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Livro de Atualização em Pneumologia - Volume IV - Capítulo 40 - Página 1

40CAUSAS ABDOMINAIS MAIS FREQÜENTESDE DERRAME PLEURALLeila Antonangelo

Professora Assistente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Eduardo Henrique GenofrePós Graduando da Disciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina da Universidadede São Paulo

Roberto OnishiMédico Assistente da Disciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina daUniversidade de São Paulo

As causas abdominais de derrame pleural sãopouco freqüentes na prática diária, porém algumasdelas devem ser lembradas como diagnóstico diferen-cial. Dentre estas citamos algumas de origem gineco-lógica, renal, hepática e pancreática.

SÍNDROME DE MEIG’S

A síndrome de Meig’s é uma entidade clínica rara,originalmente descrita como a presença de ascite ederrame pleural em pacientes portadores de tumoresovarianos sólidos benignos1, sendo mais comumenteobservada após a menopausa. O tumor ovariano maisfreqüentemente associado à síndrome é o fibromabenigno de ovário. Outros tumores pélvicos benignoscomo os cistos ovarianos, tecomas, tumores de célu-las granulosas e leiomiomas uterinos podem evoluir comquadro clínico semelhante, justificando os argumentosda maioria dos autores que prefere utilizar o termo“Síndrome de Meig’s Atípica” ou “Pseudo Meig’s”nestas situações. Recentemente foi descrito um casode ascite acompanhada de derrame pleural em paci-ente jovem com hiperplasia bilateral de cortical de ová-rio, que evoluiu para a resolução com o tratamentoadequado1.

Light2 prefere diagnosticar como Meig’s, qual-quer paciente com neoplasia pélvica associada a ascitee derrame pleural que se resolve com a retirada dotumor. De maneira geral, vale ressaltar a dificuldadediagnóstica na maioria dos casos para se afastar umapossível etiologia maligna, principalmente pelo fato de

que esses quadros podem cursar com níveis elevadosde Ca 125.

A ascite observada nesses pacientes parece re-sultar de uma hipersecreção generalizada de líquidopelo tumor, enquanto que o derrame pleural poderiaser explicado pela passagem do líquido peritoneal atra-vés dos poros existentes no diafragma ou por meratransferência passiva pelos vasos linfáticos2.

A Síndrome de Meig’s é usualmente uma doençacrônica acompanhada de perda de peso, derramepleural, ascite e massa pélvica. Os sintomasfreqüentemente se relacionam ao quadro de ascite ederrame pleural e incluem: perda de peso, mal estar,dor torácica e aumento do volume abdominal pelaascite. Em cerca de 70% dos casos, o derrame pleu-ral é à direita e menos frequentemente à esquerda(10%) ou bilateral (20%)3.

O diagnóstico da Síndrome de Meig’s deve serlembrado em pacientes do sexo feminino com históriade massa pélvica, ascite e derrame pleural. Essas pa-cientes devem ser submetidas a exame pélvico, acom-panhado de exame radiológico, tomografia eultrassonografia abdominal pélvica para a documen-tação do tumor ovariano. Se o diagnóstico radiológi-co do tumor pélvico não for possível, há indicação delaparotomia exploradora, ou laparoscopia com retira-da do tumor primário ovariano e posterior análisehistológica. A remoção do tumor resolve o derramepleural dentro de 2 a 3 semanas. A análise bioquímicados líquidos ascítico e pleural pouco acrescenta aodiagnóstico etiológico. O líquido pleural é usualmente

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um exsudato (proteínas acima de 3,0 g/dl) pobremen-te celular (menos de 1000 leucócitos/mm3), com pre-domínio de células mononucleares1,2 e citologiaoncótica negativa. A dosagem de Ca 125 e outrosmarcadores tumorais são parcialmente úteis na dife-renciação com quadro neoplásico, uma vez que, po-dem estar elevados nos casos de Meig’s e PseudoMeig’s.

SÍNDROME DE HIPERESTIMULAÇÃOOVARIANA

A Síndrome de hiperestimulação ovariana(SHEO) é definida como uma complicação iatrogênicaséria (5% nos casos de fertilização in vitro7) da indu-ção da ovulação por gonadotrofina coriônica humana(HCG) e mais raramente pelo clomifene, em mulheresfreqüentemente em tratamento para infertilidade4. Éuma síndrome rara, sendo mais familiar aos obstetrasque aos pneumologistas, mas que deve ser lembradaem mulheres jovens em tratamento para infertilidade eque desenvolvem derrame pleural.

