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 Isótopos estáveis de C e de N como indicadores qualitativo e quantitativo da dieta do tambaqui (Colossoma macropomum) da Amazônia Central ANA CRISTINA BELARMINO DE OLIVEIRA Tese apresentada ao Centro de Energia Nuclear na Agricultura, Universidade de São Paulo, para a obtenção de título de Doutor em Ciências, Área de Concentração: Energia Nuclear na Agricultura. PIRACICABA Estado de São Paulo – Brasil Novembro – 2003

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  • Istopos estveis de C e de N como indicadores qualitativo e quantitativo da dieta do tambaqui (Colossoma macropomum)

    da Amaznia Central

    ANA CRISTINA BELARMINO DE OLIVEIRA Tese apresentada ao Centro de Energia

    Nuclear na Agricultura, Universidade de So

    Paulo, para a obteno de ttulo de Doutor em

    Cincias, rea de Concentrao: Energia

    Nuclear na Agricultura.

    PIRACICABA Estado de So Paulo Brasil

    Novembro 2003

  • Istopos estveis de C e de N como indicadores qualitativo e quantitativo da dieta do tambaqui (Colossoma macropomum)

    da Amaznia Central

    ANA CRISTINA BELARMINO DE OLIVEIRA Engenheira de Pesca

    Orientador: Prof. Dr. LUIZ ANTONIO MARTINELLI Tese apresentada ao Centro de Energia

    Nuclear na Agricultura, Universidade de So

    Paulo, para a obteno de ttulo de Doutor em

    Cincias, rea de Concentrao: Energia

    Nuclear na Agricultura.

    PIRACICABA Estado de So Paulo Brasil

    Novembro - 2003

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Seo Tcnica de Biblioteca - CENA/USP

    Oliveira, Ana Cristina Belarmino de Istopos estveis de C e de N como indicadores qualitativo e

    quantitativo da dieta do tambaqui (Colossoma macropomum) da Amaznia Central / Ana Cristina Belarmino de Oliveira. - - Piracicaba, 2003. 86p. : il.

    Tese (doutorado) - - Centro de Energia Nuclear na Agricultura,

    2003. 1. Carbono 2. Dieta animal 3. Hbito alimentar animal 4. Nitrognio 5. Peixes tropicais 6 Vrzeas I. Ttulo

    CDU 504:639.3.043

  • A minha me, irms e irmos pela educao, confiana e estmulos constantes em todos

    os momentos da minha vida e aos meus amores, Raimundo, Camila e Joo Vicente pelo apoio, carinho e dedicao

    em todos esses anos que estamos juntos

    Ao meu pai Joo Francisco de Oliveira (in memorian) As pessoas entram e saem de nossas vidas;

    mas elas no vo ss, sempre levam um pouco de ns e deixam um pouco de si...

    Voc, porm, levou muito de ns e deixou tudo de si...

    DEDICO

  • AGRADECIMENTOS

    Ao Prof. Dr. Luiz Antonio Martinelli, pela orientao segura, confiana,

    amizade, e pela ajuda em alguns momentos difceis durante a realizao deste

    trabalho, meu AGRADECIMENTO ESPECIAL;

    Aos Profs. Dr. Marcelo Zacharias Moreira e Dr. Jos Eurico Possebon Cyrino,

    na co-orientao, no empenho incansvel para o sucesso deste trabalho, alm da

    valiosa amizade;

    A pesquisadora do INPA, Dra. Maria Gerclia Mota Soares, coordenadora do

    projeto que originou este trabalho pelo apoio irrestrito e insentivo em todas as fases da

    pesquisa;

    Aos pesquisadores do Laboratrio de Ecologia Isotpica do CENA-USP, bem

    como de todo o grupo liderado pelo Prof. Dr. Reynaldo L. Victoria de reconhecida

    excelncia em estudos de Biogeoqumica e Ecologia Isotpica;

    Universidade Federal do Amazonas - UFAM, pela minha liberao, apoio

    financeiro, institucional e concesso de bolsa PICDT/CAPES para a realizao deste

    trabalho, em especial a todos os colegas do Departamento de Cincias Pesqueiras -

    DEPESCA;

    Ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia INPA e ao Instituto Max-

    Planck de Limnologia/Grupo de trabalho de ecologia tropical, pelo apoio, institucional e

    logstico que possibilitaram as coletas no campo;

    Finaciadora de Estudos e Projetos FINEP/Ministrio da Cincia e

    Tecnologia (PPG7-PPD), pela concesso de recursos financeiros ao projeto que

    originou este trabalho;

    Fundao de Amparo a Pesquisa do Estado de So Paulo FAPESP, pela

    concesso de recursos financeiros ao projeto que originou este trabalho;

  • v

    Aos funcionrios do Laboratrio de Ecologia Isotpica do CENA-USP: Neusa

    Maria Augusti, Maria Antonia Z. Perez, Jos A. Bonassi, Geraldo de Arruda Jr., Edmar

    Antonio Mazzi, Fabiana C. Fracassi, e estagirios;

    s funcionrias do CENA da Seo de Ps-graduao Neuda F. Oliveira,

    Maria Regina S. Rodrigues, Cludia M. F. Correa e Alzira F. Ado;

    s bibliotecrias do CENA, Marlia R. G. Henyei, Raquel C. T. Carvalho e

    Cleide A. Ferraz;

    Ao corpo docente e tcnico do Curso de Ps-Graduao do CENA, e ESALQ

    da Universidade de So Paulo pela oportunidade de realizar este curso e em especial

    ao Prof. Dr. Silvio Sandoval Zocchi, Departamento de Cincias Exatas pelo auxlio na

    anlise estatstica, alm da Profa. Dra. Marlia Oetterer do Laboratrio de Agroindstria

    pelas anlises qumicas;

    Aos funcionrios do Setor de Piscicultura, Ismael Baldessin Jnior e Srgio

    Pena pela ajuda na montagem da estrutura e na conduo dos experimentos, alm dos

    ps-graduandos e estagirios;

    Aos estagirios bolsistas do CNPq/PIBIC da UFAM e INPA, Kedma Cristine

    Yamamoto, Andra L. Ribeiro, Srgio F. Neto, Afrnio.Csar S. Pereira, Aprgio M.

    Morais e tantos outros que auxiliaram nas coletas e no preparo de amostras e em

    especial Ana Rita S. Silva pelo valioso apoio logstico e organizao das

    excursses;

    pesquisadora da EMBRAPA Pantanal Dbora Fernandes Calheiros, pelas

    valiosas crticas e sugestes neste trabalho e por dividir comigo as dvidas, erros e

    acertos durante o curso e a amiga Dra. Andra C. Belm pela ajuda no manejo

    sanitrio dos peixes;

    Aos amigos e colegas ps-graduandos do CENA e ESALQ, pelo

    companheirismo, troca de experincias que em muito contribuiu para o sucesso deste

    trabalho;

    Aos meus familiares, marido e filhos, me, irms e irmos pela pacincia,

    carinho, confiana e apoio decisivos neste perodo;

    E finalmente um agradecimento sincero a todas as demais pessoas que, direta

    ou indiretamente contriburam para a realizao deste trabalho.

  • SUMRIO

    Pgina

    LISTA DE FIGURAS ............................................................................................. ix

    LISTA DE TABELAS ............................................................................................. xi

    RESUMO............................................................................................................... xii

    SUMMARY ............................................................................................................ xiv

    1 INTRODUO ................................................................................................... 1

    2 REVISO DE LITERATURA .............................................................................. 4

    2.1 Tambaqui e sua alimentao .......................................................................... 4

    2.2. Istopos estveis e sua aplicao em estudos alimentares........................... 5

    2.2.1 Metodologia isotpica................................................................................... 5

    2.2.2 Determinao da dieta atravs de 13C e 15N ............................................ 8 2.2.3 Utilizao do mtodo isotpico em estudos alimentares na

    Amrica do Sul ...................................................................................................... 9

    2.2.3.1 Ecologia alimentar ..................................................................................... 9

    2.2.3.2 Fontes de carbono do tambaqui................................................................ 12

    2.3 Causas de variao da razo isotpica........................................................... 13

    2.3.1 Variao individual ....................................................................................... 13

    2.3.2 Variao com o tamanho dos indivduos...................................................... 14

    2.3.3 Variao no fracionamento isotpico ........................................................... 15

    2.3.4 Variao nos tecidos .................................................................................... 17

    2.3.5 Qualidade da dieta ....................................................................................... 19

    2.3.6 Turnover isotpico........................................................................................ 22

    3 SAZONALIDADE ALIMENTAR E FONTES DE ENERGIA DE

    TAMBAQUI (Colossoma macropomum) DETERMINADAS POR

    ISTOPOS ESTVEIS E POR CONTEDO ESTOMACAL ................................ 25

  • vii

    RESUMO............................................................................................................... 25

    SUMMARY ............................................................................................................ 26

    3.1 INTRODUO ................................................................................................ 27

    3.2 MATERIAL E MTODOS................................................................................ 29

    3.2.1 rea de estudo e coletas.............................................................................. 29

    3.2.2 Anlise da dieta............................................................................................ 30

    3.2.3 Anlise isotpica .......................................................................................... 31

    3.2.4 Determinao da contribuio das fontes alimentares ................................ 32

    3.2.5 Anlise estatstica ....................................................................................... 33

    3.3 RESULTADOS ............................................................................................... 33

    3.3.1 Atividade alimentar ....................................................................................... 33

    3.3.2 Valores de 13C e 15N das fontes de energia ............................................. 36 3.3.3 Valores de 13C e 15N do tambaqui............................................................. 37 3.3.4 Fontes de energia do tambaqui estimada pelos istopos ........................... 38

    3.4 DISCUSSO ................................................................................................... 41

    3.4.1 Possveis interferncias na interpretao das razes

    isotpicas .............................................................................................................. 41

    3.4.2 A importncia do ciclo hidrolgico na dieta do tambaqui ............................. 44

    3.5 CONCLUSES ............................................................................................... 47

    4 DINMICA DE INCORPORAO DE CARBONO E DE

    NITROGNIO EM ALEVINOS DE TAMBAQUI (Colossoma

    macropomum) COM BASE NA COMPOSIO ISOTPICA............................... 48

    RESUMO............................................................................................................... 48

    SUMMARY ............................................................................................................ 49

    4.1 INTRODUO ................................................................................................ 50

    4.2 MATERIAL E MTODOS................................................................................ 52

    4.2.1 Ensaios experimentais ................................................................................. 52

    4.2.2 Anlise isotpica .......................................................................................... 54

    4.2.3 Determinao do turnover isotpico............................................................. 54

    4.2.4 Estatstica dos dados ................................................................................... 56

    4.3 RESULTADOS ............................................................................................... 57

    4.3.1 Taxa de crescimento .................................................................................... 57

  • viii

    4.3.2 Variao de 13C e 15N nos tecidos ........................................................... 57 4.3.2.1 Dieta C3 ..................................................................................................... 59

