112
1

Doses Lúdicas

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Breves textos sobre os universos dos jogos e entretenimento. Experiências sobre desenvolvedores e profissionais do ramo ajudam a esclarecer sobre o universo dos jogos e seu mercado de expansão do Brasil.

Citation preview

  • 1

  • 2

    DOSES LDICAS uma compilao de breves textos sobre o mundo dos jogos e do entretenimento. uma reunio de posts e outros materiais do autor publicados nos ltimos anos em blogs e sites na internet. Cada texto procura trazer um referencial terico diferente e que possa servir de consulta para os futuros game designers, estudiosos do universo ldico ou simplesmente para aqueles que so apaixonados por games. DOSES LDICAS um livro para ser lido na ordem que o leitor escolher e seu contedo bastante didtico, criando um dilogo harmonioso com os especialistas ou iniciantes na rea. Desfrute em pequenas ou grandes doses. No modo easy ou no modo hard. Aperte start e boa leitura. MSc. Vicente Martin Mastrocola (@vincevader) publicitrio, graduado e ps-graduado em comunicao e marketing pela ESPM, instituio atravs da qual tambm adquiriu o ttulo de mestre. Trabalha com projetos digitais de games e interfaces ldicas desde 1998 e j realizou (e vem realizando) trabalhos para grandes clientes como: Vivo, MTV, Ford, Terra, Intel, Danone e muitos outros. Atualmente supervisor da rea de criao da ESPM de So Paulo e ministra aulas de mdia digital. Tambm leciona a disciplina Gaming Concepts na Miami Ad School | ESPM. No ltimo ano escreveu diversos artigos sobre game design na mdia especializada e publicou diversos jogos de tabuleiro, cartas, internet, iPhone e iPad. Este livro mais um projeto ldico do autor.

  • 3

    VICENTE MARTIN MASTROCOLA

    DOSES LDICAS Breves textos sobre o universo dos jogos e entretenimento

    1 Edio So Paulo, 2013 Edio do autor

  • 4

    Autor: Vicente Martin Mastrocola

    Editor: Vicente Martin Mastrocola

    Projeto Grfico: Vicente Martin Mastrocola

    Fotos da capa: Donizeti S. Pinto

    Reviso de texto: Bia Bonduki

    So Paulo. Janeiro de 2013

    M374 Mastrocola, Vicente Martin

    Doses ldicas: breves textos sobre o universo dos jogos e entretenimento. / Vicente Martin Mastrocola. So Paulo:

    Independente, 2013.

    ISBN 978-85-913490-1-2

    1. Game. 2. Game design. 3. Entretenimento. 4. Jogo. 5. Ldico. 6. Novos negcios. I. Ttulo.

    CDU 370

  • 5

    Para fazer o download deste livro, acesse: www.dosesludicas.com.br

    Esta obra est licenciada sob Creative Commons - Atribuio - Uso no-comercial - Vedada a criao de obras derivadas 3.0 Brasil.

    Voc pode copiar, distribuir, exibir e executar a obra.

    Sob as seguintes condies:

    1.Atribuio. Voc deve dar crdito, indicando o nome do autor e endereo do site onde o livro est disponvel para download.

    2.Uso no-comercial. Voc no pode utilizar esta obra com finalidades

    comerciais.

    3.Vedada a criao de obras derivadas. Voc no pode alterar, transformar ou criar outra obra com base nesta.

    Para cada novo uso ou distribuio, voc deve deixar claro para outros os termos da licena desta obra.

    Qualquer uma destas condies podem ser renunciadas, desde que voc

    obtenha permisso do autor.

    Para mais informaes, visite: http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/3.0/br/

  • 6

  • 7

    Para os gamers.

  • 8

  • 9

    _SUMRIO

    .Prefcio por Leonardo Trevisan. .11.

    .Introduo .15

    .Observando o Homo Ludens. .17.

    .O tempo do entretenimento .21

    .Um pouco de Gamification. .25.

    .Indie games .29

    .Uma breve entrevista com Gonzalo Frasca. .33.

    .Dois exerccios de game design .37

    .A figura do interator. .39.

    .Games & interfaces .43

    .Metagame: o jogo dentro do jogo. .47.

    .Quando universos colidem: games & filmes / filmes & games .51

    .Cinco planos. .55.

    .O complicado mercado brasileiro de games .59

    .Keep it Simple. .61.

    .RPG, MMORPG e mundos virtuais .65

    .Advergames. .71.

    .Pontos de vista sobre ARGs .75

    .Moldando as regras de um jogo. .83.

    .A incerteza como elemento de game design .87

    .KidZania: o parque para a criana trabalhar. .89.

    .Um olhar sobre os homens e os jogos .93

    .As regras e os jogos. .97.

    .Evidence-based game .101

    .Palavras finais. .109.

  • 10

  • 11

    _Prefcio por Leonardo Trevisan

    Game no s diverso. Aprendi, ou melhor, me convenci disto com o

    Vince. claro que , principalmente, entretenimento, mas no apenas. O que mais

    interessa que a lgica do game criou um mtodo de pensar e de resolver

    problemas.

    A conquista mais relevante dessa lgica est no fato de que o game

    aproximou duas coisas que pareciam excludentes: comunicar, ou ensinar algo a

    algum e se divertir, ao mesmo tempo.

    O que fazer dessa mistura do game com a vida real o objetivo do livro

    DOSES LDICAS do amigo Vicente Martin Mastrocola (ou Vince Vader como

    mais conhecido). Alis, primeiro, bom saber que essa mistura tem um porte

    econmico respeitvel: nos ltimos oito anos nenhuma indstria cresceu tanto

    quanto a de games. Desde 2006, games passaram o cinema em rendimento e em

    2012 esta indstria ir ultrapassar uma marca de 70 bilhes de dlares anuais1 .

    Ao olhar esse vasto campo surge uma pergunta: por que os games

    avanaram tanto? Bom, com certeza, os games hoje so utilizados para atividades,

    1 Fonte: Relatrio NewZoo Amsterdam 2010 http://corporate.newzoo.com/press/GamesMarketReport_FREE_030510.pdf

  • 12

    como mostram os textos do Vince, que no esto ligadas diretamente ao

    entretenimento. Jogos so usados para dinmicas empresariais, campanhas

    polticas e abriram uma interface com educao que est s no comeo. E com a

    publicidade tambm. Nenhuma dessas atividades pode dispensar a lgica dos

    games. Isso fato consumado.

    Muita gente, portanto, pesquisa o futuro dessa indstria, em especial nas

    universidades. O debate em torno da ideia de gamification tambm est s no

    comeo. O Vince, em vrios textos, atualiza a bibliografia desse assunto.

    Games, portanto, so bem mais srios do que se pensa. O Vince cutuca

    estas ideias de Steven Johnson (no texto O jogo e a mente) de um jeito bem

    produtivo: o professor da Columbia University prope acesso irrestrito dos jovens

    aos jogos porque defende que a lgica da internet e dos games possui virtudes

    intelectuais e cognitivas diferentes, mas no inferiores s da leitura.

    Ser que muita ousadia pensar que a thumb generation2 aprende, talvez,

    mais rpido que a gerao dos seus avs, s que de um jeito diferente? E, pior,

    exige dar carter ldico ao aprendizado?

    Os textos avanam nas provocaes. A questo do tempo de jogo, aquele

    s vou jogar mais dez minutinhos, e os motivos do: quando se joga se esquece

    do tempo... Ele fala at do interator e o complexo ecossistema das telas

    conectadas. Nele, o ator que interage, abre muitas possibilidades interativas em

    mltiplas plataformas digitais.

    Mas, qual o limite de gamification na vida? Nesse ponto, o livro do Vince

    vai fundo, pois a questo no est s no aprender atravs dos games. Kevin

    Werback, da Universidade da Pennsylvania, fala de tcnicas de game design (barras

    2 A gerao nascida depois de 1985, na qual adolescentes e jovens se comunicam intensamente pelo uso de mobile devices (como smartphones, celulares, tablets, etc.). O nome thumb generation (ou gerao do polegar) se d porque normalmente so usados os polegares para se digitar incansavelmente nas telas desses aparatos tecnolgicos.

  • 13

    de progresso, nveis, trofus, medalhas, quests) , dentro de contextos que no so

    games. A Nike, por exemplo, criou o Nike Plus, um chip que conta os passos do

    usurio enquanto ele anda ou corre e abre a comparao de desempenho em rede

    social. A pessoa no virou avatar, mas corre de verdade enquanto compete na tela

    com outros usurios. A Marinha americana j comeou a treinar seus homens

    usando essa mesma lgica e tcnica. Enfim, a discusso parece estar s no comeo.

    Se este o sculo do entretenimento, como podemos usar isso a favor da

    educao, publicidade, e sociedade? A resposta dessa pergunta pede ateno ao

    novo livro do Vince. Portanto, apenas, Boa Leitura!

    Leonardo Nelmi Trevisan

    graduado em Histria pela Universidade de So Paulo (1976), mestre em Histria Econmica (1984) e doutor em Cincia Poltica (1993), ambos pela Universidade de So Paulo. Obteve ttulos de ps-doutor, na rea de Economia do Trabalho, pela University of London (1997) e pela Warwick University (1998), ambos com bolsa da Fapesp. Atualmente professor titular da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, no Departamento de Economia e na Ps-Graduao (mestrado acadmico) em Administrao de Empresas. tambm professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing. jornalista (O Estado de So Paulo, 1987/2004 e Gazeta Mercantil, 2004/2009) e tem experincia na rea de Economia, com nfase em Mercado de Trabalho; Poltica do Governo e Poltica Externa, atuando principalmente nos seguintes temas: educao, desenvolvimento econmico, e internacionalizao do mercado de trabalho. Para mais informaes acesse o blog http://www.leonardotrevisan.com.br/ .

  • 14

  • 15

    _Introduo

    Desde 2011 venho colaborando com alguns textos para o blog do amigo e

    jornalista Leonardo Trevisan no endereo http://leonardotrevisan.com.br.

    Quando o Leo me chamou para escrever uma coluna semanal neste endereo a

    ideia original era escrever sobre games & novos negcios, mas eu acabei

    ampliando a discusso e em pouco tempo j havia escrito textos sobre game design,

    gamification, interfaces de jogos e outros assuntos ligados ao universo ldico. At

    entrevistas com profissionais da rea de games e estudiosos do campo ldico

    apareceram neste espao.

    Leo e eu lecionamos juntos na ESPM e certo dia, na sala dos professores,

    ele perguntou se eu no pensava em organizar os textos que escrevia para o seu blog

    em algo mais formal. At ento eu no havia pensado nisso, mas imediatamente

    surgiu a ideia de um livro com um contedo baseado em textos curtos, algumas

    pequenas doses de conhecimento que trouxessem boas referncias bibliogrficas

    aos leitores.

