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Publicación Ibérica de Antropología y Culturas Populares 2013 - n.º 20 Asociación Etnográfica Bajo Duero - Zamora

El Filandar O Fiadeiro 20 2013

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  • Publicacin Ibrica de Antropologa y Culturas Populares2013 - n. 20

    Asociacin Etnogrfica Bajo Duero - Zamora

  • El Filandar / O Fiadeiro. Publicacin Ibrica de Antropologa y Culturas Populares

    C/ Puentica, 3 - 49031 ZamoraTel. 637 827 769

    Foto de cubierta: Beatriz Snchez Valdelvira

    Edicin electrnica:www.bajoduero.org

    E-mail redaccin:[email protected]

    ISSN: 1136-2626Depsito Legal: ZA-3-1993

    La revista El Filandar / O Fiadeiro. Publicacin Ibrica de Antropologa y Culturas Populares, con pe-riodicidad anual, intenta ofrecer al pblico interesado un conjunto de estudios y documentos referidosa estos mbitos, con una perspectiva interdisciplinar. La publicacin est abierta tanto a las corrientesrenovadoras de los estudios sobre la cultura tradicional, como a la Antropologa Social y Cultural.Cada volumen incluye artculos de tema libre, dossieres monogrficos coordinados por especialistasen la materia de que se trate, as como reseas bibliogrficas y transcripciones de documentos. La re-vista selecciona sus artculos con criterios de calidad y oportunidad mediante evaluaciones realizadaspor especialistas de reconocido prestigio. Las normas de presentacin de originales se encuentran enlas ltimas pginas de la publicacin.

    Coordinadores: Jos Ignacio Monteagudo RobledoMiguel A. Montalvo MartnPedro Javier Cruz SnchezMariana Gomes

    Asistentes de redaccin: Rubn SnchezIsabel Santos

    Consejo asesor: Jos Luis Anta Flez (Universidad de Jan)Antonio Castillo Gmez (Universidad de Alcal)Luis Daz Viana (Consejo Superior de Investigaciones Cientficas)Jean-Yves Durand (Universidade do Minho)Paula Godinho (Universidade Nova de Lisboa)Manuel Gonzlez de vila (Universidad de Salamanca)Rita Marquilhas (Universidade de Lisboa)Andra Pavo (Universidade Federal Fluminense)Jos Manuel Pedrosa (Universidad de Alcal)Xerardo Pereiro (Universidade de Trs-os-Montes e Alto Douro)

    El Filandar / O Fiadeiro se encuentra bajo una Licencia CreativeCommons Atribucin-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.

  • Sumario4 Editorial Mariana Gomes

    Pensamiento, cultura y sociedad7-19 Project SAAL: Participao popular a partir

    do caso Bairro da Relvinha Joo Baa

    Tradicin oral23-29 Tres celebraciones tradicionales

    en el Libro de Alexandre Jos Manuel G. Matelln31-39 Toques de sinos na Terra de Miranda:

    un testemunho pessoal Amadeu Ferreira41-57 La malaguea de la Madrug y el Nene Mara Dolores Ayuso -

    de las Balsas en Murcia: 1869-1907 Toms Garca Martnez59-71 El cancionero infantil y juvenil portugus

    de tradicin oral Carlos Nogueira

    Cultura escrita75-80 Las escrituras de propiedad en Sanabria. Juan Manuel Rodrguez

    Las medidas de las fincas Iglesias81-104 Reflexin sobre cuadernos escolares:

    una historia de supervivientes Javier Cabornero

    Patrimonio cultural107-116 Patrimonio etnogrfico inmueble Francisco J. Bolaos

    en el Parque Natural Arribes del Duero Lpez de Lerma117-136 El patrimonio cultural como factor de desarrollo

    sostenible en montaa de Riao-Picos Miguel ngelde Europa (Len) Cimadevilla Suero

    Reseas139-144 Ars vivendi, ars moriendi Antnio A. Pinelo Tiza145-148 Una mirada a la conflictividad social en el mundo

    rural castellano a comienzos del siglo XX Eduardo Martn Gonzlez149-152 Efectos de la emigracin y el retorno

    en una aldea portuguesa Ral Soutelo153-156 La Zamora del siglo XVIII segn el gegrafo