    4.3.2.2 Dieta C4 ..................................................................................................... 59

    4.3.3 Turnover isotpico........................................................................................ 60

    4.3.3.1 Dieta C3 ..................................................................................................... 60

    4.3.3.2 Dieta C4 ..................................................................................................... 60

    4.4 DISCUSSO ................................................................................................... 65

    4.4.1 Dieta C3 vs C4 e variao de 13C e 15N ..................................................... 65 4.4.2 Turnover isotpico de C3 e C4 ...................................................................... 68

    4.4.2.1 Dieta C3 ..................................................................................................... 68

    4.4.2.2 Dieta C4 ..................................................................................................... 70

    4.5 CONCLUSES ............................................................................................... 71

    5 CONCLUSES FINAIS...................................................................................... 72

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS...................................................................... 74

  • LISTA DE FIGURAS Pgina

    1 Localizao do lago Camaleo, Ilha da Marchantaria, Amaznia

    Central. Falsa composio colorida (5, 4, 3). Landsat 7, sensor

    ETM+, janeiro de 2002. ...................................................................................... 30

    2 Nmero relativo de estmagos de tambaqui (Colossoma

    macropomum) agrupados em quatro categorias de grau de

    repleo. ............................................................................................................. 34

    3 ndice Alimentar (IAi) para os principais itens alimentares identificados no estmago de tambaqui (Colossoma

    macropomum) nos perodos de enchente, cheia, vazante e seca. .................... 35

    4 Relao entre os valores de 13C e 15N ( E.P.) dos tecidos de tambaqui (Colossoma macropomum) na enchente (EM); cheia

    (CH); vazante (VZ) e seca (SC), seca e as fontes alimentares do

    lago Camaleo.................................................................................................... 37

    5 Contribuio fracional de biomassa (A), carbono (B) e nitrognio

    (C) para tambaqui (Colossoma macropomum) nos perodos de

    enchente, cheia, vazante e seca. ....................................................................... 40

    6 Relao entre os valores de 13C do tecido e material encontrado no estmago de tambaqui (Colossoma macropomum) do lago

    Camaleo. Cada ponto representa a mdia mensal. ......................................... 43

    7 Curvas de crescimento de alevinos de tambaqui (Colossoma

    macropomum) alimentados com dietas C3 e C4 por 60 dias

    (mdias de 4 repeties). ................................................................................... .... 57

    8 Variabilidade temporal de valores de 13C do msculo, fgado, escama e gordura visceral de alevinos de tambaqui alimentados

  • x

    com dieta C3 (mdias entre 4 repeties). Dados ajustados com

    equao exponencial negativa (P

  • xi

    LISTA DE TABELAS Pgina

    1 Frequncia de ocorrncia relativa (Fo) dos itens alimentares

    identificados nos estmagos de tambaquis (Colossoma

    macropomum)................................................................................................... 35

    2 Valores mdios de 13C e 15N ( E.P.) de tecido e material encontrado no estmago de tambaqui (Colossoma

    macropomum) e fracionamento isotpico (tecido- estmago). ................................ 38 3 Valores mdios de 13C e 15N de end-member ( E.P.) e

    carbono e nitrognio elementar (%) de tambaqui (Colossoma

    macropomum)................................................................................................... 39

    4 Composio percentual nutricional, centesimal e isotpica das

    dietas experimentais......................................................................................... 53

    5 Valores de 13C e fracionamento isotpico (13C) nos tecidos de tambaqui (C. macropomum) aps 60 dias experimentais ................................ 58

    6 Valores de 15N e fracionamento isotpico (15N) nos tecidos de tambaqui (C. macropomum) aps 60 dias experimentais ................................ 58

  • Istopos estveis de C e de N como indicadores qualitativo e quantitativo da dieta de tambaqui (Colossoma macropomum) da Amaznia Central

    Autora: ANA CRISTINA BELARMINO DE OLIVEIRA

    Orientador: Prof. Dr. LUIZ ANTONIO MARTINELLI

    RESUMO

    As reas alagadas dos rios de gua branca da Bacia Amaznica vrzeas

    so responsveis por mais de 90% da captura total de peixes. O ciclo anual de

    inundaes provoca variaes qualitativas e quantitativas na dieta, influenciando

    diretamente a condio nutricional dos organismos que habitam essas guas, como o

    tambaqui (Colossoma macropomum), um peixe de vrzea, de importncia econmica

    para a regio amaznica, mas que tem apresentado decrscimo em sua captura nos

    ltimos anos. Este trabalho teve como objetivo determinar a importncia quantitativa e

    qualitativa das principais fontes de energia do tambaqui do lago Camaleo, Amaznia

    Central, durante um ciclo hidrolgico, utilizando ambos os mtodos de anlise, de

    contedo estomacal e de composio isotpica, e investigar a dinmica de

    incorporao de carbono e de nitrognio nos tecidos dos peixes. O grau de repleo

    estomacal e a importncia relativa dos itens alimentares variaram com o nvel de gua,

    enquanto os istopos estveis de C e N mostraram a importncia das plantas de via

    fotossinttica C3 e C4, e da macro e microfauna acompanhante, na dieta do tambaqui,

    e do zooplncton, principal provedor de N para a espcie. O padro de incorporao

    de C e N alimentar em tambaqui foi diferente para as dietas C3 e C4. Diferenas nos

    valores nutricionais entre as dietas e a taxa de crescimento influenciaram a dinmica

    de incorporao de C e N. A velocidade de reposio do C e N foi relacionada

    diretamente com a qualidade da fonte e da funcionalidade do tecido. O tempo mnimo

    para a substituio de 99% do sinal isotpico da dieta C3 no msculo dos alevinos foi

  • xiii

    85 dias. A combinao dos dois mtodos mostra a complexidade do hbito alimentar

    do tambaqui e sua dependncia do pulso de inundao. Tanto a interveno no ciclo

    hidrolgico dos rios da Amaznia, como a alterao na paisagem de suas vrzeas,

    podem ser desastrosas para a sobrevivncia da espcie.

  • Stable isotopes C and N as indicators of qualitative and quantitative dietary variations of tambaqui (Colossoma macropomum) in Central Amazonian

    Author: ANA CRISTINA BELARMINO DE OLIVEIRA

    Adviser: Prof. Dr. LUIZ ANTONIO MARTINELLI SUMMARY

    The flooded areas of white-water rivers of the Amazon Basin vrzeas

    are responsible for more than 90% of the total capture fisheries in the region. The

    annual flooding cycle elicits qualitative and quantitative variations of fish natural diet,

    with direct influence nutritional condition of several fish species, such as the tambaqui

    (Colossoma macropomum), an economically important amazonian food fish which

    dwells in the vrzea, and has presented decreasing capture potential over the last

    decade. This work aims to determine how the hydrological cycle influences, both

    quantitatively and qualitatively, alimentary seasonality of the main energy sources for

    tambaqui at lake Camaleo, Central Amazon, through the analysis of stomach contents

    and isotopic composition of food items, and the incorporation dynamics of alimentary

    carbon and nitrogen in different fish tissues. Stomach repletion degree and relative

    importance of the alimentary items varied with the water level, while stable C and N

    isotopes showed the relative dietary importance of either C3 or C4 photosynthetic-

    pathway plants, and their accompanying macro fauna for tambaqui, and the

    zooplankton, the main supplier of N to the species. The pattern of incorporation of

    alimentary C and N in tambaqui differed for C3 and C4 diets. Differences in the

    nutritional values of diets and the growth rate influenced the incorporation dynamics of

    C and N. The velocity of substitution of alimentary C and N was directly related to the

    quality of the source and to the functionality of the body tissue. The minimum time for

  • xv

    substitution of 99% of the isotopic sign of the C3 diet in muscle tissue of fingerling

    tambaqui was 85 days. The combination of the two analysis methodologies revealed

    how complex are the feeding habit and alimentary behavior of the tambaqui, and how

    much it depends on the flood pulse. Both the intervention in the hydrological cycle of

    the Amazonian rivers and the alteration in the landscape of their vrzeas, can be

    disastrous for the survival of the species.

  • 1 INTRODUO

    Entre os diferentes ambientes da bacia Amaznica, as reas alagadas dos

    rios de gua branca, as vrzeas, so as mais produtivas (Bayley & Petrere, 1989). Mais

    de 90% da captura total de peixes (Junk, 1984) provm dessas reas, que atingem cerca

    de 105.000 km2 (Bayley & Moreira, 1980; Petrere, 1982). A grande importncia das

    vrzeas est relacionada variao sazonal do nvel da gua, 10 m a 15 m na Amaznia

    Central, com perodos bem definidos de cheia e de seca . Esse ciclo anual de inundao

    de fundamental importncia para os organismos, o balano de nutrientes, a cadeia

    alimentar e o ciclo de energia (Junk, 1984).

    A crescente ocupao humana tem provocado o desmatamento das

    florestas alagveis, alterando as condies ecolgicas e comprometendo a

    biodiversidade de plantas e animais, da qual destacamos a ictiofauna dos lagos de

    vrzea. Grande complexidade pode ser encontrada entre as espcies que habitam as

    reas alagadas, onde variveis importantes para a coexistncia das espcies so

    desconhecidas. A sazonalidade do nvel da gua provoca variaes qualitativa e

    quantitativa na dieta, influenciando diretamente na condio nutricional dos indivduos.

    Tais reas so consideradas criatrios naturais de peixes de importncia

    econmica para a regio amaznica, como o tambaqui (Colossoma macropomum). Um

    considervel decrscimo nos registros de desembarques pesqueiros dessa espcie e,

    por outro lado, um significativo aumento de sua produo em confinamento nas ltimas

    dcadas (Batista, 1998; IBAMA, 2000) exigem esforos para gerar mais informaes

    que subsidiem tanto o manejo ecolgico como o de cultivo em tempo cada vez menor.

    Embora vrios estudos, abordando aspectos de sua auto-ecologia, tenham

    definido seu hbito alimentar onvoro (Honda, 1974, Goulding & Carvalho, 1982, Silva

    et al., 2000), muito pouco se pde conhecer sobre a nutrio do tambaqui. Os

    resultados obtidos com o mtodo de anlise de contedo estomacal refletem apenas a

  • 2

    dieta aparente, ingerida pelo animal, e no a que foi efetivamente incorporada aos

    tecidos. Portanto, por meio unicamente deste mtodo, difcil inferir com exatido

    quais e quanto das fontes alimentares disponveis no seu habitat so importantes para

    a manuteno dos estoques da espcie.

    A razo entre os istopos estveis de alguns elementos possibilita traar os

    fluxos desses elementos na cadeia alimentar, at a sua deposio no tecido animal.