    Na poca, maio de 2012, eu havia acabado de lanar meu primeiro livro, o

    LUDIFICADOR (que o leitor pode baixar de graa em www.ludificador.com.br)

    e no havia uma quantidade suficiente de posts no blog do Leonardo que eu

    conseguiria compilar para fazer um segundo livro. Porm, o tempo passou e mais

  • 16

    posts foram escritos. O que o leitor tem em sua frente no presente momento -

    uma reunio dos melhores contedos que foram publicados em mais de um ano de

    colaborao para o blog do Leonardo e outros espaos na internet.

    O ttulo DOSES LDICAS: Breves textos sobre o universo dos jogos

    e entretenimento uma brincadeira com o contedo que foi escrito na forma de

    posts e, portanto, so concisos em suas essncias. So textos que podem ser lidos

    em poucos minutos e servem de inspirao e referncia para algumas reflexes

    maiores. Eu acredito que apesar de serem curtos os textos esto de agradvel

    leitura e podem iniciar discusses mais amplas em outras plataformas digitais,

    artigos, livros, etc.

    Os textos que voc vai ler nessa coletnea no formam uma sequncia

    linear e podem ser lidos em qualquer ordem. Selecionei os textos que tendem a ser

    menos datados em termos de contedo e, tambm, os que possuem boas

    referncias bibliogrficas. Alguns so mais acadmicos e outros mais informais.

    Eu acredito que este tipo de conhecimento para ser compartilhado e,

    como meu primeiro livro, este tambm totalmente de graa para download

    formatado dentro de princpios de Creative Commons.

    Gostaria de agradecer ao apoio do Leo Trevisan e de todos os leitores de

    seu blog que incentivaram a publicao desse material.

    Boa leitura! Go gamers!

    Vicente Martin Mastrocola (@vincevader)

    So Paulo, janeiro de 2013.

  • 17

    _Observando o Homo Ludens

    Este texto uma homenagem ao autor Johan Huizinga (1872 - 1945) um

    dos nomes mais presentes e significativos no campo de estudos sobre games,

    ludicidade e interfaces ldicas da contemporaneidade.

    Huizinga atuou como historiador na Holanda e autor de uma obra

    elementar para todos aqueles que desejam estudar o universo dos jogos: trata-se

    do livro "Homo Ludens" que discute a possibilidade de que o "jogar" um

    elemento importante de formao da cultura humana.

    Deixo claro que neste breve texto no tenho a inteno de resumir sequer

    a linha de raciocnio principal do livro Homo Ludens de Huizinga, mas gostaria

    de fazer alguns apontamentos tericos que sempre acompanharam meu trabalho

    de desenvolvimento de jogos (independente de plataforma), interfaces ldicas e

    workshops de criao de games.

    Em Homo Ludens h algumas noes essenciais para entendermos o

    conceito de jogo e as diferentes conexes que o ato de jogar gera na cultura

    humana ao longo de sua histria. O autor prope, nas pginas iniciais de seu livro,

    que a ideia de jogo pressupe algumas caractersticas essenciais como, por

    exemplo:

  • 18

    1) O jogo deve ser uma atividade livre e nunca imposta (p.3). Ou seja, o

    jogo presume uma participao voluntria daqueles que esto imersos no ato de

    jogar. O aceitar fazer parte do jogo crucial para uma boa experincia ldica.

    2) O jogo no deve ser vida real e deve ter como premissa ser um

    intervalo em nossa vida cotidiana (p.11). No ambiente do jogo, as leis e costumes

    da vida cotidiana perdem validade, pois no universo ldico somos diferentes e

    fazemos coisas diferentes (p.15). O ambiente do jogo formado de fantasia, de

    sonhos e catarse; no universo do jogo quando assumimos o papel de jogadores

    (players) nos transformamos em caadores de drages, soldados, esportistas e

    tudo mais que nossa imaginao voluntria e o ambiente ao nosso redor permitir.

    3) O jogo deve possuir limites de tempo e de espao e possuir, acima de

    tudo, um caminho e sentido prprios (p.12). Afinal de contas, por mais catico

    que seja, o jogo deve criar ordem atravs de regras mesmo que de maneira

    temporria e limitada (p.13). Essa ideia nos apresenta a importncia de definir

    regras e o espao em que a ao do jogo acontece, seja porque estamos falando

    de um campo de futebol, uma tela de video game ou um tabuleiro de xadrez.

    4) Um jogo, por excelncia, cria tenso, incerteza e acaso. Estes elementos

    chegam ao extremo em jogos esportivos e jogos de azar. Todo jogo, conforme

    supracitado no tpico anterior, possui regras e so elas que determinam o que

    vale dentro do mundo temporrio circunscrito pelo jogo (p.14).

    5) A funo do jogo, nas formas mais elevadas que aqui nos interessam,

    pode de maneira geral ser definida pelos dois aspectos fundamentais que nele

    encontramos: uma luta por alguma coisa ou a representao de alguma coisa

    (p.16). Nesse ponto vemos claramente a noo de que o jogo possui significado e

    gera experincias para aqueles que esto imersos em sua realidade. Em um jogo de

    video game, por exemplo, o jogador se transforma no soldado futurista lutando em

    um mundo ps apocalptico com misses e deveres a serem cumpridos; nesse caso

  • 19

    h uma funo significante forte e que transforma a experincia de jogar em algo

    imersivo e relevante ao player.

    Partindo destas caractersticas elementares, Huizinga (p.65) apresenta o

    conceito de crculo mgico, onde mostra que quando se participa de algum tipo

    de atividade de entretenimento entra-se nesse crculo deixando para trs os

    problemas, preocupaes e aflies do cotidiano, mergulhando em um outro

    universo. O carter especial e excepcional de um jogo ilustrado de maneira

    flagrante pelo ar de mistrio em que freqentemente se envolve. (...) Dentro do

    crculo mgico, as leis e costumes da vida quotidiana perdem validade. (p. 15-16).

    Apesar de ser um espao diferente do cotidiano, as aes realizadas dentro do

    crculo mgico representam/significam algo para aqueles que participaram desta

    experincia.

    Para entendermos visualmente a noo de crculo mgico proposta por

    Huizinga, podemos recorrer ao autor Ernest Adams (2009, p.8) que usa o seguinte

    exemplo para demonstrar esta idia:

    O crculo mgico O mundo real

    A leitura de Adams sobre o crculo mgico de Huizinga na imagem

    anterior nos traduz que eventos do mundo real possuem significados especiais

    dentro do crculo mgico.

    Marcar um gol

    Chutar uma bola em uma rede

  • 20

    Partindo desses pressupostos iniciais podemos antever que a ideia de

    jogo pode estar presente em diferentes facetas da cultura humana, por isso

    Huizinga aponta que muito mais que o Homo Sapiens, o ser humano tambm

    o Homo Ludens.

    E apesar de ter sido escrito em 1938, Homo Ludens ainda um livro

    extremamente atual e que serve de aporte terico para estudarmos o campo ldico

    na atualidade. Mais do que recomendada , realmente, uma leitura obrigatria

    nessa rea.

    _Referncias bibliogrficas:

    ADAMS, Ernest. Fundamentals of Game Design. New Riders: 2009 HUIZINGA, Johan. Homo ludens. So Paulo: Perspectiva, 2001.

  • 21

    _O tempo do entretenimento

    Acontece comigo o tempo todo e voc, com certeza, j passou por essa

    situao: no percebeu o tempo passar enquanto se divertia. Voc, em um dado

    momento, estava realizando uma atividade que gosta ou estava se divertindo

    fazendo algo ldico e no notou o tempo passar.

    Simples assim. Voc achou que jogava seu game favorito por uma hora e

    na verdade j havia se passado mais de trs. Tinha certeza que estava navegando na

    web por duas horas e muito mais que isso j tinha corrido no relgio.

    O tempo do entretenimento passa diferente do tempo real. Quando

    estamos envolvidos com uma atividade que nos entretm e nos mantm imersos

    fcil perceber essa "mudana" no passar dos minutos. A nossa mente tergiversa por

    mundos diferentes e a sensao do tempo real se hibridiza com o tempo do

    entretenimento.

    Poderamos discutir esse fato com diferentes reas do entretenimento ou

    mesmo com atividades que simplesmente possuem a capacidade de nos envolver e

    ater nossa ateno; porm, eu gostaria de usar o universo ldico, mais

    especificamente a figura dos games nesta discusso, pois acredito que nos fornece

    um excelente aporte para fazermos alguns bons apontamentos.

  • 22

    J foi discutido amplamente em diversos estudos, pesquisas e livros o

    poder imersivo dos games. No me refiro apenas aos games eletrnicos, mas aos

    games de uma maneira geral. Gosto de lembrar que uma partida de card game pode

    ser to ou mais envolvente que um tiroteio multiplayer no first person shooter do

    momento.

    Logo, um questionamento que pode ser proposto : por que possvel

    entrarmos nesse estado de imerso dos games?

    De uma maneira bem sinttica podemos recorrer ao autor Karl Kapp

    (2012, p.69 e 70) que usa um exemplo elucidativo no qual diz que quando voc,

    por exemplo, joga "Uncharted 3: Drake's Deception" no Playstation 3, voc no fala

    para o personagem Nathan Drake atirar, voc no leva ele para os lugares do mapa

    e no d comandos para ele seguir. No, voc no controla o personagem Nathan

    Drake porque voc o personagem enquanto est jogando o game. Ao operar

    Nathan Drake no ambiente do jogo, voc aprende regras implcitas do mundo que

    est habitando naquele momento e isso um dos fatores de imerso.

    Essa citao de Kapp nos abre algumas portas para irmos mais a fundo

    dentro do conceito de imerso. Nesse caso, gosto de trazer para a discusso as

    ideias do psiclogo hngaro Mihaly Csikszentmihalyi.

    Csikszentmihalyi (1975) realizou estudos sobre um processo chamado

    "flow", ou fluxo, traduzindo para o portugus. O psiclogo afirma que o fluxo um

    estado mental no qual uma pessoa fica completamente imersa e focada no que est

    fazendo. Este estado exige total envolvimento mental e engajamento contnuo na

    atividade que est sendo realizada. Seria possvel dizer que um estado crescente

    ideal entre o tdio total e ansiedade/frustrao, um momento de total absoro

    que oferece posteriormente um senso de satisfao.

    Segundo o psiclogo, no estado de fluxo o tempo no importa. Para a

    pessoa engajada na atividade (por exemplo o ato de jogar um game) pode

    aparentar que se passaram alguns minutos, mas na verdade podem ter sido horas.

  • 23

    O processo de fluxo necessariamente no automtico. No caso de um

    game eletrnico de Playstation pode demorar a se concretizar. O jogador pode

    precisar de tempo para aprender os comandos bsicos, se adequar ao universo do

    jogo, estabelecer que recompensas simblicas o jogo v oferecer, etc.

