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Educação no campo: integração entre escola e comunidade
Rosilaine Terezinha Aliardi1 Liége Westermann2
Resumo: Este estudo foi desenvolvido a partir de lembranças de infância da autora que fizeram surgir, no decorrer do período acadêmico, questionamentos em torno do assunto Educação no Campo. Trata-se de um tema que traz inúmeras inquietações, principalmente após ouvir relatos e histórias de vida de moradores e trabalhadores do campo. Analisando a história política e social do Brasil, é possível compreender as origens dos pré-conceitos e do descaso historicamente construídos em relação a essa parcela da população. Assim, com o objetivo de traçar um paralelo entre as falas dos produtores rurais de Osório, dos supervisores escolares, a história política e a legislação atual, sobre as Escolas do Campo, buscou-se, através de entrevistas e observações, compreender como se dá a integração do conhecimento não-formal com o que é construído na escola formal da zona rural do município de Osório. Como conclusões compreendeu-se que na elaboração de projetos políticos pedagógicos, os profissionais da educação no campo devem considerar que, neste local, existe uma história, e saberes não formais valiosos que integram a vida dos estudantes à comunidade. Também entendeu-se que políticas de educação no campo estão sendo estabelecidas para que essa valorização e integração de conhecimentos sejam consideradas como fundamentais para a qualidade de vida das populações das áreas rurais. Palavras-chave: educação no campo - educação formal e não-formal - currículo escolar. Abstract: This study was developed from the author's childhood memories that did arise during the academic period, questions around the topic Education in the Countryside. This is a theme that brings numerous concerns, especially after hearing stories and life stories of residents and workers in the field. Analyzing the political and social history of Brazil, it is possible to understand the origins of preconceptions and neglect historically constructed in relation to that portion of the population. Thus, in order to draw a parallel between the lines of rural producers of Osório, the school supervisors, political history and current legislation on the Field Schools, we sought through interviews and observations to understand how the integration of non-formal knowledge with what is built into the formal school in rural city of Osório. In conclusion it was understood that the development of educational projects politicians, professionals in the field of education should consider that in this place there is a story, not formal valuable knowledge and integrating student life to the community. Also understand that education policals are being established in the field for such development and integration of knowledge are regarded as fundamental to the quality of life of people in rural areas. Keywords: education in the field - education formal and non-formal - school curriculum.
Introdução
Moradora da zona rural do município de Osório, iniciei minha trajetória escolar em
uma escola do distrito em que moro. Meus pais são agricultores, feirantes locais.
Cresci envolvida com a realidade do campo colhendo ovos no galinheiro, tirando
leite da vaca com minha mãe, carneando gado, além de vivenciar as etapas de
1Graduada em Pedagogia pela FACOS/CNEC; pós-graduanda em Psicopedagogia Institucional e
Clínica – FACOS/CNEC Osório. 2Docente da FACOS/CNEC; co-autora; orientadora do artigo desenvolvido na disciplina de Seminário
de Conclusão – 2011/1.
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plantio, colheita e venda de frutas, verduras e legumes. Desde muito pequena,
acompanhava meus pais no momento de comercialização dos produtos: a feira do
produtor rural de Osório; lá aconteceram minhas primeiras experiências com o
comércio.
Entende-se por FEIRA DO PRODUTOR RURAL, o conjunto de bancas de comércio varejista de produtos hortifrutigranjeiros e outros produtos de consumo popular, que permitem a aproximação das pessoas que produzem e das pessoas que consomem. (Regulamento Interno das Feiras do Produtor Rural de Osório, 1999).
Essa relação de produção e venda de produtos sempre chamou muito a minha
atenção então, nesse momento da minha graduação com todo o conhecimento
teórico já estudado, reunindo lembranças da minha escolarização, comecei a
perceber que dentre essas memórias não havia nenhuma que retratasse ou que
valorizasse as minhas experiências, como filha de agricultor residente em zona rural,
nas séries iniciais. Buscando a compreensão de como se dá a integração do
conhecimento não-formal com o que é construído na escola formal da zona rural do
município de Osório?, por meio de pesquisas nessa área, será possível produzir
conhecimentos que revelem a importância de investimentos e capacitação
profissional para um melhor desempenho na educação do campo.
Até 1934, a Educação do campo não era mencionada nos documentos
constitucionais devido ao descaso das políticas públicas, a concentração de olhares
para o trabalho escravo e ao poder da cultura letrada européia. Assim, restou-nos
uma herança cultural, onde os trabalhadores do campo, desde sempre, foram
discriminados devido as suas condições de trabalho e moradia, pois eram tratados
de forma brutal pelos grandes donos de terras.
Infraestrutura precária, falta de profissionais especializados devido aos baixos
salários e condições desfavoráveis de trabalho, escolas mal distribuídas
geograficamente, e um currículo elaborado por uma visão urbanocêntrica, ou seja,
descontextualizada, são algumas das características da educação no campo hoje.
Analisar a integração dos conhecimentos não formais, vivenciados no âmbito
familiar, com as práticas curriculares formais desenvolvidas nas instituições de
ensino da zona rural do município de Osório, possibilitará compreender a relevância
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de uma proposta pedagógica baseada nas especificidades da comunidade escolar.
