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Contra novas tragédias

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Pesquisa FAPESP - Ed. 171

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PESQUISA FAPESP 1XX n nonono DE 2010 n 3

o asteroide 24 Themis, recriado na concepção artística ao fundo, está coberto por uma camada de gelo e tem sinais de moléculas orgânicas. É a primeira vez que água congelada é detectada num asteroide, um tipo de corpo celeste considerado extremamente seco. A descoberta, publicada na revista Nature, é de duas equipes internacionais, uma delas com participação da astrofísica Thais Mothé Diniz, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e reforça a teoria de que a água dos oceanos e o carbono da Terra, pré-requisitos para a geração da vida, podem ter vindo de cometas ou asteroides que se chocaram com o nosso planeta na formação do sistema solar. “24 Themis mantém essa capa de gelo provavelmente desde que a Terra se formou”, diz Thais. o asteroide fica a meio caminho entre Marte e Júpiter.G

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Água no espaço

imagem do mês

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l7l I MAIO 2010

SEÇÕES

3 IMAGEM DO MÊS

6 CARTAS

7 CARTA DA EDITORA

8 MEMÓRIA

22 ESTRATÉGIAS

42 LABORATÓRIO

62 SCIELO NOTíCIAS

64 LINHA DE PRODUÇÃO

94 RESENHA

95 LIVROS

96 FiCÇÃO

98 CLASSIFICADOS

WWW.REVISTAPESOUISA.FAPESP.BR

I CAPA16 Estudo indica os pontos

mais vulneráveis daRegião Metropolitanade São Paulo e mostraa necessidade de umnovo modelo deocupação e mobilidade

ENTREVISTA10 O geógrafo Carlos

Augusto de FigueiredoMonteiro, um dospioneiros da climatologiano Brasil, analisa oespaço e as estruturassociais por meio dasobras de GuimarãesRosa e Shakespeare

CAPA LAURA DAVINAFOTO TUCA VIEIRA!FOLHAPRESSENCHENTE NO BAIRRO JARDIMJUSSARA. ZONA OESTE DESÃO PAULO, 2005

28

POLíTICA CIENTíFICA E TECNOLÓGICA CIÊNCIA

28 PLANEJAMENTOConferência de C&T&Ireúne comunidadeacadêmica paulista paradiscutir os desafios nospróximos 15 anos

38 BIODIVERSIDADEO biólogo ThomasLovejoy diz que épreciso restaurar parteda Amazônia desmatadapara salvar a floresta

46 NEUROFISIOLOGIATemores provocadospor razões distintasacionam regiõesdiferentes no cérebro

5E

36 CIÊNCIA DACOMPUTAÇÃOPesquisadores doInstituto MicrosoftResearch-FAPESPapresentam seusprojetos nos EUA

50 BIOLOGIA CELULARCélulas-tronco adultasestimulam formação devasos sanguíneos nocoração, mas não gerammúsculo cardíaco

41 HOMENAGEMDaniel Hogan, mortoaos 67 anos, alertousobre os impactos dasmudanças climáticasnos centros urbanos

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52 ECOLOGIAAbelhas ganham valorna produção agrícola

56 COMPORTAMENTOANIMALFêmeas de aracnídeocom organização socialcomplexa se deixamdevorar pela prole

58 OCEANOGRAFIACanal aberto em 1855facilito~ espalhamentode metais pesados nolitoral sul de São Paulo

60 FíSICAEstudo explica porque ocorrem descargaselétricas em nuvensde areia ou decinzas vulcânicas

TECNOLOGIA

68 NOVOS MATERIAISResíduos da queimado bagaço de cana-de--açúcar podem substituirparte da areia usada naconstrução civil

72 NANOTECNOLOGIAUnesp desenvolvematerial que geraenergia elétricaquando pressionado

76 ENGENHARIAELÉTRICAPolímerosluminescentes sãocotados para substituirtelas de LCD

HUMANIDADES

80 HISTÓRIAEstudos sobreo arquivo Deops-SPrevelam comofuncionava a lógicada repressão nostempos da ditadura

86 ARQUEOLOGIAPesquisadores doLabeca dão significadomais amplo ao conceitode pólis grega

90 LITERATURAMais do que a poesiaou a prosa, foi o teatroa grande influênciade Machado de Assis,indicam novos estudos

Page 6: Contra novas tragédias

FUNDAÇÃODE AMPAROÀ PESQUISADO ESTADODE SÃO PAULO

CELSO LAFERPRESIDENTE

.rost ARANA VARELAVICE·PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIOR

CELSO LAFER, EDUARDO MOACYR KRIEGER, HORÁCIO LAFER PIVA,HERMAN JACOBUS CORNElIS VOORWALD, JOst ARA NA VARELA,JOst DE SOUZA MARTlNS, JOSt TADEU JORGE. LUIZ GONZAGABELLUZZO, SEDI HIRANO, SUELY VILELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN,YOSHIAKI NAKANO

CONSELHO TtCNICO'ADMINISTRATIVO

RICARDO RENZO BRENTANIDIRETOR PRESIDENTE

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZDIRETOR CIENTfrlCO

JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLERDIRETOR ADMINISTRATIVO

CONSELHO EDITORIALLUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENT{FICO),CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, CYLON GONÇALVES DA SILVA,FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTlNHO, JOAQUIM J. DE CAMARGOENGLER, JOÃO fURTADO, JOSÉ ROBERTO PARRA, Luís AUGUSTOBARBOSA CORTEZ, LUiS FERNANDES LOPEZ, MARIE ANNE VAN SLUYS,MÁRIO JOSt ABDALLA SAAD, PAULA MONTERO, RICARDO RENZOBRENTANI, SÉRGIO QUE1ROZ, WAGNER DO AMARAL, WALTER COLlI

DIRETORA DE REDAÇÃOMARILUCE MOURA

EDITOR CHEFENELDSON MARCOllN

EDITORES EXECUTIVOSCARLOS HAAG (HUMANIDADES),FABRfClO MARQUES (POLfTlCA),MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA),RICARDO ZORZETTO (CiêNCIA)

EDITORES ESPECIAISCARLOS flORAVANTI, MARCOS PIVETTA (EDiÇÃO ON-LlN[)

EDITORAS ASSISTENTESDlNORAH ERENO, MARIA GUIMARÃES

REVISÃOMÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGO NEGRO

EDITORA DE ARTELAURA DAVINA E MAYUMI OKUYAMA (COORDENAÇÃO)

ARTEMARIA CECILIA FELU E JÚLlA CHEREM RODRIGUES

FOTÓGRAFOEDUARDO CESAR

WEBMASTERSOLON MACEDONIA SOARES

SECRETARIA DA REDAÇÃOANDRESSA MATIAS

COLABORADORESANA LIMA, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), DANILQ ZAMBONI,EVANILDO DA SILVEIRA, FRANCISCO BICUDO. JOSElIA AGUIAR, JÚNIORSUC!, LAURABEATRIZ, VANESSA BARBARA E YURI VASCONCELOS

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SECRETARIA 00 ENSINO SUPERIORGOVERNO 00 ESTADO DE SÃO PAULO

Fontes MistasGrupo de produto provenitnttdt flore$tas bem manejadase cetres fcntes ccntrctadaswww.fsc.org cert no. IMO,COC-42n52C 1996 FortSlStewardslllpCOllncit

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INSTITUTO VERlrtCADOR DE CIRCULAÇÃO

6 • MAIO DE 2010 • PESQUISA F'APESP 171

[email protected]

que mais me tocou na escritora norte-americana foi o esforço em interpretarnosso país e nossa cultura.

FRANCISCO J.B. SÁ

Salvador, BA

Se, como afirmado no subtítulo "Pro-blemas pontuais no trabalho do IPCCalimentam campanha contra o painel"(da reportagem "Cientistas sob ataque':edição 170), os críticos (cientistas defato) fazem "campanha contra", nãoseria possível também que o painel es-teja simplesmente a serviço de organi-zações financeiras e mercantilistas (jáque a maioria dos integrantes do pai-nel são economistas ou beneficiáriosda Unesco), que têm como atividadefim o comércio de carbono ou carbo-negócio, com operações no mercadofinanceiro? Nossa FAPESP não merecenotícias tipo "Datena', pois cremos queela nos represente.

URIEL DUARTE

Instituto de Geociências/USPSão Paulo, SP

Seringueira

Parabéns pela reportagem "Madei-ra de borracha" (edição 170) sobre aseringueira. Aproveito para sugerirtambém uma matéria sobre o bambu,sob o ponto de vista da sua industria-lização. Atualmente o CNPq financia12 grupos de pesquisa sobre o bambuno Brasil; haverá, inclusive, um en-contro nacional em agosto, no Acre.Também já recebi apoio da FAPESPpara a pesquisa sobre a preservaçãoquímica do bambu.

ANTONIO L. BERALDO

Faculdade de Engenharia Agrícola/UnicampCampinas, SP

Cartas para esta revista devem ser enviadas parao e-mail [email protected] ou para a rua JoaquimAntunes, 727 - 10° andar - CEP 05415-001 . Pinheiros -São Paulo, SP.As cartas poderão ser resumidaspor motivo de espaço e clareza.

--...•..••..-.-...-EntreHOMEM,--MULHER

Ambiguidade sexual

Parabéns à Pesquisa FAPESP. Sãomuitas reportagens interessantes queenriquecem o nosso conhecimento eaguçam a curiosidade. "Limites incer-tos" (capa da edição 170) é uma provadisso. Ela é fantástica e mostra que te-mos muitos pesquisadores em buscade respostas para o que encontramosno dia a dia. Como consequência,pode ajudar a tratar mais gente comproblemas. Continuem assim.

MOLINE SEVERINO LEMOS

Universidade Federal de UberlândiaUberlândia, MG

Ataques ao IPCC

Cientistas se equivocam, como mostrao caso do relatório do Painel Intergo-vernamental de Mudanças Climáticas(IPCC). Foi uma felicidade que "as ro-bustas conclusões dos relatórios conti-nuam válidas e não foram arranhadasnem pelos equívocos nem pelos ata-ques dos grupos ligados a interesseseconômicos", como disse o cientistabrasileiro Carlos Nobre na reporta-gem "Cientistas sob ataque" (edição170). De agora em diante será neces-sário um monitoramento mais sérioe responsável dos relatórios para quenão surjam versões fantasiosas sobre oclima e seus efeitos em diversos paísesdo mundo. Sobre a reportagem "Nemtão longe de Nova York" (edição 169),relativa à obra de Elizabeth Bishop, o

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PESQUISA FAPESP 171 n maio DE 2010 n 7

De tragédias, medos e riso

Mariluce Moura - Diretora de Redação

carta da editora

P arte nada desprezível das piores imagens de dor e desespero que transbordaram da mídia na sequên cia das chuvas intensas que caíram sobre

São Paulo, Rio de Janeiro e tantas outras cidades bra-sileiras nestes primeiros meses do ano está inapelavel-mente ligada – e cansados estamos todos de sabê-lo – à precariedade material da vida de vastas parcelas da população urbana no país. Aos riscos extremos, se preferirmos, inerentes aos modos como se inserem no tecido urbano, chamem-se os aglomerados de suas moradias favelas, invasões, cortiços ou outra denomi-nação qualquer. São todas formas frágeis de habitação a clamar há décadas por políticas públicas eficientes e que se estendem por gigantescas áreas vulneráveis a qualquer evento meteorológico ou climático um tan-to mais forte. Outra parte das cenas pós-chuvas que se reproduziram à náusea nestes meses para a opinião pública brasileira pode estar relacionada ao excesso de concreto, à falta de áreas verdes, às dificuldades de circulação de ar em cidades como São Paulo, por exemplo, provocadas pela implantação de prédios muito altos e muito próximos uns dos outros – a uma mudança climática, enfim, não necessariamente produzida pelo aquecimento global, mas gerada por um fenômeno local.

Importante, entretanto, é enfatizar que os chama-dos eventos extremos de curta duração – dos quais as citadas chuvas são um exemplo – devem se inten-sificar nos próximos anos, segundo os estudiosos do tema. E muitos deles estão empenhados não apenas em compreender melhor tais fenômenos, como em oferecer sólidas ferramentas científicas para embasar políticas públicas capazes de enfrentá-los num no-vo patamar. Nesse quadro é que se insere o projeto “Identificação das vulnerabilidades das megacidades brasileiras às mudanças climáticas”, objeto da bela re-portagem de capa desta edição, a partir da página 16, assinada pela editora assistente de tecnologia Dinorah Ereno. Trata-se de um amplo estudo articulado com o programa internacional Megacidades, realizado no âmbito da Rede Brasileira de Pesquisas em Mudan-ças Climáticas e do Instituto Nacional de Ciência e

Tecnologia para Mudanças Climáticas sob a coorde-nação do climatologista Carlos Nobre e, até recente-mente, também do demógrafo Daniel Joseph Hogan, falecido precocemente no último dia 27 de abril. O primeiro fruto do projeto é o mapa de vulnerabili-dades da Região Metropolitana de São Paulo, a ser apresentado em breve às autoridades governamentais, que, entre outras indicações, mostra as áreas de maior risco de deslizamento de encostas e inundações hoje e sua projeção para 2030, se nada se fizer em relação ao modelo até aqui adotado de expansão urbana em São Paulo, com a ocupação desordenada de áreas periféricas, entre outros problemas.

Gostaria de destacar ainda brevemente nesta edi-ção, primeiro, a reportagem de abertura da seção de ciência, elaborada pelo editor Ricardo Zorzetto, na qual ele trata de um estudo que propõe, com base em experiências com modelos animais, que o caminho percorrido pelo medo no cérebro não é único e que, a depender da situação que gera esse sentimento primário, diferentes circuitos celulares são acionados (página 46); também a reportagem de abertura das humanidades, na qual o editor Car-los Haag trata de novos estudos que vão trazendo à luz a lógica da repressão da ditadura brasileira de 1964 a 1985, por meio dos documentos dos próprios arquivos policiais da repressão, como os relatórios elaborados por agentes responsáveis por prisões e torturas (página 80); e por fim, na seção de políti-ca científica e tecnológica, a reportagem do editor Fabrício Marques que dá uma visão extremamente fiel da Conferência Paulista de Ciência, Tecnologia e Inovação, uma preparação das mais importantes para a Conferência Nacional que acontecerá em Brasília de 26 a 28 deste mês de maio.

Depois de tantos temas densos, às vezes graves, permito-me sugerir aos leitores que concluam a lei-tura da revista pelo conto de Vanessa Barbara, na página 96. Além de muito bom, é hilariante, tanto que me peguei, ao lê-lo, rindo quase tanto quanto o faço a cada vez que revejo Peter Sellers, impagável, em Um convidado bem trapalhão.

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8 n maio DE 2010 n PESQUISA FAPESP 171

Acontratação de cientistas pelo Estado para realizar estudos sobre a natureza e aprimorar tecnologias está longe de ser uma iniciativa recente no Brasil. No final do século XVIII a Corte portuguesa determinou expressamente aos governadores das capitanias brasileiras a admissão de naturalistas com o objetivo de fazer mapas do território, realizar prospecção

mineral e desenvolver e disseminar técnicas agrícolas mais eficientes. Tudo para tentar gerar mais divisas e ajudar a equilibrar as periclitantes contas do reino de Portugal.

A ordem para buscar os homens de ciência capazes de pesquisar a natureza brasileira partiu de dom Rodrigo de Sousa Coutinho ao assumir a Secretaria de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinhos, em 1796, e formular uma nova política para a administração do Império colonial português. Para ele, era urgente conhecer a utilidade econômica das espécies nativas e investigar o verdadeiro potencial mineral das terras de além-mar. Aos governadores de cada capitania

A ciência no Brasil Colônia

Corte portuguesa contratou há 214 anos naturalistas para conhecer melhor as riquezas naturais do país

Neldson Marcolin

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memória

Interior de São Paulo no século XIX retratado no quadro Pirapora do Curuçá (hoje Tietê), 1826, de Zilda Pereira

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PESQUISA FAPESP 171 n maio DE 2010 n 9

cabia acompanhar os trabalhos e relatar à Corte os progressos em curso.

Foram contratados naturalistas em Minas Gerais, em Pernambuco, na Bahia e no Ceará. Em São Paulo, o governador Antônio Manuel de Melo Castro e Mendonça admitiu João Manso Pereira, um químico autodidata, versado em idiomas como grego, hebraico e francês e professor de gramática, envolvido em ampla gama de atividades. “Manso é um caso notável de autodidatismo que, sem nunca ter saído do Brasil, procurava estar atualizado com as novidades científicas que circulavam no exterior”, diz o historiador Alex Gonçalves Varela, pesquisador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast) e autor do livro Atividades científicas na “Bela e Bárbara” capitania de São Paulo (1796-1823)

Resultado de estudo de João Manso (esq.) e retrato de Martim Francisco: homens ilustrados

período. Martim chegou a ministro da Fazenda e participou do que ficou conhecido como “gabinete dos Andradas”, convidado pelo irmão, em 1822. De acordo com Varela, o trabalho científico dos três naturalistas foi de extrema relevância para ajudar o governo luso a conhecer de forma detalhada a capitania paulista e seus recursos naturais.

“A ciência e a técnica brasileira não é algo tão recente como se afirmava até meados dos anos 1980 e não passou a ser praticada aqui apenas depois que surgiram os institutos biomédicos no final do século XIX e começo do século XX”, afirma o historiador. “Há numerosos exemplos de homens ilustrados investigando a natureza, trabalhando com uma ciência utilitarista e produzindo conhecimento no período do Brasil Colônia.” Por fim, uma curiosidade: os termos naturalista e filósofo natural ainda são usados pelos historiadores para se referir aos homens de ciência da época porque a palavra cientista não existia até 1833. Naquele ano, ela foi utilizada pela primeira vez pelo polímata William Whewell, que criou o neologismo para se referir às pessoas presentes em uma reunião da Associação Britânica para o Avanço da Ciência.

(Editora Annablume, 2009). O químico era inventor e publicou diversas memórias científicas, da reforma de alambiques e transporte de aguardente à construção de nitreiras para produzir salitre. Mas fracassou no projeto de instalação de uma fábrica de ferro. “Foi quando seu didatismo mostrou ter limites.”

Em 1803 foi nomeado para seu lugar Martim Francisco Ribeiro de Andrada e Silva pelo governador Antônio José de Franca e Horta. Irmão de José Bonifácio – que viria a ter papel relevante na história da Independência –, Martim era diferente de João Manso. Tinha uma formação acadêmica sólida,

andou pela Europa e estudou na Universidade de Coimbra. Tradutor de obras científicas, fez numerosas viagens pelo território paulista e foi um difusor das ciências mineralógicas na época. “Ele seguia o conjunto de práticas científicas do período, ou seja, descrição, identificação e classificação dos minerais em seu local de ocorrência”, conta Varela. Anos mais tarde, Martim e Bonifácio realizaram juntos uma conhecida exploração pelo interior paulista (ver Pesquisa FAPESP edição 96).

João Manso, Martim e Bonifácio tinham em comum o conhecimento enciclopédico e uma forte ligação com a política do

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10 n maio DE 2010 n PESQUISA FAPESP 171

Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro

O geógrafo literárioUm dos pioneiros da climatologia no Brasil analisa o espaço e as estruturas sociais por meio das obras de Guimarães Rosa e Shakespeare

Meses atrás, o geógrafo Carlos Augusto de Fi-gueiredo Monteiro festejou a chegada da obra completa do poeta norte-americano Wallace Stevens, que recebera dos Estados Unidos. Os livros foram arrumados ao lado dos de Jorge Luis Borges, Guimarães Rosa, Shakespeare, Ja-mes Joyce e Euclides da Cunha que reinam na

estante de sua sala de trabalho, misturados com objetos que trouxe do Nepal, da Índia e de Minas Gerais, ao lado da boneca Betty Boop. Aos 86 anos, o geógrafo que ajudou a criar as bases da climatologia no Brasil lê e escreve sobre literatura todos os dias. Tão logo se aposentou da Uni-versidade de São Paulo (USP), em 1987, Monteiro passou a limpo 40 anos de trabalhos pioneiros em climatologia, realizados no Rio de Janeiro, Santa Catarina, Brasília e São Paulo. Seus estudos levaram a novas abordagens para a análise do clima urbano, detalhadas em 1974 no livro Clima urbano, e ganharam uma síntese em Clima e excep­cionalismo, de 1991. Só então se entregou a outras duas paixões, a literatura e a filosofia, e escreveu mais um livro, O mapa e a trama, em que analisa a obra de escritores co-mo Guimarães Rosa, Graciliano Ramos e Graça Aranha do ponto de vista da geografia e das estruturas sociais. Antes de começar a conversa em seu apartamento, em Campinas, Monteiro põe na mesa livros que escreveu, desenhos que fez (alguns reproduzidos nas páginas seguintes) e fotos de Teresina (PI), de onde partiu aos 18 anos e sobre a qual já escreveu cinco volumes, usando a história da família como pretexto para tratar das transformações da cidade, da sociedade e do mundo. O geógrafo raramente concede entrevistas, mas decidiu conversar sobre geografia, litera-tura e, claro, seu passado como pesquisador.

Carlos Fioravanti

entrevista

Como era a Teresina de 1945, quando o se­■nnhor saiu de lá?

Teresina na época tinha uns 40 mil habi- —tantes. Foi a primeira cidade do Brasil cons-truída para ser capital; o pessoal pensa que foi Belo Horizonte, mas Belo Horizonte tem um século, que completou em 1997. Teresina foi a primeira a ser construída como um ta-buleiro de xadrez, a segunda foi Aracaju. Saí de lá com 18 anos e fui para o Rio de Janeiro. Nos dois primeiros anos não pude estudar. Precisava trabalhar.

O que o senhor fazia? ■nPassei dois anos fazendo de tudo: cobrança, —

batendo perna pelo Rio de Janeiro, e depois em um trabalho de extranumerário no Ministério de Educação e Saúde, no morro da Viúva. Em 1947 comecei o curso na Faculdade Nacional de Filosofia, da Universidade do Brasil. Entrei por história e acabei me desviando para geo-grafia – era mais dinâmico, tinha trabalho de campo, e minha meta sempre foi pesquisar. Quando eu estava no primeiro ano do curso o professor Francis Ruellan, que era consultor do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], convidou os alunos para se juntar à equipe do Conselho Nacional de Geogra-fia e participar de um dos levantamentos da nova capital do Brasil no Planalto Central. Foi meu batismo de campo. Era para passar o mês de julho, mas ficamos julho e agosto.

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PESQUISA FAPESP 171 n maio DE 2010 n 11

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12 n maio DE 2010 n PESQUISA FAPESP 171

Como foi sua volta?■nVoltei da França e o IBGE estava —

meio atrapalhado, não se fazia muito trabalho de campo. Contei a uma ami-ga, Maria Conceição Vicente de Carva-lho, filha do poeta e primeira doutora em geografia no Brasil. Ela encontrou o professor João Dias da Silveira, que es-tava organizando um departamento de geografia numa faculdade catarinense de filosofia. Mas aí veio Jânio Quadros e disse que não queria mais ninguém de São Paulo à disposição dos outros estados. Silveira teve de voltar, mas me recomendou. Não precisei sair do IBGE para ir à universidade porque Santa Catarina era um dos raros estados que tinham serviço de geografia e carto-grafia. Principiei por onde os outros terminam – era chefe do departamento e membro do conselho técnico. Nunca mais na minha vida quis ser chefe de departamento, tenho horror à adminis-tração. Trabalhava à tarde e à noite lá e de manhã no departamento estadual de geografia e cartografia.

Quantos anos ficou lá?■nDe 1955 a 1959. Em 1960 fui para —

Rio Claro. Carvalho Pinto [governador de São Paulo] estava criando os Insti-tutos Isolados de Ensino Superior, es-palhados por São Paulo, que depois se juntaram na Unesp [Universidade Esta-dual Paulista] atual. Em Santa Catarina comecei a mudar meu paradigma do clima. Foi lá que publiquei os primeiros artigos criticando essa história de “o clima é um estado médio” e que “o cli-ma devia ser uma visão dinâmica”. Isso não nasceu da minha cabeça, mas da crítica de um grande geógrafo francês, Maximilian Sorre. Ele era da geografia humana e dizia que o estudo do clima baseado em média de um lugar não acertava bem para a atividade humana. De 1955 a 1960 publiquei vários artigos, baseados em meteorologistas brasilei-ros, Adalberto Serra e Leandro Ratis-bonna – esses caras eram politécnicos, formados em engenharia, e começaram a meteorologia no Brasil. Em 1963 saiu o estudo Geografia regional do Brasil, do IBGE. No capítulo que escrevi, sobre o clima da Região Sul, peguei o que tinha aprendido com Adalberto Serra e fiz uma coisa mais acessível, porque ele era muito confuso. Mostrei que todo o tempo no Brasil vem do Sul para o

Quando voltei, tinha perdido o empre-go porque tinha levado mais de 30 dias. Os colegas do conselho ficaram com pena e perguntaram a Fábio [de Macedo Soa-res] Guimarães, diretor do conselho, se eu não poderia ser incluído entre os geó grafos auxiliares. Ele me contratou e tive a oportunidade maravilhosa de fa-zer o curso da faculdade, vendo a teoria ao mesmo tempo que fazia pesquisa no IBGE. Tinha aula de manhã, às vezes à tarde, e trabalhava até a noite.

Como era a geografia dessa época?■nA geografia tinha uma visão muito —

otimista porque estávamos vivendo uma nova fase. Antes de 1935 já havia geógrafos sem formação acadêmica, eram autodidatas que trabalhavam nos institutos históricos e geográficos, formados em engenharia, direito, me-dicina, como Raja Gabaglia, que era professor do Colégio Pedro II, e Del-gado de Carvalho. Somos da geração que pegou a Faculdade de Filosofia no curso de geografia e história, que só foram separadas em 1957. Nossa gera-ção se achava revolucionária. Fizemos a geografia moderna, típica, que não só descrevia, mas explicava as coisas.

De linha francesa?■nDe linha francesa e tutelada pela —

França. Os primeiros professores de geo grafia, história, sociologia da Fa-culdade de Filosofia vieram todos da França. Em 1956 o Brasil sediou o Con-gresso Internacional de Geografia, que mostrou a nova geração de geógrafos brasileiros, do IBGE, da universidade e da Associação dos Geógrafos Brasi-leiros (AGB). Nossos geógrafos foram os guias de cinco excursões, uma pa-ra cada região do país, e organizavam para os geógrafos de mais categoria serem recebidos nas casas de grandes famílias do Rio, como as de Marcos Carneiro de Mendonça e de Anna Amélia Carneiro de Mendonça. Ter-minei o curso em 1950. Em 1951, no Dia de Finados, fui para a França, com uma bolsa de estudos, e passei lá dois anos. Por causa do Ruellan, fui mais para o lado da natureza. Também por um lado de timidez, porque eu, para sair e ver o relevo, tinha que observar ou fazer poucas perguntas: Que pro-fundidade se encontra água nesse po-ço? Quais são os meses de chuva? Na

eu queria fazer uma climatologia em que a atmosfera fosse vista dentro de uma perspectiva relacionada com a atividade humana

geo grafia humana você vai perguntar sobre a produção, as pessoas pensam que é o governo cobrando imposto e eu sempre ficava meio constrangido.

Por que escolheu climatologia?■nEra a área mais carente. Em geomor- —

fologia havia o Aziz Ab’Saber, [João Jo-sé] Bigarella no Paraná, Gilberto Osório [de Oliveira Andrade] em Pernambuco, muita gente boa. Eu tinha tido um cur-so ruim de meteorologia, tanto aqui quanto na França. Achava que aquilo não era a climatologia de que a geo-grafia precisava, principalmente para relacionar com o lado humanístico da geografia. Eu queria fazer uma coisa em que a atmosfera fosse vista dentro daquela perspectiva, relacionada com o homem. Mas era preciso mudar o para-digma dado pela meteorologia, o “esta-do médio dos elementos da atmosfera sobre um determinado lugar”. O clima ainda era uma coisa muito estática; se dizia que pela média você chegava à conclusão. Se você aplicasse a classi-ficação de Köppen [Köppen-Geiger], ia concluir que Belém do Pará tinha o mesmo clima de Santos, o que é um absurdo, porque Belém nunca teve uma onda de frio e Santos, no inverno, está sujeita a dias de passagem frontal que baixa a temperatura e ninguém tem coragem de ir à praia, algo difícil de acontecer em Belém...

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Norte, a frente polar, procurando dar um aspecto mais didático a conceitos como o de onda de frio. Em 1942 Ser-ra e Ratisbonna haviam publicado um trabalho clássico, “Ondas de frio na ba-cia amazônica”, dizendo que quando havia friagem no Acre e na Amazônia ocidental era o degelo das cordilhei-ras dos Andes, o que é uma estupidez, porque uma coisa que descesse não era para resfriar, era para aquecer. Em Rio Claro fiz minha primeira pesquisa de vulto, que me agradou muito, porque foi um trabalho feito com os alunos. Precisávamos demonstrar esse para-digma, o clima como dinâmica. De-pois essa pesquisa se transformou no livro A dinâmica climática e as chuvas no estado de São Paulo. Nesse trabalho tomei todos os cuidados de corrigir as coisas. Por exemplo, o meteorologis-ta considera que um lugar tem dados bons para tirar médias quando tem 30 anos de observações, coisa que aqui no Brasil é difícil de achar. Você acha uma estação que tem 30 anos, mas outras com 10 ou 3, e o pessoal faz o absurdo de comparar postos com médias tão diferentes. Nesse trabalho seleciona-mos estações com o mesmo período de observações. Se esse período de três anos coincidiu com um período de se-ca ou um período chuvoso, e sempre acontece esse zigue-zague, você perde a confiabilidade. Outra preocupação foi ver o tipo de tempo e o ritmo de sucessão, escolher alguns anos típicos: um ano muito chuvoso, um ano seco e um ano que fosse entre um e outro, que chamei de ano padrão. Ratisbonna dizia que não podia fazer um estudo só com 17 anos, mas 17 anos era o máxi-mo que consegui de observações com o mesmo período. Tirei a média para ver se dentro desses 17 anos houve ano de muita ou de pouca chuva, peguei os extremos e comparei – um ano muito chuvoso, um ano muito frio. Um fran-cês, Pierre [George], adotou esse mes-mo conceito, mas substituiu a média pela totalidade de tipos de tempo, como se você tivesse uma gaveta, descobrisse os tipos de tempo e botasse cada um separado numa gaveta. Eu achava que não era preciso levantar todos os tipos de tempo, o importante era ver como os tipos de tempo se encadeavam uns nos outros, a cadeia de tipos de tempo é que determina a coisa. Por exemplo, se

vem um aquecimento frontal, você não vê aqueles dias em que sopra um vento noroeste, está um calor insuportável e de repente chega a frente, desaba aquele temporal, aí a frente passa e a tempe-ratura baixa. Esse encadear é que é im-portante para ver, e não dizer que existe o tempo pré-frontal ou o tipo frontal. Fazíamos com dado horário, usávamos metros de papel, mas à medida que construíamos o gráfico já percebíamos o jogo das relações; essa foi a novidade. Essa pesquisa terminei em 1964 e só foi publicada em 1973, 10 anos depois, quando eu já estava na USP e o Aziz Ab’Saber arranjou um restinho de ver-ba daqui e dali e publicou.

E a timidez, como a venceu?■nNa universidade fui para o lado fí- —

sico para não bisbilhotar a vida alheia como na geografia humana! Do outro lado da AGB o pessoal apresentava trabalhos, que eram julgados se me-reciam ou não ser publicados; nunca tive coragem de apresentar um trabalho na AGB. Mas como eu tinha artigos e capítulos publicados, fui eleito sócio efetivo na assembleia de Londrina, em 1961. Meu batismo se deu com Manoel Correia, pernambucano, que naquele ano foi eleito presidente da AGB. Ele se empenhou para organizar a assembleia na gestão dele e escolheu Penedo, em Alagoas. Ele queria estudar o problema no baixo São Francisco, que naquela época era caracterizado pela cultura de arroz. Aquela paisagem contrastava com uma miséria muito grande por causa de relações de produção entre os

donos da terra e os operários. Manoel Correia convenceu Caio Prado Jr. a ir a uma região que tinha um problema que interessava muito à esquerda. O estudo sobre a cidade de Penedo foi feito pela Lísia Bernardes; o do problema do ar-roz era coordenado por mim; o de Ita-baiana, uma cidade de Sergipe, famosa do ponto de vista de geomorfologia porque tem um domo, uma estrutura enorme, além do problema humano, por Milton Santos. Trabalhamos quatro dias andando de canoa, de lancha, de estrada, desde Propriá até a foz do São Francisco, uma loucura. No final, reu-ni as unidades morfológicas, o tipo de vegetação, o tipo de ocupação e o tipo de problema num quadro que desenhei em papel kraft com pincel mágico. Lísia dizia que eu estava numa enrascada, porque era todo mundo comunista, e eu teria de expor as conclusões na frente dos fazendeiros e dizer que eles exploravam os coitados.

Como é que o senhor fez? ■nEu disse: “A natureza oferece as con- —

dições, mas as relações de produção...”. Porque era uma relação de verdadeira escravidão, o coitado trabalhava no ar-roz para o dono da terra, que lhe pagava um preço miserável, e às vezes, escondi-do, de noite, ele botava uma saca e saía para vender a um outro, para obter um preço melhor. Um fazendeiro numa ho-ra protestou: “Mas não é bem assim...”.

E depois de Rio Claro?■nHouve um interregno em que saí de —

Rio Claro e voltei para o IBGE. Passei

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1965, 1966 e 1967 entre o IBGE e a Uni-versidade de Brasília. Não queria subs-tituir os professores que tinham sido expulsos pela ditadura, só fui porque estavam criando o curso de geografia. Eu continuava não gostando do IBGE. Tem uma coisa que foi bem importante, porque antigamente a divisão regional do Brasil era feita pelos geógrafos, Fábio Guimarães fez uma de 1941, porque o IBGE foi criação do Getúlio Vargas; o Brasil era um dos raros países que ti-nham a geografia como elemento de suporte das políticas públicas. A divisão regional era feita pelo IBGE e o IBGE era ligado à Presidência da República; depois é que virou fundação. A geogra-fia é importante até 1968, quando os geógrafos do IBGE fazem uma série de mapas, de geologia etc. e escrevem “sub-sídios à regionalização”. É a passagem do declínio do geógrafo, que perde prestí-gio, e a ascensão do economista, porque aqueles subsídios à regionalização eram um monte de mapas feitos para análise dos economistas; o economista é que se tornou importante e que fez a divi-são em microrregiões homogêneas e as teorias de setoridade, centro-periferia, aquela coisa toda, e 1968 é justamente o ano de minha entrada na USP e do Ato Institucional nº 5.

O senhor chegou a São Paulo num ■nano terrível...

No primeiro dia de aula, entrei na —sala, os alunos levantaram e fizeram um comício por causa do Ato Institu-cional e da política que estava ferven-do. Os estudantes viviam reclamando da ditadura. Eles entraram, fizeram o comício, fiquei escutando e depois fui embora. Não foi hostilidade a mim, era um protesto geral.

Como era trabalhar na USP?■nEm matéria de recursos era uma —

pobreza, o prédio era uma porcaria, não tinha nada. O ônibus de excursão já estava nas últimas, não era muito fácil a gente sair... A maior dificuldade do mundo era você fazer uma projeção, porque quando tudo funcionava não havia fio para ligar na tomada. Hoje em dia os professores fazem trabalho de campo, vão a Campos do Jordão quantas vezes quiserem, têm anos pa-ra fazer dou torado no exterior, depois têm pós-doutorado, bolsa-sanduíche... Nunca tive nada disso. Na USP tem duas coisas que gosto de ressaltar. A primeira é a liberdade de criar. Há 20 anos eu fazia coisas que hoje não fazem.

Por exemplo?■nUma prova com um caderno com —

27 questões e dizer para o aluno que se ele não quisesse desenvolver nenhuma das 27 questões que ele propusesse uma para fazer. Ou o aluno me fazer a prova em desenho ou em verso e tirar 10. A outra coisa foram as minhas viagens para o exterior. Em 1976 houve um Congresso Internacional da Geografia em Moscou e eu fiz um sacrifício, peguei minhas economias, escrevi, preparei trabalhos e me mandei para lá. Nunca nenhum governo brasileiro pagou pas-sagem para mim para canto nenhum, viajei durante 12 anos às minhas custas.

Por que o senhor mesmo pagava suas ■nviagens?

Pedir dinheiro para viajar é um direito —do pesquisador, mas neste país de exce-ções, em que as crianças estão morrendo de fome e cheirando cola, me considero um privilegiado e pago a minha curio-sidade, não vou tirar do contribuinte.

Nesse ano, em Moscou, entrei para a comissão de problemas ambientais, o presidente era o Innokenty Gerasimov, um cientista de prestígio naquela acade-mia. Foram 12 anos em que eu viajei na comissão. Em 1976 foi em Moscou, 1977 em Praga, 1978 na Nigéria, em Lagos, em 1979 na Rússia de novo. Depois, em 1980, no Japão, 1981, no México, 1982 em São Paulo, organizado por mim. Em vez de ficar preso numa cidade vendo paper, organizei uma excursão de qua-tro dias; o primeiro dia a gente foi em direção a Piracicaba, almoçou na beira do rio, que já estava poluído. Depois a gente continuou em direção a São Car-los, onde dormimos; o dia seguinte apre-sentamos os papers – a gente viajava um dia e trabalhava no outro. Você vem da Rússia, da Índia e tem de ficar trancado numa sala vendo papel que você pode ler depois? É uma pena, não é? Depois de São Carlos fomos para a zona cafeei-ra da Mantiqueira, descemos o Vale do Paraíba para ver a industrialização do litoral e entramos no Rio de Janeiro pela Rio-Santos, para evitar a avenida Brasil e aquela esculhambação. Chegamos lá e deixamos o pessoal no Hotel Glória. O Gerasimov adorou, disse que tinha sido uma reunião circulante.

Quando o senhor mergulhou na li­■nteratura?

Me aposentei aos 60 anos, a briga —entre geografia física e geografia hu-mana estava no auge; o pessoal queria arrancar as coisas da física e aumentar as coisas da humana, era aquela confu-são, e eu detesto confusão e briga. Saiu no Diário Oficial do dia 22 de março, na véspera do meu aniversário. A pri-meira coisa que quis fazer depois de me aposentar foi um balanço do que eu

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tinha feito em climatologia e ver qual a tendência nova, em toda essa coisa dos moventes, termodinâmica etc. Estudei muito e escrevi Clima e excepcionalis­mo. Depois peguei todos os livros de climatologia e de meio ambiente e dei para a Universidade Federal de Santa Catarina [UFSC], os de geomorfologia mandei para o laboratório de geomor-fologia da USP, os didáticos e os mapas para a sala de Aroldo de Azevedo de auxílio ao professor de ensino médio. Como não queria parar, pensei em pesquisar algo que fosse factível para mim. “Vou fazer uma geografia mais maneira, que não precise de verba.” Sempre gostei de literatura, já tinha visto nas viagens, na Inglaterra, que ha-via uma linha de pesquisa de geografia e literatura, mais um livro do [filósofo Karl] Popper, fui me abastecendo. Por que não fazer o mesmo sobre o Brasil? É uma coisa que posso fazer sem pre-cisar de verba, tenho os livros, vou analisar. Aí fiz O mapa e a trama, uma coletânea publicada pela UFSC que co-meça e termina com Guimarães Rosa, mas tem Graciliano Ramos, com Vidas secas, Graça Aranha, com Canaã, um livro maravilhoso que pouca gente co-nhece. Tento ver o conteúdo geográfico dentro dessas obras, porque todas se passam num lugar e têm uma trama. Um capítulo que deu trabalho, mas acho que ficou bom, foi sobre Macha-do de Assis, em Memórias póstumas de Brás Cubas, junto com Marques Re-belo, primeiro pelo contraste entre os dois, porque Machado foi um mulato que deu certo, tanto que no atestado de óbito está com cor branca. O outro, Marques Rebelo, coitado, foi persegui-do, não conseguiu terminar o curso de engenharia porque o professor de mecânica celeste tomou implicância com ele. Publicaram os livros dele com o maior sacrifício, em Lisboa. Sofreu horrores, mas era um geógrafo nato.