Dependendo da gravidade do quadro, quatroestágios clínicos são definidos4:

1)leve: com desconforto e distensão abdominal2)moderada: com ascite detectada ao exame

ultrassonográfico3)severa: com ascite clinicamente detectável,

com ou sem outro derrame concomitante (pleural émais usual que pericárdico) e hemoconcentração(HT>45% e glóbulos brancos >15 mil/mm3)

4)crítica: pacientes que além dos sinais acima,podem evoluir para choque hipovolêmico, insufici-ência renal, insuficiência respiratória e fenômenostromboembólicos, além de acentuada hemo-concen-tração (HT>55% e glóbulos brancos >25mil/mm3).

A intensidade da síndrome é relacionada ao graude resposta dos folículos ovarianos aos agentesindutores da ovulação.

É caracterizada por transudação de líquido alta-mente protéico, do compartimento vascular para operitoneal, pleural ou, menos freqüentemente,pericárdico. Derrames transudativos são mais raros,mas podem ocorrer. A patogênese da síndrome nãoestá totalmente esclarecida. Entretanto, os mecanis-

mos envolvidos no quadro clínico sugerem um aumen-to da permeabilidade dos capilares ovarianos e deoutros vasos mesoteliais pelas substâncias vasoativasliberadas pelos ovários sobre estimulação pelagonadotrofina coriônica humana5. Trabalhos recentescomputam um papel crítico a vários mediadores comoos componentes da cascata da angiotensina e váriascitocinas como IL-1, IL-6, IL-8, Fator de necrosetumoral a (TNF-α), Fator de crescimento de endotéliovascular (VEGF) e endotelina 1. Para alguns autores,os níveis de renina plasmática seriam diretamente pro-porcionais à severidade clínica da síndrome6.

Em revisão recente, foram descritos casos da sín-drome de hiperestimulação ovariana em pacientes emuso de indutores da ovulação para fertilização in vitroe que desenvolveram quadros isolados de derramepleural7. Estes casos são atípicos e de diagnósticodiferencial com embolia pulmonar, uma vez que ocor-reram em mulheres grávidas ou sobre tratamento comindutores da ovulação e não apresentaram sinais clíni-cos ou radiológicos de ascite, embora ahemoconcentração fosse um achado constante em to-dos os casos.

Como a resposta aos indutores da ovulação sãoindividuais e imprevisíveis, um mecanismo preventivode abordagem nestas pacientes que farão uso destasdrogas se torna impossível. Desta maneira, o esclare-cimento sobre os riscos é fundamental.

São apontados como potenciais fatores de ris-co8:

1) idade <35 anos2) ovário policístico diagnosticado previamente à

indução3) número de folículos > 104) estradiol plasmático>2,000pg/ml.Nestas pacientes é necessária uma monitorização

mais freqüente com exames ultrassonográficos e do-sagens hormonais repetidas sistematicamente. Noscasos de menor severidade, e principalmente se nãohá gravidez concomitante, a síndrome se resolve empoucos dias. Nas formas moderadas, pode estarindicada a toracocentese e nos casos de maior severi-dade, faz-se necessário o tratamento clínico das com-plicações manifestas.

PÓS PARTOOs derrames pleurais pós parto são observados

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nas primeiras 24 a 48 horas que sucedem o parto.Podem representar um achado isolado sem repercus-sões hemodinâmicas ou fazer parte do quadro clínicode patologias que ocorrem no último trimestre da gra-videz e no pós parto imediato9. É geralmente peque-no, bilateral e oligossintomático, estando asintomatologia respiratória mais associada ao edemapulmonar, do que ao derrame propriamente dito.