Assim, será possível traçar novos objetivos que tencionem o estudo de questões
relativas ao currículo escolar em escolas do campo.
A pesquisa
Esta pesquisa segue a abordagem qualitativa que segundo Demo (2009) quer
traduzir a complexidade da realidade, pois essa traz fenômenos do contexto social
que não podem ser medidos apenas por dados.
No primeiro momento foi realizado o contato com a Secretaria Municipal de
Agricultura de Osório, por meio de uma conversa com os responsáveis pela Feira do
Produtor e com o próprio Secretário de Agricultura. Definimos as famílias que foram
entrevistadas, tendo em vista critérios de acessibilidade, sabendo que optamos por
convidar famílias de localidades distintas da zona rural do município.
Por meio de uma visita ao domicílio de cada uma das seis famílias juntamente com
os produtores, durante um diálogo não-formal, realizei alguns questionamentos
sobre os saberes que norteiam as atividades rurais na sua propriedade, as falas e
imagens foram gravadas, com as devidas autorizações dos envolvidos, realizando
uma observação participante (DEMO, 2009, p. 157). As questões se referiam a:
Como lhes foi ensinado os cuidados com a terra e a sua produção? Que lembranças
têm da escola? Qual a importância da escola para seus filhos? Como percebe a
relevância das coisas que lhes são ensinadas?
Após concluída essa etapa de entrevista semi-estruturada com os produtores das
localidades de Aguapés, Livramento, Passinhos, Arroio Grande, Várzea do Padre e
Borússia foram entrevistados os supervisores das Séries Iniciais das escolas que
abrangem cada uma dessas comunidades. Esses receberam como questionamento
inicial: Como acontece a relação entre os conhecimentos trazidos pelos alunos,
através de suas experiências com a cultura da produção familiar, e a formalização
dos conteúdos escolares?. Durante as entrevistas foi possível realizar uma
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observação da escola, analisar sua infraestrutura, espaço, e a presença ou não de
jardins e hortas.
As entrevistas com as famílias e a supervisão das escolas selecionadas foram
gravadas e, posteriormente, transcritas de acordo com a caracterização do problema
de pesquisa.
O conhecimento formal e o não-formal
Segundo Gohn (2006) a aprendizagem não-formal se caracteriza por desenvolver
habilidades e potencialidades com objetivos comunitários, fazendo uma leitura de
mundo por meio do que se passa ao seu redor, na comunidade e na mídia, desta
forma o educador é aquele com quem se integram.
Os espaços educativos são locais informais, ou seja, todos aqueles que fazem parte
da trajetória de vida dos grupos, capacitando-os a tornarem-se cidadãos do mundo,
no mundo, fortalecendo o exercício da cidadania.
Na educação não-formal observa-se o aprendizado com as diferenças, a adaptação
do grupo às diferentes culturas, a construção de identidades coletivas e de regras de
conduta social. Nessa abordagem a metodologia parte da cultura dos indivíduos e
dos grupos a partir da problematização da vida cotidiana. Um dos maiores objetivos
da educação não-formal é a construção de novos valores, reunindo pessoas e
grupos diferentes com metas em comum.
Acesso à educação é um direito de todo cidadão estendido ao longo de toda a vida,
é, sobretudo o direito de aprender. De acordo com Gadotti (2005) a educação não-
formal é mais difusa, menos hierárquica e menos burocrática se comparada a
educação formal, sendo que o tempo de aprendizagem é flexível, respeitando as
diferenças e capacidades de todos.
Na educação não-formal há múltiplos espaços. O espaço da aprendizagem é aqui,
em qualquer lugar, o tempo de aprender é hoje e sempre. (Mcluhan, apud Gadotti,
2005). De acordo com Gohn (2006, p. 31-32)
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Na educação não-formal, as metodologias operadas no processo de aprendizagem parte da cultura dos indivíduos e dos grupos. O método nasce a partir de problematização da vida cotidiana; os conteúdos emergem a partir dos temas que se colocam como necessidades, carências, desafios, obstáculos ou ações empreendedoras a serem realizados os conteúdos não são dados a priori. São construídos no processo. O método passa pela sistematização dos modos de agir e de pensar o mundo que circunda as pessoas. Penetra-se, portanto no campo do simbólico, das orientações e representações que conferem sentido e significado às ações humanas. Supõe a existência da motivação das pessoas que participam. Ela não se subordina às estruturas burocráticas. É dinâmica. Visa à formação integral dos indivíduos. Neste sentido tem um caráter humanista. Ambiente não- formal e mensagens veiculadas “falam ou fazem chamamentos” às pessoas e aos coletivos, e as motivam. Mas como há intencionalidades nos processos e espaços da educação não-formal, há caminhos, percursos, metas, objetivos estratégicos que podem se alterar constantemente. Há metodologias, em suma, que precisam ser desenvolvidas, codificadas, ainda que com alto grau de provisoriedade, pois o dinamismo, a mudança, o movimento da realidade segundo o desenrolar dos acontecimentos, são as marcas que singularizam a educação não-formal.