    Partindo disso, o processo de fluxo pode se iniciar cada vez que o player

    acessa aquele ambiente. A mente, literalmente, interfaceia com o universo do game

    e oferece a sensao de experimentar o tempo de uma maneira diferente.

    Apesar de ser uma viso breve, nos direciona para alguns caminhos por

    onde podemos aprofundar o assunto, principalmente no que diz respeito aos

    games.

    E para finalizar, dedico este texto para todos os leitores que apreciam jogar

    video game at tarde, precisam acordar cedo e falam sempre para si mesmos "vou

    jogar s mais dez minutinhos".

    _Referncias bibliogrficas:

    CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Play and intrinsic rewards. Journal of Humanistic Psychology, Vol 15(3), 1975, 41-63. URL: http://jhp.sagepub.com/content/15/3/41 KAPP, Karl. The Gamification of learning and instruction: game-based methods and strategies for training and education. San Francisco: Pfeifer, 2012.

  • 24

  • 25

    _Um pouco de Gamification

    Em setembro de 2012, fiz um curso via web da University of Pennsylvania

    sobre gamification. No sei se o curso ainda estar no ar quando o leitor travar

    contato com este texto, mas o endereo para acessar o curso (gratuitamente) est

    listado nas referncias ao final da leitura. O contedo realmente objetivo e bem

    explicado com vdeos e exerccios. Este curso foi uma das grandes inspiraes para

    a concepo deste breve texto.

    Falar sobre a buzzword gamification requer cuidado para no cairmos em

    generalizaes to comuns na contemporaneidade, por isso gostaria de pautar este

    texto em cima de duas referncias principais: primeiramente, o curso supracitado,

    e o livro The gamification of learning and instruction.

    Para comear, o termo tratado no to recente como se pensa e foi

    usado pela primeira vez em 2003 por uma empresa inglesa chamada Conundra,

    que prometia misturar entretenimento com experincia de compra. A empresa no

    obteve muito sucesso com sua proposta, mas a ideia de gamification perdurou e em

    2010 ganhou fora na mdia como nunca.

    Segundo Kevin Werbach, professor da Wharton School (University of

    Pennsylvania), gamification sobre aprender atravs dos games. Werbach tambm

  • 26

    prope que no possvel entender gamification sem entender, antes de tudo,

    sobre games de uma maneira ampla.

    Partindo desses pontos iniciais, o professor explica que podemos definir

    gamification como "o uso de elementos dos games e tcnicas de game design (como

    pontos, barra de progresso, nveis, trofus, fases, medalhas, quests, etc.) dentro de

    contextos que no so games". Um exemplo que podemos incluir nessa categoria

    o programa Nike Plus (http://nikeplus.nike.com/plus/).

    A Nike, em parceria com a Apple, criou o Nike Plus, que um aparelho

    que conta os passos que um usurio d ao andar ou correr. At ento parece apenas

    um gadget sem funo dentro do contexto que estamos estudando. Porm, alm de

    contar os passos do usurio, o programa Nike Plus registra recordes, compara

    desempenhos em uma rede social com outros usurios, e, mediante quebra de

    recordes e cumprimento de tarefas, premia os usurios com medalhas/trofus

    virtuais, etc.

    A Nike no criou um video game onde a pessoa corre com um avatar

    usando um joystick; o que a marca fez foi criar uma maneira mais divertida e

    estimulante de correr de verdade, utilizando um complexo sistema de pontos,

    ranking e recompensas. A Nike gamificou a atividade de correr e praticar um

    esporte.

    No entanto, o contexto de gamification amplo e permite vrias

    interpretaes. O autor Karl Kapp (2012, p.10 a 12) reuniu uma srie de ideias

    vindas de pesquisadores da rea de games sobre este assunto. Na lista organizada

    por este autor, encontramos os seguintes destaques para responder o que

    gamification?:

    1) Processo de uso de mecnicas de jogos para engajar audincias e

    resolver problemas. - Gabe Zichermann, autor do livro "Game Based Marketing".

    2) Usar tcnicas de games para tornar certas atividades mais envolventes

    e divertidas. - Amy Jo Kim, autor do livro "Community building on the web".

  • 27

    3) A ampla tendncia de empregar mecnicas de jogos para ambientes

    que no so jogos como reas de inovao, treinamentos empresariais, causas

    sociais e rea da sade. - The Gartner Group.

    4) Uso de mecnicas de jogos para aplicaes que no so jogos

    (tambm chamado de funware). Wikipedia.

    Combinando elementos das citaes anteriores, Kapp chega a uma

    definio prpria onde diz que "Gamification o uso de mecnicas de jogos,

    esttica ldica e game thinking para engajar pessoas, motivar aes, promover

    aprendizado e resolver problemas".

    Em meu primeiro livro, que leva o ttulo de Ludificador (2012), eu usei

    o termo ludificao para definir este uso cada vez mais crescente de

    atividades e interfaces ldicas em reas como poltica, sade, educao e causas

    sociais. apenas uma questo de semntica e creio que nos ajuda a ter outra viso

    do assunto.

    A discusso ampla e s est no comeo. H uma necessidade grande de

    se estudar e realizar pesquisas no que tange a este tema. Para ampliar o contedo,

    gostaria de recomendar dois endereos na web que servem como bons

    combustveis para estudar este assunto emergente: http://gamifyforthewin.com e

    http://www.gamification.co. Ambos os sites possuem cases variados, uma enorme

    gama de exemplos e anlises de aes de diferentes lugares do mundo para

    explicitar a ideia de gamification.

    Este texto buscou mostrar os passos bsicos dentro do tema proposto. E

    se voc leu este contedo at o final, acabou de ganhar a medalha gamification

    level 1 dentro deste assunto.

    No deixe de se aprimorar e conseguir as demais.

    Bom jogo!

  • 28

    _Referncias bibliogrficas:

    KAPP, Karl. The gamification of learning and instruction: game-based methods and strategies for training and education. Pfeiffer: San Francisco, 2012. MASTROCOLA, Vicente. Ludificador: um guia de referncias para o game designer brasileiro. Edio do autor: So Paulo, 2012. URL para download gratuito: http://www.ludificador.com.br WERBACH, Kevin. Gamification web course. University of Pennsylvania, 2012. URL: https://class.coursera.org/gamification-2012-001/class/index

  • 29

    _Indie games

    Este texto uma reflexo sobre os indie games, uma modalidade muito

    peculiar de criar e publicar jogos. Os indie games, como o prprio nome aponta, so

    jogos independentes. Muitas vezes eles so feitos por uma pessoa sozinha ou um

    grupo pequeno, normalmente sem apoio de produtoras ou grandes empresas da

    rea.

    Os indie games aparecem em vrias plataformas: alguns os produzem para

    PC, outros para mobile media (como smartphones) e h at quem crie e lance de

    maneira independente jogos de cartas ou de tabuleiro desta maneira.

    Quem cria, produz e lana um jogo independente muitas vezes o faz por

    puro passatempo, mas h pessoas que produzem indie games com o intuito de

    mostrar suas ideias para alguma grande produtora ou publisher do mercado, e ter

    sua obra lanada com apoio e divulgao em alguma grande plataforma.

    No campo dos jogos eletrnicos temos vrios casos bem sucedidos dessa

    modalidade, mas eu gosto sempre de citar dois games em especial: Braid (2008) e

    Limbo (2010).

    Braid foi uma produo independente de um programador de software

    chamado Jonathan Blow. A primeira verso do game surgiu para Xbox, conquistou

  • 30

    uma legio de fs e logo ganhou verses para outras plataformas. O jogo um

    puzzle game que trabalha com uma mecnica de distoro temporal, onde o

    jogador para resolver os enigmas deve voltar no tempo, aceler-lo ou criar

    "bolhas" onde a passagem do tempo se manifesta de maneira diferente.

    Foi um dos jogos digitais que mais joguei no ano em que foi lanado e at

    hoje eu retomo algumas partidas para viver a excelente experincia de gameplay. O

    autor do game investiu U$ 200.000 em trs anos de desenvolvimento com alguns

    amigos, lanou-o como indie game e logo teve a ideia publicada para vrias

    plataformas pagas. O game levou prmios e gerou uma receita que deu lucro

    considervel para o autor.

    J Limbo outro puzzle game criado de maneira independente por uma

    produtora dinamarquesa chamada Playdead. Tambm foi lanado inicialmente

    para Xbox e logo se expandiu por outras plataformas.

    O jogo de plataforma 2D com enigmas visuais que devem ser resolvidos

    em um bizarro mundo em preto e branco que parece ser habitado por almas.

    Criado com um custo relativamente baixo, rendeu 7.5 milhes de dlares para a

    produtora em downloads e prmios.

    Em julho de 2012 eu tambm lancei um jogo independente, trata-se do

    Pyramyz. um board game abstrato para dois jogadores que utiliza dados

    piramidais em seu gameplay (acesse o contedo na internet na URL

    http://gameanalyticz.blogspot.com.br/2012/07/saindo-do-forno-pyramyz-post-

    n-1000.html para mais detalhes). A ideia era antiga e estava sendo rascunhada

    desde setembro de 2011; cansado de procurar editoras e publishers brasileiras que

    poderiam lanar o jogo resolvi investir eu mesmo na produo do Pyramyz.

    Produzi aproximadamente 100 unidades do jogo a um custo de R$

    5.000,00, incluindo dados, tabuleiro, manual e arte. Vendi com lucro mnimo

    atravs do meu blog, o http://gameanalyticz.blogspot.com e as 100 unidades se

  • 31

    foram em menos de dez dias sendo que algumas foram distribudas para contatos

    importantes.

    Se valeu a pena o tempo e o investimento? Muito. Enviei uma cpia do

    jogo para a editora europia Runadrake e em menos de um ms veio a surpresa:

    aceitaram publicar o Pyramyz em terras portuguesas com previso de distribuio

    em mais dois pases. Acredito que em 2013 o game estar nas game shops do velho

    mundo.

    Logo, se h um bom feeling em uma ideia ldica, v em frente. E se eu

    posso dar algumas dicas para todos aqueles que esto querendo dar vida aos seus

    projetos de maneira independente, so elas: 1) invista, mas no em excesso; 2)

    teste seu jogo (no importa a plataforma) muitas e muitas vezes antes de produzir;

    3) consiga contatos-chave e d uma cpia do seu game; 4) procure outros

    envolvidos com indie games para trocar experincias; 5) fique de olho no endereo

    http://indiegames.com/index.html que sempre oferece timas dicas e reportagens

    dentro da rea dos indie games; 6) no desista no primeiro; 7) a web um

    laboratrio excelente e deve ser aproveitada para distribuir demos (no caso de

    jogos eletrnicos) ou print and plays (no caso de card games e board games).

    E boa sorte para todos aqueles que se arriscam neste divertido nicho dos

    games e podem ficar milionrios com uma boa ideia.

