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Istopos estveis de C e de N como indicadores qualitativo e quantitativo da dieta do tambaqui (Colossoma macropomum)
da Amaznia Central
ANA CRISTINA BELARMINO DE OLIVEIRA Tese apresentada ao Centro de Energia
Nuclear na Agricultura, Universidade de So
Paulo, para a obteno de ttulo de Doutor em
Cincias, rea de Concentrao: Energia
Nuclear na Agricultura.
PIRACICABA Estado de So Paulo Brasil
Novembro 2003
Istopos estveis de C e de N como indicadores qualitativo e quantitativo da dieta do tambaqui (Colossoma macropomum)
da Amaznia Central
ANA CRISTINA BELARMINO DE OLIVEIRA Engenheira de Pesca
Orientador: Prof. Dr. LUIZ ANTONIO MARTINELLI Tese apresentada ao Centro de Energia
Nuclear na Agricultura, Universidade de So
Paulo, para a obteno de ttulo de Doutor em
Cincias, rea de Concentrao: Energia
Nuclear na Agricultura.
PIRACICABA Estado de So Paulo Brasil
Novembro - 2003
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
Seo Tcnica de Biblioteca - CENA/USP
Oliveira, Ana Cristina Belarmino de Istopos estveis de C e de N como indicadores qualitativo e
quantitativo da dieta do tambaqui (Colossoma macropomum) da Amaznia Central / Ana Cristina Belarmino de Oliveira. - - Piracicaba, 2003. 86p. : il.
Tese (doutorado) - - Centro de Energia Nuclear na Agricultura,
2003. 1. Carbono 2. Dieta animal 3. Hbito alimentar animal 4. Nitrognio 5. Peixes tropicais 6 Vrzeas I. Ttulo
CDU 504:639.3.043
A minha me, irms e irmos pela educao, confiana e estmulos constantes em todos
os momentos da minha vida e aos meus amores, Raimundo, Camila e Joo Vicente pelo apoio, carinho e dedicao
em todos esses anos que estamos juntos
Ao meu pai Joo Francisco de Oliveira (in memorian) As pessoas entram e saem de nossas vidas;
mas elas no vo ss, sempre levam um pouco de ns e deixam um pouco de si...
Voc, porm, levou muito de ns e deixou tudo de si...
DEDICO
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Luiz Antonio Martinelli, pela orientao segura, confiana,
amizade, e pela ajuda em alguns momentos difceis durante a realizao deste
trabalho, meu AGRADECIMENTO ESPECIAL;
Aos Profs. Dr. Marcelo Zacharias Moreira e Dr. Jos Eurico Possebon Cyrino,
na co-orientao, no empenho incansvel para o sucesso deste trabalho, alm da
valiosa amizade;
A pesquisadora do INPA, Dra. Maria Gerclia Mota Soares, coordenadora do
projeto que originou este trabalho pelo apoio irrestrito e insentivo em todas as fases da
pesquisa;
Aos pesquisadores do Laboratrio de Ecologia Isotpica do CENA-USP, bem
como de todo o grupo liderado pelo Prof. Dr. Reynaldo L. Victoria de reconhecida
excelncia em estudos de Biogeoqumica e Ecologia Isotpica;
Universidade Federal do Amazonas - UFAM, pela minha liberao, apoio
financeiro, institucional e concesso de bolsa PICDT/CAPES para a realizao deste
trabalho, em especial a todos os colegas do Departamento de Cincias Pesqueiras -
DEPESCA;
Ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia INPA e ao Instituto Max-
Planck de Limnologia/Grupo de trabalho de ecologia tropical, pelo apoio, institucional e
logstico que possibilitaram as coletas no campo;
Finaciadora de Estudos e Projetos FINEP/Ministrio da Cincia e
Tecnologia (PPG7-PPD), pela concesso de recursos financeiros ao projeto que
originou este trabalho;
Fundao de Amparo a Pesquisa do Estado de So Paulo FAPESP, pela
concesso de recursos financeiros ao projeto que originou este trabalho;
v
Aos funcionrios do Laboratrio de Ecologia Isotpica do CENA-USP: Neusa
Maria Augusti, Maria Antonia Z. Perez, Jos A. Bonassi, Geraldo de Arruda Jr., Edmar
Antonio Mazzi, Fabiana C. Fracassi, e estagirios;
s funcionrias do CENA da Seo de Ps-graduao Neuda F. Oliveira,
Maria Regina S. Rodrigues, Cludia M. F. Correa e Alzira F. Ado;
s bibliotecrias do CENA, Marlia R. G. Henyei, Raquel C. T. Carvalho e
Cleide A. Ferraz;
Ao corpo docente e tcnico do Curso de Ps-Graduao do CENA, e ESALQ
da Universidade de So Paulo pela oportunidade de realizar este curso e em especial
ao Prof. Dr. Silvio Sandoval Zocchi, Departamento de Cincias Exatas pelo auxlio na
anlise estatstica, alm da Profa. Dra. Marlia Oetterer do Laboratrio de Agroindstria
pelas anlises qumicas;
Aos funcionrios do Setor de Piscicultura, Ismael Baldessin Jnior e Srgio
Pena pela ajuda na montagem da estrutura e na conduo dos experimentos, alm dos
ps-graduandos e estagirios;
Aos estagirios bolsistas do CNPq/PIBIC da UFAM e INPA, Kedma Cristine
Yamamoto, Andra L. Ribeiro, Srgio F. Neto, Afrnio.Csar S. Pereira, Aprgio M.
Morais e tantos outros que auxiliaram nas coletas e no preparo de amostras e em
especial Ana Rita S. Silva pelo valioso apoio logstico e organizao das
excursses;
pesquisadora da EMBRAPA Pantanal Dbora Fernandes Calheiros, pelas
valiosas crticas e sugestes neste trabalho e por dividir comigo as dvidas, erros e
acertos durante o curso e a amiga Dra. Andra C. Belm pela ajuda no manejo
sanitrio dos peixes;
Aos amigos e colegas ps-graduandos do CENA e ESALQ, pelo
companheirismo, troca de experincias que em muito contribuiu para o sucesso deste
trabalho;
Aos meus familiares, marido e filhos, me, irms e irmos pela pacincia,
carinho, confiana e apoio decisivos neste perodo;
E finalmente um agradecimento sincero a todas as demais pessoas que, direta
ou indiretamente contriburam para a realizao deste trabalho.
SUMRIO
Pgina
LISTA DE FIGURAS ............................................................................................. ix
LISTA DE TABELAS ............................................................................................. xi
RESUMO............................................................................................................... xii
SUMMARY ............................................................................................................ xiv
1 INTRODUO ................................................................................................... 1
2 REVISO DE LITERATURA .............................................................................. 4
2.1 Tambaqui e sua alimentao .......................................................................... 4
2.2. Istopos estveis e sua aplicao em estudos alimentares........................... 5
2.2.1 Metodologia isotpica................................................................................... 5
2.2.2 Determinao da dieta atravs de 13C e 15N ............................................ 8 2.2.3 Utilizao do mtodo isotpico em estudos alimentares na
Amrica do Sul ...................................................................................................... 9
2.2.3.1 Ecologia alimentar ..................................................................................... 9
2.2.3.2 Fontes de carbono do tambaqui................................................................ 12
2.3 Causas de variao da razo isotpica........................................................... 13
2.3.1 Variao individual ....................................................................................... 13
2.3.2 Variao com o tamanho dos indivduos...................................................... 14
2.3.3 Variao no fracionamento isotpico ........................................................... 15
2.3.4 Variao nos tecidos .................................................................................... 17
2.3.5 Qualidade da dieta ....................................................................................... 19
2.3.6 Turnover isotpico........................................................................................ 22
3 SAZONALIDADE ALIMENTAR E FONTES DE ENERGIA DE
TAMBAQUI (Colossoma macropomum) DETERMINADAS POR
ISTOPOS ESTVEIS E POR CONTEDO ESTOMACAL ................................ 25
vii
RESUMO............................................................................................................... 25
SUMMARY ............................................................................................................ 26
3.1 INTRODUO ................................................................................................ 27
3.2 MATERIAL E MTODOS................................................................................ 29
3.2.1 rea de estudo e coletas.............................................................................. 29
3.2.2 Anlise da dieta............................................................................................ 30
3.2.3 Anlise isotpica .......................................................................................... 31
3.2.4 Determinao da contribuio das fontes alimentares ................................ 32
3.2.5 Anlise estatstica ....................................................................................... 33
3.3 RESULTADOS ............................................................................................... 33
3.3.1 Atividade alimentar ....................................................................................... 33
3.3.2 Valores de 13C e 15N das fontes de energia ............................................. 36 3.3.3 Valores de 13C e 15N do tambaqui............................................................. 37 3.3.4 Fontes de energia do tambaqui estimada pelos istopos ........................... 38
3.4 DISCUSSO ................................................................................................... 41
3.4.1 Possveis interferncias na interpretao das razes
isotpicas .............................................................................................................. 41
3.4.2 A importncia do ciclo hidrolgico na dieta do tambaqui ............................. 44
3.5 CONCLUSES ............................................................................................... 47
4 DINMICA DE INCORPORAO DE CARBONO E DE
NITROGNIO EM ALEVINOS DE TAMBAQUI (Colossoma
macropomum) COM BASE NA COMPOSIO ISOTPICA............................... 48
RESUMO............................................................................................................... 48
SUMMARY ............................................................................................................ 49
4.1 INTRODUO ................................................................................................ 50
4.2 MATERIAL E MTODOS................................................................................ 52
4.2.1 Ensaios experimentais ................................................................................. 52
4.2.2 Anlise isotpica .......................................................................................... 54
4.2.3 Determinao do turnover isotpico............................................................. 54
4.2.4 Estatstica dos dados ................................................................................... 56
4.3 RESULTADOS ............................................................................................... 57
4.3.1 Taxa de crescimento .................................................................................... 57
viii
4.3.2 Variao de 13C e 15N nos tecidos ........................................................... 57 4.3.2.1 Dieta C3 ..................................................................................................... 59