É necessário que o sujeito esteja receptivo ao compartilhar e construir
conhecimentos com o seu grupo independentemente do tempo e do espaço em que
atua.
O professor, desta forma, torna-se mediador do conhecimento caracterizando-se
como um aprendiz permanente.
Educação no campo: breve contextualização histórico-política
Em seu livro A Pedagogia da Práxis (2010), no capítulo A escola como projeto sócio-
cultural, Moacir Gadotti esclarece que para compreendermos a escola hoje
precisamos entender o seu passado, conhecendo a sua origem.
Primitivamente a escola era a vida, não havia a educação formal. O homem colhia e
caçava o que precisava para sustentar-se, isso era ensinado pelos pais, durante o
dia-a-dia.
O mestre era, portanto, aquele que acumulava mais experiência e ensinava seus filhos, aos amigos e às crianças. O método utilizado era a comunicação oral. A memória era mais exercitada. Havia um clima de convivência e de cordialidade na transmissão da cultura e na sua reelaboração. Ainda não se podia falar na escola strictu sensu. (GADOTTI, 2010, p. 229)
Neste período neolítico, as mulheres plantavam e esperavam a colheita, enquanto
os homens saíam para caçar e pescar. Como as mulheres ficavam para esperar a
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colheita, os homens foram deixando de ser nômade, o que provocou a mudança dos
modos de produção, passando de primitivo para escravista.
Muitas vezes se produzia muito mais do que se podia consumir, esse excesso
gerava disputas que provocaram o surgimento da hierarquia, submetendo os mais
fracos aos mais fortes (GADOTTI, 2010, p. 230). Então, surge a escola, junto às
desigualdades e a divisão daquela sociedade.
o professor: aquele que é encarregado, na divisão do trabalho, de conduzir a criança a idade adulta, mediante rituais de iniciação, cerimônias religiosas, por meio do ensino de habilidades manuais, da expressão corporal e do desenvolvimento das artes e da cultura. Os próprios sacerdotes exerciam essa função. Mas isso ocorreu lentamente. (GADOTTI, 2010, p. 230).
Como haviam muitos escravos a escola era direito dos homens livres, foi estruturada
com regras e normas feitas pelos sacerdotes, mestres e professores. O ponto alto
dessa escola foi em Grécia e Roma, e no seu currículo, o principal era “o ideal
humanista da formação do homem escravista: o orador” (...) “O orador é aquele que
sabe defender os seus direitos, portanto, aquele que pode ser livre.” (GADOTTI,
2010, p. 231)
Dois modelos de escola continuam até hoje: uma que valoriza a eficácia (escola
espartana) e uma que valoriza o pensamento, o logos, a liberdade (escola
ateniense). Segundo Gadotti, a maior dificuldade de hoje é a escola encontrar o
equilíbrio entre os dois modelos.
No Evangelho, com o início do modo de produção feudal, a Igreja percebe que a
escola é um ótimo lugar para difundir a sua mensagem, transformando-a em um
aparelho ideológico. Os oradores ficaram trancados dentro das Igrejas que
dominavam o Estado, esse fazia com que a sociedade aceitasse uma única religião.
A partir do século XV, com o Renascimento, a cultura Greco-latina foi retomada pelos intelectuais leigos, aristocratas ou não, que com os monges de outrora, tinham tempo ocioso, inaugurando o modo de pensar burguês. (GADOTTI, 2010, p. 232).
Com Martinho Lutero veio a preocupação com a escola pública, a impressão de
bíblias, a crença na salvação, fazendo com que imperasse o ensino da leitura, mas
poucos podiam pagar por ele. Com a revolução industrial as escolas aumentaram
significativamente e as práticas de leitura se difundiram. A burguesia e o Estado
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tomaram a escola da Igreja, pois precisavam produzir mão de obra para o
crescimento econômico após a Revolução Francesa.
No século XIX, o ensino passa a ser gratuito e laico, além de obrigatório para todos.
E a burguesia passou a dar tanto valor à educação, a escola e ao professor porque
precisava disseminar suas ideias capitalistas da sociedade burguesa.
A sociedade vem sofrendo transformações, junto com ela a trajetória da educação
no Brasil pode ser traçada em uma linha histórica, e também a educação rural
dentro desse processo,
a origem da concepção de educação rural no Brasil, data desde 1889 com a Proclamação da República. Na época, o governo instituiu uma pasta da Agricultura, Comércio e Indústria para atender estudantes destas áreas, entretanto a mesma foi extinta entre 1894 a 1906. Foi novamente instalada em 1909, como instituições de ensino para agrônomos. E, constitui-se efetivamente nacional, nos anos 30, após a criação do Ministério da Educação.(PASSADOR apud PINHEIRO,2007)
De acordo com a publicação “Educação do campo: diferenças mudando
paradigmas” da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
(Brasil, MEC, 2007) a legislação brasileira passou a contemplar as populações rurais
em relação à educação na Constituição Federal de 1934, observando-se a
destinação de recursos para a educação no campo, mas sem nenhuma outra
referência às políticas públicas que organizariam essa determinação. Já a
Constituição de 1937 obrigou sindicatos e empresas privadas, até mesmo as rurais,
a oferecerem ensino técnico para seus funcionários e filhos desses, porém isto
nunca foi regulamentado para ser posto em prática.