    Este mtodo vem sendo empregado extensivamente em estudos de ecologia alimentar

    (Ben-David et al., 1997; Fry et al., 1999; Guiguer et al., 2001; Harvey & Kitchell, 2000;

    Kline et al., 1993; Post, 2002; Smit, 2001).

    As fontes autotrficas de energia para o tambaqui adulto foram investigadas

    atravs de tcnicas isotpicas (Forsberg et al., 1993; Arajo-Lima et al., 1998;

    Benedito-Cecilio et al., 2000). Resultados baseados na composio isotpica de

    carbono de um nmero relativamente pequeno de indivduos, coletados numa grande

    rea, com uma alta variabilidade, permitiram inferir que frutos e sementes da floresta

    inundada e zooplncton dos lagos de vrzeas so importantes fontes alimentares

    (Arajo-Lima et al., 1998; Forsberg et al., 1993), mas a contribuio relativa de cada

    item alimentar, bem como sua importncia sazonal, ainda no foram claramente

    estabelecidas (Benedito-Cecilio et al., 2000).

    Resultados obtidos para a espcie apenas com o carbono e um pequeno

    nmero de amostragem podem conduzir a interpretaes equivocadas da contribuio

    das diferentes fontes alimentares. Em adio, os peixes onvoros mudam

    constantemente sua dieta, o que implica grande faixa de variao nos valores

    isotpicos. A utilizao simultnea dos istopos de C e N amplia a aplicao da tcnica

    isotpica e reduz consideravelmente a complexidade que as variaes sazonais e

    individuais poderiam sugerir. Enquanto os valores de carbono refletem mais

    claramente as variaes espaciais, os valores isotpicos do nitrognio refletem um

    padro sazonal (Harvey & Kitchell, 2000; Johannsson et al., 2001; Overman & Parrish,

    2001).

    A consistncia e a confiabilidade dos resultados isotpicos, quando da

    indicao da dieta dos peixes, no curto e no longo prazos, pode ser alcanada com a

    combinao do mtodo isotpico com a anlise de contedo estomacal. Tal

    combinao de mtodos pode elucidar melhor complexas relaes, para as quais o

    uso de um ou de outro mtodo sozinho no seria suficiente, removendo parte da

  • 3

    subjetividade normalmente encontrada, quando se avalia o papel das fontes potenciais

    (Ben-David et al., 1997; Guiguer et al., 2002; Johannsson et al., 2001; Persson &

    Hansson, 1998).

    Vrias lacunas persistem e dificultam a explicao dos atuais resultados de

    fontes de energia do tambaqui. preciso muito mais que identificar as principais fontes

    na natureza e as implicaes decorrentes do ciclo anual de inundao. necessrio

    conhecer melhor alguns aspectos nutricionais relacionados ao regime alimentar da

    espcie, como diferenas na utilizao das fontes e qualidade e quantidade dos

    nutrientes incorporados aos tecidos.

    Dentro dessa perspectiva, a hiptese de que a importncia das fontes de

    energia do tambaqui varia, acarretando diferenas na incorporao de carbono e de

    nitrognio, decorrentes da disponibilidade e do valor nutritivo das fontes, com o ciclo

    hidrolgico, foi investigada. Para tanto, este trabalho teve como objetivo determinar

    quantitativa e qualitativamente a importncia das principais fontes de energia do

    tambaqui do lago Camaleo, num ciclo hidrolgico, por meio de ambos os mtodos,

    anlise de contedo estomacal e composio isotpica de carbono e de nitrognio,

    bem como a dinmica de incorporao desses elementos aos diferentes tecidos.

  • 2 REVISO DE LITERATURA

    2.1 Tambaqui e sua alimentao Dentre as espcies nativas da regio amaznica, o tambaqui (Colossoma

    macropomum) uma das mais apreciadas e de alto valor econmico. o segundo

    maior peixe de escama nas guas sul-americanas, podendo alcanar mais de 1m de

    comprimento total e 30 kg. Habita os rios, lagos de vrzeas e a floresta periodicamente

    inundada (Araujo-Lima & Goulding, 1998).

    At os anos 80, representava cerca de 42% do total dos peixes

    desembarcados no mercado de Manaus (Merona & Bittencourt, 1988), tendo reduzido

    a sua participao em 1998 para 5,4% (Batista, 1998). O decrscimo nos

    desembarques de tambaqui nos ltimos anos indica provvel sobrepesca (Isaac &

    Rufino, 1996).

    Apresenta excelentes qualidades zootcnicas e facilidade de manejo (Graef,

    1995), sendo considerada uma espcie nativa de grande potencial para produo, na

    Amrica Latina (Saint-Paul, 1991; Araujo-Lima & Goulding, 1998). Atualmente, j

    apresenta uma significativa produo em confinamento. responsvel por 73,5% do

    pescado cultivado no Estado do Amazonas, por 30% na regio Norte e por 11,5% na

    produo nacional (IBAMA, 2000).

    A maioria dos estudos de ecologia alimentar realizados com essa espcie

    identifica os principais itens alimentares consumidos na natureza atravs de anlise de

    contedo estomacal (Ayres, 1993; Carvalho, 1981; Gosttsberger, 1978; Goulding &

    Carvalho, 1982; Graef, 1995; Honda, 1974; Roubach, 1991; Smith, 1979; Saint-Paul,

    1986; Soares et al., 1986; Saldaa & Lopez, 1988; Silva, 1997; Silva et al., 2000; Tello

    et al., 1992; Ziburski, 1990). uma espcie de hbito alimentar onvoro, com trato

    digestivo caracterstico de uma alimentao diversificada. Apresenta dentio

    modificada para o aproveitamento de frutos e sementes e um eficiente aparelho

  • 5

    filtrador para a captura de zooplncton. Nos perodos de enchente-cheia, os frutos e as

    sementes so os itens alimentares mais consumidos, predominando uma alimentao

    rica em carboidratos e lipdios, com elevado teor energtico. No perodo de vazante-

    seca, apesar de corresponder tambm ao perodo de menor consumo, o zooplncton

    funciona como principal alimento, o que caracteriza uma dieta rica em protenas (Silva

    et al., 2000).

    Vrios experimentos de nutrio com tambaqui foram realizados na

    tentativa de se determinar uma dieta eficiente e que atenda a suas exigncias

    nutricionais (Andrade & Oliveira, 1998; Arbelez-Rojas et al., 2002; Eckmann, 1987;

    Graef, 1995; Macedo, 1979; Mori, 1993; Oliveira et al., 1998; Prez, 1995; Roubach,

    1991; Roubach & Saint-Paul, 1993; Saint-Paul, 1986, 1990, 1991; Silva, 1997; Van der

    Meer et al., 1996). No entanto pouco pde ser concludo sobre sua nutrio e seu

    metabolismo. Os resultados at aqui gerados no so suficientes para o entendimento

    de sua nutrio, e muito poucos tm aplicao direta na produo em cativeiro que

    satisfaa aos critrios de quantidade e de qualidade.

    2.2 Istopos estveis e sua aplicao em estudos alimentares 2.2.1 Metodologia isotpica

    Nos ltimos 30 anos, esta metodologia vem sendo utilizada em estudos

    ecolgicos, com bastante sucesso. Alm da determinao das fontes alimentares, a

    tcnica de istopos estveis pode prover uma contnua mensurao da posio trfica

    que integra a assimilao de energia ou o fluxo de massa atravs de todas as

    diferentes vias trficas de um organismo (Post, 2002).

    A utilizao deste mtodo baseia-se na premissa de que a razo isotpica,

    a proporo entre o istopo mais pesado e o mais leve, varia de uma forma previsvel,

    conforme o elemento cicla na natureza. A cada transformao fsica, qumica e

    biolgica por que passa a matria orgnica, ocorre uma discriminao entre os seus

    istopos, possibilitando sua utilizao como traadores naturais (Boutton, 1991). Dessa

    forma, o animal, ao ingerir e assimilar um determinado alimento, reflete-o no sinal

    isotpico de seus tecidos. A determinao da composio isotpica do tecido animal e

    suas provveis fontes fornece informaes quantitativas sobre as contribuies

    relativas de cada uma dessas fontes (DeNiro & Epstein, 1978).

  • 6

    Os istopos dos elementos leves, como o carbono e o nitrognio, so os

    mais usados em estudos ambientais. A razo isotpica da matria orgnica

    mensurada atravs de espectrmetro de massa, que mede a razo entre o istopo

    pesado e o leve de uma amostra, em comparao a um padro. O padro para o

    carbono o PDB, um fssil de Belemnitella americana da formao Peedee da

    Carolina do Sul (EUA) e, para o nitrognio, o N2 atmosfrico (Lajtha & Marshall, 1994).

    As razes isotpicas so expressas pela notao delta (), com unidade por mil (), que mede a diferena entre a razo na amostra e no produto, podendo ser positiva ou

    negativa.

    Uma das condies bsicas para o uso dos istopos estveis, como

    metodologia em estudos alimentares, que as fontes que compem a dieta do animal

    em questo tenham sinais isotpicos distintos. Nos ecossistemas aquticos, as plantas

    aquticas e, direta ou indiretamente, as terrestres so as fontes primrias de energia

    utilizadas pelos animais (Boutton, 1991; Forsberg et al., 1993).

    As plantas so bem caracterizadas isotopicamente, de acordo com a via

    fotossinttica de assimilao do carbono (C3, C4 e CAM), devido s diferenas no

    fracionamento durante a difuso, a dissoluo e a carboxilao do CO2 atmosfrico

    (Lajtha & Marshall, 1994). As plantas C3 reduzem o CO2 para fosfoglicerato, um

    composto de trs carbonos, atravs da enzima RuBP carboxilase. Tal enzima

    discrimina o 13CO2, resultando em valores de 13C relativamente mais leves (mais negativos), entre 32 e 20, com mdia de 27. As plantas C4 reduzem o CO2 a

    cido asprtico ou cido mlico, ambos compostos com quatro carbonos, atravs da

    enzima PEP carboxilase. Tal enzima no discrimina o 13C como a RuBP carboxilase.

    Dessa forma, plantas C4 tm valores de 13C relativamente mais pesados (mais positivos). Tais valores variam entre 17 e 9, com mdia de 12. As plantas

    CAM, por sua vez, apresentam valores intermedirios entre as duas anteriores

    (Boutton, 1991).

    O fitoplncton, embora de metabolismo semelhante as das plantas de via

    fotossinttica C3, so produtores primrios mais empobrecidos. Enquanto as outras

    plantas C3 utilizam o CO2 atmosfrico (8) como substrato, o fitoplncton utiliza

    preferencialmente o CID (carbono inorgnico dissolvido). Em lagos e rios, o 13C do CID varia consideravelmente (prximo de 15), sendo reflexo de ambas as fontes,

  • 7

    CO2 atmosfrico e CO2 da respirao dissolvidos, alm do bicarbonato e carbonato

    proveniente do intemperismo das rochas (Boutton, 1991; Hershey & Peterson, 1996).