O senhor não vê só o espaço...■nNão, porque tem também a parte —

social. Guimarães Rosa diz que ele não se preocupa nem com a sociologia nem com a história, mas você vê nos traba-lhos dele que ele faz a relação completa da estrutura social: tem o fazendeiro cercado de jagunços, o administrador, o meeiro, vai descendo até o enxadeiro mais pobrezinho.

em 1948, com Bretton Woods. Claro que a economia é importante. Insta-lar uma fábrica é um ato econômico, mas desde que a fábrica se transforme em uma entidade física, que vai expe-lir gases, ganha uma materialidade e se encaixa no meio natural. Não pode separar e eliminar as consequências. A geografia humana considera só o coletivo, só o social; nisso, a economia assume uma importância além do ne-cessário. As pessoas exageram muito em fazer do coletivo o principal; tudo que é humano é visto pelo coletivo. As partes se completam, não se pode ig-norar o coletivo, mas também não se pode ignorar a parte interior do ho-mem. Temos o direito de desenvolver uma percepção crítica, é importante preparar os outros para ter liberdade quando criticar e não seguir o rebanho fazendo tudo o que os outros fazem.

Como o senhor vê os debates sobre ■nmudanças climáticas?

Há um exagero, porque as pessoas —têm deficiência da noção de escala. Uma coisa é uma tendência, outra é a reali-dade, porque a atmosfera é destrambe-lhada, um ano é frio, outro é quente. A tendência geral pode, sim, aumentar, mas temos de considerar mais sobre o Sol, nossa fonte de energia e ainda um desconhecido, porque aquelas manchas variam, ora aumentam, ora diminuem. Quando vêm as manchas solares com mais ou menos energia, aquece ou resfria o Pacífico equatorial e vêm daí o aquecimento e o resfriamento no Pacífico, que dá o El Niño e La Niña. Outra coisa é a presença do homem na Terra, que é recentíssima, e mesmo assim encontramos registros históricos [de alterações climáticas marcantes]. E tem mais terras no hemisfério Norte do que no Sul, economicamente os dois hemisférios também são diferentes. Se a temperatura aumentar, países como Rússia e Canadá, de invernos rigorosís-simos, onde plantar tomate é a maior dificuldade, vão lucrar com o aumento de temperatura. Quem vai se danar é o hemisfério Sul, os pobres miseráveis da beira do Saara. Mas as pessoas não consideram o todo, as escalas temporal e espacial, e vem daí o catastrofismo. Tem também o lado benéfico, o catas-trofismo deixa as pessoas com medo e as incentiva a mudarem de atitude. n

Em um de seus trabalhos, o senhor ■nescreveu que a geografia humana tinha esquecido o espaço.

É. Porque a gente trabalhava com o —espaço euclidiano, da natureza; agora o pessoal da economia vai para o espaço relativo, de geometrias relacionais. Não suporto esse negócio de dividir geogra-fia física e geografia humana. Ciência exata a geografia não é, queira ou não, porque tem o rabo preso com a filoso-fia. Esse é o problema. Por que é que não se estuda sociologia nem geologia na escola primária, mas se estuda geo-grafia? Porque você está apresentando o mundo às crianças e aos adolescentes. Ensina acidentes geográficos, divisão política, clima, relevo, essas coisas bá-sicas. A geografia não é para estar se fragmentando, se especializando mais... A filosofia, para mim, está num plano superior, não é a história da filosofia, é filosofia pensar, criticar. A geografia está embaixo, num plano mais modesto, mas conjunto, unitário. Uma colega de Brasília escreveu que a natureza já se en-contra conhecida e suficientemente sob controle, agora a geografia deve passar para o social. Ora, São Paulo não resol-ve nem o escoamento das águas pluviais no verão, a cidade vive inundada! Havia o determinismo ambiental, mas daí pas-samos para o determinismo econômico,

a geografia não é para estar se fragmentando e se especializando mais e mais... É importante preparar os outros para ter liberdade quando criticar

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Para evitar novos flagelos

Estudo indica os pontos mais vulneráveis da Região Metropolitana de São Paulo e mostra a necessidade de um novo modelo de ocupação e mobilidade

Dinorah Ereno

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s eventos extremos de curta duração, a exem-plo das chuvas intensas que caíram sobre São Paulo, Rio de Janeiro, Angra dos Reis e outras cidades brasileiras com suas trágicas consequências, vão se intensificar com as mudanças climáticas em curso há algumas décadas. Os problemas vão continuar pelos próximos anos, como mostra um amplo

estudo realizado dentro da Rede Brasileira de Pesquisas em Mudanças Climáticas (Rede Clima) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas, na temática de cidades, sob coordenação de Carlos Nobre, do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e até recentemente de Daniel Joseph Hogan, do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Universidade Estadual de Campinas, falecido em 27 de abril (ver página 41). “Na década de 1930 e, se formos um pouco mais atrás no tempo, no século XIX, não ocorriam tantos eventos extre-

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Moradores ilhados no Jardim Romano, na Zona Leste de São Paulo

mos de chuva como acontecem hoje na cidade de São Paulo”, diz Carlos Nobre. “Isso é mudança climática, não necessa-riamente provocada pelo aquecimento global”, ressalta. O mais provável é que a maior parte dessa mudança climática tenha origem na própria Região Metro-politana de São Paulo, um efeito chama-do pelos especialistas de “ilha urbana de calor”. Excesso de concreto, falta de áreas verdes e dificuldade de ventilação por causa do grande número de prédios altos e próximos uns dos outros são as cau-sas da concentração de calor nessas ilhas existentes em várias cidades. “Na média do ano a cidade de São Paulo já está 2,5 graus Celsius mais quente do que há 70 anos. Na comparação com um dia mais

quente de primavera, sem nuvens, esse número passa dos 6 graus”, diz Carlos Nobre, também coordenador do Progra-ma FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais.

Um primeiro resultado desse traba-lho iniciado há um ano e meio, chamado “Identificação das vulnerabilidades das megacidades brasileiras às mudanças cli-máticas”, será apresentado em breve ao prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, apontando, por exemplo, as áreas com maior risco de deslizamento de encos-

tas e inundações no cenário atual e uma projeção para o ano 2030 se nada for feito em relação ao modelo adotado até agora para a expansão urbana da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), com a ocupação desordenada de áreas periféricas. “A mancha urbana que as imagens do satélite Landsat revelam pa-ra a Região Metropolitana de São Pau-lo é surpreendente, pois ela se estende por mais de 80 quilômetros no sentido leste-oeste e em torno de 40 quilôme-tros de norte a sul, sendo que 20 dos 39 municípios que compõem a RMSP têm suas áreas urbanas conurbadas, ou seja, constituem um continuum urba-no quase totalmente impermeabilizado na bacia do rio Tietê e de seus maiores

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afluentes de alto curso, os rios Pinhei-ros e Tamanduateí”, diz Andréa Young, pesquisadora da área de população e ambiente do Nepo, arquiteta espe-cializada na área de geoprocessamento e sensoriamento remoto e em gestão ambiental. Em um dos mapas, a pesqui-sadora analisou a extensão da mancha urbana comparando os anos de 2001 e 2008. “A região onde essas alterações se fazem sentir mais intensamente, com índice de ocupação urbana superior a 80%, corresponde ao trecho da bacia do rio Tietê e Pinheiros”, diz Andréa. Ela ressalta que o processo de urbanização já está desfigurando também o restante da bacia, avançando pelos tributários e ocupando suas vertentes e cabeceiras.

O s cenários de risco presentes hoje serviram como balizado-res para gerar um modelo de

expansão urbana para a Região Metro-politana em 2030. “Pela simulação, feita por meio do modelo Métrica de Expan-são Periférica, podemos observar que a ocupação se intensificará na periferia da RMSP, seguindo o padrão atual, exer-cendo forte pressão sobre os recursos naturais existentes”, diz Andréa. Se esse processo de fato se concretizar, novas áreas de risco surgirão e a vulnerabili-

dade se intensificará tanto em relação às inundações como aos deslizamentos, até porque os episódios de chuvas intensas que os deflagram estão se tornando mais frequentes devido às mudanças climáti-cas de origem local e global.

Na área da saúde pública, um estu-do feito na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) indicou que, para cada 10 milímetros de chuva, o risco de internações por leptospirose aumenta cerca de 12% após duas semanas. “Quando se com-binam alterações de clima, poluição do ar e aumento de umidade, é possível fazer um modelo que consegue prever 70% da variabilidade de doenças respi-ratórias infecciosas”, diz Paulo Saldiva, professor da FMUSP. Quando se junta uma condição de frio e alta umidade, o chamado frio úmido, com os gases poluentes dióxido de enxofre (SO2) e monóxido de carbono (CO), aumen-

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Pontos de alagamento (em laranja) nas marginais dos rios Pinheiros e Tietê, em São Paulo

tam os casos de doenças do trato res-piratório superior. Nas internações por doenças do trato inferior, como asma e bronquite, a principal causa foi o frio úmido associado com o ozônio (O3) e as partículas inaláveis com diâmetro inferior a 10 mícrons.

Os veículos automotores respondem por 40% da emissão de particulados e 31% do SO2, enquanto as indústrias são responsáveis por 10% do material particulado e 67% do SO2 transportado para a atmosfera, segundo dados do re-latório. Apenas na Região Metropolita-na de São Paulo são feitos, diariamente, mais de 30,5 milhões de viagens, dos quais 12 milhões referem-se a trans-portes coletivos e 8,1 milhões indivi-duais. “Como o solo é negociado como mercadoria, algumas regiões passam a valer muito e as pessoas de menor ren-da são empurradas para as periferias”, diz Saldiva. Isso significa que as pes-soas têm que se deslocar por grandes distâncias para ir de casa ao trabalho, o que representa um alto consumo de energia dos veículos e muita poluição na atmosfera.

Os mapas que avaliam os riscos de inundações e de deslizamentos de terra na Região Metropolitana de São Paulo – uma área com 8.051 quilômetros qua-

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drados em que vivem mais de 19 mi-lhões de habitantes, pelas estimativas da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) para o ano de 2008 – foram feitos empregando um inovador modelo computacional de mapeamento de terrenos, que mostra com precisão as áreas baixas próximas aos rios e ria-chos, mesmo em diferentes altitudes no relevo, sujeitas a inundações e os locais com inclinações nas encostas sujeitos a desbarrancamentos. Denominado Hand (sigla em inglês que significa al-tura acima da drenagem mais próxima), o modelo, criado pelo pesquisador An-tonio Donato Nobre, do Instituto Na-cional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), e sua equipe no Centro para Ciência do Sistema Terrestre do Inpe, nivela todos os cursos d’água do terreno para o nível zero e remapeia todos os demais pontos da topografia de acordo com a distância vertical relativa ao nível onde ocorre a água superficial mais próxima. Ou seja, é como se o mapa digital da paisagem seguisse o percurso da água que corre pela rua de acordo com a topografia do terreno até chegar ao lugar onde ela descarrega no rio. Inicialmente o mo-delo foi desenvolvido para avaliação dos solos e do sistema hidrológico na terra

risco, usando três categorias de classifi-cação. Com mais de 30 graus a condi-ção é crítica para deslizamentos, de 15 a 30 graus é de alta suscetibilidade e de 5 a 15 graus a suscetibilidade relativa a processos de instabilização de encostas é menor. “A desestabilização das encostas com escorregamentos está correlaciona-da a episódios de chuvas de alta intensi-dade e volume, geralmente deflagrados por eventos pluviométricos com totais superiores a 100 milímetros”, diz Ogura. “Chuvas intensas com esses altos volu-mes não ocorriam sobre a cidade há 100 anos, já se verificam agora e passarão a acontecer ainda mais no futuro com a mudança climática”, diz Carlos Nobre.

As áreas do terreno suscetíveis a enchentes e inundações, identificadas quantitativamente pela primeira vez pela aplicação do método Hand, foram sobrepostas à mancha urbana, tornando possível a visualização das áreas de ocu-pações mais vulneráveis. Nas planícies e nos fundos de vale é onde se acumula o excesso de água que escoa devido à remoção da cobertura vegetal natural em toda a bacia de captação. Em um dos mapas, com o Hand, é possível identifi-car claramente onde se concentram os mais de 400 pontos de inundação iden-tificados pelo Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE) municipal, que levam o caos à cidade de São Paulo nos dias de chuva intensa e concentrada. Alguns pontos são previsíveis, porque

firme da Amazônia e depois estendido para outras aplicações.

“O modelo Hand mostra com gran-de precisão os contrastes do terreno em termos fisiográficos, ressaltando para o usuário as diferenças do meio físico”, diz o pesquisador Agostinho Ogura, da área de Gestão de Riscos e Desastres Naturais do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), que contribuiu na calibração das declividades para a Região Metropoli-tana de São Paulo. E revela quando a declividade de uma encosta, associada com chuvas, passa a ser considerada de

Chuvas intensas com altos volumes passarão a ocorrer ainda mais no futuro com a mudança climática

Transeuntes enfrentam enchente no Rio de Janeiro

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estão exatamente nas regiões que for-mavam as várzeas do rio Pinheiros e do rio Tietê, inicialmente sinuosas, poste-riormente retificadas para a abertura das vias marginais e aproveitamento de áreas para construção.

O projeto Megacidades, financiado pelo Global Opportunities Fund Cli-mate Change and Energy Program-me, do Reino Unido, pela Rede Clima e pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas, com apoio do Programa FAPESP de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas, abarca um amplo levantamento do cli-ma, poluição, relevo, hidrografia, uso e ocupação da terra, saúde, característi-cas sociodemográficas da população e outras informações, com projeções de cenários futuros para os dois maiores complexos urbanos no Brasil com po-pulações acima de 10 milhões de pes-soas, as Regiões Metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro. “Nossa pes-

do e Argentina apresentaram estudos e as experiências desenvolvidas em Nova York, Londres e Buenos Aires.

A ênfase na vulnerabilidade e nas ações de adaptação às mudanças climá-ticas consiste no ponto central do rela-tório e reflete o trabalho dos painéis. “É necessário partir de uma compreensão histórica, geográfica e social do meio urbano em termos locais e regionais, para entender como certos impactos e perigos atingirão localidades específi-cas”, diz Carlos Nobre. Nesse contexto, a adaptação envolve o conjunto de ações que as cidades e instituições terão que enfrentar em busca de soluções para os impactos e perigos que sofrerão.

O documento propõe que as políti-cas e estratégias necessárias para levar em conta as ameaças climáticas globais deverão ser complementares, com enfo-que em mecanismos de desenvolvimen-to limpo, remoção de resíduos tóxicos e recomposição do ambiente. “É preciso pensar em outro tipo de modelo urba-no, baseado no planejamento e controle do uso do solo”, diz Ogura. A cidade de São Paulo tem uma política de uso do solo por conta de um acordo feito com o Ministério Público para desenvolver projetos habitacionais de reurbaniza-ção em áreas de risco. Os moradores da

Chuvas provocaram deslizamento atrás do prédio do MAC, em Niterói (RJ)

quisa tem como objetivo fazer uma sín-tese do trabalho de muitos especialistas que estão lidando cotidianamente com esses problemas”, diz Hogan. “Quere-mos um produto que seja acessível não só para os pesquisadores, mas também para os responsáveis pelas políticas pú-blicas e para a população em geral.”

Um segundo mapa, o da Re-gião Metropolitana do Rio de Janeiro, está sendo feito

pelo mesmo grupo de pesquisa, em colaboração com pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janei-ro (UFRJ), com entrega prevista para julho. Mas antes de chegar ao relató-rio final, no caso de São Paulo, várias etapas foram cumpridas. Um painel internacional de especialistas, reali-zado com o objetivo de diagnosticar preliminarmente cada Região Metro-politana com base no conhecimento já produzido acerca das alterações climáticas e das questões que têm se mostrado fundamentais para o enfren-tamento das mudanças, foi realizado em duas etapas no mês de julho de 2009, um no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, e o outro no auditório da FAPESP, em São Paulo. Pesquisadores do Brasil, Estados Unidos, Reino Uni-

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decisões. Como exemplo, os pesquisa-dores citam uma experiência realizada pelo Departamento de Águas e Ener-gia Elétrica (Daee) do estado de São Paulo, que quantificou os benefícios decorrentes da implantação de obras de drenagem urbana.

Em áreas de grande circulação de veículos foram considera-dos os custos de interrupção

ou atraso no tráfego causado pelas inun-dações. Devido à redução na velocidade média, em geral, triplicam-se os custos normais de operação dos veículos. Pa-ra os particulares os valores variam de R$ 0,26 a R$ 0,78 por quilômetro. No caso de caminhões vão de R$ 1,50 a R$ 3,00 por quilômetro. O tempo médio perdido durante interrupções de tráfego causadas pelas inundações chega a três horas e estima-se que corresponda a R$ 6,00 a hora por passageiro, no caso de veículos particulares, e R$ 2,00 a hora por passageiro de ônibus e caminhões.

“É possível, por exemplo, mostrar quanto custa recuperar uma área de risco sujeita a deslizamentos, com re-moções, projetos habitacionais e reur-banização de áreas”, diz Ogura. Além disso, também é possível tentar agir pre-ventivamente, removendo pessoas de

situações de risco, utilizando os sistemas de monitoramento e informação em tempo real que permitem acompanhar as chuvas e condições meteorológicas adversas, casados com o mapeamento refinado das áreas mais vulneráveis.

O documento incorpora no final os princípios que devem orientar a discussão da política de uso do solo, de reocupação do espaço e da mobi-lidade e também propõe parcerias. “A ciência não pode ser o único fator de formulação de políticas públicas, mas tem que ser levada em conta”, diz Saldiva. Além disso, indica que se não forem implementadas ações políticas o crescimento da mancha urbana vai pressionar ainda mais os reservatórios de água. A experiência adquirida nos estudos para São Paulo e Rio de Janei-ro poderá ser replicada para várias ou-tras grandes cidades brasileiras e um novo estudo para Belém, Recife, Belo Horizonte e Curitiba, financiado pelo Ministério do Meio Ambiente, deve se iniciar no segundo semestre. ‘‘Em pou-cos anos, teremos um primeiro ma-peamento das principais vulnerabili-dades das grandes cidades brasileiras às mudanças climáticas para guiar as políticas públicas de redução dessas vulnerabilidades”, diz Carlos Nobre. n

Um olhar sobre a Região Metropolitana

antiga favela do Gato, por exemplo, na marginal Tietê bem em frente ao com-plexo do Anhembi, viviam em barracos precários em uma área sujeita a inun-dações às margens do rio Tamanduateí. Hoje estão instalados em um conjunto de prédios ao lado do antigo local.

“O processo de melhorar as con-dições de qualidade habitacional das pessoas que moram em áreas de risco vai ter que continuar, porque nossos es-tudos indicam que haverá um aumento na severidade e frequência dos eventos pluviométricos por conta das mudanças climáticas”, diz Ogura. Se nada for feito, o desmatamento vai prosseguir nas regiões onde hoje existe uma melhor condição de vegetação, já que as pessoas, forçadas pela pressão imobiliária, acabam sendo empurradas para áreas afastadas da re-gião central. Com isso o efeito ilha de calor vai piorar. “O aumento do cinturão de pobreza vai se concentrar nas perife-rias das cidades, com todas as doenças associadas à vulnerabilidade, como piora da qualidade da água, aumento de diar-reias, novos focos de dengue e violência urbana”, ressalta Saldiva.

Uma das propostas do relatório é quantificar os benefícios decorrentes das medidas de adaptação às mudanças climáticas para subsidiar a tomada de

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Área impermeabilizada 2001

Área de expansão 2008

Projeção da mancha urbana em 2030 - RMSP

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Page 22: Contra novas tragédias

ESTRATÉGIAS MUNDO

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0 CLIMA E OSBABY BOOMERS

Instituições filantrópicasnorte-americanas maisdo que triplicaram oapoio a causas e pesquisasrelacionadas às mudançasclimáticas em 2008.As doações saltaram deUS$ 240 milhões em 2007para US$ 897 milhõesem 2008, de acordo comrelatório do Foundation

.Center, de Nova York.O financiamento beneficiouvárias atividades, incluindoesforços para a redução dasemissões de gases estufae a preparação das cidadespara temperaturas maisaltas e níveis do mar maiselevados, e também apoiouprojetos de pesquisa.Em 2008, por exemplo,a Fundação Rockefeller emNova York concedeu umadotação para a UniversidadeStanford, na Califórnia,para estudos sobre

22 • MAIO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 171

adaptação da agricultura.Mas o aumento de 2008deveu-se principalmenteà William and Flora HewlettFoundation, tambémda Califórnia, que destinouUS$ 549 milhões.O montante incluiu umacontribuição de US$ 500milhões para a ClimateWorks,fundação que busca ajudarpaíses a limitar asconcentrações de dióxidode carbono na atmosferaa menos de 450 partespor milhão. Uma mudançageracional explicaria agenerosidade. Rachel Leon,diretora da EnvironmentalGrantmakers Association,em Nova York, disseà revista Nature que oschamados baby boomers,norte-americanos nascidosapós a Segunda GuerraMundial, estão criando suaspróprias fundações e exibemuma preocupação maiorcom as mudanças climáticasdo que gerações anteriores.

o Departamento de Defesa dos EstadosUnidos está promovendo mudanças em seuorçamento de pesquisa, reduzindo a ênfaseno desenvolvimento de armas e investindomais em biologia, ciência da computação eciências sociais. Zachary Lemnios, diretor depesquisa do departamento, disse à revistaNature que a nova abordagem terá reper-cussão também fora dos limites do Pentá-gono, pois universidades norte-americanasreceberão mais da metade do US$1,8 bilhãoinvestido em pesquisa básica no atual anofiscal. Entre as novas áreas prioritárias estãoa biologia sintética, que busca criar formasde vida artificial para desempenhar funçõesespecíficas. Lemnios disse que o objetivo

é ajudar pesquisadores a desenvolver "sentinelas vivas",capazes de monitorar a presença de explosivos e armasquímicas. Como inimigos estão aperfeiçoando suas habili-dades em atacar redes de computadores, a cibersegurançaé outra prioridade. As guerras pouco convencionais em queos militares norte-americanos estão envolvidos tambémreforçaram o interesse nas ciências sociais. Para comba-ter a insurgência no Afeganistão, o Pentágono investe nacompreensão da dinâmica cultural do país. Está financiandoo Laboratório Nacional Los Alamos para a criação de ummodelo capaz de simular o comércio de ópio no Afeganis-tão e analisar a eficácia das estratégias para combatê-to.Também apoia um projeto da Universidade de Chicago paramodelar e prever potenciais conflitos no país.

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ICAÇADORESDE RECOMPENSAS

Em 2008, seis criançaschinesas morreram e 300mil foram atingidas pelosurto de uma doença renalprovocada por contaminaçãodo leite. Uma investigaçãoapontou o responsável-um produto químicoindustrial usado para elevaro teor de proteína do leite -e suscitou um debate sobreo sistema agressivode recompensas parapesquisadores que produzeminovações. Ocorre que afórmula do leite hojecondenado, criada pelogrupo empresarial Sanlu,havia conquistado umprêmio nacional deinovação pouco antes de sercomercializada. O incidenteevidencia problemas quea pesquisa tecnológicaenfrenta na China, disseTang Iin Ling, pesquisadorda Universidade deHong Kong. Em cartaao Canadian MedicalAssociation [ournal, Tangdisse que a comunidadecientífica chinesa é obcecadapor prêmios. Alertou que "édifícil avaliar a importânciae a confiabilidade de umapesquisa logo após a suaconclusão" e acrescentou

que "oferecer prêmiosrapidamente pode resultarem erros". Wang Zhao,médico da UniversidadeTsinghua, disse queos métodos de avaliaçãoacadêmica não sãosuficientemente rigorososna China. "Uma regulaçãomais efetiva é necessária",disse Wang, segundoa agência SciDev.Net.

OPERAÇÃORESGATE

O terremoto de 8,8 grausna escala Richter quesacudiu o Chile no dia27 de fevereiro destruiulaboratórios, incendiouum destacado centro depesquisa em química eafundou uma importanteestação oceanográfica, o quepode atrasar o progressocientífico do país em váriosanos. O prejuízo do sismoe do tsunami que seseguiu a ele foi avaliado emUS$ 200 milhões, de acordocom o grupo CientistasUnidos pela Reconstruçãodo Chile, criado logo apóso desastre. Dois meses apósa tragédia, a comunidadecientífica do país searticula para recuperaras instalações perdidase controlar o sistema dealerta de tsunamis no país.

O grupo vai enviarao governo um elencode recomendações queconsidera necessárias pararecolocar nos trilhosa ciência no país. A listainclui uma linha de créditode US$ 90 milhões parapesquisadores substituíremequipamentos danificados."Perdemos instrumentoscaros que só estão disponíveispara comprar nos EstadosUnidos, na Europa e noJapão", disse à revista ScienceAlfonso Droguett, porta-vozda Universidade do Chile.Os cientistas tambémquerem que o governocrie um centro civil depesquisas em sismologia,incumbido de assumiro monitoramento detsunamis no lugar daMarinha, cujas falhasao alertar para o tsunamide fevereiro amplificaramas mortes e os prejuízos.

TOLERÂNCIA ÀS RESTRiÇÕES

Após mais de uma década de embates entre pesquisadores e

defensores dos direitos dos animais, a Uniãó Europeia finalmente

desenhou um novo arcabouço legal para regular o uso de animais

em pesquisa, a ser votado em julho. Uma série de novas restrições

será imposta. Ficam banidas, por exemplo, pesquisas envolven-

do grandes primatas ou que causem dor prolongada aos bichos.

Mas há salvaguardas previstas, co-

mo a possibilidade de apelação a um

comitê, que poderá abrir brechas em

caso de "urgência clínica". Apesar

das restrições, o texto foi recebido

com alívio pela comunida.de científi-

ca. Ocorre que rascunhos anteriores,

inspirados pelo fobby dos defensores

dos animais, eram muito mais draco-

nianos, proibindo até mesmo o uso

de ovos de galinha, insumo essencial

para a fabricação de vacinas. "Podia

ser bem pior. Podemos conviver com

isso", disse à revista Nature Stefan

Treue, diretor do Centro Alemão de

Primatas, em Gõttingen.

Protestoa favor

da pesquisacom animais

PESQUISA FAPESP 171 • MAIO DE 2010 • 23

Page 24: Contra novas tragédias

I

: MÉXICO CRIAAGÊNCIA ESPACIAL

Após cinco anos de debates,a Câmara dos Deputadosdo México aprovou no dia20 de abril a criação daAgência Espacial Mexicana(Aexa). "Estamos entrandotarde na indústria espacial",admitiu Fernando de Ia Pena,coordenador da agência,segundo a SciDev.Net."Mas o objetivo é recuperaro tempo perdido."A agência nasce comum orçamento simbólico,de cerca de US$ 800 mil,para criar sua estruturaadministrativa e coordenaráos acordos de colaboraçãoque o México já mantémcom a Nasa e as agênciasespaciais da Europa, da

Rússia e do Brasil. "Temoscartas de intenção firmadascom outros 32 países paraapoiar a Aexa", disse Pena.A ideia agora é criar redesenvolvendo as principaisinstituições científicasdo país e também asindústrias, para impulsionaro desenvolvimentoe a comercialização detecnologias em áreas comosensoriamento remoto,telecomunicaçõese defesa. "Mais de 5%de nosso PIB é gastoem importação detecnologia", disse Pena."Mas se gerarmostecnologia própria, a cadadólar investido poderemosrecuperar pelo menosUS$ 10 na comercializaçãode tecnologia", afirmou.

COLABORAÇÃOSU~SULCinco agrônomos e 10 técnicos do Vietnã vão passar doisanos no Chade para trabalhar junto a fazendeiros do paísafricano e transferir tecnologia em irrigação, cultivo de arroz,pesca tradicional e apicultura. A colaboração entre os doispaíses é coordenada pela FAO, o braço das Nações Unidaspara alimentação e agricultura, no âmbito de seu programaIniciativa de Cooperação Sul-Sul, criadoem 1996. "Trata-se de um forte programade capacitação que envolve transterên-cia de tecnologia entre países em desen-volvimento", disse à agência SciDev.NetAbdul Kobakiwal, da FAO."Colaboraçõessemelhantes mostram que os agriculto-res apreciam a ajuda, pois os vietnamitaspassaram por estágios semelhantes nodesenvolvimento agrícola e têm muito aensinar:' Os especialistas foram seleclo-nados pela FAO e pelo Chade entre umalista de nomes fornecida pelo Ministérioda Agricultura do Vietnã. O Chade estáfinanciando o projeto como parte de umprograma nacional de segurança alimen-tar que irá investir US$ 200 milhões emcinco anos. O Vietnã mantém colabora-ções semelhantes com fazendeiros deMadagascar e do Senegal.

24 • MAIO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 171

IVANTAGENS DATRANSGENIA

Culturas geneticamentemodificadas oferecemvantagens econômicase ambientais em relaçãoa variedades convencionais,de acordo com relatóriopublicado no dia 13 de abrilpelo Conselho Nacionalde Pesquisa dos EstadosUnidos. Introduzidosem 1996, os transgênicosrespondem hoje por maisde 80% da soja, milho ealgodão dos Estados Unidose por cerca da metade daárea agriculturável do país.De acordo com o relatório,fazendeiros que plantamculturas com a tecnologia Bt,

•••••_-.::: __ -...1 Soja transgênica: 80% do cultivo nos EUA

criada para dar resistênciaa pragas, usam menosinseticidas. E o uso crescentede plantas tolerantes aherbicidas também reduziua necessidade de agrotóxicosque contaminam a águae o solo, enquanto cresceo emprego do glifosato,menos perigoso ao ambiente.Agricultores que adotamculturas transgênicastambém seguem com maisfrequência práticas deconservação que reduzema erosão do solo. Mas orelatório alerta que os riscosda transgenia podem crescerà medida que a tecnologiase expande para outrasculturas e sugere novosinvestimentos em pesquisa.

Cultivo dearroz no Vietnã:transferênciade tecnologia

Page 25: Contra novas tragédias

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MODELAGEMBRASILEIRA

IBRASILEIRO NAREVISÃO DO IPCC

Carlos Henrique de BritoCruz, diretor científico daFAPESP e reitor daUniversidade Estadual deCampinas (Unicamp) entre2002 e 2005, foi designadopara participar do comitêde 12 membros que fará umarevisão dos procedimentose processos do PainelIntergqvernamentalde Mudanças Climáticas(IPCC). O presidente docomitê será Harold Shapiro,economista e ex-presidentedas universidadesPrinceton e de Michigan,nos Estados Unidos. A revisãoindependente foi requeri daem março pela Organizaçãodas Nações Unidas, a queo IPCC é vinculado, após adescoberta de erros pontuaisnos relatórios do paineldivulgados em 2007. Atarefa foi encomendadaao InterAcademy Council(IAC), que reúne asprincipais academiasde ciências do mundo emontou o comitê. Entre ostópicos a serem analisados

-ESTRATÉGIAS BRASIL

figuram o controle dequalidade dos dados, o tipode literatura que deve sercitado em relatórios do IPCCe os mecanismos capazes degarantir que todos os pontosde vista científicos sejamconsiderados. Shapiroterá como vice-presidenteRoseanne Diab, professorada Universidade deKwaZulu-Natal, África doSul. Os demais membros sãoo laureado com o Nobel deQuímica Mario Molina, daUniversidade da Califórnia,San Diego; MaureenCropper, da Universidadede Maryland; [ingyun Fang,da Universidade de Pequim;Louise Fresco, daUniversidade de Amsterdã;Syukuro Manabe, daUniversidade de Tóquio;Goverdhan Mehta, doInstituto Indiano de Ciência;Peter Williams, chancelerda Universidade de Leicester,Inglaterra; Ernst -LudwigWinnacker, secretário-geraldo Conselho de Pesquisada Europa entre 2007 e 2009;e Abdul Hamid Zakri,conselheiro do governoda Malásia.

PESQUISA FAPESP 171 • MAIO DE 2010 • 25

o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais(lnpe) concluiu o processo de licitação pa-ra a compra de um novo supercomputadorque será usado em previsões meteorológi-cas e estudos sobre mudanças climáticas.A empresa norte-americana Cray ganhoua concorrência, com um supercomputadorcom 1.272 nós, cada um deles com dois pro-cessadores de 2 GHz. O desempenho efetivodo supercomputador será de 15,8 teraflops(trilhões de operações matemáticas) por segundo. Além daCray, a japonesa NEC apresentou proposta. O valor total doinvestimento é de R$ 50 milhões, sendo que o Ministério daCiência e Tecnologia vai entrar com R$ 35 milhões e R$ 15milhões serão provenientes da FAPESP. A previsão é de queaté o fim do ano o sistema esteja funcionando no Centro dePrevisão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), em Ca-choeira Paulista, no Vale do Paraíba. Parte do tempo de usodo supercomputador será reservada para as redes de pesqui-sadores de várias áreas vinculados ao Programa FAPESP dePesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais. O computadortambém será uma peça fundamental para outro objetivo doprograma, que é o desenvolvimento no Brasil de um modeloclimático global, um software capaz de fazer simulações so-fisticadas sobre fenômenos do clima.

Page 26: Contra novas tragédias

A gestão da fauna silvestre do estado deSão Paulo, atualmente sob a responsa-bilidade do Instituto Brasileiro do MeioAmbiente e dos Recursos Naturais Re-nováveis (Ibama), passará para o Cen-tro de Fauna Silvestre da Secretaria doMeio Ambiente (SMA) do Estado de SãoPaulo. A transferência será executadagradualmente com a participação detécnicos dos dois órgãos. Para isso, osprofissionais estão alinhando o SistemaIntegrado de Gestão Ambiental (Sigam)da SMA ao Sistema Nacional de Gestãoda Fauna (Sisfauna), operado pelo Iba-ma. Atualmente o Ibama controla todosos empreendimentos que usam e mane-jam animais silvestres no estado de SãoPaulo. A proposta é que zoológicos, cria-douros comerciais e científicos, criadoresde pássaros utilizados em torneios, centros de triagem ereabilitação, entre outros, passem a se cadastrar no Sigampara que o Centro de Fauna Silvestre da SMA seja a instânciaresponsável pelo manejo dos recursos. O cadastro servirácomo banco de dados de estabelecimentos que utilizamanimais da fauna silvestre nativa ou exótica, assim comoseus produtos e subprodutos. A ideia é que o Sigam facilitea gestão da fauna e agilize o atendimento ao usuário.

= CONTROLE DAFAUNA SILVESTRE

I IBIBLIOTECAVIRTUAL

Quantas pessoas estãopesquisando nestemomento-oupesquisaram, nos últimosanos - sobre diabetes,toxina botulínica, a dobotox, peixes ou vidros emSão Paulo? Dá para saberem instantes a respostaa essa e outras perguntassemelhantes entrandona Biblioteca Virtual doCentro de Documentaçãoe Informação da FAPESP(www.bv.fapesp.br).Criadaem maio de 2005, a BVcompleta cinco anos de

______ ..•.•.....,.;;.,~ utilidade crescente: de 2005

26 • MAIO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 171

a 2009, o número devisitantes únicos passoude 20 mil para 744 mile o de visitas, de 41 milpara 925 mil. Enquantooutras bases de dadosapresentam apenas osresultados das pesquisas,a BV mostra a ciência sendofeita. "A biblioteca permiteaos usuários conhecer aspesquisas e os produtos quegeraram", diz a coordenadorada biblioteca, Rosaly FaveroKrzyzanowski. Reúne osresumos de 16.524 projetosregulares de pesquisa, 1.360temáticos, 972 da modalidadeJovens Pesquisadores, 377de Políticas Públicas e 929de Pesquisa para InovaçãoTecnológica, apoiados pelaFundação. Lá estãotambém 1.629 referênciassobre teses e dissertações,4.305 artigos científicos etrabalhos apresentados emencontros e 162 solicitaçõesde patentes, além de 1.258registros de trabalhos dedivulgação científica e 131de publicações da FAPESP.

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ao Parque Tecnológicodo Centro de Pesquisae Desenvolvimento emTelecomunicações (CPqD)passou a integrar oSistema Paulista de ParquesTecnológicos (SPTec).Trata-se da segunda iniciativacredenciada em Campinas,que já conta com o Polode Pesquisa e Inovação daUnicamp. O CPqD foi criadohá 33 anos como unidadede pesquisa do SistemaTelebrás e desde 1998 atuade forma independente.Além dos polos de Campinas,o SPTec já credenciouprovisoriamente iniciativasem Barretos, Botucatu, IlhaSolteira, Barueri-Santanado Parnaíba (MackenzieTamboré), Piracicaba, SantoAndré, Santos, São José dosCampos, São Paulo (Jaguarée Zona Leste), Sorocaba,São Carlos (ParqTec eParque EcoTecnológico)e São José do Rio Preto.

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Page 27: Contra novas tragédias

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INOVAÇÃO PARAO AGRONEGÓCIO

A Empresa Brasileira dePesquisa Agropecuária(Embrapa) e a multinacionalSyngenta assinaram umcontrato de cooperação queestabelece uma parceria empesquisa, desenvolvimentoe transferência detecnologia. O acordo vaiexplorar oportunidades decooperação nas culturasde soja, milho e algodão.Na área de soja, o objetivodas duas empresas é,num primeiro momento,aperfeiçoar sua capacidadede identificação etratamento das doenças.Para a cultura de milho,o acordo prevê a realizaçãode estudos na Embrapa detecnologias desenvolvidaspela Syngenta, com ameta de disponibilizá-lasaos agricultores brasileiros.No caso do algodão,já estão sendo realizadosensaios com o plantiode novas variedades.Também há negociações

Parceria: novas variedades

para que a cana-de-açúcarseja a próxima culturacontemplada na parceria."Trata-se de umacooperação técnicae científica de duasempresas líderes, queinvestem em inovaçãoe buscam soluções parao agronegócio. Essaparceria resultará emnovas alternativas e ofertascomerciais para osagricultores brasileiros",afirma o diretor-geral daSyngenta Proteção deCultivos, Laércio Giampani.