As forma isoladas, em geral um achadoultrassonográfico, tem etiopatogenia pouco conhecidae o próprio trabalho de parto parece favorecer seuaparecimento. Em um estudo de 31 pacientes subme-tidas a parto normal, foi realizada ultrassonografia to-rácica nas primeiras 24 horas após o parto, tendo sidoobservado 23% de casos de derrames pleurais. En-tretanto, não foi possível estabelecer qualquer relaçãocom idade, ganho de peso na gravidez, duração dotrabalho de parto, uso de oxitócicos ou infusão intra-venosa de líquido10. A prevalência de derrame pleuralnestas pacientes é bastante controversa. Em um ex-tremo, Stark e cols11 relatam, em sua série de casos,uma freqüência alta nas primeiras 48 horas; nas 45mulheres examinadas, o derrame pleural foi observa-do em 44, não sendo possível correlacionar sua pre-sença com doença cardiopulmonar. Em outro extre-mo, outro estudo prospectivo avaliou 50 pacientespuérperas demonstrando apenas 1 caso de derramepleural, em paciente que desenvolvera uma severa pré–eclâmpsia, com sinais clínicos sugestivos de edemapulmonar9.

A pré-eclâmpsia é uma entidade particularmenteobservada em nulíparas e que aparece nas gestaçõesde mais de 20 semanas, sendo mais freqüente pertodo termo. Apresenta como tríade clínica: hipertensão,edema e proteinúria. Entre as complicações destapatologia, podemos citar o derrame pleural, mais ob-servado nas formas severas (Pa>160/110 mmHg;proteinúria 2+ ou 3+; oligúria; edema agudo de pul-mão ou manifestações cerebrais) do que nas formasleves ou moderadas (aumento de peso igual ou su-perior a 500g/ semana, edema, hipertensão eproteinúria 1+).

Em estudo prospectivo que incluiu 34 pacientescom a forma moderada ou severa de pré-eclâmpsia,foi estudada, através de ultrassonografia torácica, aprevalência de hidrotórax. Apenas 6 pacientes apre-sentaram derrame pleural, que não apresentou corre-

lação com maior grau de hipertensão ou proteinúria,não as diferenciando, portanto, do grupo sem derra-me pleural12.

Uma outra situação que pode cursar com derra-me pleural é a Síndrome de HELLP, complicação gra-ve da pré-eclampsia, caracterizada por hemólise, ele-vação das enzimas hepáticas e diminuição do númerode plaquetas. Em uma casuística de 16 pacientes comSíndrome HELLP o derrame pleural foi detectado em3 casos13.

Uma condição especial de derrame pleural podeser vista em pacientes que, durante a gravidez, apre-sentaram manifestações clínicas relacionadas com apresença de anticorpo anti-fosfolípides. Estas pacien-tes podem desenvolver no puerpério, uma síndromepleuropulmonar autoimune, com quadro de dor torá-cica tipo pleurítica e derrame pleural, associado à fe-bre e manifestações cardíacas14.

ENDOMETRIOSE PLEUROPULMONAR

A Endometriose é a ocorrência ectópica de teci-do endometrial fora da cavidade uterina, sendo maisfreqüente o implante tecidual em região pélvica. En-tretanto, implantes distantes em órgãos como pele, sis-tema nervoso ou pleuropulmonar podem ocorrer ex-cepcionalmente. A patogênese da localização ectópicado tecido endometrial no pulmão não é totalmente en-tendida, assim como também não são bem conheci-dos os mecanismos de desenvolvimento dopneumotórax catamenial ou do hemotórax que acom-panham esses quadros. A endometriose pulmonar temsido descrita como ocorrendo sob duas formas: a for-ma broncopulmonar, responsável pelos quadros dehemoptise recorrentes durante o ciclo menstrual e aforma pleuropulmonar, acompanhada, freqüentemente,de episódios de pneumotórax, hemotórax ou ambos15.Em cerca de 30 a 40% dos casos está associada àendometriose pélvica.

Maurer e cols16 sugeriram como hipótese, a pas-sagem do ar livre da cavidade peritoneal para a cavi-dade pleural durante a menstruação, através de defei-tos diafragmáticos. Embora esse seja o mecanismo maisaceito, Lillington’s17 em outra série de casos, não con-seguiu demonstrar a presença de defeitosdiafragmáticos em 6 de 18 pacientes portadoras deendometriose pleural ou diafragmática. Também, a

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migração através de veias e linfáticos foi aventada16.O diagnóstico do pneumotórax catamenial deve serlembrado em mulheres com mais de 25 anos que de-senvolvem quadro de pneumotórax de repetição, nasprimeiras 48 horas de início de seu ciclo menstrual 2,associado, ou não, a episódios recorrentes dehemoptise. As lesões distais são ocasionalmente visí-veis à endoscopia. O exame radiológico do tórax e atomografia computadorizada podem evidenciar nódu-los que variam de tamanho dependendo da fase dociclo menstrual. O diagnóstico clínico e radiológico ésugestivo, embora somente a retirada cirúrgica comanálise histológica do tecido, permita o diagnósticodefinitivo.