    Valores isotpicos para fitoplncton em gua doce so principalmente dependentes da

    origem da forma inorgnica de carbono fixado. Cada ecossistema aqutico tem sua

    prpria caracterstica fsico-qumica, que determina a concentrao relativa e absoluta

    das espcies inorgnicas carbonatadas (Martinelli et al., 1988). O fitoplncton a fonte

    de carbono mais negativa nos lagos de vrzea da regio amaznica, variando entre

    40 a 30, com mdia de 33. responsvel por at 60% do COP (Carbono Orgnico

    Particulado) e pela sua composio isotpica (Arajo-Lima et al., 1986; Forsberg et al.,

    1993). Nas reas alagadas do rio Orinoco, pode alcanar valores mdios mais

    negativos, prximos a 38 (Hamilton et al.,1992).

    A consolidao do uso deste mtodo nos estudos de dieta e de fluxo de

    energia nos ecossistemas foi efetuada a partir de estudos laboratoriais. Animais

    mantidos em laboratrio, com dietas de sinal isotpico conhecido, apresentaram o 13C do tecido mais pesado que a respectiva dieta, variando entre 0,6 e 2,7, com mdia

    de 0,8 1,1. A diferena entre o sinal isotpico do tecido animal e o de sua dieta,

    designada como fracionamento isotpico, resultante dos processos decorrentes

    durante a digesto, a absoro, a assimilao e a excreo dos nutrientes (DeNiro &

    Epstein, 1978). Contudo a complexidade na interpretao dos valores isotpicos de

    carbono nas investigaes sobre possveis fontes alimentares sugere a necessidade

    de complementao com outros istopos, como hidrognio, nitrognio ou enxofre (Fry

    & Sherr, 1984).

    A investigao da influncia da dieta na distribuio de istopos de

    nitrognio em animais evidenciou que o valor de 15N do animal, como de seus tecidos e fraes bioqumicas, tambm varia com o 15N da dieta. Estudos realizados por Minagawa & Wada (1984) mostram o enriquecimento de 15N na cadeia alimentar, com

    15N dos consumidores sendo isotopicamente mais pesado que a respectiva dieta de 1,3 a 5,3 e o valor mdio para cada transferncia trfica de 3,4 1,1.

    As fontes autctones e alctones dos ambientes aquticos podem

    freqentemente diferir seus valores de 15N. A utilizao simultnea dos dois istopos de C e N amplia a aplicao do mtodo isotpico nos estudos de ecologia alimentar em

  • 8

    ambientes aquticos, nos quais os peixes ocupam os nveis mais elevados da cadeia

    alimentar (DeNiro & Epstein, 1981; Fry & Sherr, 1984; Fry, 1991; France, 1995).

    2.2.2 Determinao da dieta atravs de 13C e 15N Os resultados da determinao das dietas, atravs dos istopos estveis,

    comparados com os do mtodo tradicional de anlise de contedo estomacal,

    demonstram que a anlise isotpica na determinao da dieta animal mais exata que

    a anlise estomacal, pois pode ocorrer uma digesto diferenciada dos diversos tipos de

    alimentos que, porventura, o animal tenha ingerido, e que o mtodo tradicional no

    pode evidenciar (Fry et al., 1978). Diferentemente do mtodo tradicional, os istopos

    estveis de um animal refletem a sua histria alimentar porque o carbono em um

    animal acumulado via dieta, durante sua vida (Fry et al., 1999).

    Contudo os peixes, grupo animal muito diversificado, apresenta espcies

    com hbitos alimentares e metabolismo energticos distintos. Essa grande

    complexidade e diversidade exigem geralmente uma interpretao mais precisa das

    relaes trficas estabelecidas em cada sistema. A aplicabilidade da anlise de

    istopos estveis do tecido de peixes, para determinar a dieta, tem sido avaliada e as

    concluses apontam para o fato de que, devido grande variao encontrada nos

    valores isotpicos, a anlise isotpica dos tecidos do consumidor e de sua presa no

    pode substituir os mtodos tradicionais de determinao de dieta, mas pode fornecer

    informaes complementares, removendo parte da subjetividade normalmente

    encontrada, quando se avalia o papel das fontes potencias (Ben-David et al., 1997;

    Persson & Hansson, 1999; Smit, 2001).

    Muitos so os modelos empregados para estimar a contribuio das fontes

    consumidas pelo animal em seu ambiente natural. De modelos simples, usando

    apenas um istopo (Fry & Sherr, 1984), a modelos onde se admitem tantos istopos

    quantos forem necessrios para determinar as diferentes fontes (Ben-David et al.,

    1997; Kline et al., 1993; Phillips, 2001; Phillips & Koch, 2002).

    A possvel diferena na qualidade nutricional entre as fontes pode gerar

    erros na interpretao de modelos que consideram igual a assimilao entre as

    diversas fontes. A diferena na concentrao elementar, entre fontes de origem vegetal e

    animal, na dieta de consumidor onvoro pode reduzir a proporo da fonte animal e

    aumentar o componente vegetal, quando as fontes so consideradas iguais em suas

  • 9

    concentraes elementares. Phillips & Koch (2002) ampliaram o linear mixing model,

    incluindo como fonte de variao, alm das diferenas no sinal isotpico entre as

    fontes, a concentrao dos elementos dos istopos empregados. Embora no

    contemple a maioria dos fatores de variao possveis para a estimativa das

    propores das diferentes fontes alimentares no tecido animal, pelo menos esse

    mtodo mais completo, ao incorporar o desvio-padro das mdias das fontes e dos

    consumidores e a propoo de C e de N das respectivas fontes. Ou seja, avana no

    sentido de que um parmetro de comparao da qualidade entre as fontes seja

    contemplado. O modelo denominado de concentration-weighted linear mixing model

    assume implicitamente que, para cada elemento, a contribuio de uma fonte de alimento

    para o consumidor proporcional ao produto da biomassa assimilada pela concentrao

    elementar nessa fonte. A importncia deste modelo sua aplicabilidade para determinar,

    mais precisamente, a contribuio das fontes alimentares, principalmente em espcies

    onvoras, que consomem tanto fontes de origem animal como vegetal, com considervel

    diferena nas concentraes elementares de C e de N. Para a utilizao e o clculo deste

    modelo, os autores disponibilizam planilhas no site

    http://www.epa.gov/wed/pages/models.htm.

    Na verdade, segundo Ben-David & Schell (2001), os resultados obtidos

    pelos diversos modelos tm sua importncia nas investigaes no ambiente natural,

    quando interpretados mais como um ndice, do que uma correta estimativa das

    propores da dieta. J para Robbins et al. (2002), h, ainda, a necessidade de mais

    estudos para que os modelos possam contemplar as relaes entre composio da

    dieta, vias metablicas dos consumidores e dados isotpicos associados.

    2.2.3 Utilizao do mtodo isotpico em estudos alimentares na Amrica do Sul 2.2.3.1 Ecologia alimentar

    As razes isotpicas de carbono e de nitrognio em auttrofos,

    invertebrados e peixes da vrzea do rio Orinoco revelaram que microalgas, incluindo

    fitoplncton e formas epifticas, so as fontes predominantes de energia para muitos

    animais aquticos. As algas apresentaram importncia trfica, em contraposio

    tradicional interpretao de que as cadeias alimentares de sistemas de reas alagadas

  • 10

    eram baseadas em detritos originrios das plantas vasculares principalmente C4 (Hamilton et al., 1992).

    O regime alimentar de peixes detritvoros do rio Jacar Pepira (bacia do rio

    Paran), investigado por ambos os mtodos, contedo estomacal e istopos estveis,

    evidenciou a inexistncia de variao sazonal, mas de variao espacial na

    alimentao dos peixes ao longo do rio. As plantas C4 no apresentaram importncia

    ou influncia na dieta desses peixes (Vaz et al., 1999).

    A influncia da inundao anual na dieta e na composio isotpica dos

    peixes do lago Coqueiro no Pantanal foi tambm estudada, combinando-se anlise

    isotpica e de contedo estomacal (Wantzen et al., 2002). Os valores de 13C e 15N indicaram uma cadeia alimentar com 3 a 4 nveis trficos. A ampla sobreposio dos

    valores de nitrognio sugeriu que os organismos funcionam mais num contnuo nvel

    trfico do que em distintos nveis. A cadeia alimentar desse ambiente foi baseada

    principalmente em carbono de origem C3. Entretanto peixes capazes de alimentar-se

    de invertebrados terrestres, como o Brycon microlepis, apresentaram 13 a 30% do

    carbono de plantas C4, durante o perodo de cheia. Os valores de 13C e 15N apresentaram mudanas sazonais altamente significativas para alguns grupos

    alimentares. As mudanas isotpicas dos peixes entre os perodos hidrolgicos foram

    mais acentuadas nas espcies menos especializadas, os onvoros. As espcies mais

    especializadas, herbvoras e detritvoras, foram mais influenciadas pelas mudanas na

    razo isotpica de carbono da dieta, afetada pelos processos biogeoqumicos, assim

    como respirao e metanognese. Mudanas isotpicas dos peixes, neste estudo,

    representam um gradiente sazonal, associado com mudanas de habitat, devido

    inundao peridica. Isso indicou que mudanas trficas e background ocorrem em

    lagos de vrzeas tropicais, de acordo com a variao sazonal do nvel da gua

    (Wantzen et al., 2002).

    Com base na determinao isotpica de 13C, foram realizados estudos sobre a ecologia trfica da ictiofauna da regio amaznica, apontando como fonte

    primria de energia, para espcies detritvoras, o fitoplncton/COP, enquanto os

    mtodos tradicionais sugeriam as gramneas C4, de grande abundncia. Nesse mesmo

    trabalho, os autores no puderam precisar a fonte primria de energia dos peixes

    siluriformes, em razo da grande faixa de variao apresentada por esses peixes.

  • 11

    Provavelmente mais de duas fontes estavam envolvidas, contudo, nem fitoplncton,

    nem macrfitas C4 mostraram-se como as fontes de energia para essas espcies

    (Arajo-Lima et al., 1986).

    A fonte primria de carbono para 34 espcies de peixes da regio

    amaznica foi estimada por Forsberg et al. (1993). A principal fonte para essas

    espcies foi proveniente das plantas C3, como um grupo (rvores da floresta alagada,

    macrfitas C3, perifiton e fitoplncton), responsveis em mdia, por 82% a 98%, do

    carbono dos adultos. Por outro lado, as plantas C4 foram consideradas importantes

    fontes de carbono para as larvas de peixes (acima de 42%), o que em parte decorre da

    cadeia alimentar microbiana, com substrato no detrito das gramneas C4 (Forsberg et

    al., 1995). Os autores sugerem que, para se obter um completo entendimento da

    produtividade dos peixes, necessrio investigar as mudanas na estrutura e na

    dinmica da cadeia alimentar que ocorrem durante o completo ciclo de vida de cada

    espcie.