  • 32

  • 33

    _Entrevista com Gonzalo Frasca

    Existem alguns estudiosos da rea de games que admiro muito, e entre eles

    est o uruguaio Gonzalo Frasca.

    Frasca (Montevidu, 1972) um game designer e pesquisador acadmico

    que focou seus estudos em serious games e jogos polticos. Serious games podem ser

    explicados como jogos com uso profissional, educacional e pedaggico. Este tipo

    de jogo mistura narrativa com mecnicas ldicas para enviar uma mensagem de

    teor srio aos jogadores envolvidos no processo. (IUPPA & BORST, 2007)

    Durante sua trajetria, Frasca fundou a Powerful Robot Games que um

    estdio de criao de jogos localizado na sua cidade natal de Montevidu. Dentro

    do campo de teoria dos jogos, Frasca se enquadra na categoria de ludologista,

    estudando games como simuladores baseados em regras.

    H alguns meses eu venho trocando e-mails com Frasca e atormentando

    a vida dele com perguntas e pedidos de colaboraes de textos para o meu blog, o

    Gaming Conceptz (http://gamingconceptz.blogspot.com). Em uma dessas

    famigeradas trocas de e-mails, sugeri uma breve entrevista com essa lenda da rea

    de pesquisa de games; ele, sem titubear, aceitou. Voc confere nosso papo nas

    linhas a seguir. (A breve entrevista que segue foi feita em setembro de 2012)

  • 34

    1) Como voc se tornou um pesquisador de serious games?

    Frasca: Eu sou interessado em games. Serious games tentam levar os games mais

    alm. Logo, acredito que qualquer pessoa interessada em publicar games deve ser

    interessada em serious games tambm. Eu tambm creio que alguns serious games,

    mesmo no sendo bem sucedidos, levantam questes para nos fazer melhores

    game designers.

    2) Qual seria a melhor definio para ludologia? E narratologia?

    Frasca: Ludologia apenas uma palavra para pesquisa de jogos e mecnicas de

    jogos. Simples assim. J narratologia tem vrias definies, mas basicamente a

    disciplina que estuda histrias e storytelling.

    3) Ns podemos ver, atualmente, uma onda de estudos sobre o uso de

    mecnicas de jogos em diferentes reas do conhecimento. Qual a sua opinio

    sobre a buzzword gamification?

    Frasca: Eu vejo um monte de buzzwords indo e virndo. Eu penso positivamente

    no fato de algumas pessoas estarem preocupadas em aplicar mecnicas de jogos em

    outros campos. Se gamification est aqui para ficar ou vai sumir, s o tempo nos

    dir. No geral, eu tento no acreditar em receitas e a maioria do que eu vejo sobre

    gamification me soa como uma frmula mgica, mas eu posso estar errado.

    4) O uso de serious games para campanhas polticas e educao

    melhorou/aumentou nos ltimos anos?

    Frasca: Na verdade, no. E esta uma pergunta interessante. A resposta que eles

    no so relevantes para o pblico em geral. Eu acredito que ainda estamos

    esperando a massa crtica nesse caso. Mais cedo ou mais tarde acontecer

    especialmente em educao.

  • 35

    Esta minha atual obsesso. Eu poderia dizer que atualmente sou mais interessado

    em educao do que em games. Bem, na verdade, difcil observar um sem

    considerar o outro.

    5) O mundo est ficando cada vez mais ldico, com novas interfaces digitais

    disponveis e mdias sociais. Isto um fato. As empresas e as agncias de

    publicidade esto prontas para estas mudanas?

    Frasca: Eu no tenho certeza. Video games so considerados cool por si s, no por

    causa do que eles podem fazer. No por causa da tecnologia, por causa das

    convenes sociais. Quanto mais incorporado o jogar est na nossa cultura, mais

    fcil fica de entender o uso dele em nosso mundo.

    6) Mande uma mensagem final para os novos pesquisadores da rea de games

    e game design.

    Frasca: Joguem meu novo game para iOS, o Space Holiday! No est na categoria

    de serious game e nem political game, mas trata-se de um divertido puzzle game. Eu

    sempre gostei de puzzle games e sempre pensei que este o tipo de jogo que eu

    gosto de criar. Faam o download na iTunes Store!

    E agora, a mensagem final: fique longe de rtulos como game researcher, game

    designer, criador, jogador, etc. pois estas categorias se sobrepe o tempo todo. Voc

    no consegue ser bom em uma delas se no for bom em todas as outras.

    _Referncia bibliogrfica:

    IUPPA, Nick & BORST, Terry. Story and simulations for serious games: tales from the trenches. Burlington: Focal Press, 2007

  • 36

  • 37

    _Dois exerccios de game design

    Este texto de contedo relacionado especificamente prtica de game

    design. Na verdade vou dividir com os leitores dois exerccios que eu costumo

    utilizar com os participantes de workshops que ministro sobre o tema.

    Muitas vezes, exercitar a criao de novos jogos pode vir da inspirao de

    recriar jogos clssicos e consagrados. Pensando nisso, quero deixar aqui duas

    sugestes de atividade para os entusiastas pensarem com carinho.

    A primeira atividade criar um jogo da velha para trs jogadores. Parece

    fcil, mas voc ver que muitos elementos precisam ser mudados e ajustados para

    que o game funcione. Este exerccio est presente no livro Challenges for Game

    Designers e realmente um bom brain burner para achar uma soluo vivel,

    simples e divertida.

    Quando eu trabalhei nesse exerccio pela primeira vez, criei a seguinte

    ideia: um cubo mgico de Rubik com todas as faces em cor branca. Cada jogador

    na sua vez - com uma caneta especial e cada um com uma cor diferente - pode

    pintar um quadradinho de um lado do cubo e realizar trs movimentos. A ideia ,

    em algum momento, fazer uma linha horizontal, vertical ou diagonal com a sua cor

    em um dos lados.

  • 38

    A segunda atividade que costumo propor envolve o clssico jogo de tnis

    de mesa abstrato, o Pong. Tente fazer o Pong para um jogador, s que acrescente

    elementos que o tornem mais desafiador como efeitos na bolinha e/ou na raquete.

    Nesse caso eu criei o Pont em Adobe Flash, que voc pode jogar e analisar nesse

    endereo http://www.vincevader.net/games/pont/ .

    Bom treino de game design!

    _Referncia bibliogrfica:

    BRATHWAITE, Brenda & SCHREIBER, Ian. CHALLENGES FOR GAME DESIGNERS: non-digital exercises for video game designers. USA: Cengage, 2009.

  • 39

    _A figura do interator

    Neste texto eu gostaria de discutir sobre uma intrincada figura surgida dos

    tempos de comunicao e tecnologias convergentes em que vivemos: trata-se do

    interator.

    O ecossistema do interator o mundo das telas conectadas, um ambiente

    onde tablets recebem contedos diretamente dos aparelhos de TV e smartphones

    interagem com displays digitais em um ponto de venda.

    Esta breve introduo a respeito do interator nos fornece uma noo de

    expectativas e anseios de um consumidor diferenciado dentro do cenrio

    contemporneo.

    O nome interator evoca na raiz de seu significado a ideia de um ator

    que interage com algo. Como um termo muitas vezes ligado a um cenrio de

    tecnologia, a ideia de interator pode parecer - em um primeiro momento -

    unicamente ligada ao universo dos jogos eletrnicos. Mas devemos pensar em

    todas as possibilidades interativas em mltiplas plataformas digitais.

    O universo dos games possui sim uma importncia muito grande quando

    buscamos referncias para estudar a figura do interator. Ao voltarmos nosso olhar

    para alguns anos no passado vemos a figura em questo emergindo em um dos

  • 40

    primeiros experimentos de games eletrnicos da histria: o Pong. Segundo Cohen

    (1984, p.17) o Pong era uma representao abstrata de uma partida de tnis de

    mesa entre dois jogadores, que usavam controles rudimentares simulando as

    raquetes e que faziam com que um retngulo branco se movimentasse

    verticalmente na tela. Este game que surgiu em arcades e consoles em 1972, e

    transformou a TV de certa maneira. O Pong fez com que o espectador (viewer)

    fosse alm de um jogador (player) e levou-o a experincias interativas nicas,

    mostrando nuances iniciais da figura do interator.

    Partindo desse princpio, podemos comear a desenhar o conceito de

    interator. Janet Murray, em sua obra Hamlet no Holodeck, prope que o elemento

    transformador de um espectador comum em um interator a capacidade de

    agncia, entendida como a capacidade de realizar aes significativas e ver os

    resultados de nossas decises e escolhas. Segundo a autora, espera-se sentir

    agncia no computador quando se d um duplo clique sobre um arquivo que se

    abre diante de ns, ou quando se insere nmeros em uma planilha eletrnica e se

    observa os totais serem reajustados. (2001, p. 127).

    Com os entrelaamentos entre diferentes plataformas pode-se pressupor

    que a capacidade de agncia no se limite apenas a operar um software, abrir um

    arquivo no computador ou jogar um game eletrnico. Talvez seja possvel propor

    que a capacidade de agncia se amplie de uma plataforma outra e se complete

    com experincias transmiditicas.

    A figura do interator caminha por diferentes plataformas conectadas,

    explorando o que cada uma tem de melhor a oferecer em termos de interatividade

    e contedo.

    Tomando como exemplo um produto com diferentes desdobramentos

    em diversas plataformas miditicas, como a srie de animao Star Wars: Clone

    Wars, observa-se que enquanto um indivduo acompanha um captulo na televiso

    ele espectador. Ao terminar o episdio, se o mesmo indivduo se conecta

  • 41

    internet para discutir a trama com outros usurios, joga um game da franquia, cria

    teorias para os prximos captulos em redes sociais ou busca sites de notcias para

    discutir o contedo da srie, ele est assumindo, ento, a postura de interator.

    bom lembrar que apenas alguns indivduos mais envolvidos com o seriado

    assumem essa postura participativa que demanda tempo na internet e

    disponibilidade para esse tipo de produo.

    Muitas vezes o papel de interator se funde ao papel de f quando se trata

    de um produto cultural miditico. Serve-se aqui da observao de Henry Jenkins

    (2006, p. 41), sobre o significado cultural do f:

    No se torna um f apenas por assistir regularmente determinado programa, mas por traduzir esta experincia em algum tipo de atividade cultural, por compartilhar idias e impresses sobre o programa com os amigos, por ingressar em uma comunidade de fs que compartilham interesses em comum. Para os fs, natural que o consumo deflagre a produo, a leitura gere a escrita, a cultura do espectador se torne cultura participativa.

    Jenkins (2008), em obra posterior, refora a argumentao proposta por

    Murray (2001) de que a distino entre autor, leitor, produtor, espectador, criador

    e intrprete difcil de ser realizada na figura do consumidor desse tipo de srie,

    mas que definitivamente ele tudo isso na figura do interator.