4.3.2.2 Dieta C4 ..................................................................................................... 59
4.3.3 Turnover isotpico........................................................................................ 60
4.3.3.1 Dieta C3 ..................................................................................................... 60
4.3.3.2 Dieta C4 ..................................................................................................... 60
4.4 DISCUSSO ................................................................................................... 65
4.4.1 Dieta C3 vs C4 e variao de 13C e 15N ..................................................... 65 4.4.2 Turnover isotpico de C3 e C4 ...................................................................... 68
4.4.2.1 Dieta C3 ..................................................................................................... 68
4.4.2.2 Dieta C4 ..................................................................................................... 70
4.5 CONCLUSES ............................................................................................... 71
5 CONCLUSES FINAIS...................................................................................... 72
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS...................................................................... 74
LISTA DE FIGURAS Pgina
1 Localizao do lago Camaleo, Ilha da Marchantaria, Amaznia
Central. Falsa composio colorida (5, 4, 3). Landsat 7, sensor
ETM+, janeiro de 2002. ...................................................................................... 30
2 Nmero relativo de estmagos de tambaqui (Colossoma
macropomum) agrupados em quatro categorias de grau de
repleo. ............................................................................................................. 34
3 ndice Alimentar (IAi) para os principais itens alimentares identificados no estmago de tambaqui (Colossoma
macropomum) nos perodos de enchente, cheia, vazante e seca. .................... 35
4 Relao entre os valores de 13C e 15N ( E.P.) dos tecidos de tambaqui (Colossoma macropomum) na enchente (EM); cheia
(CH); vazante (VZ) e seca (SC), seca e as fontes alimentares do
lago Camaleo.................................................................................................... 37
5 Contribuio fracional de biomassa (A), carbono (B) e nitrognio
(C) para tambaqui (Colossoma macropomum) nos perodos de
enchente, cheia, vazante e seca. ....................................................................... 40
6 Relao entre os valores de 13C do tecido e material encontrado no estmago de tambaqui (Colossoma macropomum) do lago
Camaleo. Cada ponto representa a mdia mensal. ......................................... 43
7 Curvas de crescimento de alevinos de tambaqui (Colossoma
macropomum) alimentados com dietas C3 e C4 por 60 dias
(mdias de 4 repeties). ................................................................................... .... 57
8 Variabilidade temporal de valores de 13C do msculo, fgado, escama e gordura visceral de alevinos de tambaqui alimentados
x
com dieta C3 (mdias entre 4 repeties). Dados ajustados com
equao exponencial negativa (P
xi
LISTA DE TABELAS Pgina
1 Frequncia de ocorrncia relativa (Fo) dos itens alimentares
identificados nos estmagos de tambaquis (Colossoma
macropomum)................................................................................................... 35
2 Valores mdios de 13C e 15N ( E.P.) de tecido e material encontrado no estmago de tambaqui (Colossoma
macropomum) e fracionamento isotpico (tecido- estmago). ................................ 38 3 Valores mdios de 13C e 15N de end-member ( E.P.) e
carbono e nitrognio elementar (%) de tambaqui (Colossoma
macropomum)................................................................................................... 39
4 Composio percentual nutricional, centesimal e isotpica das
dietas experimentais......................................................................................... 53
5 Valores de 13C e fracionamento isotpico (13C) nos tecidos de tambaqui (C. macropomum) aps 60 dias experimentais ................................ 58
6 Valores de 15N e fracionamento isotpico (15N) nos tecidos de tambaqui (C. macropomum) aps 60 dias experimentais ................................ 58
Istopos estveis de C e de N como indicadores qualitativo e quantitativo da dieta de tambaqui (Colossoma macropomum) da Amaznia Central
Autora: ANA CRISTINA BELARMINO DE OLIVEIRA
Orientador: Prof. Dr. LUIZ ANTONIO MARTINELLI
RESUMO
As reas alagadas dos rios de gua branca da Bacia Amaznica vrzeas
so responsveis por mais de 90% da captura total de peixes. O ciclo anual de
inundaes provoca variaes qualitativas e quantitativas na dieta, influenciando
diretamente a condio nutricional dos organismos que habitam essas guas, como o
tambaqui (Colossoma macropomum), um peixe de vrzea, de importncia econmica
para a regio amaznica, mas que tem apresentado decrscimo em sua captura nos
ltimos anos. Este trabalho teve como objetivo determinar a importncia quantitativa e
qualitativa das principais fontes de energia do tambaqui do lago Camaleo, Amaznia
Central, durante um ciclo hidrolgico, utilizando ambos os mtodos de anlise, de
contedo estomacal e de composio isotpica, e investigar a dinmica de
incorporao de carbono e de nitrognio nos tecidos dos peixes. O grau de repleo
estomacal e a importncia relativa dos itens alimentares variaram com o nvel de gua,
enquanto os istopos estveis de C e N mostraram a importncia das plantas de via
fotossinttica C3 e C4, e da macro e microfauna acompanhante, na dieta do tambaqui,
e do zooplncton, principal provedor de N para a espcie. O padro de incorporao
de C e N alimentar em tambaqui foi diferente para as dietas C3 e C4. Diferenas nos
valores nutricionais entre as dietas e a taxa de crescimento influenciaram a dinmica
de incorporao de C e N. A velocidade de reposio do C e N foi relacionada
diretamente com a qualidade da fonte e da funcionalidade do tecido. O tempo mnimo
para a substituio de 99% do sinal isotpico da dieta C3 no msculo dos alevinos foi
xiii
85 dias. A combinao dos dois mtodos mostra a complexidade do hbito alimentar
do tambaqui e sua dependncia do pulso de inundao. Tanto a interveno no ciclo
hidrolgico dos rios da Amaznia, como a alterao na paisagem de suas vrzeas,
podem ser desastrosas para a sobrevivncia da espcie.
Stable isotopes C and N as indicators of qualitative and quantitative dietary variations of tambaqui (Colossoma macropomum) in Central Amazonian
Author: ANA CRISTINA BELARMINO DE OLIVEIRA
Adviser: Prof. Dr. LUIZ ANTONIO MARTINELLI SUMMARY
The flooded areas of white-water rivers of the Amazon Basin vrzeas
are responsible for more than 90% of the total capture fisheries in the region. The
annual flooding cycle elicits qualitative and quantitative variations of fish natural diet,
with direct influence nutritional condition of several fish species, such as the tambaqui
(Colossoma macropomum), an economically important amazonian food fish which
dwells in the vrzea, and has presented decreasing capture potential over the last
decade. This work aims to determine how the hydrological cycle influences, both
quantitatively and qualitatively, alimentary seasonality of the main energy sources for
tambaqui at lake Camaleo, Central Amazon, through the analysis of stomach contents
and isotopic composition of food items, and the incorporation dynamics of alimentary
carbon and nitrogen in different fish tissues. Stomach repletion degree and relative
importance of the alimentary items varied with the water level, while stable C and N
isotopes showed the relative dietary importance of either C3 or C4 photosynthetic-
pathway plants, and their accompanying macro fauna for tambaqui, and the
zooplankton, the main supplier of N to the species. The pattern of incorporation of
alimentary C and N in tambaqui differed for C3 and C4 diets. Differences in the
nutritional values of diets and the growth rate influenced the incorporation dynamics of
C and N. The velocity of substitution of alimentary C and N was directly related to the
quality of the source and to the functionality of the body tissue. The minimum time for
xv
substitution of 99% of the isotopic sign of the C3 diet in muscle tissue of fingerling
tambaqui was 85 days. The combination of the two analysis methodologies revealed
how complex are the feeding habit and alimentary behavior of the tambaqui, and how
much it depends on the flood pulse. Both the intervention in the hydrological cycle of
the Amazonian rivers and the alteration in the landscape of their vrzeas, can be
disastrous for the survival of the species.
1 INTRODUO
Entre os diferentes ambientes da bacia Amaznica, as reas alagadas dos
rios de gua branca, as vrzeas, so as mais produtivas (Bayley & Petrere, 1989). Mais
de 90% da captura total de peixes (Junk, 1984) provm dessas reas, que atingem cerca
de 105.000 km2 (Bayley & Moreira, 1980; Petrere, 1982). A grande importncia das
vrzeas est relacionada variao sazonal do nvel da gua, 10 m a 15 m na Amaznia
Central, com perodos bem definidos de cheia e de seca . Esse ciclo anual de inundao
de fundamental importncia para os organismos, o balano de nutrientes, a cadeia
alimentar e o ciclo de energia (Junk, 1984).
A crescente ocupao humana tem provocado o desmatamento das
florestas alagveis, alterando as condies ecolgicas e comprometendo a
biodiversidade de plantas e animais, da qual destacamos a ictiofauna dos lagos de
vrzea. Grande complexidade pode ser encontrada entre as espcies que habitam as
reas alagadas, onde variveis importantes para a coexistncia das espcies so
desconhecidas. A sazonalidade do nvel da gua provoca variaes qualitativa e
quantitativa na dieta, influenciando diretamente na condio nutricional dos indivduos.
Tais reas so consideradas criatrios naturais de peixes de importncia
econmica para a regio amaznica, como o tambaqui (Colossoma macropomum). Um
considervel decrscimo nos registros de desembarques pesqueiros dessa espcie e,
por outro lado, um significativo aumento de sua produo em confinamento nas ltimas
dcadas (Batista, 1998; IBAMA, 2000) exigem esforos para gerar mais informaes
que subsidiem tanto o manejo ecolgico como o de cultivo em tempo cada vez menor.
Embora vrios estudos, abordando aspectos de sua auto-ecologia, tenham
definido seu hbito alimentar onvoro (Honda, 1974, Goulding & Carvalho, 1982, Silva
et al., 2000), muito pouco se pde conhecer sobre a nutrio do tambaqui. Os
resultados obtidos com o mtodo de anlise de contedo estomacal refletem apenas a
2
dieta aparente, ingerida pelo animal, e no a que foi efetivamente incorporada aos
tecidos. Portanto, por meio unicamente deste mtodo, difcil inferir com exatido
quais e quanto das fontes alimentares disponveis no seu habitat so importantes para
a manuteno dos estoques da espcie.
A razo entre os istopos estveis de alguns elementos possibilita traar os
fluxos desses elementos na cadeia alimentar, at a sua deposio no tecido animal.
Este mtodo vem sendo empregado extensivamente em estudos de ecologia alimentar
(Ben-David et al., 1997; Fry et al., 1999; Guiguer et al., 2001; Harvey & Kitchell, 2000;
Kline et al., 1993; Post, 2002; Smit, 2001).
