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CADERNOS SECAD Educao Escolar Indgena: diversidade sociocultural indgena ressignificando a escola Organizao: Ricardo Henriques Kleber Gesteira Susana Grillo Adelaide Chamusca Braslia, abril de 2007Anotaes 2. MARCOS INSTITUCIONAIS 2.1. Os povos indgenas e a Educao Escolar A escola entrou na comunidade indgena como um corpo estranho, que ningum conhecia. Quem a estava colocando sabia o que queria, mas os ndios no sabiam, hoje os ndios ainda no sabem para que serve a escola. E esse o problema. A escola entra na comunidade e se apossa dela, tornando-se dona da comunidade, e no a comunidade dona da escola. Agora, ns ndios, estamos comeando a discutir a questo (KAINGANG apud FREIRE, 2004:28). A escola para ndios no Brasil comea a se estruturar a partir de 1549, quando chega ao territrio nacional a primeira misso jesutica enviada de Portugal por D. Joo III. Composta por missionrios da Companhia de Jesus e chefiada pelo padre Manuel da Nbrega, a misso inclua entre seus objetivos o de converter os nativos f crist. No processo de catequizao, os missionrios jesutas procuraram antes se apro-ximar dos indgenas, para conquistar sua confiana e aprender suas lnguas. Esses primeiros contatos entre jesutas e ndios ocorreram ora em clima de grande hostilidade, ora de forma muito amistosa1. Segundo Leonardi (1996), quando o ndio se recusava a trabalhar ou se revoltava, opondo resistncia ao processo de escravizao (completa ou parcial), ele era duramente perseguido e reprimido.2 Os ndios que ofereciam resistncia eram vistos como selvagens e embrutecidos, precisando ser pacificados. A resistncia escravizao levou a batalhas sangrentas com os colonizadores ao longo de todo processo de ocupao do territrio brasileiro3. Em decorrncia disso os africanos acabaram por se tornar o principal contingente a fornecer fora de trabalho escrava a partir do segundo sculo da conquista. A princpio, para ensinar os ndios a ler, escrever e contar, bem como lhes incul-car a doutrina crist, os missionrios jesutas percorriam as aldeias em busca, principalmente, das crianas. Por no disporem de instalaes fixas e prprias para o ensino, essas misses foram chamadas de volantes. Aos poucos foram se definindo dois ambientes distintos onde os jesutas ensinavam: as chamadas casas - para a doutrina dos ndios no batizados - e os colgios, que abrigavam meninos portugueses, mestios e ndios batizados. Nos colgios a educao tinha um carter mais abrangente e estava voltada para a formao de pregadores que ajudariam os jesutas na converso de outros ndios (RIBEIRO, 1984:127). Mas esses ensinamentos, impostos e distantes da realidade dos nativos, no produziram mudanas no seu modo de vida, da forma direta e com a rapidez e facilidade que esperavam os portugueses. Bastava que eles voltassem ao convvio com outros ndios que, mesmo aqueles que eram batizados, retornavam aos seus costumes e crenas.1 A populao indgena brasileira nessa poca era bastante diversa; estima-se que existiam aproximadamente 10 milhes de ndios e cerca de 1.200 lnguas diferentes faladas por grupos tnicos com costumes e tradies prprios. As diferenas no tratamento dispensado pelos jesutas aos povos nativos eram proporcionais resistncia que os mesmos ofereciam ao processo de escravizao.2 Um exemplo seria a violncia praticada contra os ndios Trememb, no sculo XVII; todavia, a expedio militar que foi enviada para reprimi-los foi chamada de "atividade de pacificao (LEONARDI, 1996)3 Por exemplo: Confederao dos Tamoios (1555-1667), a Guerra dos Aimor (1555-1673), a Guerra dos Potigua-ra (1586-1599), o Levante Tupinamb (1617-1621), a Confederao Cariri (1686-1692), a Guerra dos Manaus (1723-1744) e a Guerra Guarantica (1753-1756).10CADERNOS SECAD Na tica dos padres jesutas, o contato com os colonos ocidentais no trazia bons exemplos morais e religiosos para os ndios, porque era comum encontrar entre aqueles criminosos cumprindo pena de degredo. Muitos deles envolviam-se com os ndios a ponto de se converterem a seus modos de vida. Mas os colonos, sobretudo, preferiam ter os ndios como mo-de-obra para servios domsticos ou para trabalhar em suas fazendas a v-los estudando. Como sada para esse estado de coisas, os jesutas recorreram ao aldeamento, procedimento j utilizado em outras colnias portuguesas e que consistia na criao de grandes aldeias prximas das povoaes coloniais para agrupar ndios trazidos de suas aldeias no interior. Nelas os ndios passavam a viver sob as normas civis e religiosas impostas pelos padres missionrios, sem nenhum contato com o mundo externo a no ser quando esse atendesse a algum interesse dos jesutas. Os aldeamentos assumiam tambm a funo de negar valor s culturas indgenas e impor uma nova ordem social. Nesse sentido, muitos aldeamentos propunham a convivncia entre povos diferentes e estimulavam casamentos intertnicos. O ensino praticado centrava-se na catequese, sendo totalmente estruturado sem levar em considerao os princpios tradicionais da educao indgena, bem como as lnguas e as culturas desses povos. Segundo Freire (2004:23): Quando a escola foi implantada em rea indgena, as lnguas, a tradio oral, o saber e a arte dos povos indgenas foram discriminados e excludos da sala de aula. A funo da escola era fazer com que estudantes indgenas desaprendessem suas culturas e deixassem de ser indivduos indgenas. Historicamente, a escola pode ter sido o instrumento de execuo de uma poltica que contribuiu para a extino de mais de mil lnguas. A Lngua Geral, uma adaptao de vrias lnguas indgenas feita pelos missionrios, era ensinada para indgenas de diferentes comunidades - com costumes e lnguas variadas - que viviam nesses aldeamentos. Para se fazerem entender pelos jesutas, pelos demais ndios da aldeia e pelos colonos, os ndios cristos viam-se obrigados a aprender essa nova lngua, que passou a servir tambm para a aprendizagem do idioma portugus. Inicialmente os aldeamentos governados pelos missionrios jesutas serviram tambm aos interesses dos colonos, do governo-geral brasileiro e da Coroa portuguesa. A partir 1757, entretanto, o trabalho dos jesutas deixa de contar com o apoio da Coroa Portuguesa, ento interessada em aumentar a produo agrcola da colnia, para o qual, como reivindicavam os colonos, a escravizao dos ndios era necessria. Os jesutas foram expulsos do Brasil e os aldeamentos elevados categoria de vilas, sendo criado o regime de Diretrio, representado por um diretor nomeado pelo governador. A implantao do Diretrio de ndios no representou mudanas significativas para as populaes indgenas, pois, em linhas gerais, deu continuidade ao regime anterior de expropriao. Ressalte-se, porm, a proibio pelos Diretrios do uso de lnguas indgenas em sas de aulas, inclusive da Lngua Geral, e a definio da obrigatoriedade do ensino da lngua portuguesa e de seu uso.Educao Escolar Indgena11Anotaes Com a implantao dos Diretrios intensificou-se a escravizao dos ndios para atender ao aumento da necessidade de braos para atuarem nas atividades domsticas, agrcolas e extrativistas. Os indgenas foram considerados prprios para essas funes, tanto pelo fato de estarem adaptados s condies naturais da regio, quanto por serem mais baratos do que os escravos negros que j vinham sendo comercializados no Brasil desde 1580. Em 1798 foi tambm revogado o Diretrio dos ndios e nada o substituiu