IOS VE~CEDORESDO PREMIO FCW

A Fundação ConradoWessel (FCW) divulgouos vencedores da oitavaedição do Prêmio FCWde Ciência e Cultura.Os escolhidos foram IersonLima Silva, professor doInstituto de BioquímicaMédica da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro(categoria Ciência Geral);João Fernando Gomes deOliveira, diretor presidentedo Instituto de PesquisasTecnológicas do Estadode São Paulo - IPT (CiênciaAplicada); Ricardo Pasquini,professor da UniversidadeFederal do Paraná e

pioneiro nos transplantesde medula óssea(Medicina); e o crítico emúsico Antônio Nóbrega(Cultura). Cada um receberáum prêmio de R$ 200 milem cerimônia no dia 14 dejunho. Os júris das quatrocategorias são compostospor especialistas indicadospelas parceiras da FCW,como a FAPESP, aSociedade Brasileira parao Progresso da Ciência, oConselho Nacional deDesenvolvimento Científicoe Tecnológico, o ConselhoNacional das Fundaçõesde Amparo à Pesquisa,Academia Brasileirade Letras e AcademiaBrasileira de Ciências.

ARTE E TECNOLOGIA

Seis instalações interativas de arte cibernética ficarão ex-postas até o dia 23 de maio em estações de metrô da capitalpaulista. As obras pertencem à Fundação Itaú Cultural, quedispõe de um acervo que explora a relação entre tecnologiae arte e realizou eventos como a Bienal lnternaclonal de Arte

e Tecnologia de São Paulo. NaEstação Brás, por onde circulam102 mil pessoas por dia, a obraDescendo a escada, de ReginaSilveira, dá aos visitantes a ilu-são de uma descida virtual. NaEstação República, centenas delinhas verticais luminosas cria-das pelas artistas brasileirasDaniela Kutschat e Rejane Can-toni produzem luz e som quandotocadas pelos usuários. As esta-ções Paraíso e Sé ganharão jar-dins virtuais. A primeira terá umespaço com sementes de floresde dentes-de-Ieão, que poderãoser assopradas virtualmente. Aduração do sopro do visitantedá o movimento às flores. Nasegunda, a obra Ultra-nature,de Miguel Chevalier, permite aosespectadores controlar o cresci-mento de flores com as mãos.

PESQUISA FAPESP 171 • MAIO DE 2010 • 27

Page 28: Contra novas tragédias

política científica e tecnológica

Page 29: Contra novas tragédias

PESQUISA FAPESP 171 n maio DE 2010 n 29

Conferência reúne pesquisadores paulistas para discutir os desafios da ciência, da tecnologiae da inovação nos próximos 15 anos

A Conferência Paulista de Ciência, Tecnologia e Inovação, que reuniu 400 pesquisadores na FAPESP entre os dias 12 e 13 de abril, traçou um elenco de metas e propostas para desenvolver os sistemas de ciência e tecnologia de São Paulo e do Brasil

num horizonte de 15 a 20 anos. As iniciativas sugeridas nas cinco mesas-redondas do encon-tro destacaram a necessidade de restaurar o apoio federal à pesquisa em São Paulo a níveis compatíveis com os resultados com os quais o estado contribui para o Brasil, de ampliar o número de doutores formados no estado e de melhorar a qualidade e a visibilidade da produção científica paulista, ao lado de uma definição de regras e incentivos para parcerias entre universidades e empresas e a escolha de áreas que serão a chave para o desenvolvimen-to, como a nanobiotecnologia, a oceanografia e a ecologia urbana. A necessidade de garantir qualidade ao ensino básico e médio e de refor-mar a estrutura das universidades e do siste-ma de pós-graduação também foi destacada pelos participantes de várias mesas. “O que me chamou a atenção de maneira positiva foi o fato de algumas das ideias terem sido muito recorrentes. Há uma convergência entre as vá-rias propostas apresentadas. E as intervenções foram bastante otimistas, mostrando que há um progresso em curso nos sistemas paulista e brasileiro de C&T&I”, disse o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, no encerramento do encontro.

O evento foi uma reunião preparatória para a 4a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que será realizada em

Fabrício Marques

Brasília entre 26 e 28 de maio. Seu objetivo foi oferecer à discussão nacional a contribuição de São Paulo, estado que forma 48% dos doutores brasileiros e produz 50% dos artigos científicos publicados em revistas indexadas. Calculado como porcentagem do PIB (Produto Interno Bruto), o investimento do estado de São Paulo em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) supera o de gigantes emergentes, como a China, a Ín-dia e o próprio Brasil. E também fica à frente daquele de nações como a Itália e a Espanha, e de todos os países da América Latina. O dis-pêndio total paulista em P&D alcançou, em 2008, 1,52% do PIB estadual, perfazendo apro-ximadamente R$ 15,5 bilhões. “Fiquei muito satisfeito que São Paulo, estado que concentra uma parte significativa da produção científica nacional, tenha promovido essa discussão”, dis-se o ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, que prestigiou a conferência.

[ Planejamento ]

A contribuição

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30 n maio DE 2010 n PESQUISA FAPESP 171

Amultiplicação do número de cien-tistas em atividade no estado e o aumento da visibilidade e do im-

pacto internacional da ciência paulista estão entre os principais desafios da pesquisa acadêmica de São Paulo para os próximos 15 a 20 anos. Para que São Paulo conquiste um peso internacional proporcional à sua excelência acadêmi-ca, será preciso multiplicar por três, até o final dessa década, o número de pes-quisadores que hoje atuam no estado. A estimativa foi feita no Plano de C&T&I para o estado de São Paulo nos próximos 15 anos, elaborado por um comitê exe-cutivo que inclui secretários de Estado, pró-reitores de Pesquisa das universida-des públicas paulistas e diretores de ins-titutos de pesquisa. Essa ambição está em sintonia com outra meta do plano, que é a de elevar o dispêndio em pes-quisa e desenvolvimento no estado do atual 1,52% para 2,3% em 2020 – pata-mar alcançado pelo conjunto de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne 31 países que geram mais da metade da riqueza do planeta.

Para responder a esse desafio, o pla-no mostra que seria necessário ter cerca de 156 mil pesquisadores em atividade no estado em 2020, três vezes o contin-gente atual. “O número de cientistas por milhão de habitantes em São Paulo é cerca de 1.100, superior ao dos paí-ses da América Latina e quase o dobro do Brasil. Para chegar ao patamar dos países desenvolvidos – a Espanha, por exemplo, que tem uma dimensão de-mográfica e territorial comparável à de São Paulo – seria preciso ter o triplo de cientistas em território paulista”, disse Carlos Henrique de Brito Cruz, um dos coordenadores do plano.

Os obstáculos a serem enfrentados são consideráveis. O Brasil forma por ano 56 doutores por milhão de habitan-tes, índice aquém de países como Ingla-

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Page 31: Contra novas tragédias

PESQUISA FAPESP 171 n maio DE 2010 n 31

Em 2020 serão

necessários

156 mil

pesquisadores

em atividade no

estado de são

paulo, três vezes

o contingente

atual

terra (250), Austrália (224), Coreia do Sul (164) e França (131). A situação de São Paulo é melhor do que a média do país. O estado forma por ano 114 dou-tores por milhão de habitantes. Um pro-blema é que o crescimento do número de doutores formados no Brasil arrefe-ceu nos últimos anos. Até 2002 a taxa de crescimento na formação de doutores era de 14% por ano, tendo caído para 4% anuais após 2003. Reacelerar esse processo depende de soluções ousadas e muitas vezes complexas. Entre as pro-postas mencionadas pelos participantes da conferência elencam-se desde melho-rar o nível dos ensinos fundamental e médio, para aumentar o número de bons candidatos ao ensino superior, até criar novos centros de pós-graduação e enfa-tizar o doutorado sobre o mestrado.

Houve consenso entre os partici-pantes de que não é possível esperar apenas que as três universidades estadu-ais ampliem ainda mais seus programas de formação de doutores, ampliação esta que vem acontecendo continua-mente há muitos anos, pois a capaci-dade parece estar chegando ao limite. Em 2008 a USP formou 2.301 doutores, quase o triplo de grandes universidades americanas, como a Universidade da Califórnia, em Berkeley, e a Univer-sidade do Texas, em Austin. A Unesp, com 772 doutores formados em 2008, e a Unicamp, com 760, tiveram desem-penhos quantitativos superiores ao de Harvard (660) e de Stanford (638). Mas os Estados Unidos formaram 48.802 doutores em 2008 diante de 10.711 no Brasil, porque dispõem de um número muito maior de cursos de doutorado disseminados em várias instituições. “Fazer com que as universidades paulis-tas formem ainda mais doutores pode não ser compatível com a formação de qualidade que caracteriza essas institui-ções”, disse Vahan Agopyan, pró-reitor de Pós-graduação da USP e membro do Conselho Superior da FAPESP.

O crescimento de novos centros de pós-graduação no Brasil será a saída para que o número de pesquisadores cresça a ponto de o Brasil manter-se competitivo com o time de nações desenvolvidas. “São Paulo forma 48% dos doutores brasileiros, concentra 30% dos que estão em atividade de pesqui-sa, produz 50% dos artigos científicos publicados e recebe, em média, pouco

mais de 20% dos recursos das agências federais de fomento à ciência e tecno-logia”, afirmou Brito Cruz. “Ao mesmo tempo que é essencial que se expanda o sistema nacional de C&T, é também fundamental que sejam apoiados os centros mais avançados e que dão maior contribuição ao desenvolvimento cien-tífico e tecnológico do país”, resume.

A ideia é que quase dois terços dos 150 mil pesquisadores paulistas em 2020 atuem no setor privado, respei-tando a proporção atual. No caso das universidades, o problema é mais com-plexo. Segundo o pró-reitor de Pesquisa da USP, Marco Antônio Zago, é irreal imaginar que as universidades irão am-pliar consideravelmente o número de vagas de docentes nos próximos anos. O incentivo à formação de pós-doutores, segundo Zago, será fundamental para aumentar o contingente de talentos envolvidos diretamente em pesquisa, ainda que sem vínculos definitivos com as instituições de ensino superior.

Os pesquisadores paulistas gastam tempo demais em tarefas burocráticas, como prestações de contas e produ-ção de relatórios, o que atrapalha sua dedicação à pesquisa. Produzir ciência de maior qualidade depende, segun-do os participantes da conferência, da contratação de mais pessoal técnico e administrativo nas universidades. “O preenchimento de documentos poderia

ser feito por pessoal administrativo e a operação de equipamentos, por técnicos especializados”, afirmou Cláudio Shyinti Kiminami, pró-reitor de Pesquisa da Uni-versidade Federal de São Carlos (UFS-Car). Conforme observou Zago, da USP, a contratação de pessoal técnico também é necessária para potencializar o uso de equipamentos de múltiplos usuários que hoje muitas vezes estão ociosos por fal-ta de quem saiba fazê-los funcionar. “A escassez de pessoal técnico é o principal gargalo atualmente na expansão da ca-pacidade de pesquisa das universidades brasileiras”, afirmou Zago.

A participação mais efetiva em redes internacionais também foi apontada co-mo essencial para que os artigos produ-zidos por nossos pesquisadores tenham mais impacto. Klaus Werner Capelle, pró-reitor de Pesquisa da Universidade Federal do ABC (Ufabc), ressaltou que a inserção da pesquisa nacional no ce-nário mundial está aquém do desejável e do possível, devido, principalmente, à barreira do idioma. Ele propôs polí-ticas para financiar e apoiar cursos de redação científica e de conversação em inglês para pesquisadores e estudan-tes, além de uma agressiva campanha de divulgação da pesquisa brasileira no exterior. “Os artigos brasileiros consti-tuem 2,12% das publicações mundiais em 2008, mas recebem menos citações que a média mundial”, lembrou Capel-le. “Comparado com outros países, há ainda escasso intercâmbio acadêmico de alunos e poucos pós-doutores inter-nacionais no Brasil”, disse.

Um dos desafios propostos foi a ado-ção de mais estímulos para que estudan-tes e pesquisadores tenham experiên-cia internacional e estabeleçam pontes com grupos estrangeiros – por meio, por exemplo, do aumento das bolsas de dou-torado sanduíche. Ronaldo Pilli, pró-rei-tor de Pesquisa da Unicamp, apresentou o esforço de sua universidade em se in-ternacionalizar, por meio, por exemplo, da ampliação de programas de estágios de iniciação científica em universidades norte-americanas e do financiamento de visitas de professores estrangeiros por até dois meses. A Unicamp, disse Pilli, busca formas jurídicas para contratar pesquisadores estrangeiros, por perío-dos de um a dois anos, sem a proibição hoje imposta de fazer o processo seletivo em idioma estrangeiro. »

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32 n maio DE 2010 n PESQUISA FAPESP 171

Afalta de recursos humanos quali-ficados já prejudica os planos de crescimento das indústrias paulis-

tas, relatou Celso Barbosa, gerente de tecnologia, pesquisa e desenvolvimento da Villares Metals, um dos palestran-tes da Conferência Paulista de Ciência, Tecnologia e Inovação. “Em breve po-deremos ter um problema muito sério de falta de mão de obra especializada. Por exemplo, de 27 engenheiros forma-dos no ano passado em uma turma do Instituto Tecnológico de Aeronáutica, 21 foram para o sistema financeiro”, contou. Para Barbosa, um crescimen-to econômico mais vigoroso do país poderá acarretar uma grande falta de técnicos e pesquisadores nas empre-sas, um verdadeiro blackout de mão de obra qualificada. E essa escassez já vem sendo notada. “Há dificuldade até para encontrar bolsistas para projetos”, dis-se. A preocupação foi compartilhada por José Fernando Perez, presidente

da Recepta Biopharma e diretor cien-tífico da FAPESP entre 1993 e 2005. “O Brasil precisa formar mais engenheiros e cientistas ou a falta de recursos hu-manos será um gargalo sério para o desenvolvimento”, disse.

Mas enfrentar o problema não de-pende apenas das universidades. As deficiências no ensino fundamental e médio são a grande questão de fundo para a formação de recursos humanos no estado de São Paulo. “O número de vagas para o ensino superior é maior do que o número de pessoas concluindo o ensino médio”, destacou Brito Cruz. “Temos que aumentar o número de pesquisadores e estamos observando que a taxa de formação está limitada no ensino superior e estagnada na pós--graduação. Para reverter esse quadro, é preciso melhorar a qualidade do en-sino médio para haver mais e melhores candidatos.” Nesse sentido, o investi-mento feito pelo estado de São Paulo

resgAte do ensino Médio e reforMA dA pós-grAduAção

em faculdades de tecnologia, Fatecs, e em escolas técnicas, Etecs, foi apon-tado como relevante para amenizar esse quadro. Outras propostas foram sugeridas, como a criação de cursos pré-vestibulares mantidos pelas pró-prias universidades, a fim de reforçar a formação dos estudantes de escolas públicas e facilitar sua entrada nas uni-versidades públicas de qualidade.

Parte do problema da evasão de alunos das universidades públicas é explicada pelas dificuldades de acom-panhar os cursos. “Eles não conseguem médias mínimas, pois chegam despre-parados à universidade”, disse Vahan Agopyan, pró-reitor da USP. Para ele, problemas estruturais, como a falta de professores em certas áreas, a formação deficiente dos docentes e a qualidade ruim do material didático, somam-se a equívocos no processo de formação profissional, como as lentas mudanças nos currículos, e geram profissionais desatualizados, que paradoxalmente amargam o desemprego num mercado carente de talentos. Para o pró-reitor de Pós-graduação da UFSCar, Bernar-do Arantes do Nascimento Teixeira, o problema tem vínculos com a desva-lorização da carreira docente. “Temos um grande número de vagas ociosas nos cursos de licenciatura, pois é difícil encontrar alunos dispostos a seguir a carreira docente”, afirmou.

0,00 0,05 0,10 0,15 0,20 0,25

brasil

argentina

méxico

Coreia

Chile

são paulo

Espanha

austrália

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1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010

20.000

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brasil

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100%

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o AUmEnto dA ProdUção CIEntíFICA

Evolução do número de artigos científicos na base isi artigos por cientista na base isi em 2004

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PESQUISA FAPESP 171 n maio DE 2010 n 33

A insuficiente interação entre a aca-demia e o setor privado e a baixa capacidade inovadora das empre-

sas brasileiras persistem como desafios a serem enfrentados por pesquisadores, governos e empresários. Os participan-tes da Conferência Paulista de Ciência, Tecnologia e Inovação concordaram que, embora importantes, os meca-nismos criados nos últimos anos para aproximar das empresas o conhecimen-to gerado nas universidades produzi-ram, por enquanto, resultados tímidos e precisam de reforço. Pedro Wongtscho-wski, diretor-presidente do Grupo Ul-tra, afirmou que os sistemas oficiais de incentivo são inadequados às empresas e não contemplam as suas realidades. “A Lei do Bem, por exemplo, atraiu cerca 300 empresas em 2007 e 450 em 2008. Isso é muito pouco”, disse Wongtscho-wski, referindo-se à Lei 11.196 de 2005, que estabeleceu incentivos à inovação tecnológica. “Os intuitos são bons, mas não geram os efeitos desejados. Há al-go de errado com o modo como esses instrumentos foram concebidos e como são aplicados”, afirmou.

Presidente da Recepta Biopharma e ex-diretor científico da FAPESP, o físi-co José Fernando Perez defendeu uma maior flexibilidade dos investimentos governamentais federais destinados à pesquisa, cujas ferramentas são exces-sivamente burocráticas. “Uma peque-na mudança durante o projeto gera problemas com o uso da verba que já estava marcada”, disse. Carlos Américo Pacheco, do Instituto de Economia da Unicamp, afirmou que as ações e as po-líticas públicas voltadas para estimular a inovação, mesmo bem-intenciona-das, tornam-se pouco efetivas ante a influên cia de um ambiente hostil para a atividade produtiva, com carga tri-butária e juros reais muito elevados.

A falta de atualização dos métodos didáticos também dificulta o aprendi-zado dos universitários, segundo Ma-rilza Vieira Cunha Rudge, pró-reitora de Pós-graduação da Universidade Es-tadual Paulista (Unesp). “Os alunos não suportam longas aulas teóricas. Eles estão acostumados com métodos de aprendizado colaborativo que não estamos empregando”, disse. De acor-do com ela, é preciso também pensar em novos formatos para os cursos de pós-graduação que atendam esse novo público. “É preciso respeitar o perfil da nova geração”, disse.

Outra questão permeou as dis-cussões: o modelo de pós-graduação vigente no país é adequado para os desafios dos próximos anos? A per-manência do mestrado como pré-re-quisito para a formação de doutores foi questionada pelos participantes. A pró-reitora da Unesp, por exem-plo, sugeriu uma redução no tempo de formação, acoplando o mestrado à graduação e diminuindo o tempo de doutoramento para três anos, de modo que, como ocorre na Europa, o prazo para obter graduação e dou-torado seja reduzido para sete anos. Exemplos como o da Unicamp, que conseguiu abreviar a etapa do mes-trado na formação de muitos alunos

inovAção eM gestão de negócios e incentivos seM burocrAciA

que fizeram iniciação científica du-rante a graduação, e da UFSCar, que frequentemente promove mestrandos ao doutorado direto, foram apontados como boas alternativas para o siste-ma de pós-graduação paulista, que é mais maduro do que em vários outros estados brasileiros. Mas a formação deficiente dos graduados é tida como um empecilho para abolir o mestra-do. “A pós-graduação está consolidada e reconhecida no país. Devemos nos preocupar com o seu aperfeiçoamento e melhor inserção na sociedade”, disse Agopyan, da USP.

O avanço de um tipo de pesquisa interdisciplinar e multidisciplinar im-põe um outro desafio que é quebrar as barreiras burocráticas das univer-sidades calcadas em departamentos. “Privilegiar a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade será fundamen-tal para agregar as diferentes áreas do conhecimento na universidade”, disse Maria José Soares Mendes Gianinni, pró-reitora de Pesquisa da Unesp. Mar-co Antônio Zago, da USP, apontou a necessidade de reformar amplamente o ensino superior, a fim não apenas de quebrar as barreiras disciplinares, mas sobretudo de moldar as universidades para as necessidades de longo prazo do progresso científico e tecnológico, que não se atrelam à agenda do Ministério da Educação ou às pressões corporati-vas. “Não se trata de uma avaliação téc-nica de desempenho como a Capes faz, mas de planejamento político de longo prazo, para criar um novo pacto sobre as metas do sistema de formação após a graduação, desvinculado dos inte-resses e reivindicações imediatistas do sistema universitário”, disse Zago. De acordo com Eduardo Moacyr Krieger, que coordenou a mesa-redonda sobre pesquisa acadêmica, o esforço para criar as bases da educação interdis-ciplinar nas universidades requer um forte engajamento das ciências sociais e humanas. “Isso é fundamental. Não se faz pesquisa interdisciplinar hoje sem a participação das humanidades e das ciências sociais. Os pesquisadores dessas áreas estão sendo convocados a participar ativamente desse esforço”, afirmou Krieger, que foi presidente da Academia Brasileira de Ciências entre 1993 e 2007 e é membro do Conselho Superior da FAPESP. »

Deficiências

nos ensinos

fundamental

e médio são a

grande questão

de fundo para

a formação

de recursos

humanos

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34 n maio DE 2010 n PESQUISA FAPESP 171

Ele defendeu a adoção de estratégias que tentem equalizar as desvantagens im-postas pelas condições macroeconômi-cas, tornando as empresas mais capazes de inovar e de competir. “Tome-se o ca-so do êxito da política agrícola. Ela teve sucesso porque oferece compensações a esse ambiente hostil. O juro é tabelado e fixo e o Tesouro banca a diferença. Nin-guém paga a taxa Selic”, afirmou.

Mas os debates mostraram que o setor privado vem melhorando seu desempenho em P&D. Dados apre-sentados por Brito Cruz, da FAPESP, mostraram que o investimento em P&D em São Paulo segue liderado pe-lo setor privado, que investiu R$ 9,7 bilhões em 2008, ante R$ 7,1 bilhões em 1995 (em reais de 2008). O dispên-dio do governo estadual, nesse período, aumentou de R$ 2,4 bilhões para R$ 3,7 bilhões. A nota dissonante vem do governo federal, que investiu em P&D em São Paulo praticamente o mesmo valor real em 1995 e em 2008, variando de pouco mais de R$ 1,9 bilhão para cerca de R$ 2 bilhões. Segundo ele, a quantidade de pesquisadores de São Paulo, apesar das limitações, vem au-mentando: passou de 25 mil em 1995 para cerca de 50 mil em 2008. Desse total, 60% estão em empresas, 34% em instituições de ensino superior e 6% em institutos de pesquisa. “É notável que a participação das empresas no nú-mero total de pesquisadores aumentou pronunciadamente a partir de 1999”, observou Brito Cruz.

Um sintoma de que vem ocorren-do um estreitamento na relação entre empresas e cientistas foi uma discus-são, inexistente até tempos atrás, sobre os limites das negociações para o pa-gamento de royalties a pesquisadores que contribuem com o setor privado. Wongtschowski, do Grupo Ultra, criti-cou o apetite das universidades na hora de discutir com as empresas contratos de propriedade intelectual. Disse que os pesquisadores, com frequência, super-dimensionam a contribuição que estão dando ao produto ou processo desen-volvidos – em geral apenas num elo de uma extensa cadeia de inovações – e exigem royalties, a seu ver, exagerados. Sugeriu que a definição da remuneração seja feita após o produto chegar ao mer-cado, a fim de alcançar um valor atre-lado ao ganho gerado. José Fernando

Perez contra-argumentou lembrando que hospitais de pesquisa dos Estados Unidos impõem a empresas negociações duríssimas relacionadas aos royalties de descobertas científicas.

O economista João Furtado, pro-fessor da Escola Politécnica da Univer-sidade de São Paulo (USP) e coorde-nador de inovação tecnológica da FA-PESP, chamou a atenção para o fato de que os atores envolvidos no processo de desenvolvimento tecnológico e de inovação confundem frequentemente seus papéis no Brasil. Segundo ele, a universidade ora cumpre papel que pertence não a ela, mas às empresas, ora se exime de fazer o que se espera dela. Ronald Martin Dauscha, do Cen-tro de Inovação, Educação, Tecnologia e Empreendedorismo do Paraná (Cie-tep) da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), ressaltou a importância de classificar as empresas conforme a sua maturidade em pesqui-sa e inovação. “Não é possível classificar pelo tamanho. Há pequenas empresas extremamente inovativas e empresas de grande porte que desconhecem a pesquisa”, comparou Dauscha. Fer-nando Landgraf, diretor de inovação do Instituto de Pesquisas Tecnológi-cas (IPT), defendeu a necessidade de estabelecer uma métrica mais eficaz para avaliar empresas e instituições. “Nossa proposta se baseia em utilizar como indicador de avanço da inovação o número de contratos com cláusulas de propriedade intelectual”, disse. »

o setor privado

paulista vem

melhorando seu

desempenho em

p&D e passou

a contratar mais

pesquisadores

0,00 1,00 2,00 3,00 4,00 5,00 6,00

méxico

argentina

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França

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Estados unidos

Coreia

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Federal Estadual privado

10.000,0

8.000,0

6.000,0

4.000,0

2.000,0

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1995 2001 2008

1.972

1.524

2.0352.540

3.378

3.733

7.1197.277

9.756

InvEStImEnto PAUlIStA Em PESQUISA E dESEnvolvImEnto

Comparação do dispêndio em p&D em % do pib Composição do dispêndio em p&b em são paulo (em milhões de reais de 2008)

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PESQUISA FAPESP 171 n maio DE 2010 n 35

esforços MultidisciplinAres e A iMportânciA dAs HuMAnidAdes

Q uais devem ser as áreas prioritá-rias para P&D em São Paulo nos próximos 15 anos? A pergunta

rendeu uma das discussões mais ricas da Conferência Paulista de Ciência, Tec-nologia e Inovação e produziu respostas complexas, que associam a necessidade de gerar esforços multidisciplinares em áreas como a nanotecnologia, a ciên-cia da computação e a ecologia urbana, com destaque para o envolvimento das ciências humanas. Cylon Gonçalves da Silva, professor emérito do Instituto de Física da Unicamp e coordenador adjunto da FAPESP para Programas Especiais, propôs um elenco de áreas emergentes que, segundo sua avaliação, não invalida nem se contrapõe às priori-dades do presente. No campo das ciên-cias exatas e engenharias, disse Cylon, a ênfase deveria ser canalizada para a nanotecnologia, entendida como o con-trole da matéria na escala de átomos e moléculas, com foco para áreas capazes de responder às necessidades energéti-cas do planeta, tais como a fotossíntese artificial e o armazenamento de energia. Ele também propôs investimentos na chamada e-science, que são as ferramen-tas conceituais para tratar vastas quanti-dades de dados, para auxiliar disciplinas como a astronomia e a genômica, entre outras. No campo das ciências da vida e da saúde, de acordo com o professor, a prioridade deve ser a nanobiotecnolo-gia, a fim de desenvolver, por exemplo, novos processos de diagnósticos e de criar moléculas capazes de atingir al-vos precisos no corpo humano. Como a maior parte da população do planeta vive em cidades, Cylon propôs como meta para as ciências sociais e humanas um esforço para entender e controlar a ecologia do ambiente urbano. A pes-quisa interdisciplinar é essencial para vencer os desafios da ciência, segun-do Cylon. “Nosso desafio é estimular as novas gerações de pesquisadores a explorar o vazio das disciplinas tradi-cionais”, afirmou.

O papel das ciências sociais e das hu-manidades também foi destacado pelo historiador Shozo Motoyama, do Centro Interunidade de História da Ciência da USP, que propôs a criação de um Institu-to Virtual de Ecologia Urbana. Segundo Motoyama, a pobreza, os problemas de saneamento básico, urbanização, vio-lência e intolerância não vêm sendo tra-tados ainda de forma articulada, mas apenas setorialmente. “Essa ideia traria subsídios importantes para a adoção de políticas públicas inovadoras em todas as esferas de governos”, defendeu.

Luiz Henrique Lopes dos Santos, professor do Departamento de Filoso-fia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, lembrou que para a criação de um grande programa voltado para as humanidades é preciso haver demanda clara e organizada da co-munidade científica. “Se existe na comu-nidade científica um vulto significativo de pesquisadores que estão dispostos a dedicar seus esforços a um determina-do campo, é importante ter iniciativas como essas. Mas é preciso ter cuidado para não formar, por meio da criação de um grande programa, uma demanda

artificial”, disse Lopes dos Santos, que é coordenador adjunto de Ciências Hu-manas e Sociais, Arquitetura, Economia e Administração da FAPESP.

Segundo o professor, as humani-dades não estão perdendo espaço em relação à oferta de bolsas e investimen-tos em projetos de pesquisa. A exceção é o Programa de Pesquisa em Políticas Públicas, que entre 2001 e 2004 con-templou 80 projetos. Entre 2005 e 2008 foram 41. “Esses números mostram que pode haver mais empenho das humani-dades em projetos de inovação – que, nesse caso, concernem principalmente às políticas públicas”, afirmou. De acor-do com ele, o crescimento das áreas de humanidades é proporcional ao do sis-tema de ciência e tecnologia em geral. Os recursos disponíveis acompanham esse crescimento, não só no Brasil mas em todo o mundo. “Além da demanda pouco ousada para grandes projetos em humanidades, temos dificuldade em inserir nossa produção acadêmica na agenda internacional”, afirmou. Do ponto de vista da estratégia abrangente para a pesquisa, as discussões validaram o destaque feito por Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, em sua apresen-tação na abertura do evento, quando afirmou que, ao lado da pesquisa que pretende curar doenças ou tornar em-presas competitivas, também é preciso haver estímulo e destaque para a pes-quisa que faz a humanidade mais sábia, e a estratégia paulista precisa considerar todas essas oportunidades. n

1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010

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a velocidade do crescimento da formação de doutores caiu a partir de 2003

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VisibilidadeinternacionalPesquisadores do Instituto Microsoft Research-FAPESP apresentam seus projetos nos EUA

Pesquisadores brasileiros com projetos apoiados pelo Instituto Microsoft Research-FAPESP de Pesquisas em TI apresentaram os resultados de seus trabalhos no External Research Symposium 2010, evento organizado pelo braço de pesquisa da gigante Microsoft, em Redmond, nos Estados Unidos, nos dias 6 e 7 de abril. “A participação

do grupo brasileiro contribuiu significativamente para o sucesso do simpósio, exemplificando a dimensão e a qualidade da pesquisa em ciência da computação em São Paulo”, destacou Jaime Puente, diretor de pesquisas externas para a América Latina da Microsoft Research.

O instituto é uma iniciativa conjunta da FAPESP e da Microsoft que busca obter avanços no conhecimento em tecnologia da informação e também alcançar aplicações de impacto social. Três chamadas de propostas já foram lançadas e contemplaram 11 projetos, representados em Redmond numa sessão de pôsteres. Os cinco pro-jetos aprovados na primeira chamada do instituto em 2007 tiveram seus resultados divulgados em palestras específicas no External Research Symposium 2010. São eles, eFarms: uma estrada de mão dupla de pequenas fazendas para o mundo em rede; Projeto Borboleta: sis-tema integrado de computação móvel para atendimento domiciliar de saúde; e-Cidadania: sistemas e métodos na constituição de uma cultura mediada por tecnologias da informação e comunicação; PorSimples: simplificação textual do português para inclusão e acessibilidade di-gital; e X-Gov: aplicação do conceito de mídia cruzada a serviços públicos eletrônicos.

O projeto PorSimples, apresentado pela professo-ra Sandra Maria Aluísio e pela pesquisadora Caroline Gasperin, do Instituto de Ciências Matemáticas e de

[ CiênCia da Computação ]

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PESQUISA FAPESP 171 n MAIo DE 2010 n 37

0101001000110101001000100101001010001001000100100111101011011010101010000101101111101010010000110010011011111010101101101001011010000011011011111010010

Fabrício Marques

Computação da USP em São Carlos, desenvolveu ferramentas para simpli-ficar a linguagem dos textos em portu-guês disponíveis na internet e facilitar o seu entendimento tanto por crianças e adultos em processo de alfabetiza-ção quanto por analfabetos funcionais e pessoas com problemas cognitivos. Uma das ferramentas, um editor de textos on-line, busca ajudar os autores a preparar versões mais simplificadas de seus textos antes de serem publicados. O autor submete o texto ao programa, que propõe uma nova versão com constru-ções menos complexas e palavras mais fáceis de entender pela grande maioria. A outra é um plug in que precisa ser ins-talado no browser e procura fazer essa transformação em textos já publicados na rede – o desafio é produzir um novo texto que permaneça coerente, pois o autor não irá intervir no resultado final. “A tecnologia de simplificação por trás de ambas as ferramentas é a mesma e continua sendo aperfeiçoada”, diz Caro-line, 31 anos, bolsista de pós-doutorado. Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, que participou do evento, afirma que o envolvimento de

jovens pesquisadores e estudantes em reuniões internacionais de pesquisa é muito importante para a sua forma-ção profissional. “Esse envolvimento estimula que continuem a desenvolver pesquisa e mostra aos estudantes, des-de cedo, a importância da cooperação científica com pesquisadores de outros países”, ressaltou.

O simpósio contou com cerca de 150 cientistas de diversos países. “Os traba-lhos apresentados por pesquisadores de todo o mundo mostraram a variedade de temas abordados, indo desde aspectos de uso da computação na saúde (eHeal-th) até questões de preservação e recu-peração do conhecimento armazenado em mídia digital”, disse Claudia Bauzer Medeiros, professora do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que também esteve no simpósio. “Um dos temas mais enfatizados foi o aparecimento de uma nova forma de fazer ciência, apoiada pe-la tecnologia da informação. Cada vez mais, cientistas de todos os domínios do conhecimento precisam de novas ma-neiras de gerenciar, analisar e visualizar os dados produzidos por suas pesquisas.

Os trabalhos brasileiros também segui-ram a mesma linha, mostrando o amplo espectro do uso de métodos e técnicas da ciência da computação – desde fa-cilitadores para a inclusão digital até fornecedores de subsídios para o pro-gresso de todas as ciências”, destacou a professora, membro da coordenação da área de ciência e engenharia da com-putação da FAPESP.

Claudia apresentou o projeto eFar-ms: uma estrada de mão dupla de pe-quenas fazendas para o mundo em re-de, aprovado na primeira chamada do Instituto Microsoft Research-FAPESP. O eFarms, que aborda problemas de pesquisa conjunta em computação e ciências agrárias, vem sendo desenvol-vido para atender a dois grandes obje-tivos. “O primeiro é o desenvolvimento de modelos, algoritmos e ferramentas computacionais para apoio à decisão em planejamento de safras. O segundo objetivo é criar uma rede de comunica-ção de dados de baixo custo, para per-mitir a pequenas propriedades rurais o acesso à internet, incluindo comunica-ção entre as propriedades”, disse.

O simpósio, que acontece todos os anos, ofereceu aos pesquisadores a opor-tunidade de trocar ideias e experiências e discutir estratégias futuras com colegas de outros países. Jacques Wainer, pro-fessor do Instituto de Computação da Unicamp, levou a Redmond um pôster de seu projeto, contemplado na segunda chamada do Instituto Microsoft Resear-ch-FAPESP, que busca desenvolver um sistema de informação capaz de detec-tar alterações em imagens de fundo de olho indicativas de retinopatia diabética, complicação do diabetes que afeta a pas-sagem de sangue e pode levar à perda da visão. Ele conta que ficou impressiona-do com as reuniões de que participou, em especial as sobre , conceito baseado no compartilhamento de grandes servidores interligados pela internet para utilização coletiva da me-mória e das capacidades de armazena-mento e processamento. “Esse conceito já é disseminado no meio empresarial, mas a Microsoft vem investindo em suas aplicações em computação científica”, diz Wainer. “Logo depois do simpósio, já incumbi um aluno de começar a tra-balhar nesse tópico”, afirma. n

ProjEto

eFarms: uma estrada de mão dupla de pequenas fazendas para o mundo em rede

PorSimples: simplificação textual do português para inclusão e acessibilidade digital

e-Cidadania: sistemas e métodos na constituição de uma cul-tura mediada por tecnologias da informação e comunicação

Projeto Borboleta: sistema integrado de computação móvel para atendimento domiciliar de saúde

X-Gov: aplicação do conceito de mídia cruzada a serviços públicos eletrônicos

JamSession: uma arquitetura descentralizada para mundos virtuais especializados e a Web 3.0

Triagem automática de retinopatias diabéticas: tecnologia da informação contra a cegueira prevenível

AgroDataMine: desenvolvimento de métodos e técnicas de mineração de dados para apoiar pesquisas em mudanças climáticas com ênfase em agrometeorologia

SinBIoTA 2.0 - Sistema de Informações do Programa Biota/FAPESP: planejando os próximos 10 anos

Desenvolvimento e aplicação de rede de geossensores para monitoramento ambiental

Tecnologia da informação aplicada à genômica para bioener-gia: anotação probabilística usando inteligência artificial

coordEnAção

Claudia Bauzer Medeiros, Unicamp

Sandra Aluisio, USP São Carlos

Maria Cecília Baranauskas, Unicamp

Fabio Kon, USP

Lucia Filgueiras, USP

Flávio Soares Corrêa da Silva, USP

Jacques Wainer, Unicamp

Agma Juci M. Traina, USP

Carlos Alfredo Joly, Unicamp

Celso Von Randow, Inpe

Ricardo Nicoliello Vencio, USP Ribeirão Preto

Projetos apoiados pelo Instituto Microsoft Research-FAPESP de Pesquisas em TI

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38 n maio DE 2010 n PESQUISA FAPESP 171

Corrida contra o relógioo biólogo Thomas Lovejoy diz que é preciso restaurar parte da amazônia desmatada para salvar a floresta e enfrentar as mudanças climáticas

Os efeitos combinados das mu-danças climáticas, desmata-mento e queimadas podem desencadear um grande pro-cesso de perda da biodiversi-dade da Amazônia quando se alcançar 20% de devastação

do território. A previsão, feita por um relatório do Banco Mundial, é usada pelo biólogo norte-americano Thomas Lovejoy, um estudioso da Amazônia há quatro décadas que introduziu o termo biodiversidade na comunidade científica nos anos 1980, para tratar da urgência em resgatar ecossistemas em degrada-ção. “A restauração de ecossistemas, como o reflorestamento da Amazônia, em escala planetária também estabele-ce a possibilidade de remover parte do CO2 da atmosfera e convertê-lo em sis-temas vivos”, diz Lovejoy, que preside o Centro Heinz para Ciência, Economia e Meio Ambiente, é membro do Con-selho Curador da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável e consultor do Banco Mundial.

Em 22 de maio, o Dia Internacio-nal da Biodiversidade, Lovejoy estará em São Paulo, a convite do programa Biota-FAPESP, para proferir uma pa-lestra sobre o 3º Global Biodiversity Outlook (GBO3), iniciativa da Con-venção sobre a Diversidade Biológica que busca discutir indicadores para se monitorar a redução nas taxas de ex-tinção de espécies, destruição de hábi-tats e de serviços prestados por ecossis-temas. Na entrevista a seguir, Lovejoy trata desse tema e das perspectivas da preservação da biodiversidade.

A versão preliminar do relatório Glo-■nbal Biodiversity Outlook 3 informa que não foi atingida a meta combinada em 2002 de “obter uma redução significativa da taxa atual de perda da biodiversida-de”. Por que isso aconteceu?

