Contos de Fadas...Sonhos

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    UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

    CENTRO DE CINCIAS E HUMANIDADESCURSO DE PEDAGOGIA

    FLVIA SAVOIA DIAS DA SILVA

    CONTOS DE FADAS... SONHOS... UM UNIVERSO DE APRENDIZAGEM?

    So Paulo

    2007

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    FLVIA SAVOIA DIAS DA SILVA

    CONTOS DE FADAS... SONHOS... UM UNIVERSO DE APRENDIZAGEM?

    Trabalho de graduao interdisciplinar

    apresentado Universidade PresbiterianaMackenzie, como requisito parcial para aobteno do ttulo de Licenciatura emPedagogia.

    Aprovada em

    BANCA EXAMINADORA

    ___________________________________________________________________________

    Profa. Ms. Mnica Hoehne Mendes Orientadora

    Universidade Presbiteriana Mackenzie

    ___________________________________________________________________________

    Prof. Ms. Ron PaianoUniversidade Presbiteriana Mackenzie

    ___________________________________________________________________________

    Profa. Dra. Ingrid Hotte AmbrogiUniversidade Presbiteriana Mackenzie

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    A todas as pessoas que contriburam na

    minha formao, no somente

    profissional, mas em todo meu

    desenvolvimento. Aos meus pais pela

    confiana, minha av Helena pelo

    carinho, ao meu namorado Leandro, pelo

    incentivo, aos professores pela

    credibilidade e ao meu irmo e amigos

    pela compreenso.

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    AGRADECIMENTOS

    Aos meus pais, por terem me acompanhado e apoiado todas minhas decises pessoais

    e profissionais.

    Prof. Ms. Mnica Hoehne Mendes, minha gratido por ter sido uma orientadora

    presente, compreensiva e ter compartilhado comigo a ousadia de realizar esse trabalho.

    Prof. Ms. Adriana Aroma da Silva Camejo, eu agradeo pela confiana e auxlio na

    minha formao enquanto pesquisadora.

    Aos demais professores do curso de Pedagogia da Universidade Presbiteriana

    Mackenzie, que por meio de muitos elogios, auxiliaram meu bom desempenho acadmico eem alguns casos, superaram as barreiras professor / aluno, criando um forte lao de amizade.

    Marlise Rodembush, diretora da escola Villacor, por permitir a coleta de dados e a

    insero do projeto idealizado nesse trabalho em sua proposta pedaggica.

    Nayara Vicari de Paiva Baracho e Renata Shenkman Podgaec pela reviso textual

    desse trabalho.

    Agradeo a Deus, pois sem Ele nada seria feito.

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    Um dia me disseram que as nuvens no eram de algodo...

    (Engenheiros do Hava)

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    RESUMO

    Este trabalho discute o papel dos contos de fadas no decorrer da histria e faz meno

    s concepes atuais do desenvolvimento infantil com implicaes na rea da psicanlise e da

    psicologia analtica. Para tal, traz Bruno Bettelheim e Marie Von Franz como principais

    referncias.

    Alm disto, com base na obra de Roberto Gambini aborda os sonhos no contexto

    escolar tomando como grupo de estudo algumas crianas que esto na fase edpica, proposta

    por Freud.

    Procura verificar as semelhanas e diferenas entre sonhos e contos de fadas visandomaximizar o desenvolvimento integral dos alunos dentro da instituio educacional ao

    trabalhar com o potencial do imaginrio infantil.

    Palavras-chave: Contos de Fadas. Sonhos. Psicopedagogia. Aprendizagem. Desenvolvimento.

    Escola.

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    ABSTRACT

    This work discusses the fairytales roll throughout the history and refers to the current

    conceptions of the childrens development with implications in the psychoanalysis and

    analytical psychology. For that purpose, it brings Bruno Bettelheim and Marie Von Franz as

    the main references.

    Besides, based on the work written by Roberto Gambini, it approaches the dreams in

    the scholar context, using some children who are in the Edipic phase proposed by Freud as a

    study group.

    It tries to examine the similarities and differences between dreams and fairytalesaiming to maximize the integral development of students within the educational institution

    when working with the childhood imagination potential.

    Key words: Fairytales. Dreams. Psycho-pedagogy. Learning. Development. School.

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    1. INTRODUO

    Depois de ter cursado um ano do curso de Psicologia e estar concluindo o curso de

    Pedagogia, sinto que as reas pedaggicas e psicolgicas no esto apenas uma ao lado da

    outra, mas que elas se complementam. Essa interligao essencial formao do sujeito.

    A educao no pode deixar de lado o carter psquico inerente a cada um de seus alunos.

    Acredito que a Psicopedagogia um tema que deve ser explorado no apenas por

    especialistas, como por todos os educadores, inclusive, em sua formao. A Psicologia da

    Educao no abrange o desenvolvimento integral dos alunos, at mesmo pelo pouco tempo

    em que ela est presente no curso de Pedagogia. No basta somente compreender as fases do

    desenvolvimento psicolgico pelas quais todos ns passamos - necessria uma abordagemque analise as especificidades de cada educando.

    Durante o curso de Pedagogia fomos estimuladas a pesquisar reas de nosso interesse.

    Num primeiro momento, pesquisei sobre a Educao Bilnge (portugus ingls), afinal, eu

    estava fazendo estgio em uma escola cuja proposta para alunos do perodo integral era da

    imerso na lngua inglesa. Depois, pesquisei Neuropedagogia, uma vez que quando cursava

    Psicologia, tinha muito interesse pelas Neurocincias (tendo participado, inclusive, de alguns

    encontros de iniciao cientfica), porm, mais uma vez mudei o tema, pois no se tratava dealgo novo, e sim de uma juno de temas j explorados na formao de docentes e

    educadores, como aprendizagem de lnguas, neurocincias, educao e psicomotricidade, por

    exemplo. Por mais que um trabalho de graduao no vise explorar o novo, desejo contribuir

    de alguma forma e no apenas relatar o que os educadores j sabem e praticam (ou deveriam

    saber e praticar), mas s vezes no usam a terminologia apropriada como no caso da

    Neuropedagogia.

    Por outro lado,o interesse pelos sonhos vem de muito tempo, e ao ingressar na faculdadede Psicologia j tinha o interesse em trabalhar com essa expresso do inconsciente das

    pessoas. Porm, ao mudar para a faculdade de Pedagogia, no havia pensado num trabalho

    educacional que usasse esse recurso, at que fiz um curso prtico de aperfeioamento para

    professores no Colgio Loureno Castanho. Nessa escola, eu tive a oportunidade de observar

    a sala de aula. Encontrei alguns cadernos com desenhos e anotaes no verso de cada um. A

    professora me explicou que era um trabalho feito com sonhos. Busquei mais informaes com

    ela e com a direo, mas me disseram apenas que era um trabalho desenvolvido pela escola.

    Fiquei instigada... Para que serviriam aqueles registros?

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    Durante a execuo desse trabalho de concluso de curso, fui apresentada obra de

    Gambini (2000) e pude compreender o trabalho realizado nessa instituio. As professoras

    sentavam-se semanalmente com seus alunos para que eles relatassem seus sonhos. A proposta

    trazida por Gambini (2000), influenciou na coleta de dados desse trabalho, dando subsdios

    tericos e permitindo uma prtica consciente. Essa monografia visa a superar a proposta de as

    crianas contarem seus sonhos, uma vez que ao professor cabe contar o conto de fadas.

    Considerando os arqutipos1 dos sonhos, tambm presentes nos Contos de Fadas, procurei

    relacionar essas simbologias, que esto presentes no cotidiano, mas que so pouco exploradas.

    Um nico Conto de Fadas pode trabalhar diversos conflitos humanos. E a criana pode se

    encontrar pelo simples fato de ouvir essa histria, ou de vivenci-la numa improvisao

    teatral.O mais interessante que o educador pode ajudar muito a criana ao ouvir seus sonhos.

    Agindo assim, ele estar mais prximo de seu aluno, podendo ento, propor um determinado

    conto para atender os eventuais conflitos.

    Ao pesquisar sobre os temas Sonhos e Contos de Fadas no encontrei nenhum autor

    que tenha discorrido sobre essa juno no mbito educacional. Os autores que exploram esse

    tema dentro da educao de formas distintas tm uma formao psicolgica. Por esse motivo,

    o objetivo desse trabalho investigar a possibilidade de os educadores lanarem mo doscontos de fadas e sonhos para mediar a aprendizagem, pois ao considerar o ser humano como

    sujeito biolgico, cognitivo e emocional, esses dois temas pertinentes infncia podem

    contribuir na formao do sujeito.

    Para atingir os objetivos aqui propostos, alm da pesquisa bibliogrfica foi necessria uma

    observao prtica do estudo. Aps o entendimento da epistemologia inerente aos contos de

    fadas, foi realizada uma pesquisa qualitativa, uma vez que cada pessoa nica e merece

    ateno para suas peculiaridades, no podendo ser vista como nmero ou quantidade. Paraisso, o enfoque nesse trabalho de graduao abrange uma coleta de dados, pois seria difcil,

    devido ao tempo escasso, estabelecer comparaes entre sujeitos focando seu

    desenvolvimento.

    1 Arqutipos O arqutipo pode ser definido como uma potencialidade inata de comportamento. Sempre quereagirmos ser de uma forma humana, sempre que pensarmos ser de uma forma humana, e assim por diante. Oconceito de arqutipo aproxima-se do conceito de padro de comportamento da Biologia e do conceito deinstinto, sendo claras em Jung as influncias de Plato (conceito de Idias Originais que precederiam aexperincia) e de Kant (Categorias Priori de percepo que seriam inatas) (...)Todos os arqutipos contm uma

    polaridade, tm dois plos, atuam em pares e todos ns , pela prpria definio de arqutipos, temos os doislados dentro de ns como potencialidades de comportamento: temos a "me", mas temos tambm o "filho";muitas vezes agimos como o "mdico" ( aquele que cura) ou como o "doente". Ambos so aspectos do mesmoarqutipo, um no vem sem o outro.. (WENTH, 2007)

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    de fadas, que tambm usam a oralidade, pois cabe professora cont-los, uma vez que os

    alunos da Educao Infantil ainda no so capazes de l-los (e se o fizessem, perderiam parte

    da vivncia emocional em prol da compreenso textual).

    No obstante, assim como foi dito, pretendo contribuir com a rea educacional ao articular

    sonhos, contos de fadas e aprendizagem significativa. Ou seja, busco mostrar que os sonhos e

    contos de fadas so universos semelhantes, que auxiliam na compreenso do universo

    imaginrio do sujeito em seu processo de desenvolvimento emocional e de aprendizagem,

    colaborando, conseqentemente, com a nova gerao em formao, que poder ser mais bem

    resolvida consigo mesma, facilitando a aprendizagem, e tambm a formao de cidados

    crticos, possibilitando a to almejada emancipao e transformao da realidade.