oficialmente at 1845, quando o Decreto 426, de 24 de julho, definiu o Regulamento das Misses. Essa norma trata das diretrizes gerais para a reintroduo de missionrios no Brasil que voltassem a se responsabilizar pela catequese e civilizao dos indgenas. A atuao desses missionrios assemelhou-se, em alguns pontos, ao trabalho anteriormente desenvolvido pelos missionrios jesutas. Por exemplo, retoma-se o sistema de aldeamento, que volta a ser entendido como ferramenta imprescindvel para os processos de catequizao, civilizao e assimilao fsica e social dos ndios ao restante da pulao. Porm, pelo menos duas diferenas merecem destaque. Em primeiro lugar, no foi dada a esses missionrios a mesma autonomia desfrutada pelos jesutas. Eles ficaram inteiramente a servio do governo brasileiro, sem contestar suas determinaes e, em alguns casos, nem mesmo eram responsveis pelo governo dos aldeamentos, pois seus contratos tratavam de prestao de servios administrao provincial como assistentes religiosos e educacionais. Em segundo lugar, esses missionrios acreditavam que o convvio com cristos facilitaria a catequizao dos ndios, razo pela qual, diferentemente dos jesutas, eles permitiam a permanncia de no-ndios nos aldeamentos (militares, comerciantes, colonos, escravos e ex-escravos negros)4. Ao instalar os missionrios nos diversos aldeamentos, o Estado monrquico subvencionava a criao e a manuteno de escolas para as crianas e adultos indgenas que se interessassem em aprender a ler, escrever e contar (instruo primria). Essa poltica desenvolvia-se a partir da viso da escola como instrumento de desenvolvimento humano capaz de viabilizar a formao do povo brasileiro. Com relao s populaes indgenas, esseesenvolvimento s seria alcanado se elas fossem catequizadas e integradas ao mundo do trabalho das sociedades no-ndias. Assim, nesse perodo, inclua-se tambm como funo da educao para os ndios a formatada para certos ofcios. O Regulamento da Catequese e Civilizao dos ndios, de 1845, propunha a criao de oficinas de artes mecnicas e o estmulo agricultura nos aldeamentos indgenas, bem como o treinamento militar e o alistamento dos ndios em companhias especiais, como as de navegao. Por volta de 1870, diante da dificuldade de manter os ndios nas escolas dos aldeamentos, ocorre em algumas provncias o investimento em institutos de educao, em internatos e, no caso especfico de Pernambuco, em orfanatos para crianas indgenas, com o fim de transform-las em intrpretes lingsticos e culturais para auxiliar os missionrios na suposta civilizao dos seus parentes. Essas escolas localizavam-se fora da rea dos aldeamentos e pretendiam oferecer s crianas indgenas no s a instruo prim elementar, mas tambm ensino para desempenho de funes iden-4 Segundo Amoroso (2001:138): "a presena de no-ndios nos aldeamentos do sculo XIX fez com que, na maioria das vezes, a escola e outras instituies de apoio s populaes indgenas aldeadas acabassem atendendo aos no-ndios, usando para isso a verba destinada catequese dos ndios.12CADERNOS SECADtificadas com o desenvolvimento das provncias e com os processos de assimilao da diversidade dos povos indgenas. Em linhas gerais, durante todo o Perodo Imperial (1808-1889) realizaram-se muitos debates em torno do tema educao escolar primria organizada e mantida pelo poder pblico estatal que pudesse atender, principalmente, negros (livres, libertos ou escravos), ndios e mulheres, que compunham as chamadas camadas inferiores da sociedade. Isso se deu em um contexto onde a instruo popular era considerada a base do progresso moral, intelectual e social de qualquer pas e havia o entendimento, tanto no plano nacional quanto no internacional, de que investir na quantidade de escolas e de alunos representava a preocupao para com o progresso e civilizao de uma nao. No entanto, estar presente nas agendas polticas da poca no representou para os ndios uma poltica imperial voltada especificamente para seus interesses. Ao final do Imprio, os especialistas e autoridades, que chegaram a se entusiasmar com a possibilidade de haver instituies pblicas destinadas ao ensino de crianas indgenas, desacreditavam que isso pudesse ocorrer sem a interveno das misses religiosas. Dessa forma, at o incio do sculo XX o indigenismo brasileiro viver uma fase de total identificao com a misso catlica e o Estado dividir com as ordens religiosas catlicas, mais uma vez, a responsabilidade pela educao formal para ndios. Assim, na primeira dcada do perodo republicano, retomada a oferta s populaes indgenas de ensino suplementar associado ao ensino de ofcios, voltados s necessidades locais, sob o comando das misses religiosas que fundaram alguns internatos para a educao de meninos e meninas5. Nos anos seguintes, com a instaurao e consolidao do regime republicano, o Estado sistematizar uma poltica indigenista com a clara inteno de mudar a imagem do Brasil perante a sociedade nacional e mundial. rgos governamentais so criados com as funes de prestar assistncia aos ndios e proteg-los contra atos de explorao e opresso ee gerir as relaes entre os povos indgenas, os no-ndios6 e os demais rgos de governo. Nesse esprito, cria-se em 1910 o Servio de Proteo aos ndios (SPI), que ser extinto em 1967, sendo suas atribuies repassadas para a Fundao Nacional do ndio (Funai). A educao escolar, uma das aes de proteo e assistncia sob a responsabilidade desses rgos indigenistas, assume papel fundamental no projeto republicano de integrao do ndio sociedade nacional por meio do trabalho. Ela posta como fundamental para a sobrevivncia fsica dos ndios e inclui no s o ensino da leitura e da escrita, mas tambm de outros conhecimentos como higiene, saneamento, estudos sociais, aritmtica, ensinamentos prticos de tcnicas agrcolas, marcenaria, mecnica e costura. A finalidade disso fazer com que os ndgenas passem a atuar como produtores de bens de interesse comercial para o mercado regional e como consumidores das5 Segundo Rizzini (2004:380) "[...] no Norte, os capuchinhos da Ordem da Lombardia fundaram, em 1895, um colgio (Instituto Indgena) para jovens ndios Tenetehara, Canela e Timbira, maiores de 14 anos, provenientes de aldeamentos do Maranho. Dois anos depois, os capuchinhos instalaram na recm-criada Misso de So Jos da Providncia do Alto Alegre um internato para meninas menores de 14 anos, vindas de diversas aldeias.6 Com o crescimento econmico as terras ocupadas pelas populaes indgenas passam a ser alvo de interesse de diferentes grupos e motivo de conflitos entre ndios e latifundirios, posseiros, garimpeiros, empresas de minerao ou as responsveis pela construo da infra-estrutura (estradas, hidroeltricas).Educao Escolar Indgena13Anotaestecnologias produzidas pelos no-ndios, constituindo tambm uma reserva alternativa de mo-de-obra barata para abastecer o mercado de trabalho. Esse papel ser instrumentalizado pelo discurso de valorizao da diversidade lingstica dos povos indgenas, com a proposio da utilizao das lnguas maternas no processde alfabetizao7 para grupos que no faziam uso da lngua portuguesa, visando facilitar o processo de integrao sociedade nacional. Assim, o ensino bilnge estabelecido como prioridade e busca-se implant-lo nas escolas indgenas por meio de materiais produzidos para a alfabetizao e da capacitao de ndios para assumirem funo de alfabetizadores em seus respectivos grupos. No programa de