As metas não tinham sido estabele- —cidas até pouco depois de 2002 e sem-pre leva tempo para definir as ativida-des e organizar as instituições. Mas a consciência de que elas não estavam sendo atingidas levantou discussões sobre a necessidade de fazer da defini-ção de metas um exercício mais sólido. Diria que o problema foi que a questão não estava sendo suficientemente leva-da a sério em termos globais.

Qual é a sua opinião sobre as políticas ■ne as ações adotadas para proteger a Flo-resta Amazônica nos últimos 10 anos? A savanização da Amazônia foi apontada pelo Painel Intergovernamental de Mu-danças Climáticas (IPCC) como uma provável consequência do aquecimento global. Acredita neste cenário?

Houve uma mudança dramática e —positiva na última década na Amazô-nia brasileira. Isso incluiu um abrupto declínio nas taxas de desmatamento, a criação de expressivas novas áreas de proteção, melhorias no processo de titulação de terras e uma mudança geracional nas lideranças dos estados da região. Trata-se, no entanto, de uma corrida contra o tempo. Um estudo re-cente do Banco Mundial mostrou que os efeitos combinados das mudanças climáticas, desmatamento e queimadas poderiam desencadear um processo de

morte da floresta quando se alcançasse 20% de devastação na Amazônia. Isso traria implicações importantes para a agroindústria e a geração de energia hidrelétrica ao sul e a leste por causa das chuvas oriundas do ciclo hidrológico da Amazônia. Isso faz com que o reflo-restamento agressivo da Amazônia para reconstruir uma margem de segurança seja uma prioridade urgente.

Como a redução na perda da bio-■ndiversidade pode ajudar a enfrentar a pobreza, promover o desenvolvimento e lidar com as mudanças climáticas?

Pavan Sukhdev, do Deutsche Bank, —fez um importante estudo dois anos atrás no qual documentou a parcela significativa da renda dos pobres gerada por produtos e serviços da biodiversida-de e dos ecossistemas. A biodiversidade é de enorme importância para os pobres. Mas todos nos beneficiamos dela, não apenas os pobres. A bacia hidrográfi-ca de Nova York fornece água de alta qualidade para a cidade ao custo de um décimo do valor que seria gasto por uma estação de purificação de água criada para a mesma tarefa. A humanidade se beneficia regularmente das contribui-ções das espécies selvagens e dos ecos-sistemas, embora cometamos o erro de raramente contabilizarmos isso dessa forma. A restauração de ecossistemas, como o reflorestamento da Amazônia, feita em escala planetária estabelece a possibilidade de remover parte do CO2 da atmosfera, provavelmente o equiva-lente a 40 partes por milhão, e convertê--lo de volta em sistemas vivos.

[ biodiversidade ]

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de um ecossistema e é a soma de suas funções que fornece um serviço.

Qual a sua opinião sobre a ciência ■nbrasileira vinculada à conservação e ao uso sustentável da biodiversidade?

O Brasil tem ecologistas, especia- —listas em biodiversidade, biólogos da conservação e outros cientistas de clas-se mundial. Eles dão uma enorme con-tribuição em âmbito nacional, além de uma contribuição significativa em escala mundial. O mundo só pode se beneficiar se a influência científica do Brasil neste campo continuar a crescer.

Qual é a sua opinião sobre a política ■nde combate à biopirataria no Brasil?

De modo geral, tem havido um con- —siderável exagero na preocupação com a biopirataria no Brasil. Nós estamos em uma nova época na qual cientistas do mundo inteiro são sensíveis ao problema e estão sujeitos a autorizações nos países em que trabalham. Os reais biopiratas são aqueles que destroem a biodiversida-de, porque, dessa forma, ela não poderá nunca contribuir para o conhecimento e o bem-estar dos cidadãos. Houve um momento na década passada em que as

políticas de permissão tornaram-se pe-sadas para desencorajar os estrangeiros a participar da pesquisa. O progresso da ciência é maior quando a colaboração internacional é facilitada.

Considera justas as críticas sobre as es-■ntratégias brasileiras para obter energia? Usinas hidrelétricas e bioenergia são op-ções limpas, mas enfrentam críticas em relação a impactos na biodiversidade e a segurança alimentar.

O Brasil está em posição de fazer —contribuições importantes no campo da energia, particularmente em biocombus-tíveis, embora os detalhes sejam sempre importantes. Ao mesmo tempo, existem oportunidades imensas para melhorar a eficiência energética. Eu acho que o Brasil precisa de um novo modelo nacional pa-ra ir ao encontro de suas necessidades de energia de uma maneira muito mais sus-tentável – capaz de incorporar eficiência, preocupação com o uso da terra e formas adequadas de fazer barragens em rios. Até que desenvolva esse novo modelo, estará sujeito a projetos problemáticos como esse da Usina de Belo Monte. n

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oIncertezas sobre os resultados da ciên-■ncia do clima têm sido usadas para atacar as conclusões do IPCC. Como os cientis-tas enfrentam as críticas relacionadas à perda da biodiversidade?

Há inevitavelmente desacordo acerca —de detalhes, mas essencialmente todos os cientistas que estudam a biodiversi-dade concordam que existe uma crise. Prevejo que em algum momento haverá um esforço coordenado para dizer que isso está acontecendo, mas que não é importante. Mas até mesmo o ex-go-vernador do Mato Grosso Blairo Maggi sabe que seus campos de soja dependem das chuvas que vêm do Amazonas, um serviço que seria uma loucura ignorar ou permitir que deteriore.

Quais são as principais diferenças ■ndo GBO3 e dos relatórios anteriores em relação à quantidade e à qualidade de dados globais e ao uso de indicadores ligados à proteção e ao uso sustentável da biodiversidade? A ciência brasileira tem ajudado com bons dados?

O GBO3, assim como seus predeces- —sores, é construído a partir de relatórios nacionais bem como de outros dados. Os relatórios nacionais estão claramen-te muito melhores e mais robustos hoje em contraste com os do GBO1 e do GBO2. Não vi o relatório brasileiro, mas suponho que também seja bom e robusto. O Brasil é muito forte cien-tificamente, inclusive em biologia da conservação. Certamente, o programa Biota e instituições como a FAPESP têm contribuído significativamente para esse relatório e para os próximos, assim como para a conservação em si.

Há uma tendência de organismos ■nmultilaterais de converter a proteção à biodiversidade em serviços ambientais, utilizando-os para quantificar avanços nas questões de conservação da biodi-versidade. Concorda com isso? Há quem diga que se trata de uma simplificação antropocêntrica, pois os serviços conside-rados são benefícios para o homem.

Os serviços dos ecossistemas consti- —tuem uma perspectiva importante sobre o valor da natureza para a humanidade, mas há uma abundância de discretos “produtos” que emanam de uma única espécie ou de grupos de espécies que não devem ser ignorados. É fundamental re-conhecer que as espécies são a estrutura

Lovejoy: palestra em São Paulo no Dia da Biodiversidade

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PESQUISA FAPESP 171 n maio DE 2010 n 41

O demógrafo que pensava o clima

Daniel Hogan, morto aos 67 anos, alertou sobre os impactos das mudanças climáticas nos centros urbanosA

maioria dos estudiosos das mudanças cli-máticas olha para o céu e para os levanta-mentos históricos para prever o comporta-mento do tempo. Com um olhar comple-mentar, Daniel Joseph Hogan olhava para a terra – mais exatamente, para as cidades. Um dos raros especialistas em ciências hu-

manas voltados à avaliação dos impactos das al-terações do clima, em novembro de 2009 Hogan apresentou as conclusões de um levantamento que havia coordenado, mostrando que um dos pontos da cidade do Rio de Janeiro mais sensíveis aos excessos do clima eram as proximidades da lagoa Rodrigo de Freitas e as baías de Guanabara e de Sepetiba – de fato, essas áreas e as pessoas que viviam nelas esta-vam entre as mais atingidas pelas chuvas intensas do início deste ano no Rio. Já em São Paulo as áreas mais sensíveis são as próximas ao leito dos rios Tietê e Pinheiros, espaço de inundações constantes sob as chuvas de dezembro e janeiro.

Hogan, que morreu em consequência de um câncer na bexiga na madrugada do dia 27 de abril, era um dos coordenadores do projeto Megacidades, um amplo estudo sobre clima, solo, relevo e con-dições de vida de populações de cidades como São Paulo apoiado pelo Programa FAPESP de Mudanças Climáticas Globais. Um de seus propósitos era fazer com que as conclusões desse estudo chegassem a

quem pudesse trabalhar para evitar tragédias cau-sadas pelos temporais do início de cada ano (ver reportagem nesta edição).

Homem cortês e prestativo, voz sempre baixa, Daniel Joseph Hogan era professor de demografia e pesquisador do Núcleo de Estudos de Popula-ção (Nepo) e do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Hogan chegou à Unicamp em 1972, depois de ter se graduado em letras no Le Moyne College, em Syracuse, Estados Unidos, e feito o mestrado em sociologia do desenvolvimento e o mestrado em demografia, ambos na Univer-sidade Cornell, também nos Estados Unidos. Na Unicamp, vinculou-se ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e foi pró-reitor de Pós-graduação de 2002 a 2005. “Com sua capacidade de articulação e diálogo, Hogan conseguiu criar uma ampla rede de pessoas dedicadas a pensar e trabalhar por um mundo mais sustentável, justo e humano”, comentou a diretora do Nepo, Regina Maria Barbosa, ao Jornal da Unicamp.

“Daniel foi um pesquisador original e ima-ginativo que, além da contribuição científica, foi determinante para várias iniciativas institucionais. Na FAPESP sua participação foi determinante para trazer uma visão multidisciplinar com foco nas humanidades para programas como o Biota e o de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais”, comentou Carlos Henrique de Brito Cruz, dire-tor científico da FAPESP. “Seu modo tranquilo de debater, sempre em tom suave, palavras bem esco-lhidas e ideias fundamentais, definiu o resultado de muitas discussões científicas e institucionais e estabeleceu um modelo para a vida acadêmica. Sua ausência será muito sentida.” n

[ Homenagem ]

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LABORATÓRIO MUNDO

EXPRESSO SUBMARINO

Uma erupção no fundo do mar fez a alegriada bióloga Lauren Mullineaux, da InstituiçãoOceanográfica Woods Hole, nos Estados Uni-dos. Sua equipe embarcava num projeto parainvestigar os processos físicos responsáveispela dispersão da biodiversidade marinha,quando a erupção no leste do oceano Pacíficoeliminou a vida da região de estudo. O expe-rimento natural permitiu aos pesquisadoresacompanhar a recolonização dessa área defumarolas hidrotermais - fissuras no assoalhodo oceano em que a água se aquece em con-tato com rochas vulcânicas. Diferentementedo que se pensava, viram que as espécies quese estabeleceram não vinham da fuma rola vizinha, mas de maisde 300 quilômetros. Mais inesperado foi descobrir que são aslarvas que viajam, não os adultos (PNAS). Resta descobrir como.Jatos no fundo do oceano que se movem 10 centímetros porsegundo demorariam mais do que o tempo necessário para queas larvas virem adultas. "Ou as larvas usam outro transporteou vivem mais do que pensávamos", disse Lauren à agência denotícias da Fundação Nacional de Ciência (NSF).

IMAIS DO QUESUAR A CAMISA

Os dinamarquesesdemonstraram com testeso que os brasileiros jásabiam: jogar futebol fazbem à saúde física e ajudaa criar laços sociais.Peter Krustrup e IensBangsbo, da Universidadede Copenhague, realizaramtestes com homens emulheres com idade entre9 e 77 anos, comparandoos efeitos do futebol e dacorrida. Por alguns mesesum grupo de pessoas,adultos jovens, por exemplo,praticava corrida três vezespor semana, em treinos comuma hora de duração cada

um. Ao mesmo tempo,outro grupo da mesma faixaetária disputava partidasde futebol. Jogar bolaou correr melhorou odesempenho cardiovasculare fortaleceu a musculatura.

Mas, mesmo treinandoem grupo, os corredoresestavam mais focadosnos próprios resultados,enquanto os jogadoresdesenvolveram espíritode equipe. "Os benefíciosse mantiveram por umperíodo relativamentelongo, mesmo quandoo tempo de jogo diminuiupara uma.ou duas horaspor semana", conta Bangsbo.Os resultados estãonum suplementoespecial do Scandinavian[ournal of Medicine andScience in Sports.

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IEFEITOS DOCALOR HUMANO

O calor que emana de umapessoa no meio de uma salaatrai partículas que flutuamno ar, mostrou o grupo dofísico Iohn McLaughlin,da Universidade Clarkson,nos Estados Unidos. Baseadonuma simulação emcomputador, o trabalho foiapresentado no congressoda Sociedade FísicaAmericana, em Portland,e mostra que um corpo emtemperatura ambiente nãoaltera a trajetória daspartículas, mas quando a 25graus Celsius, a temperaturanormal das roupas deuma pessoa, as partículasque chegam são lançadaspara o alto, batem no tetoe voltam. Se correto,o modelo representa o queacontece num escritóriofechado, por exemplo, comas partículas carregadas devírus lançadas pelo espirrode um colega gripado oucom a poeira que entra pelosistema de ar-condicionado.

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IAGRICULTURADURADOURA

Os povos que viviam naAmérica do Sul antes dachegada dos europeus -os pré-colombianos- causaram mudançasecológicas permanentesna região amazônica.Reunindo arqueologia,arqueobotânica,paleoecologia, ciênciasdo solo, ecologia eimagens aéreas, um grupoliderado por Doyle McKey,do Centro Nacionalde Pesquisa Científicada França, mostrouque fazendeiros pré--colombianos construíramcomplexos de camposelevados em áreas da costadas Guianas, criandocanais, lagoas, sistemas dedrenagem e concentraçãode recursos. Sem essastransformações, essas terrasnão seriam adequadaspara o plantio. Mesmodepois de abandonadospor seus agricultores, essescampos foram mantidospelo que os pesquisadoreschamam de engenheirosdo ecossistema: formigas,cupins, minhocas e plantas.

Atraídos pelos nutrientesconcentrados nessas zonasalteradas, esses engenheirossilvestres continuama transportar nutrientespara elas e a alteraras propriedades do solo,diminuindo o risco deerosão. Essa é uma alteraçãosofisticada na natureza,que em vez de causardesgastes acaba dandoorigem a um sistemaautossustentado (PNAS).

AINDA IMBATíVEL

Dois estudos puseram à prova nova-mente a teoria da relatividade ge-ral, testada continuamente desdeque Einstein a propôs em 1915.Maisuma vez ela se mostrou a melhorexplicação para justificar a estrutu-ra do Universo. Desde o Big Bang,há 13 bilhões de anos, o Universoestá em expansão, que se tornouacelerada nos últimos 5 bilhões deanos. A maioria dos físicos e astrô-nomos acredita que sua forma re-sulte da interação entre gravidade,atrativa, e energia escura, repulsi-va. Para alguns grupos, porém, aenergia escura não existe e a teoriada relatividade geral só explicaria oque ocorre a pequenas distâncias,como a que separa planetas e estre-

las. Comparando dados de 49 aglomerados de galáxias com osde supernovas e radiação cósmica de fundo, Fabian Schmidt,do Instituto de Tecnologia da Califórnia, viu que a relatividadegeral explica a ação da gravidade tanto nas galáxias quantonos aglomerados de galáxias. Em outro trabalho, uma equipeda Universidade Stanford avaliou informações de outros 340aglomerados e verificou que as observações estão de acordocom a teoria de Einstein para distâncias maiores ainda.

Aglomerado degaláxias Abell3376: esculpidopela gravidade

IMENO~ATELEVISÃONA INFANClA

Usar a televisão como babáeletrônica de criançaspequenas pode causar danosduradouros. De acordocom um estudo feito naUniversidade de Montreal,no Canadá, e naUniversidade de Michigan,nos Estados Unidos,crianças de 2 anos expostasà televisão têm mais chancesde, aos 10, terem umdesempenho escolar pior,dificuldades de socialização,maus hábitos alimentarese de praticar menosatividades físicas.O trabalho foi publicadoeste mês na Archives of

Pediatrics &AdolescentMedicine. Os pais de1.314 crianças relataramo tempo de televisão aos29 e aos 53 meses de idade;aos 10 anos, os professoresavaliaram os hábitosescolares, psicossociais e desaúde. "O início da infânciaé um período crítico parao desenvolvimento docérebro e a formaçãodo comportamento",comenta Linda Pagani,coautora do artigoà agência de notíciasEurekalert, surpresa porencontrar um efeito tãodurável. "Alto consumode televisão duranteesse período pode levara hábitos pouco saudáveis."

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LABORATÓRIO BRASIL

IMAPA BRASILEIRODA HEPATITE

As taxas de prevalênciadas hepatites A, B e C noBrasil não são altas. Mas épossível reduzi-Ias, sugeremlevantamentos apresentadosem março por grupos depesquisa do país inteiro no140 Congresso Internacionalsobre Doenças Infecciosas,em Miami (International[ournal of lnfectiousDiseases). A hepatite Achega a atingir 67,5% dascrianças e adolescentes quevivem nas capitais da RegiãoNorte - e a vacina contraessa hepatite não constado calendário nacionalde imunização. O menoríndice detectado está naRegião Sul, onde 18,9% das

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DE MÃE PARA FILHO IA FORÇADO VAZIO

O vácuo está longe de sersimplesmente nada. A físicaquântica já mostrou quese trata de um estado comuma estrutura rica e difícilde definir. Agora os físicosWilliam Lima e DanielVanzella, da Universidadede São Paulo em São Carlos,mostraram que a gravidade- em geral consideradacoadjuvante em fenômenosdo mundo quântico, aqueleabaixo da escala atômica -pode ter uma relaçãoexplosiva com o vácuo.Em artigo publicado naPhysical Review Letters,a dupla mostra que emdeterminadas situações,como a formação de objetoscompactos como estrelasde nêutrons, o campogravitacional pode expandira densidade da energiado vácuo, que acaba pordominar o sistema. Restaaveriguar as consequênciasda descoberta para acosmologia e a astro física.

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Estudos conduzidos com camundongos eratos sugerem que, para evitar que os fi-lhos desenvolvam alergias na infância, ospais devem agir cedo. Na verdade, bemcedo - antes do nascimento ou mesmo daconcepção. Bastaria que a mulher mantives-se sua carteira de vacinação em dia antesde engravidar. É que, durante a gestaçãoe a amamentação, o sistema imunológicomaterno influencia a qualidade da defesados recém-nascidos. Em experimentos comcamundongos e ratos, a equipe da imunolo-gista Maria Notomi Sato, do Laboratório deDermatologia e Imunodeficiência da Facul-dade de Medicina da Universidade de SãoPaulo (USP), deu um passo importante paraexplicar como isso acontece. Os pesquisa-dores injetaram no sangue de fêmeas deroedores adultas, antes que acasalasseme emprenhassem, um antígeno que atua domesmo modo que uma vacina, estimulandoa produção de anticorpos. Mais tarde testa-ram quão alérgicos eram os filhotes. Sob a

influência dos anticorpos maternos, o sistema imune dosroedores filhos de mães vacinadas inibiu a produção decomunicadores químicos que disparam as alerqlas. Descritoem artigo na BMC Immunology, o trabalho mostra que esseefeito resulta de uma interação complexa entre células,comunicadores químicos e anticorpos.

crianças de 5 a 9 anos játiveram contato com ovírus. A prevalência estáligada ao nívelsocioeconômico. Já ahepatite B, cuja vacinaintegra o calendário deimunização do país desde1992, está mais controlada,ao menos nas regiões Sule Sudeste. Na faixa etáriados 10 aos 19 anos,a prevalência é de 1,58%e 0,61 %, respectivamente;entre os adultos (20 a 69

anos), 11,3% e 7,9%. Já ahepatite C atinge 0,06% dascrianças e dos adolescentesda Região Sul e 0,11 % doSudeste. Na populaçãoadulta a prevalência nessasregiões é, respectivamente,de 1,1% e 0,76%. Mesmoque sejam raros, os casosinfantis de hepatite C -contra a qual não há vacinae o tratamento ainda énocivo e pouco eficaz -indicam a necessidade demais medidas de prevenção. .•••

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IPRONTAS PARAA ESPERA

Mesmo que não sejamrevestidas por uma polpa,as sementes de plantascomo o mulungu(Erythrina velutina)chamam a atenção dasaves com um vermelhointenso. Ao comer assementes, os animais aladosas transportam para longe,onde podem germinarem novo território.Mas a enganação não é tãoeficaz quanto oferecer umaboa refeição, e por isso aespera pode ser longa.Pedra Brancalion, da EscolaSuperior de AgriculturaLuiz de Queiroz (Esalq) daUniversidade de São Paulo,estudou as sementesde cinco espécies e descobriuque elas se mantêm viáveispor um longo período,presas à árvore, até atiçaro apetite de alguma avedesavisada. O grupo pôssementes num ambienteúmido a 41 graus Celsius,condições propícias àdeterioração (Annalsaf Batany), e verificouque todas entram numadormência que gera umrevestimento rígido eimpermeável que impedeque as sementes sedeteriorem; 56% das

sementes de olho-de-cabra(Ormasia arbarea)conseguem germinarmesmo depois de um anoexpostas em clima tropical.

IPLANTAS E BICHOSON-LlNE

Está mais fácil paraqualquer um, comacesso à internet,conhecer um pouco maissobre a biodiversidadeda Amazônia. Desdeo final de abril a Petrabrasdisponibilizou em seu

site um mapa virtual comimagens e informações sobrepouco mais de 100 espéciesde plantas e animais daregião de Coari, a cercade 500 quilômetros a oestede Manaus. O chamadobiomapa apresenta fotose vídeos de espécies comoa aranha-espinhosa(Micrathena schreibersi),com projeções semelhantesa espinhos no corpo negroe amarelo; a ave conhecidacomo estalador-do-norte( Corythopis torquatus),que produz um estalocaracterístico ao batero bico; ou ainda o maracujá--poranga (Passifloralogiracemosa), trepadeiracom flores de pétalas salmão.Essa compilação resultade levantamentos dabiodiversidade feita porinstituições de pesquisada região em parceria coma Petrobras, que explorao petróleo da provínciade Urucu, uma das maioresreservas nacionaisem terra (www.petrobras.com.br/biomapas).

O GÊNERODO CÉREBRO

Para entender aesquizofrenia, o biólogobrasileiro DanielMartins-de-Souza,do Instituto Max Planckde Psiquiatria, naAlemanha, comparaas proteínas produzidasno cérebro de pessoassaudáveis e de pessoas comesquizofrenia. Agora oenfoque levou a um achadosurpreendente: as alteraçõesligadas à doença não sãoidênticas no cérebro dehomens e de mulheres(Journal of PsychiatricResearch). Algumas proteínastêm sua produção alteradano cérebro de mulheres -mas não de homens - comesquizofrenia, e vice-versa."Até hoje a esquizofreniatem sido considerada umadoença que atinge homense mulheres igualmente;contudo, nossos dadosmostram que isso parecenão ser verdade",comenta o pesquisador.

CÂNCER DOS CITROS

Pesquisadores brasileiros descreveram o genoma de duascepas de bactérias causadoras de formas mais brandasdo cancro cítrico, doença que provoca lesões nas folhase nos frutos de laranjeiras e limoeiros e gera perdasanuais de milhões de dólares à citricultura nacional(BMe Genomics). Equipes de São Paulo, Minas Ge-rais, Paraná e Mato Grosso do Sul sequenciaram eanalisaram o genoma das cepas de Xanthomonasfuscans aurantifolii, associadas ao cancro B e aoC: o primeiro é comum na Argentina, no Paraguai eno Uruguai; o segundo, no estado de São Paulo. Emparceria com pesquisadores da Flórida, os brasileiroscompararam o funcionamento dos genes dessas cepascom o da bactéria X. citrii, cujo genoma havia sido descritoem 2002 por pesquisadores da rede Onsa, financiada pelaFAPESP. Da comparação, surgiram novas pistas sobre osmecanismos bioquímicos da doença.

Cancro:perdas anuais de

milhões de dólares nacitricultura nacional

PESQUISA FAPESP 171 • MAIO DE 2010 • 45

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Temores provocados por razões distintas acionam regiões diferentes no cérebroC

oloque um rato diante de um gato e verá uma das reações mais essenciais à sobrevi-vência. De imediato, o rato paralisa como se estivesse morto, reduzindo assim o risco de chamar a atenção do seu predador, em geral atraído pelo movimento. Se o perigo continua ou aumenta com a aproximação

do gato, o roedor se lança em uma sequência de saltos vigorosos para trás que o fazem voar por uma dis-tância equivalente a algumas vezes o comprimento do seu corpo. O congelamento dos movimentos e a tentativa enérgica de fuga integram o repertório de reações naturais de defesa típicas de situações que despertam o medo. Surgiram provavelmente há cen-tenas de milhões de anos, com os primeiros répteis que escaparam de seus predadores e se espalharam pelo planeta, e continuam a ser apresentadas por um grupo amplo de animais que inclui os mamíferos – entre eles, os seres humanos. Mas só recentemen-te, a partir de estudos feitos no Brasil e nos Estados Unidos, constatou-se que as reações que preparam o corpo para lutar ou fugir diante do perigo são dis-paradas e coordenadas por uma região profunda e primitiva do cérebro: o hipotálamo, estrutura com a forma e o tamanho de uma azeitona situada na base do crânio, à altura do olhos.

Ricardo Zorzetto

[ Neurofisiologia ]

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Intrigado com o número e a complexidade das mudanças que as reações de defesa disparam no cor-po – momentaneamente elevam a pressão arterial, aumentam a atenção e preparam os músculos para agir –, o médico e neuroanatomista Newton Sabi-no Canteras decidiu se embrenhar há pouco mais de uma década pelos complexos circuitos neurais do hipotálamo. Protegida nos seres humanos pelos hemisférios cerebrais, essa estrutura de pouco mais de dois centímetros de comprimento, um de espes-sura e quase dois de altura acomoda ao menos 16 conjuntos de células distintos, com conexões entre si, com outras regiões do cérebro e outros órgãos do sistema nervoso central. Ela produz vários hormô-nios e está associada ao controle da fome, da sede, da temperatura corporal, do sono, do comportamento reprodutivo e da agressividade.

A investigação minuciosa de como esses circuitos se conectam dentro e fora do hipotálamo e a determi-nação da sequência em que são acionados em situa -ções que colocam a vida em risco, como o ataque de um predador, levaram Canteras e pesquisadores dos Estados Unidos a propor que essa estrutura cerebral desempenha um papel fundamental tanto na geração e na coordenação das reações de defesa despertadas pelo medo como na memorização das circunstâncias que o geraram. Experimentos no laboratório de Can-teras, no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP), permitiram ainda constatar que, diferentemente do que se acreditava, o caminho percorrido pelo medo no cérebro não é único: temores gerados por situações distintas podem acionar circuitos celulares diferentes.

Mais que um detalhe da fisiologia cerebral de ratos, a descoberta de que alguns conjuntos de célu-las ou núcleos do hipotálamo atuam nas reações de medo pode influenciar até mesmo a compreensão e

CiênCia

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o tratamento de transtornos mentais como a ansiedade, que atinge 4% dos brasileiros, e sua versão mais extrema e menos comum, o pânico, causa, em 1,6% da população, de crises súbitas de falta de ar e taquicardia nas quais a mente é tomada pela certeza de que se vai morrer. Há um bom motivo para se rever o conhecimento atual sobre esses problemas. É que muito do que se sabe sobre como esses distúrbios se instalam e evoluem baseia-se em experimentos com animais (em especial, roedores) simulando situações ameaçadoras dis-tintas das encontradas na natureza.

N os laboratórios de pesquisa tenta- -se reproduzir as situações de risco de morte dando, sob determinadas

condições, leves choques elétricos na pata de um rato. Esse tipo de ameaça, porém, parece não ter o mesmo sig-nificado evolutivo que a imposta por predadores. Ao longo de milhares ou até milhões de anos, os animais não tiveram de lidar em florestas, savanas e desertos com descargas elétricas co-mo essas, que assustam e incomodam, mas não causam lesões. De modo geral, enfrentaram nesses ambientes uma rea-lidade bem diferente: enquanto procu-ravam comida, tinham de escapar de animais maiores ou mais fortes, dis-postos a transformá-los em refeição. É mais ou menos o que ocorre com o rato que, ao sair de sua toca, dá de cara com um gato – ou com os antepassados do Homo sapiens que deixavam a caver-na em busca de alimento. “O modelo experimental que usa o choque para simular os efeitos do medo é muito artificial”, afirma Canteras. “O choque gera aversão, mas não desperta o medo como as situações que põem em risco a sobrevivência.”

A fim de entender como se dá no cérebro a resposta ao medo, Canteras escolheu, cerca de 15 anos atrás, usar uma representação mais fiel ao que de-ve ocorrer na natureza. Com o casal Ro-bert e Caroline Blanchard, da Univer-

sidade do Havaí, nos Estados Unidos, ele desenvolveu o modelo experimental em que o rato permanece por alguns minutos diante de um gato. Mesmo protegido no interior de uma caixa de acrílico transparente, longe das garras do felino, o roedor quase sempre inicia a tentativa desesperada de fuga como se nada o separasse de seu predador.

Já nos primeiros experimentos Can-teras observou que a simples exposição ao gato aumentava o nível de atividade de algumas áreas do hipotálamo do ra-to. Mais especificamente de um grupo de células chamado núcleo pré-mami-lar dorsal. Embora contenha um con-junto pequeno de células – são alguns milhares de neurônios entre os bilhões que existem no cérebro –, o núcleo pré- -mamilar dorsal se mostrou essencial para as reações de defesa. Sem esses neurônios, em vez de ficarem imóveis ou tentarem fugir aos saltos, os ratos saíam da caixa acrílica para explorar o ambiente diante do gato, como se o pre-dador não estivesse ali. Com fre quência, aproximavam-se do gato como se não o temessem mais, demonstrou Canteras em 1997 em um trabalho publicado

no Brain Research Bulletin em colabo-ração com Silvana Chiavegatto e Luiz Ribeiro do Valle, ambos do ICB, e Larry Swanson, da Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos.

D esde os anos 1920 se sabia que o hipotálamo estava, de algum mo-do, envolvido no comportamento

de defesa. Testes feitos na época pelo fisiologista norte-americano Archibald Bard com gatos com lesões cerebrais identificaram uma região posterior do hipotálamo importante para a manifestação da chamada ira fictícia – hiperreação de defesa associada ao corte de conexões de áreas profundas do cérebro com a mais superficial, o córtex. Nas décadas seguintes, outros centros do hipotálamo foram mapea-dos, mas nada se sabia sobre a função do núcleo pré-mamilar dorsal até os anos 1990. No período em que passou no laboratório de Swanson, de 1990 a 1992, Canteras dissecou as conexões dos núcleos da região mais central (zona medial) do hipotálamo – entre eles, o pré-mamilar dorsal –, ligados à expressão de comportamentos inatos ou apreendidos. De volta a São Paulo, iniciou testes para compreender como essas áreas do hipotálamo atuavam.

No laboratório de Canteras o psi-cólogo Alessandro Cezario e a bióloga Erika Ribeiro Barbosa, em parceria com Marcus Vinícius Baldo, do Laboratório de Fisiologia Sensorial, do ICB, realiza-ram uma sequência mais elaborada de testes. Colocavam o rato em uma caixa de acrílico e a comida em outra, conec-tada à primeira por um túnel. Numa pri-meira etapa, o rato tinha de atravessar o túnel para alcançar a comida. Mas, ao chegar ao local em que ficava a ração, encontrava um gato. Como resultado, ficava paralisado. Era a reação de defesa esperada ao medo inato ou incondicio-nado, apresentado naturalmente pelo roedor diante de seu predador – algo parecido ao que deve ocorrer com quem, ao dobrar uma esquina, dá de cara com um cão com ar de pouco amigo.

Na segunda fase de testes, o roedor tinha de percorrer o mesmo trajeto pa-ra se alimentar, mas o gato não estava mais no compartimento da comida. Mesmo assim, ao entrar no ambiente em que havia visto o felino, o rato con-gelava seus movimentos por um tempo,

Bases neurais do comportamento motivado - nº 05/59286-4

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Projeto Temático

Co or dE nA dor

newton Sabino Canteras – iCb/USP

InvEStImEnto

R$ 1.173.284,17

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PESQUISA FAPESP 171 n maio DE 2010 n 49

antes de começar a explorar o local com cautela – como quem, mordido por um cão diante de uma casa, passa a evitar aquela calçada por algum tempo.

O objetivo do experimento era ver o que se passava com o hipotálamo em situações que provocam o medo con-dicionado, em que ocorre a antecipa-ção do perigo. Também nesse caso o núcleo pré-mamilar dorsal foi a região mais ativa. Se, no entanto, esse grupo de células era destruído antes da pri-meira fase do experimento (quando o rato encontra o gato), o roedor perdia o medo de explorar o local no dia se-guinte, quando o felino não estava mais lá, demonstraram os pesquisadores em artigo de 2008 no European Journal of Neuroscience. Esse era um sinal de que o roedor havia perdido a capacidade de recordar o encontro aterrador e associá- -lo ao ambiente em que havia ocorri-do. Em um trabalho publicado on-line em janeiro deste ano na Neurobiology of Learning and Memory, a equipe de Canteras mostrou que a informação se-gue do núcleo pré-mamilar dorsal para um centro que armazena as memórias associadas às emoções, como o medo.

I njetando diretamente no núcleo pré- -mamilar dorsal compostos que blo-queiam o funcionamento dos neurô-

nios, o grupo do ICB verificou que tanto no primeiro como no segundo caso a interrupção da atividade dessa região reduz – e muito – o acionamento de uma área vizinha: a substância cinzenta periaquedutal. Situada no mesencéfalo (estrutura entre o cérebro e a medula espinhal), a substância cinzenta peria-quedutal controla as alterações cardio-vasculares e de comportamento que o animal apresenta diante do predador. Também leva à liberação de substâncias analgésicas e outras que elevam o nível de ansiedade. Um experimento descrito

artigos científicos

1. MOTTA, S.C. et al. Dissecting the brain’s fear system reveals the hypothalamus is criti cal for responding in subordinate conspecific intruders. PNAS. v. 106, n. 12, p. 4.870-875. 24 mar. 2009.2. CEZARIO, A.T. et al. Hypothalamic sites responding to predator threats – the role of the dorsal premammillary nucleus in uncondi-tioned and conditioned antipredatory defen-sive behavior. European Journal of Neuroscience. v. 28, n. 5, p.1.003-15. 2008.

em 2007 na Science mapeou a atividade da substância cinzenta periaquedutal de pessoas participando de um jogo virtual no qual eram perseguidas por um pre-dador e mostrou que o funcionamen-to dessa região cerebral se intensifica à medida que a ameaça se aproxima e aumenta o desespero. Corroborando essas observações, trabalhos recentes de Cristina Del-Ben e Frederico Graeff, da USP em Ribeirão Preto, sugerem que alterações nessa região do mesencéfalo podem constituir a base neurobiológica do transtorno de pânico.

Torna-se claro agora que o bom funcionamento do núcleo pré-mami-lar dorsal é fundamental para gerar as reações de defesa diante do perigo (real ou potencial). Sem ele, perde-se a ca-pacidade de ter medo, tão instintiva e essencial para a sobrevivência de qual-quer indivíduo e sua espécie quanto a necessidade de comer e procriar. “Esse núcleo funciona como um amplifica-dor dos sinais relacionados à presença do predador”, explica Canteras, que, com Antonio Carobrez, da Universida-de Federal de Santa Catarina, verificou que a noradrenalina é um importante comunicador químico liberado nessa região em situações de medo.

Antes desses trabalhos, testes fei-tos pelo psicólogo Joseph LeDoux, da Universidade de Nova York, atribuíam a coordenação das respostas ao medo à amígdala, estrutura no lobo temporal semelhante a uma amêndoa, que surgiu nos primeiros mamíferos. Sabe-se que as amígdalas – há uma em cada hemis-fério cerebral – recebem as informações visuais, auditivas e olfativas da situação ameaçadora e se acreditava que elas acionassem diretamente os neurônios da substância cinzenta periaquedutal, responsável pelas alterações que prepa-ram o corpo para a luta ou a fuga.

O trabalho de Canteras, porém, in-dica que não é bem assim. Os es-tímulos despertados pela presença

do predador e os associados ao ambien-te em que ele se encontrava são no iní-cio compilados pela amígdala. Mas, em seguida, convergem para o hipotálamo, onde são processados no núcleo pré- -mamilar dorsal, que os encaminha para a substância cinzenta periaquedutal.

Somadas, essas observações indi-cam que talvez seja preciso rever e re-finar os modelos experimentais usados há décadas para compreender como o cérebro reage ao medo. Esses mo-delos se baseiam nas ideias propostas nos anos 1970 pelo psicólogo norte-americano Robert Bolles, para quem o medo causado por ameaças reais (predador) e o provocado por situa-ções artificiais (choque) acionariam as mesmas regiões do cérebro sempre que gerassem o mesmo tipo de resposta.

Recentemente, Canteras obteve mais um indício de que o trajeto que o medo trilha no cérebro pode variar segundo o tipo de ameaça. Ele, Simone Motta, do ICB, e Swanson planejaram um experimento em que a agressão partia não de um predador, mas de outro rato. Por alguns minutos, coloca-vam um roedor na gaiola de um macho mais forte, que vivia com uma fêmea. De saída o valentão atacava o intruso, que, em resposta, ficava paralisado em sinal de submissão. Essa situação de perigo também envolve a ativação do hipotálamo e da substância cinzenta periaquedutal, mas de regiões distin-tas das acionadas diante do predador, afirmaram os pesquisadores em artigo de 2009 nos Proceedings of the Natio-nal Academy of Sciences. “Nesse caso”, conta Canteras, “aumenta a atividade do circuito do hipotálamo relacionado às interações sociais”. n

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Efeito inesperado

Células-tronco adultas estimulam formação de vasos sanguíneos no coração, mas não geram músculo cardíaco

Embora pareça estimular a produção de vasos sanguíneos na área próxima a uma lesão, o emprego de células-tronco adultas, obtidas do próprio paciente, não é capaz de produzir músculo cardíaco e, assim, reparar diretamen-te danos no coração de um infartado. Essa é a principal conclusão de um artigo publicado

em 14 de abril na revista Science Translational Medi-cine. Nesse trabalho, o médico brasileiro José Eduar-do Krieger, da Universidade de São Paulo (USP), e a pesquisadora Christine Mummery, da Universidade Leiden, na Holanda, fizeram uma ampla revisão de testes com animais e seres humanos envolvendo o uso de células-tronco adultas para reparar as lesões provo-cadas pelo infarto do miocárdio (a morte de parte do músculo cardíaco por falta de irrigação sanguínea), causa de 12% das mortes no mundo.

Em experimentos feitos em distintos países, Brasil inclusive, diferentes equipes de pesquisa injetaram na corrente sanguínea ou aplicaram diretamente na re-gião danificada do coração milhões de células-tronco. A expectativa era de que essas células imaturas ocu-passem o lugar das células mortas e, ao amadurece-rem, assumissem sua função. “Melhoras promissoras da função cardíaca no curto prazo [observadas em animais] levaram ao uso de células-tronco deriva-das da medula óssea em ensaios clínicos com seres humanos com infarto do miocárdio em velocidade e escala sem precedentes”, escreveram os pesquisa-dores. Mas, no longo prazo, os resultados não foram tão bons quanto se esperava. Embora os testes com seres humanos tenham mostrado que o implante de células-tronco adultas no coração é seguro, a melhora na capacidade de bombeamento de sangue em geral foi muito pequena: aumentou em média 3% – abaixo dos 5% considerados necessários para reduzir os sin-tomas e melhorar a taxa de sobrevida dos pacientes.