    Sendo assim, esse trabalho expressa uma relevncia social, pois apresenta uma leituraterica e uma proposta baseada em Gambini (2000), tentando super-lo e indo alm, uma vez

    que feita a articulao entre relatos de sonhos, com a possvel interveno da professora ao

    ler contos de fadas j adotados pelas escolas brasileiras - para seus alunos. Essa ligao

    prope um trabalho articulado, mantendo o pedagogo em seu papel de mediador entre o aluno

    e seu desenvolvimento, sem julg-lo como psiclogo ou sem atuar como tal.

    Focando nas crianas que esto vivenciando o conflito edpico, abordaremos a

    contribuio dos contos de fadas para o desenvolvimento sadio de indivduos com idadesentre 3 e 6 anos. Para tanto, iremos nos basear nas concepes trazidas por Bettelheim (1980)

    ao analisar esse gnero literrio sob a tica da psicanlise. Faremos uma incurso em sua obra

    A Psicanlise dos Contos de Fadas, que defende essa literatura por atender necessidade

    que as crianas tm de que lhe sejam dadas sugestes de como enfrentar situaes a fim de

    atingir a maturidade, desenvolvendo um carter moralmente aceito pela sociedade.

    Em suma, para o desenvolvimento desse trabalho, apoiamo-nos nas vertentes da

    psicanlise, sobretudo considerando a fase edpica, e na psicologia analtica da perspectivajungiana.

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    2. FUNDAMENTAO TERICA

    2.1 SOBRE CONTOS DE FADAS

    Os Contos de Fadas so a expresso da psique coletiva, que encanta crianas e adultos de

    todas as geraes. Isso acontece porque esse gnero literrio est carregado de smbolos, e

    (...) atravs dos smbolos que a conscincia pode perceber os liames entre a psique

    individual e a psique coletiva. (FURLANETTO, 1989, p.4).

    Parafraseando Urban, 2001,

    os contos de fada podem ser vistos como pequenas obras de arte, capazes queso de nos envolver em seu enredo, de nos instigar a mente e comover-nos com asorte de seus personagens. Causam impacto em nosso psiquismo, porque tratam dasexperincias cotidianas, e permitem que nos identifiquemos com as dificuldades oualegrias de seus heris, cujos feitos narrados expressam, em suma, a condiohumana frente s provaes da vida (...) apresentando-nos as situaes crticas deescolha que invariavelmente enfrentamos, no despertariam nem sequer o interessenas crianas que buscam neles, alm da diverso, um aprendizado apropriado suasegurana. Neste processo, cada criana depreende suas prprias lies dos contosde fadas que ouve (...). Oportunamente, pede que seus pais lhes contem de novo estaou aquela histria, quando revive sentimentos que vo sendo trabalhados a cadarepetio do drama, ampliando assim os significados aprendidos ou substituindo-ospor outros mais eficientes, conforme as necessidades do momento. (URBAN, 2001)

    Por meio dessas histrias, as comunidades exprimem seus sentimentos e valores.

    Atualmente, eles so vistos quase sempre com um final feliz, mas nem sempre foi assim. A

    concepo do ...viveram felizes para sempre..., vinculado intrinsecamente aos Contos de

    Fadas errnea. Na sua origem, os contos apresentavam diversos fins, at mesmo os trgicos,

    pois assim, permitia-se aos ouvintes a lidar com suas frustraes.

    O happy end (final feliz) foi uma maneira de dar esperana para as pessoas ao passar a

    mensagem de que, no final, tudo dar certo, mesmo para aqueles que tenham uma vida sofridae cheia de desgraas. No entanto, essa uma idia nova nos Contos de Fadas, e o marco para

    essa mudana surgiu com o escritor americano Walt Disney. Ele popularizou mundialmente

    esse gnero literrio, modificando muitas histrias, e ainda, vendendo imagens e esteretipos

    para cada personagem - o que no acontecia nos contos originais, que exploravam o

    imaginrio do ouvinte (ou ainda, do leitor, quando alguns foram publicados) apenas pela

    histria.

    A cultura de contar histrias para as crianas no algo recente. Pelos escritos de Platosabemos que as mulheres mais velhas contavam s suas crianas histrias simblicas

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    mythoi. Desde ento, os contos de fada esto vinculados educao das crianas.

    (FRANZ, 1990, p.11). De acordo com Urban, 2001, Plato tambm propunha que a educao

    da sua poca sc. V a.C. se desse por conta de mitos que explicassem aos cidados a

    origem e funo de suas castas. Cabe tambm notar que a funo docente ligada ao

    emocional j acontecia. Ento, por que as professoras atuais uso o gnero feminino, pois

    este ainda predominante na docncia usam o conto de fada como um gnero literrio

    apenas na alfabetizao? As mulheres perderam a funo de passar histrias oralmente para as

    novas geraes na sociedade, mas nunca deixaram de educar seus filhos, mesmo que fossem

    por simples histrias... No podemos deixar de lado a importncia histrica que os contos

    tiveram, e tm, na construo da mente dos indivduos.

    Segundo Bettelheim: Para a criana e para o adulto que, como Scrates, sabe que aindaexiste uma criana dentro do indivduo mais sbio os contos de fadas exprimem verdades

    sobre a humanidade e sobre a prpria pessoa (BETTHELHEIM, 1980, p.83).

    As sociedades se identificam pelos contos, pois estes utilizam arqutipos e smbolos que

    mostram o desenvolvimento da personalidade, e com base nas idias de Byington (1987), os

    primeiros so sempre inconscientes, j os outros so representaes tanto do inconsciente

    como do consciente.

    Os Contos de Fada tm sua origem nos mitos, que segundo o dicionrio Aurlio:

    Mito [Do gr. mythos, fbula pelo lat. mythu.] S. m. 1. Narrativa dos temposfabulosos ou hericos. 2. Narrativa de significao simblica, geralmente ligada cosmogonia, e referente a deuses encarnadores das foras da natureza e/ou aspectosda condio humana. 3. Representao de fatos ou personagens reais, exagerada pelaimaginao popular, pela tradio, etc. 4. Pessoa ou fato assim representado ouconcebido: Para muitos, Rui Barbosa um mito. [Sin., (relativo a pessoa) nestaacep.: monstro sagrado (2), (q. v.).] 5. Idia falsa, sem correspondente na realidade(...) 6. Representao (passada ou futura) de um estgio ideal da humanidade (...) 7.Imagem simplificada de pessoa ou acontecimento, no raro ilusria, elaborada ouaceita pelos grupos humanos, e que representa significativo papel em seucomportamento. 8. Coisa inacreditvel, fantasiosa, irreal; utopia (...) 9. Filos.Exposio de uma doutrina ou de uma idia sob forma imaginativa, em que afantasia sugere e simboliza a verdade que deve ser transmitida, como, p. ex., no mitoda caverna [q. v.] 10. Filos. Forma de pensamento oposta do pensamento lgico ecientfico. Mito da caverna. Filos. Aquele com que Plato, no comeo do livrostimo da Repblica, figura o processo pelo qual a alma passa da ignorncia verdade.

    Nota-se a estreita relao entre mito e conto pela simples descrio do termo. Sendo

    assim, podemos dizer que os contos de fada tiveram sua origem h sculos, juntamente com

    os mitos.

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    Bettelheim (1980) explica que Os mitos projetam uma personalidade ideal agindo na

    base das exigncias do superego, enquanto os contos de fadas descrevem uma integrao do

    ego que permite uma satisfao apropriada dos desejos do id. Esta diferena responde pelo

    contraste entre o pessimismo penetrante dos mitos e o otimismo essencial dos contos de

    fadas. (BETTHELHEIM, 1980, p.52). Podendo inferir que o primeiro ensina pelo trgico,

    enquanto os contos de fadas auxiliam no desenvolvimento ao dar esperanas de um final feliz.

    Outra diferena apontada por esse autor que nos contos usam-se personagens genricos,

    como pai ou Joo, por exemplo, diferentemente dos mitos.

    Pelos (...) mitos, ns compreendemos as nossas razes de viver e isso muda toda a nossa

    disposio de vida, podendo muitas vezes mudar nossa prpria condio psicolgica

    (FRANZ, 1990, p.75). No entanto, nas palavras de Leonhardt (1994, p.30), ambos trazemrespostas s indagaes bsicas do homem, mas no mito as respostas so mais diretas do que

    nos contos de fadas, que tratam os conflitos de forma mais sutil e permitiu o desenvolvimento

    dos leitores / ouvintes.

    Quando se contam histrias de fada para as crianas, elas se identificamingnua e imediatamente captam toda a atmosfera e sentimento que a histriacontm. Se a histria do pobre patinho contada, todas as crianas que tmcomplexo de inferioridade esperam que no fim elas tambm se tornem princesas.

    Isso funciona exatamente como deveria ser; o conto oferece um modelo para a vida,um modelo verificador e encorajador que permanece no inconsciente contendo todasas possibilidades positivas da vida. (FRANZ, 1990, p.74)

    Segundo Franz (1990), ...os contos de fada tambm foram encontrados nas colunas e

    papiros egpcios, sendo um dos mais famosos o dos irmos, Anubis e Bata (p.12, 1990), esse

    fato data mais de 3000 anos atrs. ... de acordo com a teoria do padre W. Schimidt: Der

    Ursprung Der Gotteisidee, existem indcios de que alguns temas principais de contos se

    reportam a 25000 anos a.C., mantendo-se praticamente inalterados. (FRANZ, p.12, 1990).

    De acordo com Urban, (2001), a

    data histrica mais antiga nos leva diretamente fonte do popular tema dos DoisIrmos", um dos quais geralmente bom, o outro nem tanto, encontrado em quasetodos os folclores. Ela se acha escrita no papiro egpcio Orbiney (nome de seu antigopossuidor) datado de 1210 a.C., que se encontra completo e preservado no MuseuBritnico. Relata as desavenas entre dois irmos, projetadas na dupla de deusesAnbis e Bata, que vivem brigando entre si, mas dependem mutuamente um dooutro. (URBAN, 2001)

    Cada conto descreve apenas um fato psquico, e a maioria deles permanecem inalterados,

    os temas bsicos so os mesmos. Um exemplo o caso da mulher redimir seu amado da

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    forma animal, isso pde ser visto na novela O Asno de Ouro, um conto de fada chamado

    Amor e Psyche, escrito por um filsofo do sculo II, Apuleio.

    Desde ento, os contos de fadas cumprem um importante papel educativo. Eles foram e

    ainda so destinados para crianas e adultos. Na Europa, at os sculos XVII e XVIII,

    transmitir contos era uma ocupao espiritual essencial. Neles havia algo que faltava nos

    ensinamentos cristos oficiais. Tendo em vista que naquela poca a espiritualidade era uma

    forma de educar, podemos dizer que eles eram importantes na formao humana. E ainda o

    so, pois trabalham dilemas existenciais que a sociedade evita apresentar para as crianas,

    como morte, envelhecimento, desejo de vida eterna, luta entre o bem o mal, entre outros.

    Com essas descries, observamos a diferena entre o mito e o conto, uma vez que o

    primeiro visa explicar a realidade com dados sobrenaturais, e o segundo, busca dar subsdiospara compreenso da realidade com fatos equivalentes ao cotidiano humano.