educao bilnge ento vigente, os ndios eram alfabetizados na sua lngua materna ao mesmo tempo em que eram introduzidos no aprendizado da lngua portuguesa. Quando atingiam o domnio deste idioma, o ensino passava a ser realizado exclusivamente em portugus. Essa metodologia, na qual a lngua materna usada como ponte para o domnio da lngua nacional, chamada de bilingismo de transio. A partir dela a lngua indgena servia para facilitar, e mesmo acelerar, o processo de integrao do ndio cultura da sociedade no-ndia, pois quando aprendia o portugus e deixava de falar sua lngua, simultaneamente, abandonava seu modo de vida e sua identidade diferenciada. Diante das dificuldades tcnicas encontradas para implantar o ensino bilnge, em virtude dos escassos conhecimentos lingsticos referentes s vrias lnguas autctones, a partir de 1970, a Funai estabelece convnios com o Summer Institute of Linguis-tics (SIL), visando ao desenvolvimento de pesquisas para o registro de lnguas indgenas, identificao de sistemas de sons, elaborao de alfabetos e anlises das estruturas gramaticais. Alm disso, passa a ser responsabilidade dessa instituio a preparao de material de alfabetizao nas lnguas maternas e de material de leitura, o treinamento do pessoal docente, tanto da Funai, como de misses religiosas e a preparao de autores indgenas. O SIL, cujo objetivo principal era converter povos indgenas religio protestante, passa a atuar de uma forma que se confunde com a do Estado e, em alguns casos, assume para si a obrigao estatal de tutela desses povos. As aes desenvolvidas junto aos indgenas pelos missionrios e lingistas vinculados ao SIL ou a outras similares8 sempre foram alvo de muitas crticas, sobretudo por parte de instituies da rea de lingstica e antropologia. Mas somente quando a responsabilidade de coordenar as aes relativas educao escolar indgena foi assumida pelo Ministrio da Educao, que ocorreu uma ruptura com essas organizaes. Em linhas gerais, nesse perodo, a educao para os ndios proposta pelo Estado brasileiro, deu continuidade poltica praticada nos perodos colonial e imperial, focada na assimilao e integrao dos povos indgenas sociedade nacional, por meio de sua adaptao a uma nova lngua, a uma nova religio, a novas crenas, a novos costumes, a novas tradies, enfim, a novas formas de viver. Prova disso que, em julho de 1990 foi realizado o III Encontro de Professores Indgenas do Amazonas e Roraima, cujo documento final afirmava que, naquele mo-7 Os art. 49 e 50 da Lei n 6.001/1973, Estatuto do ndio, preconizava a orientao da educao do ndio para a integrao na comunho nacional, com a alfabetizao feita na lngua mna e em portugus (BRASIL. Funai/ CGDOC, 2005).8 Segundo Ferreira (2001:85) alm do Summer Institute of Linguistic (SIL) atuaram junto aos ndios do Brasil, nesse perodo, mais de 50 misses religiosas catlicas e protestantes. O SIL hoje foi renomeado como Sociedade Internacional de Lingstica.14CADERNOS SECADmento, a maioria das escolas indgenas estava estruturada e possua normas de funcionamento consoantes s diretrizes das Secretarias Estaduais e Municipais de Educao, sendo que, tal estrutura geralmente impunha prticas educativas e contedos progra-mticos que no levavam em considerao as especificidades culturais de cada comunidade e seus processos prprios de aprendizagem (MARI apud FREIRE, 2004:25). Aes alternativas s do governo brasileiro passaram a surgir nos anos 70, quando se iniciou no Brasil, com a emergncia mundial de debates em torno dos direitos humanos, possibilitados pelos processos de descolonizao e pela tendncia globalizao, um movimento de recuperao da autonomia e da autodeterminao dos povos indgenas, controlados at ento pelo poder tutelar e hegemnico do Estado. Criaram-se organizaes civis de colaborao, apoio e defesa da causa indgena9, compostas por pesquisadores no-ndios - principalmente, antroplogos e lingistas - indigenistas e missionrios leigos. Defendendo o reconhecimento da diversidade sociocultural e lingstica dos povos indgenas e, conseqentemente, a participao desses povos na definio, formulao e exece polticas e aes no campo indigenista, as iniciativas dessas organizaes acabaram por contribuir para mudanas importantes na viso que a sociedade nacional e o Estado brasileiro tinham dos indgenas e de seus direitos. Aos poucos o movimento embrionrio do incio dos anos de 1970 ganhou fora e multiplicaram-se as organizaes no-governamentais de apoio aos ndios. Paralelamente, e em consonncia desse movimento, os prprios povos indgenas buscaram se articular politicamente para defender seus direitos e projetos de futuro e, a partir de meados de 1970, so criadas organizaes e associaes indgenas, em diferentes regies do pas, queassaram a realizar assemblias, encontros ou reunies, culminando na criao, em 1980, da Unio das Naes Indgenas (Unind, hoje UNI) e suas regionais. Dessa mobilizao surgiu um movimento indgena de mbito nacional articulado na busca de solues coletivas para problemas comuns aos diferentes grupos tnicos - basicamente a defesa de territrios, o respeito diversidade lingstica e cultural, o direito assistncia mdica adequada e a processos educacionais especficos e diferenciados (FERREIRA, 2001:95). Como resultado da presso que esse movimento10 passou a exercer junto ao poder legislativo, efetivaram-se as mudanas mais significativas da histria dos povos indgenas no Brasil, iniciadas com a definio da Constituio de 1988 e asseguradas nos demais textos legais definidos a partir dela.11 No mbito da educao escolar, as entidades indgenas e de apoio aos povos indgenas propem e mantm atividades de cunho educativo que, aos poucos, passaram a constituir uma rede de programas educacionais para as populaes indgenas no Brasil. Essa rede se sustenta em um elemento fundamental: os projetos educacionais implantados so aes geradas para atender reivindicaes indgenas por uma educao diferenciada. Alm di pressupem a participao ativa das comunidades indgenas, representadas por seus lderes, na elaborao, acompanhamento e execuo dos projetos desenvolvidos em seus territrios.9 Dentre essas, destacam-se as seguintes entidades de apoio: i) com perfil laico - Comisso Pr-ndio de So Paulo, do Rio de Janeiro e do Acre; Centro de Trabalho Indigenista (CTI); Centro Ecumnico de Documentao e Informao (CEDI); Associao Nacional de Andigenista (ANAI); Instituto de Antropologia e Meio Ambiente (IAMA); e ii) ligadas s igrejas catlicas e luteranas - Operao Anchieta (OPAN); Conselho Indigenista Missionrio (CIMI); Conselho de Misses entre ndios (COMIN).10 Composto de uma rede de mais de duzentas organizaes.11 No tpico Marcos Legais deste Caderno trataremos de forma mais detalhada dessas legislaes.Educao Escolar Indgena15Anotaes A princpio, esses projetos educacionais consistiam na alfabetizao de jovens ndios das comunidades envolvidas, respeitadas suas demandas polticas e especificida-des culturais e lingsticas. Em seguida, de forma autnoma e comunitria, as entidades promotoras passam a responsabilizar-se por iniciativas de formao de professores ndios, pela formulao, sistematizao e regularizao de propostas curriculares alternativas s vigentes nas escolas indgenas at aquele momento e pela elaborao de materiais didticos de autoria indgena adequados s diferentes realidades. As organizaes indgenas12 passam ento a reivindicar, junto ao poder pblico, a legitimao e legalizao