7
O Sabido Sem Estudo Manuel Camilo dos Santos Deus escreve em linhas tortas Tão certo chega faz gosto E fez tudo abaixo dele Nada lhe será oposto Um do outro desigual Por isto o mundo é composto Vejamos que diferença Nos seres do Criador A águia um pássaro tão grande Tão pequeno um beija-flor A ema tão corredeira E o urubu tão voador Vê-se a lua tão formosa E o sol tão carrancudo Vê-se um lajedo tão grande E um seixinho tão miúdo O muçu tão mole e liso O jacaré tão cascudo Vê-se um homem tão calado Já outro tão divertido Um mole, fraco e mofino Outro valente e atrevido Às vezes um rico tão tolo E um pobre tão sabido É o caso que me refiro De quem pretendo contar A vida d’um homem pobre Que mesmo sem estudar Ganhou o nome de sábio E por fim veio a enricar Esse homem nunca achou Nada que o enrascasse Problema por mais difícil Nem cilada que o pegasse Quenguista que o iludisse Questão qu’ele não ganhasse

Cordel-O Sabido Sem Estudo-Manuel Camilo

Embed Size (px)

DESCRIPTION

jhjh

Citation preview

Page 1: Cordel-O Sabido Sem Estudo-Manuel Camilo

O Sabido Sem EstudoManuel Camilo dos Santos

Deus escreve em linhas tortas Tão certo chega faz gosto E fez tudo abaixo dele Nada lhe será oposto Um do outro desigual Por isto o mundo é composto

Vejamos que diferença Nos seres do Criador A águia um pássaro tão grande Tão pequeno um beija-flor A ema tão corredeira E o urubu tão voador

Vê-se a lua tão formosa E o sol tão carrancudo Vê-se um lajedo tão grande E um seixinho tão miúdo O muçu tão mole e liso O jacaré tão cascudo

Vê-se um homem tão calado Já outro tão divertido Um mole, fraco e mofino Outro valente e atrevido Às vezes um rico tão tolo E um pobre tão sabido

É o caso que me refiro De quem pretendo contar A vida d’um homem pobre Que mesmo sem estudar Ganhou o nome de sábio E por fim veio a enricar

Esse homem nunca achou Nada que o enrascasse Problema por mais difícil Nem cilada que o pegasse Quenguista que o iludisse Questão qu’ele não ganhasse

Era um tipo baixo e grosso Musculoso e carrancudo Não conhecia uma letra Porém sabia de tudo O povo o denominou O Sabido Sem Estudo...

Page 2: Cordel-O Sabido Sem Estudo-Manuel Camilo

Um dia chegou-lhe um moço Já em tempo de chorar Dizendo que tinha dado Cem contos para guardar Num hotel e o hoteleiro Não quis mais o entregar

O Sabido Sem Estudo Disse: ─ isto é novidade? Se quer me gratificar Vamos lá hoje de tarde Se ele entregar disse o moço: ─ Dou ao senhor a metade

O Sabido Sem Estudo Disse: ─ você vá na frente Que depois eu vou atrás Quando eu chegar se apresente Faça que não me conhece Aí peça novamente

O Sabido Sem Estudo Logo assim que lá chegou Falou com o hoteleiro Este alegre o abraçou O rapaz nesse momento Também se apresentou

O Sabido Sem Estudo Disse: ─ Eu quero me hospedar Me diga se a casa é séria Pois eu preciso guardar Quinhentos contos de réis Pra depois vir procurar

Respondeu o hoteleiro: ─ Pois não, a casa é capaz Agora mesmo eu já ia Entregar a este rapaz Cem contos que guardei dele Há pouco dias atrás

Nisto o dono do hotel Entrou e saiu ligeiro Com um pacote, disse ao moço: ─ Pronto amigo, seu dinheiro Confira que está certo Pois sou homem verdadeiro

Page 3: Cordel-O Sabido Sem Estudo-Manuel Camilo

Aí o Sabido disse: ─ Ladrão se pega é assim Você enganou o tolo Mas foi lesado por mim Vou metê-lo na polícia Ladrão, safado, ruim