    Segundo Franz (1990), por interesse cientfico, no sculo XVIII, Winckelmann, Haman e

    J.G.Heder tentaram interpretar os contos. Herder dizia que nos contos havia uma antiga

    crena neopag, o que o levou a induzir os irmos Jakob e Wilhelm Grimm a colecionar

    contos folclricos. Antes disso, os contos de fada haviam sofrido o mesmo destino do prprio

    inconsciente, ou seja, eram simplesmente aceitos. (p.13)

    Oberg, 2002, na apresentao do livro Contos de Fada (GRIMM, Irmos), explica que

    dois irmos professores da Universidade de Gttingen, na Alemanha, fillogoseminentes, foram destitudos de suas funes em conseqncia de um fato poltico:Jacob Ludwig Karl lecionava literatura alem quando foi abolida a Constituio deHanover e, por protestar contra tal ato, foi demitido do cargo que ocupava eWilhelm Karl foi sub-bibliotecrio em Gttingem, e mais tarde, professor nessamesma universidade, abandonando o magistrio pelas mesmas razes que afastaramseu irmo Jakob.

    Em 1849, morando em Berlim, Jakob Ludwig fez parte da Assemblia Geral daGota, trabalhando em favor da unidade alem at o momento em que essaAssemblia foi dissolvida e ele decidiu abandonar a poltica para dedicar-se,

    juntamente com seu irmo Wilhelm Karl, s publicaes e estudos de histria,literatura e lingstica (...). Conhecidos mundialmente como Irmos Grimm,realizaram importantes pesquisas no campo da tradio popular, deixando umriqussimo acervo de histrias, lendas, anedotas, supersties e fbulas das velhasgermnicas, preservadas graas sua iniciativa e hoje conhecidas como contos defadas dos Irmos Grimm.

    Os dois irmos percorreram a Alemanha, registrando as narrativas popularesque recolhiam de pessoas humildes, muitas vezes analfabetas: comadres da aldeia,velhos camponeses, pastores, barqueiros, msicos e cantores ambulantes queencontravam pelas estradas ou reunidos em seres em volta do fogo, enquanto aroda das fiandeiras girava com seu rudo montono... Tudo isso acontecia nosprimeiros anos do sculo XIX, quando os velhos costumes pouco tinham mudado eas antigas tradies conservavam ainda toda sua fora.

    O resultado desse trabalho foi excepcional: os Kinder nd Hasmrchen(Histria da criana e do Lar), apareceram num primeiro volume em 1812 comgrande sucesso, seguido de um segundo volume em 1814. A edio completa dashistrias recolhidas saiu em 1819, reunida em trs volumes (...). Os irmos Grimm

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    foram precursores da cincia do folclore. (OBERG, 2002, p.7 e 8. apud GRIMM,Irmos. Contos de Fadas)

    Os contos devem ser lidos no original, pois a cada verso, muda-se o enfoque de acordo

    com o interesse ou simples necessidade subjetiva. Os irmos Grimm escreveram os contos

    de fadas, como eram contados pelas pessoas das redondezas, mas mesmo eles, no resistiram

    algumas vezes a misturar um pouco as verses (FRANZ, 1990, p.14). Parafraseando Urban

    (2001), Jacob era o mais intelectualizado dos irmos, mas Wilhelm era quem detinha a verve

    da poesia; juntos chegaram a editar 210 histrias (URBAN, 2001). Junto com Grimm, surgiu

    a escola simblica, da qual Chr. C. Heyne, F. Creuzer e J. Grres eram os principais

    representantes.

    Outro grande nome para os Contos de Fadas o de Cristian Andersen (1802-1875). Deacordo com Urban, 2001, esse autor dinamarqus escreveu novelas, peas de teatro, roteirosde viagens, memrias e poesias, mas foi consagrado por seus contos de fada.

    Filho de um humilde sapateiro e de uma iletrada me, mulher supersticiosa queo influenciou bastante por passar-lhe a tradio oral do campo. Em 1835 publicouHistrias Contadas s Crianas, com seus quatro primeiros contos. At 1872,produziu 168 histrias, logo traduzidas em diversos pases, comumente publicadasem sries de quatro narrativas por livro. Combinando fantasia infantil sua aguadasabedoria, encantou igualmente o pblico adulto, repetindo a mstica do fenmenoprovocado pelos irmos Grimm; hoje sua obra acha-se traduzida em mais de 100

    lnguas. (Urban, 2001)

    FRANZ (1990) escreveu que muitos tentaram descobrir a origem dos contos de fadas, mas

    nenhuma concluso tida como a nica verdica. Finalizo a retrospectiva histrica sem

    nenhuma afirmao sobre datas, apenas concluindo que os contos de fada so de extrema

    importncia no desenvolvimento humano, sobretudo se considerarmos a fase de formao

    infantil. Segundo Nunes (1999), com a metodologia dos contos de fada possvel integrar as

    abordagens tericas de Lingstica, de Psicologia Social, de Psicologia do Desenvolvimento e

    da Aprendizagem, da Psicanlise (...) (NUNES, 1999, p.36), assim, trabalha-se com odesenvolvimento integral da criana, permitindo que a interdisciplinaridade seja feita por

    meio do prprio indivduo.

    Apesar dos Mitos terem uma importante ligao com os contos de fada, de acordo com

    Oberg, apud GRIMM, Irmos Contos de Fadas (2002), pelo fato de apresentarem enredos e

    situaes aparentemente simples, os contos de fadas, diferentemente dos mitos, cujos heris

    possuem essncia parcialmente divina, mostram o heri com caractersticas humanas,

    geralmente uma criana ou um jovem deve enfrentar provas que permitiro seu

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    amadurecimento. Exploram questes fundamentais para a humanidade. Talvez por essa razo

    tenham se universalizado.

    Segundo Bettelheim (1980), (...) os contos de fadas tm grande significado psicolgico

    para as crianas de todas as idades, tanto meninas quanto meninos, independentemente da

    idade e sexo do heri da estria (BETTELHEIM, 1980, p.26).

    De acordo com Leonhardt (1994) a origem popular dos contos fica visvel pelo fato de

    que os heris das narrativas esto em situao de inferioridade no meio em que vivem e

    somente com o auxlio de elementos mgicos conseguem superar essa condio.

    (LEONHARDT, 1994, p.30). Esse autor traz a questo do desejo das classes oprimidas se

    libertarem, mas nesse trabalho, iremos enfocar a abordagem psicolgica, muito bem explicada

    por Bettelheim (1980), que aborda os contos de fadas como uma libertao do indivduoconsigo mesmo, em busca da personalidade e da autonomia.

    Dessa forma, no devemos esconder o lado ruim da vida para as crianas, mesmo porque,

    a criana no se sente boa o tempo todo e, a polarizao auxilia na formao, conforme

    mostra a seguinte passagem: As figuras nos contos de fadas no so ambivalentes no so

    boas e ms ao mesmo tempo, como somos todos na realidade. Mas dado que a polarizao

    domina a mente da criana, tambm domina os contos de fadas. (BETTELHEIM, 1980,

    p.17). O desenvolvimento acontece dessa forma, porque (...) as escolhas das crianas sobaseadas no tanto pelo certo x errado, mas sobre quem desperta sua simpatia e quem

    desperta sua antipatia. (BETTELHEIM, 1980, p.17). Assim, o fato do mal no compensar

    demonstrado por uma bruxa m, que no tem amigos. E nos contos amorais, podemos

    observar que mesmo o medocre pode ter sucesso, como cita Bettelheim (1980), nas trapaas

    do Gato de Botas, por exemplo. Assim, a criana tem o modelo do que certo e do que

    errado.

    Como foi muito bem citado por C. Costa (2001), a histria O livro dos Abraos, de E.Galeano, nos mostra que uma histria pode se desenvolver dentro do indivduo e colaborar

    com sua formao:

    Quando Lcia Pelez era pequena, leu um romance escondida. Leu aospedaos, noite aps noite, ocultando o livro debaixo do travesseiro. Lcia tinharoubado o romance da biblioteca de cedro onde seu tio guardava os livros preferidos.

    Muito caminhou Lcia, enquanto passavam-se os anos. Na busca de fantasmascaminhou pelos rochedos sobre o rio Antiquia, e na busca de gente caminhou pelasruas das cidades violentas.

    Muito caminhou Lcia, e ao longo de seu caminhar ia sempre acompanhadapelos ecos daquelas vozes distantes que ela tinha escutado, com seus olhos nainfncia.

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    Lcia no tornou a ler aquele livro. No o reconheceria mais. O livro cresceutanto dentro dela que agora outro, agora dela. (C. COSTA, 2001, p.76 e 77)

    Nesse trabalho iremos enfocar a importncia dos sonhos e contos de fadas no

    desenvolvimento de crianas que esto vivenciando a fase edpica proposta por Freud, onde o

    sonho (leia desejo) da criana conquistar o genitor do sexo oposto ao seu (ou mesmo a

    figura que represente esse sexo). Bettelheim (1980) mostra como os contos de fadas podem

    contribuir nesse panorama vivenciado pelas crianas entre 3 e 6 anos de idade:

    Os detalhes podem diferir, mas a trama bsica sempre a mesma: o heri

    improvvel se revela matando drages, resolvendo charadas e vivendo atravs de

    sua esperteza e bondade at que finalmente liberta a linda princesa, casa-se com ela

    e vive feliz para sempre.

    Um menino sempre se v nesse papel principal. A estria implica que: no o

    pai aquele cujo cime impede voc de ter mame com exclusividade, um drago

    malvado o que voc na verdade deve ter em mente matar o drago (...) no a

    mame que a criana deseja para ela, mas uma mulher maravilhosa e magnfica que

    ainda no encontrou, mas de certo o far (...) no por sua livre e espontnea

    vontade que esta mulher maravilhosa (isto , mame) mora com esta figura malvada.

    Ao contrrio, se pudesse, preferiria estar com um jovem heri (como a criana). O

    matador do drago tem sempre de ser jovem, como a criana, e inocente.(BETTELHEIM, 1980, p.142)

    Esse autor explica que h contos mais voltados para conflitos edpicos do menino, e outros

    para os da menina. Mas nos dois casos, por meio dos contos de fadas, as crianas podem

    satisfazer seus desejos na fantasia, enquanto que mantm uma relao equilibrada na vida

    real.

    Como a histria acontece em tempos no definidos e lugares muito distantes, a criana no

    mistura com a realidade. E nada se sabe sobre a vida depois do enredo, somente que viveram

    felizes para sempre, como acontece na maioria das histrias. Isso no prejudica sua vida real,

    nem seu relacionamento com seus pais, o que seria mortal na cabea da criana, pois teria que

    disputar o amor com algum muito mais forte.

    A integrao interna no algo que seja adquirido de uma vez por todas; uma tarefa

    que nos confronta durante toda a vida, embora em formas e graus diferentes. (...) cada conto

    projeta no seu final feliz a integrao de algum conflito interno (BETTELHEIM, 1980,

    p.112).