As fontes autotrficas de energia para o tambaqui adulto foram investigadas
atravs de tcnicas isotpicas (Forsberg et al., 1993; Arajo-Lima et al., 1998;
Benedito-Cecilio et al., 2000). Resultados baseados na composio isotpica de
carbono de um nmero relativamente pequeno de indivduos, coletados numa grande
rea, com uma alta variabilidade, permitiram inferir que frutos e sementes da floresta
inundada e zooplncton dos lagos de vrzeas so importantes fontes alimentares
(Arajo-Lima et al., 1998; Forsberg et al., 1993), mas a contribuio relativa de cada
item alimentar, bem como sua importncia sazonal, ainda no foram claramente
estabelecidas (Benedito-Cecilio et al., 2000).
Resultados obtidos para a espcie apenas com o carbono e um pequeno
nmero de amostragem podem conduzir a interpretaes equivocadas da contribuio
das diferentes fontes alimentares. Em adio, os peixes onvoros mudam
constantemente sua dieta, o que implica grande faixa de variao nos valores
isotpicos. A utilizao simultnea dos istopos de C e N amplia a aplicao da tcnica
isotpica e reduz consideravelmente a complexidade que as variaes sazonais e
individuais poderiam sugerir. Enquanto os valores de carbono refletem mais
claramente as variaes espaciais, os valores isotpicos do nitrognio refletem um
padro sazonal (Harvey & Kitchell, 2000; Johannsson et al., 2001; Overman & Parrish,
2001).
A consistncia e a confiabilidade dos resultados isotpicos, quando da
indicao da dieta dos peixes, no curto e no longo prazos, pode ser alcanada com a
combinao do mtodo isotpico com a anlise de contedo estomacal. Tal
combinao de mtodos pode elucidar melhor complexas relaes, para as quais o
uso de um ou de outro mtodo sozinho no seria suficiente, removendo parte da
3
subjetividade normalmente encontrada, quando se avalia o papel das fontes potenciais
(Ben-David et al., 1997; Guiguer et al., 2002; Johannsson et al., 2001; Persson &
Hansson, 1998).
Vrias lacunas persistem e dificultam a explicao dos atuais resultados de
fontes de energia do tambaqui. preciso muito mais que identificar as principais fontes
na natureza e as implicaes decorrentes do ciclo anual de inundao. necessrio
conhecer melhor alguns aspectos nutricionais relacionados ao regime alimentar da
espcie, como diferenas na utilizao das fontes e qualidade e quantidade dos
nutrientes incorporados aos tecidos.
Dentro dessa perspectiva, a hiptese de que a importncia das fontes de
energia do tambaqui varia, acarretando diferenas na incorporao de carbono e de
nitrognio, decorrentes da disponibilidade e do valor nutritivo das fontes, com o ciclo
hidrolgico, foi investigada. Para tanto, este trabalho teve como objetivo determinar
quantitativa e qualitativamente a importncia das principais fontes de energia do
tambaqui do lago Camaleo, num ciclo hidrolgico, por meio de ambos os mtodos,
anlise de contedo estomacal e composio isotpica de carbono e de nitrognio,
bem como a dinmica de incorporao desses elementos aos diferentes tecidos.
2 REVISO DE LITERATURA
2.1 Tambaqui e sua alimentao Dentre as espcies nativas da regio amaznica, o tambaqui (Colossoma
macropomum) uma das mais apreciadas e de alto valor econmico. o segundo
maior peixe de escama nas guas sul-americanas, podendo alcanar mais de 1m de
comprimento total e 30 kg. Habita os rios, lagos de vrzeas e a floresta periodicamente
inundada (Araujo-Lima & Goulding, 1998).
At os anos 80, representava cerca de 42% do total dos peixes
desembarcados no mercado de Manaus (Merona & Bittencourt, 1988), tendo reduzido
a sua participao em 1998 para 5,4% (Batista, 1998). O decrscimo nos
desembarques de tambaqui nos ltimos anos indica provvel sobrepesca (Isaac &
Rufino, 1996).
Apresenta excelentes qualidades zootcnicas e facilidade de manejo (Graef,
1995), sendo considerada uma espcie nativa de grande potencial para produo, na
Amrica Latina (Saint-Paul, 1991; Araujo-Lima & Goulding, 1998). Atualmente, j
apresenta uma significativa produo em confinamento. responsvel por 73,5% do
pescado cultivado no Estado do Amazonas, por 30% na regio Norte e por 11,5% na
produo nacional (IBAMA, 2000).
A maioria dos estudos de ecologia alimentar realizados com essa espcie
identifica os principais itens alimentares consumidos na natureza atravs de anlise de
contedo estomacal (Ayres, 1993; Carvalho, 1981; Gosttsberger, 1978; Goulding &
Carvalho, 1982; Graef, 1995; Honda, 1974; Roubach, 1991; Smith, 1979; Saint-Paul,
1986; Soares et al., 1986; Saldaa & Lopez, 1988; Silva, 1997; Silva et al., 2000; Tello
et al., 1992; Ziburski, 1990). uma espcie de hbito alimentar onvoro, com trato
digestivo caracterstico de uma alimentao diversificada. Apresenta dentio
modificada para o aproveitamento de frutos e sementes e um eficiente aparelho
5
filtrador para a captura de zooplncton. Nos perodos de enchente-cheia, os frutos e as
sementes so os itens alimentares mais consumidos, predominando uma alimentao
rica em carboidratos e lipdios, com elevado teor energtico. No perodo de vazante-
seca, apesar de corresponder tambm ao perodo de menor consumo, o zooplncton
funciona como principal alimento, o que caracteriza uma dieta rica em protenas (Silva
et al., 2000).
Vrios experimentos de nutrio com tambaqui foram realizados na
tentativa de se determinar uma dieta eficiente e que atenda a suas exigncias
nutricionais (Andrade & Oliveira, 1998; Arbelez-Rojas et al., 2002; Eckmann, 1987;
Graef, 1995; Macedo, 1979; Mori, 1993; Oliveira et al., 1998; Prez, 1995; Roubach,
1991; Roubach & Saint-Paul, 1993; Saint-Paul, 1986, 1990, 1991; Silva, 1997; Van der
Meer et al., 1996). No entanto pouco pde ser concludo sobre sua nutrio e seu
metabolismo. Os resultados at aqui gerados no so suficientes para o entendimento
de sua nutrio, e muito poucos tm aplicao direta na produo em cativeiro que
satisfaa aos critrios de quantidade e de qualidade.
2.2 Istopos estveis e sua aplicao em estudos alimentares 2.2.1 Metodologia isotpica
Nos ltimos 30 anos, esta metodologia vem sendo utilizada em estudos
ecolgicos, com bastante sucesso. Alm da determinao das fontes alimentares, a
tcnica de istopos estveis pode prover uma contnua mensurao da posio trfica
que integra a assimilao de energia ou o fluxo de massa atravs de todas as
diferentes vias trficas de um organismo (Post, 2002).
A utilizao deste mtodo baseia-se na premissa de que a razo isotpica,
a proporo entre o istopo mais pesado e o mais leve, varia de uma forma previsvel,
conforme o elemento cicla na natureza. A cada transformao fsica, qumica e
biolgica por que passa a matria orgnica, ocorre uma discriminao entre os seus
istopos, possibilitando sua utilizao como traadores naturais (Boutton, 1991). Dessa
forma, o animal, ao ingerir e assimilar um determinado alimento, reflete-o no sinal
isotpico de seus tecidos. A determinao da composio isotpica do tecido animal e
suas provveis fontes fornece informaes quantitativas sobre as contribuies
relativas de cada uma dessas fontes (DeNiro & Epstein, 1978).
6
Os istopos dos elementos leves, como o carbono e o nitrognio, so os
mais usados em estudos ambientais. A razo isotpica da matria orgnica
mensurada atravs de espectrmetro de massa, que mede a razo entre o istopo
pesado e o leve de uma amostra, em comparao a um padro. O padro para o
carbono o PDB, um fssil de Belemnitella americana da formao Peedee da
Carolina do Sul (EUA) e, para o nitrognio, o N2 atmosfrico (Lajtha & Marshall, 1994).
As razes isotpicas so expressas pela notao delta (), com unidade por mil (), que mede a diferena entre a razo na amostra e no produto, podendo ser positiva ou
negativa.
Uma das condies bsicas para o uso dos istopos estveis, como
metodologia em estudos alimentares, que as fontes que compem a dieta do animal
em questo tenham sinais isotpicos distintos. Nos ecossistemas aquticos, as plantas
aquticas e, direta ou indiretamente, as terrestres so as fontes primrias de energia
utilizadas pelos animais (Boutton, 1991; Forsberg et al., 1993).
As plantas so bem caracterizadas isotopicamente, de acordo com a via
fotossinttica de assimilao do carbono (C3, C4 e CAM), devido s diferenas no
fracionamento durante a difuso, a dissoluo e a carboxilao do CO2 atmosfrico
(Lajtha & Marshall, 1994). As plantas C3 reduzem o CO2 para fosfoglicerato, um
composto de trs carbonos, atravs da enzima RuBP carboxilase. Tal enzima
discrimina o 13CO2, resultando em valores de 13C relativamente mais leves (mais negativos), entre 32 e 20, com mdia de 27. As plantas C4 reduzem o CO2 a
cido asprtico ou cido mlico, ambos compostos com quatro carbonos, atravs da
enzima PEP carboxilase. Tal enzima no discrimina o 13C como a RuBP carboxilase.
Dessa forma, plantas C4 tm valores de 13C relativamente mais pesados (mais positivos). Tais valores variam entre 17 e 9, com mdia de 12. As plantas
CAM, por sua vez, apresentam valores intermedirios entre as duas anteriores
(Boutton, 1991).
O fitoplncton, embora de metabolismo semelhante as das plantas de via
fotossinttica C3, so produtores primrios mais empobrecidos. Enquanto as outras
plantas C3 utilizam o CO2 atmosfrico (8) como substrato, o fitoplncton utiliza
preferencialmente o CID (carbono inorgnico dissolvido). Em lagos e rios, o 13C do CID varia consideravelmente (prximo de 15), sendo reflexo de ambas as fontes,
7
CO2 atmosfrico e CO2 da respirao dissolvidos, alm do bicarbonato e carbonato
proveniente do intemperismo das rochas (Boutton, 1991; Hershey & Peterson, 1996).