De acordo com Ricci (2005) surgiu em 1937 a Pedagogia da Alternância baseada
nas Maisons Familiales Rurales (MFRs), em Lauzun, na França, onde os alunos, de
cursos agrícolas, alternavam o tempo de convívio entre a escola e as famílias assim
faziam a troca dos conhecimentos construídos entre os dois âmbitos observam-se
assim que já havia um olhar sobre as experiências não formais das famílias rurais da
época. As MFRs possuíam três pilares:
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A formação técnica (aprendizado prático e observações no terreno, procurando
fomentar a profissão de agricultor);
A formação geral (história, matemática);
A formação humana e cristã.
Os alunos alternavam o tempo de convívio entre a escola e a família, assim faziam a
troca dos conhecimentos construídos entre os dois âmbitos.
Em 1946 a Constituição Federal Brasileira assegurou a gratuidade do ensino e
atrelou recursos, porém determinou que as empresas privadas, inclusive as
agrícolas devessem custear esse recurso. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB) de 1961 trouxe a preocupação com o êxodo rural que provocou o crescimento
observado hoje nos grandes centros urbanos, por isso a preocupação em ofertar
educação de qualidade na zona rural. A lei nº 5.692/71, aprovada durante o regime
militar, a função da escola foi colocada como formação para o trabalho nas regiões
urbanas, nas rurais era destinada ao serviço da produção agrícola.
No Brasil, a experiência com MFRs foi introduzida em 1968, onde no entender de
seus idealizadores, pais de alunos e apoiadores com direito a voto, a experiência
vivida é mais significativa do que a ensinada, observa-se a valorização dos
conhecimentos não-formais, trazidos pelos alunos, reapropriando-se do tempo
holístico, que é anterior a organização do tempo escolar. O projeto acontecia em três
momentos: a casa do aluno, local de pesquisa e observação, centro educativo, local
de socialização e no meio profissional onde são aplicados os conhecimentos. (Ricci,
2005).
O Artigo 208 da Constituição de 1988 assegura que é direito público subjetivo o
acesso ao ensino obrigatório e gratuito, com essa afirmação a educação do campo
passa a ser entendida como especifica, com características próprias.
A Lei de Diretrizes e Bases, nº 9394 de 20 de dezembro de 1996, apresenta:
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Art. 28 – Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias a sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural, II – organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fazes do ciclo agrícola e as condições climáticas; III – adequação do trabalho na zona rural.
A diversidade educacional brasileira começa a ser vista de acordo com suas
especificidades, então a ideia de adaptar a educação do campo às características
urbanas começa a ser rompida pela adequação. Com isto surge em 1998 a
Articulação Nacional por uma Educação do Campo, que provocou melhorias em
relação aos estudos nessa área, houve a realização de Conferências, criação de
grupos especializados e a instituição das Diretrizes Operacionais para a Educação
Básica nas Escolas do Campo. Essas Diretrizes constituem-se numa referência
oficial para elaboração das estratégias educacionais rurais do país. O documento
apresenta princípios nítidos, que embasam o parecer final do Conselho Nacional de
Educação, e que convergem com vários princípios que norteiam os projetos
pedagógicos educacionais não oficiais.
Em 2004, é lançado pelo Ministério da Educação através do Grupo Permanente de
Trabalho de Educação no Campo, o documento “Referências para uma Política
Nacional de Educação no Campo”, segundo este, mesmo com a grande urbanização
ocorrida nas últimas décadas, cerca de um quinto da população do país está situada
na zona rural, encontrando-se em desvantagem em termos de capital físico e
sociocultural, se comparar à parcela da população que reside na zona urbana.
O programa Escola Ativa foi implantado no Brasil no ano de 1997 tendo como
objetivo aumentar o nível de aprendizagem dos educandos, reduzir a repetência e a
evasão e elevar as taxas de conclusão das séries iniciais do Ensino Fundamental
nas escolas multisseriadas do campo (BRASÍLIA, 2010, p. 14). Este programa surgiu
a partir de um curso sobre a estratégia Escuela Nueva – Escuela Activa, desenhada
por um grupo de educadores colombianos, que há mais de 20 anos, atuavam com
classes multisseriadas daquele país.
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A integração dos saberes: o formal e o não-formal
Os assentados, ribeirinhos, caiçaras, extrativistas, pescadores, indígenas,
remanescentes de quilombos e os agricultores da zona rural do município de Osório
dominam muitos saberes sobre a terra e sua produção. Visitando as famílias de
agricultores osorienses é possível perceber a riqueza do trabalho rural do município,
criação de peixes, produção de bananas, orquídeas, agro ecologia, caixaria (mudas
de flores), cana-de-açúcar e cachaça artesanal, são algumas das atividades
desenvolvidas pela agricultura familiar que comercializa seus produtos na feira livre.