dessas atividades educacionais formais desenvolvidas pelos professores indgenas em suas escolas por meio da sua insero no sistema pblico de ensino.13 Nesse sentido criam-se parcerias entre rgos governamentais - de mbito federal, estadual e municipal - movimentos indgenas e organizaes pr-ndio e, aos poucos, experincias educacionais bem-sucedidas, desenvolvidas por iniciativa prpria ou a pedido das comunidades indgenas, passam a ser referncia para as agncias governamentais na construo de suas polticas. Estas novas referncias polticas e conceituais so afirmadas pelas definies presentes na Constituio de 1988, a qual, como j mencionado, serviu como alavanca em um processo de mudanas histricas para os povos indgenas no Brasil. A partir dela a relao entre o Estado brasileiro e os povos indgenas se transforma e a poltica estatal indigenista, de carter integracionista e homogeneizador, vigente desde o perodo colonial, d lugar a um novo paradigma, no qual esses povos passam a ser considerados como sujeitos de direitos. Essa mudana se deveu, principalmente, superao, no texto constitucional, da perspectiva integracionista. Isso se mostra de forma ntida quando se reconhece a pluralidade cultural e lingstica da sociedade brasileira, caracterstica at ento vista como obstculo para a formao e desenvolvimento do Estado-nao. Em decorrncia desse reconhecimento, fica definida como responsabilidade da Unio assegurar e garantir aos povos indgenas o direito de serem diferentes, de manterem sua organizao social, seus costumes, suas lnguas, tradies e os direitos originrios sobre as terras que tradicionalmente ocupam. As polticas pblicas relativas Educao Escolar Indgena ps-Constituio de 1988 pa a se pautar no respeito aos conhecimentos, s tradies e aos costumes de cada comunidade, tendo em vista a valorizao e o fortalecimento das identidades tnicas. A responsabilidade pela definio dessas polticas pblicas, sua coordenao e regulamentao atribem 1991, ao Ministrio da Educao. Para o delineamento dessas polticas, o MEC passa a contar com a participao de representantes indgenas, entidades de apoio e outras instituies, adotando como parmetro as experincias bem-sucedidas promovidas pela sociedade civil, afirmando seus conceitos e metodologias. Dessa maneira, iniciativas de carter local tornam-se referncia ampla para a conceituao e implementao de uma poltica pblica de educao escolndgena voltada para o atendimento da demanda de escolarizao das12 Destaca-se a articulao do movimento dos professores indgenas, por exemplo: a Comisso dos Professores Indgenas da Amaznia (COPIAM) e a Organizao Geral dos Professores Ticuna (OGPTB). 13 Em 1988, o Conselho Estadual de Educao de Mato Grosso regulamentou a Escola Estadual de 1 Grau Indgena Tapirap (FERREIRA, 2001:92-3).16CADERNOS SECADcomunidades indgenas, a partir de um novo paradigma da especificidade, da diferena, da interculturalidade e da valorizao da diversidade lingstica (MONTE, 2000). Finalmente passa a ser um princpio para o Estado brasileiro fazer com que os povos indgenas sejam ouvidos e atendidos com relao ao tipo de escola que querem e gesto dessa escola. As aes governamentais passam a ser orientadas para possibilitar que os povos indgenas discutam, proponham e procurem realizar seus modelos e ideais de escola segundo seus interesses e suas necessidades. Nesse caminho, a escola - outrora imposta aos ndios e por eles vivenciada como uma ameaa sua maneira de ser, pensar e fazer - tem sua presena hoje reivindicada por esses mesmos ndios. Os povos indgenas contemporneos vem a escola por eles construda como instrumento para a construo de projetos autnomos de futuro e como uma possibilidade de construo de novos caminhos para se relacionarem e se posicionarem perante a sociedade no-indgena, em contato cada vez mais estreito. Em 2003, tem incio no Ministrio da Educao um movimento para a insero e enraizamento do reconhecimento da diversidade sociocultural da sociedade brasileira nas polticas e aes educacionais, que se consolida com a criao da Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade (Secad), qual est vinculada a Coordenao-Geral de Educao Escolar Indgena (CGEEI). A Secad criada com o objetivo de institucionalizar no Sistema Nacional de Ensino o reconhecimento da diversidade sociocultural como princpio para a poltica pblica educacional, evidenciando a relao entre desigualdade de acesso e permanncia com sucesso na escola com a histrica excluso fomentada pela desvalorizao e desconsiderao das diferenas tnico-raciais, culturais, de identidade sexual e de gnero, nas escolas brasileiras. Assim, a educao escolar indgena passa a receber um tratamento, no MEC, focado na assero dos direitos humanos, entre eles o de ter seus projetos societrios e identitrios fortalecidos nas escolas indgenas. 2.2. Conceitos Envolvidos na Educao Escolar Indgena Deixando de lado noes essencialistas de cultura e identidade, a nfase poltica dada pela Secad/MEC valorizao e manuteno da sociodiversidade indgena toma por referncia os princpios e conceitos utilizados nos projetos societrios e identitrios construdos autonomamente por cada povo indgena para a conduo de seus destinos e definio de seu modelo de desenvolvimento. Desse modo, a produo das diferenas sociais se concretiza na formulao de diferentes projetos societrios, definidos por cada povo, a partir de seus valores simblicos, de sua histria, de suas perspectivas polticas de autonomia e de continuidade cultural, bem como de suas estratgias de interao com a sociedade majoritria. Uma das importantes peculiaridades dos povos indgenas remete a que alguns dos territrios tradicionais, regularizados de forma contnua ou no, no coincidem com as divises poltico-administrativas em estados e municpios. Assim, por exemplo,Educao Escolar Indgena17Anotaesos territrios do povo Guarani Mbya se distribuem ao longo da costa brasileira em seis estados da federao: Esprito Santo, Rio de Janeiro, So Paulo, Paran, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Do mesmo modo, os territrios do povo Xavante, no Estado do Mato Grosso, englobam mais de 11 municpios. Os Guarani e Kaiow, no Mato Grosso do Sul, tm suas comunidades em uma rea que envolve 24 municpios. So muitos os exemplos da ocupao territorial que nos levam considerao do conceito de territorialidade indgena na definio das aes, que devem prever novas articulaes entre diferentes gestores e institucionalidades, superando a fragmentao administrativa, e passando a operar com o princpio do reconhecimento da organizao social dos povos indgenas. Assim, torna-se relevante induzir as Secretarias Estaduais de Educao a observarem a territorialidade desses povos e a inovarem na proposio de prticas de gesto articulada e compartilhada entre vrias Secretarias de Educao, com a indispensvel participao informada de representantes das comunidades para a definio de projetos e aes que possam melhorar suas condies de vida. Outro importante conceito que norteia a ao da Secad/MEC concerne relao entre escola e sustentabilidade. imprescindvel que a ao educacional se volte para contribuir com subsdios e reflexes para a sustentabilidade socioambiental das comunidades indgenas. A presso para a explorao econmica dos recursos naturais existentes em seus territrios e a presena de grandes projetos do agronegcio no entorno tm como conseqncias a degradao da vida social