Valores isotpicos para fitoplncton em gua doce so principalmente dependentes da
origem da forma inorgnica de carbono fixado. Cada ecossistema aqutico tem sua
prpria caracterstica fsico-qumica, que determina a concentrao relativa e absoluta
das espcies inorgnicas carbonatadas (Martinelli et al., 1988). O fitoplncton a fonte
de carbono mais negativa nos lagos de vrzea da regio amaznica, variando entre
40 a 30, com mdia de 33. responsvel por at 60% do COP (Carbono Orgnico
Particulado) e pela sua composio isotpica (Arajo-Lima et al., 1986; Forsberg et al.,
1993). Nas reas alagadas do rio Orinoco, pode alcanar valores mdios mais
negativos, prximos a 38 (Hamilton et al.,1992).
A consolidao do uso deste mtodo nos estudos de dieta e de fluxo de
energia nos ecossistemas foi efetuada a partir de estudos laboratoriais. Animais
mantidos em laboratrio, com dietas de sinal isotpico conhecido, apresentaram o 13C do tecido mais pesado que a respectiva dieta, variando entre 0,6 e 2,7, com mdia
de 0,8 1,1. A diferena entre o sinal isotpico do tecido animal e o de sua dieta,
designada como fracionamento isotpico, resultante dos processos decorrentes
durante a digesto, a absoro, a assimilao e a excreo dos nutrientes (DeNiro &
Epstein, 1978). Contudo a complexidade na interpretao dos valores isotpicos de
carbono nas investigaes sobre possveis fontes alimentares sugere a necessidade
de complementao com outros istopos, como hidrognio, nitrognio ou enxofre (Fry
& Sherr, 1984).
A investigao da influncia da dieta na distribuio de istopos de
nitrognio em animais evidenciou que o valor de 15N do animal, como de seus tecidos e fraes bioqumicas, tambm varia com o 15N da dieta. Estudos realizados por Minagawa & Wada (1984) mostram o enriquecimento de 15N na cadeia alimentar, com
15N dos consumidores sendo isotopicamente mais pesado que a respectiva dieta de 1,3 a 5,3 e o valor mdio para cada transferncia trfica de 3,4 1,1.
As fontes autctones e alctones dos ambientes aquticos podem
freqentemente diferir seus valores de 15N. A utilizao simultnea dos dois istopos de C e N amplia a aplicao do mtodo isotpico nos estudos de ecologia alimentar em
8
ambientes aquticos, nos quais os peixes ocupam os nveis mais elevados da cadeia
alimentar (DeNiro & Epstein, 1981; Fry & Sherr, 1984; Fry, 1991; France, 1995).
2.2.2 Determinao da dieta atravs de 13C e 15N Os resultados da determinao das dietas, atravs dos istopos estveis,
comparados com os do mtodo tradicional de anlise de contedo estomacal,
demonstram que a anlise isotpica na determinao da dieta animal mais exata que
a anlise estomacal, pois pode ocorrer uma digesto diferenciada dos diversos tipos de
alimentos que, porventura, o animal tenha ingerido, e que o mtodo tradicional no
pode evidenciar (Fry et al., 1978). Diferentemente do mtodo tradicional, os istopos
estveis de um animal refletem a sua histria alimentar porque o carbono em um
animal acumulado via dieta, durante sua vida (Fry et al., 1999).
Contudo os peixes, grupo animal muito diversificado, apresenta espcies
com hbitos alimentares e metabolismo energticos distintos. Essa grande
complexidade e diversidade exigem geralmente uma interpretao mais precisa das
relaes trficas estabelecidas em cada sistema. A aplicabilidade da anlise de
istopos estveis do tecido de peixes, para determinar a dieta, tem sido avaliada e as
concluses apontam para o fato de que, devido grande variao encontrada nos
valores isotpicos, a anlise isotpica dos tecidos do consumidor e de sua presa no
pode substituir os mtodos tradicionais de determinao de dieta, mas pode fornecer
informaes complementares, removendo parte da subjetividade normalmente
encontrada, quando se avalia o papel das fontes potencias (Ben-David et al., 1997;
Persson & Hansson, 1999; Smit, 2001).
Muitos so os modelos empregados para estimar a contribuio das fontes
consumidas pelo animal em seu ambiente natural. De modelos simples, usando
apenas um istopo (Fry & Sherr, 1984), a modelos onde se admitem tantos istopos
quantos forem necessrios para determinar as diferentes fontes (Ben-David et al.,
1997; Kline et al., 1993; Phillips, 2001; Phillips & Koch, 2002).
A possvel diferena na qualidade nutricional entre as fontes pode gerar
erros na interpretao de modelos que consideram igual a assimilao entre as
diversas fontes. A diferena na concentrao elementar, entre fontes de origem vegetal e
animal, na dieta de consumidor onvoro pode reduzir a proporo da fonte animal e
aumentar o componente vegetal, quando as fontes so consideradas iguais em suas
9
concentraes elementares. Phillips & Koch (2002) ampliaram o linear mixing model,
incluindo como fonte de variao, alm das diferenas no sinal isotpico entre as
fontes, a concentrao dos elementos dos istopos empregados. Embora no
contemple a maioria dos fatores de variao possveis para a estimativa das
propores das diferentes fontes alimentares no tecido animal, pelo menos esse
mtodo mais completo, ao incorporar o desvio-padro das mdias das fontes e dos
consumidores e a propoo de C e de N das respectivas fontes. Ou seja, avana no
sentido de que um parmetro de comparao da qualidade entre as fontes seja
contemplado. O modelo denominado de concentration-weighted linear mixing model
assume implicitamente que, para cada elemento, a contribuio de uma fonte de alimento
para o consumidor proporcional ao produto da biomassa assimilada pela concentrao
elementar nessa fonte. A importncia deste modelo sua aplicabilidade para determinar,
mais precisamente, a contribuio das fontes alimentares, principalmente em espcies
onvoras, que consomem tanto fontes de origem animal como vegetal, com considervel
diferena nas concentraes elementares de C e de N. Para a utilizao e o clculo deste
modelo, os autores disponibilizam planilhas no site
http://www.epa.gov/wed/pages/models.htm.
Na verdade, segundo Ben-David & Schell (2001), os resultados obtidos
pelos diversos modelos tm sua importncia nas investigaes no ambiente natural,
quando interpretados mais como um ndice, do que uma correta estimativa das
propores da dieta. J para Robbins et al. (2002), h, ainda, a necessidade de mais
estudos para que os modelos possam contemplar as relaes entre composio da
dieta, vias metablicas dos consumidores e dados isotpicos associados.
2.2.3 Utilizao do mtodo isotpico em estudos alimentares na Amrica do Sul 2.2.3.1 Ecologia alimentar
As razes isotpicas de carbono e de nitrognio em auttrofos,
invertebrados e peixes da vrzea do rio Orinoco revelaram que microalgas, incluindo
fitoplncton e formas epifticas, so as fontes predominantes de energia para muitos
animais aquticos. As algas apresentaram importncia trfica, em contraposio
tradicional interpretao de que as cadeias alimentares de sistemas de reas alagadas
10
eram baseadas em detritos originrios das plantas vasculares principalmente C4 (Hamilton et al., 1992).
O regime alimentar de peixes detritvoros do rio Jacar Pepira (bacia do rio
Paran), investigado por ambos os mtodos, contedo estomacal e istopos estveis,
evidenciou a inexistncia de variao sazonal, mas de variao espacial na
alimentao dos peixes ao longo do rio. As plantas C4 no apresentaram importncia
ou influncia na dieta desses peixes (Vaz et al., 1999).
A influncia da inundao anual na dieta e na composio isotpica dos
peixes do lago Coqueiro no Pantanal foi tambm estudada, combinando-se anlise
isotpica e de contedo estomacal (Wantzen et al., 2002). Os valores de 13C e 15N indicaram uma cadeia alimentar com 3 a 4 nveis trficos. A ampla sobreposio dos
valores de nitrognio sugeriu que os organismos funcionam mais num contnuo nvel
trfico do que em distintos nveis. A cadeia alimentar desse ambiente foi baseada
principalmente em carbono de origem C3. Entretanto peixes capazes de alimentar-se
de invertebrados terrestres, como o Brycon microlepis, apresentaram 13 a 30% do
carbono de plantas C4, durante o perodo de cheia. Os valores de 13C e 15N apresentaram mudanas sazonais altamente significativas para alguns grupos
alimentares. As mudanas isotpicas dos peixes entre os perodos hidrolgicos foram
mais acentuadas nas espcies menos especializadas, os onvoros. As espcies mais
especializadas, herbvoras e detritvoras, foram mais influenciadas pelas mudanas na
razo isotpica de carbono da dieta, afetada pelos processos biogeoqumicos, assim
como respirao e metanognese. Mudanas isotpicas dos peixes, neste estudo,
representam um gradiente sazonal, associado com mudanas de habitat, devido
inundao peridica. Isso indicou que mudanas trficas e background ocorrem em
lagos de vrzeas tropicais, de acordo com a variao sazonal do nvel da gua
(Wantzen et al., 2002).
Com base na determinao isotpica de 13C, foram realizados estudos sobre a ecologia trfica da ictiofauna da regio amaznica, apontando como fonte
primria de energia, para espcies detritvoras, o fitoplncton/COP, enquanto os
mtodos tradicionais sugeriam as gramneas C4, de grande abundncia. Nesse mesmo
trabalho, os autores no puderam precisar a fonte primria de energia dos peixes
siluriformes, em razo da grande faixa de variao apresentada por esses peixes.
11
Provavelmente mais de duas fontes estavam envolvidas, contudo, nem fitoplncton,
nem macrfitas C4 mostraram-se como as fontes de energia para essas espcies
(Arajo-Lima et al., 1986).
A fonte primria de carbono para 34 espcies de peixes da regio
amaznica foi estimada por Forsberg et al. (1993). A principal fonte para essas
espcies foi proveniente das plantas C3, como um grupo (rvores da floresta alagada,
macrfitas C3, perifiton e fitoplncton), responsveis em mdia, por 82% a 98%, do
carbono dos adultos. Por outro lado, as plantas C4 foram consideradas importantes
fontes de carbono para as larvas de peixes (acima de 42%), o que em parte decorre da
cadeia alimentar microbiana, com substrato no detrito das gramneas C4 (Forsberg et
al., 1995). Os autores sugerem que, para se obter um completo entendimento da
produtividade dos peixes, necessrio investigar as mudanas na estrutura e na
dinmica da cadeia alimentar que ocorrem durante o completo ciclo de vida de cada
espcie.