Por fazer parte de uma dessas famílias e ter acesso a formação pedagógica, me
indaguei, procurei saber como esse conhecimento é utilizado e valorizado pelas
escolas das comunidades desses trabalhadores, onde os próprios estudaram e seus
filhos estudam ou já frequentaram.
Os produtores entrevistados apresentavam idades variadas entre 30 a 70 anos,
contextualizando historicamente, conforme o que foi exposto anteriormente, as falas
destes encaixam-se a partir das atribuições das Constituições de 1937, onde a
educação do campo era voltada para o ensino do trabalho. De acordo com a fala de
um dos entrevistados ao ser questionado sobre o que a escola oferecia para que
aprendessem a lidar com a terra, exemplifica “Tinha horta, nós plantava, cada um
plantava uma parte pra ver qual é o que sabia trabalhar melhor, que colhia mais.”
Observamos as características de uma escola tecnicista com a competição pelo
melhor canteiro, pelo melhor trabalhador.
Os produtores com idade entre 30 e 40 anos frequentaram escolas técnicas
agrícolas de nível médio, por isso tinham algumas lembranças de atividades
realizadas, mas alguns esclareceram que o que sabem sobre a produção
aprenderam com a família ou em estudos individuais, conforme o que é relatado, na
coleta de dados, pelos entrevistados
Produtor 1 - Eu aprendi com o meu pai, que por sua vez aprendeu com o pai dele, e depois comecei a ler algumas coisas sobre formas de cultivo. Mas a base foi com meu pai. Produtor 2 - Isso é tradição de família, sempre trabalhei no tempo da Agasa, e daí continuei.
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Produtor 3 - Ah! Muita coisa foi devido ao meu estágio na Ursula(floricultura). Muita coisa eu li, muita leitura, e dicas do Sidnei que tinha floricultura. Foi ele que me passou todas as dicas. Produtor 4 - Eu comecei, eu trabalhei em uma floricultura um tempo, eu fiz o curso de técnico em agropecuária, ai já tinha uma noção, ai trabalhei em uma floricultura um tempo, ai passei pra prática da minha, no caso. Produtor 5 - Foi a EMATER de Osório. Produtor 6 - Com o pai, o meu pai.Fomos continuando, um aprendendo com o outro e hoje eu estou plantando banana.
De acordo com o princípio II das Referências para uma política nacional de
Educação no Campo (BRASIL, 2004)
a escola precisa levar em conta os conhecimentos que os pais, os/as alunos/as, as comunidades possuem, e resgatá-los dentro da sala de aula num diálogo permanente com os saberes produzidos nas diferentes áreas de conhecimento.
Essa prática busca a valorização dos conhecimentos prévios não formais da família
e do próprio aluno, pois esses são sujeitos que possuem um conhecimento
historicamente construído, útil, porque se deu a partir da interação com outros
sujeitos e com o meio ambiente, e isto deve ser levado em conta ao se elaborar um
projeto de escola do campo.
Ao questionar os produtores sobre a relevância dos ensinamentos da escola para os
seus filhos, eles trazem respostas rápidas, afirmando que não há dúvidas sobre a
importância dessa instituição, como nas falas apresentadas abaixo.
Produtor 5 - Eu acho muito importante, ele tá aprendendo muita coisa, não dá pra deixar de fora da escola. Produtor 2 - Eu quero ver se dou estudo pra ele, pra não passar o que eu passei. Produtor 6 - Tudo bem, muitos não quiseram, e os que quiseram sabem alguma coisa.
Prosseguindo, foram questionados sobre que conhecimentos seus filhos traziam da
escola para colaborar com o trabalho da família, as respostas foram
Produtor 5 - Alguma coisa ele traz. Produtor 6 - Sim, algum trouxe, aprenderam lá, eu aprendi lá também
Durante as entrevistas era possível perceber com clareza algumas reações dos
sujeitos ao se falar em escola: mãos suando, preocupação em falar certo, respostas
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confusas, esses traços nos remetem a pensar sobre o lugar em que a escola é
posicionada de acordo com as concepções destas pessoas.
Relacionando tudo o que foi observado e que constitui os dados coletados em
relação à pertinência da escola e os benefícios que a sua formalidade traz para a
vida no campo percebe-se as marcas históricas e desigualdades sofridas pelos
povos do campo, eles sabem que ela é importante, mas essa importância é elitizada,
devido aos interesses do capitalismo, onde as políticas públicas são definidas pela
população economicamente desenvolvida e não pelas necessidades da população
em geral, então essa valorização não parece estar muito clara para os entrevistados.
Outro fator que contribui para a construção dessa concepção de educação é o
preconceito, conforme o que é evidenciado na resposta à pergunta sobre os projetos
desenvolvidos em uma das escolas visitadas.
Supervisor 3 - Também tem um projeto de fotografia, os alunos estão aprendendo e levando pra casa, pra vida deles. Se profissionalizando. O contrário do que vem de casa, esse projeto é pra casa.
Esta fala permite interpretar que a profissionalização será da escola para casa, que
na escola eles aprendem e que de casa não vem aprendizagem.