O hoteleiro caiu Nos pés dele lhe rogando: ─ Ó meu senhor não descubra Disse ele: ─ só me dando A metade do dinheiro Que você ia roubando

O hoteleiro prevendo A derrota em que caía Além de ir pra cadeia Perder toda freguesia Teve que gratificar-lhe Se não ele descobria

Foi ver os cinqüenta contos No mesmo instante lhe deu Outros cinqüenta do moço Ele também recebeu E disse: ─ nestas questões Quem ganha sempre sou eu

E assim correu a fama Do Sabido Sem Estudo Quando ele possuía Um cabedal bem graúdo O rei logo indignou-se Quando lhe contaram tudo

Disse o rei: ─ e esse homem Sem nada ter estudado Vive de vencer questão? Isso é pra advogado Vou botá-lo num enrasque Depois o mato enforcado

O rei mandou o chamar E disse: ─ eu quero saber Se o senhor é sabido Como ouço alguém dizer Vou decidir sua sorte Ou enricar ou morrer

Page 4: Cordel-O Sabido Sem Estudo-Manuel Camilo

Você agora vai ser O médico do hospital E dentro de quatro dias Tem que curar afinal Os doentes que lá estão De qualquer que seja o mal

Se você nos quatro dias Deixar-me tudo curado De forma que fique mesmo O prédio desocupado Ganhará cinco mil contos Se não será degolado

Está certo ─ disse ele E saiu dizendo assim: ─ O rei com essa asneira Pensa que vai dar-me fim Pois eu vou mostrar a ele Se isto é nada pra mim

E chegando no hospital Disse à turma de enfermeiros: ─ Vocês podem ir embora Eu sou médico verdadeiro De amanhã em diante aqui Vocês não ganham dinheiro

Porque amanhã eu chego Bem cedo aqui neste canto Mato um destes doentes E cozinho um tanto ou quanto Com o caldo faço remédio E curar os outros eu garanto

Foram embora os enfermeiros E ele saiu calado Os doentes cada um Ficou dizendo cismado ─ Qual será o que ele mata? Será eu? Isto é danado!...

Outro dizia consigo: ─ Será eu o caipora? Mais tarde um disse: ─ E eu Estou sentindo melhora Outro levantou e disse: ─ Estou melhor, vou embora

Page 5: Cordel-O Sabido Sem Estudo-Manuel Camilo

Um amarelo que estava Batendo o papo e inchado Lavantou-se e disse: ─ Eu Estou até melhorado Pois já estou me achando Mais forte, gordo e corado

Já estou sentindo calor De vez em quando um suor Um doente disse: ─ Tu Estás é muito pior Disse o amarelo: ─ Não Vou embora, estou melhor

E assim foram saindo Cada qual para o seu lado Quando chegava na porta Dizia: ─ Vôte danado! O diacho é quem fica aqui Pra amanhã ser cozinhado

Um surdo disse que ouviu Um mudo a lhe dizer Que um cego tinha visto Um aleijado correr Sozinho de madrugada Já com medo de morrer

De fato um aleijado Que tinha as pernas pegadas Foi dormir, quando acordou Não achou os camaradas A casa estava deserta E as camas desocupadas

Com medo pulou da cama E as pernas desencolheu Rasgou a "péia" no meio E assombrado correu Dizendo: ─ Fiquei dormindo E nem acordaram eu!...

No outro dia bem cedo O Sabido Sem estudo Chegando no hospital Achou-o deserto de tudo Sorriu e disse consigo: ─ Passei no rei um canudo

Page 6: Cordel-O Sabido Sem Estudo-Manuel Camilo

O Sabido Sem Estudo Chegou no prazo marcado Na corte e disse ao rei: ─ Pronto já fiz seu mandado Os doentes do hospital Já saiu tudo curado

O rei foi pessoalmente Percorrer o hospital Não achando um só doente Disse consigo afinal: ─ Aquele ou é satanás Ou um ente divinal

Deu-lhe o dinheiro e lhe disse: ─ Retire-se do meu reinado O Sabido Sem Estudo Lhe disse: ─ Muito obrigado Pra ganhar dinheiro assim Tem às ordens um seu criado

FIM

Campina Grande, PB, 21/11/1955