As fontes autotrficas de energia para juvenis de jaraqui, Semaprochilodus
insignis, e curimat, Prochilodus nigricans, da Amaznia Central, tambm foram as
algas fitoplanctnicas e perifticas. Embora as plantas C4 no sejam a maior fonte de
energia para os alevinos, contribuem significativamente na fase inicial do crescimento
(Fernandez, 1993). A curimat, P. nigricans, mostrou variao espacial na sua
composio isotpica de 36,6 a 26,6 (Arajo-Lima et al., 1997).
As fontes primrias de energia em artrpodos semi-aquticos e terrestres,
das vrzeas da regio amaznica, foram tambm determinadas pela tcnica isotpica.
Duas espcies de insetos semi-aquticos obtiveram seu carbono de fontes C4 e duas
espcies de fontes C3. Os artrpodos terrestres utilizam distintamente fontes C3 e C4,
porm indivduos imaturos usaram ambas as fontes e diferiram das fontes dos adultos
(Adis & Victoria, 2001).
Para camares em lagos de vrzea, a principal fonte de carbono foram as
plantas C3, com no mnimo de 85,3%, embora tenha havido variao significativa nos
valores isotpicos das trs espcies de camares estudadas, em decorrncia dos
fatores local, poca de coleta e tamanho (Padovani, 1992).
Os resultados da estimativa das fontes de energia, de larvas de oito
espcies de peixes da vrzea amaznica, indicaram que muitas larvas em alguns
estgios so herbvoras ou carnvoras primrias, e que a cadeia trfica que suporta a
12
produo larval pequena. A energia fixada pelas plantas passada quase
diretamente para as larvas dos peixes, sem completar o ciclo alimentar microbial da
cadeia. A principal fonte de energia das larvas foram as plantas C3, embora a
contribuio das gramneas C4 seja importante para algumas espcies. Algas
microscpicas, planctnicas ou epfitas so provavelmente as principais plantas C3 que
suportam a produo larval dos peixes (Leite et al., 2002).
A variao na composio isotpica de jaraqui (S. insignis) indicou que o
carbono produzido no sistema de guas pretas contribui para o estoque dessa espcie,
capturada nos sistemas de rios de guas brancas, demonstrando que as populaes
de jaraqui da Amaznia Central so mais integradas do que se previa anteriormente
(Benedito-Cecilio & Arajo-Lima, 2002).
2.2.3.2 Fontes de carbono do tambaqui Com base na composio isotpica, exemplares de tambaqui adultos,
provenientes de vrias localidades da Amaznia, apresentaram, como principal fonte
autotrfica de energia, os frutos e as sementes das plantas C3, que compem a floresta
alagada (Forsberg et al., 1993). Tambm foi estimada a contribuio mdia dos
principais itens alimentares na composio isotpica do carbono de exemplares
adultos. Cerca de 60% da alimentao foi constituda de frutos e sementes, 30% de
zooplncton e 10% de gramneas C4 (Araujo-Lima et al., 1998).
Benedito-Cecilio et al. (2000) evidenciaram variao na contribuio relativa
das fontes do tambaqui, de acordo com os perodos de cheia e de seca e com sua
distribuio espacial ao longo dos rio Solimes e Amazonas. Para indivduos
capturados na regio do baixo rio Solimes (Amazonas), durante o perodo de cheia,
esses autores obtiveram o valor mdio de 13C de 30. Os mesmos autores estimaram, baseando-se na composio isotpica do carbono, que as principais fontes
de carbono para essa espcie seriam: plantas do tipo fotossinttico C3 (38%), plantas
do tipo fotossinttico C4 (10%) e do fitoplncton (52%), este calculado indiretamente
atravs da ingesto de zooplncton. No perodo de seca, os autores identificaram uma
variao ao longo do canal principal dos rios, com os peixes tornando-se
isotopicamente mais pesados rio abaixo. Nesse perodo, as contribuies das diversas
fontes foram estimadas como de 34% a 24% para C3; 58% a 87% para fitoplncton e
38% a 9% para C4.
13
No entanto cuidados na interpretao da ecologia alimentar do tambaqui,
por meio de anlise isotpica, devem ser tomados, pois esses estudos foram
realizados com base em um nico traador isotpico, o carbono, apenas com
indivduos adultos, representantes de uma ampla distribuio geogrfica (do alto ao
baixo Amazonas) e com uma amostragem relativamente pequena (menos que 20
indivduos). Por conseguinte os resultados apresentam uma grande variao nos
valores de 13C, alm de apontarem diferentes percentuais de contribuio das fontes primrias de energia. Segundo Harvey et al. (2002), a grande variabilidade encontrada
para razes isotpicas entre os animais e suas fontes sugere que o tamanho da
amostragem importante para detectar pequenas alteraes de dieta, ou sazonalidade
alimentar.
2.3 Causas de variao da razo isotpica Para a melhor interpretao dos resultados obtidos pela tcnica de istopos
estveis, em estudos alimentares, devem ser consideradas as possveis causas de
variao na razo isotpica do animal. So apontadas como as principais causas: a
variao individual, o tamanho dos indivduos, o fracionamento isotpico, os tipos de
tecido analisados, qualidade da dieta e o turnover isotpico ou taxa de reposio (Fry
et al., 1999; Johannsson et al., 2001; Overman & Parrish, 2001; Post, 2002; Smit,
2001).
Independentemente do padro individual, a composio isotpica animal
varia consistentemente de acordo com a sazonalidade e os locais onde os animais
exploram suas fontes (Fry & Arnold, 1982; Hesslein et al., 1993; Smith et al., 1996). Os
valores de 15N refletem mais claramente um padro sazonal, enquanto os valores de 13C, as variaes espaciais, o padro migratrio e o monitoramento do uso de habitats (Harvey & Kitchell, 2000; Johannsson et al., 2001; Overman & Parrish, 2001).
2.3.1 Variao individual
H uma variao significativa na razo isotpica de cada individuo, seja
planta, seja animal, que pode ser maior que aquelas exibidas entre diferentes
organismos. Essa grande variabilidade intraespecfica pode reduzir a preciso do
mtodo isotpico na determinao de fontes alimentares (Post, 2002; Smit, 2001). O
14
padro observado da razo de istopos estveis, em nvel de individuo, pode ser
resultado da interao entre processos ecolgicos, fisiolgicos e bioqumicos (Gannes
et al., 1997).
A amplitude de variao de fracionamento de C, para indivduos de uma
mesma espcie, alimentada com a mesma dieta em laboratrio, pode oscilar entre 0,2
a 1,8. Tal variao pode ser atribuda a uma perda mais rpida de 12CO2, em relao
ao 13CO2, durante a respirao (DeNiro & Epstein, 1978). Fry et al. (1999) estudaram a
posio trfica e a histria alimentar dos peixes do lago Okeechobee, com istopos
estveis. Nos 500 indivduos de 29 espcies analisadas, o nvel trfico variou de 2
(herbvoros) para 4,3 (carnvoros de segundo nvel). Houve uma grande diferena
isotpica (1 - 5) entre indivduos em quase todas as espcies de peixes examinadas.
Valores isotpicos entre indivduos, acima dessa faixa de variao, foram atribudos s
diferenas na dieta para indivduos de uma mesma espcie.
A especificidade metablica e nutricional entre os indivduos pode contribuir
tambm para aumentar a variao das razes isotpicas nos animais. Indivduos com
dieta similar podem exibir diferentes razes isotpicas, devido intrnseca variabilidade
na eficincia de assimilao, na incorporao de nutrientes e em outros processos
internos do metabolismo dos nutrientes. O estatus nutricional do animal, junto com a
composio da dieta, podem influenciar o destino dos diferentes componentes
dietticos nos tecidos (Ben-David & Schell, 2001).
2.3.2 Variao com o tamanho dos indivduos As diferenas nas composies isotpicas entre organismos so tambm
resultantes de diferenas ontogenticas, durante a vida do organismo, sendo o
tamanho um importante fator de variao nos animais. Uma relao positiva entre
enriquecimento isotpico e tamanho dos peixes foi observada para os valores de 13C e 15N (Beaudoin et al., 1999; Gu et al., 1996; Kwak & Zedler, 1997; Minagawa & Wada, 1984).
A relao entre valor isotpico e idade pode ser obscurecida para aquelas
espcies que mudam a dieta durante o seu ciclo de desenvolvimento. Guiguer et al.
(2002) observaram um contnuo enriquecimento em 13C com a idade dos peixes. Tal enriquecimento foi tpico de uma mudana ontognica diettica. Os indivduos menores
15
apresentaram tendncias para valores mais empobrecidos em 13C, em relao aos maiores, provavelmente por terem mais acesso a diferentes fontes que a anlise de
contedo estomacal no indicou. Um enriquecimento mdio em 13C de 3,4, entre indivduos pequenos e grandes, muito elevado para ser considerado como resultante
de uma relao predador e presa entre as duas classes de tamanho. O efeito do
tamanho parece ter sido mais determinante para a variao dos valores de 13C entre os indivduos.
Os resultados de istopos de nitrognio so particularmente importantes
para a anlise trfica de espcies de vida longa; ignorar a idade resultaria numa
interpretao equivocada. Em Stizostedion vitreum, foi observada uma contribuio da
idade de 81% para a variao dos valores de 15N. A variao na dieta no foi suficiente para explicar o aumento de 3,9 nos valores de 15N dos adultos. Os resultados mostraram que um aumento de, pelo menos um nvel trfico de diferena na
dieta deveria existir entre os indivduos jovens e os mais velhos. Um fator de
correlao especfico necessrio para calcular a taxa de acumulao de 15N com a idade, ou ento a interpretao da dieta baseada em istopos deveria ser limitada para
indivduos de mesma idade (Kurle & Worthy, 2001; Overman & Parrish, 2001).