Durante muito tempo a escolarização para o trabalhador do campo foi tratada como
uma forma para conter o êxodo rural. Para esses camponeses a escola não tinha
tanta importância já que a profissão era aprendida com os pais. A escola era para
ensinar apenas a ler, escrever e contar.
Para se compreender como foram constituídas as desigualdades no campo é
preciso compreender o latifúndio, a industrialização e a financeirização da economia.
Como no Brasil se desenvolveu a monocultura, por meio das grandes propriedades
rurais, concentrou-se a terra para alguns e excluíram-se os trabalhadores do campo
e estes passaram a trabalhar para os grandes produtores. Com a industrialização as
necessidades dos povos do campo foram novamente negadas, a renda era
concentrada nas mãos de alguns e as condições de vida dos trabalhadores foram se
tornando mais difíceis, juntando com as desigualdades que foram produzidas pela
globalização e pelas altas taxas de juros, houve uma maior exclusão social destes
trabalhadores rurais. (FURTADO apud PINHEIRO, 2007).
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Esse processo gerou uma extraordinária migração rural, por meio da expulsão de 30 milhões de pessoas, entre 1960 e 1980, sendo que 16 milhões migraram somente na década de 70. Esse processo de transformação da sociedade moderna durou pelo menos 300 anos na Inglaterra e 200 anos nos EUA. O impacto social foi a extrema concentração urbana, o desemprego e a violência. (FERNANDES, 1999).
Os dados do último senso realizado pelo Instituto Brasileiro de Pesquisas e
Estatísticas apresenta a população brasileira em 1º de agosto de 2010 (data de
referência) como sendo de 190.732.694 pessoas, destas 84,35% residem em áreas
urbanas e 15,65% em áreas rurais.
De acordo com o Parecer CEB nº 36/2001, do Conselho Nacional de Educação o
que contribuiu para a inexistência de uma proposta de escola para a população rural
seria a falta de consciência destes sobre o real valor da escola, pois aprendiam a
plantar com a família, e isto não exigia conhecimentos formais nem alfabetização. O
mesmo documento descreve a perspectiva salvacionista dos patronatos, discutidos
no 1º Congresso da Agricultura do Nordeste Brasileiro em 1923, essas instituições
dedicadas ao ensino da agricultura eram destinadas aos menores pobres das
regiões rurais e aos das cidades que tivessem vocação para a agricultura, lá as
crianças se transformariam de indigentes a cidadãos prestimosos.
Esse conceito de campo, não foi superado, na fala de uma das supervisoras
percebe-se o descaso dos jovens estudantes do campo com a educação:
Supervisora 4 - Já mudou bastante, antes existia muita preocupação coma escola, e hoje nem o próprio filho do agricultor tem essa preocupação com o avanço. A gente estudava, queria uma profissão, claro até continuar trabalhando na agricultura. Hoje não, eles querem fazer até a 8ª, a maioria, pouca gente daqui que continua. Tem um percentual grande, mas ainda... Parece que antes saía mais gente pra estudar do que... (...) Valorização e a questão da agricultura, que dá dinheiro. Então, tanto faz, vou trabalhar, não vou precisar do estudo.(...) Poucas crianças, poucas famílias tem essa consciência. Poucas famílias, os filhos estudam e trabalham na roça.
Evidencia-se o conceito que a própria educadora tem sobre a educação rural: “hoje
nem o próprio filho do agricultor tem essa preocupação com o avanço”. Estudar
provoca o avanço, que avanço? Volta à insistência de uma visão urbana e capitalista
de educação, na verdade não é uma volta, esta visão ainda levará muitos anos para
ser desconstruída. A escola ainda se coloca como detentora do saber. “O educador,
que aliena a ignorância, se mantém em posições fixas, invariáveis. Será sempre o
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que sabe, enquanto os educandos serão sempre os que não sabem”. (FREIRE,
2005)
Com uma percepção restrita de realidade e sociedade muitos alunos da zona rural
preferem parar de estudar e receber por empreitadas, ou seja, capinar uma horta de
alface e embolsar um valor por isso, pago pelos hortigranjeiros com maior poder
aquisitivo. Cabe à escola promover oportunidades para que essa visão sobre a vida
seja ampliada, mostrando aos seus alunos oportunidades de crescer
profissionalmente no ofício que escolherem. Segundo Ricci (2008)
O mais comum é o jovem, após a 4ª série primária, procurar emprego nas cidades como empregados domésticos, no pequeno comércio ou na construção civil. Nas pesquisas recentes, a velha tradição do filho mais novo ficar no meio rural já começa a desaparecer. Fica quem possui menor vocação para o estudo. Por esse motivo, na América Latina, o único país que apresenta crescimento da população jovem no campo é o México. Em Nova Pádua RS, dos 56 filhos de agricultores entrevistados, 83% informaram que não gostariam de permanecer na atividade agrícola, por que é um trabalho pouco rentável, sem futuro, instável, sem recompensa, duro, pesado e sujo. Segundo estudos recentes, 12% dos estabelecimentos dos agricultores familiares não tem sucessores e uma parte considerável só tem um herdeiro.