    Murray (2001, p. 50) classifica esses interatores como audincia ativa

    quando os autores e produtores de uma fico seriada expandem a histria para

    incluir nela mltiplas possibilidades, o leitor adquire um papel mais ativo e talvez,

    por conseqncia, mais criativo.

    Observar o comportamento do interator na contemporaneidade faz

    parte do trabalho de estudar e pesquisar nuances do comportamento de consumo

  • 42

    e participao em mdia digital desse pblico, que cresce cada vez mais no mundo

    de telas conectadas e tecnologias convergentes que vivemos.

    _Referncias bibliogrficas:

    COHEN, Scott. Zap: the rise and fall of Atari. New York: McGraw-Hill, 1984. JENKINS, Henry. Cultura da convergncia. So Paulo: Aleph, 2008. JENKINS, Henry. Fans, bloggers and gamers: exploring participatory culture. New York: NYU Press, 2006. MURRAY; Janet. Hamlet no Holodeck O futuro da narrativa no ciberespao. So Paulo: Ed. Unesp, 2001

  • 43

    _Games & interfaces

    Muitas vezes no nos damos conta do tanto de interfaces que esto ao

    nosso redor diariamente. Quando acionamos a tela do smartphone, sacamos

    dinheiro no caixa eletrnico, entramos no menu de um blu ray ou quando ligamos

    a tela inicial de um video game na televiso, estamos interagindo com interfaces.

    Especialistas dizem que as boas interfaces so aquelas que desaparecem

    aos olhos e percepo do usurio. Se a interface for boa, consequentemente ser

    intuitiva e de fcil aprendizado para quem vai interagir com a mesma.

    Johnson (2001, pg. 17) diz que a interface atua como uma espcie de

    tradutor, mediando entre duas partes, tornando uma sensvel para a outra. Em

    outras palavras, a relao governada pela interface uma relao semntica,

    caracterizada por significado e expresso, no por fora fsica.

    E, logicamente, quando falamos em games surge a importncia de

    entender alguns aspectos primordiais para uma boa interface. Dos casual games at

    games mais complexos imperativa a necessidade de ter elementos claros expostos

    nas telas e que estes nunca confundam ou transformem a experincia do player em

    algo negativo.

  • 44

    Angry Birds um excelente exemplo de jogo casual com interface clara

    para o usurio, pois todo mundo sabe como funciona um estilingue. O jogo, de

    maneira intuitiva, faz com que voc leve seu dedo para arremessar os pssaros

    contra os obstculos com uma instruo que consiste de uma imagem simples com

    uma seta apontando o que deve ser feito.

    Mesmo jogos complexos em sua estrutura, como os de tiro em primeira

    pessoa, devem possuir uma interface intuitiva embutida em sua estrutura. No a

    toa que muitos desses jogos utilizam os botes de gatilho dos joysticks

    (acionados com os dedos indicadores), para simular os comandos de mira e

    disparo.

    Brent (2005) em seu livro Game Interface Design aponta alguns

    caminhos para criao de interfaces intuitivas e amigveis pensando nos jogadores

    de diferentes plataformas de games digitais.

    Segundo este autor (pg. 2) mais importante do que o aspecto visual do

    jogo a sua funcionalidade. Uma interface pobre pode arruinar por completo a

    experincia do game. Esta experincia ser negativa se o usurio ficar confuso e no

    conseguir navegar com clareza no menu inicial ou se ele no entender onde

    encontrar informaes enquanto joga o game.

    Brent ainda afirma que um planejamento detalhado para a interface de um

    jogo pode realmente ajudar no processo de game design (pg. 10). O autor ainda

    destaca que simplicidade e organizao podem ser seus objetivos principais no

    processo de game design. O usurio vai ter uma experincia positiva se estiver apto

    a olhar para a tela e, instantaneamente, saber o que tem que fazer. (pg. 69).

    Por ltimo, a experincia de interface formada de muitos olhares. Testar

    um jogo sozinho por dez vezes vicia o olhar e faz detalhes importantes passarem

    despercebidos; testar um jogo por uma vez com dez pessoas diferentes foca em

    problemas que podem ser resolvidos e melhora a experincia de interface de um

    game.

  • 45

    _Referncias bibliogrficas:

    FOX, Brent. Game interface design. Boston: Thomson Course Technology, 2005. JOHSON, Steven. A cultura da Interface. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 2001.

  • 46

  • 47

    _Metagame: o jogo dentro do jogo

    Batman Arkham City foi, sem dvida nenhuma, um dos grandes

    lanamentos de 2011. Confesso que meu favorito ainda Batman Arkham

    Asylum, mas estou extremamente satisfeito com a experincia de jogo que o

    segundo ttulo da srie me proporcionou.

    O game possui uma srie de pontos que merece destaque especial:

    mecnica de combate excelente (com sequncias de combos divertidssimas),

    cenrios belssimos (e sombrios), uma seleo primorosa de viles (ok, isso fcil

    quando se trata do Batman), desafios inteligentes e, por ltimo, uma srie de mini

    games dentro da trama principal. Gostaria de me ater a este ltimo ponto para a

    discusso desse texto.

    Em Batman Arkham City o jogador possui uma srie de misses

    secretas escondidas no cenrio para completar em paralelo misso principal.

    Alguns exemplos destas misses so: resolver enigmas do Charada espalhados pelo

    mapa, encontrar os signos msticos do personagem Azrael, salvar prisioneiros

    polticos, salvar vtimas do vilo Deadshot, destruir gales cheios de veneno,

    melhorar sua performance ao planar pelo cenrio, etc.

  • 48

    O contedo extra oferece horas a mais de diverso e uma quantidade

    maior de trofus (ou achievements) para o jogador exibir. Porm, o que nos chama

    a ateno que tambm oferece a experincia do jogador participar do metagame.

    Em alguns livros de roteiros de games h uma srie de definies e estudos

    para definir o termo, mas uma definio bem objetiva do que metagame est na

    Wikipedia e me agrada bastante. L est descrito que metagame um termo amplo

    usado normalmente para definir uma estratgia, ao ou mtodo que transcende

    um set de regras prescrito usando fatores externos que afetam o game ou vo alm

    dos supostos limites do ambiente proposto pelo game.

    No caso de Batman Arkham City alm dos mini games que correm em

    paralelo com a trama principal h ainda um contedo extra oferecido pelo jogo que

    amplia a experincia: uma divertida ferramenta de busca na web (como o Google)

    gerenciada pelo mordomo e brao direito do Batman, Alfred Pennyworth. No

    endereo http://alfredatyourservice.co.uk/ (visitado em 09/07/2012) podemos

    comtemplar esta ampliao do universo do jogo para fora do jogo.

    J no primeiro jogo da srie, o Batman Arkham Asylum, havia uma

    srie de extra challenges e o site http://arkhamcare.com/ (visitado em

    09/07/2012) que trazia uma experincia transmiditica com o intuito de fazer

    com que o player ampliasse sua participao no jogo para alm de uma tela s.

    A maioria dos grandes lanamentos de video games est trabalhando com a

    ideia de metagame. As produtoras entenderam que um game deve proporcionar

    experincias em diferentes nveis para seus usurios e que elas devem pensar em

    quem quer somente passar pela trama principal, mas devem dar ateno especial

    para todos que desejam ter um aprofundamento no universo do jogo. Este

    aprofundamento pode vir como mini games dentro do game principal, partidas

    multiplayer ou desdobramentos transmiditicos que complementam a experincia

    do game.

  • 49

    Preste ateno no prximo jogo que voc for experimentar. Sem querer,

    pode ser que voc j esteja envolvido na experincia do metagame e nem percebeu.

    _Referncia:

    Wikipedia: http://en.wikipedia.org/wiki/Metagaming

  • 50

  • 51

    _Quando universos colidem: games & filmes / filmes & games

    Neste texto eu gostaria de destacar algumas caractersticas que transitam

    entre os games e os filmes e vice-versa. Sabemos que ambos so produtos culturais

    inseridos na ampla indstria do entretenimento e, sem dvida, um influencia

    consideravelmente o outro em termos de linguagem, dinmica e esttica.

    Em alguns momentos, os dois mundos que discutimos neste texto se

    hibridizam e formam experimentos interessantes como o game Heavy Rain

    (Quantic Dream, 2010) onde o componente narratolgico alcana uma dinmica

    bem prxima do que poderamos resumir como um filme interativo e ldico. O

    jogador comanda aes em modelo de rvore de deciso, que vo se

    desenvolvendo como cenas de um filme entre um apertar de boto e outro. Heavy

    Rain trabalha com a ideia de que mltiplas decises durante o percurso geram

    finais diferentes, aumentando, assim, a possibilidade de um player experienciar

    novamente a trama, optando por caminhos (e decises) diferentes.

    Parece que uma coisa possivelmente certa: apesar das diferenas de

    plataforma inegvel que os filmes influenciam a linguagem dos games e vice-versa.

    E quando observamos a transio de contedo entre estas plataformas,

  • 52

    percebemos que h uma estratgia de desdobramento transmiditico que remonta

    aos primeiros consoles lanados na dcada de 1980. Nos primrdios desta dcada,

    havia o filme E.T (Steven Spielberg, 1982) e ento foi criado o jogo E.T.(Atari,

    1982) baseado na pelcula. Avanando alguns anos, tivemos o lanamento do jogo

    Silent Hill (Konami, 1999) e ento foi feito o filme sobre o game (Christophe

    Gans, 2006). H uma inverso de papeis nesse mbito onde primeiro os filmes se

    desdobram em jogos e depois os jogos so moldados para irem para o cinema.

    Trazendo esta discusso para o lado dos games, podemos recorrer a uma

    importante figura deste mercado: trata-se de Sidney "Sid" Meier (1954). Meier

    um programador canadense e designer de vrios strategy games para computador,

    sendo "Civilization" uma de suas obras mais conhecidas. O game designer, sem

    dvida, um dos maiores colaboradores criativos da indstria de games na

    atualidade.

    Meier diz que h uma diferena crucial entre games e filmes. No game,

    quanto maior a ateno que focada no jogador, maior a chance do game ser bem

    sucedido. Em um filme, voc est vendo a histria de outro algum, logo, quanto

    melhor for a histria, os atores, os efeitos, etc. mais interessado o espectador pode

    se tornar durante a experincia.

    Michael Nitsche (p.57) em seu livro Video Game Spaces, aponta que um

    diretor de cinema diz "olhe aqui, eu vou te mostrar algo" e o game designer (ou

    spacemaker, como denomina o autor) diz "olhe aqui, eu vou te ajudar a descobrir

    algo".

    Ainda dentro deste contexto podemos recorrer ao autor Henry Jenkins

    que sugere que ns devemos pensar nos game designers menos como contadores

    de histrias e mais como arquitetos de narrativa" (p.129) os quais "no contam

    simplesmente histrias, mas criam mundos e esculpem espaos de interao e

    deciso" (ibid. 121).