e o esgotamento dos recursos naturais com reflexos na qualidade da vida das comunidades indgenas. Os representantes indgenas tm demandado dos dirigentes pblicos, de diferentes setores responsveis pelas polticas indigenistas, a coordenao de polticas que contribuam para a sustentabilidade socioambiental, articulando conhecimentos tradicionais com novas tecnologias para que possam desenvolver a gesto de seus territrios com autonomia e a partir de seus interesses e necessidades. Desse modo, espera-se que a escola e os professores indgenas colaborem e participem da formulao e execuo de projetos de auto-sustentao. A Secad/MEC, em parceria com o Conselho Nacional de Secretrios Estaduais de Educao (Consed), mobilizou fortemente o Sistema de Nacional de Educao para tratamento da Educao Escolar Indgena como poltica pblica de garantia de direitos. Anteriormente, para a execuo de aes de formao de professores indgenas e de produo de materiais cos, eram priorizadas, pelo Ministrio da Educao, algumas organizaes no-governamentais em detrimento das Secretarias de Educao. importante observar que a ao de algumas organizaes no-governamentais foi e referencial para as mudanas no perfil de gesto do setor pblico, por respeitar a sociodiversidade indgena. No entanto, responsabilidade do Ministrio da Educao mobilizar os sistemas de ensino para atuarem levando em conta os marcos constitucionais dos direitos indgenas e a avaliao crtica das polticas integracionistas e homoge-neizantes de longo curso que ainda fundamentam muitas das prticas gerenciais nos dias atuais e sua superao. Desenvolveu-se, ento, um conjunto de aes para enraizar o tratamento da diversidade sociocultural no mbito educacional induzindo as Secretarias de Educao18CADERNOS SECADa reconhecer o amplo campo da diversidade na reorganizao de suas polticas, prioridades e prticas gerenciais. O movimento social ator imprescindvel para a formulao e experimentao de novas prticas indigenistas nas polticas e aes da Secad, no entanto a construo de uma sociedade mais justa passa pela democratizao e responsabilizao do setor pblico. Com foco na democratizao das instituies pblicas, a Secad/MEC inseriu com forte nfase a institucionalizao da participao e do controle social indgena. Assim, as Secretarias de Educao foram instadas a criar espaos institucionalizados de comunicao e participao indgena para possibilitar condies de estabelecimento do dilogo intercultural entre representantes indgenas e gestores pblicos, dando consistncia e resultado ao e financiamento pblicos. A partir dessa base dialgica, as iniciativas devem procurar direcionar a ao pblica s necessidades, interesses e concepes das comunidades indgenas. Paralelamente, foi implementada uma srie de aes para a ampliao da oferta da educao bsica nas reas indgenas - segundo segmento do Ensino Fundamental e Ensino Mdio - com o objetivo de desenvolver um tratamento sistmico dos princpios e diretrizes da educao escolar indgena em todos os nveis, etapas e modalidades de ensino. Assim, as diretrizes de afirmao das identidades tnicas - de recuperao das memrias histricas, de valorizao das lnguas e conhecimentos dos povos indgenas - so estendidas para toda a educao bsica intercultural e tambm para a formao superior de professores indgenas, aoa que fundamenta a ampliao da oferta de educao bsica intercultural de qualidade. Na histria da renovao das prticas pedaggicas e curriculares da escola indgena, algumas idias se firmaram a partir da reflexo e ao promovidas pelas experincias inovadoras conduzidas pelas organizaes de apoio aos povos indgenas e da mobilizao de professores e lideranas indgenas interessadas em uma educao escolar que contribusse para sua autonomia. Uma dessas idias o reconhecimento da multietnicidade e da pluralidade. No Brasil contemporneo existem mais de 225 povos indgenas14 que, segundo o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indgenas (RCNEI), cultural e lingisticamente representam uma magnfica [...] soma de experincias histricas e sociais diversificadas, de elaborados saberes e criaes, de arte, de msica, de conhecimentos, de filosofias originais, construdos ao longo de milnios pela pesquisa, reflexo, criatividade, inteligncia e sensibilidade de seus membros. (...) Sua variedade e sua originalidade so um patrimnio importante no apenas para eles prprios e para o Brasil, mas, de fato, para toda a humanidade (BRASIL. MEC, 2005a). relevante compreender a diversidade implcita na pluralidade tnica para a formulao de polticas e aes adequadas s realidades e perspectivas de cada povo indgena. Por isso, no so condizentes com essa realidade propostas de polticas e aes que tomem os povos indistintamente, sem contemplar suas especificidades em termos culturais, lingsticos, de histrias de contato com a sociedade nacional, de projetos de14 O fenmeno da reemergncia tnica, nos ltimos anos, tem dado visibilidade social a povos antes no reconhecidos devido a processos de discriminao e negao de suas identidades. o caso, entre outros, dos Tapeba, localizados na Grande Fortaleza-CE, dos Pankar, em Floresta-PE, dos Caxix, em Minais Gerais. Santrem-PA, no Censo Escolar Inep/MEC de 2006, inseriu 30 escolas indgenas localizadas em comunidades que vm exigindo o reconhecimento de seus direitos tnicos (cf. OLIVEIRA, 1999; INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2006).Educao Escolar Indgena19Anotaesfuturo e de presente. Construir uma agenda poltica, acordada com professores e representantes de cada povo, que reflita suas perspectivas e suas demandas socioambientais um importante desafio para os gestores pblicos. Outra idia-chave a distino entre educao indgena e educao escolar indgena. Me9) evidenciou os processos de aprendizagem de diferentes povos, dimenso ignorada pelas polticas assimilacionistas que no reconheciam os padres de transmisso dos conhecimentos tradicionais para a formao de jovens e crianas de acordo com suas concepes sobre sociedade e formao da pessoa humana. As prticas socializadoras da comunidade, em diversificados momentos, por meio de diferentes agentes e ao longo de toda a vida so educacionais por natureza, se valem da oralidade e tm estratgias prprias. A essa atividade, a educao escolarizada foi imposta intentando substituir e neutralizar esses processos de formao. Desse modo um dos fundamentos da educao escolar indgena o reconhecimento da comunidade educativa indgena, pois, conforme o RCNEI, ela [...] possui sua sabedoria para ser comunicada, transmitida e distribuda por seus membros; so valores e mecanismos da educao tradicional dos povos indgenas (...) que podem e devem contribuir na formao de uma poltica e prticas educacionais adequadas (BRASIL. MEC, 2005a). O reconhecimento dos processos prprios de aprendizagem deriva do conhecimento das diferentes formas de se organizar socialmente dos povos indgenas. Desse modo, muitos professores indgenas tm se preocupado em pesquisar os fundamentos e as estratgias desses processos cognitivos, gerando o que se entende hoje por peda-gogias indgenas. Nos Dirios de Classe de alguns professores indgenas, relatos do seu trabalho pedaggico em sala de aula, essas pedagogias so evidenciadas nas escolhas metodolgicas para a aquisio da lecto-escritura, no uso da oralidade para a construo dos conhecimentos, na organizao do tempo e do espao escolar, no agrupamento dos estudantes, nas