    As fontes autotrficas de energia para juvenis de jaraqui, Semaprochilodus

    insignis, e curimat, Prochilodus nigricans, da Amaznia Central, tambm foram as

    algas fitoplanctnicas e perifticas. Embora as plantas C4 no sejam a maior fonte de

    energia para os alevinos, contribuem significativamente na fase inicial do crescimento

    (Fernandez, 1993). A curimat, P. nigricans, mostrou variao espacial na sua

    composio isotpica de 36,6 a 26,6 (Arajo-Lima et al., 1997).

    As fontes primrias de energia em artrpodos semi-aquticos e terrestres,

    das vrzeas da regio amaznica, foram tambm determinadas pela tcnica isotpica.

    Duas espcies de insetos semi-aquticos obtiveram seu carbono de fontes C4 e duas

    espcies de fontes C3. Os artrpodos terrestres utilizam distintamente fontes C3 e C4,

    porm indivduos imaturos usaram ambas as fontes e diferiram das fontes dos adultos

    (Adis & Victoria, 2001).

    Para camares em lagos de vrzea, a principal fonte de carbono foram as

    plantas C3, com no mnimo de 85,3%, embora tenha havido variao significativa nos

    valores isotpicos das trs espcies de camares estudadas, em decorrncia dos

    fatores local, poca de coleta e tamanho (Padovani, 1992).

    Os resultados da estimativa das fontes de energia, de larvas de oito

    espcies de peixes da vrzea amaznica, indicaram que muitas larvas em alguns

    estgios so herbvoras ou carnvoras primrias, e que a cadeia trfica que suporta a

  • 12

    produo larval pequena. A energia fixada pelas plantas passada quase

    diretamente para as larvas dos peixes, sem completar o ciclo alimentar microbial da

    cadeia. A principal fonte de energia das larvas foram as plantas C3, embora a

    contribuio das gramneas C4 seja importante para algumas espcies. Algas

    microscpicas, planctnicas ou epfitas so provavelmente as principais plantas C3 que

    suportam a produo larval dos peixes (Leite et al., 2002).

    A variao na composio isotpica de jaraqui (S. insignis) indicou que o

    carbono produzido no sistema de guas pretas contribui para o estoque dessa espcie,

    capturada nos sistemas de rios de guas brancas, demonstrando que as populaes

    de jaraqui da Amaznia Central so mais integradas do que se previa anteriormente

    (Benedito-Cecilio & Arajo-Lima, 2002).

    2.2.3.2 Fontes de carbono do tambaqui Com base na composio isotpica, exemplares de tambaqui adultos,

    provenientes de vrias localidades da Amaznia, apresentaram, como principal fonte

    autotrfica de energia, os frutos e as sementes das plantas C3, que compem a floresta

    alagada (Forsberg et al., 1993). Tambm foi estimada a contribuio mdia dos

    principais itens alimentares na composio isotpica do carbono de exemplares

    adultos. Cerca de 60% da alimentao foi constituda de frutos e sementes, 30% de

    zooplncton e 10% de gramneas C4 (Araujo-Lima et al., 1998).

    Benedito-Cecilio et al. (2000) evidenciaram variao na contribuio relativa

    das fontes do tambaqui, de acordo com os perodos de cheia e de seca e com sua

    distribuio espacial ao longo dos rio Solimes e Amazonas. Para indivduos

    capturados na regio do baixo rio Solimes (Amazonas), durante o perodo de cheia,

    esses autores obtiveram o valor mdio de 13C de 30. Os mesmos autores estimaram, baseando-se na composio isotpica do carbono, que as principais fontes

    de carbono para essa espcie seriam: plantas do tipo fotossinttico C3 (38%), plantas

    do tipo fotossinttico C4 (10%) e do fitoplncton (52%), este calculado indiretamente

    atravs da ingesto de zooplncton. No perodo de seca, os autores identificaram uma

    variao ao longo do canal principal dos rios, com os peixes tornando-se

    isotopicamente mais pesados rio abaixo. Nesse perodo, as contribuies das diversas

    fontes foram estimadas como de 34% a 24% para C3; 58% a 87% para fitoplncton e

    38% a 9% para C4.

  • 13

    No entanto cuidados na interpretao da ecologia alimentar do tambaqui,

    por meio de anlise isotpica, devem ser tomados, pois esses estudos foram

    realizados com base em um nico traador isotpico, o carbono, apenas com

    indivduos adultos, representantes de uma ampla distribuio geogrfica (do alto ao

    baixo Amazonas) e com uma amostragem relativamente pequena (menos que 20

    indivduos). Por conseguinte os resultados apresentam uma grande variao nos

    valores de 13C, alm de apontarem diferentes percentuais de contribuio das fontes primrias de energia. Segundo Harvey et al. (2002), a grande variabilidade encontrada

    para razes isotpicas entre os animais e suas fontes sugere que o tamanho da

    amostragem importante para detectar pequenas alteraes de dieta, ou sazonalidade

    alimentar.

    2.3 Causas de variao da razo isotpica Para a melhor interpretao dos resultados obtidos pela tcnica de istopos

    estveis, em estudos alimentares, devem ser consideradas as possveis causas de

    variao na razo isotpica do animal. So apontadas como as principais causas: a

    variao individual, o tamanho dos indivduos, o fracionamento isotpico, os tipos de

    tecido analisados, qualidade da dieta e o turnover isotpico ou taxa de reposio (Fry

    et al., 1999; Johannsson et al., 2001; Overman & Parrish, 2001; Post, 2002; Smit,

    2001).

    Independentemente do padro individual, a composio isotpica animal

    varia consistentemente de acordo com a sazonalidade e os locais onde os animais

    exploram suas fontes (Fry & Arnold, 1982; Hesslein et al., 1993; Smith et al., 1996). Os

    valores de 15N refletem mais claramente um padro sazonal, enquanto os valores de 13C, as variaes espaciais, o padro migratrio e o monitoramento do uso de habitats (Harvey & Kitchell, 2000; Johannsson et al., 2001; Overman & Parrish, 2001).

    2.3.1 Variao individual

    H uma variao significativa na razo isotpica de cada individuo, seja

    planta, seja animal, que pode ser maior que aquelas exibidas entre diferentes

    organismos. Essa grande variabilidade intraespecfica pode reduzir a preciso do

    mtodo isotpico na determinao de fontes alimentares (Post, 2002; Smit, 2001). O

  • 14

    padro observado da razo de istopos estveis, em nvel de individuo, pode ser

    resultado da interao entre processos ecolgicos, fisiolgicos e bioqumicos (Gannes

    et al., 1997).

    A amplitude de variao de fracionamento de C, para indivduos de uma

    mesma espcie, alimentada com a mesma dieta em laboratrio, pode oscilar entre 0,2

    a 1,8. Tal variao pode ser atribuda a uma perda mais rpida de 12CO2, em relao

    ao 13CO2, durante a respirao (DeNiro & Epstein, 1978). Fry et al. (1999) estudaram a

    posio trfica e a histria alimentar dos peixes do lago Okeechobee, com istopos

    estveis. Nos 500 indivduos de 29 espcies analisadas, o nvel trfico variou de 2

    (herbvoros) para 4,3 (carnvoros de segundo nvel). Houve uma grande diferena

    isotpica (1 - 5) entre indivduos em quase todas as espcies de peixes examinadas.

    Valores isotpicos entre indivduos, acima dessa faixa de variao, foram atribudos s

    diferenas na dieta para indivduos de uma mesma espcie.

    A especificidade metablica e nutricional entre os indivduos pode contribuir

    tambm para aumentar a variao das razes isotpicas nos animais. Indivduos com

    dieta similar podem exibir diferentes razes isotpicas, devido intrnseca variabilidade

    na eficincia de assimilao, na incorporao de nutrientes e em outros processos

    internos do metabolismo dos nutrientes. O estatus nutricional do animal, junto com a

    composio da dieta, podem influenciar o destino dos diferentes componentes

    dietticos nos tecidos (Ben-David & Schell, 2001).

    2.3.2 Variao com o tamanho dos indivduos As diferenas nas composies isotpicas entre organismos so tambm

    resultantes de diferenas ontogenticas, durante a vida do organismo, sendo o

    tamanho um importante fator de variao nos animais. Uma relao positiva entre

    enriquecimento isotpico e tamanho dos peixes foi observada para os valores de 13C e 15N (Beaudoin et al., 1999; Gu et al., 1996; Kwak & Zedler, 1997; Minagawa & Wada, 1984).

    A relao entre valor isotpico e idade pode ser obscurecida para aquelas

    espcies que mudam a dieta durante o seu ciclo de desenvolvimento. Guiguer et al.

    (2002) observaram um contnuo enriquecimento em 13C com a idade dos peixes. Tal enriquecimento foi tpico de uma mudana ontognica diettica. Os indivduos menores

  • 15

    apresentaram tendncias para valores mais empobrecidos em 13C, em relao aos maiores, provavelmente por terem mais acesso a diferentes fontes que a anlise de

    contedo estomacal no indicou. Um enriquecimento mdio em 13C de 3,4, entre indivduos pequenos e grandes, muito elevado para ser considerado como resultante

    de uma relao predador e presa entre as duas classes de tamanho. O efeito do

    tamanho parece ter sido mais determinante para a variao dos valores de 13C entre os indivduos.

    Os resultados de istopos de nitrognio so particularmente importantes

    para a anlise trfica de espcies de vida longa; ignorar a idade resultaria numa

    interpretao equivocada. Em Stizostedion vitreum, foi observada uma contribuio da

    idade de 81% para a variao dos valores de 15N. A variao na dieta no foi suficiente para explicar o aumento de 3,9 nos valores de 15N dos adultos. Os resultados mostraram que um aumento de, pelo menos um nvel trfico de diferena na

    dieta deveria existir entre os indivduos jovens e os mais velhos. Um fator de

    correlao especfico necessrio para calcular a taxa de acumulao de 15N com a idade, ou ento a interpretao da dieta baseada em istopos deveria ser limitada para

    indivduos de mesma idade (Kurle & Worthy, 2001; Overman & Parrish, 2001).