2.3.3 Variao no fracionamento isotpico Os estudos de ecologia alimentar que utilizam o mtodo isotpico
assumem, como constante, o fracionamento isotpico ou trfico, a diferena entre a
fonte alimentar e seu consumidor. Os valores apontados por DeNiro & Epstein (1978) e
Minagawa & Wada (1984) so amplamente aceitos e confirmados para um grande
nmero de animais de diferentes espcies (Fry & Sherr, 1984; Hesslein et al., 1993;
Hobson, 1995; Johannsson et al., 2001; Schroeder, 1983). A grande diversidade de
hbito e de comportamento alimentar entre os peixes exerce significante efeito no valor
do fracionamento trfico, ou na amplitude de sua variao. Vrios fatores podem ser
apontados: sazonalidade, hbito alimentar, estado nutricional do consumidor, tamanho
e idade, ontogenia da dieta, intrnseca variabilidade da resposta fisiolgica do animal,
eficincia alimentar, tipo de tecido amostrado, qualidade da dieta e taxa metablica de
turnover (Ben-David & Schell, 2001; Hobson & Clark, 1992; Hobson & Welch 1995;
Hobson et al., 1996; Harvey et al., 2002; Kline et al., 1993; Kurle & Worthy, 2001;
16
Minagawa & Wada, 1984; Overman & Parrish, 2001; Post, 2002; Smit, 2001; Tieszen et
al., 1983).
Focken & Becker (1998) determinaram o fracionamento metablico de
istopos estveis de carbono de duas espcies de peixes (carpa e tilpia) em cativeiro.
Encontraram uma grande variao, interespecfica e intraespecfica, nos valores de
13C e o fracionamento de 13C foi maior do que aqueles apontados por DeNiro & Epstein (1978).
As razes isotpicas de 15N e 13C em juvenis de striped bass (Morone saxatilis) apresentaram uma diferena significativa com a taxa de crescimento entre
indivduos, que pode estar associada mudana na posio trfica (Wainright et al.,
1996). Entre os peixes, foi evidenciado que, quanto maior o tamanho dos indivduos,
maior sua posio trfica (Fry et al., 1999; Vander Zanden et al., 1997).
Adams & Sterner (2000) estudaram o efeito do contedo de nitrognio da
dieta no nvel de enriquecimento trfico, em condies controladas em laboratrio, de
Daphnia magna, alimentadas com Scenedesmus acutus, e que apresentaram
diferentes valores na razo C:N. Demonstraram que h um alto grau de variabilidade
nos valores de 15N do animal, sendo seu fator de fracionamento inversamente relacionado com o contedo de nitrognio do alimento, indo ao encontro dos resultados
obtidos por Post (2002), que apontou que a qualidade do alimento influencia o
fracionamento de 13C em peixes. Vander-Zanden & Rasmussen (2001), conduzindo anlise de grande escala
de fracionamento trfico (diferena entre a presa e o predador) em sistemas aquticos,
encontraram que os carnvoros, alm de terem significativamente maiores valores no
fracionamento trfico de 15N e 13C que os herbvoros, mostraram tambm menor variao. O fracionamento pode ser resultante da discriminao isotpica durante a
assimilao do nitrognio ou das diferenas isotpicas entre o nitrognio do pool
assimilado e no assimilado. O fator metablico pode ser mais importante nos
carnvoros, porque o nitrognio animal mais homogneo bioquimicamente e
dominante nas protenas (principal componente de sua dieta carnvora). Para os
herbvoros, ambos, assimilao e fatores metablicos, podem afetar o fracionamento
trfico. Plantas aquticas podem conter compostos nitrogenados de defesa que no
so rapidamente assimilados, como tambm diferenas isotpicas entre fraes
17
bioqumicas do pool de nitrognio da planta. Tudo isso, associado com a alta
variabilidade no contedo de nitrognio e na eficincia na assimilao, cria potencial
para que o fracionamento trfico do nitrognio seja maior. Outros fatores podem
tambm contribuir, como baixos valores de contedo de nitrognio das plantas e a
dinmica individual dos aminocidos. Enquanto o sinal isotpico do aminocido
essencial pode diferir pouco do da dieta, a sntese de no essenciais pode envolver um
maior fracionamento isotpico (Vander-Zanden & Rasmussen, 2001).
A razo isotpica de 15N e 13C uma importante ferramenta para estimativas de posio trfica e de fluxo de carbono para consumidores em cadeias
alimentares. Entretanto o sinal isotpico do consumidor apenas no suficiente para
inferir a posio trfica ou a fonte de carbono, sem um apropriado isotopic baseline
(linha de base). Essa linha de base isotpica a adoo de um valor de fracionamento
de um consumidor primrio, que apresente menos variao e que represente o valor
de fracionamento bsico para os demais nveis trficos componentes da cadeia
alimentar em estudo. Com base nesse conceito, uma linha de base foi definida por
Post (2002) que utilizou dados de literatura proveniente de vrios ambientes aquticos.
Os resultados mostraram que um valor para o fracionamento mdio de 3,4 1 para
15N e 0,4 1,3 para 13C, em sistemas com mltiplas vias trficas e em um grande nmero de espcies, amplamente aplicvel. As caractersticas apontadas para a
escolha do organismo mais adequado a considerar como isotopic baseline so: 1)
integrar mudanas isotpicas no tempo, numa escala de tempo prxima do
consumidor secundrio de interesse; 2) poder coletar no mesmo perodo de tempo do
consumidor secundrio de interesse e 3) captar a variabilidade espacial que contribui
para o sinal isotpico do consumidor secundrio de interesse (Post, 2002).
2.3.4 Variao nos tecidos A variao na composio isotpica geralmente observada entre tecidos
corporais de uma mesma espcie. O msculo e outros tecidos ricos em protena, de
um modo geral, exibem um valor mais enriquecido de 13C relativo quele do organismo inteiro, e particularmente quele de tecidos rico em lipdios (DeNiro &
Epstein, 1978; Fry & Arnold, 1982; Hobson & Clark, 1992; Hobson et al. 1993; Kline et
al., 1993; Schroeder, 1983; Schmith et al., 1999; Smit, 2001; Tieszen et al., 1983).
18
Schroeder (1983) determinou o 13C do msculo, da escama e da nadadeira de titpia e carpa e observou que os valores de 13C tornaram-se mais negativos da escama para a nadadeira e para o msculo. Porm a grande variabilidade dos valores
de 13C, entre os tecidos das espcies estudadas, inviabilizou a generalizao de uma faixa de variao, ou uma tendncia entre os tecidos dos peixes.
Os efeitos do jejum ou do estresse nutricional causam mudanas
fisiolgicas no animal, que podem influenciar os valores isotpicos dos tecidos. Um
enriquecimento isotpico de nitrognio em tecidos de aves, durante perodo de jejum e
de estresse nutricional, foi verificado. Sob essas condies, a maior proporo de
compostos nitrogenados disponveis para a sntese de protena so derivados do
catabolismo e, assim, esta fonte de nitrognio j enriquecida em 15N, relativamente
dieta, sofre um adicional enriquecimento no pool de nitrognio metablico disponvel
para a sntese. A conseqncia de tal processo um eventual enriquecimento em 15N
em todos os tecidos relativos ao perodo sem estresse nutricional. No foi encontrada
evidncia de que o mesmo ocorra em relao ao carbono (Hobson et al., 1993).
Diferentemente das aves, Doucett et al. (1999) mostraram no haver
mudana nos valores de 15N do msculo branco de salmo Salmo salar, submetido ao jejum durante o perodo de migrao reprodutiva. Os autores atriburam o
enriquecimento em 13C antes depleo de lipdios extracelular que ao enriquecimento no msculo, resultado que vai ao encontro dos obtidos por Focken &
Becker (1998).
Diferentes tecidos podem refletir a composio isotpica de diferentes
constituintes da dieta. A suposio de que a composio isotpica do tecido do
consumidor uma mdia aritmtica da composio isotpica de seus constituintes
dietticos nem sempre verdadeira. Os diferentes componentes da dieta (carboidrato,
lipdios e protenas) so usualmente direcionados para diferentes tecidos, sem ser
homogeneizados e reparticionados, como uma mdia aritmtica da composio
isotpica de seus constituintes dietticos (Ben-David & Schell, 2001). H diferentes
alocaes de nutrientes para diferentes tecidos (Focken & Becker, 1998; Gannes et al.,
1998). Se o animal cataboliza carboidratos e lipdios completamente e usa
aminocidos para a sntese de protena, a composio isotpica de carbono de seu
corpo deveria refletir o valor isotpico da protena da dieta. Por outro lado, se o
19
carbono das fontes de energia diettica (lipdios e carboidratos) e das fontes de
protena so misturados na sntese protica, o valor de 13C da protena animal deveria refletir o total da dieta. O valor isotpico da protena do animal alimentado com dieta
rica em protena parece refletir o valor isotpico da protena da dieta, e no do total da
dieta. A composio isotpica do colgeno e do msculo reflete a protena da dieta.
Em contraste, a composio isotpica dos ossos reflete melhor a composio do total
da dieta. Mesmo a composio isotpica do animal com aparente dieta homognea,
assim como herbvoros, pode grandemente refletir a protena diettica, se o animal
mistura duas dietas com diferentes contedos de protena (Gannes et al., 1998).
Os valores mais empobrecidos dos lipdios em relao s outras fraes
bioqumicas constituintes dos tecidos, podem gerar interpretaes equivocadas, pois
atribudo presena dos lipdios no tecido amostrado um provvel empobrecimento
nos valores isotpicos do tecido animal (Focken & Becker, 1998; Hesslein et al., 1993;
Hobson, 1995; Kline et al., 1993; Rau et al.; 1992).
A influncia dos lipdios pode ser um fator de maior interferncia nos valores
isotpicos quando sua deposio no tecido animal for proveniente de um fator
fisiolgico, isto , quando um maior acmulo de lipdios ocorre independentemente de
uma mudana da dieta (Hobson et al. 1993; Doucett et al. 1999), como pode ser o caso
do animal que se prepara para realizar movimentos migratrios reprodutivos, ou a
produo de gnadas (Kline et al., 1993). Mas, se o teor de lipdios for alterado pela
mudana da dieta, a anlise com os lipdios importante para refletir a dieta ingerida
naquele perodo (Ben-David & Schell, 2001). Por outro lado, a extrao dos lipdios do
tecido original pode levar tambm a uma maior variao na composio isotpica e
dificilmente representaria a dieta ingerida pelo animal (Pinnegar & Polunin, 1999).
2.3.5 Qualidade da dieta Diferenas na assimilao do alimento natural e do artificial por Notemignus
crysoleucas em tanques evidenciaram a influncia da qualidade da dieta na
composio isotpica em peixes. Entre as trs dietas testadas, aquela que menos foi
assimilada pelo peixe foi a dieta baseada em milho, uma planta C4. Apenas 17% do
tecido corporal foi derivado dessa fonte, embora tenha sido administrada diariamente,
sob as mesmas condies das demais. Os peixes alimentados com milho
20
preferencialmente assimilaram o alimento natural disponvel no tanque (Lochmann &
Phillips, 1996).