O município de Osório traz uma política de valorização à agricultura familiar,
pequenos agricultores são convidados a participar das Feiras do Produtor Rural que
acontecem em vários pontos da cidade em diferentes dias da semana. Ao observar
esses locais de comercialização de produtos, percebe-se a variedade da produção
agrícola da região, todos os produtores entrevistados participam de uma ou mais
feiras municipais. É indubitável a importância dessa forma de comércio para várias
esferas da comunidade. Os produtos são comprados diretamente do produtor, que
neste dia tem oportunidade de vir à cidade e participar de eventos culturais que
acontecem nos dias de feiras. A qualidade do que é vendido é indiscutível, são
frescos e colhidos especialmente para a feira, os preços são acessíveis a toda a
comunidade, o que gera também, uma melhora na qualidade de vida da população.
Este é um grande passo da luta que os pequenos agricultores vêm travando para
que possam sobreviver à política agrícola que estava sendo implantada, pois “a
agricultura familiar foi marginalizada pelo governo, na medida em que priorizou a
agricultura capitalista (patronal) baseada na monocultura para exportação.”
(KOLLING;1999, p.32)
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A educação formal no campo deve ser pensada dentro da dimensão política em que
está inserida. As Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do
Campo propõem que esses trabalhadores, jovens e crianças, filhos destes sujeitos
queiram viver e trabalhar no campo, e que não o vejam com o olhar dos pré-
conceitos historicamente construídos e já internalizados pela população que acaba
perdendo a sua identidade, desvalorizando a sabedoria das gerações anteriores e
impedidas de produzir conhecimentos para que possam permanecer no campo com
dignidade e qualidade de vida. Se a escola colaborar para inverter a ideia de que se
estuda para sair do campo o aluno poderá escolher, como cidadão, qual será o seu
caminho profissional, e não serão induzidos a terem profissões mais valorizadas
socialmente devido ao descaso histórico com o que vem e se produz no campo e do
campo.
A política de agricultura familiar promovida pelo município permite que muitas
famílias queiram permanecer em seus distritos, porém é preciso que a educação
formal do campo amplie os conhecimentos dos jovens sucessores, para que possam
expandir suas produções, e não sentirem-se como excluídos da sociedade.
Conforme o que foi demonstrado nas falas dos supervisores das escolas municipais
visitadas – onde algumas não apresentavam, nos dias de observação, em seu
espaço físico hortas e jardins ou qualquer outro incentivo às atividades agrícolas das
comunidades – não há grande envolvimento dos pais na escola, me questiono: será
uma prova de que a escola ainda ocupa o lugar de detentora do saber na
sociedade?
A escola da rede estadual de ensino que foi visitada apresenta uma proposta de
ensino baseada na troca de experiências entre escola e comunidade, esta instituição
era cercada por hortas e jardins, alunos fazendo o preparo de mudas e cuidando das
flores, conforme nos explica o diretor
Diretor e supervisor 2 - Há uma troca de experiências. Já foi criada a matéria de técnicas agrícolas, para fazer esse intercâmbio entre a comunidade e a escola. Por isso foi criada a matéria de técnicas agrícolas. Então a gente planta, faz a sementeira, e faz um troca troca entre a comunidade... eu no caso se eu tenho muda de alface e a comunidade está precisando de muda eu levo. Se eles tem a muda de alface eles me dão também se eu não tiver, então é um troca troca. No caso também do
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esterco, o estrume, eles fornecem também. O resultado disso é a merenda que... a verdura que vai pra merenda, usamos repolho, alface, beterraba, tempero verde, tudo isso ai em prol das merendas das crianças.
Ao ser questionado sobre o envolvimento dos pais esclarece
Sim, vem por sinal tem um que está... fazendo... lavrando ali, fazendo os camaleões (canteiros) pra plantar aipim. Então é uma integração geral. Aquilo que a gente precisa dos pais, eles estão dentro da escola.
As Referências para uma política nacional de educação do campo: caderno de
subsídios (Brasília, 2004), trazem os princípios da Educação no Campo:
Princípio I - a educação no campo deve entender claramente que os sujeitos tem
história, que “os currículos precisam se desenvolver a partir das formas mais
variadas de construção e reconstrução do espaço físico e simbólico, do território,
dos sujeitos, do meio ambiente”. Assim, o processo avaliativo deve compreender os
saberes acumulados pelas experiências dos alunos e alunas, constituindo um
instrumento de observação das necessidades para que esses saberes e a própria
dinâmica da realidade possam ser ampliados.
Princípio II – a escola precisa levar em conta os conhecimentos que os pais, os
alunos e a comunidade possuem, resgatando-os na sala de aula dialogando com os
conhecimentos produzidos nas diversas áreas de conhecimento “o projeto educativo
que se realiza na escola deve ser do campo e no campo e não para o campo”.
(Idem)
Princípio III - a educação no campo acontece tanto dentro da escola como fora dela,
torna-se um espaço de sistematização, análise e síntese das aprendizagens. “Nelas
que se produzem novas formas de ver, estar e se relacionar com o mundo.”(Idem)
Princípio IV – neste, está muito claro a afirmação que a escola precisa estar onde os
sujeitos estão isto significa inverter a lógica de que se estuda para sair do campo.
