSa com mais de 2 anos so conse-guira dormir em paz se 0 casal tiver 0 desejo sincero e profundo derecuperar seu tempo exclusivo.

Nao e preciso dizer que aquilo que uma crianlSa mais merece tere uma mae feliz e urn pai feliz, que, alem do mais, se sentem felizespor estarem juntos. Recordemos que os desencontros amorososdos adultos nao deixam as q'ian~as dormir.

FUN<;OES FEMININA E MASCULINA NA FAMILIA

Quando nos apaixonamos, costumamos construir a relalSaode acordo com padr6es que correspondem a nossa hist6ria emocional,ocupamos espalSosque aprendemos a exercer no seio de nossa famlia de origem. Podem ser espalSos de receber ou de dar cuidado, til

amparo ou desamparo, de confianlSa ou de medo, de companhia Oilde solidao, de alegria ou de tristeza, de paz ou de violencia.

Na relalSao de casal, e relativamente facil sobrelevar dificuld .•des, uma vez que, se algo falta, e possivel procura-Io dentro dl' Imesmo. Por exemplo, se gosto de ter uma vida social e meu )Illpanheiro nao e sociavel, simplesmente organizo encontros ami III

sos em horarios disponiveis e nao fico achando que este jeito 011

tario de ser do homem seja urn peso para mim.Em geral, as mulheres costumam se encarregar de apoiar VIII

emocional dos homens. Talvez seja urn habito cultural ou um.' IIIcumbencia bern ancorada em nossa sociedad . Facilitam as r -\ «I

I ()

entre 0 homem e sua famllia, entre 0 homem e os filhos de seuprimeiro casamento, entre 0 homem e sua ex-mulher etc. Isso lhese facil e, alem do mais, e 0 que tern para oferecer na relalSao deamor. Simultaneamente, elas disp6em de tempo suficiente para 0est~do ou trabalho e seus proprios vinculos com parentes e amigos.

E nesta etapa que deverfamos fazer com que a relalSao se cons-trufsse da mane ira mais equilibrada possfvel no que diz respeito aoapoio emocional. Em minha experiencia profissional, constato, vezou outra, que raramente este aspecto e cuidado. Ao contrario, dis-farlSado sob diferentes formas, 0 apoio emocional fica delegado amulher, e com frequencia a questao economica fica nas rnaos dohom em. Ate aqui, estamos profundamente apaixonados.

Nasce 0 primeiro filho. Parto. Amamenta~ao. Visitas pediatri-cas. Impacto. CansalSo. Quebra.

Primeiro esbo~o de famflia. A mae destina toda sua energia aoscuidados da crian~a. Nao the sobra nada, pois a cria~ao de seu pe-queno filho consome toda sua energia. Perde sua identidade, seusespa~os de referencia, as vezes seu trabalho, seu tempo de lazer,algumas amizades, sua liberdade pessoal. Sente-se esgotada, mas,.1C0stumada a cuidar sozinha de seu campo emocional, nao lheocorre pedir ajuda nesse sentido. Sempre autoabasteceu seu equilf-hrio afetivo, mas agora, a beira do abismo, descobre que 0 bebe

alem do leite - suga algo mais intangfvel.Neste ponto, a mulher puerpera se ve diante de uma sensa~ao de

'1 ande desamparo afetivo. Sabe que e amada, mas experimenta urn.lzio indescritivel que a impede de se sustentar. Percebe-se imensa-

IIH'Ilte s6; seu estado de espfrito e fragil, embora aparentementeI(IIlCa felicidade na familia.

() homem, por sua vez, se esfor~a para satisfaze-Ia, mas a aborda-III Ilao e frutifera, uma vez que 0 apoio emocional do homem a

1lI1hernao foi previamente construido. De uma hora para outra, essa1II1.IIllicafica evidente: e quando a mulher nao tern sobras emocionaisIII possa colocar a servi~o de si propria e precisa, imperiosamente,

I I ,lpoio el110ional do hOI11'Ill (v 'r esquemas ante dcscritos).

I ,

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Aqui entra em jogo uma das articula~6es imprescindiveis a urnfuncionamento familiar harmonico (e pouco frequente): precisa-mos compreender que a fun~ao primordial masculina na consti-tui~ao da familia e a de sustentar emocionalmente a mulher. E afun~ao feminina e de sustentar emocionalmente os filhos, sobretu-do nos primeiros anos (que sao muitos, e mais ainda se ha variascrian~as).

E assim que se equilibra 0 circuito familiar.Naturalmente, os sustentaculos estao apoiados no vinculo do

casal, que deveria estar ancorado na generosidade e no amor. Nes-te sentido, creio que ha tres aspectos que devem ser levados emconta quando compreendemos que so urn casal harmonioso podesustentar a estabilidade emocional da familia, a saber:

1. 0 apoio ao outro.2. A liberdade (caso contrario, 0 apoio se transforma rapida-

mente em controle).3.0 desejo de acompanhar 0 outro em seu proprio desenvolvi-

mento pessoal e espiritual.E vice-versa!Somente na medida em que esses compromissos mutuos forem

sendo cumpridos tanto 0 homem como a mulher ficam em condi~6es de sair dos espa~os primarios (os que se manifestam como resposta direta ao conflito original da infancia). Caso contrario, quandoos filhos aparecem, sao surpreendidos pela "demoli~ao", que exprimentam com espanto e com cara de "nao me avisaram que ter Ulll

filho era isto".Os papeis sao construidos, mas e necessario afina-Ios com Ulll

interesse maximo pelo outro quando os filhos aparecem, porqul'ficamos todos mais fragilizados, mais expostos, mais cansadosperdidos na dificuldade de viver. A melhor pergunta que nos, h(,mens e mulheres, podemos nos apresentar para facilitar 0 encontl (l

e: 0 que voce precisa de mim hoje?Devemos procurar oferecer 0 melhor de nos mesmos a p SS( I I

amada, em vez de gerar expectativas em torno do que 0 outro Ill!

oferece. Embarcar em urn projeto familiar' requer 0 maximo degenerosidade e a convic~ao de que e necessario construir umacadeia de apoios para possibilitar a cria~ao dos filhos. Este conjun-to de virtudes que aciona 0 melhor de cada urn se chama familia.

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