  • 53

    Qual o limite para as fronteiras entre estes dois campos? Esta uma

    pergunta difcil de responder. Alguns estudiosos prevem um futuro com formas

    hbridas nada convencionais tanto para os games quanto para os filmes. Um fato

    inegvel: independente de qual ir se mesclar com o outro, deveremos sempre ter

    um foco no usurio/jogador/interator/espectador.

    Como reflexo final, vale a ideia de Jenkins (2008, p. 39) de que os meios

    de comunicao e plataformas de acesso a contedo nunca morrem nem

    necessariamente desaparecem. O que morre so apenas as ferramentas que usamos

    para acessar seu contedo e a maneira como o contedo oferecido.

    _Referncias bibliogrficas:

    NITSCHE, Michael. VIDEO GAME SPACES image, play and structure in 3D worlds. Massachusetts: MIT Press, 2008. JENKINS, Henry. "Game Design as Narrative Architecture" In First Person: New Media as Story, Performance and Game, edited by Pat Harrington and Noah Wardrup-Fruin, 118-131. Cambridge, MA, and London: MIT Press, 2004. JENKINS, Henry. Cultura da convergncia. So Paulo: Aleph, 2008

  • 54

  • 55

    _Cinco planos

    interessante examinar, dentro da indstria do entretenimento, a rea de

    games eletrnicos. Esta, nos ltimos anos, tornou-se um espao privilegiado de

    mediao, construo de narrativa e consumo de servios e bens (materiais e

    simblicos).

    Dentro dos estudos que dizem respeito a esta rea h uma referncia

    bibliogrfica extremamente inspiradora para este texto. Trata-se do livro "VIDEO

    GAME SPACES - image, play and structure in 3D worlds" que traz uma

    abordagem extremamente didtica no que tange ao processo de materializar a

    interface entre o game e os jogadores.

    O autor Michael Nitsche (2008) teoriza sobre a ideia de "cinco planos"

    que compe o ecossistema entre game e player. Segundo o autor, este cinco planos

    so:

    1) O plano das regras: que , basicamente, o que est contido na

    plataforma ou console do jogo. Este conjunto de leis estabelece - por exemplo -

    fsica, inteligncia artificial, limites e arquitetura dos nveis do game. importante

    lembrar que os jogadores no precisam entender a lgica do cdigo por trs do

    jogo, eles devem decodificar o mundo do game que lhes proposto na tela, por

  • 56

    mais fantasioso ou abstrato que este seja. Nesse caso, como afirma Turkle (1984,

    p.83) "alm da fantasia, h sempre as regras".

    2) O plano mediado: que o que exibido na tela ao jogador. O espao

    de uso da imagem que cria a imerso do player no universo proposto. Aqui

    podemos ter as animaes, intervenes cinemticas e grficos do jogo

    (independente, novamente, de serem abstratos ou ultra realistas).

    Ao tratarmos do quesito mediao podemos recorrer a uma citao do

    autor Martn-Barbero (2004, p. 215) que diz que as novas plataformas miditicas

    mediam a produo de imaginrios que de algum modo integram a desgarrada

    experincia urbana dos cidados. Estas plataformas, de alguma maneira,

    introduzem no cotidiano o espetculo da televiso ou tiram a pessoa do mundo

    real levando-a a uma experincia que chega a ser hiper-real atravs da internet ou

    de um console de video game .

    3) O plano ficcional: que o espao "imaginado" na mente dos jogadores.

    Em outras palavras: o ambiente que vive na imaginao dos mesmos. Como

    observa Koster (2005, p.105) desde de que crebros diferentes possuem diferentes

    foras e fraquezas, pessoas com gostos diferentes vo ter concepes variadas a

    respeito dos games que jogam.

    4) O plano de jogo: que o espao que inclui o jogador e o hardware do

    jogo. o espao significativo que cria o ato de jogar.

    5) O plano social: definido pela interao com outros players. O espao

    onde jogadores podem - possivelmente - interagir com outros jogadores. Ou

    porque esto vivendo uma experincia ldica lado a lado presencialmente ou

    porque esto em lugares distantes conectados em modo multiplayer.

    Parece que independente do grau de complexidade da plataforma e das

    experincias vividas pelos jogadores importante observar a relao game/player

    em diferentes camadas ou superfcies. Entender os rizomas que permeiam a tela

    onde est sendo exibido um game e a mente do jogador que est na frente dela

  • 57

    parece ser a chave para entendermos muitos processos do campo ldico e como

    construir experincias mais imersivas para diferentes tipos de pblico.

    No entanto, a riqueza da ideia de cinco planos de Nitsche no pode ser

    sintetizada nessa breve discusso. Deixo o convite ao leitor para se aprofundar no

    assunto lendo as ideias desse autor no livro supracitado.

    _Referncias bibliogrficas:

    KOSTER, Raph. A theory of fun for game design. Arizona: Paraglyph Press, 2005. MARTN-BARBERO, Jess. Ofcio de cartgrafo: travessias latino-americanas da comuicao na cultura. So Paulo: Loyola, 2004. NITSCHE, Michael. VIDEO GAME SPACES - image, play and structure in 3D worlds. Massachusetts: MIT Press, 2008. TURKLE, Sherry. The Second Self: Computers and the Human Spirit. New York: Simon & Schuster, 1984

  • 58

  • 59

    _O complicado mercado brasileiro de games

    Quando escrevemos sobre dados de mercado sempre camos no risco de

    datar algum tipo de contedo, mas creio que vlida a observao de algumas

    caractersticas do peculiar mercado brasileiro de games.

    Em outubro de 2012, o jornal Folha de So Paulo publicou um estudo* -

    realizado pelo Ibope juntamente com a consultoria de pesquisa GFK e Acigames -

    sobre o mercado tupiniquim de jogos.

    A chamada da matria aponta que "o mercado brasileiro de games j o

    quarto maior do mundo e deve continuar a crescer". Outros pontos que merecem

    destaque neste estudo:

    1) De cada 100 brasileiros, 23 jogam games. Esta porcentagem

    corresponde cerca de 46 milhes de pessoas.

    2) Os gamers brasileiros se distribuem em 67% que jogam com console,

    42% via computador ou notebook, 17% via smartphone ou tablet e 7% com

    consoles portteis.

    3) Contrariando a ideia de que games so "coisa de menino", 47% do

    pblico gamer composto de mulheres.

  • 60

    4) O mercado, que em 2011 movimentou R$ 840 milhes, crescer em

    mdia 7,1% por ano at 2016 quando atingir R$ 4 bilhes.

    Com tanto potencial, aparece uma dvida: por que o governo no investe

    na rea? Estamos com o terreno pronto para crescer cada vez mais dentro deste

    mercado e tudo o que vemos so impostos abusivos e burocracia para a entrada de

    grupos investidores estrangeiros.

    Talentos no faltam para potencializar uma indstria criativa deste porte

    aqui no Brasil. Parece que o que falta viso para enxergar as inmeras

    possibilidades.

    Temos nmeros expressivos para web e mobile, mas parece estar longe o

    dia em que teremos ttulos 100% brasileiros se destacando na praia de consoles.

    Eu ainda tenho esperana de ver isso acontecer. Enquanto isso, vamos

    brigando para produzir nossos jogos com as ferramentas que esto disponveis.

    _Referncia:

    *Estudo publicado pelo jornal Folha de So Paulo na URL: http://www1.folha.uol.com.br/tec/1165034-mercado-brasileiro-de-games-ja-e-o-quarto-maior-do-mundo-e-deve-continuar-a-crescer.shtml

  • 61

    _Keep it Simple

    Este texto dedicado aos novos game designers, entusiastas da rea de

    desenvolvimento de jogos e estudiosos do universo ldico.

    Atualmente, a indstria de games tem crescido de maneira gigantesca. J

    no novidade que dentro da rea de entretenimento os games superaram faz

    tempo o cinema e a msica em termos de faturamento. Os desdobramentos

    transmiditicos gerados a partir de produtos relacionados aos jogos so tantos que

    fica at difcil separar os faturamentos absolutos dentro dessa complexa trama

    comunicacional.

    Logo, em uma rea onde a expanso parece no ter limites, soa natural

    congregar diferentes tipos de jogos e, consequentemente, diferentes tipos de

    consumidores (ou melhor, jogadores).

    Dentro deste complexo contexto onde surgem diferentes modalidade de

    jogadores, tambm aparecem oportunidades criativas de naturezas variadas. Ou

    seja, os mltiplos pblicos tambm geram caminhos variados dentro desse

    mercado to efervescente.

    Todo game designer certamente j sonhou, em algum momento de sua

    trajetria, criar um complexo jogo para console ou PC para um tipo especfico de

    jogador: o heavy user gamer. Isso timo, mas no podemos esquecer que,

    atualmente, uma grande parte do consumo de games gerada por outro tipo de

  • 62

    pblico: os casual gamers. O alto nmero de games casuais que surgiram para

    download em plataformas como a App Store (Apple) e a Play Store (Google) nos

    do algumas pistas para o enorme potencial dessa rea. Sem contar os inmeros

    ttulos de games casuais que tambm existem para consoles.

    E o que vem a ser um casual game? Segundo Trefay (2010), casual games

    podem ser definidos como jogos rpidos de experimentar, detentores de

    mecnicas simples e extremamente acessveis. Neste tipo de jogo, segundo o autor,

    regras e objetivos devem ser muito claros e os jogadores devem adquirir

    proficincia de maneira rpida. O casual game se adapta ao cotidiano e agenda do

    jogador.

    No que tange o universo dos casual games, parece que a essncia de

    sucesso determinada pelo mantra pregado por vrios game designers consagrados

    dessa modalidade. Trata-se do "keep it simple" ou mantenha simples em uma

    traduo livre. E "simples" (ou casual) no sinnimo de "pobre" neste caso.

    Criar bons games casuais um desafio enorme para os game designers.

    Sucessos mundiais como Angry Birds, Temple Run e Draw Something so boas

    provas disso.

    Quando se cria um casual game, vale a lio nmero um das aulas de

    marketing: conhea bem seu pblico alvo; ou melhor, mantenha sempre o jogador

    casual em mente. E procure sempre manter a simetria da simplicidade seguindo

    alguns conselhos simples que apresento a seguir:

    1) Contedo relevante e storytelling interessante completam uma boa

    mecnica simples;

    2) Uma mecnica bem definida que dispense longas explicaes aliada

    com uma interface intuitiva constitui um fator de sucesso. Pense em Angry Birds e

    lembre-se que todo mundo sabe jogar este jogo porque usar um estilingue um

    conhecimento quase universal.

  • 63

    3) Pense em como o jogo se encaixa no cotidiano e nos momentos de

    micro-tdio da vida do player.