A constatação não leva os cientistas a descartarem por completo o uso clínico desse material biológico. Se não serve para reparar um coração lesionado, a injeção das células da medula, que aparentemente têm a capa-cidade de melhorar a vascularização do órgão, talvez

contribua para prevenir problemas cardíacos em pacientes de alto risco, como obesos, que estão na iminência de ter um infarto.

Muitos dos estudos analisados por Krieger e Christine usaram células-tronco extraídas da medula óssea, tecido que preenche os os-sos longos do corpo. Trabalhos publicados no início desta década sugeriam que essas células, depois de aderir ao coração, se transformariam em cardiomiócitos, células cardíacas que con-traem e fazem o coração bombear o sangue para o resto do corpo. Mas estudos posteriores mostraram que as células-tronco se fundiam com os cardiomiócitos, em vez de se converter neles. Essa observação levou a uma nova inter-pretação dos resultados: a melhora não se daria pela substituição das células mortas, mas pela prevenção da morte celular após o infarto.

Segundo Krieger e Christine, é consenso hoje que a melhora na função cardíaca ocor-re não pelo aumento do número de células contráteis, mas pelo fato de as células trans-plantadas secretarem compostos como os fatores de crescimento de vasos sanguíneos, que evitariam a morte das células na região do infarto – um efeito aparentemente produ-zido por células-tronco de origens distintas. “Estudos pré-clínicos vêm mostrando que diferentes tipos de células-tronco (deriva-das do cordão umbilical, do tecido adiposo ou do sangue periférico) se comportam de

[ Biologia celular ]

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funcionando bem. Em parceria com pesquisadores da Califórnia, Krieger e Sérgio de Oliveira, ambos do Instituto do Coração (InCor), da USP, enfati-zaram em publicações anteriores que a geometria do coração é importante para que o órgão mantenha sua capa-cidade de bombear sangue.

Com forma semelhante à de um ovo nas pessoas saudáveis, o coração pode assumir formato próximo ao de uma esfera em diversas doenças cardíacas. Essa deformação reduz a capacidade de bombear sangue e está associada a uma maior taxa de mortalidade dos pacien-tes. Segundo Krieger, para a reparação cardíaca, além de tecido viável para re-ceber o transplante de células, é preciso manter ou recuperar a geometria do coração. “Essa questão da forma vem sendo subestimada não apenas quando se consideram as melhores estratégias clínicas como também na interpreta-ção do resultado de estudos pré-clínicos feitos com pequenos roedores”, afirma Krieger, que defende a realização de

mais estudos básicos e pré-clínicos antes que as células-tronco se tornem disponíveis para tratar seres humanos.

Na revisão da Science Translational Medicine, ele e Christine sugerem ainda que se desenvolvam novos modelos de experimentos com roedores a fim de permitir a avaliação do implante de cé-lulas-tronco em diferentes estágios após o infarto. Também defendem a reali-zação de testes com animais maiores – como o porco, que apresenta alterações cardíacas pós-infarto mais próximas às observadas em seres humanos – e es-tudos comparando o uso de diferentes tipos de células-tronco em diferentes doses em grandes animais.

Segundo Krieger, para ter impacto mais significativo no tratamento de pa-cientes infartados, as pesquisas terão de encontrar formas de gerar músculos cardíacos. As células-tronco da medu-la podem até ter um papel indireto na prevenção de lesões cardíacas, mas não apresentam esse potencial terapêutico. Por isso, os estudos que visam encon-trar tratamentos eficazes para lesões no coração deverão se concentrar em três tipos de células-tronco, teoricamente mais promissoras do que as da medu-la, embora de uso ainda menos seguro e menos estudado: as células-tronco embrionárias, que, em tese, podem se transformar em quaisquer células, in-clusive nas cardíacas; as células-tronco adultas, como as da pele, que poderiam ser reprogramadas para se comportar como células-tronco embrionárias ou células cardíacas já diferenciadas; e nas células-tronco cardíacas, que de-vem existir no coração. “Poderíamos retirar as células-tronco cardíacas do próprio paciente ou de um doador jovem, selecioná-las e ampliá-las”, co-menta Krieger. “Essas são três avenidas para a pesquisa de longo prazo.” n

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Matters of heart, acrílico sobre tela de Denise Chan

modo semelhante às células extraídas da medula óssea implantadas direta-mente no coração ou às que ali se ins-talam depois de injetadas na corrente sanguínea”, afirmam.

Sem integração - Testes in vitro in-dicam que os cardiomiócitos obtidos a partir de células-tronco extraídas de embriões ou obtidas pela reprograma-ção de células adultas de fato conduzem corrente elétrica, característica essen-cial para o controle dos batimentos car-díacos. Mas nem sempre se conectam como deveriam às células do coração. Experimentos com roedores revelaram que, em muitos casos, os cardiomióci-tos derivados de células-tronco perma-neciam separados das células cardíacas originais por um tecido fibroso. Segun-do Christine e Krieger, suspeita-se que essa integração incompleta possa ori-ginar arritmias cardíacas.

Produzir novas células cardíacas ou evitar a morte das originais, porém, não é suficiente para manter o coração

artigo científico

MUMMERY, C.L.; DAVIS, R.P. ; KRIEGER, J.E. Challenges in using stem cells for cardiac repair. Science Translational Medicine. v. 2 (27). 14 abr. 2010.

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As asas dos alimentos

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abelhas ganham valor na produção agrícola | Carlos Fioravanti

Vou falar de abelhas e de flores”, anun-ciou a bióloga Vera Lúcia Imperatriz Fonseca diante de uma plateia de eco-nomistas e estudantes de economia em um debate no final da manhã de 15 de março na Universidade de São Paulo (USP). O início singelo logo

ganhou densidade. Em menos de meia hora, as abelhas deixaram de ser vistas apenas como produtoras de mel e ganharam valor como seres indispensáveis para manter ou ampliar a produção agrícola – culturas como soja, laran-ja, cacau e café podem ser mais produtivas com elas por perto. Biólogos e economistas começa-ram ali mesmo a ver como poderiam colaborar para preservar as populações de insetos como as abelhas que favorecem o crescimento dos frutos. Embora nem sempre valorizados, po-dem fazer falta. Em 2006, a produção agrícola dos Estados Unidos apresentou uma queda acentuada quando as abelhas Apis mellifera usadas como polinizadoras agrícolas come-çaram a morrer repentinamente.

Pesquisadores da USP e de outras univer-sidades estão se articulando entre si e com outras instituições para evitar consequências similares do declínio das populações dos po-linizadores naturais. No final do ano passa-do, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) aprovou R$ 5 milhões para que grupos de pesquisa de seis estados – Rio Grande do Sul, Bahia, Ceará, Minas, Pernambuco e Pará – avaliem o im-pacto dos polinizadores sobre a produtividade de algodão, tomate, maçã, melão, canola, caju e castanha do Brasil. O Ministério do Meio Ambiente (MMA), que tem mostrado interesse nesse campo desde a divulgação da Declaração de São Paulo sobre a Conservação e Uso Sus-tentado dos Polinizadores, em 1999, começou este ano a receber um financiamento inter-nacional de R$ 7 milhões para implantar um projeto complementar, o Polinizadores do Bra-sil. “Precisamos mostrar aos agricultores exa-tamente o que eles podem fazer”, diz Bráulio Dias, diretor de conservação da biodiversidade

Uma abelha embebida de pólen de algodão: reforço bem-vindo

[ Ecologia ]

do MMA. “Nossa estratégia é de ganha-ganha, em termos econômicos e ambientais.”

Os participantes desse trabalho desejam sa-ber o mais rapidamente possível quão próximo o Brasil está de uma crise de polinizadores. “Ain-da não chegamos a uma, mas estamos cami-nhando para lá”, diz Vera Fonseca. A crise pode já ter chegado e não ter sido detectada porque as causas estão aí: o desmatamento contínuo, o crescimento das cidades e a intensificação das alterações climáticas, que forçam a migração das populações de abelhas e de outros polini-zadores de matas nativas como borboletas, aves e morcegos. “A Iniciativa Europeia de Poliniza-dores, que reuniu 85 instituições de pesquisa, detectou que havia uma crise de declínio de polinizadores por lá e já começou a agir para reverter o que for possível e evitar o pior.”

Uma equipe da Universidade Federal do Cea rá (UFC) coordenada por Breno Freitas vai verificar quais culturas poderiam apresen-tar aumentos de produtividade por meio do emprego intensivo de polinizadores. Em um de seus experimentos anteriores, Freitas mostrou que a produção dos cajueiros pode aumentar até 70% quando as abelhas circulam livremente entre as árvores, levando o pólen de uma flor a outra e assim favorecendo a formação e o cres-cimento de frutos, em comparação com árvores sem polinizadores por perto. “A resposta nunca será a mesma, porque depende das condições locais”, diz Freitas. “Quanto mais degradada for uma área, maior tende a ser o impacto dos polinizadores na produção agrícola.”

Freitas encontrou uma abelha solitária sem ferrão do gênero Centris que poliniza as flo-res dos cajueiros com uma eficiência similar à das Apis mellifera, a espécie mais usada como polinizadora. Como as crias das Centris se ali-mentam de óleos essenciais das plantas, Freitas está avaliando os efeitos do plantio de acerola (produtora de óleos vegetais) para atrair as Centris que possam polinizar cajueiros pró-ximos. “Essa pode ser uma forma de ter duas culturas na mesma área, uma atraindo poli-nizadores para a outra”, diz ele.

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54 n maio DE 2010 n PESQUISA FAPESP 171

O cafeeiro não depende de polini-zadores naturais, mas a produção dos cafezais cercados de mata com abelhas nativas aumentou 15% em comparação com a de cultivados em áreas abertas, de acordo com um estudo da Universidade Federal de Viçosa. “No Peru e na Costa Rica a produção aumentou até 50%, de-pendendo do tamanho e do estado de preservação das matas nativas próximas às plantações”, diz Vera. Segundo Freitas, no caso do feijão, “apesar de não aumen-tar a quantidade de vagens produzidas, a melhor polinização realizada pelas abe-lhas aumenta o número de grãos por vagem, e isso é lucro a mais no cultivo”.

A prova da feira - Não faltam argu-mentos a favor dos polinizadores. Os tomateiros frutificam mais facilmente quando abelhas visitam suas flores e fa-cilitam o crescimento dos frutos. “Sem polinizadores naturais, o agricultor é que tem de pincelar pólen em cada flor para os tomates crescerem”, diz Vera. Um estudo de um grupo de biólogos da USP de Ribeirão Preto indicou que morangos polinizados em estufas por duas espécies de abelhas sem ferrão, a Scaptotrigona depilis e a Nannotrigona testaceicornis, produzem mais e melho-res frutos do que quando cultivados em áreas abertas sem abelhas. Vera conta como ela própria identifica os efeitos dos polinizadores nas bancas de frutas: “Quando vejo uma maçã ou um mo-rango assimétrico ou malformado, sei que a polinização não foi benfeita”.

Açaí, cupuaçu, maracujá e berinje-la também necessitam de abelhas, en-quanto o mamão precisa de mariposas para frutificar. Mundialmente, 70% das 124 principais culturas agrícolas utili-zadas para consumo humano – um ter-ço da produção mundial de alimentos – dependem de polinizadores. Vários levantamentos internacionais indicam que o desaparecimento mundial dos insetos polinizadores seria um desastre ambiental e econômico. A busca por mais terras para agricultura poderia se intensificar e a vegetação nativa escas-sear ainda mais. A perda estimada na produção de frutas é de R$ 130 bilhões e a de cereais, R$ 100 bilhões. “Está na hora de levarmos os polinizadores mais a sério”, diz Vera.

Polinizadores naturais como os in-setos ainda são pouco empregados no

Brasil. Apenas os plantadores de maçã, na Região Sul, e de melão, no Nordeste, alugam caixas com colônias de abelhas para fertilizar suas plantas. Prevendo que essa situação vai mudar, a equipe de Vera no Instituto de Biociências da USP em São Paulo trabalhou com o grupo da USP em Ribeirão Preto para criar em laboratório abelhas-rainhas de quatro espécies nativas sem ferrão que atuam como polinizadoras, entre elas a jataí (Tetragonisca angustula).

“Produzimos, se necessário, mil rai-nhas por mês”, diz Vera. Ela acha que é pouco: “Temos de nos preparar para uma produção comercial e para uma demanda grande em breve”. Astrid Kleinert e Kátia Malagodi-Braga, de sua equipe, mostraram em 2004 que a pro-dução de morangos poderia ser maior

quando auxiliada por abelhas jataí. “O método deu certo, mas os produtores ainda não têm a quem encomendar mil colônias de jataí. Desde 2006 o comér-cio mundial de polinizadores produz mais de 1 milhão de colônias de Bombus terrestris por ano. Aqui no Brasil esse também poderia ser um bom negócio, já que cada caixa com colônias de jataí custa em torno de R$ 100.”

Escolha difícil - A produção de rainhas de espécies nativas em quantidades crescentes pode ajudar na multiplicação de ninhos de abelhas nativas e reduzir a dependência da Apis mellifera, a única espécie polinizadora produzida em lar-ga escala no mundo. A Apis é versátil e resistente a variações de temperaturas, mas não atende bem a todas as plantas. Com os tomateiros, uma espécie sem ferrão, a Melipona quadrifasciata, foi mais eficiente que a Apis mellifera, in-duzindo a formação de mais e maiores frutos, de acordo com um estudo do grupo de Luci Bego na USP de Ribei-rão Preto.Vera Fonseca conta que tem recebido telefonemas ou mensagens de plantadores de tomates perguntando que abelhas poderiam soltar entre as plantações para colher mais tomates, mas ela ainda não tem uma resposta simples. “Temos algumas possibilida-des e estamos comparando dados para ver se podemos fazer alguma indicação sobre que espécie adotar”, diz ela.

Se não há respostas imediatas, não é por falta de pesquisa. A produção de conhecimento é intensa e emerge de

Biodiversidade e uso sustentável de polinizadores, com ênfase em abelhas Meliponini - nº 04/15801-0

modAlIdAdE

Projeto Temático – Programa biota-faPESP

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Vera lúcia imperatriz-fonseca – ib/USP

InvEStImEnto

R$ 3.036.892,21 (faPESP)

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PESQUISA FAPESP 171 n maio DE 2010 n 55

grupos consolidados, criados há déca-das por pioneiros como Paulo Nogueira Neto e Warwick Kerr em São Paulo e Jesus Santiago Moure em Curitiba. A razão é outra. “Temos muitas espécies de abelhas nativas e a maioria ainda é muito pouco conhecida”, diz Antonio Mauro Saraiva, professor da Escola Po-litécnica da USP que trabalha com Vera Fonseca desde 1999.

O Brasil abriga cerca de 3 mil es-pécies de abelhas de hábitos sociais ou solitários. Algumas são raridades, como a Melipona bicolor schencki. Os biólogos ainda não sabem que espécie de planta essa abelha utiliza para produzir um mel branco “de sabor incrível”, segun-do Vera, mas essa já é uma das quatro espécies de abelhas sem ferrão do Rio Grande do Sul que podem desaparecer se as matas de araucária se forem.

Formado em engenharia elétrica e agronomia, Saraiva cuida do suporte tecnológico das pesquisas sobre po-linizadores. Ele, com sua equipe, faz equipamentos de coleta de dados e pro-gramas de computador que permitem o acesso a coleções biológicas no Brasil ou no exterior. “O que fazemos para um grupo pode servir para outro”, diz ele. É o caso do monitor de colmeias, um aparelho com sensores que acompanha a umidade e a temperatura das colônias que deve ser testado este ano em um apiário de Mossoró, Rio Grande do Norte. Talvez o aparelho possa anteci-par o risco de as abelhas abandonarem as colmeias por excesso de calor.

O toque da perfeição: a qualidade de frutas como estas depende dos polinizadores

Pomares sem pragas - Os artigos sobre polinizadores se tornam mais comuns em uma das principais revis-tas dos apicultores, a Mensagem Doce, da Associação Paulista de Apicultores Criadores de Abelhas Melíficas Euro-peias (Apacame). Hoje com 7.340 api-cultores, a associação adotou em 1981 o slogan “abelhas a serviço da agricul-tura” como forma de ampliar o uso das abelhas para além da produção de mel. Segundo Constantino Zara Filho, presidente da Apacame, a procura por Apis como polinizadoras agrícolas tem avançado de modo contínuo no Brasil. “Quem quiser produzir mais ou colher frutos uniformes e bem formados tem de contar com os polinizadores natu-rais”, afirma. Zara Filho diz que as abe-

lhas podem contribuir também para a sanidade dos pomares, ao consumir o néctar e o pólen que poderiam atrair insetos danosos para as plantações.

As conclusões sobre o valor dos po-linizadores de culturas agrícolas e de matas nativas ganham visibilidade, mas ainda não há no Brasil nada equivalente à Pollinator Partnership, uma organi-zação não governamental dos Estados Unidos que se constitui em fonte de in-formação e de ação sobre polinizadores, premiando governadores e fazendeiros que os protegem. A campanha nacional de proteção aos polinizadores, geren-ciada pela Pollinator Partnership, reúne 120 instituições, pesquisadores, conser-vacionistas, representantes do governo, estudantes e professores. “Estamos ten-tando mobilizar as ONGs para se inte-grar nesse projeto e ajudar a disseminar essas ideias”, comenta Dias.

O que os polinizadores fazem para as culturas agrícolas é uma das formas de serviços dos ecossistemas, expressão usada para designar os serviços presta-dos pela natureza, como o fornecimen-to de água e controle de erosão, enchen-tes e pragas, além de lazer, na forma de praias ou montanhas aprazíveis. Esse conceito ganhou força com um artigo publicado na revista Nature de 1997 que estimava em US$ 33 trilhões o valor econômico dos serviços dos ecossiste-mas na Terra. Em 2005 fundamentou o estudo Avaliação sistêmica do milênio, organizado pela Organização das Na-ções Unidas (ONU). “A China adota o pagamento pelos serviços dos ecossiste-mas”, diz Vera. “Viram que era mais ba-rato que pagar pelos prejuízos da des-truição ambiental.”

A valorização dos polinizadores – e dos serviços ambientais que prestam – depende da superação de aborda-gens antigas. “No currículo do curso de agronomia”, afirma Saraiva, “não há disciplinas sobre polinização”. Propos-tas novas nem sempre se espalham com rapidez. Vera Fonseca acredita que as pessoas, mesmo sem serem agricultoras ou apicultoras, poderiam manter co-lônias de jataí em praças, ruas, aparta-mentos e escolas, não apenas em sítios e plantações, e deixar que essas abelhas versáteis e inofensivas polinizassem o máximo possível de plantas ao redor. Mas, ela sabe, essa possibilidade ainda soa um tanto exótica. nfo

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Mães extremosas

Maria Guimarães

[ Comportamento animal ]

Eles caçam em grupo, numa ação coorde-nada para subjugar a presa, e na hora de comer dão prioridade à prole. Quando atacados por um predador, formam um círculo em torno dos jovens indefesos. A descrição pode remeter a um grupo de leões, mas os animais em questão es-

tão longe de ter a fama dos grandes felinos. São os pseudoescorpiões da espécie Paratemnoides nidificator, aracnídeos que vivem em colônias de até 30 ou 40 indivíduos – às vezes mais de 100 – debaixo da casca de árvores do Cerrado. Nos últimos sete anos Kleber Del Claro e Ever-ton Tizo-Pedroso, da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais, têm investigado o comportamento social complexo desses bichos. Eles propõem, em artigo de 2009 na Acta Etholo-gica, que o ato materno extremo de dar o próprio corpo como refeição aos filhotes famintos foi um passo essencial na evolução da sociedade dos pseudoescorpiões, e chegam a pôr em questão as definições mais aceitas de sistemas sociais.

Pseudoescorpiões são aracnídeos com cer-ca de cinco milímetros com duas pinças que os tornam parecidos com escorpiões em miniatura, mas falta a eles a cauda com o ferrão na ponta. Uma colônia começa quando uma fêmea expulsa os filhotes do ninho de teia onde os criou para produzir a próxima leva. Esses jovens, as ninfas, constroem seus próprios casulos ali mesmo pa-ra terminar o crescimento, e, juntos, mantêm a ordem daquele pequeno universo de casca de árvore para onde também podem se mudar se-melhantes não aparentados. Depois de caçar, parentes ou não, os adultos recuam e deixam a prole comer primeiro.

“Esses animais compartilham uma mesma área, caçam em grupo, dividem o alimento com a pro le e a defendem coletivamente”, explica Del fo

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fêmeas de aracnídeo com organização social complexa se deixam devorar pela prole

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dois pesquisadores conseguiram insta-lar colônias em câmaras de vidro, co-bertas pela casca de árvore que já habi-tavam e com um jogo de espelhos para conseguir enxergar o que acontece. A grande descoberta, publicada em 2005 no Journal of Arachnology, foi resultado do experimento em que deixaram uma mãe e sua prole por alguns dias sem ter o que caçar. Quando as ninfas famintas começam a se atacar umas às outras, algumas mães saem da câmara de seda, batem as pinças no chão e as estendem para o alto. Em reação imediata, os fi-lhotes saem e começam a devorar a mãe, que não esboça qualquer reação. A refeição basta para acabar com as ri-validades fraternas: o grupo passa a ca-çar em conjunto e forma uma socieda-de estável. Mas essa dedicação suprema nem sempre acontece. As fêmeas mais jovens, que ainda devem ter tempo de sobra para se reproduzir, chegam a con-sumir os próprios filhotes quando não há o que comer.

De acordo com observações agora em análise para publicação, a socie-dade desses pseudoescorpiões chega a ter uma divisão organizada de tare-fas – outro indício de uma sociedade avançada. As fêmeas cuidam da prole e caçam; os machos caçam, defen-dem o ninho e cuidam da limpeza; e as ninfas mais crescidas contribuem para a limpeza, retirando dejetos das câmaras. “Se o trabalho for validado pelos revisores da revista, será mais uma característica que destaca esses pseudo escorpiões dos outros aracní-deos”, comenta Del Claro.

Outra curiosidade desven-dada pela dupla de Uberlândia foi uma das maneiras com que os P. nidificator conquistam no-vos espaços: pegando carona nas próprias presas, como des-creveram em 2007 na Insectes Sociaux. Quando detectam uma presa muito maior do que eles, como um besouro, um perce-

vejo ou um marimbondo, os pseudo-escorpiões empreendem um ataque em massa. Vários dos pequenos aracnídeos se penduram na presa, segurando as patas da vítima com as pinças inje-toras de veneno. Depois de um voo assustado, a presa debilitada pousa em outra árvore e morre. Ali funda-se uma nova colônia, já com a primeira refeição garantida.

Kleber Del Claro e Everton Tizo-Pedroso mal começaram a explorar o mundo que encontraram debaixo da casca da sibipiruna. Eles continuam a investigar a sociedade dessa espécie, inclusive com análises genéticas que revelam que grupos não contêm só pa-rentes, e partiram em busca de novos pseudoescorpiões que possam ser estu-dados. Já os encontraram na Caatinga, agora vão coletar na serra da Canastra, numa região onde a vegetação cresce sobre as pedras, um ambiente conhe-cido como campo rupestre. Eles devo-tam orgulho quase materno ao animal encontrado por acaso, mas sem esperar exclusividade. Vêm buscando colabo-rações para ampliar o conhecimento, inclusive com um grupo argentino es-pecialista em classificação (sistemática) de aracnídeos. “O Everton também vai se tornar um sistemata de pseudoescor-piões”, prevê o orientador. n

Cheios de recursos: carona em percevejo (ao lado) e ninhos de seda (outra página)

Claro. “É indiscutível que têm uma socialidade avançada.” Ele discorda da definição do ápice da socialidade, historicamente baseada em abelhas, cujo siste-ma peculiar de determinação do sexo faz com que as colônias praticamente só contenham fê-meas – todas geneticamente muito semelhantes. “Não há por que mantermos essa definição”, argu-menta. Ele conta que os Paratemnoides nidificator têm uma índole gregária inerente. “Eles não têm restrição de espaço pessoal, não há agressão nem mesmo entre pseudoescorpiões não aparentados”, conta. Segundo ele, ne-nhum outro aracnídeo tem essas carac-terísticas, já que mesmo aranhas sociais mantêm espaços separados na teia co-munitária e atacam vizinhas que se aproximem demais.

Curiosidade premiada - Poucos anos atrás, quase nada se sabia sobre o com-portamento desses discretos aracnídeos. Tudo mudou quando Tizo-Pedroso, um estudante de graduação com curiosida-de acima da média, saiu em busca de um projeto promissor para aprender com Del Claro a ser pesquisador. A procura não se restringiu às publicações científi-cas, onde está o que já se sabe, mas não precisou ir longe: bastou chegar à sibipi-runa em frente ao Instituto de Biologia da Universidade Federal de Uberlândia. Debaixo da casca dessa árvore de flores amarelas (Caesalpinia peltophoroides) comum no Cerrado e também usada na arborização de cidades como São Paulo, o jovem aspirante a biólogo encontrou um grupo de invertebrados que não co-nhecia e que produzia casulos redondos de seda. Descobriu que não era o único a ignorar os pseudoescorpiões e ali nas-ceu o projeto que este ano lhe valerá o título de doutor e já rendeu uma série de publicações científicas.

As observações de comportamento foram feitas em laboratório, onde os

artigo científico

DEl ClArO, K. e TIzO-PEDrOSO, E. Ecological and evolutionary pathways of social behavior in Pseudoscorpions. Acta Ethologica. v. 12, n.1, p. 13-22. abril 2009.

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Paraíso poluídoCanal aberto em 1855 facilitou espalhamento de metais pesados no litoral sul de São Paulo

A cidade de Iguape, no extremo sul do litoral paulista, é testemunha de que nem sempre é possível con-trolar o impacto gerado por pequenas intervenções no ambiente. Enraizada em meio ao mais extenso trecho contínuo – e bem preservado – de Mata Atlântica do estado, Iguape viu surgir a partir de 1827 um canal de apenas quatro quilômetros de

extensão construído para encurtar o caminho que o arroz produzido às margens do rio Ribeira de Iguape percorria até o porto da cidade, de onde seguia para outras regiões do país. Nesses quase 200 anos a cidade acompanhou também as drásticas mudanças ambientais, reveladas agora por pes-quisadores do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), que esse atalho entre o rio e o braço de mar que separa Iguape de Ilha Comprida gerou na região.

Em sua inauguração em 1855, o canal do Valo do Rocio tinha apenas quatro metros de largura e dois de profundida-de. Em pouco tempo, porém, as águas desviadas do Ribeira de Iguape e a circulação de canoas e barcos aprofundaram seu leito e erodiram suas margens. Hoje conhecido como Valo Grande, o canal tem até sete metros de profundidade e quase 300 de largura em alguns pontos. Ele despeja no chamado Mar Pequeno, o braço de mar entre Iguape e Ilha Comprida, quase 70% das águas do Ribeira de Iguape, que antes só chegavam ao Atlântico 40 quilômetros mais ao norte, onde o rio desemboca no oceano. Toda essa água doce alterou as características físicas, químicas e biológicas do Mar Pequeno, parte do conjunto de lagunas, estuários, baías, ilhas e canais naturais que formam o complexo estuarino-lagunar Iguape-Cananeia-Paranaguá, um dos mais importantes vi-veiros de peixes e crustáceos do Atlântico Sul.

“Quando o canal foi aberto, não existia legislação am-biental e o nível de conscientização era bem diferente”, co-menta o geólogo Michel Michaelovitch de Mahiques, diretor do IO-USP e coordenador dos estudos feitos em Iguape. “Não há como negar que o Valo Grande é a origem de muitas das mudanças ambientais identificadas na região.”

Há cerca de três anos a equipe de Mahiques coletou amostras de sedimentos em 14 pontos do Mar Pequeno.

Com um equipamento de sondagem, os pes-quisadores extraíram colunas de lama com até dois metros de profundidade. Esse material depositado no fundo de rios e mares guarda indicadores orgânicos e inorgânicos que per-mitem estimar as condições ambientais do passado – quanto mais profunda a camada, mais antiga a informação armazenada.

Analisando os sedimentos, eles observa-ram que o teor de sais diluídos na água do Mar Pequeno caiu muito após a abertura do Valo Grande e em muitos pontos a salinidade atual é zero – na cidade de Cananeia, a 60 quilômetros ao sul do canal, em períodos de muita chuva a água é praticamente doce. De lá para cá, também alterou o tipo de sedimen-to que chega ao Mar Pequeno. As águas do Ribeira de Iguape carregam grãos mais finos e mais matéria orgânica, relatam os pesqui-sadores em artigo publicado no final de 2009 no Brazilian Journal of Oceanography.

Essas alterações afetaram a fauna de ben-tos, organismos que vivem no fundo de rios e mares. Por exemplo, a diversidade de forami-níferos calcários, seres unicelulares sensíveis a mudanças na salinidade, diminuiu bastante – em alguns períodos eles desapareceram. A variedade de espécies aumentou recentemen-te, mas com uma composição distinta: hoje prevalecem as adaptadas à água doce.

O registro geológico da atividade antrópica no sistema estuarino-lagunar de Cananeia-Iguape – nº 2006/04344-2

modAlIdAdE

auxílio Regular a Projeto de Pesquisa

Co or dE nA dor

michel michaelovitch de mahiques – io-USP

InvEStImEnto

R$ 129.948,01

O PrOjetO

[ OceanOgrafia ]

Francisco Bicudo

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PESQUISA FAPESP 171 n maio DE 2010 n 59

Manguezal em cananeia: vegetação é mais fechada longe

do Valo grande

no sedimento diminui, mesmo assim é cinco vezes mais elevado que antes. A concentração de chumbo também variou no tempo. Os níveis desse metal são mais altos no período correspon-dente à segunda metade do século XX, durante a atividade da empresa de mi-neração Plumbum, que funcionou de 1945 a 1995 em Adrianópolis, no Para-ná. “Resíduos desse metal chegavam ao rio Ribeira de Iguape e eram transpor-tados até a laguna, onde entravam pelo Valo Grande”, afirma Mahiques. Com o fim da Plumbum, o teor de chumbo nos sedimentos caiu, mas ainda não retornou aos níveis de pré-atividade industrial: hoje é em média cinco vezes superior ao esperado para a região.

Já se sabe que muitas pessoas que viviam nas proximidades da Plumbum têm altas concentrações de chumbo no organismo. Em 2003 uma equipe coor-denada por Bernardino Figueiredo e Eduardo de Capitani, da Universidade Estadual de Campinas, testou amos-tras de sangue de 335 crianças com idade entre 7 e 14 anos que viviam em dois bairros da periferia de Adria-nópolis: em cerca de 60% dos casos, os níveis de chumbo eram superiores ao considerado seguro para a saúde. Mesmo assim, Mahiques pretende verificar se as plantas e os animais da região de Iguape e Cananeia não ab-sorveram parte do chumbo que ainda está no sedimento do Mar Pequeno, o que aumentaria o risco de contamina-ção humana. “Talvez”, diz Mahiques, “não tenhamos apenas um problema ambiental e geológico, mas também de saúde pública”. n

Artigo científico

MAHIQUES, M. M. et al. Anthropogenic influences in a lagoonal environment: a multiproxy approach at the Valo Grande mouth, Cananeia-Iguape system (SE Brazil). Brazilian Journal of Oceanography. v. 57, p. 325-37. out./dez. 2009.

O que se passa no fundo do Mar Pequeno parece influenciar também a vida em suas margens. Na última década a bióloga Marília Cunha Lig-non, que integrava outra equipe do Instituto Ocea nográfico e hoje tra-balha no Instituto Nacional de Pes-quisas Espaciais, vem monitorando as transformações na vegetação e na paisagem dessa região. Ela notou que a 70 quilômetros ao sul do Valo Grande as árvores típicas de manguezais, como o mangue-branco (Laguncularia race-mosa), o mangue-vermelho (Rhizo-phora mangle) e o mangue-preto (Avi-cennia schaueriana), formam bosques bem conservados. Já nas proximidades do Valo Grande, onde a salinidade da água é mais baixa, a vegetação de água doce prolifera e pode impedir a fixação de plantas de mangue. “O crescimento dos bosques de mangue parece ser di-ferente nas duas regiões”, diz Marília.

Além de alterações na salinidade da água e na composição orgânica dos se-dimentos do Mar Pequeno, Mahiques e sua equipe verificaram também uma alteração química que preocupa: níveis elevados de metais pesados, em espe-cial o chumbo. É que esse elemento químico – tóxico, poluente e de difícil degradação – pode entrar na cadeia alimentar marinha, acumular-se no organismo de espécies de alto valor co-mercial, como robalos, pescadas, man-jubas, camarões, ostras e mexilhões, e chegar às pessoas, causando danos no sistema nervoso central.

O sedimento extraído das imedia-ções do Valo Grande continha teor de chumbo até 20 vezes superior ao de antes da abertura do canal – a 20 qui-lômetros do canal o nível de chumbo

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Poeirafaiscante

Estudo explica por que ocorrem descargas elétricas em nuvens de areia ou de cinzas vulcânicas

Há cinco anos, o físico alemão Hans Herrmann intercala seu expediente corriqueiro de trabalho na famosa Escola Politécnica de Zurique (ETH) com viagens constantes ao Nordeste brasileiro, onde é professor visitante da Universidade Federal do Cea rá (UFC). Numa dessas visitas, o pesquisa-dor observou o belo espetáculo noturno produ-

zido por clarões e raios durante tempestades de areia nas dunas de Jericoacoara, no norte do Ceará. Intrigado pela inesperada presença da atividade elétrica num ambiente extremamente seco e aparentemente péssimo condutor de corrente, voltou para casa e se pôs a pensar num fenômeno que, um século e meio atrás, já intrigava o grande cientista inglês Michael Faraday: por que o choque contínuo de grãos de areia ou de cinzas vulcânicas, materiais comu-mente vistos como neutros, pode gerar espontaneamente grandes descargas? Com a ajuda de dois colegas da ETH, Herrmann acaba de formular uma resposta para o enigma e a publicou num artigo que saiu no dia 11 de abril no site da revista científica britânica Nature Physics.

A explicação dá conta de uma velha contradição, ainda que pouco conhecida entre os leigos no assunto. Quando colidem, duas partículas com cargas elétricas tendem a se neutralizar. O polo negativo de uma atrai e anula o positivo

Marcos Pivetta

[ Física ]

NA

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O toque faz essas metades se anularem eletricamente: suas cargas descem a zero. No entanto sobra carga nas extremida-des dos grãos que não colidiram. Uma partícula permanece com uma unidade de carga positiva em sua base (e zero negativa no topo) enquanto a outra se apresenta com uma carga negativa no topo (e zero positiva na base).

Explosões em silos - Em outras pala-vras, a trombada torna um grão eletri-camente positivo e o outro, negativo. Esse processo repetido inúmeras vezes numa nuvem de poeira, com milhares de partículas, resulta em um desequilí-brio energético que pode culminar num raio ou faísca. “Nosso modelo explica a formação de descargas elétricas em nuvens compostas por partículas idênti-cas”, afirma Herrmann. “Se as partículas forem diferentes, o princípio também vale, só que os cálculos são mais compli-cados.” Há ainda também a questão (não respondida) de como surge um campo elétrico de fundo numa tempestade de areia. As colisões só vão energizar os grãos de areia se houver previamente um campo atuando no sistema.

Por ironia da natureza, poucos dias depois de Herrmann e seus colegas pu-

blicarem o artigo na Nature Physics, o mundo assistiu à ocorrência de descar-gas elétricas causadas por colisões de partículas granulares. Em meados de abril a geleira vulcânica Eyjafjallajo-ekull, na Islândia, entrou em erupção. Além de parar o tráfego aéreo de boa parte da Europa por seis dias, o enor-me rastro de cinzas expelidas pela boca fumegante da montanha desencadeou potentes raios. “As cinzas de um vulcão também podem se carregar eletrica-mente, mas isso só acontece no mo-mento da erupção, quando são muito agitadas e a densidade de partículas é alta”, explica Herrmann. Os grãos de areia e as cinzas vulcânicas não são as únicas partículas que podem se tornar eletricamente carregadas em razão de colisões repetidas. O fenômeno pode se repetir – e até causar explosões – em si-los com grãos, em empresas farmacêu-ticas que processam componentes de remédios e na indústria do carvão. Em desertos, o deslocamento de areia cau-sado pelos rotores de um helicóptero voando baixo pode ocasionar perigosas faíscas. Poeira eletricamente carregada também é apontada como a responsá-vel pela perda de eficiência de baterias solares usadas em Marte e na Lua e, ao se ligar à roupa dos astronautas, por danos aos trajes espaciais. n

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Tempestade de areia no Texas (acima) e rastro de cinzas do vulcão Eyjafjallajoekull: intenso choque de partículas pode gerar descargas

da outra. Até aí tudo normal. Mas, em circunstâncias especiais, como nas tempestades de areia em desertos e nas erupções de vulcões, o choque de duas partículas com certas características – compostas de um mesmo material e eletricamente neutras (com a mesma quantidade de cargas positiva e negati-va) – produz, paradoxalmente, o efeito contrário. Em vez de se neutralizarem, elas, ao trombarem em pleno ar sob efei-to de um campo elétrico externo, levam a um crescendo das cargas elétricas pre-sentes nesse sistema que, até então, pa-recia em equilíbrio. A cada colisão, uma partícula acumula mais carga positiva e perde toda a negativa enquanto o oposto ocorre com a outra partícula, que au-menta progressivamente sua carga nega-tiva e zera a positiva. Portanto, em con-dições bastante específicas, sucessivos choques entre grãos podem provocar uma escalada de energia no sistema, transformando partículas que antes se comportavam como isolantes elétricos em um meio condutor de grandes des-cargas. Daí para a ocorrência de uma descarga é um passo. “Os choques no ar aumentam a polarização nos grãos”, explica Herrmann. “As cargas negativas se armazenam no topo das partículas e as positivas em sua base.”

De acordo com simulações feitas em computador e experimentos reais com partículas granulares realizados em la-boratório, os físicos da ETH montaram um cenário esquemático, simplificado, para explicar o processo de surgimento das descargas elétricas em nuvens de poeira. Imagine uma nuvem hipotética com apenas dois grãos de areia. Quando um campo elétrico de fundo é aplica-do no sistema, ocorre a polarização de cargas nas partículas. Em cada grão de areia a carga positiva se concentra no hemisfério sul e a mesma quantidade de carga negativa migra para o hemisfério no norte. É preciso notar que, nesse mo-mento, antes de qualquer colisão, as duas partículas, apesar de divididas em duas metades com sinal elétrico oposto, ainda se encontram eletricamente neutras. Por didatismo, os pesquisadores disseram que cada grão carrega uma unidade de carga positiva em sua base e uma de car-ga negativa no topo. Quando ocorre o choque das partículas, o hemisfério sul de um grão (de carga positiva) esbarra no hemisfério norte (negativo) do outro.

artigo científico

PäHTZ, T. et al. Why do particle clouds generate electric charges?. Nature Physics, Publicado on-line em 11/04/2010.