O emprego do mtodo isotpico na determinao da contribuio relativa
dos diferentes itens alimentares, muitas vezes, assume, como verdadeiro, que a
composio isotpica do tecido animal igual mdia ponderada da composio
isotpica dos constituintes de sua dieta (Gannes et al., 1997). Estes autores apontam
trs razes para que essa condio de validade no seja totalmente satisfeita: 1) os
animais assimilam os componentes da dieta com eficincia variada; 2) os tecidos
animais fracionam os istopos de sua dieta (mudam a razo isotpica) e 3) os animais
alocam os nutrientes da dieta diferencialmente para especficos tecidos.
A interpretao da composio isotpica do tecido animal tambm
complicada pelo fenmeno isotopic routing. Os istopos contidos nos diferentes
componentes da dieta so conduzidos diferencialmente para especficos tecidos e
compartimentos do corpo. Como decorrncia, o tecido freqentemente no reflete a
composio isotpica da dieta como um todo, mas a composio isotpica do nutriente
que compe a dieta, do qual o tecido foi sintetizado. Mesmo que alguns animais
tenham recebido uma dieta homognea, o fracionamento resultante do metabolismo
pode ser diferente entre os seus tecidos, por haver diferentes vias bioqumicas
(Gannes et al., 1997).
O efeito do balano de energia e de protena no destino do esqueleto
carbnico de animais onvoros, carnvoros e talvez alguns herbvoros, pode ser muito
mais bem entendido depois de uma completa interpretao da construo diettica,
usando-se istopos estveis. Em alguns estudos, a maior ingesto de uma dieta de
plantas C3 pode ser atribuda maior digestibilidade delas, mas pode ser tambm
atribuda ao fato de ter havido uma assimilao preferencial do carbono ingerido de
plantas C3, do que sua maior digestibilidade (Gannes et al., 1998).
Dessa forma, indivduos com dieta similar podem exibir diferentes razes
isotpicas, devido variabilidade intrnseca na eficincia de assimilao, de deposio
de nutrientes e de outros processos internos, como o metabolismo de nutrientes. A
condio nutricional do animal (que pode, em parte, depender de prvia dieta, de
balano de energia e protena e de estdio reprodutivo), junto com a composio da
dieta (carboidrato, lipdios e protenas, como tambm composio de aminocidos e
cidos graxos), podem influenciar o destino dos diferentes componentes dietticos.
21
Enquanto um consumidor pode assimilar lipdios e protenas de uma fonte, mas sua
energia deriva de uma outra fonte, o valor isotpico dos seus tecidos pode ser
subestimado em relao ltima. Por outro lado, outros indivduos com diferentes
estados fisiolgicos podem assimilar lipdios e protena de ambas as fontes. Assim,
diferentes componentes da dieta (i.e. carboidrato, lipdios e protenas) so usualmente
direcionados para diferentes tecidos, sem ser homogeneizados e repartidos
eqitativamente. Os resultados isotpicos do tecido adiposo de marta Mustela vison
exemplificam essa afirmao. Eles indicaram que os lipdios de apenas um dos itens
da dieta foram assimilados e depositados no tecido adiposo, representando um caso
especfico de rota isotpica de fontes (Ben-David & Schell, 2001).
Como visto, tanto os estudos laboratoriais como os em ambiente natural
tm indicado que o fracionamento isotpico do carbono no constante, mas depende
da qualidade nutricional da dieta (Post, 2002; Smit, 2001). Um modelo conceitual foi
desenvolvido, para explicar a possvel relao entre o fracionamento isotpico e a
qualidade do alimento, por Fantle et al. (1999). De acordo com o modelo, caranguejos
com rpido crescimento se alimentam com fonte de alimento nutricionalmente provida
de ambos, energia e metablicos ativos, e de aminocidos para a biossntese de novos
tecidos. Como a maior quantidade de C da dieta incorporada no tecido, o 13C do novo tecido sintetizado foi similar ao do alimento ingerido. Em contraste, um lento
crescimento individual, sustentado por uma dieta pobre em protena, levaria a um
maior fracionamento de C e a um valor de 13C mais pesado que de sua dieta. Isso porque a baixa qualidade da fonte de alimento no proveria energia suficiente para
sustentar as necessidades metablicas bsicas, e as protenas e os lipdios do estoque
do caranguejo seriam catabolizados, para prover o seu requerimento energtico.
A importncia e a necessidade de mais investigaes laboratoriais acerca
da dinmica de incorporao de C e de N nos peixes, a partir do mtodo isotpico
inquestionvel. Elas possibilitaro determinar contribuies relativas de determinada
fonte na composio dos peixes, e at mesmo dos seus diferentes tecidos,
relacionando fontes, suas qualidades e suas quantidades.
22
2.3.6 Turnover isotpico Os istopos estveis em animais adultos, submetidos a mudanas da fonte
alimentar, tendem a refletir a nova dieta; entretanto, com a considervel variabilidade,
improvvel que mudanas na dieta, num perodo de curto tempo, sejam refletidas no
tecido animal (Jackson & Harkness, 1987; Smit, 2001). Os valores isotpicos dos
tecidos so prximos, ou refletem, o valor da dieta, quando decorrido um tempo
mnimo para sua integralizao. Valores isotpicos mensurados dentro desse perodo
esto sujeitos aos efeitos da isotopic memory (Hesslein et al., 1993).
O perodo de tempo para a mensurao do valor isotpico, sem o efeito da
isotopic memory, depender, em parte, da taxa de movimentao do tecido animal. A
taxa dependente do metabolismo especfico e este, por sua vez, do aporte dos
nutrientes assimilados durante o processo alimentar (Hobson & Clark, 1992).
A taxa de movimentao ou reposio conhecida como turnover. O
turnover isotpico definido como a mudana isotpica, devida ao crescimento e ao
repasse metablico aos tecidos, associados com a mudana na dieta. Sua
determinao importante para o entendimento da relao temporal entre o sinal
isotpico do predador e aquele da sua presa. Alguns perodos de tempo podem ser
requeridos para o predador refletir o valor isotpico de uma nova presa. O turnover
isotpico mximo definido como a mudana em 100% nos valores isotpicos do
animal, em resposta mudana de uma dieta original para uma nova (MacAvoy et al.,
2001).
Fry & Arnold (1982) estudaram a taxa de turnover de 13C em camares. O
turnover do carbono estrutural dessa espcie foi rigorosamente devido ao aumento em
peso durante o crescimento, e no decorrncia do tempo. A maior taxa de reposio
foi obtida depois de aumentado em quatro vezes o peso inicial, quando o valor de 13C do camaro foi mais enriquecido, aproximadamente em 1, com a nova dieta. Para os
animais adultos, com baixa taxa de crescimento, o turnover foi relacionado mais com o
metabolismo de mantena que com o crescimento. Um rpido ou lento turnover pode
ser caracterstico do crescimento animal (interespecfico), ou dos tecidos individuais
(intraespecfico), como o caso da gordura de inverno de alguns animais, que so
rapidamente reutilizados na manuteno de outros tecidos.
Seguindo essa linha de pesquisa aplicada, Tieszen et al. (1983) estudaram
o fracionamento e o turnover de istopos de carbono em tecidos de aves. Os
23
resultados mostraram que os tecidos com maior atividade metablica, como o fgado e
a gordura, tiveram um turnover mais rpido que os tecidos de menor atividade
metablica, como a pena. A meia vida do carbono (tempo estimado para o repasse de
50 % do carbono original para o novo no tecido) variou de 6,4 dias, no fgado, para
47,5 dias, na pena. Portanto diferentes tecidos repassam carbono em diferentes taxas,
sendo o turnover dos tecidos decrescente na seguinte ordem: fgado > gordura >
msculo > crebro > pena. Baseados nesses resultados, os autores sugerem que,
quando possvel, as anlises de dieta, por meio de valores de 13C, no devem basear-se na anlise de um nico tecido. O fracionamento apresenta diferentes valores, em
funo do repasse do carbono da dieta para os tecidos, e o relativamente rpido
turnover de alguns tecidos pode obscurecer a relativa importncia de dois
componentes da dieta isotopicamente distintos, se a dieta animal variar atravs do
tempo. Os estudos de dieta animal deveriam ser realizados por uma anlise mltipla,
envolvendo mais de uma origem de amostra, como amostra do tecido sseo, do
colgeno (indicador de dieta mais antiga, lento turnover), das fezes ou do contedo
estomacal (indicador de dieta recente).
Peixes da espcie Coregounus nasus foram confinados, pelo perodo de um
ano, com dietas de distintas fontes isotpicas. A mudana nos valores isotpicos do
msculo e do fgado foi atribuda acumulao de tecidos com o crescimento. O
repasse metablico expresso como turnover foi apenas de 0,1 0,2% d-1, e semelhante
para os dois tecidos analisados (Hesslein et al., 1993). Esses autores concluram que
uma completa mudana na composio isotpica dos tecidos dos peixes, em resposta
mudana da dieta, deve refletir diretamente a taxa de crescimento. Se o peixe tem
crescimento rpido, a mudana na composio isotpica dos tecidos, em resposta
nova dieta, ser mais rpida e determinada pela adio de novos tecidos. O tempo
para que a composio isotpica dos peixes de lento crescimento entre em equilbrio
com a nova dieta pode ser de alguns anos.
O turnover isotpico do bagre azul, Ictalurus furcatus, foi determinado em
laboratrio por um perodo de 84 dias. Os valores de 13C e 15N do sangue e do msculo foram enriquecidos em relao dieta 1,5 e 1,3, respectivamente. O valor
isotpico da nova dieta seria repassado 100%, aps um perodo de 400 e 450 dias,
para o sangue e o msculo, respectivamente. Fatores que contriburam para um lento
24
turnover isotpico do bagre azul foram, primeiro, o lento metabolismo de
poiquilotermos e, segundo, a sua lenta taxa de crescimento (MacAvoy et al., 2001).
A mudana de 15N no tecido muscular de Rhinogobius sp em crescimento foi monitorada por um perodo de um ano, no ambiente natural. O nitrognio foi
repassado numa taxa de reposio metablico de 5 a 20% ao ms. Aproximadamente
80% da mudana no 15N foram atribudos ao crescimento, e no mudana da dieta. Os resultados confirmaram que o crescimento o fator dominante e responsvel pela
mudana isotpica no msculo de peixe em crescimento (Maruyama et al., 2001).