diversas atividades feitas a partir da associao da escola com a vida comunitria (PIANTA, 2003). Outra idia que conceitua o campo da educao escolar indgena diz respeito autodeterminao das comunidades indgenas. Para o RCNEI : Os povos indgenas em todo o mundo, no contexto atual de insero nos estados nacionais, tm contato com valores, instituies e procedimentos distintos dos que lhes so prprios. Eles tm o direito de decidir seu destino, fazendo suas escolhas, elaborando e administrando autonomamente seus projetos de futuro. Desse modo, a escola indgena faz parte desse projeto de construo autnoma do projeto societrio. Para isso, a comunidade deve participar da definio do projeto poltico-pedaggico da escola, das decises pedaggicas e curriculares e da organizao e gesto escolares (Op. cit.). As experincias alternativas que inovaram a discusso e prtica da educao escolar em um contexto de diversidade indgena firmaram algumas categorias que se tornaram definidoras da escola indgena como uma categoria especfica de estabelecimento de ensino. So caractersticas da escola indgena: a interculturalidade, o bilingismo ou multilingismo, a especificidade, a diferenciao e a participao comunitria.20CADERNOS SECAD A interculturalidade considera a diversidade cultural no processo de ensino e aprendizagem. A escola deve trabalhar com os valores, saberes tradicionais e prticas de cada comunidade e garantir o acesso conhecimentos e tecnologias da sociedade nacional relevantes para o processo de interao e participao cidad na sociedade nacional. Com isso, as atividades curriculares devem ser significativas e contextualizadas s experincias dos educandos e de suas comunidades. As escolas indgenas se propem a ser espaos interculturais, onde se debatem e se constroem conhecimentos e estratgias sociais sobre a situao de contato inte-rtnico, podem ser conceituadas como escolas de fronteira15 - espaos pblicos em que situaes de ensino e aprendizagem esto relacionadas s polticas identitrias e culturais de cada povo indgena. Portanto, a educao escolar indgena problematiza enfaticamente a relao entre sociedade, cultura e escola, reassociando a escola a todas as dimenses da vida social e estabelecendo novos sentidos e funes a partir de interesses e necessidades particulares a cada sociedade indgena. Assim, a escola indgena ser especfica a cada projeto societrio e diferenciada em relao a outras escolas, sejam de outras comunidades indgenas, sejam das escolas no-indgenas. A escola indgena se caracteriza por ser comunitria, ou seja, espera-se que esteja articulada aos anseios de comunidade e a seus projetos de sustentabilidade territorial e cultural. Dessa forma, a escola e seus profissionais devem ser aliados da comunidade e trabalhar a partir do dilogo e participao comunitria, definindo desde o modelo de gesto e calendrio escolar - o qual deve estar em conformidade s atividades rituais e produtivas do grupo - at os temas e contedos do processo de ensino-aprendizagem. Os direitos lingsticos dos povos indgenas, de que os processos de aprendizagem escolares sejam feitos nas lnguas maternas dos educandos, trazem a ateno para a realidade sociolingstica da comunidade onde est inserida a escola e para os usos das lnguas tanto no espao comunitrio quanto no escolar. Chamamos isso de bilin-gismo ou multilingismo na escola indgena, visto que em algumas regies, falantes e comunidades indgenas usam no dia-a-dia, alm de duas ou trs lnguas maternas, o portugus e as lnguas usadas nos pases com que o Brasil faz fronteira. Esta caracterstica da escola indgena passa hoje por uma reflexo extensa e profunda entre os professores indgenas e as equipes tcnicas dos sistemas de ensino, pois se trata de uma abordagem s lnguas usadas na comunidade e na escola, tendo em vista um horizonte de manuteno, ampliao e/ou revitalizao das lnguas maternas e aprendizagem da lngua portuguesa com metodologias de aquisio de segunda lngua. Levar em conta os direitos lingsticos das crianas nas escolas indgenas significa, ento, conhecer a realidade sociolingstica da comunidade e discutir essa realidade na escola, fortalecendo e valorizando a lngua indgena em seu uso como lngua de instruo, de comunicao, dos materiais didticos e como objeto de anlise e estudo. Para isso, os professores indgenas devem participar de cursos de formao continuada que possam possibilitar a construo de conhecimento e reflexo sobre a realidade da sua lngua, do bilingismo ou multilingismo praticado na comunidade, e formular estratgias no mbito da escola para fortalecer e ampliar o uso da prpria lngua.15 Tassinari (2001) conceitua as escolas indgenas como "espaos de fronteira, entendidos como espaos de trnsito, articulao e troca de conhecimentos, assim como espaos de incompreenses e de redefinies identitrias dos grupos envolvidos nesse processo, ndios e no-ndios.Educao Escolar Indgena21Anotaes Nas discusses sobre as realidades sociolingsticas importante problematizar a situao do uso da lngua portuguesa como lngua materna. Muitos povos indgenas no processo colonizatrio perderam o uso de suas lnguas e adotaram a lngua portuguesa. Vrios pesquisadores vm demonstrando que as variedades da lngua portuguesa usadas pelos povos indgenas so marcadas pelas diferenas culturais e que, portanto, essas variedades tm que ser levadas em conta, frente variedade-padro e outras variedades, pois espelham o pertencimento tnico dos educandos. 2.3. As organizaes do Estado brasileiro responsveis pela Educao Escolar Indgena No Brasil Colnia a educao formal dos indgenas esteve primeiramente - de 1549 a 1757 - sob a responsabilidade dos missionrios catlicos, principalmente padres jesutas, representantes da Companhia de Jesus, os quais foram legitimados e apoiados pela Coroa Portuguesa e pelos administradores locais. No Perodo Pombalino (1750 a 1777) por contrariar os interesses dos colonizadores e da Coroa Portuguesa, a Companhia de Jesus foi expulsa do Brasil, sendo institudo o Regime do Diretrio16. Como afirma Vieira (2003), o Marqus de Pombal pretendia instituir no lugar da "educao pblica religiosa", vigente at ento, uma "educao pica estatal". Em 1798, diante das constantes irregularidades e abusos cometidos por alguns diretores contra os ndios - dentre outras, aes de violncia e a invaso das terras das aldeias - revogado o Diretrio dos ndios. De acordo com Cunha (1992), apesar de extinto, o Diretrio dos ndios ficou oficiosamente em vigor no perodo entre 1798 a 1845. Em algumas provncias, como Cear e Rio de Janeiro, ele foi oficialmente restabelecido. Outras provncias, como a do Maranho, passaram a definir suas prprias diretrizes e oficializaram o regime das misses, que consistia na permisso legal para o retorno de missionrios ao Brasil sem obstculos sua atuao. Mesmo depois da instituio do Regulamento das Misses, em 1845 (AMOROSO, 2001), os Diretrios dos ndios foram mantidos com diretores militares naquelas provncias onde o nmero de missionrios no foi suficiente para suprir a demanda e os aldeamentos eram localizados em reas de fronteira. No Brasil Imprio, os missionrios foram reintroduzidos oficialmente no territrio brasileiro para de novo tratarem do governo dos ndios aldeados e de sua educao formal, por meio do Decreto n. 426/1845, que definiu o Regulamento das Misses17. Mas aos missionrios catlicos desse perodo no se deu total autonomia. Assim sendo, de 1845 a 1910, o Estado dividiu com vrias ordens religiosas catlicas a administrao da questo indgena, includa a a responsabilidade pela educao formal. Com a instaurao e consolidao do regime republicano e da sistematizao pelo Estado de uma poltica indigenista baseada nos ideais positivistas, institudo, pelo Decreto n 8.072, de 20 de julho de 1910, o Servio de Proteo aos ndios e Localiza-16 Tambm chamado de Diretrio dos ndios ou Diretorias dos ndios.17 Tambm conhecido por Regulamento da Catequese e Civilizao dos ndios. 