O tratamento clínico se baseia em hormonioterapiadurante meses. Nos casos em que por algum motivo,a paciente não possa fazer uso destes medicamentos,deve ser considerada a possibilidade de toracoscopia,com a finalidade de se encontrar e reparar, possíveisdefeitos diafragmáticos. A abrasão pleural química oua pleurectomia parietal podem ser indicadas em casosselecionados. Se a toracoscopia não for disponível, amesma abordagem pode ser feita através detoracotomia4.

SÍNDROME NEFRÓTICA

Cerca de 20 % dos pacientes com SíndromeNefrótica desenvolvem derrame pleuralfreqüentemente bilateral e infrapulmonar18. O meca-nismo fisiopatológico está relacionado à diminuição dapressão oncótica do plasma. O líquido pleural éfreqüentemente um transudato, cujo diagnóstico é emgeral sugerido pela própria história clínica.

Deve-se considerar, pela sua alta freqüência, apossibilidade de embolia pulmonar em pacientes comsíndrome nefrótica. Llach relata 22% de ocorrênciasde embolia nesses pacientes como complicação detrombose da veia renal 19.

O tratamento do derrame pleural, nos casos desíndrome nefrótica, visa diminuir a perda protéicaurinária, aumentando assim a proteína plasmática econseqüentemente a pressão coloidosmótica. As dro-gas mais utilizadas são os inibidores do sistema deconversão da Angiotensina, além da diminuição daingesta e, se necessário, o uso cauteloso de anti-infla-matórios não esteróides20. Não se deve recorrer a

toracocenteses seriadas (pela maior depleção protéicaque elas acarretam). A pleurodese com talco comoesclerosante, pode estar indicada em pacientes sele-cionados com sintomatologia respiratória importantedecorrente da presença de derrame pleural.

DIÁLISE PERITONEAL

O desenvolvimento do hidrotórax é uma compli-cação infreqüente, porém séria, da diálise peritonealcontínua (CAPD - Continuous Ambulatorial PeritonealDialysis) ou intermitente, ocorrendo tanto em crian-ças, como em adultos. É mais comum em mulheres,porém ainda sem uma explicação plausível para o fato2.Sua incidência varia na literatura, de 1,6% a 3%, como derrame variando de discreto a intenso, ocorrendopreferencialmente à direita2.

O tempo de surgimento do derrame pleural aindaé bastante controverso. Há evidências de apareci-mento precoce (4 a 28 horas) e tardio (2 semanas a 1ano) nos regimes de diálise crônica21. Entretanto,mesmo após longos períodos de CAPD sem compli-cações, pode ocorrer o hidrotórax22. No paciente emdiálise peritoneal que apresenta dispnéia, um dosdiagnósticos diferenciais a serem considerados é ohidrotórax. Os sintomas mais freqüentemente relata-dos são: dispnéia, dor torácica e diminuição no retor-no do líquido da diálise. Como complicações, pode-mos encontrar insuficiência respiratória, deficiência naultrafiltração e hidrotórax hipertensivo22 podendo de-terminar a interrupção no processo dialítico, temporá-ria ou definitivamente2.

Há muita discussão a respeito das causas de for-mação do hidrotórax. As mais aceitas atualmente sãoas decorrentes de comunicações pleuro-peritoneaisdiretas por defeitos congênitos ou adquiridos no dia-fragma, que podem ser demonstradas com a injeçãode azul de metileno na cavidade peritoneal e posteriorrecuperação na cavidade pleural2,21 ou com técnicasde cintilografia peritôneo-pleural dinâmica ou estática,com macroagregados de albumina marcados comTecnécio-99m21,23. Nos casos onde não é possívelcomprovar a existência dessas fenestrações, sugere-se que a transferência do líquido ascítico se dê peloslinfáticos subdiafragmáticos21. Ambas as hipótesesexplicariam a maior incidência do derrame pleural àdireita, uma vez que há uma maior quantidade de linfá-

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ticos e de defeitos diafragmáticos neste lado dohemitórax21.