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    Bettelheim (1980) nos ensina que h duas crises no desenvolvimento - a primeira consiste

    na personalidade, na descoberta do eu, e a segunda a crise edpica. E os contos de fadas

    podem at mesmo indicar criana o caminho atravs do mais espinhoso dos bosques, o

    perodo edpico. (BETTELHEIM, 1980, p.90).

    Nessa fase de pensamentos contraditrios, ela polariza seus pensamentos em bom ou ruim.

    O conto permite que a criana trabalhe esse sentimento ao separar uma pessoa em duas

    figuras, permitindo assim, trabalhar com seus desejos bons e ruins, e as possveis

    conseqncias.

    Na maioria dos contos de fadas, o fato de o personagem ser expulso do lar significa que

    o momento de se tornar independente suportando a dor para alcanar a prpria identidade.

    Deve aprender querer viver mesmo se no for casar com seu genitor do sexo oposto.Com base nas idias de Bettelheim (1980), defendemos que o conto mostre para criana

    que apesar de as bruxas existirem, as fadas tambm existem, e so muito mais poderosas. Mas

    mostra tambm, que pode ocorrer uma tragdia quando algum fica obcecado por algo ou

    quando incapaz de esperar at que algo acontea. O conto de fada frisa que estes fatos

    aconteceram uma vez, numa terra distante, e deixa claro que oferece alimento para esperana,

    e no relatos realistas como o mundo aqui e agora. (BETTELHEIM, 1980, p.90)

    Esse enredo pode ser observado tambm pelo nmero trs, muito presente nesse gneroliterrio. Na proposta desse autor, o nmero trs nos contos de fadas parece referir-se

    frequentemente ao que encarado em psicanlise como os trs aspectos da mente: id, ego e

    superego. (BETTELHAIM, 1980, p.131)

    De acordo com ele, o um seria a prpria pessoa. O dois, geralmente simboliza os pais,

    e o trs seria a criana em relao a seus pais.

    O princpio da realidade tambm encontrado nas trs tentativas dos heris mostrando

    que no se consegue tudo de primeira.Outra caracterstica inerente aos contos de fadas a floresta, que representa o nosso lado

    obscuro, um lugar onde resolvemos nossas questes.

    No tema do gigante, a criana pode resolver seus conflitos com o adulto, quando este

    mostra ter poder sobre ela, baseando-se na astcia. Essa derrota do adulto muito

    significativa para a criana, porque embora a mame seja com mais freqncia a protetora

    toda-dadivosa, pode-se transformar na cruel madrasta se for malvada a ponto de negar a seu

    filhinho algo que ele deseja. (...) A fantasia da madrasta malvada no s conserva intacta a

    me boa, como tambm impede a pessoa de se sentir culpada a respeito dos pensamentos e

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    desejos raivosos quanto a ela uma culpa que interferiria seriamente na boa relao com a

    me. (BETTELHEIM, 1980, p.84 e 86)

    Por fim, dizemos que os sonhos esto intimamente ligados aos Contos de Fadas. No

    sculo XIX, segundo Franz (1990), Ludwig Laistner escreveuDas Rtsel der Sphime, Berlim,

    1889. Sua hiptese era de que os contos de fadas e folclricos tinham os temas bsicos

    derivados dos sonhos. Karl Von der Steiner, no livro Voyage to Central Brazil, tentou explicar

    que as crenas vinham de experincias sonhadas, ou seja, que ao contar os sonhos, formavam-

    se os contos. Ele enfatiza, ainda, os pesadelos.

    Alm disso, de acordo com Furlanetto (1989), Jung, alm de afirmar que parte do

    inconsciente coletivo, fez estudos com pacientes que traziam no relato de seus sonhos

    contedos pertencentes aos mitos e aos contos de fadas. Esses registros so os arqutipos, queprogressivamente vo construindo a personalidade de cada um. O prximo captulo

    completar esse, uma vez que minha hiptese a de que os contos de fadas e sonhos esto

    intimamente ligados e podem auxiliar na construo da personalidade dos indivduos.

    Seguindo esse raciocnio, pertinente ter um breve panorama da Psicologia Analtica.

    Essa cincia estuda a construo da personalidade com base em quatro estruturas arquetpicas

    que no acontecem, nem se resolvem de forma linear. So elas: matriarcal, patriarcal,

    alteridade e csmica. Sero resumidamente explicadas pelas idias de Furlanetto (1989).A figura materna simboliza alimento fsico e psquico. essencial e iniciou a vida em

    sociedade, mas tambm est relacionada a afeto, segurana, prazer e vontade de ser desejado.

    O patriarcado faz polarizaes devido a grande separao entre desejo (inconsciente) e

    regras (Ego). Sendo assim, divide as coisas em certo/errado, bom/mau, assim como podemos

    perceber na personalidade dos personagens dos contos de fadas. Um exemplo a escrita, que

    busca coerncia, estabelecimento de leis e escala de valores. Surge a importncia da

    responsabilidade, do respeito. A criana comea a se fascinar pelo mundo do logos, doconhecimento, e para poder adquiri-lo, fazer parte dele, percebe a necessidade de sacrificar

    alguns prazeres do mundo patriarcal. (FURLANETTO, 1989, p. 14) Vale saber que a me

    pode representar o patriarcado e vice-versa.

    O padro da alteridade engloba padres dos dois anteriores: Existe na alteridade uma

    relao livre entre o Ego e o Inconsciente, e essa relao permite conscincia uma reduo

    das polaridades, formando um padro dialtico de relaes. (FURLANETTO, 1989, p. 16).

    Pode ser exemplificada pela poltica. regido pelos arqutipos do Animus e Anima. Na fase

    da adolescncia eles passam a atuar mais fortemente.

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    O csmico supera as polaridades, v tudo como um todo. Tende a ser mais prprio das

    pessoas da terceira idade ou que se encontram com a sade em fase terminal.

    O matriarcal e patriarcal esto presentes desde a fase infantil, por esse motivo, tm para

    ns um peso maior - sobretudo se formos considerar os contos de fadas. Ao mesmo tempo em

    que o heri busca realizar um desejo, encontrar afeto e alimento fsico e psquico para sua

    vida, se depara com as polaridades durante o enredo. Na realidade, no h uma pessoa

    completamente boa, ou completamente m, mas descrito dessa forma, torna mais fcil ao

    indivduo desenvolver a personalidade para atingir a maturao proposta pela alteridade.

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    2.2 SONHOS: SUA RELEVNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO

    Nesse captulo buscamos mostrar a importncia do sonhar e de relatar os sonhos como

    colaborao para o desenvolvimento dos indivduos. Sendo assim, ao estudarmos o fenmeno

    do sonho, ser possvel compreendermos melhor os seres humanos, e conseqentemente,

    encontrar uma via para facilitar a aprendizagem.

    De acordo com A. Costa (2006), os sonhos sempre estiveram no imaginrio de todas as

    culturas.

    Que o dormir importante, todos sabem. H muitos estudos e at mesmo o senso comum

    afirma, assim como Maragon (2007) diz em uma revista de grande circulao entre os

    profissionais da educao que as crianas precisam dormir para poder voltar s suasatividades. Ela ainda afirma que durante esse momento so liberados hormnios essenciais

    ao desenvolvimento, e que cabe escola organizar um tempo para aquelas crianas que

    permanecem grande parte do seu dia na escola ou na creche. Ela tambm cita a educadora

    Ktia Chedid, que atribui a poucas horas de sono ou noites mal dormidas uma srie de

    conseqncias, como alterao de humor, dificuldade de socializao, atraso na fala e no

    crescimento. De acordo com essa reportagem, cada faixa etria tem necessidade de um tempo

    de sono por dia, como mostra o quadro abaixo:

    Recm-nascido Entre 16 e 17 horas

    De 1 ms a 6 meses Entre 14 e 15 horas

    De 7 meses a 1 ano Entre 13 e 14 horas

    De 2 a 5 anos Entre 11 e 13 horas

    (MARAGON, 2007, p. 83)

    Com base nisso, podemos afirmar que: o que se passa em nossa mente durante o sono

    algo presente para todos, e esses pensamentos, sonhos, ou simples descargas energticas

    cerebrais correspondem a aproximadamente um tero de nossas vidas, e metade do dia de uma

    criana! s vezes no percebemos que as crianas sonham, e que o sonhar tambm faz parte

    do cotidiano delas, assim como o brincar, comer, dormir... e sonhar!

    Santos (2007) escreveu um artigo destinado ao pblico infantil, em anexo, o qual me

    chamou a ateno. O ttulo da reportagem era Lindinha, Docinho e Florzinha tm

    pesadelos. Foi inventado um jogo para computador em que, por meio de um sonho mau, as

    personagens do desenho animado Meninas Superpoderosas ensinam Ingls, Matemtica e

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    Portugus. Ora, logo vemos que, o que se sonha, o dia-a-dia das crianas e a educao so

    temas relacionados, e que podem ser proveitosos, desde que explorados de uma maneira

    adequada.

    A explorao de sonhos tal como conhecemos atualmente teve seu incio com Sigmund

    Freud. Segundo A. Costa (2006), com seu clssico livro A Interpretao dos Sonhos,

    publicado em 1900, Freud inaugura um campo que permanece nico: a abordagem dos sonhos

    como uma formao do inconsciente. (A. COSTA, 2006, p.8). De acordo com a mesma

    autora, Freud trata o inconsciente como algo atemporal, o qual no se modifica com o passar

    do tempo. E afirma: Freud prope a indestrutibilidade do desejo infantil (...) O que se

    registra uma vez, permanece sempre em condies de ser reativado (...) seus representantes

    mais diretos: alm dos sonhos, os atos falhos e chistes. (A. COSTA, 2006, p.9)Complementa ainda dizendo que (...) Freud liga a construo do sonho culpa algo que

    surge ligado censura-, e o desejo em causa no sonho seria o de desculpabilizar-se (...) (A.

    COSTA, 2006, p.43)

    Apesar de a idia de que o sonho e o inconsciente estarem muito relacionados, j ter sido

    muito divulgado. Jung (1996), um cone para a psicologia moderna afirmou que o sonho

    no apenas uma fonte valiosa de informaes, mas tambm um meio muito eficaz de

    educao e de tratamento (JUNG, 1996, p. 165).Ele tambm diz que h trs espcies de educao:

    Educao pelo exemplo: ocorre espontaneamente, de modo inconsciente, pelos pais ou

    pelo ambiente;

    Educao coletiva consciente: h regras, princpios e mtodos. No se produz nada,

    apenas se ensina, visando o coletivo, e no o indivduo;

    Educao individual: pretende-se desenvolver a ndole do indivduo.

    Com isso, notamos que psicologia e educao podem sim (e devem) caminhar juntas, parade fato, formar pessoas por completo, e a escola deve educar levando em conta essas trs

    modalidades.

    Ao utilizar os sonhos em sala de aula, o professor ficar muito prximo da realidade do

    aluno, pois de acordo com A. Costa (2006), o que conhecemos por realidade resulta dos

    mesmos elementos com os quais construmos os sonhos (A. COSTA, 2006, p.19) por mais

    que (...) o que lembramos do sonho no o prprio sonho j significa o despertar. (A.