22CADERNOS SECADo de Trabalhadores Nacionais, mais tarde denominado Servio de Proteo aos ndios (SPI). Esse foi o primeiro rgo estatal formalmente institudo em separado das ordens eclesisticas, com a finalidade de gerir as relaes entre os povos indgenas. Da data de sua criao at sua substituio, em 1967, pela Fundao Nacional do ndio (nai), o SPI funcionou vinculado a diferentes ministrios. De 1910 a 1930 esteve vinculado ao Ministrio da Agricultura, Indstria e Comrcio, sendo que, at 1918, alm do governo dos ndios teve a tarefa de fixao no campo da mo-de-obra rural no estrangeira. Em 1931 o SPI tornou-se uma seo do Departamento do Povoamento no Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio, sendo, em 1936, vinculado ao Ministrio da Guerra, na Inspetoria Especial de Fronteiras. Em 1939, o SPI volta a subordinar-se ao Ministrio da Agricultura (LIMA, 1992:155-72). Percebe-se por esse histrico que a questo da proteo dos ndios esteve sempre intimamente relacionada questo da terra, seja no sentido de colonizar, ocupar e demarcar o territrio, seja para fazer essa terra produzir, transformando o ndio em trabalhador rural. Como afirma Lima (1992), era tarefa do SPI atrair e pacificar os ndios, bem como conquistar suas terras sem destru-los, a fim de que eles se transformassem na mo-de-obra necessria execuo dos ideais de desbravamento e preparao das terras no colonizadas para uma posterior ocupao definitiva pelos no-ndios. Na rea educacional, a nfase no trabalho agrcola e domstico visava incorporao dos indgenas sociedade nacional como pequenos produtores rurais capazes de se auto-sustentarem. O SPI iria doutrinar os ndios, "fazendo-os compreender a necessidade do trabalho", convertendo-os em cidados produtivos. Em sntese, era nos termos do Regulamento do SPI, aprovado pelo Decreto n 736/1936, que se sustentava a aplicao da pedagogia da nacionalidade e do civismo. A extino do SPI e a criao da Funai tiveram como motivao diversos fatores, dentre os quais destacam-se a implantao da ditadura militar, que desencadeia a redefinio da burocracia estatal, e a necessidade de se difundir internacionalmente uma viso positiva acerca das polticas e aes do Estado brasileiro voltadas s populaes indgenas, pois pesava contra o Brasil a acusao de extermnio cultural desses povos. A poltica educacional da Funai estruturou-se fundamentada nos Programas de Desenvolvimento Comunitrio (PDC), respaldados pela ONU, e nas aes de implantao do ensino bilnge nas escolas indgenas. Na prtica, de acordo com Santos (1975), as escolas situadas em reas indgenas foram estruturadas e funcionavam como as escolas rurais de outras partes do Brasil, ou seja, distantes das realidades das diferentes comunidades indgenas. Em 1991, um conjunto de Decretos descentraliza para outros rgos pblicos diversas aes no mbito indigenista, at ento de exclusiva responsabilidade da Funai. Essa mudana institucional na conduo da poltica indigenista um marco importante, pois envolve novas agncias do Estado no campo da definio e execuo das polticas pblicas. Por definio do Decreto Presidencial n 26/1991, o MEC passa a ser responsvel, em todos os nveis e modalidades de ensino, pela definio de polticas de educao escolar indgena de qualidade, fundamentada nos princpios constitucionais, e os Estados e os Municpios passam a ser responsveis pela execuo desta poltica educacional.Educao Escolar Indgena23Anotaes Para definir essa poltica de educao escolar indgena, o MEC tomou como parmetro o trabalho pioneiro realizado na rea, a partir da metade da dcada de 1970, por organizaes no-governamentais indgenas e de apoio aos povos indgenas criando, alm disso, espaos para a participao da sociedade civil nessas definies. Assim, no intuito de contar com assessoria, possibilitar a participao dos envolvidos com a questo indgena e orientar os sistemas de ensino, o MEC, em julho de 1992, instituiu o Comit Nacional de Educao Indgena, composto por representantes de organizaes no-governamentais, universidades e representantes indgenas. Ainda em 1991, foi estruturada a Coordenao-Geral de Apoio s Escolas Indgenas (CGAEI) no mbito da ento Secretaria de Ensino Fundamental (SEF) para "coordenar, acompanhar e avaliar as aes pedaggicas da educao escolar indgena no pas"18. Alm de mobizar a atuao do Comit e promover a realizao de encontros regionais e seminrios nacionais para discusso e sensibilizao dos sistemas de ensino, com a participao representantes indgenas, das organizaes no-governamentais e de docentes das universidades. Em 2002, o Comit Nacional de Educao Escolar Indgena foi substitudo pela Comisso Nacional de Professores Indgenas, formada por treze professores. Em 2004, em atendimento propostas e reivindicaes do movimento indgena essa Comisso foi transformada em Comisso Nacional de Educao Escolar Indgena, passando a ser composta por professores e lideranas indgenas, por entender o movimento que ela no deveria ser formada apenas por professores. Um outro marco legal importante foi a criao de uma vaga para um representante da Educao Escolar Indgena no Conselho Nacional de Educao19, em decorrncia dos compromissos assumidos pelo Brasil na Conferncia Mundial contra Racismo, Discriminao Racial, Xenofobia e Intolerncia Correlata, realizada em Durban, frica do Sul, em 2001. A Coordenao-Geral de Apoio s Escolas Indgenas (CGAEI) atuou at julho de 2004, quando, por meio do Decreto Presidencial n 5.159/2004, foi transformada em Coordenao-Geral de Educao Escolar Indgena (CGEEI) vinculada ao Departamento de Educao para Diversidade e Cidadania (DEDC) da Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade (Secad). 2.4. A educao escolar dos indgenas e a legislao brasileira No adianta ter leis, se a escola indgena diferente no for diferente. At agora a escola diferenciada s est no papel. A gente j falou muito sobre escola indgena diferente, mas na prtica as coisas demoram muito para mudar. A gente no quer que a nossa histria e a nossa cultura se percam. Por isso, muitas comunidades indgenas esto fazendo seus prprios currculos, do jeito que elas acham bom. Agora temos leis que falam de educao indgena. As leis esto do nosso lado e ns vamos lutar para que sejam cumpridas.2018 Portaria Interministerial MJ e MEC n 559/1991. (BRASIL.Funai/CGDOC, 2005)19 Decreto Presidencial de 15 de maro de 2002.20 Depoimento da Prof.a Maria de Lourdes, Guarani do Mato Grosso do Sul (apud GRUPIONI, 2004:51). 