O líquido pleural é geralmente um transudato,com glicose mais alta que os níveis séricos (avaliaçãodificultada em pacientes diabéticos), estéril, com pou-cos leucócitos. Nos casos em que o derrame se refazrapidamente deve-se pensar em alteraçõesdiafragmáticas, cuja confirmação diagnóstica pode sevaler da utilização de testes com corantes, ou de me-dicina nuclear21.

Com relação ao tratamento, a abordagem tera-pêutica é bastante variada. A diálise pode ser inter-rompida temporariamente (cerca de 10 a 14 dias),observando-se o derrame e reintroduzindo-a com vo-lumes menores (boa resposta, principalmente em pa-cientes pediátricos) e posicionando o paciente em po-sição semi-sentada21. Caso haja recorrência do der-rame, deve-se investigar a presença ou não defenestrações diafragmáticas pois, nestes casos, podeser necessária a correção cirúrgica2. A realização depleurodese, tanto por toracotomia vídeo-assistida(VATS) ou por drenagem torácica também tem sidoindicada, sendo o talco, o agente esclerosante que temapresentado melhores resultados22. Nos casos depersistência do derrame pleural após a correção dasfenestrações, ou quando elas não puderem ser evi-denciadas, a alternativa seria trocar a diálise peritoneal,temporária ou definitiva, pela hemodiálise2.21. Há, naliteratura, relato de casos de manutenção da diáliseperitoneal com drenagem torácica bilateral21.

URINOTÓRAX

É uma causa rara de derrame pleural que tende ase desenvolver após algumas horas após o eventodesencadeante que pode ser: obstrução urinária, trau-ma, processo retroperitoneal inflamatório ou maligno,insucesso em casos de nefrostomia ou biópsia renal24.Acredita-se que a urina se mova retroperitonealmenteem direção ao espaço pleural. Nestes casos, o líqui-do pleural tem características bioquímicas de umtransudato, embora apresente pH e glicose baixos ese pareça e cheire como urina, razão pela qual, odiagnóstico é facilmente suspeitado. A confirmaçãodo diagnóstico deve ser feita com a dosagem simultâ-nea da creatinina no soro e no líquido plural. Nestescasos, a creatinina no líquido pleural é mais elevada

que a sérica25.O tratamento consiste na resolução da obstrução

que está causando o derrame. Algumas horas após adesobstrução, o derrame pleural desaparece.

PÓS PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOSABDOMINAIS

Derrames pleurais pequenos após cirurgias ab-dominais são freqüentes e se desenvolvem nos primei-ros dias do pós operatório26. São mais comuns apóscirurgias abdominais altas26, em pacientes que desen-volvem atelectasias pós operatórias26,27 ou nos paci-entes que apresentam líquido cavitário livre na cirur-gia26.

O derrame pleural é geralmente um exsudato, cujomecanismo fisiopatológico parece estar relacionado àirritação diafragmática e ao desenvolvimento deatelectasias26 e que se resolve espontaneamente, nãohavendo necessidade de terapia específica. Nos der-rames maiores que 10 mm no RX em decúbito podeestar indicada toracocentese com a finalidade de ex-cluir uma possível causa infecciosa.

ABSCESSO HEPÁTICO

O derrame pleural acompanha cerca de 20% dospacientes com abscesso intrahepático, sendo impor-tante o diagnóstico devido à alta mortalidade destaentidade28. O abscesso intrahepático deve ser pensa-do quando o paciente apresentar derrame pleuralexsudativo à direita, com contagem diferencial apre-sentando predomínio de polimorfonucleares.

Sua etiologia, assim como o do derrame pleuralrelacionado ao abscesso subfrênico está relacionadaprovavelmente ao processo inflamatório diafragmáti-co, com aumento da permeabilidade capilar na pleuradiafragmática2. Há também a possibilidade da trans-ferência de material do abscesso pelos linfáticos, hi-pótese não muito plausível pelo fato de serem, em ge-ral, as culturas de líquido pleural negativas2.

No abscesso amebiano, além da inflamação dia-fragmática, pode ocorrer a ruptura do abscesso paraa cavidade pleural2. O líquido pleural é um exsudatode aspecto “achocolatado”, que não contém materialpurulento, mas sim uma mistura de sangue, fragmentoshepáticos liqüefeitos e algumas partículas sólidas, que

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são fragmentos hepáticos que resistiram à liquefação29.A eosinofilia sérica está raramente ligada à amebíaseextraintestinal.