    2.3.3 Variao no fracionamento isotpico Os estudos de ecologia alimentar que utilizam o mtodo isotpico

    assumem, como constante, o fracionamento isotpico ou trfico, a diferena entre a

    fonte alimentar e seu consumidor. Os valores apontados por DeNiro & Epstein (1978) e

    Minagawa & Wada (1984) so amplamente aceitos e confirmados para um grande

    nmero de animais de diferentes espcies (Fry & Sherr, 1984; Hesslein et al., 1993;

    Hobson, 1995; Johannsson et al., 2001; Schroeder, 1983). A grande diversidade de

    hbito e de comportamento alimentar entre os peixes exerce significante efeito no valor

    do fracionamento trfico, ou na amplitude de sua variao. Vrios fatores podem ser

    apontados: sazonalidade, hbito alimentar, estado nutricional do consumidor, tamanho

    e idade, ontogenia da dieta, intrnseca variabilidade da resposta fisiolgica do animal,

    eficincia alimentar, tipo de tecido amostrado, qualidade da dieta e taxa metablica de

    turnover (Ben-David & Schell, 2001; Hobson & Clark, 1992; Hobson & Welch 1995;

    Hobson et al., 1996; Harvey et al., 2002; Kline et al., 1993; Kurle & Worthy, 2001;

  • 16

    Minagawa & Wada, 1984; Overman & Parrish, 2001; Post, 2002; Smit, 2001; Tieszen et

    al., 1983).

    Focken & Becker (1998) determinaram o fracionamento metablico de

    istopos estveis de carbono de duas espcies de peixes (carpa e tilpia) em cativeiro.

    Encontraram uma grande variao, interespecfica e intraespecfica, nos valores de

    13C e o fracionamento de 13C foi maior do que aqueles apontados por DeNiro & Epstein (1978).

    As razes isotpicas de 15N e 13C em juvenis de striped bass (Morone saxatilis) apresentaram uma diferena significativa com a taxa de crescimento entre

    indivduos, que pode estar associada mudana na posio trfica (Wainright et al.,

    1996). Entre os peixes, foi evidenciado que, quanto maior o tamanho dos indivduos,

    maior sua posio trfica (Fry et al., 1999; Vander Zanden et al., 1997).

    Adams & Sterner (2000) estudaram o efeito do contedo de nitrognio da

    dieta no nvel de enriquecimento trfico, em condies controladas em laboratrio, de

    Daphnia magna, alimentadas com Scenedesmus acutus, e que apresentaram

    diferentes valores na razo C:N. Demonstraram que h um alto grau de variabilidade

    nos valores de 15N do animal, sendo seu fator de fracionamento inversamente relacionado com o contedo de nitrognio do alimento, indo ao encontro dos resultados

    obtidos por Post (2002), que apontou que a qualidade do alimento influencia o

    fracionamento de 13C em peixes. Vander-Zanden & Rasmussen (2001), conduzindo anlise de grande escala

    de fracionamento trfico (diferena entre a presa e o predador) em sistemas aquticos,

    encontraram que os carnvoros, alm de terem significativamente maiores valores no

    fracionamento trfico de 15N e 13C que os herbvoros, mostraram tambm menor variao. O fracionamento pode ser resultante da discriminao isotpica durante a

    assimilao do nitrognio ou das diferenas isotpicas entre o nitrognio do pool

    assimilado e no assimilado. O fator metablico pode ser mais importante nos

    carnvoros, porque o nitrognio animal mais homogneo bioquimicamente e

    dominante nas protenas (principal componente de sua dieta carnvora). Para os

    herbvoros, ambos, assimilao e fatores metablicos, podem afetar o fracionamento

    trfico. Plantas aquticas podem conter compostos nitrogenados de defesa que no

    so rapidamente assimilados, como tambm diferenas isotpicas entre fraes

  • 17

    bioqumicas do pool de nitrognio da planta. Tudo isso, associado com a alta

    variabilidade no contedo de nitrognio e na eficincia na assimilao, cria potencial

    para que o fracionamento trfico do nitrognio seja maior. Outros fatores podem

    tambm contribuir, como baixos valores de contedo de nitrognio das plantas e a

    dinmica individual dos aminocidos. Enquanto o sinal isotpico do aminocido

    essencial pode diferir pouco do da dieta, a sntese de no essenciais pode envolver um

    maior fracionamento isotpico (Vander-Zanden & Rasmussen, 2001).

    A razo isotpica de 15N e 13C uma importante ferramenta para estimativas de posio trfica e de fluxo de carbono para consumidores em cadeias

    alimentares. Entretanto o sinal isotpico do consumidor apenas no suficiente para

    inferir a posio trfica ou a fonte de carbono, sem um apropriado isotopic baseline

    (linha de base). Essa linha de base isotpica a adoo de um valor de fracionamento

    de um consumidor primrio, que apresente menos variao e que represente o valor

    de fracionamento bsico para os demais nveis trficos componentes da cadeia

    alimentar em estudo. Com base nesse conceito, uma linha de base foi definida por

    Post (2002) que utilizou dados de literatura proveniente de vrios ambientes aquticos.

    Os resultados mostraram que um valor para o fracionamento mdio de 3,4 1 para

    15N e 0,4 1,3 para 13C, em sistemas com mltiplas vias trficas e em um grande nmero de espcies, amplamente aplicvel. As caractersticas apontadas para a

    escolha do organismo mais adequado a considerar como isotopic baseline so: 1)

    integrar mudanas isotpicas no tempo, numa escala de tempo prxima do

    consumidor secundrio de interesse; 2) poder coletar no mesmo perodo de tempo do

    consumidor secundrio de interesse e 3) captar a variabilidade espacial que contribui

    para o sinal isotpico do consumidor secundrio de interesse (Post, 2002).

    2.3.4 Variao nos tecidos A variao na composio isotpica geralmente observada entre tecidos

    corporais de uma mesma espcie. O msculo e outros tecidos ricos em protena, de

    um modo geral, exibem um valor mais enriquecido de 13C relativo quele do organismo inteiro, e particularmente quele de tecidos rico em lipdios (DeNiro &

    Epstein, 1978; Fry & Arnold, 1982; Hobson & Clark, 1992; Hobson et al. 1993; Kline et

    al., 1993; Schroeder, 1983; Schmith et al., 1999; Smit, 2001; Tieszen et al., 1983).

  • 18

    Schroeder (1983) determinou o 13C do msculo, da escama e da nadadeira de titpia e carpa e observou que os valores de 13C tornaram-se mais negativos da escama para a nadadeira e para o msculo. Porm a grande variabilidade dos valores

    de 13C, entre os tecidos das espcies estudadas, inviabilizou a generalizao de uma faixa de variao, ou uma tendncia entre os tecidos dos peixes.

    Os efeitos do jejum ou do estresse nutricional causam mudanas

    fisiolgicas no animal, que podem influenciar os valores isotpicos dos tecidos. Um

    enriquecimento isotpico de nitrognio em tecidos de aves, durante perodo de jejum e

    de estresse nutricional, foi verificado. Sob essas condies, a maior proporo de

    compostos nitrogenados disponveis para a sntese de protena so derivados do

    catabolismo e, assim, esta fonte de nitrognio j enriquecida em 15N, relativamente

    dieta, sofre um adicional enriquecimento no pool de nitrognio metablico disponvel

    para a sntese. A conseqncia de tal processo um eventual enriquecimento em 15N

    em todos os tecidos relativos ao perodo sem estresse nutricional. No foi encontrada

    evidncia de que o mesmo ocorra em relao ao carbono (Hobson et al., 1993).

    Diferentemente das aves, Doucett et al. (1999) mostraram no haver

    mudana nos valores de 15N do msculo branco de salmo Salmo salar, submetido ao jejum durante o perodo de migrao reprodutiva. Os autores atriburam o

    enriquecimento em 13C antes depleo de lipdios extracelular que ao enriquecimento no msculo, resultado que vai ao encontro dos obtidos por Focken &

    Becker (1998).

    Diferentes tecidos podem refletir a composio isotpica de diferentes

    constituintes da dieta. A suposio de que a composio isotpica do tecido do

    consumidor uma mdia aritmtica da composio isotpica de seus constituintes

    dietticos nem sempre verdadeira. Os diferentes componentes da dieta (carboidrato,

    lipdios e protenas) so usualmente direcionados para diferentes tecidos, sem ser

    homogeneizados e reparticionados, como uma mdia aritmtica da composio

    isotpica de seus constituintes dietticos (Ben-David & Schell, 2001). H diferentes

    alocaes de nutrientes para diferentes tecidos (Focken & Becker, 1998; Gannes et al.,

    1998). Se o animal cataboliza carboidratos e lipdios completamente e usa

    aminocidos para a sntese de protena, a composio isotpica de carbono de seu

    corpo deveria refletir o valor isotpico da protena da dieta. Por outro lado, se o

  • 19

    carbono das fontes de energia diettica (lipdios e carboidratos) e das fontes de

    protena so misturados na sntese protica, o valor de 13C da protena animal deveria refletir o total da dieta. O valor isotpico da protena do animal alimentado com dieta

    rica em protena parece refletir o valor isotpico da protena da dieta, e no do total da

    dieta. A composio isotpica do colgeno e do msculo reflete a protena da dieta.

    Em contraste, a composio isotpica dos ossos reflete melhor a composio do total

    da dieta. Mesmo a composio isotpica do animal com aparente dieta homognea,

    assim como herbvoros, pode grandemente refletir a protena diettica, se o animal

    mistura duas dietas com diferentes contedos de protena (Gannes et al., 1998).

    Os valores mais empobrecidos dos lipdios em relao s outras fraes

    bioqumicas constituintes dos tecidos, podem gerar interpretaes equivocadas, pois

    atribudo presena dos lipdios no tecido amostrado um provvel empobrecimento

    nos valores isotpicos do tecido animal (Focken & Becker, 1998; Hesslein et al., 1993;

    Hobson, 1995; Kline et al., 1993; Rau et al.; 1992).

    A influncia dos lipdios pode ser um fator de maior interferncia nos valores

    isotpicos quando sua deposio no tecido animal for proveniente de um fator

    fisiolgico, isto , quando um maior acmulo de lipdios ocorre independentemente de

    uma mudana da dieta (Hobson et al. 1993; Doucett et al. 1999), como pode ser o caso

    do animal que se prepara para realizar movimentos migratrios reprodutivos, ou a

    produo de gnadas (Kline et al., 1993). Mas, se o teor de lipdios for alterado pela

    mudana da dieta, a anlise com os lipdios importante para refletir a dieta ingerida

    naquele perodo (Ben-David & Schell, 2001). Por outro lado, a extrao dos lipdios do

    tecido original pode levar tambm a uma maior variao na composio isotpica e

    dificilmente representaria a dieta ingerida pelo animal (Pinnegar & Polunin, 1999).

    2.3.5 Qualidade da dieta Diferenas na assimilao do alimento natural e do artificial por Notemignus

    crysoleucas em tanques evidenciaram a influncia da qualidade da dieta na

    composio isotpica em peixes. Entre as trs dietas testadas, aquela que menos foi

    assimilada pelo peixe foi a dieta baseada em milho, uma planta C4. Apenas 17% do

    tecido corporal foi derivado dessa fonte, embora tenha sido administrada diariamente,

    sob as mesmas condies das demais. Os peixes alimentados com milho

  • 20

    preferencialmente assimilaram o alimento natural disponvel no tanque (Lochmann &

    Phillips, 1996).