    Toms Lpez Arsenio Dacosta

    Fuentes y documentos159-162 O ciclo do po (brevemente) descrito

    por uma lavradora do Douro Transmontano Teresa Martins Machado163-166 Pereruela: el sueo del barro Herminio Ramos

    169-171 Normas para la presentacin de originales

    El Filandar / O Fiadeiro. Publicacin Ibrica de Antropologa y Culturas Populares

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  • Editorial

    Trazemos neste fim de 2013 mais uma edio da revista EL FILANDAR / O FIA-DEIRO. Aps a celebrao dos vinte anos da sua existncia e da publicao de umvolume comemorativo, decidimos manter contacto com o trabalho que tem sidoapresentado nos passados nmeros, mantendo a identidade e pensamento queinserem esta revista no domnio da Antropologia e das Culturas Populares. Aomesmo tempo que procurmos dar essa continuidade, tambm pretendemos pro-porcionar a leitura renovada, trazendo contedos novos e originais, continuandoa procurar manter a excelncia dos artigos e a qualidade de contedos relacionadoscom as temticas contidas na publicao.

    Este nmero conta com a participao de autores que j vm acompanhando comregularidade a Filandar e tambm conta com novos escritores, todos eles amveisrecheadores desta edio. Apresentam-se agora artigos com algumas novidades noque diz respeito aos contedos de pesquisa, inserindo-se nos estudos sociais e cul-turais, como j apangio dos nmeros anteriores. Os artigos aqui presentes as-sentam, mais especificamente, nos domnios da cultura escrita, do patrimnio culturale da tradio oral, destacando-se nestas reas o patrimnio material e imaterial dacultura ibrica, temas que presentemente tm vindo a ser discutidos internacio-nalmente tanto pela comunidade cientfica, como pela poltica e institucional.Vejam-se como exemplos as iniciativas aventadas pelas comisses nacionais daUNESCO e pelas demais instituies pblicas de maior ou menor escala (museuslocais e nacionais, associaes regionais, etc.), enquanto tentativas de classificaodo patrimnio mundial imaterial da Humanidade.

    Tambm apresentamos neste volume algumas resenhas a vria literatura e um novodomnio sobre Fontes e Documentos, contendo este estudos sobre o ciclo do poou sobre a cermica popular. A incluso de um trabalho sobre arquitetura popularou a construo espontnea, tambm reforam a incluso de renovadas temticasna revista Filandar, que procura incluir-se nos mais diversos domnios da partici-pao popular.

    A revista Filandar tem nos seus vinte e dois anos de existncia procurado abraaras temticas locais e particulares, as dinmicas transfronteirias, e tambm as quesingularizam a pennsula ibrica como contnuo cultural e lingustico, tornando-se assim num produto de transmisso particularmente cativante e singular, dentrodas publicaes pares deste ramo.

    Esperamos com este nmero 20 trazer novos mundos ao nosso leitor que, aomesmo tempo, confiamos, possa encontrar o conforto da continuidade e da iden-tidade que singulariza a ponte entre a identidade do passado e o estmulo da re-novao.

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    Pensamiento, cultura y sociedad

  • Neste artigo procurar-se- perceber como um dos objetivos principais do projetoSAAL (Servio de Apoio Ambulatrio Local) a participao popular se processou nobairro da Relvinha em Coimbra entre 1974 e 1976. Sero problematizadas algumas dascausas encontradas para um maior nvel de participao dos moradores do bairro supra-citado em relao aos outros bairros da mesma cidade. Nesta investigao acerca das me-mrias dos moradores do Bairro da Relvinha (Baa, 2012) recorreu-se a uma etnografiaem retrospectiva, como Snia Vespeira de Almeida, no seu estudo acerca das campanhasde Dinamizao Cultural do MFA, trabalhando, neste caso com as memrias dos mora-dores do bairro da Relvinha que tambm conceptualizam o passado a partir de umtempo presente (Almeida, 2009: 44).