    COSTA, 2006, p.22).

    Ele no dever fazer interferncias, a no ser que tenha preparo para isso (ser psiclogo ou

    psicopedagogo). Dessa maneira, ao propor que as crianas relatem seus sonhos em algum

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    momento da rotina escolar, devemos parar apenas nessa etapa, pois de acordo com JUNG

    (1996), ao trazer-se para a conscincia contedos inconscientes, provoca-se artificialmente

    um estado muito semelhante ao de uma doena mental (...) Deve-se, pois, saber quando

    poder arriscar tal interveno sem causar dano. (JUNG, 1996, p. 159). Para fazer isso, o

    melhor mtodo, e tambm o mais difcil, o da anlise e interpretao dos sonhos, j que

    eles so produzidos pela atividade psquica do inconsciente. Como o professor no tem estudo

    para explorar esse contedo, bastaria escola um momento para que o aluno reflita sua vida...

    Esse momento seria to importante quanto auto-avaliaes, to defendidas nos mtodos

    pedaggicos atuais. O prprio Jung (1996) escreveu que talvez at fosse melhor

    concebermos os sonhos como uma espcie de obra de arte, em lugar de ver neles material de

    observao cientfica (...) (JUNG, 1996, p.169). E uma vez que a escola lida com arte,porque no incorporar uma obra de arte proveniente de cada aluno como artista? Afinal, como

    muito bem A. Costa (2006) lembra, a corrente do surrealismo, que ganhou relevncia e

    abrangncia na literatura e nas artes plsticas, teve seu modelo na produo onrica. (A.

    COSTA, 2006, p.23)

    Bettelheim (1980) tambm disserta sobre a comparao de contos de fadas e obra de arte,

    conforme podemos observar no trecho a seguir. Como sucede com toda grande arte, o

    significado mais profundo do conto de fadas ser diferente para cada pessoa, e diferente paraa mesma pessoa em vrios momentos de sua vida. (BETTELHEIM, 1980, p.20 e 21)

    A. Costa (2006) apresenta a necessidade de Freud relatar seus sonhos ao seu amigo Fliess,

    para elaborao de sua tese, e ainda, para sua auto-anlise. Ora, no pretendemos comparar

    com a mesma intensidade, mas notamos que ao relatar o que foi sonhado, a pessoa em questo

    pode revelar o que se passa em seu interior, para que possa enxergar coisas que o

    esquecimento do sonho no traz tona. Ao relatar um sonho, a pessoa se abre mais do que

    imagina, no para os outros, mas para si mesma.Muitas so as explicaes dadas ao motivo dos nossos sonhos. Misticamente, eles podem

    at ser considerados previsveis ou caminho para mensagens divinas, mas psicologicamente,

    sabe-se que o sonho composto por vivncias reais, mostradas de outras maneiras, e ainda

    que o que acontece no meio ambiente concreto enquanto dormimos, pode influenciar o sonho.

    De acordo com A. Costa (2006), Freud prope que o sonho usa a linguagem textual, e

    assim como os hierglifos, eles devem ser interpretados ao serem lidos. Ao narrar o sonho, a

    fala representa a leitura do sonho feita pelo prprio sonhador.

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    Apesar de reconhecermos o sonho como um texto, sua mensagem no direta:seus elementos no tm correspondncia imediata com aqueles da vida desperta.Assim, os personagens no correspondem exatamente aos mesmos de quandoestamos acordados. (A. COSTA, 2006, p.24).

    Todos os elementos do sonho, em alguma medida, representam o sonhador. (A.

    COSTA, 2006, p.25). Essa autora tambm lembra que os sonhos so prximos dos desenhos,

    pois trazem imagens e signos. Dessa forma, uma criana desenhar o que sonhou to

    significativo quanto seu relato. Essa autora tambm traz a opinio lacaniana de que h

    aproximao entre sonho e uma escrita pictogrfica. E Byington (1987) afirma que O

    smbolo e a funo simblica so manifestaes da energia psquica atravs das coisas e dos

    acontecimentos. (BYINGTON, 1987, p.19) Os smbolos podem ser encontrados nos contos

    de fadas, mas tambm so muito significativos nos sonhos.

    A partir dessas consideraes, apropriamo-nos do trabalho de Gambini (2000), que mostra

    um projeto realizado com crianas da Educao Infantil, as quais relatam seus sonhos aos

    colegas e professora de sala de aula por meio de desenhos e da linguagem oral, e que ter

    nossa maior ateno a partir do prximo captulo. Por ora, basta refletirmos sobre alguns

    trechos propostos por A. Costa (2006) para compreendermos a interligao entre realidade,

    sonho e fantasia, sendo aqui explorado sob a tica dos contos de fadas: (...) sem realidade

    psquica no h realidade material (...) Para que haja realidade (...) preciso que hajafantasia (...), para que representemos uma realidade preciso antes sonhar (...) Ou seja, para

    viver preciso sonhar. (A. COSTA, 2006, p.13 e 14)

    E o desenvolvimento acontece tambm durante o sonho, pois segundo A. Costa (2006)

    aquilo que ficou sem resoluo retorna, como elaborao onrica - dessa forma, a criana

    mostra seu crescimento por meio dos seus sonhos.

    E ainda sob as falas de A. Costa (2006), o trabalho do sonho to importante quanto o

    trabalho de luto. Ora, se o ltimo explorado na instituio escolar, devemos questionarporque o primeiro no o . E ainda, devemos observar sua importncia para o

    desenvolvimento proposto pela escola. Para essa reflexo, explico o trabalho de luto com as

    palavras da autora que cita objetos de transio, to importantes para a criana na fase da

    Educao Infantil:

    o trabalho de luto requer (...) um trao de memria que contenha, de algumamaneira, o suporte da antiga relao. Pensemos, por exemplo, na funo do objetotransicional o cobertorzinho, o paninho etc. para a criana pequena. Esse objeto, ao mesmo tempo presena e ausncia. Mantm a memria no somente na suaconstncia visual, mas tambm nos restos de secreo do corpo, cheiros que acriana no deixa lavar. No entanto, uma presena que contm a ausncia da me.

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    na medida em que a criana pode manipular e representar essa presena/ausnciaque ela pode manter uma constncia de si. Se no conseguir lidar com apresena/ausncia, ela tambm desaparecer quando a me se ausentar. (A.COSTA, 2006, p.54 e 55)

    Esse afastamento do real, ligado ao material para um real de si prprio difcil e acontece

    tambm no sonho, ou seja, o enfoque do indivduo consigo mesmo um trabalho que pode

    tambm ser exercido na escola, at mesmo para facilitar as adaptaes, acolhidas e vivncia

    saudvel do dia-a-dia.

    Concordando com Jung (1996), o sonho no apenas uma fonte valiosa de informaes,

    mas tambm um meio muito eficaz de educao e de tratamento (JUNG, 2006, p. 165) E

    ainda podemos verificar a importncia de conhecer os sonhos dos educandos por meio da

    seguinte passagem do mesmo autor: (...) os sonhos do um apoio eficiente ao esforo

    educativo, ao mesmo tempo em que possibilitam penetrar a fundo na vida ntima da fantasia, a

    partir da qual se forma mais compreensvel o comportamento consciente, abrindo-se com isso

    uma passagem de acesso no sentido da aceitao da influncia exterior. (JUNG, 2006, p.

    168). Afinal, o sonho pode no se opor conscincia, mas acompanh-la colaborando muito

    para educao.

    Assim como diz Bettelheim (1980):

    (...) uma pessoa impedida de sonhar, mesmo que no seja privada de dormir, fica

    prejudicada na habilidade de lidar com a realidade (...) as crianas vo mal de vida

    quando so privadas do que as estrias podem lhe oferecer, dado que os contos

    ajudam-na a elaborar, na fantasia, as presses inconscientes. (BETTELHEIM,

    1980, p.79 e 80)

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    segundo ele, mais uma forma do professor conhecer seus alunos, no somente pelo relato do

    sonho, mas porque ao relat-los chega-se a diversos assuntos. Alm de ser uma porta de

    entrada para vrias questes, o aluno abre sua intimidade e dita seu sonho para a professora,

    e nessa troca, a criana se sente ouvida.

    Essa a (...) interao subjetiva. O relato de sonhos promove o aprendizado do respeito

    pela fala do colega narrador, porque depois vai ser a minha vez e depois vai ser a sua vez.

    (GAMBINI, 2000, p.114). Notamos que essa proposta traz consigo a educao de um valor

    quase perdido nas escolas atuais: o respeito pelo outro, o saber ouvir sendo equiparado ao

    saber falar. Alm disso, a sociabilidade permite a imaginao conjunta e tambm auxilia as

    crianas tmidas.

    O autor ressalta que crianas menores, ou seja, com aproximadamente 3 anos de idade,confundem sonho com imaginao e tambm, muitas vezes se contaminam pelo relato do

    sonho do outro. J com 5 ou 6 anos, nota-se facilmente quando um sonho ou uma histria

    inventada, nesses casos, o autor sugere pedir o sonho.

    Ele enfatiza tambm a importncia de estimular o imaginrio das crianas, pois caso

    contrrio, ele se torna restrito, e devido falta de uso, esses indivduos sofrero de privao

    de imaginrio. O autor complementa dizendo que o imaginrio importante para futuros

    aprendizados, como, por exemplo, imaginar os contextos histricos, aprender nmeros e para,posteriormente, se transformar em pensamento. Para ele, relatar sonhos o nascimento do

    pensamento organizado. Por esse motivo, errnea a posio da escola que separa

    pensamento da imaginao, uma vez que eles tm origem comum.

    Gambini (2000), muito sabiamente, diz que a adeso a essa proposta tem custo zero! E que

    traz benefcios psicolgicos e pedaggicos. Dessa maneira, sugere esta ao para as escolas.

    Alm disso, esse autor dividiu todos os sonhos coletados em sua pesquisa em doze tipos,

    assim sintetizados:1. Famlia e Casa2. Escola3. Crescimento4. Ladro e Bruxa5. Animais6. Heris7. Fantasmas e Esqueletos8. Morte e Renascimento9. Robs

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    10.Emoes11.Anjos12.DeusCada um desses temas pode ser visto nos relatos das crianas, e podem abordar diferentes

    aspectos do indivduo, tanto para a vertente emocional, como enfocando o aprendizado

    cognitivo, a que est to ligado.

    Os pesadelos, ou sonhos de angstia, so incmodos para todos que despertam aps essa

    experincia, mas como cita A. Costa (2006), referindo-se a Freud, o sonho representa um

    desejo e (...) o desejo em questo poderia situar o sujeito como masoquista, onde o desprazer

    seria desejado (A. COSTA, 2006, p.31). exatamente isso que faz alguns sonhos se

    repetirem com tanta freqncia. Mas no por um masoquismo pervertido e sim pelo

    masoquismo originrio quando o beb no se sustenta sozinho, sendo objetode cuidados e suposies da me (...) Freud denomina essa posio de masoquismoergeno (...) marca erogenamente o corpo do beb. Essa marca ser suporte derepeties tardias. (A. COSTA, 2006, p.34).