    4) Pense em como o game pode funcionar em diferentes plataformas. Os

    casual games de sucesso ampliam suas trajetrias atravs de PC, console e mobile

    devices.

    5) Crie o jogo prevendo expanses, desdobramentos e atualizaes. A

    chave para continuar com o player do seu lado sempre chamar a ateno do

    mesmo para novidades.

    6) O casual game deve ter uma essncia elegante e significativa em sua

    composio. Salen e Zimmerman, no prefcio do livro Rules of Play (p.XIII e

    p.XIV, 2004), explicam que o PONG, um dos primeiros experimentos de games

    domiciliares, apesar da interface rudimentar que representava uma partida de tnis

    de mesa possua significado para o jogador. O PONG fcil de aprender, rpido de

    jogar, cada partida nica e, acima de tudo, diverte e gera experincia para os

    jogadores.

    importante lembrar que tpicos acima so apenas conselhos. No h

    regras e tampouco receitas prontas ou frmulas de sucesso. O que importa estar

    sempre munido de referncias e repertrios variados do universo ldico.

    No importa a categoria, a nica certeza de que os continues so infinitos

    quando o assunto criao de games.

    _Referncias bibliogrficas:

    SALEN, Katie & ZIMMERMAN, Eric. Rules of Play: game design fundamentals. Massachusetts; The MIT Press, 2004 TREFY, Gregory; KAUFMANN, Morgan. Casual Game Design. Burlington: Morgan Kaufmann, 2010

  • 64

  • 65

    _RPG, MMORPG e mundos virtuais

    Escrevi as reflexes deste texto originalmente para a revista Marketing, em

    julho de 2007. Apesar da data distante, h alguns pontos do material que achei

    interessante editar e republicar dentro do contedo deste livro, pois h alguns

    registros histricos e conceitos que eu, particularmente, considero essenciais para

    estudarmos dentro do universo ldico.

    De 2007 para c, tivemos um crescimento exponencial na modalidade de

    games intitulada Massive Multiplayer Online Role Playing Games, ou MMO (como

    os adeptos costumam tratar) e, desde a publicao do contedo na revista

    Marketing, este tipo de game multi-jogadores se sofisticou no somente em

    tecnologias, grficos e interao digital, mas tambm em termos de modelo de

    negcio. Jogos como o World of Warcraft, por exemplo, movimentam uma

    quantidade de dinheiro em seu universo que muito maior que o PIB de vrios

    pases do mundo.

    Porm, antes de falarmos sobre MMORPGs importante olharmos para

    trs, mais precisamente para o incio da dcada de 70 para encontrarmos a

    modalidade original que possivelmente foi a inspirao e referncia para estes

    jogos on-line: os Role Playing Games (RPGs).

  • 66

    Em 1974, surgia nos Estados Unidos um jogo diferente: tinha tabuleiro,

    peas, dados em formato de poliedros variados e uma particularidade, pois

    misturava ao com representao teatral. Era o Dungeons & Dragons, uma das

    primeiras experincias bem sucedidas de RPG. Nele, os jogadores, com suas fichas

    de personagens, interpretavam papis de fantasia medieval, como guerreiros, elfos,

    magos, e construam uma narrativa junto com uma pessoa que encarnava o papel

    de Mestre de Jogos, responsvel por narrar a saga para as demais pessoas. A

    grande inovao que o RPG trouxe na poca foi a de que era um jogo que no

    tinha necessariamente ganhadores ou perdedores, todos os que jogavam tinham

    como objetivo dar continuidade a uma aventura para que ela durasse o maior

    tempo possvel.

    Novas modalidades desses jogos foram surgindo no decorrer dos anos.

    Novos cenrios, novas regras, e o jogo foi se difundindo em todo o mundo,

    inclusive no Brasil. Com a popularizao dos computadores pessoais na dcada de

    80, e os video games nos anos 80 e 90, surgiram alguns RPGs eletrnicos, porm

    ainda limitados, pois tinham fim pr-determinado e, consequentemente, no

    permitiam que a experincia se ampliasse.

    Foi com a internet que os jogos deram grande salto, pois surgiu a

    possibilidade de criar personagens, jogar com pessoas do mundo todo e atuar em

    aventuras que agora no possuam fim pr-determinado. Surgiram ento os

    Massive Multiplayer Online Role-Playing Games (MMORPGs).

    Fazendo um breve levantamento de informaes na Wikipedia,

    poderamos definir MMORPG como um jogo de computador e/ou videogame

    que permite a milhares de jogadores criarem personagens em um mundo virtual

    dinmico, ao mesmo tempo, na Internet. Ou seja, consegue-se criar um

    personagem digital que ir viver e interagir com outros seres digitais em um

    ambiente/mundo virtual. Porm, esta parece ser uma definio muito rasa.

  • 67

    Segundo Richard Allan Bartle (2003), um dos criadores do primeiro

    ambiente virtual experimental em 1978, os MMORPGs podem se enquadrar na

    categoria de "mundos virtuais". Nesse caso importante conceituar o termo

    virtual, muitas vezes apenas contrastado com real. O conceito de virtual ,

    contudo, mais amplo e envolve a idia de potencial, sendo constitudo de

    elementos intangveis que podem ser bastante reais para seus usurios.

    O pesquisador Rob Shields, da Universidade de Alberta, Canad, lembra

    que o virtual captura a essncia mutvel do real. Quando falamos em virtual

    estamos falando de possibilidades que podem se concretizar, entre outros espaos,

    em um ambiente construdo digitalmente. Um mundo todo de grficos, objetos e

    personagens animados que so comandados por pessoas reais. Ou seja, estamos

    falando de pessoas por trs de pixels.

    Esses mundos so implementados por um computador, ou uma rede

    deles, que simula um ambiente. Algumas entidades deste ambiente esto sobre o

    controle direto de pessoas reais. Como muitos podem afetar o ambiente virtual

    simultaneamente, o mundo chamado de compartilhado ou multi-user. Esse

    universo virtual categorizado como persistente, pois mesmo que alguns players

    saiam e voltem, ele no para de mudar.

    Bartle afirma ainda que mundos virtuais tm muitas aplicaes alm de

    entretenimento, sendo usados como simuladores militares e at com fins

    empresariais, mas os jogos de computador on-line ainda so o topo da cadeia de

    mercado de desenvolvimento nessa categoria. Mundos virtuais so ambientes de

    socializao, comunidade, role-playing, interao e lugares onde algumas pessoas e

    empresas enxergaram a possibilidade de criar comunicao, marketing e novos

    negcios.

    Os mundo virtuais se originaram dos antigos MUDs (Multi-User

    Dungeons). Os primeiros datam do final dos anos 70 e eram baseados em texto,

    como o jogo "ADVENTURE" ou o ZORK, com eventos e ambientes descritos

  • 68

    por palavras. A introduo de grficos computadorizados foi o segundo passo da

    histria - haviam ento MUDs textuais e MUDs grficos. Os MUDs evoluram

    para ambientes onde pessoas se conectavam simultaneamente e o universo

    mudava persistentemente. Assim surgiram os Massively-Multiplayer Online Role-

    Playing Games com jogadores munidos de suas representaes dentro dos

    universos digitais.

    No mundo dos MMORPGs essas representaes so chamada de

    avatares. A palavra avatar no hindusmo associada transfigurao e significa

    manifestao corporal de um ser imortal. No caso dos jogos a personificao que

    o jogador cria na tela. Uma vez criado o avatar, cabe ao jogador viv-lo, enfrentar

    batalhas com ele (no caso do jogo World of Warcraft), encarar monstrinhos

    divertidos para conquistar posies nos rankings (como no game Gunbound), lutar

    contra viles em metrpole futurista (como no jogo City of Heroes) ou encarnar

    um personagem jedi do universo de Star Wars dentro do ambiente de The Old

    Republic.

    Talvez fosse possvel estabelecer uma relao entre os avatares e o que o

    pesquisador Cludio Lcio Mendes nomeia de personagens-jogadores. Mendes

    (2006) mostra que, ao montarem as narrativas, os personagens-jogadores

    apoiaram-se nas alternativas propostas pelos jogos. Pouco importa se um

    Tiranossauro Rex a ser morto, um deus egpcio h muito esquecido ou uma esttua

    que toma vida. A fidedignidade parece no ser uma questo importante para tais

    eventos. O que importa a fantasia que eles carregam e a possibilidade de

    surpreender, atualizando as narrativas. Em suma, o importante conduzir-se como

    um sujeito-jogador-personagem no ato de jogar. Personagens so condutes que

    permitem aos jogadores interagir com outros jogadores no mundo virtual. Todos

    os atributos dos avatares, como poderes, vida, tens e estatsticas, so registrados

    em tempo real pelo servidor web, garantindo continuidade ao processo de jogar.

  • 69

    Quando o jogador sai e, aps um tempo, entra, ele encontra seu personagem da

    mesma maneira que o deixou.

    Alguns MMORPGs renem milhares de jogadores espalhados pelo

    mundo. Jogos como World of Warcraft permitem, atravs dos avatares, estabelecer

    contato com pessoas de todo o planeta. Basta pagar a taxa de acesso, conectar-se ao

    servidor e jogar. Alguns jogadores apontam de maneira hiperblica que tamanha

    a dimenso atingida pelo MMO World of Warcraft que, para muitos, mais do que

    um jogo, ele uma verdadeira religio.

    Ao observamos as delicadas conexes entre os RPGs, MMORPGs e

    outros mundos virtuais podemos entender um mundo de oportunidades de

    interao, gerao de contedo pelos jogadores e, sobretudo, uma nova forma de

    pensar modelos de negcios digitais para um pblico que trata este tipo de

    linguagem como algo natural em seu cotidiano.

    Ao retomar este texto de 2007, vislumbro o quanto ainda precisamos

    pesquisar e refletir sobre o assunto. Literalmente, precisamos estudar de maneira

    multiplayer este contedo para chegarmos a direes mais claras dentro das

    mltiplas possibilidades e enormes mudanas que esta modalidade peculiar

    oferece.

    _Referncias bibliogrficas:

    BARTLE, Richard Allan. Designing virtual worlds. Estados Unidos: New Riders Publishing, 2003 MASTROCOLA, Vicente Martin. Um mundo de possibilidades. Revista Marketing. So Paulo: Ed. Referncia, 07/2007, Nmero 413, pgs. 49 a 56.

  • 70

    MENDES, Cludio Lcio. Jogos eletrnicos: diverso, poder e subjetivao. Campinas: Ed. Papirus, 2006 SHIELDS, Rob. Performing Virtualities: Liminality on and off the Net. Artigo digital disponvel na URL: http://virtualsociety.sbs.ox.ac.uk/text/events/pvshields.htm , 2000.