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Biblioteca deRevistas Científicasdisponível na internetwww.scielo.org

não são significantemente diferentes em relação ao tamanhodo corpo, apesar de o primeiro grupo apresentar uma médiamaior do que o segundo em quase todas as regiões corpóreasmedidas. A análise de cada indivíduo demonstrou a presençade mais de uma fêmea inseminada por colônia durante todasas fasesdo ciclo colonial, sugerindo uma condição estratégicadesta espécie ante as dificuldades (predação e parasitismoda colônia). O estudo está no artigo "Mais de uma fêmeainseminada nas colônias da vespa de fundação independenteMischocyttarus cassununga von Ihering (Hymenoptera, Ves-pidae)': de André S. N. Murakami, Sulene N. Shima e IvanC. Desuó, da Universidade Estadual Paulista.

REVISTA BRASILEIRA DE ENTOMOLOGIA - VOL. 53- NO 4-SÃo PAULO - DEZ. 2009

• Antropologia

Pataxós no Monte PascoalO artigo "O Monte Pascoal, os índios Pataxó e a luta pelo

reconhecimento étnico': de Maria Rosário de Carvalho, daUniversidade Federal da Bahia, trata do embate travadoentre os índios pataxós e o Estado brasileiro pela possedo Parque Nacional do Monte Pascoal (PNMP), na Bahia,para o que .são utilizados a noção de eventos críticos e omodelo de conflito, que atribui o surgimento e o curso daslutas sociais às experiências morais dos grupos sociais emface da negação do reconhecimento. O objetivo do autoré, mediante a apresentação das várias etapas do embate,demonstrar que os eventos críticos relacionados à cria-ção do PNMP, ao tempo que ensejam graves contradiçõespara os pataxós, colaboram para a gênese de uma novacomunidade político-moral. O foco do trabalho incide nainterface demografia e antropologia, buscando relacionaras condições de vida, o deslocamento espacial e os direitosde um povo indígena.

CADERNO CRH - VOL. 22 - NO 57 - SALVADOR 2009

• Intercâmbio científico

Políticas de C&TO artigo "Intercâmbios acadêmicos internacionais:

bolsas Capes, CNPq e FAPESP", de Débora Mazza, daUniversidade Estadual de Campinas, é parte de pesquisa

Notícias

• História

Análise de fotos da guerraO trabalho "Entre

flores e canhões naGrande Guerra (1914-1918): o final da BelleÉpoque e o começo do'breve século XX' emum álbum de retratosfotográficos", de Mar-co Antonio Stancik,do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), analisa oitoretratos fotográficos (ver exemplo acima) pertencentes a umálbum de família alemão, sete dos quais datados dos temposda Primeira Guerra Mundial (1914-1918). As fotografiassão abordadas como documentos e monumentos, de formaa evidenciar mudanças operadas na percepção do conflito, apartir de uma narrativa construída sob sua inspiração.

REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA - VOL. 29 - NO 58 -SÃo PAULO - DEZ. 2009

• Entomologia

Fêmeas de vespaNas vespas eussociais basais, especificamente nas tribos

Polistini e Mischocyttarini, a condição fisiológica de cadaindivíduo é fortemente associada com o seu status de do-minância na hierarquia colonial. Como regra, nas vespasde fundação independente, as fêmeas são morfologicamen-te semelhantes e suas funções são aparentemente bastanteflexíveis quando adultas. Entretanto, alguns estudos têmdemonstrado que diferenças no tamanho corpóreo podemexistir entre as fêmeas reprodutivas e não reprodutivas. Dessemodo, o objetivo do presente estudo foi detectar diferençasentre fêmeas consideradas reprodutivas (inseminadas) e nãoreprodutivas (não inseminadas) baseando-se em parâmetrosmorfológicos e fisiológicos. O repertório comportamentalde seis colônias de Mischocyttarus cassununga foi observa-do diariamente no campo com a ajuda de uma filmadorae em seguida todas as colônias em diferentes fases do cicloforam coletadas para a mensuração de 13 caracteres e análiseda condição fisiológica (quantidade de corpo gorduroso egrau de desenvolvimento ovariano) de cada uma das fêmeas.Observou-se que as fêmeas inseminadas e não inseminadas

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que atenta para o peso crescente que a circulação inter-nacional de pessoas, saberes e práticas tem alcançadonos processos de escolarização e formação profissionalde determinados setores sociais. Considerando os recur-sos públicos que a Capes, o CNPq e a FAPESP destinamà formação de pesquisadores com vistas ao fomento, àpesquisa e aos investimentos em ciência e tecnologia nohorizonte da circulação internacional, a autora recortoupara este artigo a descrição e a análise preliminares dabase de dados de bolsistas no exterior dessas agências defomento, no período de 1970 a 2000. O movimento defluxos, a partir da metodologia quantitativa de correlaçãode variáveis, desenha as tendências dos intercâmbios aca-dêmicos internacionais promovidos pelas três agências enas diversas áreas do conhecimento.

CADERNOS DE PESQUISA - VOL. 39 - NO 137 - SÃO PAULO -

MAIO/ AGO. 2009

• Educação científica

Caminhos da biotecnologiaA educação científica tem sido debatida em alguns

segmentos da sociedade e organizações internacionaisestimulam as nações a investirem nessa área estratégica.Nesse contexto, a educação em biossegurança e bioéticaexplora um conteúdo rico em prevenção, normas e princí-pios éticos, que servem para nortear os caminhos trilhadospela biotecnologia. A valorização da biossegurança e dabioética como parte de uma política educacional cientí-fica, efetiva e consistente, pode estimular a formação deindivíduos com uma consciência científica e cidadã, emcondições de participar das questões de natureza ética etecnológica produzidas pela biotecnologia. Marcos DeBonis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e MarcoAntonio Ferreira da Costa, da Fundação Oswaldo Cruz,discutem esse tema no artigo "Educação em biossegurançae bioética: articulação necessária em biotecnologia".

CIÊNCIA & SAÚDE COLETIVA - VOL. 14 - NO 6 - RIO DE

JANEIRO - DEZ. 2009

• Telemedicina

Dermatologia a distânciaO termo "telemedicina" faz referência ao uso de tecno-

logias de comunicação para a transmissão a distância de'informações relacionadas à saúde. Esse recurso é utilizadoem várias especialidades médicas, principalmente naque-las em que a interpretação de imagens representa umaetapa fundamental na formulação diagnóstica. O objetivodo estudo "Teledermatologia: correlação diagnóstica emserviço primário de saúde" foi avaliar a concordânciaentre o diagnóstico presencial e o diagnóstico a distân-cia de lesões cutâneas, utilizando a teledermatologia, empacientes atendidos em uma unidade básica de saúde.Foi realizado um estudo prospectivo envolvendo pacien-

tes atendidos no serviço de dermatologia da clínica daFaculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), em Salvador,na Bahia. Participaram da pesquisa um dermatologistaresponsável pela consulta presencial e dois dermatologis-tas responsáveis pela consulta a distância. Os diagnósticosobtidos por meio da teleconsulta foram avaliados quantoà concordância e comparados com os diagnósticos daconsulta presencial. No total, 60 pacientes participaramdo trabalho. Observou-se um grau de concordância to-tal variando de 86,6% a 91,6%. A conclusão dos autoresPaulo Ricardo Criado, Cristiana Silveira Silva e MuriloBarreto Souza, da Universidade de São Paulo, Cecília deAlmeida Araújo, da FTC, e as dermatologistas Isabelle AryDuque, Luciana Molina de Medeiros e Nayra RodriguesMeio, é a de que a teledermatologia é uma forma de assis-tência com um grande potencial de uso na dermatologiae pode representar uma ferramenta útil principalmenteem casos clínicos de baixa complexidade.

ANAIS BRASILEIROS DE DERMATOLOGIA - VOL. 84 -NO 5 - RIO DE JANEIRO - SET./OUT. 2009

• Sociologia

Resistência culturalNos primeiros anos da ditadura

militar brasileira diversas institui-ções desarticuladas pela repressãoiniciaram um processo de resistên-cia e oposição ao governo. A resis-tência cultural foi uma das formasconsagradas de oposição exercidaspor intelectuais, artistas, professorese produtores culturais que consistiunum fenômeno político e cultural,diz Rpdrigo Czajka, da UniversidadeFederal dos Vales do Jequitinhonha eMucuri, no artigo "A Revista Civilização Brasileira: projetoeditorial e resistência cultural (1965-1968)". Político, por-que auxiliou no processo de reorganização dos partidosde esquerda e na revisão dos postulados ideológicos doPartido Comunista Brasileiro. Cultural, porque a reorga-nização deu-se, muitas vezes, no âmbito das produçõesculturais, no qual as esquerdas constituíram um espaço decontestação e engajamento por meio das artes e atividadesintelectuais. Nesse processo é que a Revista CivilizaçãoBrasileira (acima, uma edição de 1968) representou umespaço importante para a resistência cultural entre 1965e 1968. A revista impôs-se com legitimidade política, aomesmo tempo que participou ativamente na formação deum mercado de bens culturais sustentado pela "hegemoniacultural de esquerda", afirma o pesquisador.

••••revistaciviüzacaobrasileira~l,mlL2

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA - VOL. 18 - NO 35 -CURITIBA - FEV. 2010

> O link para a íntegra dos artigos citados nestas páginas estão dispo'níveis no site de Pesquisa FAPESP, www.revistapesquisa.fapesp.br

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UNHA DE PRODUÇÃO MUNDO

IRESISTENTESAO CALOR

Vacinas que não precisamser guardadas emambiente refrigerado sãoum requisito importantepara disseminar essesmedicamentos em regiõespobres do planeta ondenem sempre é possível fazera refrigeração de formaadequada por falta deequipamentos. Esseproblema pode estar comos dias contados porqueuma nova tecnologiafoi criada por pesquisadoresda Universidade deOxford e da empresaNova Bio- Pharma,ambas da Inglaterra, quedispensa o uso de freezerse geladeiras para oacondicionamento domaterial. A vacina ficadepositada num segmentoda seringa, em umcompartimento, entrea agulha e o êmbolo,formado por membranas

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PNEUS VERDESE SUSTENTÁVEIS

Os pneus dos automóveis sãoproduzidos com cerca de 70%de borracha sintética e outrosmateriais originários de deri-vados do petróleo. O restantesão tecidos, metais e borrachanatural do látex da seringuei-ra. Mas em breve os pneusdeverão ficar mais "verdes"com o anúncio de um produtochamado bioisopreno, formu-lado a partir de açúcares en-contrados na cana-de-açúcar,no milho, num capim chamado

de switchgrass e outros tipos de biomassa. O produto foidesenvolvido pela fabricante de pneus Goodyear e pelaGenencor, empresa de biotecnologia ligada a Danisco,produtora dinamarquesa de insumos para a indústria daalimentação. Pesquisadores da Genencor desenvolveramuma bactéria que converte açúcares das biomassas noproduto final por meio de um processo de fermentação,volatização e purificação. A Goodyear informou que osnovos pneus deverão estar em produção dentr.o de cincoanos. O bioisopreno poderá também ser usado em outrosprodutos como luvas cirúrgicas, bolas de golfe e adesivos.Os resultados da parceria foram apresentados, em março,na 239a Reunião Nacional da Sociedade de Química Ame-ricana, em São Francisco, nos Estados Unidos.

Nova borrachano lugarda sintética

estabilizadas com doistipos de açúcar: sacarosee trealose. Ela é misturadacom os açúcares ea solução é desidratada,num processo conhecidocomo anidrobiose, emque organismos - nocaso das vacinas com vírusatenuados - sobrevivema um longo períodode desidratação pelasuspensão temporáriade suas atividades vitais. ~

IMOSQUITOTRANSGÊNICO

Uma população transgênicade mosquitos Aedes aegypti,transmissor da dengue, foiproduzida por pesquisadoresdas universidades deOxford, na Inglaterra, e daCalifórnia, em Irvine, nosEstados Unidos. A estratégiaé, no futuro, colocar ovosdesses mosquitos na natureza.Os machos carregarãouma alteração genéticaque vai atrofiar as asasdas fêmeas resultantesda união desses transgênicoscom fêmeas normais, asresponsáveis pela picadatransmissora do vírusda doença. Sem poder voar,elas não se alimentam desangue, aspecto fundamentalpara completar o ciclode vida do inseto. Dentreos 14 pesquisadores queassinam o artigo desseexperimento, publicadona revista PNAS de9 de março, está o brasileiroOsvaldo Marinotti, daUniversidade da Califórnia. I

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GERAÇÃOMAIS LIMPA

Um gerador de energiaelétrica que pode utilizarcombustíveis fósseis(gás natural e metano)ou renováveis (etanol ebiodiesel), sem queimá-loscomo fazem os motoresde geradores convencionais,já está à venda nos EstadosUnidos. O equipamentoreduz as emissões depoluentes entre 40%e 100%. Produzido pelaempresa norte-americanaBloom Energy, sediada noVale do Silício na Califórnia,o equipamento é umacélula a combustível quegera eletricidade comoxigênio do ar e hidrogênioextraído dos combustíveis.A célula é do tipo SolidOxide Fuel Cell (SOFC)que se caracteriza porpossuir o condutor deeletricidade, ou eletrólito,feito de material cerâmico,intercalado entre duasplacas também de cerâmica,o anodo e catodo, de formasemelhante a uma bateria.Ele quebra as moléculas dohidrogênio e do oxigênio,

permitindo a separaçãodos elétrons e a geraçãode energia elétrica.O funcionamento dessascélulas é conhecido há muitasdécadas e o que a empresaconseguiu foi fazê-Ias commateriais baratose passíveis de funcionarcom vários combustíveis,além de o sistema poderestocar energia. Chamadode Bloom Energy Server,o equipamento possui100 quilowatts (kW)de potência e tem o formatode uma caixa medindo5 metros (m) de largura,2 m de altura e 2 m deprofundidade. Próprio paraempresas que querem ter umgerador independente das

linhas convencionaisde transmissão e reduzira emissão de carbono,o aparelho já estáinstalado em unidadesda Coca-Cola, Bank ofAmerica, Google e Walmart.Cada máquina custaUS$ 10 mil e o custo podeser absorvido em cincoanos, segundo a empresa.

IBIOSSENSORHIPERSENSíVEL

Assim como nosso sistemaimune, os exames médicosreconhecem a presença depatógenos no organismohumano por meio daidentificação de proteínas

OLHO BIÔNICO DA AUSTRÁLIA

Uma boa notícia para pessoas que sofrem de graves doençasdegenerativas ou hereditárias da retina que levam à perda devisão no centro do campo visual. A empresa australiana 8ionicVision conseguiu finalizar o protótipo de um olho biônico capazde corrigir, ainda que parcialmente, os problemas desses pa-cientes. O dispositivo consiste de uma microcâmera montadanos óculos que capta os estímulos visuais, transformando-os emsinais elétricos que são enviados para um microchip implantadona retina. Esse dispositivo, por sua vez, estimula diretamente osneurônios ainda saudáveis na retina, possibilitando que o cérebroreconstrua a imagem. Por enquanto, os usuários são capazes deenxergar manchas de claridade pouco definidas, mas versões fu-turas, previstas para entrar no mercado em cinco anos, permitirãoque eles reconheçam rostos e leiam letras grandes.

específicas na superfíciede substâncias estranhas.Esses testes normalmenteexigem grandes quantidadesde amostra e nem todosos problemas podem serinvestigados dessa forma.Agora um grupo de cientistasda Universidade Técnicade Munique, na Alemanha,e dos Laboratórios Fujitsu,no Japão, desenvolveu umbiossensor 100 vezes maissensível que os examesdisponíveis no mercado,capaz de não apenasidentificar proteínascaracterísticas de doençasespecíficas, mas tambémdetectar se essas proteínassão alteradas pela influênciade doenças ou drogas.Batizado de switchSENSE,o dispositivo é formado pormoléculas de DNA sintético,carregadas negativamente,e postas em uma soluçãoaquosa. A nova tecnologiainduz um movimentocíclico do DNA e medeesse movimento. Umprotótipo pré-comercialdo dispositivo, capaz deanalisar simultaneamente24 proteínas, deve ficarpronto até o final do ano.

PESQUISA FAPESP 171 • MAIO DE 2010 • 65

Page 66: Contra novas tragédias

LINHA Df PRODUÇÃO BRASIL

TESTES NA CAIXAUm equipamento que permite verificarse os equipamentos eletrônicos emitemalgum tipo de interferência eletromagné-tica e também se sofrem interferênciasde radiações externas é a mais recenteaquisição do Instituto de Pesquisas Tec-nológicas (lPT). Televisores, rádios, celu-lares, computadores, equipamentos ele-tromédicos, controladores programáveisde linhas de produção industrial, entreoutros, podem ser avaliados na câmarade testes de compatibilidade eletromag-nética, uma caixa de aço blindada com 6metros de largura, 7 de comprimento e7 de altura, que faz parte do Laboratóriode Equipamentos Elétricos e Ópticos doinstituto. As paredes internas da caixasão revestidas com cones de poliu reta-

no, para impedir que as radiações eletromagnéticas pene-trem em seu interior. Quando é detectada a interferênciaem um equipamento, o IPT ajuda a empresa a desenvolverum isolamento apropriado. Para mostrar na prática o que ainterferência causa, foi usada uma balança eletrônica de usocomercial que registrava o peso de uma peça de plástico de132 gramas. Quando uma fonte de radiação eletromagnéticapróxima foi ligada, o peso caiu para 126 gramas.

IDESCARTESEGURO

Montero Lago, coordenadordo projeto, que tambémteve a participaçãodo professor José Fabris.O processo está emtestes na empresa mineiraVerti Ecotecnologias,que desenvolvetecnologias ambientais.

Um novo métodode tratamento químico,desenvolvido porpesquisadores daUniversidade Federal deMinas Gerais (UFMG),poderá substituir otradicional processo deincineração utilizado pelaindústria farmacêuticapara o descarte demedicamentos com prazode validade vencido.Pelo novo processo, osmedicamentos são colocadosdentro de um reatorcom água e tratados comperóxido de hidrogênio,mais conhecido como águaoxigenada, à temperaturaambiente. "A água oxigenadaoxida todos os produtose o que sobra, um efluenteinerte, pode ser descartadode maneira segura",diz o professor Rochel

ISIMUL~DORDE PROTESES

e comercialização combase em cartas declaratóriasemitidas pelos própriosfabricantes", diz odoutorando André LuísLima Oliveira, que projetoue construiu o simuladororientado pelo professorRaul Gonzalez Lima,do Departamento deEngenharia Mecânicada Poli. As máquinasimportadas que fazem acomprovação da qualidadedas pró teses ortopédicascustam cerca de R$ 1milhão enquanto a nacionaldeverá custar bem menos.

A durabilidade das prótesesortopédicas de quadrile joelho produzidasno Brasil já pode sertestada em um simuladorde movimentos humanosproduzido na EscolaPolitécnica da Universidadede São Paulo. Até agorao Brasil não dispunhade uma máquina paratestes desse tipo. ''A AgênciaNacional de VigilânciaSanitária (Anvisa) concedeo direito de fabricação

Prótesede quadril:ensaiosavaliamdesgastedo material

66 • MAIO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 171

Page 67: Contra novas tragédias

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IEXPORTAÇÃO DEBIOTECNOLOGIA

A biotecnologia brasileira,que reúne cerca de300 empresas, atingiuum patamar de diversidadede produtos e tecnologias.Mas o setor ainda nãoconquistou umaparticipação compatível nomercado externo e é poucoconhecido no próprio país.Uma situação que devemudar com as açõesplanejadas pelo projetoBrBiotec Brasil, da AgênciaBrasileira de Promoçãode Exportações eInvestimentos (Apex),que pretende ser um novocanal de promoção dosprodutos biotecnológicosbrasileiros no exterior.Da iniciativa fazem parteo Centro de Inovação,Empreendedorismoe Tecnologia (Cietec),sediado na capital paulista,a Fundação Biominas,de Belo Horizonte, ea Fundação Bio-Rio, doRio de Janeiro. "Queremoscapacitar as empresaspara que se organizeme se mostrem no mercadoexterno com a marcaBrBiotec", diz EduardoGiacomazzi, coordenadordo projeto. "No mercado

interno pretendemos queelas se conheçam melhore atuem de forma maisintegrada. Existem empresasque buscam no exteriorprodutos que existem aqui."Ele pretende também fazerum mapeamento dasempresas de biotecnologiano país. Cerca de 80%são muito novas e grandeparte está sediada emincubadoras. A marcafoi lançada na Bio 2010realizada em Chicago,nos Estados Unidos,no início de maio, coma participação de 18empresas como Aché, OuroFino, Invent e Hemobrás.

IMENOS FUMAÇANOS CANAVIAIS

da palha, ante 1,8 milhãode hectares em que selançou mão desse recurso.Na safra 2006/2007, quandoesse tipo de monitoramentocomeçou a ser feito emterritório paulista, a colheitasem queima ficou em34%. Desde a assinaturado Protocolo Agroambientaldo Setor Sucroalcooleiroentre o governo do estadoe a União da Indústria deCana-de-Açúcar (Unica),em 2007, a colheitamanual, precedida pelaqueima da palha, tem sidogradativamente substituídapela mecanização.O acordo prevê a eliminaçãototal da queima da canae da palha até 2017.

Mais da metade dacana-de-açúcar da safra2009/2010 no estadode São Paulo foi colhidasem a queima da palha.As informações sãodo projeto Canasat, doInstituto Nacional dePesquisas Espaciais (Inpe),que monitora a colheitada cana por meio deimagens de sensoriamentoremoto obtidas por satélitesa cerca de 800 quilômetrosde altitude. O relatórioda última safra mostra que2,27 milhões de hectares -cerca de 56% - foramcolhidos sem a queima

DIAGNÓSTICO ILUMINADO

Um feixe de laser em uma folha de laranjeira é o bastante paraidentificar rapidamente o greening, uma doença dos citros queatualmente ataca os laranjais pau listas. O diagnóstico podeser feito um mês após a contaminação, quando os sintomascomo folhas amareladas e frutos deformados não aparecem.Sinais aparentes só se manifestam após um ano de a bactériainfeétar a planta. O equipamento foi desenvolvido pela pesqui-

sadora Débora Milori, da EmbrapaInstrumentação Agrícola, de SãoCarlos (SP), com apoio do Centrode Pesquisa em Óptica e Fotônica deSão Carlos, sediado no campus daUniversidade de São Paulo na mes-ma cidade. Foram realizados testesde validação em parceria com oCentro de Citricultura do InstitutoAgronômico comparando o uso dolaser com análise por meio de PCR(que amplificou o DNA da bactériana planta). "A análise da luz que afolha emite depois da incidência dolaser traz informações das proprie-dades químicas da folha", diz Débo-ra. Um software mede as alteraçõesencontradas no vegetal. A Embrapatrabalha agora para transferir a tec-nologia para empresas.

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Yur i Vasconcelosfotos Eduard o Cesar

[ novos materiais ]

Resíduos da queima do bagaço de cana-de-açúcar podem substituir parte da areia usada na construção civil

ConCreto feito de Cinzas

Page 69: Contra novas tragédias

Uma montanha negra composta por 3,8 milhões de toneladas de cinzas e restos queimados de bagaço de cana-de-açúcar. Esse é o resíduo produzido durante um ano pela incineração do ba-gaço nas usinas sucroalcooleiras

nacionais. Há algum tempo, as indústrias do setor queimam o bagaço e a palha da cana para geração de energia elétrica des-tinada a consumo próprio e, em caso de produção excedente, venda a terceiros. As cinzas resultantes da queima são descarta-das em aterros ou lançadas em plantações de cana--de-açúcar como adubo, embora pairem dúvidas sobre sua real eficácia. Para cada tonelada de bagaço incinerado, são gerados por volta de 25 quilos de cinzas. Esse material foi estudado pela equipe coordenada pelo engenheiro civil Almir Sales, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e os resultados mostram que esse resíduo poderá ter um destino ambientalmente adequado e se transformar num importante insumo na fabricação de argamassa e concreto para uso na construção civil. Os resultados fo-ram apresentados em um artigo publicado em fevereiro na versão on-line da revista Waste Management.

A proposta do pesquisador da UFSCar é substituir parte da areia atualmente utili-

zada na preparação de argamassa e concre-to pela cinza do bagaço de cana. A pesquisa, iniciada há três anos e realizada com apoio financeiro da FAPESP, mostrou que a subs-tituição de 30% a 50% em massa da areia natural pelas cinzas não apenas preserva as características físicas e mecânicas de um concreto de boa qualidade, mas também traz benefícios. “Nessa faixa de substitui-ção, o concreto feito com cinzas pode ter um ganho de resistência 20% superior ao concreto convencional”, afirma Sales, que contou com a colaboração da doutoranda Sofia Araújo Lima e mais cinco alunos de iniciação científica. Além disso, esse tipo de concreto reduzirá a necessidade de áreas para destino do resíduo e, ao mesmo tem-po, utilizará menos areia, diminuindo o impacto ambiental dos leitos dos rios, de onde é retirada.

“A extração de areia natural e pedra britada exige muito da natureza. A maioria dos portos de areia e das pedreiras provo-ca desgaste ambiental nos cursos d’água. Estamos começando a ter dificuldade para encontrar areia e pedra natural para uso na construção civil”, afirma o pesquisador da UFSCar. Recentemente, diz ele, houve um aumento de 500% no preço da areia em São Luís, no Maranhão, motivado pelo cancelamento das licenças ambientais para extração de areia na cidade.

tecnologia

As cinzas do bagaço são jogadas em aterros ou lançadas sobre a lavoura

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70 n maio De 2010 n PESQUISA FAPESP 171

O concreto feito com cinzas de ba-gaço poderá, em princípio, ser utiliza-do na maioria das aplicações em cons-trução civil. A proposta inicial é que ele venha a ser empregado na fabrica-ção de guias, sarjetas e bocas de lobo. “Várias prefeituras já trabalham com aplicação de resíduos para produção de artefatos de concreto. Acreditamos que uma delas possa se interessar em fazer uma produção piloto com o nos-so concreto”, conta Sales. Para algumas aplicações especiais, como concretos estruturais de elevado desempenho, serão necessários mais estudos.

Parece areia – Para chegar à conclusão de que as cinzas do bagaço substituem bem a areia, o pesquisador realizou uma série de ensaios. A caracterização física microscópica mostrou que ela tem um perfil muito próximo ao da areia natural, com uma porção cristalina e alto teor de sílica. Os estudos feitos com as amos-tras colhidas em quatro usinas de São Paulo também revelaram a inexistência de elementos próprios para adubo no resíduo. “Trata-se de um material em sua maior parte inerte e fraco enquanto adubo. Não encontramos concentração significativa de potássio que justifique o uso das cinzas como elemento para correção da acidez do solo, como vem ocorrendo”, destaca Sales.

Outro dado surpreendente reve-lado pelos ensaios foi a presença de

Artigo científico

SALES, A.; LIMA, S.A. Use of Brazilian sugarcane bagasse ash in concrete as sand replacement. Waste Management. 2010. Versão on-line. doi: 10.1016/j.was-man.2010.01.026

grande quantidade de metais pesados, entre eles chumbo e cádmio, nas cinzas analisadas. Com isso, seu emprego na adubação das plantações pode repre-sentar risco de contaminação do solo e do lençol freático. Cauteloso, Sales ressalta que é preciso fazer estudos mais detalhados na área de solo com a realização de uma amostragem mais ampla. “Trabalhamos com cinzas pro-duzidas por um número limitado de usinas. Mesmo assim, esse é um indício que precisa ser verificado”, afirma. Es-ses elementos químicos provavelmente foram incorporados à cana-de-açúcar na fase de cultivo, quando são usados inseticidas, herbicidas e maturadores para aumentar a produtividade e ante-cipar o corte. Depois que o bagaço foi queimado, os metais pesados passaram para as cinzas.

Os tratamentos para que a cinza do bagaço possa ser utilizada na subs-tituição da areia, de acordo com Sales, são simples e de baixo custo. Nos casos em que a cinza tem fragmentos de ba-gaço mal queimados, é preciso fazer um peneiramento para retirá-los. No entanto, em usinas que possuem for-nos mais novos, já preparados para a produção eficiente de energia elétrica, o bagaço é totalmente incinerado, dis-pensando o peneiramento. A segunda fase do tratamento limita-se a uma moagem para controle do tamanho dos grãos de cinza – em termos técni-cos, é feito um acerto granulométrico. “Com a realização da moagem, é pos-sível obter uma cinza muito parecida com a areia, só que a cor é preta”, diz o pesquisador, esclarecendo que o inves-timento para aquisição dos moinhos responsáveis por esse processamento é relativamente baixo e pode ser diluído no custo dos fornos.

Durabilidade à prova – Uma vez que a dosagem ideal de substituição da areia pela cinza no cimento já foi definida (entre 30% e 50%), o próximo passo da pesquisa será a realização de testes de durabilidade do concreto. Nesses ensaios, previstos para serem realizados nos próximos 12 meses, também será verificado se o concreto feito com cinzas possui características adequadas para

Utilização da cinza do bagaço da cana-de-açúcar na produção de artefatos para infraestrutura urbana: caracterização do resíduo e avaliação de argamassas e concretos – nº 08/06486-4

moDAlIDADE

auxílio regular a Projeto de Pesquisa

Co or DE nA Dor

almir sales – UFsCar

InvEStImEnto

r$ 124.592,61 (FaPesP)

O PrOjetO

proteger armaduras – ou seja, se, além de durável, ele pode resguardar o aço empregado nas construções de concre-to do processo de corrosão. Durante esses testes, os corpos de prova ficarão expostos ao ambiente, simulando uma situação real. “Os ensaios preliminares são animadores e a tendência é que a durabilidade possa ser confirmada”, conta Sales.

Segundo o pesquisador da UFSCar, outros países já buscam alternativas à areia e à brita para a fabricação de argamassa e concreto. É o caso de Holanda, Dinamarca e Bélgica, onde esses insumos têm sido substituídos por resíduos de construção e demo-lição (RCD). “A adição de RCD para fazer recomposição de areia e brita é bem disseminada em muitos países desenvolvidos, chegando a índices su-periores a 70%”, diz. No Brasil, várias cidades já possuem usinas de recicla-gem nas quais os RCDs são separados, triturados e transformados em areia e brita para a produção de artefatos de concreto. “Esse é um caminho a ser seguido. Temos que aprender a trans-formar os resíduos gerados em diversos setores, inclusive o agroindustrial, em concreto e outros componentes para a construção civil sem ter que extrair sempre do ambiente.”

O concreto com restos da queima do bagaço de cana não é o primeiro tra-balho do pesquisador focado no apro-veitamento de um resíduo e sua trans-formação em um produto com valor agregado. Há cinco anos, ele coordenou um projeto que resultou em uma pa-tente, visando à incorporação do lodo gerado em estações de tratamento de água em concretos e argamassas. No lugar de enviar o lodo produzido em estações para aterros sanitários ou in-cineradores, é possível utilizá-lo para a fabricação de artefatos de concreto. »

Page 71: Contra novas tragédias

PESQUISA FAPESP 171 n maio De 2010 n 71

A partir da esquerda: celulose do bagaço,

quitosana e a fibra híbrida

Fibra bactericida

A s possibilidades do uso do bagaço de cana-de-açúcar se ampliam. Uma das mais recentes é uma fi-

bra têxtil com propriedades medicinais elaborada com a celulose desse resíduo e quitosana, um polímero produzido a partir da quitina, uma substância extraí-da da carapaça de caranguejo, camarão, lagosta e outros crustáceos. Essa com-binação resultou numa fibra para uso em curativos com propriedades cica-trizante, fungicida e bactericida, além de apresentar conforto e resistência. O estudo coordenado pelo professor Adalberto Pessoa Júnior, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universi-dade de São Paulo (USP), contou com a pós-doutoranda Sirlene Maria da Costa, atualmente pesquisadora do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), e a en-genheira química Silgia Aparecida da Costa, professora do Curso de Têxtil e Moda da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, que fez a sugestão da pesquisa depois de ter desenvolvido fibras semelhantes com celulose comer-cial de madeira e quitosana.

“Queremos criar uma fibra têxtil tecnológica e, a partir dela, construir tecidos para fabricação de bandagens e vestuário para portadores de deficiên-cia física, como paraplégicos, idosos com baixa mobilidade e pacientes que ficam muito tempo no leito e estão su-

jeitos ao desenvolvimento de úlceras de pressão na superfície da pele”, diz Silgia. “Como a nossa fibra age na cicatrização e combate a bactérias e fungos, talvez nem todos os pacientes precisem, no futuro, usar pomadas ou fazer curativos nos ferimentos.” Segundo a pesquisa-dora, embora boa parte do bagaço e da palha da cana seja queimada para

geração de energia elétrica, ainda resta um excedente que poderá ser transfor-mado nessa fibra têxtil especial.

O projeto rendeu a elaboração de uma patente pela Agência de Inovação da USP. O desenvolvimento das fibras já foi finalizado e agora estão sendo realizados testes físicos, químicos e biológicos. “Queremos comprovar a resistência da fibra para a construção de tecidos, malhas ou outros materiais com capacidade para absorver a umida-de da secreção das feridas e apresentar ação bactericida e fungicida.”

Além da fibra híbrida com quitosa-na, também estão sendo desenvolvidos outros tipos de fibra em que são testa-das a incorporação de enzimas como a lisozima, encontrada na clara do ovo de galinha com propriedade bactericida, e bromelina, enzima extraída do abacaxi e capaz de limpar ferimentos. A expecta-tiva do grupo é de que os ensaios sejam concluídos dentro de um ano, quando o produto estaria pronto para ser fabri-cado em escala piloto. “Nossa intenção é que exista interesse das empresas tanto do setor têxtil quanto farmacêutico para desenvolver a tecnologia”, diz Silgia. n

Mistura de celulose de cana e quitosana resulta em fibra com propriedades medicinais

1. Desenvolvimento de novas fibras têxteis à base celulose regenerada e quitosana para aplicações médicas - n°06/56970-42. Desenvolvimento de fibras têxteis a partir de celulose de bagaço de cana-de-açúcar com a incorporação de fármacos e enzimas para aplicações médicas - nº 07/53577-2

moDAlIDADE

1 e 2. auxílio regular a Projeto de Pesquisa

Co or DE nA DorES

1. silgia aparecida da Costa – UsP 2. adalberto Pessoa Júnior - UsP

InvEStImEnto

1. r$ 70.048,97 e Us$ 17.356,00 (FaPesP)2. r$ 90.787,33 (FaPesP)

Os PrOjetOs

Page 72: Contra novas tragédias

Eletricidade doaperto

Page 73: Contra novas tragédias

PESQUISA FAPESP 171 n maio DE 2010 n 73

Pesquisadores desenvolvem material que gera energia elétrica quando pressionado

ção de um material capaz de aproveitar a força mecânica gerada pelo tráfego de veículos em uma rua, por exem-plo, para obter eletricidade. Trata-se de um filme, chamado tecnicamente de compósito, feito da mistura de um polímero com partículas nanométricas – medidas equivalentes a um milhão de vezes menores que um milímetro – de cerâmica, que pode ser colocado sob o asfalto e, ao sofrer uma pressão, se deforma gerando corrente elétrica.

O desenvolvimento da cerâmica nanométrica, que faz parte da pelícu-la, está a cargo de Maria Aparecida. Ela lança mão de recursos nanotecnológi-cos, em escala de átomos e moléculas, para fazer o pó cerâmico que compõe o filme, o óxido cerâmico titanato zirconato de chumbo, mais conheci-do pela sigla PZT – o P vem do nome do chumbo em latim, plumbum. Para desenvolver a nanocerâmica, Maria Aparecida utilizou um novo método de produção. Ela explica que a forma mais comum de obter o PZT era por meio do processo Pechini. “Nesse caso, utiliza-se a propriedade que os ácidos orgânicos, como o cítrico, possuem de formar complexos do tipo metal-ácido orgânico”, diz. “Esse complexo, quando associado a um álcool, se polimeriza

Evanildo da Silveira

[ NaNotecNologia ]

s irmãos Pierre e Jacques Cur-rie, físicos franceses, desco-briram em 1880 a proprieda-de que alguns materiais mi-nerais têm de gerar corrente elétrica quando deformados por uma pressão mecânica,

fenômeno que ganhou o nome de pie-zoeletricidade. Essa descoberta origi-nou várias aplicações comerciais, desde o luminoso da sola de tênis infantil até aplicações em equipamentos de ul-trassonografia e de litotripsia, proce-dimento médico para quebrar pedras de rins ou vesícula. Mas em tempos de preocupações ambientais e energéticas um uso baseado na piezoeletricidade ganha corpo entre pesquisadores: o de produzir energia elétrica por meio de uma fonte inesgotável que não polui. É o que vêm fazendo, por exemplo, dois professores da Universidade Estadual Paulista (Unesp). O físico Walter Kat-sumi Sakamoto, do Departamento de Física e Química da Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira (Feis), e a química Maria Aparecida Zaghete Bertochi, do Departamento de Bio-química e Tecnologia Química, do Instituto de Química (IQ) do campus de Araraquara, com apoio financeiro da FAPESP, estão trabalhando na cria-

Produzir energia elétrica sob o asfalto é uma possibilidade dos materiaispiezoelétricos

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Page 74: Contra novas tragédias

74 n maio DE 2010 n PESQUISA FAPESP 171

formando poliéster, um polímero com alta viscosidade, que é decomposto em óxido por combustão, com tempera-turas em torno de 500 a 800oC. Nessa temperatura conseguimos cerâmica nanométrica. No caso do PZT, usa-mos para síntese da cerâmica citratos de zircônio, titânio e chumbo.”

Pressão e volume - A novidade utiliza a chamada síntese hidrotérmica, que teve parâmetros otimizados no estu-do de Maria Aparecida, com sais ou óxidos de zircônio, titânio e chumbo que são misturados em meio aquoso, ao qual é adicionada uma base mine-ralizadora (hidróxido de sódio ou po-tássio). A seguir a mistura é submetida a aquecimento por micro-ondas num recipiente de teflon fechado por 30 minutos a 180oC. “A vantagem desse processo é que, usando temperatura baixa e tempo curto, se obtêm partí-culas cerâmicas com ótimo arranjo cristalino, o que é importante, porque a propriedade piezoelétrica depende disso”, explica a pesquisadora. “Além disso, não libera chumbo por evapo-ração.” Essa cerâmica nanométrica produz energia porque apresenta uma assimetria no seu centro de cargas, gerando uma polaridade espontânea dentro da estrutura do material. Para ser piezoelétrico, o material deve ter a estrutura cristalina na forma de um cubo um pouco deformado. “Quando se aplica uma pressão sobre o material, como um carro passando por cima ou a pisada de uma pessoa, o seu volu-me é instantaneamente reduzido”, diz. “Isso aumenta a densidade de carga dentro dele, provocando a saída de elétrons por fios, que são conectados à cerâmica. Esses elétrons podem ser usados para acender uma lâmpada, por exemplo.”