    O emprego do mtodo isotpico na determinao da contribuio relativa

    dos diferentes itens alimentares, muitas vezes, assume, como verdadeiro, que a

    composio isotpica do tecido animal igual mdia ponderada da composio

    isotpica dos constituintes de sua dieta (Gannes et al., 1997). Estes autores apontam

    trs razes para que essa condio de validade no seja totalmente satisfeita: 1) os

    animais assimilam os componentes da dieta com eficincia variada; 2) os tecidos

    animais fracionam os istopos de sua dieta (mudam a razo isotpica) e 3) os animais

    alocam os nutrientes da dieta diferencialmente para especficos tecidos.

    A interpretao da composio isotpica do tecido animal tambm

    complicada pelo fenmeno isotopic routing. Os istopos contidos nos diferentes

    componentes da dieta so conduzidos diferencialmente para especficos tecidos e

    compartimentos do corpo. Como decorrncia, o tecido freqentemente no reflete a

    composio isotpica da dieta como um todo, mas a composio isotpica do nutriente

    que compe a dieta, do qual o tecido foi sintetizado. Mesmo que alguns animais

    tenham recebido uma dieta homognea, o fracionamento resultante do metabolismo

    pode ser diferente entre os seus tecidos, por haver diferentes vias bioqumicas

    (Gannes et al., 1997).

    O efeito do balano de energia e de protena no destino do esqueleto

    carbnico de animais onvoros, carnvoros e talvez alguns herbvoros, pode ser muito

    mais bem entendido depois de uma completa interpretao da construo diettica,

    usando-se istopos estveis. Em alguns estudos, a maior ingesto de uma dieta de

    plantas C3 pode ser atribuda maior digestibilidade delas, mas pode ser tambm

    atribuda ao fato de ter havido uma assimilao preferencial do carbono ingerido de

    plantas C3, do que sua maior digestibilidade (Gannes et al., 1998).

    Dessa forma, indivduos com dieta similar podem exibir diferentes razes

    isotpicas, devido variabilidade intrnseca na eficincia de assimilao, de deposio

    de nutrientes e de outros processos internos, como o metabolismo de nutrientes. A

    condio nutricional do animal (que pode, em parte, depender de prvia dieta, de

    balano de energia e protena e de estdio reprodutivo), junto com a composio da

    dieta (carboidrato, lipdios e protenas, como tambm composio de aminocidos e

    cidos graxos), podem influenciar o destino dos diferentes componentes dietticos.

  • 21

    Enquanto um consumidor pode assimilar lipdios e protenas de uma fonte, mas sua

    energia deriva de uma outra fonte, o valor isotpico dos seus tecidos pode ser

    subestimado em relao ltima. Por outro lado, outros indivduos com diferentes

    estados fisiolgicos podem assimilar lipdios e protena de ambas as fontes. Assim,

    diferentes componentes da dieta (i.e. carboidrato, lipdios e protenas) so usualmente

    direcionados para diferentes tecidos, sem ser homogeneizados e repartidos

    eqitativamente. Os resultados isotpicos do tecido adiposo de marta Mustela vison

    exemplificam essa afirmao. Eles indicaram que os lipdios de apenas um dos itens

    da dieta foram assimilados e depositados no tecido adiposo, representando um caso

    especfico de rota isotpica de fontes (Ben-David & Schell, 2001).

    Como visto, tanto os estudos laboratoriais como os em ambiente natural

    tm indicado que o fracionamento isotpico do carbono no constante, mas depende

    da qualidade nutricional da dieta (Post, 2002; Smit, 2001). Um modelo conceitual foi

    desenvolvido, para explicar a possvel relao entre o fracionamento isotpico e a

    qualidade do alimento, por Fantle et al. (1999). De acordo com o modelo, caranguejos

    com rpido crescimento se alimentam com fonte de alimento nutricionalmente provida

    de ambos, energia e metablicos ativos, e de aminocidos para a biossntese de novos

    tecidos. Como a maior quantidade de C da dieta incorporada no tecido, o 13C do novo tecido sintetizado foi similar ao do alimento ingerido. Em contraste, um lento

    crescimento individual, sustentado por uma dieta pobre em protena, levaria a um

    maior fracionamento de C e a um valor de 13C mais pesado que de sua dieta. Isso porque a baixa qualidade da fonte de alimento no proveria energia suficiente para

    sustentar as necessidades metablicas bsicas, e as protenas e os lipdios do estoque

    do caranguejo seriam catabolizados, para prover o seu requerimento energtico.

    A importncia e a necessidade de mais investigaes laboratoriais acerca

    da dinmica de incorporao de C e de N nos peixes, a partir do mtodo isotpico

    inquestionvel. Elas possibilitaro determinar contribuies relativas de determinada

    fonte na composio dos peixes, e at mesmo dos seus diferentes tecidos,

    relacionando fontes, suas qualidades e suas quantidades.

  • 22

    2.3.6 Turnover isotpico Os istopos estveis em animais adultos, submetidos a mudanas da fonte

    alimentar, tendem a refletir a nova dieta; entretanto, com a considervel variabilidade,

    improvvel que mudanas na dieta, num perodo de curto tempo, sejam refletidas no

    tecido animal (Jackson & Harkness, 1987; Smit, 2001). Os valores isotpicos dos

    tecidos so prximos, ou refletem, o valor da dieta, quando decorrido um tempo

    mnimo para sua integralizao. Valores isotpicos mensurados dentro desse perodo

    esto sujeitos aos efeitos da isotopic memory (Hesslein et al., 1993).

    O perodo de tempo para a mensurao do valor isotpico, sem o efeito da

    isotopic memory, depender, em parte, da taxa de movimentao do tecido animal. A

    taxa dependente do metabolismo especfico e este, por sua vez, do aporte dos

    nutrientes assimilados durante o processo alimentar (Hobson & Clark, 1992).

    A taxa de movimentao ou reposio conhecida como turnover. O

    turnover isotpico definido como a mudana isotpica, devida ao crescimento e ao

    repasse metablico aos tecidos, associados com a mudana na dieta. Sua

    determinao importante para o entendimento da relao temporal entre o sinal

    isotpico do predador e aquele da sua presa. Alguns perodos de tempo podem ser

    requeridos para o predador refletir o valor isotpico de uma nova presa. O turnover

    isotpico mximo definido como a mudana em 100% nos valores isotpicos do

    animal, em resposta mudana de uma dieta original para uma nova (MacAvoy et al.,

    2001).

    Fry & Arnold (1982) estudaram a taxa de turnover de 13C em camares. O

    turnover do carbono estrutural dessa espcie foi rigorosamente devido ao aumento em

    peso durante o crescimento, e no decorrncia do tempo. A maior taxa de reposio

    foi obtida depois de aumentado em quatro vezes o peso inicial, quando o valor de 13C do camaro foi mais enriquecido, aproximadamente em 1, com a nova dieta. Para os

    animais adultos, com baixa taxa de crescimento, o turnover foi relacionado mais com o

    metabolismo de mantena que com o crescimento. Um rpido ou lento turnover pode

    ser caracterstico do crescimento animal (interespecfico), ou dos tecidos individuais

    (intraespecfico), como o caso da gordura de inverno de alguns animais, que so

    rapidamente reutilizados na manuteno de outros tecidos.

    Seguindo essa linha de pesquisa aplicada, Tieszen et al. (1983) estudaram

    o fracionamento e o turnover de istopos de carbono em tecidos de aves. Os

  • 23

    resultados mostraram que os tecidos com maior atividade metablica, como o fgado e

    a gordura, tiveram um turnover mais rpido que os tecidos de menor atividade

    metablica, como a pena. A meia vida do carbono (tempo estimado para o repasse de

    50 % do carbono original para o novo no tecido) variou de 6,4 dias, no fgado, para

    47,5 dias, na pena. Portanto diferentes tecidos repassam carbono em diferentes taxas,

    sendo o turnover dos tecidos decrescente na seguinte ordem: fgado > gordura >

    msculo > crebro > pena. Baseados nesses resultados, os autores sugerem que,

    quando possvel, as anlises de dieta, por meio de valores de 13C, no devem basear-se na anlise de um nico tecido. O fracionamento apresenta diferentes valores, em

    funo do repasse do carbono da dieta para os tecidos, e o relativamente rpido

    turnover de alguns tecidos pode obscurecer a relativa importncia de dois

    componentes da dieta isotopicamente distintos, se a dieta animal variar atravs do

    tempo. Os estudos de dieta animal deveriam ser realizados por uma anlise mltipla,

    envolvendo mais de uma origem de amostra, como amostra do tecido sseo, do

    colgeno (indicador de dieta mais antiga, lento turnover), das fezes ou do contedo

    estomacal (indicador de dieta recente).

    Peixes da espcie Coregounus nasus foram confinados, pelo perodo de um

    ano, com dietas de distintas fontes isotpicas. A mudana nos valores isotpicos do

    msculo e do fgado foi atribuda acumulao de tecidos com o crescimento. O

    repasse metablico expresso como turnover foi apenas de 0,1 0,2% d-1, e semelhante

    para os dois tecidos analisados (Hesslein et al., 1993). Esses autores concluram que

    uma completa mudana na composio isotpica dos tecidos dos peixes, em resposta

    mudana da dieta, deve refletir diretamente a taxa de crescimento. Se o peixe tem

    crescimento rpido, a mudana na composio isotpica dos tecidos, em resposta

    nova dieta, ser mais rpida e determinada pela adio de novos tecidos. O tempo

    para que a composio isotpica dos peixes de lento crescimento entre em equilbrio

    com a nova dieta pode ser de alguns anos.

    O turnover isotpico do bagre azul, Ictalurus furcatus, foi determinado em

    laboratrio por um perodo de 84 dias. Os valores de 13C e 15N do sangue e do msculo foram enriquecidos em relao dieta 1,5 e 1,3, respectivamente. O valor

    isotpico da nova dieta seria repassado 100%, aps um perodo de 400 e 450 dias,

    para o sangue e o msculo, respectivamente. Fatores que contriburam para um lento

  • 24

    turnover isotpico do bagre azul foram, primeiro, o lento metabolismo de

    poiquilotermos e, segundo, a sua lenta taxa de crescimento (MacAvoy et al., 2001).

    A mudana de 15N no tecido muscular de Rhinogobius sp em crescimento foi monitorada por um perodo de um ano, no ambiente natural. O nitrognio foi

    repassado numa taxa de reposio metablico de 5 a 20% ao ms. Aproximadamente

    80% da mudana no 15N foram atribudos ao crescimento, e no mudana da dieta. Os resultados confirmaram que o crescimento o fator dominante e responsvel pela

    mudana isotpica no msculo de peixe em crescimento (Maruyama et al., 2001).