Os achados clínico-radiológicos, mais comuns,nos derrames causados por abscessos intrahepáticosou subfrênicos são moderada quantidade de líquidopleural associado ou não à elevação da hemicúpuladiafragmática e atelectasias2.

HEPATITE VIRAL

O derrame pleural representa uma complicaçãorara da hepatite viral aguda e algumas vezes precede aicterícia2. Há alguns casos relatados na literatura nosquais, em geral, não ocorrem ascite, edema ou infiltradopulmonar, além de terem outras causas mais comunsexcluídas, como por exemplo a cirrose, ou hiperten-são portal. Provavelmente, este derrame pleural seriauma complicação da própria hepatite.

A maior parte dos relatos envolve a hepatite B ealguns poucos casos correlacionados à hepatite A.Pode surgir, até tardiamente, no período deconvalescência, assim como apresenta resolução es-pontânea até mesmo antes da resolução total da he-patite30.

O líquido pleural é um exsudato com predomi-nância de células mononucleares, porém há descriçãode derrames eosinofílicos na hepatite A31, e tambémdetecção de antígeno de superfície da hepatite B,antígeno E da hepatite B e anti-HBC2.

DOENÇA PANCREÁTICA

Três tipos de comprometimento não neoplásicodo pâncreas podem determinar o aparecimento dederrame pleural: pancreatite aguda, crônica compseudocisto e ascite pancreática2. Na verdade, ex-cluindo-se a causa traumática e abordando tão somentea etiologia inflamatória, esta classificação tem apenascunho didático, pois há franca superposição entre osquadros, além de serem, por vezes, difíceis de identi-ficar isoladamente, visto ser, em geral, diagnosticada arecorrência aguda de um processo crônico. Aconcomitância de derrame pleural e ascite ocorre en-tre 12 e 54% dos casos e dificulta o diagnóstico dapancreatite pois, na maioria das vezes, suspeita-se deinsuficiência hepática com cirrose e ascite.

A pancreatite pode ocasionar importantes mani-festações mórbidas não apenas pleurais, mas tambémpulmonares. Devem ser lembradas mais fre-qüentemente a síndrome da angústia respiratória, oenfarto pulmonar, a embolia gordurosa, o abscessopulmonar, a fístula broncopleural e, principalmente, oderrame pleural que ocorre em 3 a 18% dos casos32.

O derrame pleural de origem pancreática carac-teriza entidade clínica que evidencia volumoso acúmulode líquido com alta concentração de amilase associa-do a lesão benigna do pâncreas33. O derrame pleuralé mais freqüente em pacientes com pancreatite devidoa abuso do álcool (95% dos casos) do que naquelescom pancreatite devido a doença do trato biliar2. Adoença é praticamente exclusiva do sexo masculino,sendo que o pico de incidência se observa na quartadécada, estando 95% dos casos incluídos entre a 3a ea 6a décadas. A grande maioria dos derrames pleu-rais secundários a pancreatite são volumosos e unila-terais, predominando no hemitórax esquerdo (60%),sendo porém referidos casos à direita (30%) e bilate-rais (10%)34.

Curiosamente, apesar de ser o derrame pleuraldecorrente do comprometimento pancreático, apenasaproximadamente 20% dos pacientes apresentammanifestações abdominais, que quando presentes sãorepresentadas por dor, náuseas e vômitos. A maioriados pacientes refere dor torácica com característicaspleurais e dispnéia34. Este fato é explicado pela dre-nagem da secreção pancreática diretamente na cavi-dade pleural, conseqüentemente não se manifestandonem dor abdominal nem sinais de peritonite.