Princípio V – o currículo das escolas do campo precisa se estruturar a partir de uma
lógica de desenvolvimento que privilegie o ser humano na sua integralidade,
possibilitando a construção de sua cidadania e inclusão social (Idem).
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O princípio VI traz a evidência de que o campo é heterogêneo, por isso as políticas
públicas de um local para outro, mesmo sendo rural, não devem ser idênticas,
devem respeitar as especificidades de cada região.
Para que todos esses princípios sejam assegurados como direitos desses cidadãos
brasileiros é indispensável que as Propostas Político Pedagógicas dos municípios e
os Projetos Pedagógicos das escolas estejam de acordo com os artigos 12 e 28 da
LDB, e também com a Resolução CNE/CEB n° 1 de 3 de abril de 2002 que trata das
Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do Campo.
Segundo Miguel González Arroyo (1999) um projeto de educação básica no campo
deve incorporar a riqueza dos saberes envolvidos em todo o trabalho dos moradores
rurais, isto será possível se situarmos a educação, a ciência, a tecnologia, a cultura
como direitos e as crianças, jovens, homens e mulheres como sujeitos desses
direitos
A escola é mais um dos lugares onde nos educamos. Os processos educativos acontecem fundamentalmente no movimento social, nas lutas, no trabalho, na produção, na família, na vivência cotidiana. E a escola, que tem a fazer? Interpretar esses processos educativos que acontecem fora, fazer uma síntese, organizar esses processos educativos em um projeto pedagógico, organizar o conhecimento, socializar o saber e a cultura historicamente produzidos, dar instrumentos científicos técnicos para interpretar e intervir na realidade, na produção e na sociedade. (ARROYO, 1999, p. 27)
A escola deve estar vinculada a cultura do seu povo, da sua comunidade, ao campo,
estando diretamente ligada a todos os movimentos sociais. Produzir cultura e
reproduzi-la, permitindo que todos tenham acesso ao conhecimento.
O projeto político-pedagógico pode tornar-se um instrumento importante para fomentar a gestão democrática, a formação continuada dos professores e para ressignificar a prática educativa, atrelando-a à cultura local e, portanto, provocando a transformação no cotidiano escolar. Para que se inicie esse processo de construção, é necessário determinar os espaços de discussão do projeto, a periodicidade das reuniões de elaboração e fazer com que a comunidade participe dessa construção. Deve haver também uma participação ativa dos sujeitos envolvidos no cotidiano escolar, como professores, pais ou responsáveis, alunos, diretores e representantes da Secretaria da Educação (BASTOS, 2005, p. 41)
Como nos diz Paulo Freire (2005, p. 79) [...] ninguém educa ninguém, como
tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão,
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mediatizados pelo mundo. Unindo conhecimento formal e conhecimento não-formal
teremos uma escola do campo preocupada em estabelecer um currículo voltado
para questões que sejam realmente pertinentes ao meio em que está situada,
valorizando essas pessoas que muitas vezes são discriminadas justamente pelo o
que tem de mais valioso: o conhecimento rural.
Compromissos e desafios
Compromisso, palavra substantiva que designa a obrigação que nós pesquisadores
e educadores temos com essa população que vive no campo. Acreditar que é
possível superar o descaso e os pré-conceitos historicamente construídos e
reproduzidos é o nosso desafio maior.
Como filha de agricultor, residente na zona rural do município de Osório me desafia
a pensar e buscar alternativas para o desenvolvimento de um currículo que
contemple as especificidades do campo, em que o aluno possa sentir-se instigado a
repensar seus conceitos sobre a atual perspectiva social em que a sua família
campesina está colocada, compreendendo as marcas históricas registradas no seu
convívio familiar, comunitário e principalmente escolar, e que esta profissão não é
motivo de vergonha ou desonra, mas uma herança cultural sabiamente edificada
pelas suas gerações antecedentes.
Após ouvir os relatos desses bravos homens do campo e conectar as falas de
profissionais das instituições escolares é possível compreender que o compromisso
vai além de estabelecer estratégias para a educação nessas áreas e sim para a
valorização de um ofício que é exercido desde os primórdios da civilização e que é
fundamental para a sustentabilidade do país.
Referências
ARROYO, Miguel Gonzalez; FERNANDES, Bernardo Mançano. A educação Básica
e o movimento social do campo. Brasília: Universidade de Brasília, 1999.
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BASTOS, Valéria Aparecida de. Educação do Campo e formação continuada
dos(as) professores(as): as contribuições do projeto político-pedagógico. Ribeirão
Preto, 2005.
BRASIL, Secretaria de Educação Média e Tecnológica, Grupo Permanente de
Trabalho de Educação do Campo, Referências para uma política nacional de
educação do campo: caderno de subsídios / coordenação: Marise Nogueira
Ramos, Telma Maria Moreira, Clarice Aparecida dos Santos. Brasília: 2004.
BRASIL, MEC/ Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade.
Escola Ativa: Orientações pedagógicas para formação de educadores e
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