A cerâmica nanométrica isolada-mente é capaz de gerar energia, mas há alguns inconvenientes. Ela é frágil, cara e tem pouca flexibilidade. Vencer esses obstáculos é justamente o trabalho do professor Sakamoto. “Estamos buscan-do um material mais flexível e barato”, diz ele. “No momento desenvolvemos

um compósito polímero-cerâmica, que é um material composto de polímeros e PZT.” Para isso, Sakamoto mistura o pó cerâmico com o polímero, também na forma de pó. Essa mistura é prensada na temperatura de fusão do polímero utilizado para se obter o filme. Os dois pesquisadores têm testado compósitos com 30%, 40% e 50% de cerâmica e o restante de polímeros. Os mais usados nas pesquisas são o polifluoreto de vi-nilideno (PVDF), que se funde a cerca 180oC, e o poliéter-éter-cetona (PEEK), cuja temperatura de fusão é por volta de 360oC. “Assim, ao se utilizar uma matriz polimérica, à qual se mistura a cerâmica, ganha-se em resistência ao choque mecânico, em flexibilidade e formabilidade (pode se dar a forma que se quiser ao compósito)”, explica Sakamoto. “Também há uma vantagem econômica. Ao se optar pelo compósito,

usa-se uma menor quantidade de cerâ-mica e torna-se possível estudar dife-rentes matrizes de forma a melhorar a atividade piezoelétrica do filme.”

O primeiro filme desenvolvido por Sakamoto e Maria Aparecida era pe-queno, medindo 2 centímetros (cm) por 1 cm, e a sua capacidade de gerar energia foi comprovada em laboratório. Sakamoto colocou o novo compósito, conectado a um LED (diodo emissor de luz, na sigla em inglês), entre duas placas de acrílico. Ao pressioná-las, o LED acendia. Mas, dependendo do ta-manho do filme, a energia gerada pode ser muito maior. “Sabe-se pela litera-tura científica que uma pessoa de 60 quilos produz em média 0,1 watt a ca-da passo”, diz Sakamoto. Outros dados vêm de Israel, país que tem investido muito nessa linha de pesquisa. Lá foram feitas experiências que mostram que um quilômetro de pista rodoviária de movimento intenso com material pie-zoelétrico pode gerar 200 quilowatts (kW), energia suficiente para abastecer uma casa por um mês. Maria Apare-cida e Sakamoto estão testando agora filmes com dimensões um pouco maio-res, de 7 por 7 cm, para saber qual a tensão elétrica que se consegue obter. “Queremos saber se é possível carre-gar com esse material uma bateria tipo AAA, conhecidas como pilhas palito, usadas em dispositivos como controles remoto, e se é preciso colocar alguns filmes em série ou em paralelo para se obter mais tensão ou mais corrente”, revela Sakamoto. “Dependendo do re-sultado, a utilização comercial é uma simples consequência.”

Em alguns países o emprego dessa tecnologia já está mais avançado. Em 2008, duas casas noturnas, uma em Londres, o Club Surya, e outra, o Club Watt, em Roterdã, na Holanda, instala-ram em suas pistas de dança pisos pie-zoelétricos. Os clientes dançando pres-sionam os pisos, que geram energia para iluminar as pistas. No Japão, a empresa Soundpower instalou sistemas piezoe-létricos no piso de duas estações de trem de Tóquio, por onde passam cerca de 2,4 milhões de pessoas por semana.

ao caminhar

em uma estação

de trem ou

dançar numa

casa noturna,

as pessoas

podem gerar

energia elétrica

Sensores piezo e piroelétricos inteligentes - 01/13187-4

modAlIdAdE

auxílio Regular a Projeto de Pesquisa

Co or dE nA dor

Walter Katsumi Sakamoto – Unesp

InvEStImEnto

R$ 52.862,13 (FaPESP)

OPrOjetO

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PESQUISA FAPESP 171 n maio DE 2010 n 75

Em Israel foi desenvolvido entre 2008 e 2009 um projeto piloto, feito em ro-dovias e aeroportos. No Brasil, Maria Aparecida e Sakamoto imaginam várias aplicações para o filme piezoelétrico que estão desenvolvendo. “Essa tec-nologia poderá gerar energia em áreas movimentadas, e não somente a partir da passagem de carros mas também de pessoas a pé”, diz Sakamoto. “Shopping centers, por exemplo, poderiam utilizar pisos especiais que transformam os pas-sos dos frequentadores em energia para iluminar os corredores. Ou então os filmes poderiam ser aplicados em solas de sapato, o que os tornaria capazes de gerar energia, enquanto seus usuários caminham, para alimentar pequenos aparelhos eletrônicos, como celulares e tocadores de música.” O compósito ser-viria também para gerar energia dentro de um automóvel. “Poderíamos insta-lar materiais piezoelétricos em peças móveis, como amortecedores e pneus”, diz Sakamoto. “Essa fonte alternativa substituiria o motor do carro na ali-mentação de seu sistema elétrico.”

Un

ES

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Partículas de cerâmicananométrica que compõem o material piezoelétrico

artigo científico

MALMONGE, J.A.; MALMONGE, L.F.; FUZARI, G.C.; MALMONGE, S.M.; SAKAMOTO, W. K.. Piezo and dielectric properties of PHB-PZT composite. Polymer Composites. v. 30, n. 9, p. 1.333-37. 2008.

A geração de energia é apenas uma das aplicações desses materiais piezoe létricos. Na área médica, eles poderiam ser utilizados, por exemplo, como sensores para detectar vazamen-tos de raios X em clínicas e hospitais ou para a produção de implantes ca-pazes de estimular o crescimento ós-seo guiado, o que seria muito útil em tratamentos ortopédicos e implantes dentários. “A tecnologia piezoelétrica pode ser empregada para inspeção es-trutural de materiais como os usados na fuselagem de aeronaves”, acrescenta Sakamoto. “Constatamos em testes que o compósito é eficiente na detecção de microtrincas em placas de fibra de car-bono presentes nos aviões.”

desafio de armazenar - Apesar do otimismo, os pesquisadores ressalvam que para usar essa tecnologia em larga escala ainda é necessário superar um obstáculo: o do armazenamento da energia. Usá-la à medida que é gerada não tem mistério. O problema é arma-zená-la para usos futuros. Atualmente o armazenamento só é possível com grandes capacitores (equipamentos que armazenam energia), que ainda são ca-ros e ocupam muito espaço. Para Saka-moto, a solução pode estar mais uma vez na nanotecnologia. “O ideal seria

desenvolver outro nanomaterial com a propriedade primordial de acumular grande quantidade de energia em um tamanho pequeno”, diz.

Sakamoto e Maria Aparecida, que fazem parte do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Materiais em Nanotecnologia (INCTMN), com sede em Araraquara, financiado pe-la FAPESP e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecno-lógico (CNPq), estão satisfeitos com os resultados que obtiveram até agora. “Temos dois artigos submetidos a re-vistas científicas e um capítulo de livro que deverá ser publicado nos Estados Unidos no próximo mês, pela edito-ra Novapublishers”, revela Sakamoto. Maria Aparecida ressalta outro aspecto positivo do trabalho. “Estamos usando material nacional, adaptando um sis-tema que aproveita uma energia que é totalmente desperdiçada, a um custo ambiental muito pequeno”, diz. n

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Plástico de luz

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r[ EngEnharia Elétrica ]

Polímeros luminescentes são cotados para substituir telas de lcD

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PESQUISA FAPESP 171 n maio DE 2010 n 77

Polímero condutor de eletricidade

pode ser usado em vários

dispositivos eletrônicos

Uma das mais conhecidas propriedades dos polímeros – materiais que englobam os plásticos em geral – é a capacidade de isolamento elétrico, o que os torna ampla-mente usados para encapar fios, evitando choques e curtos-circuitos. Em meados dos anos 1970, uma descoberta feita por

pesquisadores japoneses e norte-americanos veio mostrar que isso não vale para todos os tipos des-ses materiais. Alguns têm a habilidade de conduzir eletricidade e são cotados para substituir com van-tagens as telas de TV e computadores em LCD ou plasma, além de poderem ser usados em transistores e células solares e outros dispositivos eletrônicos. Esses novos polímeros condutores de eletricidade fazem parte de uma linha de pesquisa de vários

grupos no mundo, inclusive no Brasil com pesquisa-dores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). Liderados pelo professor Adnei Melges de Andrade, do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da USP, eles integram o Grupo de Eletrônica Molecular (GEM).

Os pesquisadores trabalham principalmente com o Polymer Organic Light-Emitting (Pled) e o Organic Light-Emitting Diode (Oled), dois tipos de diodos emissores de luz (LED na sigla em inglês) diferentes dos comercializados hoje – produzidos com mate-rial semicondutor inorgânico – por serem orgânicos, porque compostos basicamente com moléculas de carbono. O grupo trabalha também no desenvolvi-mento de outros dispositivos, como transistores de filme fino, células solares orgânicas e sensores.

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78 n maio DE 2010 n PESQUISA FAPESP 171

que colaboram conosco”, explica Fonse-ca. Entre os colaboradores estão a Uni-versidade Federal do Paraná (UFPR), por meio do grupo da professora Le-ni Akcelrud; o Instituto de Química da USP, por intermédio da professora Neyde Yukie Murakami Iha; e o Depar-tamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Poli-USP, com a pro-fessora Wang Shui Hui. “No âmbito da física e da fabricação de dispositivos, trabalhamos com o professor Luiz Pe-reira, do Departamento de Física da Universidade de Aveiro, de Portugal.”

Apoiado por projetos de auxílio re-gular da FAPESP, o grupo avança no de-senvolvimento dos novos dispositivos eletrônicos com material polimérico. “Agora não nos interessa somente que os dispositivos funcionem”, explica o professor Fernando Josepetti Fonseca, que também faz parte do GEM. “Isso é o mínimo e já fizemos no projeto anterior iniciado em março de 2004 e finalizado em fevereiro de 2006. Ago-ra queremos saber quanto tempo eles funcionam e como podem ser mais efi-cientes, além de serem feitos de modo mais simples e barato.”

Nobel de Química - O trabalho do grupo da Poli só é possível devido a duas grandes descobertas científicas realizadas no final do século XX. Co-mo acontece algumas vezes em ciência, a primeira delas ocorreu por acidente ou erro. Foi em 1976, no laboratório do pesquisador japonês Hideki Shi-rakawa, do Instituto de Tecnologia de Tóquio. Na tentativa de sintetizar o poliacetileno – um polímero sim-ples formado por carbono e hidro-gênio, que se apresenta na forma de um pó preto –, um estudante chinês de Shirakawa errou a “receita”. Como resultado, em vez do polímero de-sejado, produziu um lustroso filme prateado, brilhante como uma folha de alumínio. Buscando entender on-de havia errado, o estudante verificou que tinha utilizado uma quantidade de catalisador (substância usada para acelerar reações químicas) mil vezes

superior à necessária. Shirakawa guar-dou a película e mais tarde a apresen-tou para o químico norte-americano Alan MacDiarmid, da Universidade da Pensilvânia, que estava em visita ao Japão. Então Shirakawa foi convi-dado a fazer uma parceria, com Mac-Diarmid e o físico norte-americano Alan Heeger. Trabalhando juntos, em 1977, os três verificaram que após a dopagem do poliacetileno com iodo o filme prateado flexível tornava-se uma folha metálica dourada, cuja conduti-vidade elétrica era significativamente aumentada. Estavam descobertos os polímeros semicondutores, o que ren-deu aos três pesquisadores o Prêmio Nobel de Química de 2000.

A segunda descoberta ocorreu em 1990, quando Jeremy Burroughes, Ri-chard Friend e Donald Bradley, da Uni-versidade de Cambridge, na Inglaterra, criaram o primeiro dispositivo com polímero semicondutor eletrolumines-cente, que emite luz ao receber uma carga elétrica. Mais especificamente, eles notaram que determinadas estru-turas de polímeros semicondutores po-deriam ser montadas de forma a tornar possível a emissão de luz. Criavam-se, assim, os diodos emissores de luz orgâ-nicos, os Oleds, que estão sendo incor-porados a telas de TV e de computa-dores, além de displays em dispositivos portáteis como celulares.

No laboratório da Poli, os pesqui-sadores não produzem polímeros, eles desenvolvem os dispositivos. “Nós os recebemos de instituições acadêmicas

Placa de oled iluminada no

laboratório da usP

1. Pesquisa e desenvolvimento de dispositivos eletroluminescentes com polímeros semicondutores - no 03/07454-52. Estudo e desenvolvimento de LEDs orgânicos, células solares, transistores de filmes finos e sensores baseados em polímeros semicondutores - nº 09/05589-7

modAlIdAdE

1 e 2. auxílio regular a Projeto de Pesquisa

Co or dE NA dor

1 e 2. adnei melges de andrade – USP

INvEStImENto

1. r$ 352.347,45 e US$ 51.268,94 (FaPESP)2. r$ 135.293,81 e US$ 121.643,95 (FaPESP)

OsPrOjetOs

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PESQUISA FAPESP 171 n maio DE 2010 n 79

Com os polímeros eletroluminescentes que recebem eles fazem Pleds e Oleds. O grupo trabalha no desenvolvimento de transistores há dois anos. O grande diferencial em relação aos de silício é o custo menor de fabricação. Quanto às células solares orgânicas, as pesquisas estão na fase inicial.

Os maiores esforços do grupo de pesquisadores da USP estão direciona-dos nesse momento para o desenvol-vimento dos dois diodos emissores de luz orgânicos. A diferença entre os dois tipos está no processo de fabricação e nos componentes de que são feitos. “Oleds é a designação geralmente dada aos LEDs orgânicos feitos a partir de pequenas moléculas”, explica o pesqui-sador Gerson dos Santos, integrante do grupo. “Os Pleds, por sua vez, são feitos a partir de cadeias poliméricas longas.” Apesar dessas diferenças, a expressão Oleds vem se tornando dominante no mundo para designar os dois tipos de LEDs orgânicos.

Existem muitas possibilidades de montar esses dispositivos e os pesqui-sadores buscam produzi-los de forma eficiente, reprodutível e duradoura. A estrutura mais simples de um Oled é composta de um substrato transpa-rente (vidro ou polímero inerte), so-bre o qual é depositado um eletrodo, feito de um óxido metálico de alto po-tencial de ionização – normalmente é utilizado para isso o óxido de estanho e índio. Sobre essa camada vai o que se pode chamar de coração do Oled: o polímero emissor de luz. Esse, por sua vez, é recoberto por outro eletrodo, uma fina camada metálica, geralmente feita de um metal com baixo potencial de ionização (perda de elétrons), como alumínio, cálcio ou magnésio.

decai o éxciton - O princípio de fun-cionamento do Oled também é relati-vamente simples. “Elétrons são injeta-dos a partir de um eletrodo, enquanto lacunas (ou chamados também de bu-racos, termo muito comum em física e eletricidade que significa a ausência de elétrons em determinadas posições) são introduzidas pelo outro, quando uma tensão elétrica é aplicada entre os dois”, explica o pesquisador John Paul Hempel Lima. “Essas cargas se deslo-cam pelas cadeias poliméricas e podem se recombinar para formar uma espé-

cie eletronicamente excitada, o éxci-ton. Esse éxciton decai radiativamente, emitindo luz. Ou seja, o decaimento radiativo do éxciton é a eletrolumines-cência do Oled.”

A montagem desses dispositivos começa com a escolha dos materiais, o que vai definir a cor que ele emitirá. Além disso, para se produzir disposi-tivos eficientes é essencial que sejam controladas a morfologia e a espessura de cada camada. Há várias técnicas para depositá-las, uma em cima da outra, a partir do substrato. Grande parte da montagem dos Oleds é feita no interior da glovebox, uma máquina cujo modelo foi projetado pelos pesquisadores em conjunto com um fabricante nacional. Ela permite criar em seu interior uma atmosfera, composta de nitrogênio, com reduzida concentração de oxigê-nio e água para evitar a degradação dos dispositivos. Dentro da câmara é feito ainda o encapsulamento dos Oleds, etapa que consiste em colocar uma cáp-sula de vidro sobre o material. “Como uma máquina importada era muito cara, tivemos de encomendar a fabri-cação de uma similar nacional numa empresa brasileira”, conta Andrade. A maior parte do financiamento recebi-do da FAPESP no primeiro projeto, cer-ca de R$ 300 mil do total de pouco mais de R$ 450 mil, foi usada para fabricar a glovebox. “Além desse equipamento, desenvolvemos um robô para deposição de camadas em uma técnica conhecida como automontagem e adaptamos uma impressora comercial para depositar os polímeros (técnica conhecida como ink-jet deposition).”

Os pesquisadores do GEM já pro-duziram vários tipos de Oleds de cores diferentes, usando mais de 20 tipos de polímeros. O trabalho do grupo, segun-do Fonseca, está a meio caminho entre a pesquisa básica, a descoberta cientí-

fica e a indústria. “Nosso objetivo não é produzir dispositivos prontos para o mercado, mas avançar além da pesqui-sa básica de modo que se desenvolvam tecnologias para as indústrias poderem desenvolver e fabricar em larga escala.” Para isso, o grande desafio a ser vencido é ampliar o tempo de vida dos Oleds, que ainda é de poucas horas, não só visando às aplicações imediatas, mas também para propiciar maior estabi-lidade ao material e boa luminância a eles. Outro desafio do grupo é produ-zir um Oled que emita a cor branca, façanha que vem sendo tentada por empresas e instituições de pesquisa de todo o mundo. “Produzir esse tipo de dispositivo não é tarefa fácil. É preciso conseguir uma combinação equilibrada das emissões de cores básicas, verme-lha, verde e azul, o que é difícil”, diz Andrade. O grupo está testando duas maneiras de conseguir isso. Em uma os componentes são mesclados para pro-duzir emissão próxima à luz branca. Em outra é produzido um Oled com mais de um polímero emissor, cada um emitindo uma cor, o que implica mais etapas de processo.

Segundo Andrade, o advento desse emissor de luz branca vai revolucionar nosso modo de vida, pois alterará pro-fundamente a forma como os ambien-tes serão iluminados. Hoje todos estão acostumados com o uso de lâmpadas convencionais, como as incandescentes, e mais recentemente com as fluores-centes compactas, mas elas poderão ser substituídas no futuro por dispositivos planos muito finos, com a espessura equivalente a uma folha de papel sul-fite, consumindo menos energia, ca-racterística importante, levando-se em consideração que os recursos naturais serão cada vez mais limitados. n

Evanildo da Silveira

Os polímeros consomem menos energia,

característica importante porque os

recursos naturais serão mais limitados

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humanidades

Flagrantes da repressão nos arquivos da ditadura

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PESQUISA FAPESP 171 n maio de 2010 n 81

À primeira vista de um leigo nada parece ser mais modorrento do que um arquivo cheio de an-tigos documentos. O desinteresse se converte rapidamente em debate apaixonado quando esse arquivo guarda a história de violações e repressão da ditadura militar e, em muitas ins-tituições, está fechado a sete chaves para a socie-

dade civil apesar do interesse do seu conteúdo e do tempo passado. Basta ver a expectativa da ratificação no Senado após sua recente aprovação no Congresso da nova lei de direito de acesso a informações públicas, que inclui os arquivos da repressão, idealizada para diminuir os prazos de sigilo de documentos e informações guardados pelo poder público e estabelecer procedimentos para acesso a esses dados, colocando fim ao sigilo eterno anterior-mente fixado. Se aprovado, o novo texto estabelece que documentos ultrassecretos podem ser classificados por até 25 anos com uma única renovação possível. “Felizmente algumas luzes como essa iluminam esse nosso labirinto dos ‘arquivos da repressão’, que são também arquivos- -símbolos da resistência. Esses documentos permitem, com certeza, reconstituirmos e reavaliarmos as circuns-tâncias em que as violações ocorreram, identificarmos os agentes da repressão e recuperarmos, nas entrelinhas, os vestígios deixados pelos torturadores. Mas é preciso que os arquivos não fiquem presos na engrenagem jurídica e venham à luz em todo o Brasil para serem estudados”, explica a historiadora e professora da Universidade de São

[ História ]

estudos sobre o arquivo deops-sp revelam como funcionava a lógica da

da repressão nos tempos da ditadura

A ArcA documentAl dos Anos de chumbo

Paulo (USP) Maria Luiza Tucci Carneiro, coordenadora do projeto temático apoiado pela FAPESP Arquivos da repressão e resistência, história e memória: mapeamento e análise da documentação do Deops, que conta com a par-ticipação de nove professores doutores, além da equipe de bolsistas, para averiguar os meandros da repressão policial entre 1955 e 1983, com destaque para o período da ditadura militar. “Os familiares dos mortos e desapa-recidos e o povo brasileiro, na sua totalidade, têm direito à informação, à verdade e à memória. Essa questão não é página virada da história e muito menos ‘referência histó-rica’, pois ela ainda é fato, ainda é história em movimento”, diz a pesquisadora. O temático dá continuidade a outro, anterior, de 1999, também apoiado pela FAPESP, que originou o Proin (Projeto Integrado Arquivo do Estado- -Universidade de São Paulo) e resultou na organização da documentação do período entre 1924 e 1954.

Além da abertura dos arquivos, a sua análise por pes-quisadores é fundamental para que a nova lei do sigilo de informações não passe de letra morta jurídica. “Quando os documentos são liberados ainda se depende de pesqui-sas sistemáticas dedicadas a identificar as violações dos direitos humanos perpetrados pelo Estado. Localizar do-cumentos que comprovem as prisões arbitrárias, a tortura, os assassinatos não é tarefa fácil. Mas, felizmente, existe uma ordem por procedência e data que, cruzada com testemunhos orais, pode nos aproximar dos mandantes dos crimes. Temos que aprender a ‘ler nas entrelinhas’ em

Carlos Haag

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82 n maio de 2010 n PESQUISA FAPESP 171

busca de indícios e sinais”, analisa Maria Luiza. Assim, por exemplo, se alguém que era do movimento estudantil de re-sistência à ditadura foi preso junto com o jornalista Vladimir Herzog durante a ditadura pode ter o seu prontuário de prisão catalogado, segundo a lógica militar, em “movimento estudantil”, e não entre outros tantos prontuários de prisão daquele dia, o que dificulta bas-tante para a família localizar os dados do desaparecido político. “Daí a im-portância e a necessidade de digitalizar todo o arquivo para poder acessar sua totalidade e cruzar dados e informações que levem ao paradeiro de um nome na multidão. No caso desse estudante fictício, por exemplo, ele pode ter o seu prontuário esvaziado e a parte referente à sua prisão ir parar em outros dossiês temáticos, algo que, creio, pode ter sido uma estratégia policial para dispersar as informações e dificultar o acesso de propósito”, afirma a pesquisadora.

O resultado é um novo quadro do que foi a lógica da repressão. “Os relató-rios de investigação e as fichas de inves-tigação que compõem esses processos documentam décadas de violência e ter-rorismo de Estado. A primeira sensação que temos é de que a sociedade brasileira

peças acusatórias, em eventuais pro-cessos ou punições mais direcionadas, prontos para ser acionados a qualquer momento. Além de registrar palavras e atitudes, os textos revelam as inferên-cias dos agentes, no sentido de apontar a existência de uma conspiração perpé-tua, orquestrada por grupos políticos ‘subversivos’. Uma simples observação, contida num registro sobre as atividades do suspeito poderia tornar-se mais des-tacada em futuros relatórios produzidos pelos organismos, numa técnica de rei-teração crescente que agravava o grau de suspeição sobre os vigiados.” Algo que poderia acontecer, por vezes, num espaço de dias. Num interrogatório de um aluno sobre o professor Warvick Estevam Kerr, geneticista e ex-diretor científico da FAPESP, grafado das for-mas mais esdrúxulas pelo escrevente, há uma mudança notável diante do terror. “Que ignora se professor Warckis Kerr da Faculdade de Ribeirão Preto seja de esquerda”, no dia 22 de junho de 1971; “Seus contatos com o professor Warvick Koer, da cadeira de genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, eram de caráter estritamente funcional. O declarante desconhece a ideologia política do citado professor”, no dia 23 de junho; “Que acredita que o professor seja realmente um elemento ativo na política de esquerda; que espera ao terminar de responder as acusações que ora lhe são imputadas continuar seu curso de medicina e nunca mais se envolver em política”, no dia 25 de junho daquele ano.

“O controle do cidadão é realizado pelo Estado, que procura obter a adesão

Deops paulista guardou muitos panfletos de Ibiúna

Nos vários

dossiês sobre a

USP há dados

precisos sobre

as aulas de

professores

foi, durante décadas, mapeada, invadida no seu cotidiano, estuprada. A ditadura militar não foi tão ‘branda’ como alguns querem fazer acreditar.” Havia, segundo ela, “o grande olho do Deops [Depar-tamento Estadual de Ordem Política e Social] sobre São Paulo”. Ao mesmo tempo, para um historiador, essa inva-são não deixa de ser, a contrapelo, uma dádiva, pois reúne uma documentação minuciosa sobre toda e qualquer resis-tência, chegando aos grupos anônimos que foram ocupando as ruas. “Eles con-fiscavam arquivos e a vida do cidadão para provar que havia subversão e assim criaram, para a posteridade, arquivos do que foi a resistência surgida a partir dessa repressão. Daí o nome do nosso projeto temático”, explica. Nos vários dossiês sobre a USP, que chegam a so-mar 151 volumes, por exemplo, há dados precisos sobre as aulas de professores vistos como suspeitos, como Florestan Fernandes, e mesmo a bibliografia in-dicada que podia, inclusive, ser anexada ao processo em forma de livro. “Temos uma mistura da história da vigilância com a história do impresso revolucio-nário e a história da leitura. Pode-se hoje saber o que um operário lia, pois ao in-vadir sua casa seus livros e escritos eram confiscados e anexados aos dossiês. Há mesmo casos belos de manuscritos de poemas e romances inéditos que foram roubados pela polícia e agora podem vir novamente à luz. Recupera-se com a repressão a história da repressão.” Era a obsessão pela vigilância.

Persecutório - “Essa obsessão como forma de prevenir a atuação ‘subversiva’ acabava por gerar uma lógica da suspei-ta ou ethos persecutório. Os milhares de agentes envolvidos, funcionários públicos ou delatores cooptados, eram regidos por essa lógica e, ao incorporá- -la, acabavam produzindo um fenôme-no típico de regimes autoritários: mais importante do que a produção da infor-mação em si era a produção da suspeita”, analisa o historiador Marcos Napolita-no, da Universidade Federal do Paraná, que trabalha sobre os arquivos do Deo-ps para sua pesquisa Políticas culturais e resistência democrática no Brasil nos anos 1970, apoiada pelo Conselho Na-cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Esse conjunto de documentos tinha a clara função de

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do cidadão ao regime político por meio da repressão e da censura. Por meio da geopolítica do controle, o Estado procu-ra inibir os atos de protesto e as rebeliões populares apoiados por legislação espe-cífica. Nesse contexto, a domesticação das massas depende da vigilância sis-temática da aplicação legal do conceito de crime político e do controle da infor-mação, ações que implicam a privação progressiva da cidadania”, explica Maria Luiza. Para conseguir vigiar o cidadão, é preciso acumular nos arquivos o má-ximo de informações, registros obtidos por investigadores treinados em detectar suspeitos e criminosos políticos que se infiltravam nos grupos avaliados como subversivos e os observavam. As infor-mações, continua a pesquisadora, iam sendo acumuladas de forma a subsidiar a acusação, na maior parte das vezes ar-bitrária, do crime político. Afinal, o pa-radoxal nas ações dos Estados, mesmo as mais secretas ou realizadas em períodos de exceção, é que elas são, pela dinâmica burocrática, registradas. “É preciso lem-brar que o crime político é um crime de ideias que, para ser comprovado, deve ser materializado através de provas con-

Movimento contra a carestia (acima) e presos políticos banidos

fiscadas dos acusados. Essas provas eram anexadas aos prontuários nominais ou institucionais que serviam para a ‘cons-trução’ da acusação.” “A prisão do gru-po da Ala Vermelha em Embu-Guaçu, confirma mais uma vez a participação de estudantes no processo subversivo-terrorista em curso em São Paulo. Os jo-vens secundaristas e universitários estão sendo ‘trabalhados’ intensamente pelas organizações subversivas e muitos deles, despreparados e sem orientação dos pais e mestres, estão aderindo, endossando as fileiras das referidas organizações”, afirmava um Relatório Especial de In-formações de 1969.

“O discurso da ordem assume um tom acusatório ao apontar para o ini-migo cuja imagem negativa vai sendo construída a partir de provas recolhidas junto aos espaços da sedição (daí os au-tos de busca e apreensão e os relatórios fo

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84 n maio de 2010 n PESQUISA FAPESP 171

Ação militar contra a guerrilha na

serra do Caparaó e panfleto da UNE

(abaixo)

de investigação). Nesse caso quem ‘cons-trói’ parte da história oficial e a verdade aparente é a autoridade policial que, com base na observação e na materialização do crime (provas concretas), interfere na realidade. Estas provas, ao serem julgadas pelas instâncias superiores e propagadas junto à grande imprensa, através de no-tícias preparadas pela Agência Nacional, tornam-se consenso, legitimando a re-pressão”, avalia Maria Luiza. Nem sem-pre, porém, os agentes tiveram sucesso. “Achamos que o declarante não possui o mínimo de conhecimento político- -partidário, desconhecendo mesmo até o que seja AP (Ação Popular). Da mes-ma forma revelou desconhecer quais as atividades de uma organização terroris-ta. Foi convidado para trabalhar contra a ‘ditadura’, termo este que não sabe o que significa ao certo, julgando tratar de um governo que manda através de um presidente cujo povo pretende der-rubar. Concluindo o declarante revelou um baixo nível intelectual e completa ignorância sobre assuntos políticos e ideológicos”, afirmava um interrogató-rio preliminar. Em outro, o preso decla-rou que “reconhece ter sido ‘imbecil’ ao guardar o material explosivo sem saber do que se tratava. Que não é membro de qualquer organização clandestina e desconhece nomes de guerra, sendo Lou um apelido familiar do amigo. Que foi totalmente iludido pelo amigo e que não tem tempo para pensar em política, não tem qualquer livro de ideologia comu-nista em sua residência”.

“Esses interrogatórios refletem a tentativa de impor determinada ordem do discurso, na qual os valores e prin-cípios do governo militar eram reafir-mados em detrimento das concepções políticas dos interrogados”, observa a historiadora Mariana Joffily, autora da tese de doutorado No centro da engre-nagem, orientada por Maria Aparecida de Aquino e defendida em 2008 na USP. “O depoente é cínico e mentiroso, omi-tindo detalhes de sua participação no POC, bem como esclarecer elementos que atualmente encontram-se militan-do, só abrindo ex-militantes e pessoas que se encontram foragidas do país”, dizia um interrogatório. “O depoente é frio e calculista, limitando-se a prestar declarações dos fatos que ocorreram estritamente com sua pessoa, negan-do peremptoriamente a mencionar os nomes das pessoas que militaram com sua pessoa na organização. Fez uma apologia da Revolução Armada, referindo às autoridades do país como por exemplo: gorilões, milicos, pseuda (sic) Revolução, etc.” Outros registros do Deops podem até causar um riso in-contido como a carta enviada ao então governador de São Paulo, Paulo Egydio Martins, em razão do show realizado no Ginásio do Ibirapuera, sob patrocínio da administração estadual, em que a

cantora Mercedes Sosa cantara a músi-ca Somos todos hermanos, o que permi-tiu ao público gritar palavras de ordem contra a ditadura. “Como isso pode ter ocorrido num show promovido pelo próprio Estado?”, pergunta a carta do chefe do SNI ao governador.

Sigiloso - Outras não são tão risíveis. Em 1969, o então reitor da USP enca-minhou ao Deops a relação dos fun-cionários aprovados em concurso com a observação de que “face à crescente anormalidade nos meios universitá-rios pediu-se o reitor para que todos os concursados sejam triados neste departamento em caráter urgente e sigiloso”. Da lista, 19 dos aprovados tiveram algum reparo do Deops por serem mencionados em algum tipo de investigação em curso registrada nos arquivos. Há mesmo a preocupação de infiltração comunista nos arquivos do Deops sobre a escola de samba Vai Vai, já que esta começava a ser visitada por elementos de esquerda como Ruth Es-cobar e Ricardo Zaratini. Presidenciá-veis não escaparam do rigor do Deops e estão registrados nos arquivos. “Uma das cabeças da revolução comunista. Ele tem sido um grande agitador e causador de problemas desde que era presidente da UNE. Um experimentado doutrinador da ideologia marxista, ele dita normas de conduta para todas as organizações estudantis”, diz o pron-tuário de José Serra. “Ela já está presa”,

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PESQUISA FAPESP 171 n maio de 2010 n 85

Participantes das passeatas contra usinas

nucleares também eram

fichados

O arquivo

Deops-SP foi

totalmente

liberado graças

à postura do

governo paulista

afirma uma nota escrita a lápis sobre a ficha de Dilma Rousseff nos arquivos, encaminhada aos Deops estaduais.

O arquivo Deops-SP, sobre o qual se debruça o temático, é uma grande exce-ção graças à postura do governo paulis-ta, que, em 1994, liberou totalmente a consulta aos documentos do fundo sob guarda do Arquivo do Estado. O regime militar, através dos “governadores biô-nicos” em fim de mandato, extinguiu os Deops paulista e carioca e transfe-riu seus arquivos para as dependências da Polícia Federal. “Em outros estados houve ocultação ou destruição de ar-quivos, como em Minas Gerais, onde a polícia alega ter incinerado a documen-tação original do Deops. Em 1991 teve início o processo de recolhimento da documentação da polícia política para os Arquivos Públicos, a primeira etapa no caminho do franqueamento desses documentos ao público”, conta o histo-riador Rodrigo Patto Sá Motta, profes-sor da Universidade Federal de Minas Gerais e autor de Em guarda contra o perigo vermelho (Editora Perspectiva). “Na Região Sul, apenas no Paraná os documentos do Deops foram recolhi-dos integralmente. Em Santa Catarina, o Arquivo Público desconhece a lo-calização da documentação e no Rio Grande do Sul apenas parte do arquivo foi recolhida. A melhor situação está no Sudeste, pois em seus quatro estados os documentos estão nos respectivos arquivos”, afirma. “No Centro-Oeste, o único arquivo Deops aberto à consulta é o de Goiás, sob a custódia da Biblio-teca Central da Universidade Federal de Goiás. Na Região Nordeste estão nos respectivos Arquivos Públicos os do-cumentos dos Deops pernambucano, cearense, potiguar e sergipano. Na Bahia e na Paraíba, os Arquivos Públicos des-conhecem o paradeiro dos documentos. Em 11 estados da federação, de um total de 20, os arquivos Deops foram recolhi-dos e preservados. O que se conseguiu ainda é insatisfatório.”

“Dar acesso a essa documentação deve fazer parte de um processo mais amplo de reparação, verdade e justiça. Mas não é um conjunto de documentos que qualquer cidadão tem condições de interpretar como documentos de um museu. É um conjunto que precisa ser intermediado por pesquisadores e pro-fessores. O alvo de nossas políticas de divulgação é esse e deve ser de financia-mento público para o desenvolvimen-to de pesquisas e produtos acadêmicos. Parece-me o melhor jeito de garantir a capilaridade desta matéria na sociedade”, explica Rodolfo Peres Rodrigues, res-ponsável pelo arquivo Deops de Goiás, sob a guarda da Universidade Federal de Goiás no Centro de Informação, Do-

cumentação e Arquivo. “O acesso a tais documentos representa a ampliação da cidadania, já que possibilita às pessoas que tanto sofreram com a repressão que tenham a chance de reivindicar seus di-reitos. Além disso, é importante que o período militar possa ser revisitado em seus pormenores institucionais regis-trados na atuação da polícia política em Minas Gerais. A divulgação do acervo significou a abertura de novos campos de pesquisa dada a dificuldade em se con-seguir fontes que não haviam passado pelo filtro da censura no período. Apesar disso, há a possibilidade de que os mi-crofilmes que recebemos sejam apenas parte dos documentos do Deops-MG e que a polícia possa ter retido parte substancial dos arquivos”, afirma Ma-ria Eugênia Lage, superintendente do Arquivo Público mineiro.

O Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro trabalha com a coleção mais completa de imprensa alternativa desde 1960 e é dirigido pela historiado-ra Beatriz Kushnir. “Não basta apenas os historiadores pesquisarem sobre os arquivos, mas as informações precisam chegar até os estudantes secundaristas por meio dos professores de primeiro e segundo graus. Eles desconhecem essa documentação e precisamos quebrar essa distância. Daí a importância real de se abrir de uma vez os arquivos do aparelho do Estado, que precisa devol-ver à sociedade civil o que ele levou das pessoas”, afirma Beatriz. n

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istória antiga com jeitinho brasileiro Pesquisadores

do Labeca dão significado mais amplo ao conceito de pólis grega

Aunião das duas palavras, história antiga, só reforça os preconceitos, já que a pri-meira delas é, em geral, associada a uma área de estudos que trata de assuntos há muito encerrados e que parecem não ter mais impacto sobre nossas vidas. A ideia de algo ainda mais antigo só

faz a disciplina parecer mais distante de nós e, assim, menos interessante e importante. Um erro crasso para se usar uma expressão clássica. Um grupo de pesqui-sadores brasileiros do Laboratório de Estudos sobre a Cidade Antiga, Labeca, ligado ao Museu de Arqueolo-gia e Etnologia (MAE-USP), por meio de um projeto temático que contou com o auxílio da FAPESP, está redimensionando um dos conceitos mais importantes da era clássica e que traz a raiz das ideias modernas de democracia e de cidade: a pólis, por meio de uma nova definição do conceito grego. “Um dos principais resultados de nossas pesquisas é que a percepção do que os gregos denominavam pólis não era apenas a comuni-dade de cidadãos, como querem os cientistas políticos, nem um assentamento urbano concebido a partir da institucionalização da política, como apregoam todos os manuais ao tratar da democracia em Atenas e da oligarquia em Esparta”, explica Maria Beatriz Floren-zano, coordenadora do temático e diretora do Labeca. “A pólis, afinal de contas, é uma ‘comunidade de lugar’, como queria Aristóteles: ela é constituída por um grupo humano para quem o território ocupado possui um significado que vai além do uso material para a vida ou para a sobrevivência. O território está impregnado de sentidos simbólicos, sejam eles expressão de uma religiosidade dispersa, de poder político, de expressão de grupos sociais específicos, e assim por diante”, completa Eliane Hirata, pesquisadora do Labeca.

[ arqueologia ]

H“A proposta básica dessa pesquisa do

Labeca foi promover o estudo da orga-nização do espaço da pólis grega a fim de oferecer uma visão mais completa dessa sociedade antiga na época arcaica e clássica (séculos VIII a.C. ao IV a.C.). Partimos do princípio de que o espaço e o ambiente construído incorporam elementos dos sistemas social, político, econômico, ideológico e são um ins-trumento de comunicação humana, são registros de história das sociedades, são documentos históricos. Daí o nosso desejo de estudar a territorialidade da pólis”, observa Maria Beatriz. “Traba-lhamos com uma visão macro da dis-tribuição da sociedade no espaço. Não tratamos das casas de forma isolada, mas sua disposição nas ruas, e investigamos o que essa disposição significa em termos de organização da sociedade”, analisa. Os resultados do estudo, porém, vão além da reconfiguração do conceito, pois a partir desse eixo temático comum, com foco na organização do espaço da pólis, há uma convergência de várias verten-tes de estudos sobre religião, espaço da mulher na sociedade, teatro, economia, planejamento urbano etc. Um exemplo claro desse tipo de pesquisa é a que es-tão realizando sobre diversos santuários gregos. “A partir da distribuição dos santuários na paisagem (urbana, rural, em relação a residências, a áreas cívicas, a muralhas, portos etc.) procuramos

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entender qual o papel da religiosidade grega na organização da sociedade; qual o papel de uma divindade específica pa-ra um determinado grupo; como a dis-tribuição de santuários revela contatos com outros grupos que não gregos; e assim por diante”, afirma Maria Beatriz. Esses estudos, que parecem distantes da questão principal da pólis, em verdade são peças importantes para compor o painel que está sendo montado pelo Labeca a partir da organização espacial das cidades gregas.