A freqüente ausência de manifestações abdomi-nais faz com que a suspeita clínica não inclua, no diag-nóstico diferencial, o comprometimento do pâncreas.Por esta razão, uma detalhada história clínica, carac-terizando o antecedente de alcoolismo, tem grandevalor. Apesar desta dificuldade clínica, o diagnósticode derrame pleural, decorrente do comprometimentodo pâncreas, é extremamente simples e realizado atra-vés da toracocentese com coleta de líquido pleural edosagem da amilase. Caracteristicamente o líquido éhemorrágico sendo a dosagem da amilase superior nolíquido do que no sangue, permanecendo elevada pormais tempo no espaço pleural do que no sangue. En-tretanto, a presença de níveis elevados de amilase nolíquido pleural obriga estabelecer o diagnóstico dife-

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rencial com a ruptura do esôfago (amilase salivar),carcinoma broncogênico e carcinoma pancreático. Adiferenciação pode ser estabelecida dosando asisoenzimas da amilase no líquido pleural2. Outros exa-mes do líquido pleural não auxiliam o diagnóstico. Oderrame é um exsudato com níveis de glicose seme-lhantes aos do sangue e alto teor de proteínas edesidrogenase lática2. A citologia do líquido pleuralrevela predominância de leucócitos polimorfonuclearescom número de eritrócitos que varia por mm3 entre1.000 e 5.0002.

Do ponto de vistaetiopatogênico, o der-rame pleural associadoà pancreatite dependeda comunicação entreas cavidades pleural eabdominal e resulta dapassagem da secreção pancreáticapara o espaço pleural. Esta passagempode ocorrer diretamente do pâncreaspara o espaço pleural ou através do di-afragma. Neste último caso, quando odiafragma se torna permeável, podehaver passagem da própria secreçãopancreática ou de líquido ascítico quepor sua vez é resultado da presença deenzimas pancreáticas na cavidade ab-dominal2. Na pancreatite crônica, oducto pancreático pode-se rompercom facilidade por ser estreito e estarsubmetido a umaalta pressão inter-na. Através des-ta ruptura, a se-creção pancreáti-ca drena noretroperitôneo eem decorrência da pressão negativa intratorácica atra-vessa o diafragma através do hiato aórtico ouesofágico, atinge o mediastino e penetra na cavidadepleural. Nesta passagem pode-se formar umpseudocisto, cuja característica é não ser um verda-deiro cisto e sim, a coleção de líquido rico em enzimaspancreáticas com fibrina que formando travesencapsula este material, dando um aspecto cístico ecuja parede consiste de tecido de granulação sem mem-

brana epitelial. Desta forma, aproximadamente 10%dos pacientes com pancreatite aguda têm pseudocisto,que se pode localizar em todo este percurso, incluindoo mediastino. Finalmente, havendo passagem deenzimas do pâncreas à cavidade pleural, independen-te da formação de um pseudocisto, teremos uma fístulapancreático-pleural, a qual pode ser bloqueada em seupercurso por aderências e formar uma fístula brônqui-ca36.

Caracterizada a etiologia do derrame pleural,deve-se estabelecer odiagnóstico corretoda lesão pancreática.Ultrassonografia, to-mografia com-putadorizada e colan-giopancreatografiaendoscópica retró-

grada podem localizar a origem dasfístulas e identificar a patologiaductal, definindo a extensão dopertuito que permite a progressãoda secreção pancreática em dire-ção à cavidade pleural35.36

Em princípio, o tratamentoespecífico da cavidade pleural éconservador, não cirúrgico. Oadequado tratamento do proces-so pancreático, determinando suaregressão, ocasiona a involução doquadro pleural. Quando a evolu-

ção não é porémsatisfatória, tora-cocenteses seriadasou mesmo a drena-gem da cavidadepleural devem sercogitadas. Em ca-

sos excepcionais, em que há comprometimento pleuro-pulmonar, a toracotomia exploradora pode ser indicadaconsiderando inclusive, a necessidade de ressecçãodo parênquima. A abordagem da pancreatopatia in-clui tanto o tratamento clínico quanto o cirúrgico. Emsuas várias etapas, a cirurgia pode-se restringir à sim-ples drenagem do pseudocisto mas pode ser necessá-ria a ressecção do pâncreas ou até a realização depancreatoduodenectomia36.

Progressão para a Cavidade Pleural

Passagem Transdiafragmática

TRAUMA

PANCREATITE

Ruptura do Ducto Pancreático

Pseudocisto Intra-abdominal

Pseudocisto Intra-torácico

Fístula Pancreático-Brônquica

Fístula Pancreático-Pleural

Aderências Pulmonares

Ascite

NÃO SIM

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Livro de Atualização em Pneumologia - Volume IV - Capítulo 40 - Página 8

Referências Bibliográficas

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