A investigao das mudanas alimentares de uma espcie de mexilho,
Mysis relicta, sugeriu que as mudanas na dieta so mais rapidamente refletidas no
15N, que no 13C. O turnover do C parece ser muito mais lento, se comparado ao de N (Johannsson et al., 2001).
3 SAZONALIDADE ALIMENTAR E FONTES DE ENERGIA DO TAMBAQUI (Colossoma macropomum) DETERMINADAS POR ISTOPOS ESTVEIS E POR CONTEDO ESTOMACAL
RESUMO
O ciclo anual de inundaes da Bacia Amaznica condiciona sazonalidade
alimentar da ictiofauna da regio. As tcnicas de anlise de contedo estomacal e de
istopos estveis foram combinadas para investigar a sazonalidade alimentar e as
fontes de energia do tambaqui (Colossoma macropomum), capturados no lago do
Camaleo, Amaznia Central. O tamanho dos indivduos, o teor de lipdios, o fator de
fracionamento e a memria isotpica foram discutidos para interpretar as variaes na
composio isotpica dos peixes. O grau de repleo estomacal e a importncia
relativa dos itens alimentares variaram significativamente com o nvel de gua. As
plantas C3 foram responsveis por 55 a 95% da frao biomassa do tambaqui,
enquanto o zooplncton contribuiu com um mnimo de 26% da frao de nitrognio, na
cheia e com um mximo de 67%, na seca. Gramneas C4 foram responsveis pela
menor contribuio, com o mximo de 26% na frao biomassa e de 13% na frao N,
durante o perodo de enchente. O hbito alimentar do tambaqui complexo e depende
do pulso de cheias e vazantes. Desse modo, tanto a interveno no ciclo hidrolgico
dos rios da Amaznia como a alterao na paisagem de suas vrzeas, tero
conseqncias negativas para a manuteno dos estoques dessa espcie.
26
DEFINITION OF ALIMENTARY SEASONAL VARIATION AND SOURCES OF ENERGY OF TAMBAQUI (Colossoma macropomum) BY THE USE OF STABLE ISOTOPES AND STOMACH CONTENT ANALISIS TECHNIQUES
SUMMARY
The annual flooding cycles of the Amazon Basin conditions alimentary
seasonality of its ichthyic fauna. Stomach content analysis and stable isotopes
techniques were combined to investigate the alimentary seasonal variation of energy
sources of the fish tambaqui (Colossoma macropomum) from lake Camaleo, Central
Amazon. Individual size, lipid contents, fractionation factor and isotopic memory were
discussed to interpret the variations in the fish isotopic composition. The degree of
stomach repletion and the relative importance of the alimentary items varied
significantly with the water level. The C3 plants were responsible for 55 to 95% of the
biomass fraction of the tambaqui, while zooplankton contributed with a minimum of 26%
of the nitrogen fraction during floodings, and a maximum of 67% in the dry seasons. C4
grasses were responsible for the smallest contribution, with the maximum of 26% of the
biomass and 13% of the N during flooding. Feeding habit and alimentary behavior of
tambaqui are complex and depend on the flooding pulse. Therefore, not only
interventions in the hydrological cycle of the rivers of the Amazon Basin, but also
alterations in the landscape of their meadows, can be disastrous for the survival of the
species.
27
3.1 INTRODUO
As vrzeas do rio Amazonas provem hbitat e abrigo para algumas
espcies de peixes (Arajo-Lima & Goulding 1998; Goulding & Carvalho, 1982; Lowe-
McConnel, 1987; Soares et al., 1986; Zuanon, 1990). Durante o perodo de inundao,
os peixes tm acesso a vrias fontes de alimento da floresta alagada frutas,
sementes, folhas e a macro e a microfaunas associadas. Durante a estao seca, os
lagos de vrzea ficam isolados da floresta e o fitoplncton, perifiton, zooplncton,
macrfitas aquticas e os macroinvertebrados tornam-se fontes importantes de
carbono e de nitrognio (Junk et al., 1997; Saint-Paul et al., 2000). Essa elevada inter-
relao entre os ambientes aqutico e terrestre disponibiliza uma grande variedade de
itens alimentares e promove um alto nvel de onivoria (Santos & Ferreira, 1999).
Entre os vrios grupos favorecidos pela riqueza das reas de vrzea, o
tambaqui (Colossoma macropomum) uma das espcies de peixe comercial mais
importante na regio. Estudos baseados em anlise de contedo estomacal
demonstram, que durante o perodo de inundao, frutas e sementes de florestas
inundadas so a principal fonte de alimento do tambaqui. Por outro lado, zooplncton
especialmente importante durante o perodo de secas (Carvalho, 1981; Gottsberger,
1978; Goulding & Carvalho, 1982; Honda, 1974; Saint-Paul, 1984; Silva et al., 2000).
O mtodo de istopos estveis, utilizando o carbono, foi usado por Arajo-
Lima et al. (1998) e Forsberg et al. (1993), para complementar os estudos sobre dieta
de tambaqui. Obtiveram-se resultados similares aos dos estudos baseados em
contedo estomacal, em que frutos e sementes de plantas C3 (60 65 %) e
zooplncton (30 35 %) foram as principais fontes de carbono. Porm no foi
detectada qualquer diferena sazonal significativa na composio de istopos estveis
de carbono desses peixes. Por outro lado, Benedito-Ceclio et al. (2000) analisaram a
composio isotpica de carbono de 10 indivduos coletados na estao seca e de 7
indivduos coletados durante inundao ao longo dos rios Solimes e Amazonas, e
concluram que as fontes de carbono do tambaqui diferem sazonalmente. As algas, a
partir do zooplncton, e no as plantas C3, foram a principal fonte de carbono para o
tambaqui, especialmente durante o perodo de seca, contribuindo com o mximo de
87 %, seguidos das macrfitas C4 (22 %). As plantas C3 s foram importantes durante
o perodo de cheia (38 %).
28
Estes resultados foram baseados em um nmero relativamente pequeno de
indivduos, coletados numa grande rea. A grande variabilidade encontrada para as
razes isotpicas dos animais e de suas fontes sugere que o tamanho da amostra e as
variaes individual, temporal e espacial so fatores importantes a considerar, para
detectar pequenas alteraes de dieta ou a sazonalidade alimentar (Fry et al., 1999;
Harvey et al., 2002; Johannsson et al., 2001; Overman & Parrish, 2001; Post, 2002;
Smit, 2001). Devido grande importncia ecolgica e comercial do tambaqui, a
estimativa mais precisa da contribuio relativa de cada fonte alimentar potencial e de
sua importncia sazonal torna-se essencial para o efetivo e responsvel manejo
ambiental.
Nos ltimos anos, o uso do mtodo isotpico em investigaes da dieta
animal tem avanado e modelos matemticos, envolvendo mais de um istopo, podem
estimar os valores percentuais da contribuio das principais fontes na dieta animal
(Ben-David et al., 1997; Kline et al., 1993; Phillips, 2001; Phillips & Gregg, 2001;
Phillips & Koch, 2002). Contudo a complexidade que envolve a ecologia alimentar de
uma espcie exige o uso, em conjunto, da metodologia isotpica e de outros mtodos
tradicionais para melhor esclarecer as interaes trficas. A anlise do contedo
estomacal, em conjunto com a anlise de composio isotpica, possibilitam uma
investigao mais completa do que ingerido e realmente assimilado nos tecidos
(Post, 2002).
Este estudo teve como objetivo investigar a sazonalidade alimentar do
tambaqui, numa rea de vrzea do rio Amazonas, combinando o mtodo de anlise do
contedo estomacal e de istopos estveis de carbono e de nitrognio. Foram
determinadas as composies isotpicas desses elementos em amostras de tecido e
de material encontrado no contedo estomacal de tambaquis jovens, coletados no lago
de Camaleo, durante um ciclo anual, alm de em amostras de itens alimentares
representativos. Tambm foi examinado como e se a importncia relativa das
principais fontes de alimento da espcie variam sazonalmente com o nvel das guas,
usando-se o concentration-weighted linear mixing model, que, alm das propores de
biomassas, fornece informaes sobre contribuies elementares de cada fonte
diettica.
29
3.2 MATERIAL E MTODOS
3.2.1 rea de estudo e coletas Os peixes foram coletados no lago de Camaleo (Figura 1), Ilha de
Marchantaria, rio Solimes (315 ' 12 '' S e 5957'37 '' W), um lago de vrzea com 7 km
de comprimento, 11 m de profundidade e 500 m de largura, quando inundado; 2,5 m
de profundidade e 100 m de largura quando isolado do rio (Darwich, 1995). um lago
caracterstico da Amaznia Central. A variao anual do nvel das guas do rio
Solimes aproximadamente 10 m. A gua comea a subir em janeiro, e alcana o
mximo do final de junho ao comeo de julho. O nvel mais baixo da gua acontece
entre o final de novembro e o comeo de dezembro. Do final de outubro ao comeo de
janeiro, o lago Camaleo permanece hidrologicamente isolado do rio Solimes.
Um total de 201 peixes jovens, com comprimento padro variando de 8 a 38
cm, mdia de 23,2 6,6 cm, foram capturados entre maio de 1999 e julho de 2001. As
pescarias foram mensais e efetuadas com redes de emalhar de 25 m de comprimento
por 2 m de altura, malhas com 30 a 200 mm entre ns e expostas durante um perodo
de 24 horas, com despescas em intervalos de 6 horas. Os peixes foram agrupados de
acordo com o nvel da gua nas quais foram capturados. Foram capturados 31 peixes
durante a enchente (maro a maio); 32 peixes na cheia (junho e julho); 96 peixes na
vazante (outubro e novembro), e 42 na seca (dezembro a fevereiro). Aps a coleta, os
peixes foram refrigerados, transportados para o laboratrio, pesados e medidos com
preciso de 0,1 g e 0,1 cm, respectivamente. Foram removidos os estmagos dos
peixes, para posterior anlise de contedo estomacal, e retiradas 160 amostras para a
composio isotpica do material ingerido. O peixe inteiro, exceto o intestino, foi modo
cuidadosamente. Assim, cada amostra de peixe foi composta de msculo, pele, osso e
escama. Cinqenta e uma amostras de itens alimentares do tambaqui foram tambm
coletadas nos mesmos locais onde foram capturados os peixes, por meio de diferentes
equ