    A investigao das mudanas alimentares de uma espcie de mexilho,

    Mysis relicta, sugeriu que as mudanas na dieta so mais rapidamente refletidas no

    15N, que no 13C. O turnover do C parece ser muito mais lento, se comparado ao de N (Johannsson et al., 2001).

  • 3 SAZONALIDADE ALIMENTAR E FONTES DE ENERGIA DO TAMBAQUI (Colossoma macropomum) DETERMINADAS POR ISTOPOS ESTVEIS E POR CONTEDO ESTOMACAL

    RESUMO

    O ciclo anual de inundaes da Bacia Amaznica condiciona sazonalidade

    alimentar da ictiofauna da regio. As tcnicas de anlise de contedo estomacal e de

    istopos estveis foram combinadas para investigar a sazonalidade alimentar e as

    fontes de energia do tambaqui (Colossoma macropomum), capturados no lago do

    Camaleo, Amaznia Central. O tamanho dos indivduos, o teor de lipdios, o fator de

    fracionamento e a memria isotpica foram discutidos para interpretar as variaes na

    composio isotpica dos peixes. O grau de repleo estomacal e a importncia

    relativa dos itens alimentares variaram significativamente com o nvel de gua. As

    plantas C3 foram responsveis por 55 a 95% da frao biomassa do tambaqui,

    enquanto o zooplncton contribuiu com um mnimo de 26% da frao de nitrognio, na

    cheia e com um mximo de 67%, na seca. Gramneas C4 foram responsveis pela

    menor contribuio, com o mximo de 26% na frao biomassa e de 13% na frao N,

    durante o perodo de enchente. O hbito alimentar do tambaqui complexo e depende

    do pulso de cheias e vazantes. Desse modo, tanto a interveno no ciclo hidrolgico

    dos rios da Amaznia como a alterao na paisagem de suas vrzeas, tero

    conseqncias negativas para a manuteno dos estoques dessa espcie.

  • 26

    DEFINITION OF ALIMENTARY SEASONAL VARIATION AND SOURCES OF ENERGY OF TAMBAQUI (Colossoma macropomum) BY THE USE OF STABLE ISOTOPES AND STOMACH CONTENT ANALISIS TECHNIQUES

    SUMMARY

    The annual flooding cycles of the Amazon Basin conditions alimentary

    seasonality of its ichthyic fauna. Stomach content analysis and stable isotopes

    techniques were combined to investigate the alimentary seasonal variation of energy

    sources of the fish tambaqui (Colossoma macropomum) from lake Camaleo, Central

    Amazon. Individual size, lipid contents, fractionation factor and isotopic memory were

    discussed to interpret the variations in the fish isotopic composition. The degree of

    stomach repletion and the relative importance of the alimentary items varied

    significantly with the water level. The C3 plants were responsible for 55 to 95% of the

    biomass fraction of the tambaqui, while zooplankton contributed with a minimum of 26%

    of the nitrogen fraction during floodings, and a maximum of 67% in the dry seasons. C4

    grasses were responsible for the smallest contribution, with the maximum of 26% of the

    biomass and 13% of the N during flooding. Feeding habit and alimentary behavior of

    tambaqui are complex and depend on the flooding pulse. Therefore, not only

    interventions in the hydrological cycle of the rivers of the Amazon Basin, but also

    alterations in the landscape of their meadows, can be disastrous for the survival of the

    species.

  • 27

    3.1 INTRODUO

    As vrzeas do rio Amazonas provem hbitat e abrigo para algumas

    espcies de peixes (Arajo-Lima & Goulding 1998; Goulding & Carvalho, 1982; Lowe-

    McConnel, 1987; Soares et al., 1986; Zuanon, 1990). Durante o perodo de inundao,

    os peixes tm acesso a vrias fontes de alimento da floresta alagada frutas,

    sementes, folhas e a macro e a microfaunas associadas. Durante a estao seca, os

    lagos de vrzea ficam isolados da floresta e o fitoplncton, perifiton, zooplncton,

    macrfitas aquticas e os macroinvertebrados tornam-se fontes importantes de

    carbono e de nitrognio (Junk et al., 1997; Saint-Paul et al., 2000). Essa elevada inter-

    relao entre os ambientes aqutico e terrestre disponibiliza uma grande variedade de

    itens alimentares e promove um alto nvel de onivoria (Santos & Ferreira, 1999).

    Entre os vrios grupos favorecidos pela riqueza das reas de vrzea, o

    tambaqui (Colossoma macropomum) uma das espcies de peixe comercial mais

    importante na regio. Estudos baseados em anlise de contedo estomacal

    demonstram, que durante o perodo de inundao, frutas e sementes de florestas

    inundadas so a principal fonte de alimento do tambaqui. Por outro lado, zooplncton

    especialmente importante durante o perodo de secas (Carvalho, 1981; Gottsberger,

    1978; Goulding & Carvalho, 1982; Honda, 1974; Saint-Paul, 1984; Silva et al., 2000).

    O mtodo de istopos estveis, utilizando o carbono, foi usado por Arajo-

    Lima et al. (1998) e Forsberg et al. (1993), para complementar os estudos sobre dieta

    de tambaqui. Obtiveram-se resultados similares aos dos estudos baseados em

    contedo estomacal, em que frutos e sementes de plantas C3 (60 65 %) e

    zooplncton (30 35 %) foram as principais fontes de carbono. Porm no foi

    detectada qualquer diferena sazonal significativa na composio de istopos estveis

    de carbono desses peixes. Por outro lado, Benedito-Ceclio et al. (2000) analisaram a

    composio isotpica de carbono de 10 indivduos coletados na estao seca e de 7

    indivduos coletados durante inundao ao longo dos rios Solimes e Amazonas, e

    concluram que as fontes de carbono do tambaqui diferem sazonalmente. As algas, a

    partir do zooplncton, e no as plantas C3, foram a principal fonte de carbono para o

    tambaqui, especialmente durante o perodo de seca, contribuindo com o mximo de

    87 %, seguidos das macrfitas C4 (22 %). As plantas C3 s foram importantes durante

    o perodo de cheia (38 %).

  • 28

    Estes resultados foram baseados em um nmero relativamente pequeno de

    indivduos, coletados numa grande rea. A grande variabilidade encontrada para as

    razes isotpicas dos animais e de suas fontes sugere que o tamanho da amostra e as

    variaes individual, temporal e espacial so fatores importantes a considerar, para

    detectar pequenas alteraes de dieta ou a sazonalidade alimentar (Fry et al., 1999;

    Harvey et al., 2002; Johannsson et al., 2001; Overman & Parrish, 2001; Post, 2002;

    Smit, 2001). Devido grande importncia ecolgica e comercial do tambaqui, a

    estimativa mais precisa da contribuio relativa de cada fonte alimentar potencial e de

    sua importncia sazonal torna-se essencial para o efetivo e responsvel manejo

    ambiental.

    Nos ltimos anos, o uso do mtodo isotpico em investigaes da dieta

    animal tem avanado e modelos matemticos, envolvendo mais de um istopo, podem

    estimar os valores percentuais da contribuio das principais fontes na dieta animal

    (Ben-David et al., 1997; Kline et al., 1993; Phillips, 2001; Phillips & Gregg, 2001;

    Phillips & Koch, 2002). Contudo a complexidade que envolve a ecologia alimentar de

    uma espcie exige o uso, em conjunto, da metodologia isotpica e de outros mtodos

    tradicionais para melhor esclarecer as interaes trficas. A anlise do contedo

    estomacal, em conjunto com a anlise de composio isotpica, possibilitam uma

    investigao mais completa do que ingerido e realmente assimilado nos tecidos

    (Post, 2002).

    Este estudo teve como objetivo investigar a sazonalidade alimentar do

    tambaqui, numa rea de vrzea do rio Amazonas, combinando o mtodo de anlise do

    contedo estomacal e de istopos estveis de carbono e de nitrognio. Foram

    determinadas as composies isotpicas desses elementos em amostras de tecido e

    de material encontrado no contedo estomacal de tambaquis jovens, coletados no lago

    de Camaleo, durante um ciclo anual, alm de em amostras de itens alimentares

    representativos. Tambm foi examinado como e se a importncia relativa das

    principais fontes de alimento da espcie variam sazonalmente com o nvel das guas,

    usando-se o concentration-weighted linear mixing model, que, alm das propores de

    biomassas, fornece informaes sobre contribuies elementares de cada fonte

    diettica.

  • 29

    3.2 MATERIAL E MTODOS

    3.2.1 rea de estudo e coletas Os peixes foram coletados no lago de Camaleo (Figura 1), Ilha de

    Marchantaria, rio Solimes (315 ' 12 '' S e 5957'37 '' W), um lago de vrzea com 7 km

    de comprimento, 11 m de profundidade e 500 m de largura, quando inundado; 2,5 m

    de profundidade e 100 m de largura quando isolado do rio (Darwich, 1995). um lago

    caracterstico da Amaznia Central. A variao anual do nvel das guas do rio

    Solimes aproximadamente 10 m. A gua comea a subir em janeiro, e alcana o

    mximo do final de junho ao comeo de julho. O nvel mais baixo da gua acontece

    entre o final de novembro e o comeo de dezembro. Do final de outubro ao comeo de

    janeiro, o lago Camaleo permanece hidrologicamente isolado do rio Solimes.

    Um total de 201 peixes jovens, com comprimento padro variando de 8 a 38

    cm, mdia de 23,2 6,6 cm, foram capturados entre maio de 1999 e julho de 2001. As

    pescarias foram mensais e efetuadas com redes de emalhar de 25 m de comprimento

    por 2 m de altura, malhas com 30 a 200 mm entre ns e expostas durante um perodo

    de 24 horas, com despescas em intervalos de 6 horas. Os peixes foram agrupados de

    acordo com o nvel da gua nas quais foram capturados. Foram capturados 31 peixes

    durante a enchente (maro a maio); 32 peixes na cheia (junho e julho); 96 peixes na

    vazante (outubro e novembro), e 42 na seca (dezembro a fevereiro). Aps a coleta, os

    peixes foram refrigerados, transportados para o laboratrio, pesados e medidos com

    preciso de 0,1 g e 0,1 cm, respectivamente. Foram removidos os estmagos dos

    peixes, para posterior anlise de contedo estomacal, e retiradas 160 amostras para a

    composio isotpica do material ingerido. O peixe inteiro, exceto o intestino, foi modo

    cuidadosamente. Assim, cada amostra de peixe foi composta de msculo, pele, osso e

    escama. Cinqenta e uma amostras de itens alimentares do tambaqui foram tambm

    coletadas nos mesmos locais onde foram capturados os peixes, por meio de diferentes

    equ