  • 71

    _Advergames

    No novidade que as reas de comunicao, marketing e publicidade se

    utilizam de linguagens de diversos campos para constituir suas aes. A linguagem

    do cinema utilizada em um comercial, tcnicas de storytelling so empregadas em

    uma grande campanha para contar a histria de uma marca, a ideia de estratgia -

    oriunda do campo da guerra - utilizado em um plano de lanamento de produto,

    etc. Os exemplos que poderamos citar so incontveis e as reas de conhecimento

    empregadas tambm.

    Dentro desse contexto, a linguagem dos games tambm veio a ser

    utilizada como estratgia de comunicao e marketing. Como um produto cultural

    que faz parte da contemporaneidade, os games comearam a ser empregados para

    divulgar marcas, produtos e servios. Assim, o termo advergame (advertise +

    game) foi criado para caracterizar o uso de games (que podem ser analgicos e

    digitais) dentro de um ambiente de comunicao e marketing.

    O autor Ricardo Cavallini (2006, p. 81), de uma maneira bastante

    objetiva, observa que advergame a utilizao de jogos (independente de

    plataforma) como ferramenta de marketing. O autor discorre que h muitos tipos

  • 72

    de utilizao de jogos dentro da rea de comunicao, mas dois merecem especial

    destaque:

    1) In-game advertising: trata-se de replicar a propaganda do mundo real no

    mundo virtual, usando faixas, psteres, spots de rdio e outdoors. O SSX3, jogo

    de snowboard da Eletronic Arts usa outdoors da Honda e Seven Up em sua

    interface.

    2) Product placement: uso do produto dentro do contexto do jogo. Por

    exemplo, os personagens do game Devils may cry usam calas jeans da marca

    Diesel. Em Tom Clancys Splinter Cell Pandora Tomorrow o personagem um

    smartphone p900 da Sony Ericsson para cumprir misses. No Worms 3D da

    SEGA, os personagens bebem o energtico Red Bull para conseguirem dar pulos

    mais altos.

    Em uma segunda viso, o pesquisador Mauro Berimbau (2010, p.63) nos

    diz que advergames so jogos criados especificamente para uma marca, construdos

    do incio ao fim em torno de um produto ou servio. Berimbau ainda lembra que

    quando se afirma que o jogo construdo especificamente para uma marca, em vez

    de um local no ciberespao onde possvel a aquisio de espao publicitrio

    digital, o jogo se revela como o prprio formato da publicidade. Aqui a publicidade

    no usa o mundo digital para comunicao a publicidade d forma aos elementos

    constitutivos deste mundo digital, bem como compe as relaes entre esses

    elementos.

    Ao direcionarmos nosso olhar para este mercado, podemos perceber que

    o game est em publicidade, promoes, experincias de marca, pesquisa,

    programas de TV, internet, redes sociais e potencialmente em todos os aspectos do

    nosso cotidiano.

    Entender esse cenrio, decifrar a mente do pblico jogador e criar

    experincias significativas com marcas, produtos e servios mais um desafio para

    os profissionais que atuam nessa rea.

  • 73

    _Referncias biblogrficas:

    BERIMBAU, Mauro. Advergames: Comunicao e consumo de marcas, 2010. 136 f. Dissertao (Mestrado em Comunicao e Prticas de Consumo) - PPGCOM ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing, So Paulo. CAVALLINI, Ricardo. O marketing depois de amanh. So Paulo: Digeratti Books, 2006.

  • 74

  • 75

    _Pontos de vista sobre ARGs

    1.Definies, reflexes e apontamentos

    Dentro da rea de games h uma vertente de discusso sobre os ARGs

    (sigla para Alternate Reality Games) que se ampliou nos ltimos anos devido ao

    destaque que essa modalidade ganhou em meio aos festivais de publicidade ao

    redor do mundo. Algumas vertentes de estudo preferem chamar este tipo de

    interao de narrativa transmdia e outras do o nome de narrativa multi

    plataforma. Independente de nomenclaturas ou categorizaes, o objetivo do

    texto observar e refletir sobre esta modalidade de contar histrias e interagir com

    um tipo peculiar de player.

    Um exemplo prtico que merece ser ressaltado dentro desse contexto a

    campanha Why so serious? que aconteceu entre 2007 e 2008 para promover o

    lanamento do filme Batman The Dark Knight. O editor do site Brainstorm 9,

    Carlos Merigo, ressalta que esta campanha uniu entretenimento com relevncia e

    conseguiu uma integrao de mdias fora do comum utilizando a linguagem do

    entretenimento como guia. A campanha, inclusive, foi premiada com destaque no

  • 76

    Festival de Criatividade de Cannes de 2009 e recebeu grand prix na modalidade

    viral.

    Em linhas gerais, a campanha Why so serious uma maneira multi

    plataforma de envolver o espectador no filme antes dele estrear no cinema. Atravs

    de uma srie de sites ficcionais, pistas em redes sociais e vdeos fake, possvel

    acompanhar detalhes do universo do filme do personagem Batman de maneira

    extremamente imersiva e aprofundar a experincia da tela para um pblico seleto

    (nas referncias, ao final do texto, o leitor encontrar um link para o video case

    completo da campanha).

    Partindo desses insights iniciais, surge o questionamento: como definir de

    maneira objetiva o que um ARG?

    McGonigal (2011, p.120), por exemplo, define Alternate Reality Game

    como uma espcie de jogo no qual voc vive a experincia, em parte, na sua vida

    real e no somente em um ambiente virtual.

    J o site CNET (http://www.cnet.com/) aponta que Alternate Reality

    Game um gnero ficcional inspirado em uma mistura de vida real, caa ao

    tesouro, interao ao vivo, video games e comunidade on-line; estes jogos so uma

    intensa e intricada srie de quebra-cabeas envolvendo sites da web codificados,

    pistas no mundo real - como anncios no jornal, chamadas de telefone de

    personagens do jogo - e outras plataformas miditicas.

    Normalmente esta categoria de jogo possui um objetivo especfico que

    no apenas envolver o player com a histria e os personagens ficcionais, mas

    conectar o mesmo ao mundo real e a outras pessoas, ou at divulgar promoes e

    servios de uma empresa, marca, produto ou servio (vide o exemplo do filme

    Dark Knight). Muitos quebra-cabeas de uma trama s podem ser resolvidos de

    forma colaborativa unindo os esforos de vrios jogadores, exigindo que estes

    saiam da frente do computador e sigam procurando pistas plantadas no mundo

    real.

  • 77

    Jenkins (2008, p. 47) define narrativa transmiditica como uma prtica

    que a indstria do entretenimento se apropriou para desdobrar uma narrativa a

    partir de uma plataforma principal (em geral um filme, livro ou srie de TV) em

    diversos subprodutos (jogos, quadrinhos, etc), ampliando, assim, o espectro

    possvel para a interao com fs/consumidores envolvidos no processo de fruio

    da obra.

    Para completar esta ideia, podemos recorrer a Szulborski (2005) que diz

    que um ARG um mundo imersivo de mistrio, aventuras e fantasia, esperando

    para ser explorado. Um mundo que reage a cada movimento, com personagens e

    empresas que falam com voc, mandam mensagens e at mesmo fornecem itens

    fsicos para ajudar em sua busca.

    Outro apontamento importante que deve ser levantado dentro desse

    contexto dos ARGs que a ideia de narrativa transmiditica ou multi plataforma

    no algo que surgiu junto com a internet. Se olharmos para o sculo XX,

    percebemos que a pluralizao de um contedo em diversas plataformas pode ser

    detectado at mesmo na era pr internet.

    Para dar um exemplo, basta voltarmos ao passado, mais precisamente s

    oito horas da noite do dia 30 de outubro do ano de 1938, vspera de dia das bruxas

    nos Estados Unidos. Nesta ocasio o cineasta Orson Welles comeou a narrar pelo

    rdio uma dramatizao de A Guerra dos Mundos, livro de fico cientfica de

    H.G. Wells, pela estao de rdio CBS nos Estados Unidos.

    Durante o espao de uma hora, a programao normal de msica foi

    interrompida por comentrios de reprteres simulando um pnico generalizado

    medida que iam descobrindo e narrando que meteoritos caindo de Marte na Terra

    eram na verdade uma invaso aliengena em andamento.

    Milhares de pessoas que sintonizaram o programa de leste a oeste dos

    Estados Unidos, um pouco depois das oito horas da noite, e perderam o aviso

    inicial de que uma dramatizao estava prestes a comear, teriam de esperar

  • 78

    quarenta minutos at que uma breve nota da CBS repetisse que o contedo

    narrado era apenas um programa de fico.

    O pnico dramatizado durante o programa da CBS compreensivelmente

    se tornou real e a partir desse exemplo de A guerra dos mundos pode-se perceber

    qual o efeito imersivo que uma histria bem narrada (e arquitetada) pode causar

    em toda a populao de uma pas como os Estados Unidos .

    Como bem aponta Castells (2009, p. 50) as fontes de poder social de

    nosso mundo, como violncia, narrativas, coero, persuaso e dominao poltica,

    no mudaram fundamentalmente na nossa experincia histrica; o que mudou

    fundamentalmente a articulao entre o global e o local. Castells (2009, p. 54)

    ainda afirma que o processo de comunicao, historicamente falando, definido

    pela tecnologia que permeia a comunicao, as caractersticas dos emissores e

    receptores, seus cdigos culturais e protocolos e escopos de comunicao.

    Reforando a ideia de Castells, podemos recorrer a Igarza (2008, p. 82)

    que argumenta que o momento em que vivemos, de forte convergncia de meios,

    enriquece os dispositivos tecnolgicos e consequentemente amplia a experincia

    do consumidor, permitindo diferentes microuniversos de se manifestarem no

    celular, no cinema, na TV ou em outra plataforma de comunicao. Igarza aponta

    que todas estas plataformas convergentes so pontos de contato com os

    consumidores e potencialmente utilizveis como ambientes para expor narrativas,

    inclusive as que se desdobram em multi plataformas como as chamadas narrativas

    transmiditicas, pois independente do meio, se fala em narrar histrias.

    2.Um exemplo de ARG

    Os apontamentos iniciais so a base para observarmos um dos casos que

    conquistou notoriedade dentro dos estudos de Alternate Reality Game, trata-se da

    narrativa "I Love Bees" utilizada para promover o lanamento do jogo Halo 2 de

  • 79

    Xbox em 2004. As informaes que seguem foram extradas e traduzidas do site

    www.argn.com.

    A histria do ARG I love Bees se concentra na personagem fictcia Dana

    Awbrey e sua tia que era dona de um apirio. O site da criadora de abelhas, na URL

    http://ilovebees.com, foi atacado durante uma madrugada por uma espcie de

    vrus que colocou uma contagem regressiva de 20 mil anos na pgina principal e

    que mostrava a mensagem System Peril Distributed Reflex. Nesse meio tempo, a

    personagem Dana atualizava seu blog pedindo ajuda para usurios de web que