    Jos Antnio Bandeirinha, na sua cuidada e densa obra sobre o SAAL verificou queno existia um arquivo centralizado, que pudesse ter consignados os dados referentes histria de um servio que, apesar de descentralizado, dimanava do aparelho de Estado,atravs de Ministrios, Secretarias de Estado e organismos pblicos. Desde o despachofundador sindicncia final, no foi possvel, a partir de documentos oficiais, reconstituirprocessualmente a atividade do servio, dada a inexistncia de elementos para a docu-mentar (2007: 14).

    Ao longo desta investigao concluiu-se que existia parca documentao acerca dasOperaes SAAL em Coimbra e sobre o bairro da Relvinha. Para se conhecer de formamais aprofundada o projeto SAAL e o impacto que este projeto teve nas pessoas que es-tiveram envolvidas torna-se importante recorrer aos testemunhos orais, que so impres-

    El Filandar / O Fiadeiro. Publicacin Ibrica de Antropologa y Culturas Populares2013, n. 20, pp. 7 a 19

    Project SAAL: Participao popular a partir do caso Bairro da Relvinha

    JOO BAAIELT-FCSH/UNL

    Resumen: A participao popular nas Operaes SAAL foi uma das linhas mestras traadas porNuno Portas na definio do projeto SAAL. Durante o PREC este projeto-piloto conseguiu resolveras carncias habitacionais de centenas de famlias em vrias zonas do pas. O bairro da Relvinhaoptou pela autoconstruo, o que permitiu reduzir o montante a pagar pelos moradores cada ms.Durante a construo das casas contou com o apoio de empresas, grupos estudantes, grupos deestrangeiros voluntrios, grupos culturais, da equipa tcnica do SAAL. Este apoio de grupos di-versos permitiu uma aprendizagem mtua que foi facilitada pela Esperana de Malraux partilhadapor vrias das pessoas que participaram neste projeto.

    Palabras clave: participao popular, autoconstruo, aprendizagem mtua, esperana de malraux

  • cindveis para compreender a histria contempornea, nomeadamente quando se pre-tende trabalhar sobre as memrias das populaes mais pobres e com baixa escolaridade.Paula Godinho refere que a memria pode servir para olhar a histria com os olhos doque foram subalternizados ou proveniente de grupos sociais subordinados (2011: 21).

    Rui Bebiano na obra Anos Inquietos que rene vrias entrevistas a antigos estudantesda Universidade de Coimbra ao defender a importncia da recolha dos testemunhos orais,considera que:

    a informao disponvel sobre o ocorrido sempre parcial e decorre de leituras hegemnicas,desenvolvidas tanto ao nvel da divulgao histrica, produzida nos meios de comunicao social,como no domnio dos programas escolares e da produo cientfica centrada nas universidades e noscentros de investigao. Estas so como se sabe, to pouco ingnuas quanto inevitvel e potencial-mente excludentes. Desmemoriados, reconhecemos ento como passado apenas o que nos transmi-tido por intermdio de uma informao criteriosamente selecionada () (2006: 9).

    Relativamente ao estudo da memria, Jacques Le Goff, considera que pode ser umobjeto de estudo trabalhado por diferentes cincias sociais Cabe, com efeito, aos profis-sionais cientficos da memria, antroplogos historiadores, jornalistas socilogos, fazerda luta pela democratizao da memria social, um dos imperativos prioritrios da suaobjetividade cientfica (Le Goff, 1984: 47).

    Partindo de um quadro terico e metodolgico que bebeu de vrias reas das cinciassociais como a antropologia, sociologia, histria, geografia, procedeu-se recolha de tes-temunhos orais, procurando perscrutar as memrias dos moradores deste bairro. Realiza-ram-se tambm entrevistas semidirectivas a pessoas de fora do bairro que estiveramenvolvidas no movimento de moradores de Coimbra durante o PREC e a pessoas queparticiparam no processo de construo das casas de forma. A consulta de imprensa e dedocumentao diversa analisada no Arquivo Municipal de Coimbra, no Centro de Do-cumentao 25 de Abril, no Arquivo da Cooperativa Semearrelvinhas, bem como, nosesplios pessoais dos informantes, foram fundamentais para realizar uma atenta descodi-ficao das fontes orais e para uma maior compreenso do objeto de estudo.