24CADERNOS SECAD A compreenso das bases legais vigentes que regulamentam e garantem os direitos indgenas, dentre as quais as relacionadas educao, passa necessariamente pelo entendimento de que esses dispositivos, por um lado, refletem a adequao jurdica e administrativa do Estado brasileiro aos termos de tratados e pactos internacionais dos quais signatrio e, por outro, representam conquistas de lideranas indgenas, que vm ganhando fora junto aos poderes executivos e legislativos brasileiros desde meados dos anos de 1970. Ao longo do processo de colonizao do territrio brasileiro, o Estado portugus era o responsvel por mediar os conflitos entre trs agentes colonialistas: o administrador legal, o missionrio e o colono. Isso se reflete diretamente na legislao do perodo, que se concentrar em disposies jurdicas relativas organizao das relaes entconquistadores e os conquistados e serviro de respaldo para os fins da evangeliza-o realizada de incio apenas pelos jesutas e posteriormente tambm por missionrios de outras ordens religiosas. A legislao desse perodo no considera o ndio como cidado: ele tido como ser humano inferior e dependente do no-ndio, supostamente incapaz de se autogo-vernar, o que tornava necessria a tutela do Estado21. Para promover a tutela indgena foi necessria a criao de uma legislao compatvel com as idias que se formaram em torno dessa questo (COLAO, 2000). Outro aspecto caracterstico da legislao do Brasil colonial diz respeito existncia de duas categorias distintas de ndios, os aldeados - aliados dos portugueses - e os ndios inimigos - espalhados pelos 'sertes'. Seguindo essa diviso, a legislao e poltica indigenistas seguem tambm dois rumos distintos: h normas legais que se aplicam aos ndios aldeados e aliados e outras relativas aos inimigos22. Esse princpio prevalece ao longo de todo o perodo de colonizao e, para os ndios dceis e amigos, funcionava a poltica da brandura, baseada na viso protecionista e paternalista; para os inimigos, aplicavam-se as guerras justas, que resultavam na sua morte ou escravizao (AMOROSO, 2001). Apesar de toda a legislao protecionista, as injustias e a explorao indgena aconteciam porque, fundamentada na idia de incapacidade indgena, ela atendia ora aos interesses dos governantes, ora aos interesses da Igreja e ora aos interesses dos colonos, ignorando quase que totalmente os interesses e as caractersticas prprias das sociedades indgenas, cultural e organizativamente diferenciadas. A legislao republicana relativa ao ndio marcada pela tomada de conscincia da questo indgena. Se no ocorreram mudanas significativas na prtica, pelo menos na regulamentao passam a constar princpios como o da relatividade das culturas. Esse princpio est presente, por exemplo, no texto do Decreto n 8.072, de 20 de julho de 1910, que institui o SPILTN (Servio de Proteo aos ndios e Localizao de Trabalhadores Nacionais) e define como fundamento bsico desse rgo "o respeito s tribos indgenas como povos que tinham o direito de ser eles prprios, de professar suas crenas, de viver segundo o nico modo que sabiam faz-lo: aquele que aprenderam de seus antepassados e que s lentamente vai mudar." (RIBEIRO, D. apud RIBEIRO, B.,1984).21 Devido viso do ndio como uma criana imatura e indefesa e do estado como seu tutor e protetor, havia neste perodo a figura do juiz de rfos, pois cabia aos rgos do Estado a funo de proteger e garantir o bom tratamento aos ndios, garantindo-lhes a evangelizao, a educao e o amparo de enfermos e rfos, protegendo-os em suas relaes com outs ndios e com no ndios (cf. cOlAO, 2000:97; CUNHA, 1992:146-7).22 O texto de Beatriz Perrone Mises (In: CUNHA, 1992, p. 115-32) apresenta uma anlise da legislao para os ndios aldeados e para os no aldeados no Brasil dos sculos XVI a XVIII.Educao Escolar Indgena25Anotaes Alm desse decreto de instituio do SPI merecem destaque, neste perodo, a Lei n 5.371, de 1967, que extingue esse rgo e institui a Fundao Nacional do ndio (Funai), que o substituir em suas atribuies; e a Lei n 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que define o Estatuto do ndio. Entretanto, o estudo das leis brasileiras relativas questo indgena demonstra que, apesar de assumir nuances diferentes, segundo os interesses polticos, econmicos e sociais presentes na sociedade geral em seus diferentes momentos histricos, os documentos legais relacionados ao ndio permanecem, em sua essncia, praticamente inalterados desde o perodo colonial at os anos de 1980, na pressuposio da superao de suas identidades tnicas. At a promulgao da Constituio de 1988, a legislao fundamentava-se na pragmtica aimilacionista e na ideologia integracionista23. Assim, os dispositivos legais buscavam legitimar a conquista e o domnio sobre os bens dos povos indgenas; serviram para justificar as guerras contra os ndios, para tranqilizar as conscincias dos governantes com relao ao extermnio dos povos indgenas em confrontos armados, bem como a utilizao da mo-de-obra indgena e a negao dos direitos desses povos durante quase 500 anos de dominao, destruio e morte. As definies da Constituio Federal de 1988 relativas aos direitos dos ndios consolidaram os avanos alcanados junto ao Estado pelo movimento indgena, que desde a dcada de 70 se organizava na busca da afirmao dos direitos desses povos no Brasil. Os arts. 231 e 232, respectivamente, "reconhecem aos ndios sua organizao social, costumes, lnguas, crenas e tradies, e os direitos originrios sobre as terras que tradicionalmente ocupam" e que "suas comunidades e organizaes so partes legtimas para ingressar em juzo em defesa de seus direitos e interesses" rompendo definitivamente com o paradigma integracionista e a instituio da tutela. Essas definies devem-se tambm adequao do Estado brasileiro a um panorama mundial em que muitos Estados Nacionais, diante da luta por direitos humanos e sociais, afirmam, por meio de novos ordenamentos constitucionais e legais, a possibilidade dos povos indgenas manterem suas identidades e prticas socioculturais. Nessa perspectiva, as definies da Constituio Brasileira de 1988 representam o marco mais importante na legislao referente a questes indgenas, pois possibilitam a reformulao de todos os parmetros legais e conceituais que presidem o relacionamento do Estado brasileiro com esses povos. Dentre os encaminhamentos importantes efetivados aps a Constituio de 1988, est o Decreto Presidencial n 26/1991, que define o Ministrio da Educao como o responsvel pela proposio da poltica de educao escolar indgena, passando os Estados e Municpios a ser responsveis por suas execuo sob orientao do MEC. Alm desse decreto, outros documentos legais representativos so gerados no plano educacional. Destacam-se, no mbito federal, a Lei n 9.394/96, de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, o Plano Nacional de Educao - Lei n 10.172, de 9 de janeiro de 2001, o Parecer n 14/99 do Conselho Nacional de Educao (CNE), que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educao Escolar Indgena, regulamentadas pela Resoluo n 03/CNE/99.23 Vale registrar que a poltica integracionista reconhecia as diferenas, mas pretendia extermin-las, pois visava a anulao de toda e qualquer diferenciao tnica por meio da incorporao dos ndios sociedade nacional (RCNEI. BRASIL. MEC, 2005a: 26). 26CADERNOS SECAD No mbito dos Estados h, no perodo ps-Constituio Federal de 1988, a promulgao deovas Constituies e definio de legislaes especficas para a educao escolar indgena, cotuito de se adequarem os princpios nacionais s particularidades locais. Embora ainda no se tenha alcanado a plena efetivao das leis na forma como foram pensadas e definidas, no se pode negar o avano desencadeado pelas definies presentes na Constituio Federal de 1988 e nos documentos dela decorrentes.Educao Escolar Indgena27