    Por isso, mais uma vez, enfocamos o benefcio que traz fazer esse trabalho de sonhos com

    crianas pequenas para que elas tenham um bom desempenho em todas as fases do seu

    desenvolvimento psquico.J para Lacan, como aponta essa autora, esses sonhos so provenientes da...

    (...) experincia da falta que ele denominou de castrao simblica, dando-lhe abrangncia maior que uma referncia exclusivamente edpica suporte daconstruo do psiquismo, entendido este como formaes simblicas que sustentamo sujeito em sua vida. A proposta lacaniana supe duas coisas: primeiro, necessriaa experincia da falta para que o sujeito possa livrar-se de um atrelamento muitoalienante, resultante de suas relaes primrias. Segundo, a angstia sinal de queessa experincia de falta pode no acontecer. Logo, de certa maneira, a angstia

    promotora de movimentos de separao, de simbolizao. (A. COSTA, 2006, p.32e 33)

    Nessa ltima passagem, observamos que o Complexo de dipo - fundamentado por Freud

    - est presente, assim como tambm explorado nos contos de fadas quando a princesa (ou

    filha) tem problemas de relacionamento com a madrasta (que seria a me).

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    Assim como j foi dito anteriormente, os contos de fadas carregam a fantasia2, e o

    Complexo de dipo nada mais do que a fantasia que a criana na fase flica tem de se

    relacionar com seu genitor do sexo oposto para satisfazer os desejos da libido concentrada na

    regio genital. Dessa forma, o papai o heri para menina, e a mame a melhor mulher do

    mundo para o menino. Mas isso seria proibido, ainda mais se os pais forem casados ou

    tiverem outra pessoa (namorados, por exemplo), pois todos tm horror ao incesto (e esse um

    dos tabus mais antigos da humanidade) 3. Como bem exemplifica Pimenta (1993) ao tratar do

    Complexo de dipo,

    As fantasias que dizem respeito a desejos proibidos e por isso recalcados noinconsciente so patrocinadoras do sonhar, do criar e do brincar. (...) Elas no

    podem ser livremente expressas, porque esto inibidas pela censura pessoal, mastambm no podem ficar sem expresso, pois isso gera grande tenso e angstia.Portanto, tm de chegar a um acordo com o sistema consciente. Fazem, por assimdizer, um compromisso: podem ser expressas, mas de forma despistada, camuflada.(PIMENTA, 1993, p.25)

    Segundo essa autora, esse desejo s acontece nos sonhos e no ldico, mas assim como

    vimos, os contos de fadas tambm mostram solues para esses desejos. No entanto, Pimenta

    (1993) traz na mesma obra uma definio pertinente:

    O sonho no apenas uma reao aleatria do organismo, mas tem sua razode ser: ele a expresso de uma linguagem especfica fundamental (...) Freud oconsidera a estrada real para chegar ao inconsciente (...) Os desejos inconscientesno dormem (...) aproveitam-se, ento, do afrouxamento da conscincia moral,durante o sono, para sua realizao alucinatria. (PIMENTA, 1993, p.28)

    Assim, ela explica que o Brincar um recurso importante de que se valem

    principalmente as crianas para lidar com o mundo fantasmtico. (PIMENTA, 1993, p.41), e

    que Quanto fantasia, poderamos pensar numa equivalncia masturbatria, enquanto a

    criao e a brincadeira j contm alguma coisa de relao com o objeto (PIMENTA, 1993,p.43). Mostra assim que os momentos de sonhos ou de vivncia de contos realizam, ou ao

    menos supre s necessidades libidinais intrnsecas fase edpica.

    Tanto quanto os sonhos, os Contos de Fadas tambm tm um papel fundamental na

    construo do imaginrio do indivduo pelo simples fato de ouvir uma histria desse tipo. E

    2 Fantasia, de acordo com PIMENTA (1993): este conceito encontrado freqentemente nos textospsicanalticos com o nome de fantasmas. Trata-se de encenaes, histrias imaginrias, as quais o indivduosempre est presente e que geralmente dramatizam, de forma visual, a encenao do desejo. Nos fantasmas so

    permitidas permutas de papis e operaes defensivas diversas (projees, reverses etc.). Os fantasmas podemser inconscientes, subliminares e conscientes (...) se interelacionam nas vrias formaes do inconsciente e suasexpresses, como na brincadeira e nas obras-de-arte. (PIMENTA, 1993, p.72)3 FREUD, Sigmund. O Horror ao Incesto. In Totem e Tabu e Outros Trabalhos (p.21-35)

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    obviamente, se o adulto intermediador, no caso, uma professora que leia o conto sem mostrar

    ilustraes, estar presenteando seus alunos com potencial de criatividade e imaginao to

    requeridos no mercado de trabalho atual. A crena mgica importante e necessria para

    formao das pessoas. Quem no teve isso explorado na infncia de forma saudvel, pelos

    contos de fadas, por exemplo, busca solues para vida na astrologia, ou at mesmo nas

    drogas, como alertou Bettelheim (1980).

    Ele diz tambm que s na puberdade a pessoa reconhece a emoo por ela mesma, antes

    disso, so manifestaes. As crianas s entendem por imagens... E os contos fornecem essas

    imagens. Assim, notamos que os contos de fadas podem contribuir na construo da magia

    inerente a cada pessoa, e que seus sonhos seriam ento reflexos de uma vida mais bem

    resolvida... Enfim, parafraseamos o mesmo autor: (...) perigos horrveis que so anlogos aospesadelos (...) (BETTELHEIM, 1980, p.106).

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    2.4 COLETA DE DADOS

    A coleta de dados se faz necessrio para evidenciar o levantamento terico e para

    responder a hiptese inicial, de que sonhos e contos de fadas esto muito ligados um ao outro,

    e ainda, que ao serem utilizados com finalidades educativas, inclusive em ambientes

    institucionais e de educao formal, podem contribuir positivamente para o desenvolvimento

    das crianas.

    Concordando com Furlanetto (2005), (...) desenvolvimento e aprendizagem no so

    processos distintos nem lineares, mas so tecidos simultaneamente em uma rede relacional da

    qual fazem parte, tambm, alm das funes da conscincia, dimenses arquetpicas que se

    referem ao mundo do inconsciente coletivo. (FURLANETTO, 2005, p.82). Ora, essapassagem nos mostra que os cones trazidos pelos contos de fadas que atendem s

    necessidades do inconsciente coletivo como j foi dito anteriormente podem ser teis na

    formao do indivduo. Completando essa idia, parafraseamos Corso (2005), ao dizer que

    (...) a capacidade simblica est na raiz dos processos de aprendizagem mais essenciais

    efetivao da humanidade de cada um, sendo, sem dvida pr-requisito para todas as

    aprendizagens escolares. (CORSO, 2005, p.51)

    Tomando como base as crianas da Educao Infantil, esse trabalho se mostra ainda maispertinente, pois elas mostram em suas falas muito interesse por assuntos como magia, outras

    pocas, fantasmas e a dualidade entre o bem e o mal. Isso reflete o que eles j sabem, ou ao

    menos, buscam comprovar que h um mundo interno ou fantasmtico. Como diria Pimenta

    (1993), as fantasias ou fantasmas so histrias semelhantes aos mitos (...) celebram a

    passagem da natureza para a cultura. Nossos ancestrais, no sabendo explicar esse fenmeno,

    criaram histrias de deuses, ninfas e gnios, que se relacionavam, amavam e odiavam.

    (PIMENTA, 1993, p.24). Dessa forma, eles mostram que j sabem que esto inseridos numacultura onde pessoas mantm relaes boas e ruins.

    Da mesma forma que trazem expresses transmitidas pelos seus pais como papai do

    cu, que simboliza a crena em um Deus, em algo fantstico, no concreto e como um ponto

    de equilbrio para que seus desejos sejam realizados assim o fazem com os contos de fadas.

    Inclusive, se nos aprofundarmos essa questo, notaramos que as histrias bblicas tm o

    mesmo modelo dos contos de fadas, e que servem igualmente para confortar os fiis e

    oferecer subsdios para que os crentes superem fases de suas vidas tomando atitudes

    moralmente aceitas pela sociedade. (...) muitas histrias bblicas so da mesma natureza que

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    os contos de fadas. (...) A maioria dos contos de fadas se originou em perodos em que a

    religio era parte muito importante da vida. (BETTELHEIM, 1980, p.22)

    Para verificarmos como acontecem essas relaes entre sonhos e contos de fadas no dia-a-

    dia, baseamos esse trabalho na proposta de Gambini (2000), com algumas modificaes.

    Concordamos que toda escola deveria fazer isso, e implantamos o projeto em uma turma de

    uma escola da rede particular de ensino da cidade de So Paulo.

    Devido a disponibilidade, fcil acesso e boa aceitao da idia por parte da direo da

    escola, realizamos o estudo de caso no meu local de trabalho. A escola Villacor abriu espao

    para o desenvolvimento desse projeto e foi um timo lugar para esse estudo, por ser uma

    pequena grande escola, que conta com atendimento em trs unidades. Nesse trabalho,

    iremos nos referir Unidade II, situada a Rua Jataituba, 171, no bairro do Brooklin da capitaldo estado de So Paulo. um local residencial que abriga famlias de classe social mdia, e

    uma escola que atende no somente ao pblico local, como tambm aos filhos de pais que

    trabalham pela redondeza. Essa unidade educa crianas durante a etapa da Educao Infantil,

    depois que os alunos aprenderam a andar, ou seja, por volta de 1 ano e 6 meses at 6 anos de

    idade (alguns, provindos da outra unidade que atende berrio).

    Antes de relatar o estudo feito, gostaramos de ressaltar algumas observaes. Gambini

    (2000) disse, conforme citamos no captulo anterior, que crianas entre 3 e 4 anos tendem aconfundir sonho com imaginao, por esse motivo, seria mais adequado fazer esse estudo com

    crianas mais velhas. No entanto, o trabalho foi feito exatamente em uma turma heterognea

    com crianas entre trs e seis anos, sendo, a grande maioria, alunos do G4, ou seja, que

    completam (ou completaram) quatro anos de idade nesse ano de 2007. Outro dado que foi

    possvel observar na prtica, foi a contaminao de sonhos, conforme ressaltado por esse

    autor. E diferentemente desse autor, no pedi o relato prvio do sonho para ser anotado em

    uma pgina em branco do caderno, e sim anotei no verso da prpria folha que elas utilizarampara fazer o desenho, registrei, portanto, a real interpretao do que eles fizeram por meio da

    linguagem oral.

    Uma vez por semana ou a cada quinzena, devido falta de tempo, as crianas foram

    convidadas a fazer um relaxamento deitando no cho ou sentadas com a cabea sobre as

    mesinhas, sempre em grupo (roda ou disposio das mesas agrupando todas as crianas). No

    silncio ou com uma suave melodia de fundo musical, eu ia incentivando-as a fingir que

    estavam dormindo para se lembrarem de um sonho. E ao despertarem (com direito a se

    espreguiarem, bocejarem e tudo), eles poderiam desenhar com canetinhas, lpis de cor ou giz

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    de cera algum sonho que recordavam. Tal prtica foi baseada na autora Canepa (2000), que

    defende um clima para o relato dos sonhos.