A pólis inaugura uma forma de viver junto que prioriza a ci-dadania, ou seja, o cuidado e

a valorização da vida em comum. O poder político centralizador não fez parte da vivência dos gregos a partir da estruturação das pólis. Estas repre-sentam o quadro de referências básicas que articulam e dão sentido a todo o conjunto das realizações gregas”, ob-serva Elaine. Havia uma organização espacial particular: a união de um nú-

cleo central, urbano, chamado ásty, e de uma área territorial destinada às atividades agrícolas, essenciais para a subsistência, em grego, khóra. Essa integração de espaço e, logo, de pes-soas foi promovida especialmente pela prática religiosa, envolvendo as popu-lações em rituais que as reuniam, seja nos santuários urbanos ou naqueles de fronteira (extraurbanos). “Algu-mas procissões, por exemplo, saíam dos santuários localizados na área dita urbana e finalizavam seu trajeto nas áreas sagradas das fronteiras. Aí a realização de rituais comunitários re-forçava os laços entre os vários grupos que integravam a pólis”, nota Maria Beatriz. O grande marco ocorre em fins do século VIII a.C. com a definição de um espaço ritual específico, um recor-te na esfera do profano: a criação do

templo. “A invenção do templo não foi uma mudança significativa na prática cultural, mas sim uma decisão de uma comunidade de cidadãos, no sentido de monumentalizar, isto é, inscrever uma construção sagrada em uma paisagem. O templo torna-se o emblema da pólis, a consignação do poder e do prestígio de uma cidade frente às demais, a ex-pressão de sua identidade. Na estrutura de uma cultura competitiva como a grega os santuários desempenham um papel definitivo”, nota Eliane.

“O que a arqueologia revela é que a partir da edificação e da monumentali-zação desses edifícios é que a religião e, sem dúvida, o culto estatal comum es-tiveram no centro da criação institucio-nal da pólis e que tanto religião quanto culto atuaram sempre como elementos integradores da comunidade”, observa Maria Beatriz. Ainda segundo a pesqui-sadora, o fato de se encontrarem tantos templos nas periferias dos núcleos urba-nos, fora mesmo das muralhas, e o esta-belecimento de elos espaciais entre esses

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Templo de Apolo, em Poseidônia, sul da Itália

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e o assentamento demonstram como a definição de um território preciso estava na agenda dessas comunidades que começavam a se estruturar no que mais tarde foi conhecido pelo nome de pólis. Dados arqueológicos revelam que já no século VIII a.C. despontava a primeira organização das pólis, que no século VII a.C. estará plenamente con-solidado. “Esses templos tinham a fun-ção de marcar o território de uma pólis emergente, como se fossem um marca-dor de posse; deviam também desempe-nhar a função de proteger esse território comum em relação aos ‘outros’, fossem eles gregos ou bárbaros. Aceita-se hoje que a posição desses templos nas fron-teiras permitia uma passagem simbó-lica da pólis com o exterior”, afirma a professora. Além disso, os membros da comunidade, ao percorrerem o trajeto entre um templo central e um templo extraurbano, durante as festividades ou os rituais de culto à divindade, ex-perimentavam o espaço de sua cidade, apossavam-se dele e integravam-se com o conjunto dos demais membros da co-munidade nessa posse sobre um terreno definido. “Sentiam-se parte de um mes-mo todo: a pólis.”

P artindo do princípio de que a ocupação do espaço é o dese-nho da sociedade no terreno, não

podemos compreender a organização espacial na cidade grega sem levar em conta este ‘engaste’ das várias esferas da sociedade, inclusive da religião. Pode-

mos dizer que a pólis não existe sem a religião. Daí o nosso interesse em pontuar/mapear os espaços religiosos materialmente de maneira a poder me-dir a penetração da religião no espaço ocupado por uma pólis; de sorte a poder destrinchar a relação de cultos com ati-vidades específicas de grupos; de sorte a poder entender como os cultos instala-dos em áreas distantes do centro urbani-zado atuavam no sentido de legitimar a posse sobre um determinado território, e assim por diante”, avalia Maria Beatriz. O território assim ocupado por uma pó-lis, continua, assume uma diversidade grande de valores que vão além de seu uso imediato para a sobrevivência: são espaços carregados de energia que de-finem até onde ia a autonomia de uma pólis, até onde ia o que os gregos enten-diam como “civilização”. “As fronteiras na Grécia Antiga não eram traçadas nem cuidadas como as fronteiras que se criaram no mundo contemporâneo a partir da Idade Moderna e que foram e continuam se consolidando no mundo atual. Elas eram muito mais fluidas e o território era guardado por energias sagradas, por pequenos assentamentos, pela fundação de novas pólis. Santuários se erguiam no território e muitas vezes entravam na disputa entre as cidades, pois o seu domínio era visto como acrés-cimo de prestígio e poder.”

Vista do templo dórico de Apolo em Caulônia, sul da Itália

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ca Mas a pólis foi igualmente criada

em lugares distantes durante a expan-são grega do período arcaico no Medi-terrâneo que os pesquisadores do La-beca preferem chamar de apoikia (no sentido de algo longe da oikos, a casa), em vez de colônias, no sul da Itália e Sicília, fundadas no século VIII a.C. quando a pólis ainda não passava de um esboço e não possuía um estatuto consolidado. “Longe de sua terra na-tal, esses grupos originários de muitas partes tiveram que entrar em acordo para desapropriar terrenos de outros e para organizar uma ocupação eficaz. Tiveram que constituir governos, distri-buir lotes entre os colonos, estabelecer regras e conceitos. Vinham com uma herança de casa, mas na construção de um novo lar tiveram que ser criativos. A organização do espaço foi uma área que recebeu muita atenção e estes hele-nos usaram a organização espacial pa-ra criar uma linguagem visual de sua própria identidade.” Esta linguagem fez o caminho de volta para a Grécia e ajudou a consolidar a pólis: a malha ortogonal como elemento organizador da especialização e complexificação da sociedade, a marcação do túmulo do ancestral fundador na ágora, os mu-ros urbanos e sua abertura para o ter-ritório, o uso da arquitetura religiosa monumentalizada para marcar poder e identidade são todos elementos que foram consolidados nas apoikias gregas do Ocidente e que toda a helenidade absorveu. “São elementos que conhe-ceram uma difusão enorme no período helenístico e perduram até hoje como marca visual da identidade grega anti-ga”, nota Maria Beatriz.

Nesse movimento todo Atenas é a grande exceção e não a regra, como nos ensinam os livros mais antiquados. “A maioria dos textos escritos por autores antigos e preservados até hoje foi es-crita naquela pólis e muitos deles são sobre ela. A arqueologia, porém, nos permite uma abordagem mais ampli-ficada e sofisticada do mundo criado pelos gregos no Mediterrâneo, já que recupera os dados materiais das demais pólis gregas (alguns dados sugerem que existiram 1.037 delas). Não podemos deixar Atenas de lado, mas temos que procurar conhecer melhor as outras para compreender a sociedade grega no seu sentido mais extenso e em toda a

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sua complexidade. Daí que, no Labeca, rompemos com a visão atenocêntrica da história grega e definimos a Grécia como o ‘mundo grego’ espalhado na borda do Mediterrâneo, desde o sul da Espanha até o mar Negro, litoral onde os gregos se assentaram e cria-ram o que chamamos de helenidade: uma identidade específica, na qual a monumentalização participava de um sutil jogo de poder. Os primeiros edifí-cios construídos com material perma-nente e, portanto, monumentalizados na Grécia Antiga foram os templos. Isso explica um pouco que o viés da integração das comunidades que se organizavam a partir do século VIII a.C. no formato da pólis era um viés que tinha a religião como fundamen-to. Ora, a área da edificação religiosa adquiriu uma importância tal que se tornou uma maneira de consolidar o poder tanto de governantes autocráti-cos como os tiranos da época arcaica e clássica quanto de líderes democráticos como o próprio Péricles em Atenas. A monumentalização dos templos em to-da a Grécia e nas apoikias do Ocidente apontam para uma identificação do poder político com o poder divino e para uma manipulação do poder po-lítico por via da religiosidade.”

M as como estudar a Grécia An-tiga de um ponto tão distante como o Brasil? “Como somos

arqueólogos desde sempre, sabemos das dificuldades financeiras e legais para a execução de escavações arqueológicas em qualquer dos países modernos onde os gregos se assentaram no passado. Assim sendo, assumimos uma linha de pesquisa que vem se desenvolvendo na arqueologia recente, que são os ‘estudos de paisagem’ e de ‘ambientes construí-dos’. Em vez de realizarmos estudos monográficos sobre uma única pólis para os quais dependeríamos de esca-vações arqueológicas, buscamos temas nos quais a partir de escavações já reali-zadas e publicadas podemos estabelecer relações em conjuntos maiores de do-

cumentações”, analisa a coordenadora. Hoje o país conta com pesquisadores significantes no campo da história anti-ga que, como faz o Labeca, contribuem com seus estudos para uma discussão internacional sobre questões impor-tantes, a partir de um “jeito brasileiro” de estudar a Antiguidade. “Estar atu-alizado com os estudos internacionais é sempre um desafio especialmente no estudo da Antiguidade. A especificida-de brasileira está na nossa experiência com situações sociais e culturais que podem ser muito valiosas para se en-tender a Antiguidade (e para criticar o presente), tais como: desigualdade social, exclusão social, patrimonialis-

Os primeiros edifícios

monumentalizados na Grécia

Antiga foram os templos

mo e patriarcalismo, situação perifé-rica, entre outras”, explica Pedro Paulo Funari, professor de história antiga e arqueologia clássica na Unicamp.

“Estudar a história antiga no Brasil hoje tem dois aspectos importantes: conhecer a própria história do país e perceber como os usos do passado an-tigo se vinculam a diferentes formas de discursos e práticas cotidianas e tam-bém, por meio da especialização nas universidades, aprender a buscar por interpretações mais dinâmicas que in-diquem a diversidade social, de gênero ou étnica em que essas sociedades se construíram. Como vivemos em um país com uma diversidade cultural e social muito pungente, creio que uma das contribuições desse tipo de estudo é a possibilidade de produzir modelos interpretativos mais plurais sobre o mundo antigo”, assegura Renata Sen-na Garraffoni, professora de história antiga do Departamento de História da Universidade Federal do Paraná e que ganhou recentemente uma bolsa de estudos da British Academy para estudar, na Inglaterra, jogos de gladia-dores romanos. Segundo o professor de história antiga Glayson José da Silva, da Universidade Federal de São Pau-lo, “temos uma pesquisa em história antiga alinhada aos centros de exce-lência no exterior. Uma ciência mais problematizada, mais preocupada em compreender do que em explicar”. n

Carlos Haag

Naxos, Sicília: vista parcial de estrutura

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Machado de Assis em cenamais do que a poesia ou a prosa, foi o teatro a grande influência

do autor brasileiro, indicam novos estudos

Machado de Assis (1839-1908) é conhecido do leitor principalmente pelos contos e romances. Dizer que é o teatro sua prin-cipal influência pode causar surpresa, po-rém tal perspectiva é cada vez mais con-sagrada entre seus principais estudiosos. Consumidor de teatro ainda no tempo

de adolescente, escreveu para a imprensa da época sobre as montagens a que assistia. Em pouco tempo se tornaria tradutor de peças francesas e passaria a criar as próprias comédias para o palco. Na maturidade afrouxou seus laços com o teatro, mas essa linguagem pode ser reconhecida nos livros dessa fase.

O professor da Universidade de São Paulo (USP) João Roberto Faria, historiador e crítico do teatro brasileiro, que organizou o recente Machado de Assis: do teatro – Textos críticos e escritos diversos, publicado pela Editora Perspectiva, é um dos principais defen-sores dessa tese em sua pesquisa Machado de Assis e o teatro, apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvol-vimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Sabemos, é claro, que ele era leitor de poetas e romancistas e que na adolescência escrevia poemas. Mas sua literatura deve mais ao teatro do que à poesia e à prosa”, diz Faria, que anteriormente já havia estudado o teatro de José de Alencar, também da mesma época.

Naquele período, segunda metade do século XIX, as encenações de peças francesas adquiriram impor-tância extraordinária para os habitantes do Rio de Janeiro. Eram a última moda em Paris os “dramas

Joselia Aguiar

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[ Literatura ]

de casaca”, ou comédias realistas, que abordavam a vida e os valores da burguesia, como explica Faria. Aos 17 anos, em 1856, Machado de Assis publica seu primeiro texto crítico sobre teatro, “Ideias vagas”. Aos 20, já é crítico de teatro do jornal O Espelho: ali es-creve sobre os espetáculos a que assiste no Teatro São Pedro de Alcântara e no Teatro Ginásio Dramático. No ano seguinte passa a escrever para o Diário do Rio de Janeiro, o que exigia a ida frequente às peças, pois dar notícia das estreias é uma das tarefas. “Seu envolvimento com o teatro é tão grande nessa fase de sua vida que o veremos escrever suas próprias comé-dias, traduzir peças francesas e tornar-se censor do Conservatório Dramático. Todo esse envolvimento com o teatro, que se estende até 1867, deixará marcas nos romances, contos e crônicas que escreverá em seguida”, explica o historiador.

O apreço de Machado de Assis recai sobre o Mo-lière cômico e as comédias realistas de Alexandre Dumas Filho e Émile Augier. Dos brasileiros, sua predileção são as peças à Dumas Filho escritas por José de Alencar e aquelas com ares burlescos de Joa-quim Manuel de Macedo e Martins Pena. Quando escreve as próprias comédias, seguirá particularmente o modelo do provérbio dramático de Alfred de Mus-set, seu poeta preferido, diz Faria. “Assim como não gostava do melodrama, considerava a farsa um gênero menor.” Sobretudo, o maior escritor para Macha-do de Assis era Shakespeare, que aparece citado em várias obras, desde textos críticos sobre montagens

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a referências em romances co-mo Dom Casmurro. “A admira-ção pelo escritor inglês tornou--se mais sólida e decisiva a par-tir de 1871. Nesse ano Machado viu, pela primeira vez no palco, algumas peças de Shakespeare encenadas”, acrescenta.

Os principais escritores e intelectuais brasileiros estavam envolvidos com o teatro naquele tempo, como explica o historia-dor. Nos jornais havia seções fi-xas de crítica teatral, os folhetins davam notícias dos espetáculos em cartaz, as traduções se mul-tiplicavam, e o Conservatório Dramático requisitava a colabo-ração de quem se destacava no jornalismo cultural. Exemplo da relevância do teatro é que José de Alencar interrompeu a car-reira de romancista após publi-car O guarani, em 1857, dando início à de dramaturgo, que se estendeu até 1862. Incentivado por essa atmosfera, Machado de Assis traduziu libretos de ópera e peças, e depois passou a fazer as próprias comédias, o que lhe conferiu prestígio. “Podemos mesmo dizer que, antes de se notabilizar como contista e romancista, Machado já tinha alcançado enorme prestígio intelectual no Rio de Janeiro, com a soma de suas atividades: folhetinista, crítico teatral, crítico literário, comediógrafo, poeta, tradutor – de poemas, peças teatrais e romances – e até mesmo como censor do Conservatório Dramático. Não se tem notícia de quanto dinheiro essas atividades rendiam a Machado. O que se sabe é que levava vida modesta, mas sem grandes apertos”, afirma Faria.

Elegante - Ao escrever para o teatro, segundo explica o historiador, Macha-do de Assis fez peças curtas, em um ato, “com linguagem elegante, senso de hu-mor, ironia, diálogos ágeis e bom gosto, sem apelo ao baixo cômico”. “Não têm o alcance crítico dos romances e contos da maturidade, o que faz muita gente desprezá-las, sem levar em conta o que significam no interior da história do teatro brasileiro.” O teatro foi para ele

um gênero “em que praticou a leveza, a concisão, a vivacidade do estilo e a poe-sia dos sentimentos”, define Faria. Suas comédias podem ser agrupadas em dois conjuntos. O primeiro inclui Desencan-tos, O caminho da porta, O protocolo, As forcas caudinas, Não consultes médico e Lição de botânica, que se aproximam pela maneira de abordar a vida social elegante do Rio de Janeiro, pelos en-redos que envolvem relacionamentos amorosos e pela forma do provérbio dramático. O segundo bloco contém peças diferentes entre si: Quase ministro é uma pequena sátira da vida política; Os deuses de casaca é uma sátira de cos-tumes sociais; Uma ode de Anacreonte se passa na Grécia Antiga; e Tu só, tu, puro amor é uma pequena peça sobre um episódio da vida de Camões.

A forma teatral pode ser reconhe-cida na obra de Machado de Assis pela excelência dos diálogos que são coloca-dos no interior de contos e romances.

“Machado tem um domínio no-tável desse recurso que dinamiza a narrativa ao dar voz para os personagens”, explica o historia-dor. Ele lembra que, em alguns contos, o autor reduz a presen-ça do narrador ao mínimo ne-cessário, como Filosofia de um par de botas, ou simplesmente o descarta, como em Teoria do medalhão, O anel de Polícrates, Singular ocorrência, entre outros. “É de se crer que preferiu a for-ma dramática porque com ela buscou atingir certos efeitos que não seriam conseguidos com a forma narrativa”, diz.

Não é recente o interesse da crítica literária pela influência do teatro na obra machadiana. Um dos pioneiros foi Barreto Filho, responsável, com Augus-to Meyer, por constituir a for-tuna crítica machadiana entre as décadas de 1930 e 1950. Para João Roberto Faria, foi Barreto Filho o pioneiro em avaliar a importância do conhecimento

teatral para os seus contos e roman-ces. “Ele observa, por exemplo, que o teatro ensinou o escritor a simplificar o cenário e a concentrar o interesse no ‘jogo dos caracteres e na análise das paixões’. Ensinou também o ‘modo de armar as cenas’, com o timing per-feito para o momento de introduzir personagens e diálogos”, afirma Faria. Mais importante, aponta Barreto Filho: “Dotando-o de uma técnica do ins-tantâneo, das cenas breves e isoladas, e de um mínimo de ambientação, o tea-tro proporcionou-lhe por outro lado um conhecimento em profundidade da alma humana que ele pôde depois explorar em todos os sentidos”. As pa-lavras de Barreto Filho remeteriam, assim, a Shakespeare, o escritor mais admirado por Machado, exatamente por ser um analista extraordinário da alma humana. Pode-se lembrar ainda que o modo pelo qual o escritor vê o homem e a sociedade tem tudo a ver com teatro e com Shakespeare, que es-creveu em uma peça: “O mundo é um palco e todos os homens e mulheres são simplesmente atores”.

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John Gledson, crítico literário inglês e professor da Universidade de Liver-pool que realizou estudos importantes sobre Carlos Drummond de Andrade e Machado de Assis, apresenta novos ân-gulos sobre o autor em seu Por um novo Machado de Assis, publicado pela Com-panhia das Letras, e classifica como “fas-cinante” a investigação sobre a influên-cia do teatro no autor fluminense. As marcas não estão apenas na produção de juventude, ele confirma: “O teatro forma uma parte central no desenvolvimento de novas formas de ficção, no papel do diálogo na ficção etc.”. O relativo aban-dono do teatro por Machado deve-se, segundo ele, provavelmente a dois fa-tores – primeiro, a falta de um meio, uma audiência, para teatro “sério”; é uma queixa contínua, ao longo da car-reira do autor. Machado não compar-tilhava do gosto carioca por vaudeville, melodramas, circos, touradas, que ele chamava de “prodígios”. O outro fator é, segundo Gledson, a índole irônica e distanciada do Machado maduro, que, em romance narrado seja em primeira pessoa, seja em terceira pessoa, precisará da ação e do diálogo, mas também de quem, implícita ou explicitamente, co-mente a ação – ou seja, da prosa narrada, e não do drama puro.

Fluminense - Na comparação com ou-tros autores da época, Gledson define Machado de Assis ao mesmo tempo como “muito original e muito brasilei-ro”, adjetivos ambos que aparentemente limitariam a importância de autores es-trangeiros contemporâneos nele. “Mas creio um erro isolá-lo das correntes ficcionais da época, mesmo das que o aborreciam, como o naturalismo fran-cês de Zola. Seria talvez mais certo dizer que lia, digeria tudo, mas que adaptava ao seu meio, ao ‘tamanho fluminense’.”

Um exemplo menor, porém típico, afirma Gledson, é o uso que ele faz de uma romancista católica de quarta ca-tegoria, Madame Augustus Craven, em Capítulo dos chapéus, um dos seus con-tos mais engraçados. Sabe-se da impor-tância da Craven, porque a heroína do conto, Mariana, leu um romance dela, Le mot de l’énigme, 11 vezes. “Deve haver outros exemplos – para identificá-los

Público do Alcazar

(ao lado) e ironia

com gosto por ópera

(no alto)

é preciso às vezes ter sorte, mas vale a pena, porque iluminam sobremanei-ra o processo de criação e as ligações profundas de Machado com a cultura ‘mundial’, digamos. Obviamente, não estou tirando importância das influên-cias conhecidas, do romance inglês do século XVIII, do realismo francês, Sten-dhal, Balzac, Flaubert, mais pano para a manga”, avalia Gledson.

O professor de literatura da USP Hélio de Seixas Guimarães, outro es-pecialista em Machado de Assis, cuja pesquisa em A recepção crítica da obra de Machado de Assis foi financiada pelo CNPq, e é autor de Os leitores de Ma-

chado de Assis – O romance machadiano e o público de literatura no século XIX (Edusp), também vê as marcas da for-mação do teatro nos romances, sobre-tudo os da década de 1870, nos quais o manejo dos diálogos e a construção de algumas cenas remetem à experiên-cia teatral, em alguns casos especifi-camente ao melodrama. “Penso que essa experiência também se manifesta nos contos, na destreza com que Ma-chado consegue em poucas linhas ou em poucos diálogos apresentar uma situação e instalar o leitor no meio de um conflito”, acrescenta.

Gledson diz que, lentamente, se elabora uma nova versão da trajetória machadiana, mais coerente em si, que inclui os gêneros “menores”, contos, crônicas etc., e que liga o autor e a sua produção ao meio literário, social e político em que escrevia. Para Gui ma-rães, o autor clássico brasileiro se tor-nou sobretudo “mais vivo”, na medida em que vários estudos têm procurado especificar o diálogo estreito e às ve-zes até bastante minucioso que Ma-chado manteve com as questões mais importantes do seu tempo – e que continuam a fazer sentido até hoje. n

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resenha

H á um método de escrita disciplina-damente seguido pelo biólogo Fer-nando Reinach em A longa marcha

dos grilos canibais, crônica após crôni-ca: primeiro, o autor mostra um breve plano geral do campo a que pertence o experimento científico do qual vai tratar, para, em seguida, fazer foco no próprio experimento, à maneira de tantos filmes em que de saída o diretor nos arrasta rapidamente da contemplação da pai-sagem vista do alto para um objeto no solo, no qual quer que fixemos nossa atenção. Na sequência, ele descreve o que foi observado durante o experimento e, para fechar, especula com provocadora imaginação sobre os significados prá-ticos ou teóricos, econômicos, sociais, existenciais ou outros dos achados e descobertas do trabalho analisado. Em suma, lança-se na aventura de pensar e imaginar, assim como, por outras vias, os pesquisadores responsáveis pelos es-tudos de que trata – quase todos origi-nários das ciências biológicas –, a seu ver, também se atiraram. É este, de fato, nas crônicas, o olhar de Reinach para a ciência – lugar de aventuras, ponto de partida de expedições que entram em território inexplorado: “Cada descober-ta científica é uma pequena história de aventura. (...) Nas publicações científicas o relato dessas aventuras está encoberto por uma infinidade de termos técnicos, descrição de métodos e um cuidado pa-ranoico com a precisão da linguagem. O resultado é que o sabor da aventura se perde em um texto quase incompreensí-vel”, diz ele na introdução do livro.

O mais curioso é que, para extrair a essência aventurosa do emaranhado da terminologia científica dos artigos (da Nature e da Science principalmente) que servem de base às crônicas e entregá-la límpida a seus leitores, o que Reinach faz em seus textos é, como ele mesmo afirma,

uma mímese do formato dos trabalhos científicos. Plano geral, apresentação do objeto etc., etc., mesmo que nos tragam memó-ria de movimentos da câmera em começo de filmes sem conta, estão na estrutura mais comum de tais artigos. Só que ele segue esse roteiro valendo-se de um saber escrever bem, com talento e na linguagem cotidiana, digamos para sintetizar. Toma o modelo por guia, mas recorrendo a comparações, metáforas e outras figuras de linguagem bem escolhidas que, a par de tornarem inteligíveis para não especialistas conceitos e procedimentos complexos, adicionam sabor ao texto e deixam visível o prazer do escritor por trás das palavras. Dito de outra forma, Reinach, seguindo as pegadas de outros cientistas divulgadores de ciên-cia, recria o modelo de escritura que o inspira para mostrar as produções da ciência ao público de forma quase lúdica.

Não há parentesco entre o que ele faz e, por exemplo, as notícias e reportagens no âmbito do jornalismo científico, ain-da que seja um jornal, O Estado de S. Paulo, o suporte original de suas crônicas semanais, desde 2004. Poder-se-ia dizer que seus textos estão mesmo de cabeça para baixo em relação aos jornalísticos e evitam, inclusive, citar nomes dos autores e das instituições onde se desenvolveram as pesquisas que enfoca, coisa impensável em material noticioso. Mas, como Reinach lembrou no programa Roda viva da tevê Cultura em 12 de abril passado, foi exatamente um jornalista, Flavio Pinheiro, um dos mais experientes editores da imprensa nacional, o responsável por seu “aprendizado” de escrever para jornal dentro do modelo que vislumbrava. Na época ocupando o cargo de editor-chefe, era ele quem comentava os primeiros textos que o biólogo ia produzindo bem antes da estreia no Estadão, dando-lhe uma série de dicas preciosas, até que am-bos consideraram que o novo cronista estava pronto.

O livro agora lançado é uma boa seleção de 118 crônicas do material produzido para o jornal de 2004 a 2009. Cada uma está focada num experimento singular e o conjunto está subdividido em 11 áreas temáticas que recebem títulos tão abertos quanto “mente”, “sexo”, “comportamento”, “humano”, “tecnologia” ou “política”. Esse agrupamento, aliás, serve mais para orientar o leitor quanto a seus próprios blocos de interes-se, porque não há prejuízo nenhum em começar pela última crônica, saltar para a primeira e se deixar levar de forma um tanto anárquica, ao sabor dos belos e quase sempre intrigantes títulos. Seja qual for a ordem que o leitor escolha, no final terá deparado com a imensa diversidade de interesses que a mente inquieta desse híbrido de professor (tornou-se titular da USP aos 35 anos), pesquisador, empreendedor muito bem- -sucedido e escritor de ciência, abrange.

está na cara, você não vêa arte de arrancar aventuras maravilhosas de trabalhos científicos

A longa marcha dos grilos canibais

Fernando Reinach

Companhia das Letras

400 páginas R$ 45,00

Mariluce Moura

Page 95: Contra novas tragédias

livros

PESQUISA FAPESP 171 n maio DE 2010 n 95

Histórias dos geraisEduardo Magalhães Ribeiro (org.) Editora UFMG 329 páginas, R$ 55,00

O livro apresenta pesquisas realizadas en­tre 2007 e 2010 que abordam a relação es tabelecida pelo homem da região do alto­médio São Francisco com a ocupação do solo e sua luta constante para praticar agricultura em uma região com grande escassez de água. Os autores traçam o perfil dos sujeitos que compõem esse universo e que trazem grande similaridade com per­sonagens da literatura mineira.

Editora UFmG (31) 3409-4650www.editora.ufmg.br

Junto e misturado: uma etnografia do PCCKarina Biondi Editora Terceiro Nome 248 páginas, R$ 34,00

Junto e misturado é o resultado de uma investigação etnográfica a respeito da his­tória, do modo de funcionamento, da éti­ca e da organização política do Primeiro Comando da Capital, o PCC. Sem perder o rigor científico, a narrativa do livro é fruto da experiência vivenciada pela au­tora, que freqüentou unidades prisionais durante seis anos.

Editora Terceiro Nome (11) 3816-0333www.terceironome.com.br

Criação imperfeitaMarcelo Gleiser Editora Record 366 páginas, R$ 34,00

Em seu livro mais recente, o físico, na con­tramão do senso geral, desafia o conceito de que a natureza é regida pela perfeição. Ao mesmo tempo, avisa que os ateístas ra­dicais não encontraram argumentos para defender suas teses junto à ciência. O que Gleiser defende é um novo humanocen­trismo que seja capaz de refletir a nossa posição na ordem geral do Universo. Um livro de leitura agradável e fascinante.

Editora Record (21) 2585-2000www.record.com.br

História e contra-história: perfis contrapontosCarlos Guilherme Mota Editora Globo 424 páginas, R$ 64,90

Em História e contra-história estão reuni­dos os principais ensaios do historiador Carlos Guilherme Mota, escritos entre 1973 e 2007, que não só revelam sua trajetória, como também pontuam momentos im­portantes da vida intelectual brasileira.

Editora Globo (11) 3767-7880www.globolivros.com.br

o Portugal medievalCarlos Nogueira (org.) Alameda Editorial 304 páginas, R$ 42,00

Este livro é produto dos encontros lu ­so­brasileiros de história medieval que reuniam anualmente estudiosos do Brasil e de Portugal com o objetivo de trocar experiências e apresentar pesquisas nessa área. Os artigos desse volume demons­tram que as pesquisas sobre a Idade Mé­dia portuguesa são de fundamental im­portância para compreender o passado, que se reflete no presente brasileiro, na formação de muitas instituições, leis ou manifestações culturais.

alameda Editorial (11) 3012-2400 www.alamedaeditorial.com.br

Juó Bananére: irrisor, irrisórioCarlos Eduardo S. Capela Nankin Editorial/Edusp 536 páginas, R$ 65,00

Carlos Eduardo Capela, ao escrever a his­tória de Juó Bananeré – imigrante italiano, importante autor da literatura macarrô­nica (na verdade, personagem criado por Alexandre Marcondes Machado) –, com­preende em seu livro a história do cômico como uma crítica aos valores altos e subli­mes feita pelas classes subalternas, visando sua inversão. A primeira temática da obra é dedicada aos textos sobre Juó Bananére e a segunda congrega textos do autor.

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96 n maio DE 2010 n PESQUISA FAPESP 171

ficção

O Gênesis: Idem, Ibidem

N o princípio, Deus criou o céu e a terra. Foi no tempo de Sua iniciação científica, e devo dizer que o pré--projeto já parecia fadado ao fracasso. Como assim,

“haja luz”? Francamente, Iaweh. Onde fica a metodologia? O referencial teórico? E a amostra de controle? Se não citar Antonio Severino, sinto muito — não me interessa se Você é o criador da ABNT.

Era evidente que o Senhor, a despeito de ser aquele que é, não havia lido a bibliografia obrigatória (GAUTAMA, 563 d.C.; VISHNU, 1254 a.C.; ALLAH, 570 d.C.; OLORUM, 1845 d.C.; e DARWIN, 1859). Se o tivesse feito, saberia que isso tudo já foi experimentado e devidamente descartado nos melhores círculos acadêmicos. Tomemos como exemplo o cronograma de trabalho, de risíveis sete dias — no último Ele ainda queria descansar às custas da FApESp. No plano de marketing pessoal, chegou a declarar à imprensa que, ao apreciar sua obra, “viu que era bom”, ignorando assim toda e qualquer noção de objetividade inerente ao ofício.

A verdade é que o Universo foi apenas um mal-entendido no formulário de concessão de bolsas de pesquisa desta ins-tituição. Deus, que é obviamente um iniciante, achou que precisava de toda essa parafernália planetária para criar um “universo significativo de amostragem”. E deu no que deu. Hoje ele tem claras dificuldades para manejar seus experi-mentos com um bilhão de chineses, sobretudo quando se tra-ta de testes duplo-cegos — fica difícil driblar a onisciência.

No segundo dia, o Todo-poderoso disse: “Que a terra verdeje de verdura”, e foi muito engraçado. No terceiro dia, fez os dois luzeiros maiores: o grande luzeiro como poder do dia e o pequeno luzeiro como poder da noite. Na quinta- -feira, fervilhou a água de seres vivos e aproveitou para passar um café. Dali a pouco foi a vez de moldar os animais terres-

tres (ref. hipopótamo). No sexto dia, o que era pra ser uma pesquisa inútil, porém inofensiva, tornou-se um pesadelo para as agências governamentais que a financiavam. Deus criou o homem à sua imagem e, não contente, removeu uma costela do ser mencionado e a mergulhou, só por di-versão, num amontoado de lama — exatamente como fez aquele sujeito com a orelha no lombo do rato. Então soprou. Sabe-se lá por que, o experimento deu certo: dali saiu uma mulher, instruída para ser fecunda, multiplicar-se e subjugar os outros animais que rastejam sobre a terra.

A seguir, passou a redigir o relatório de sua monografia, que começava assim porque Deus é prolixo: “Adotaremos o método intrínseco, estético e hermenêutico em sentido restrito (existencial-ontológico) e em sentido amplo (de inter-pretação inespecífica), partindo da exegese textual para a con-clusão sobre o todo do Universo, método que se ajudará com o retórico-estilístico e o comparativista, todos se relacionando com o psicológico, o social e o histórico-cultural”. percebam a utilização do plural majestático, que nesse caso é plenamente adequada. Além disso, vê-se que o Magnânimo estava confuso em todos os sentidos (tanto ontológicos quanto sintáticos). Há limites para a onipotência, e eles são as normas regula-mentares para a apresentação de monografias.

Em todo caso, a hipótese inicial do Alfa/Ômega era sim-ples: “Não vai dar certo”, escreveu, citando AVICENA, 1033 (que tentou transformar pão em ouro), e os partidários da busca pelo moto-perpétuo. A título de curiosidade, o Criador inseriu uma variante maléfica na redoma de testes: a serpente. O resultado dessa empreitada empírica pode ser resumido na seguinte resposta, transcrita pelo próprio Velho a partir de uma entrevista qualitativa com foco em história oral: “Não sei onde está Abel. Acaso sou guarda de meu irmão?”.

Vanessa Barbara

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Vanessa Barbara é jornalista e escritora, autora de O livro amarelo do terminal e, em coautoria com Emilio Fraia, O verão do Chibo. Colabora com a revista piauí e edita o almanaque virtual A Hortaliça.

Abandonou-se, com isso, toda e qualquer metodologia razoável. Resignado, Ele decidiu radicalizar em nome da ciên-cia. Ora, apesar do que dizem, o Deus do Velho Testamento não é vingativo; é apenas um camarada curioso e interessado em estripulias empíricas. planejou o dilúvio, por exemplo, para ver no que dava. Mandou um sujeito matar o próprio filho num teste de psicologia comportamental. Inventou um experimento quantitativo com nuvens de gafanhotos e mais meia dúzia de pragas que assustaram o faraó a valer. Enfim, fez o que bem queria, movido pela sede de saber.

Uma de suas maiores cobaias foi Jó, um mero aluno da graduação que sempre fora íntegro e reto, temia a Ele e se afastava do mal. O teste começou como um estudo sério, mas logo descambou para uma aposta inconsequente entre o Longânimo e um certo pesquisador diabólico. Visto que a vida de Jó era perfeita, o tal pesquisador disse ao Senhor que assim era fácil ter um assistente, e duvidou que Jó continuasse fiel caso caísse em desgraça. Seguro de sua popularidade, Deus deu carta branca ao rival para fazer o que quisesse com o pobre rapaz, que, aliás, nada tinha nada a ver com isso — leu toda a bibliografia optativa, cursou as aulas de estatística, sabia redigir os formulários etc. Aquilo não era justo. pois o Tinhoso matou-lhe todos os bois, os servos, os camelos e os filhos, provocou um incêndio, cravou-o de feridas e ficou esperando. Jó hesitou, mas no final se manteve leal ao mestre, que aproveitou a ocasião para pedir-lhe um fichamento.

A história não seria tão trágica se Deus fosse uma enti-dade menos avoada. Enquanto escrevia a monografia pro-priamente dita, deixou seus objetos de pesquisa fugirem do controle. Em poucos milênios, enquanto Ele estava distraído, um camarada atacou o outro com um atum congelado, uma velhinha decidiu viver com onze cisnes em seu apar-

tamento de 25 metros quadrados, uma universidade criou a disciplina “História do Cocô” e um glutão tentou comer o próprio peso em pipocas. Quando Deus terminou de es-crever o Abstract, por fim, ergueu sua Santa cabeça e viu que estava tudo fora dos eixos. Havia demorado muitas eras para entender os padrões de citação bibliográfica relativos a verbetes de enciclopédia — também tinha certa dificul-dade em ordenar alfabeticamente os autores SCHWARCZ, SCHARZ e SCHNITZLER. Lá embaixo, o caos reinava, livre de qualquer tentativa de controle científico.

Foi quando Ele teve uma grande ideia que lhe garantiu o ingresso no Doutorado e salvou (literalmente) a humanida-de. Rascunhou o último capítulo de sua tese, intitulado: “O Apocalipse”, ou “A vindima das nações”. O objetivo era dar prosseguimento aos estudos de pESTE, 666; FOME, 2012; GUERRA, 2012; e MAGOG et al., 2082, pondo fim ao ciclo experimental sem, no entanto, cair no pessimismo. Apa-rentemente orientado pelo pesquisador citado na história acima (BESTA, 2012), ele redigiu: “Ficarão de fora [do céu] os cães, os mágicos, os impudicos, os homicidas, os idólatras e todos os que amam ou praticam a mentira”.

Foi assim que, com cavalos, trombetas e a danação eter-na dos pobres mágicos, Deus fechou em grande estilo sua pesquisa “Criação do Mundo — Aspectos pitorescos da Tra-jetória do Ser Humano sob a Ótica do Senhor de Todos os Exércitos”. Ganhou um glorioso dez — glorioso mesmo.

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Page 100: Contra novas tragédias

Conferência Nacional deCiência, Tecnologia e Inovação

"Política de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável"

Brasília, 26 a 28 de maio de 2010

Em todo o país a sociedade brasileira se mobiliza para a 4a Conferência.Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovaçãoa ser realizada no período de 26 a 28 de maio, em Brasília. A 4a CNCTI vai debater e formular propostas voltadaspara a consolidação de uma política de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação, tendo em vista o desenvolvimentosustentável do país. Trata-se de uma agenda estratégica para o futuro da nação e que requer a participação efetivados órgãos públicos, empresários, comunidade científica e organizações da sociedade civil.

EIXOS TEMÁTICOS:• Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação;• Inovação na Sociedade e nas Empresas;• Pesquisa, desenvolvimento e inovação em Áreas Estratégicas;• Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Social.

Mais informações: www.mct.qov.br

~cgee Ministério daCiência e Tecnologia