    Cada um recebeu uma folha de papel sulfite branco A4, para registrar o sonho que

    recordaram. Cabe dizer que os nomes aqui citados foram modificados para preservar a

    identidade das crianas, apesar de seus pais terem autorizado o uso de suas produes.

    Ao fazerem o desenho, pedimos para que ficassem em silncio. E uma justificativa muito

    pertinente foi explicada a partir de uma roda de conversa inicial, na qual constatamos que, o

    que um amigo sonha, uma coisa que s ele sabe que no adianta ficar conversando ou

    perguntando durante o desenho. No incio foi complicado para alguns alunos, mas aos poucos

    esse momento mostrou-se eficaz para disciplina, autocontrole, respeito e principalmente, um

    tempo de reflexo atravs do exerccio de resgate de memria.Seguindo essa mesma linha de raciocnio, constatada por mim junto s crianas,

    associamos o sonho a um segredo: cada um tem o seu, e no possvel adivinhar o que o

    amigo sonhou... Para isso, conforme cada um terminava, era incentivado a virar sua produo

    de cabea para baixo, deixando o lado em branco para cima. Cabe dizer que nas instrues

    dessa atividade alguns alunos perguntaram se poderiam desenhar dos dois lados, e a resposta

    foi que poderiam fazer como quisessem. Ao verificarem a importncia e a mgica do segredo,

    eles mesmos desenhavam apenas de um lado para virarem seus desenhos para baixo.Nesses momentos, verifiquei falas interessantssimas, como por exemplo, o dilogo entre

    Bruno e Leonardo, ambos com quatro anos:

    Bruno Eu sonhei que estava ...

    Leonardo o interrompeu rapidamente No, Bru! Depois voc conta, agora pe a sua

    folha assim ! (apontando para a dele como exemplo).

    Ou ainda, quando Marcela, 4 anos, uma aluna que nofreqentava regularmente o perodo

    integral durante o primeiro semestre e no havia participado de outras situaes de relato desonhos, perguntou ao Vincius, 4 anos, o que ele estava desenhando, e ele respondeu -

    segredo! Depois voc vai ver!, tapando o que estava desenhando com muita concentrao.

    A partir desses exemplos e aps a vivncia dessas atividades, constatamos que o segredo

    importante para as crianas... Sobretudo na Educao Infantil. como se eles estivessem

    fazendo o papel da professora na to esperada caixa surpresa, isto , trazer algo pessoal para

    compartilhar com seus amigos.

    Bettelheim (1980) exemplifica sua teoria com o conto A guardadora de Gansos, que

    contm em seu enredo a sabedoria de guardar um segredo. A partir dessa linha de

    pensamento, podemos pensar tambm na proposta de compartilhar sonhos pelos desenhos que

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    ficam de cabea para baixo, como se fossem segredos, como sendo extremamente vlido, pois

    trabalha o respeito pelo segredo do amigo, e tambm, deve-se saber que h um momento para

    compartilh-lo. Essa prtica tambm contribuiu para desenvolver a confiana na professora e

    nos colegas de classe.

    Dessa forma, concordando com Gambini (2000), desenvolve-se e treina-se o respeito pela

    fala dos colegas, alm de colaborar na desenvoltura ao falar o que se nota que necessrio

    para muitos adultos, que no possuem esta fluncia, pela falta de incentivo.

    Durante os relatos, houve desenhos e falas interessantes, mas importante relatar tambm,

    que o fato de a professora saber um pouco sobre o contexto no qual a criana vive, torna a

    observao dos desenhos e dos relatos mais significativos, da mesma forma que tambm a

    auxilia a conhecer um pouco mais, ou ainda mais, seus alunos.A experincia foi extremamente satisfatria, pois nela pudemos observar os dados trazidos

    pelos autores abordados ao longo desse trabalho, ressaltando ainda que pelo fato de a

    professora lidar diariamente com as crianas, ela j tem muitos dados que podem auxiliar na

    compreenso dos sonhos, no para fazer intervenes psicolgicas, mas para compreender

    melhor seu aluno e colaborar com sua aprendizagem.

    Para compreender o sonho, segundo Jung (1996), interessante saber sobre o dia anterior,

    estado de nimo, dos planos e propsitos da pessoa nos dias ou semanas precedentes aosonho. (JUNG, 1996, p.161) o que no foi difcil, considerando que a classe na qual o

    projeto foi aplicado justamente a de perodo integral, onde as crianas passam de 8 a 13

    horas.

    Outro dado a ser relatado, que difere da proposta de Gambini (2000), o fato de que no

    final do ano, ou da Educao Infantil, os cadernos devem ser entregues para as crianas como

    um material muito valioso. Mas para a concluso desse trabalho, os relatos colhidos durante a

    aplicao desse projeto ficaram arquivados.Pretendo sugerir que esse trabalho seja feito como um presente para as crianas, uma vez

    que para elas que a escola trabalha.

    De qualquer forma, diferentemente de Gambini (2000), continuo defendendo a idia de

    que folhas avulsas so mais adequadas para esse tipo de trabalho, uma vez que o caderno

    permite que a criana retome um sonho anterior - o que no a proposta. Na escola devemos

    simplesmente deix-las se expressarem - alm do que, o aluno pode encarar cada relato de

    uma forma diferente, inclusive, utilizando a posio da folha como preferir.

    Certa vez, contei o conto da Snow White (Branca de Neve em ingls, j que a proposta da

    escola para essas crianas de imerso na lngua inglesa), e pedi para eles desenharem a parte

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    de que mais gostaram da histria. Aconteceram coisas interessantes, como por exemplo, um

    aluno virar sua produo de cabea para baixo, como se fosse o segredo explorado no sonho.

    Ento, expliquei que no era, uma vez que todos haviam escutado a mesma histria. E ao

    relatar a parte de que mais gostou, iniciou sua fala com -Eu sonhei.... Ento, perguntei: -

    Voc sonhou?. E ele ento respondeu que sim. A partir disso, comprovamos a estreita

    relao entre sonhos e contos de fadas... No por grandes autores ou pela nossa audcia, mas

    pela fala de uma criana de 4 anos de idade.

    Num outro momento, contei o conto Pinocchio em dois dias diferentes, com intervalo

    de uma semana. No primeiro, apenas contei a histria, e deixei que as crianas explorassem

    seu imaginrio. No segundo dia, solicitei que eles desenhassem a parte que mais gostaram da

    histria. Foi a que Bruno, 4 anos, j citado anteriormente, relatou sobre seu desenho (Fig. 1):Eu sonhei que os amigos do Pinocchio tava jogando futebol e ele no foi porque estava

    resfriado. Ele ficava s assistindo com Gepetto na casa dele. Cada amigo jogava sozinho. Eu

    tambm era amigo do Pinocchio, eu era bem grande!

    Fig. 1 Desenho sobre Pinnochio, de Bruno, 4 anos, em 24/05/2007

    PinocchioBruno

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    Cabe dizer que ele no estava doente, nem havia ficado resfriado por esses dias. Mas

    mostrou uma forma de dizer que estava sozinho, assim como o Pinocchio, na parte da histria

    em que se encontra perdido, ao relatar que se o personagem principal no est bem, ningum

    pode brincar. Esse relato do conto de fadas, ou melhor, de um possvel sonho usando novos

    elementos faz sentido, e ainda, funciona como colaborador para assimilao da realidade.

    Assim como os sonhos, os contos de fadas podem ser explorados de diferentes maneiras

    para colaborar no desenvolvimento do imaginrio do indivduo e de seu todo. Bettelheim

    (1980) afirma que no se deve explicar para a criana porque o conto importante, ao cont-

    lo a criana j ser capaz de elaborar seus problemas.

    Quando Matheus nico nome verdico usado, pelo fato dele o ter registrado em seu

    desenho - descreve Eu sonhei um sonho pesado. Eu tava num buraco, conforme mostra afigura 2, ele pode mostrar que talvez se sinta incapaz de realizar algo, como se no visse uma

    sada. A partir da, interessante que o educador conte um conto que envolva superao de

    obstculos com uma imagem semelhante. Foi ento que lhe contei a histria de Joo e o P de

    Feijo, na qual o personagem teve que escalar um enorme p de feijo o que representa um

    desafio - para superar seus medos e atingir uma nova etapa de sua vida.

    Fig. 2 Desenho de Matheus, 6 anos, em 13/04/2007.

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    O mesmo aluno mostra caractersticas semelhantes ao relatar outro sonho. Para uma

    professora que est atenta realidade dessa criana, no fica difcil deduzir que ele est com a

    auto-estima muito baixa. Para isso, no bastaria o relato desse sonho isoladamente, e sim,

    acompanhar alguns deles, juntamente com sua histria de vida. Matheus tem 6 anos de idade,

    filho de uma funcionria da escola e tem bolsa de estudos. No perodo da manh momento

    em que essas atividades foram desenvolvidas, ele o mais velho do grupo... No entanto, o

    nico que ainda usa fraldas. O fato se d devido ao casamento de seus pais, que so primos, e

    por conta de inadequaes genticas, geraram essa criana que no possui contrao do

    esfncter anal, sendo incapaz de controlar a liberao das fezes. Tendo em vista que ele j

    passou da fase anal prevista por Freud, ele se encontra incapaz de algumas coisas. Alm domais, ele no tem a mo esquerda. Logo abaixo do cotovelo, tem um nico dedo. Esses dados

    mostram como se justifica seu modo retrado de ser.

    Eu sonhei que fui num parque, achei um ovo que quebrou na minha cabea. O avio l

    em cima. Tinha uma porta. Porta de castelo, eu entrei e cai no barco e tinha um menino

    machucado. Ele tava com o irmozinho e com a me dele. E eu tava com meu pai, minha me

    tava l em casa. Depois, soltou um monte de raio, como mostra a figura 3.

    Fig. 3 Desenho feito por Matheus, 6 anos, em 22/08/2007.

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    Essa criana pode usufruir dos benefcios do projeto em questo porque se sentiu ouvida

    por todos. Alm disso, as crianas passaram a elogiar os desenhos do colega. E foi num desses

    momentos que ele mostrou extrema satisfao com um lindo sorriso, quando sua amiga falou

    que era o desenho mais bonito de todos. A partir desse dia, ele passou a preferir desenhar a

    brincar de massinha, como usualmente optava. Cabe dizer que manipular massinha um

    estado anterior ao de segurar no lpis com destreza, e ainda, que modelar est ligada a fase

    anal. Tambm devemos nos atentar para o fato de o castelo (smbolo dos contos de fadas)

    fazer parte de seu sonho, uma vez que ele nunca esteve em um.

    J o simples relato de Simone, quatro anos Fiquei em casa (Fig.4), mostra a um

    educador atento que tudo que ela queria era estar em casa, uma vez que seus pais estavam sereconciliando aps uma segunda separao. Ela se mostra madura o suficiente para vivenciar

    sua casa, sabendo que o papai sofre sem a mame. Por mais que ela tivesse sido cuidada pela

    figura paterna durante a separao, ela no foi dominada pelo Complexo de dipo, analisando

    que a mame faz meu papai mais feliz, ento, prefere todos juntos (Fig. 5) Minha me,

    meu pai e eu sendo que esse desenho foi elaborado durante um dos momentos de

    separao.

    (Figura 4 Desenho de Simone, 4 anos, em 22/08/2007 aps reconciliao dos pais)

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    Outra experincia interessante aconteceu quando fizemos uma experincia utilizando

    vela. Nessa escola, escolho um tema para realizar projetos semanais ou quinzenais. Estvamos

    trabalhando o tema Castelo, para depois entrarmos em Contos de Fadas. A experincia

    consistia em grudar uma vela usando fogo. Depois disso, conversamos sobre o perigo que o

    fogo pode causar. E eles ficaram curiosos, se a vela/fogo queimava e como era. Perguntei a

    eles o que poderamos queimar para fazer essa experincia... A grande maioria da classe

    respondeu a bruxa!. Somente o Leonardo disse que deveria ser o cavaleiro do mal. Abro

    um espao na descrio dos fatos para relacionar tais falas com a fase edpica vivenciada poressas crianas, assim como j foi citado anteriormente. Enfim, cortei um bonequinho de papel

    para jogarmos no fogo. Eles adoraram! Realizaram-se, e at sorriram! As cinzas mal voaram e

    eles pediram para queimarmos mais! Eu disse que no seria possvel, pois no quis passar a

    idia de queimar pessoas, e tambm, que na verdade, no podemos por fogo naqueles que ns

    acreditamos que nos prejudicam. Perguntei por que eles queriam queimar mais um... E um

    deles respondeu: Porque eles so maus!. Dessa forma, ainda no sei se minha postura foi a

    mais adequada, mas sugeri que rabiscassem bem forte num papel, colocando nele todosnossos maus sentimentos, tudo de ruim... Para que a gente queimasse e ficasse somente com

    (Figura 5 Desenho de Simone, 4 anos, em 01/06/2007 durante separao dos pais)

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    as coisas boas. Essa experincia vai de encontro com a afirmao de BETELLHEIM (1980):

    mitos e contos de fadas sugerem ritos de passagem, pois permitem a morte do velho, de algo

    de ruim em si para a construo de algo novo.

    Depois dessa experincia, fizemos um registro do que produzimos que ficou da seguinte

    maneira:

    - A GENTE USOU WATER (GUA), FIRE (FOGO) ECANDLE (VELA). E UMA BOWL (VASILHA).- A GENTE QUEIMOU AS COISAS MS.- A GENTE TIROU AS COISAS RUINS DA GENTE- O FOGO APAGA COM WIND (VENTO) E WATER (GUA).- O FOGO FAZ LIGHT (LUZ)- O FIRE (FOGO) FAZ O DARK (ESCURO) FICAR CLARO.

    O desenho mais interessante, que ilustrou o registro escrito feito por mim enquanto

    professora, foi o do Bruno (Fig. 6), seguido da seguinte explicao: Esse o boneco, esses

    so os alunos e o fsforo ps fogo. A, a gente queimou tudinho, o papel tambm.

    Note a expresso realizada dos alunos, e a semelhana da bruxa, bonequinho ou

    cavaleiro do mal com eles mesmos, no entanto, com os membros e mesmo com todo seu

    corpo, maior do que o dos referidos alunos. Dessa forma, no seria to absurdo afirmar que

    inconscientemente, ele quis queimar sim, a bruxa, ou o cavaleiro do mal... Que segundo

    Bettelheim (1980), seria o adulto do sexo oposto, representado dessa forma para auxiliar na

    resoluo da fase edpica.

    Fig. 6 Desenho do Bruno sobre a experincia da vela, em 12/09/2007.

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    Para finalizar o projeto de conto de fadas, brincamos no parque: inventamos um pega-

    pega em que as crianas deveriam fugir da bruxa (professora)... No decorrer da brincadeira, as

    crianas se juntaram e foram pegar a bruxa... Cada um se tornou um super-heri (Batman,

    Homem-Aranha, Mulher Gato, enfim, eles formaram a Liga da Justia) para derrotar a

    bruxa com super-poderes. Foi um momento extremamente gratificante, pois os alunos

    extravasaram seus desejos de punir a bruxa, e tudo o que essa figura representa, sem ao menos

    encostar-se professora, ou seja, resolvendo seus conflitos com uma brincadeira imaginria.

    Outro fato a destacar que nesse dia um menino que no freqentava o perodo integral ficou

    na escola excepcionalmente nesse horrio, e ele foi o nico a bater de verdade, quando se viu

    ameaado pela bruxa que iria peg-lo. Dessa forma, finalizamos o trabalho com xito,

    observando que as crianas que elaboraram suas idias, vivenciaram os contos de fadas erelataram seus sonhos, tiveram um melhor desenvolvimento de sua personalidade.

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    3. CONSIDERAES FINAIS

    Essa abordagem psicopedaggica da escola faz sentido e pode ser justificada por um

    trecho da obra de Furlanetto (1989):

    (...) Jung aborda a importncia dos professores possurem um conhecimentopsquico aprofundado que no deve ser transmitido s crianas, mas sim servir deinstrumento para o trabalho efetuado com elas.

    Ele v a escola como um local que auxilia a criana no desenvolvimento de suaconscincia. Acredita que se no houvesse escolas, as crianas continuariam numgrau de inconscincia muito maior, comeariam a vida num estado de culturaconsideravelmente inferior. (...)

    Ele aponta o papel importante desempenhado pela escola nesse processo, porser o 1 ambiente em que a criana encontra-se fora da famlia. A tarefa do

    professor, passa a ser, ento, no s trabalhar com o conhecimento, sobre apersonalidade da criana no mnimo, to importante quanto a transmisso deconhecimentos. Contribuir para que a criana perceba que ela est destinada aomundo e no s a ser filha de seus pais, fundamental na escola. (FURLANETTO,1989, p.19)

    Os sonhos esto presentes no dia-a-dia de todos, assim como os contos de fadas. Por mais

    que haja controvrsias, sobretudo no que diz respeito fabricao de imagens vendidas pela

    mdia o que j foi discutido anteriormente -, atualmente h muitas produes derivadas dos

    contos.

    Nesse ano, foi lanado o terceiro filme do Sherek (Sherek Terceiro) um filme que

    explora e satiriza com os tradicionais contos de fadas. Bem como a estria de mais um livro e

    filme do Harry Potter, uma obra com novo estilo que est sendo analisada com enfoque

    similar ao que damos aos contos de fadas devido magia, encantamento e por tambm

    trabalhar questes cotidianas. Jung (1996) explicou o termo judeu Golem como sendo um

    monstro nascido do barro para causar desgraar. Ser que na trilogia do filme Senhor dos

    Anis o autor fez esse estudo ao nomear o pequeno Gollum para representar o lado mau do

    pobre Smeagol? Essa obra tambm trabalha questes do bem e mau, questes de separao,

    personagens que perderam a famlia; no entanto, tambm insere seres mitolgicos, como o

    caso dos Elfos.

    Apesar dos desenhos atuais trazerem esteretipos e banalizarem a real essncia dos contos

    de fadas, que seria trabalhar com o imaginrio, uma das coisas mais interessante ocorrida ao

    longo da coleta de dados foi o fato de os alunos perceberem o sonho como algo presente no

    nosso dia-a-dia, no apenas durante o sono, mas em outros momentos. Os alunos citados no

    decorrer desse trabalho contaram, por exemplo, que num episdio do desenho Power Rangers,um personagem teve um pesadelo revelador, que mostra um ataque dos inimigos sobre eles.

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    Ora, a questo de revelar, mostrar algo obscuro mostra para a criana que ao reparar em seus

    prprios sonhos muitas coisas podem ser reveladas. Dessa forma, com o arsenal dos contos de

    fadas como elementos auxiliadores, a criana poder crescer e combater os inimigos

    apresentados pela vida.

    Os adultos frequentemente acham que a punio cruel de uma pessoa malvada nos contos

    de fadas perturba e amedronta as crianas desnecessariamente. O oposto verdadeiro: esta

    retribuio assegura criana de que cabe castigar o crime. (BETTELHEIM, 1980, p.174).

    Dessa maneira, esse autor afirma que quando solicitada a escolher seu conto preferido,

    geralmente a criana no escolhe um conto moderno.

    Ainda sob as palavras do mesmo autor: A maioria das crianas agora conhece os contos

    de fadas s em verses amesquinhadas e simplificadas, que amortecem os significados eroubam-nas de todo o significado mais profundo verses como as dos filmes e espetculos

    de TV, onde os contos de fadas so transformados em diverso vazia. (BETTELHIEM,

    1980, p.32)

    De qualquer forma, nesses exemplos h momentos em que os personagens sonham com

    coisas reveladoras, sustos acontecidos recentemente ou pesadelos. Assim, mostramos que

    sonhos e contos de fadas esto intimamente ligados, se no, inerentes um ao outro.

    Uma coleta de dados pde mostrar essa relao, e ainda, apresenta-se como uma timaproposta de trabalho para professores atuantes em sala de aula. Um breve exemplo da ligao

    entre sonhos e contos de fadas pde ser vista numa simples lio, onde pedi para minha aluna

    Heloisa, do 4 ano do Ensino Fundamental, continuar a seguinte frase Era uma vez.... Essa

    tarefa foi solicitada para sondagem de escrita pelo fato de ser uma criana recm chegada de

    outro pas. Depois de correes na Lngua Portuguesa, o texto ficou assim:

    Um Sonho para ElisabethEra uma vez...Uma princesa chamada Elisabeth, quando ela era pequena, os pais dela morreram.Ela muito linda, igual a um anjo, as amigas dela so passarinhos, ratinhos etc...Um dia, a princesa sonhou que os pais dela estavam vivos e a me dela falou:- Tem uma pessoa que eu quero que case com voc.A Beth perguntou:- Quem ?A me respondeu:- Pode vir.A Beth foi, e depois falou:- Que lindo!Ele falou:- Eu sou um prncipe, quer se casar comigo?A Beth respondeu:- Quero!!!O prncipe casou com a Beth, e eles viveram felizes para sempre.

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    Mas depois, um passarinho falou:- Beth, Beth.A Beth v e depois fala:-Ai, um sonho.

    Pedi para que ela ilustrasse seu trabalho, e ela o fez conforme podemos observar na figura7.

    Nota-se que em seu texto ela insere elementos dos contos de fadas em um possvel sonho.

    O fato dos pais morrerem tema to recorrente nesse gnero literrio pode ser tambm um

    medo de Heloisa. E vai alm, pois mostra que j assimilou que o clebre felizes para

    sempre no pode de fato ocorrer, a no ser em um conto, por esse motivo, usa-o em umsonho, (quer seja momento de repouso, como tambm, como algo inatingvel, ambos

    representando vontades inconscientes na busca pela felicidade,