    Rossi-Doria considera que o sculo XX foi em geral um sculo de supresso da me-mria, prolongando e acentuando a tendncia para esquecer o passado. A tentao defazer apagar factos histricos, atravs da utilizao de mltiplos meios, no foi exclusiva-mente uma tentao dos regimes totalitrios e dos regimes polticos de transio, pois osregimes democrticos tambm o fazem (apud Passerini, 2006).

    O filsofo Jos Gil afirma que tanto o perodo do salazarismo, como o perodo apso 25 de Abril, surgem s geraes que nasceram aps 1974 como perodos no-inscritos,esquecidos e que as comemoraes do 25 de Abril se tornaram num ritual de repetioformal dos gestos democrticos adquiridos. Para este autor, a no-inscrio do passadosalazarista teve efeitos de incorporao inconsciente do espao traumtico, no-inscritonas geraes que se seguiram (2004: 42-43).

    Paula Godinho refere que: Paulatinamente, as edificaes hegemnicas que correspondem ao conservadorismo instalado

    foram construindo o seu prprio formato revisionista, atravs de uma depreciao da ideia de revo-luo na historiografia contempornea, em paralelo com a diluio do seu patrimnio histrico esimblico na conscincia coletiva (Godinho, 2011: 16).

    O perodo entre 1974-1976, um perodo denso, complexo, em que houve uma in-tensa participao popular de milhares de pessoas que se organizaram em associaes demoradores, comisses de trabalhadores, cooperativas, conselhos de aldeia, conselhos demoradores, intercomisses entre outras formas de organizao e coordenao, formandoos intitulados rgos de vontade popular (Rodrigues, 1999: 97), que esto retratadosem msicas de cantores que percorriam o pas, dando concertos muitas vezes sem con-

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    Manifestao do dia26 de Abril na RuaFerreira BorgesFonte: Esplio de IvoCorteso, Centro deDocumentao 25 deAbril.

    dies, com o objetivo de mobilizar atravs da msica, cantando algumas msicas, quediziam como as populaes se deviam organizar, como se pode notar ao ouvir a msicade Srgio Godinho, Organizao Popular1: comisses de moradores elegveis em as-sembleia e noutro excerto - Vamos pra frente/Com a organizao popular. Esta msicaaborda vrias questes sobre as quais o movimento de moradores se debrua, como porexemplo, a ocupao de casas, o projeto SAAL e o movimento de autoconstruo, comopodemos verificar na letra da msica: fizemos projetos/ ocupmos casas e erguemostetos/ com a populao/ e at alguns arquitetos. A descrio das fases do movimento,

  • que corresponde a diferentes objetivos da Organizao Popular, tambm focalizadanos seguintes versos: Lutmos primeiro/ para sobreviver/ mas no fim de contas/ paraenfim poder/ mudar o destino/ lutar e vencer.

    As reivindicaes das lutas urbanas incidiram, alm da questo do alojamento, emreas como a educao, a sade, transportes e criao de equipamentos coletivos (comocreches e parques infantis), juntando-se, em certas alturas, a outros movimentos sociais,incorporando reivindicaes menos parcelares, chegando mesmo a tentar criar um sistemaalternativo de produo, comercializao e distribuio de certos produtos diretamenteao consumidor, atravs da colaborao com cooperativas agrcolas e de consumo.

    Para compreender melhor as dinmicas inerentes a este perodo creio que ser tilter em considerao a Esperana de Malraux, que resulta da renomeao sem alterao doseu significado, que fiz na minha investigao sobre o bairro da Relvinha, do conceitoEspoir, desenvolvido por Lusa Tiago Oliveira, na sua tese de doutoramento, para explicaro arrebatamento dos indivduos, das famlias e dos grupos sociais, assim como a amplitudee a profundidade dos movimentos sociais (Oliveira, 2004: 383), que caracterizaram osdois ou trs anos, que se seguiram ao 25 de Abril de 1974. A espoir, descrita por Malraux,acerca da guerra civil espanhola, uma das situaes-limite do sculo XX, marcada porum grande envolvimento emocional, segundo a investigadora, til para uma real com-preenso de algumas das vertentes das movimentaes sociais da poca, em Portugal, fa-zendo a ressalva de que a conjuntura revolucionria portuguesa no se caracterizou poruma situao to extremada nem por uma guerra (Oliveira, 2004: 383). A mesma histo-riadora delimita assim o conceito:

    Uso o termo espoir, quando a esperana passa por uma dimenso coletiva, por aquilo que Mal-raux designou como a fraternizao dos homens que, apesar de poderem assumir a sua indivi-dualidade, encontram um sentido maior de existncia na revelao da fraternidade, na partilha daesperana numa sociedade nova, sem desigualdades sociais relevantes, resultante da transformaoe ultrapassagem das hierarquias sociais existentes, esperana coletiva esta de algum modo identificadapor Malraux com a vida que o Homem pode escolher entre a possibilidade infinita do seu destino(Oliveira,2004a).

    A aprendizagem mtua um conceito emic que desenvolvi a partir da minha investi-gao sobre a Relvinha e que est relacionado com uma aprendizagem recproca nestecaso entre aqueles que os moradores chamavam os amigos do bairro, que davam tudosem querer nada em troca estudantes, arquitetos, entre outros. Mas da parte destes grupostambm houve aprendizagem, porque passaram a conhecer uma realidade que lhes estavavedada e porque tiveram de aprender novas formas de comunicar os seus conhecimentos.Esta noo til para compreender o nvel de participao dos moradores do bairro daRelvinha e de moradores de outros bairros que se envolveram no SAAL ou nas lutas nomeio rural e no meio urbano. Testemunhos de aprendizagem mtua esto presentes eminvestigaes acerca de projetos governamentais levados a cabo no mesmo perodo e queprocuravam uma maior democratizao do saber, da cultura, dos cuidados mdicos, comoo Servio Cvico Estudantil (Oliveira, 2004), as Campanhas de Dinamizao Cultural eAco Cvica do MFA (Almeida, 2009) e o Servio Mdico na Periferia (Cerqueira, 2009).

    O SAAL (Servio de Apoio Ambulatrio Local), criado por um Despacho conjuntodo Ministrio da Administrao Interna e do Ministrio do Equipamento Social e doAmbiente, aprovado a 31 de Julho de 1974, trs meses aps o 25 de Abril, durante o 1Governo Provisrio, um projeto que marcou profundamente as pessoas que nele parti-ciparam, porque deu a possibilidade a milhares de moradores de mudarem radicalmenteas suas condies de habitabilidade. Este projeto governamental foi a face mais visvel dainterveno do Estado durante o PREC (Perodo Revolucionrio em Curso), para tentarresolver as graves carncias habitacionais de um largo nmero de famlias.

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  • Os tcnicos (arquitetos, engenheiros, juristas, gegrafos, desenhadores, etc.) queintegravam as Brigadas Tcnicas do SAAL puseram o seu conhecimento ao servio daspopulaes mais carenciadas, que se auto-organizaram em comisses de moradores, emassociaes de moradores ou em Cooperativas de Habitao Econmica.

    O SAAL, atravs de um despacho emitido pelo I Governo Constitucional, no dia27 de Outubro de 1976, acabou na prtica por ser extinto, ao conferir s Cmaras Muni-cipais o controlo e a definio das operaes em curso, de onde tinham surgido os maioresobstculos ao SAAL. Aquando da emisso deste despacho, estavam em atividade 169operaes em todo o Pas, que envolviam 41665 famlias de moradores pobres. Em cons-truo estavam 2259 fogos e estava eminente o arranque de mais 5741 (Bandeirinha,2007: 14).

    Aps uma primeira investigao em Sociologia Histrica acerca do movimento demoradores em Coimbra durante o Perodo Revolucionrio em Curso (PREC), de acordocom os dados disponveis, houve um facto que sobressaiu que se prendia com a existnciade um bairro da cidade, o bairro da Relvinha, que foi mais ativo, mais unido e que teveum grau de participao mais intenso durante este perodo e que, por isso, conseguiu deforma mais clere resolver as graves carncias habitacionais. Para tentar perceber as causasdesta diferena relativamente aos outros bairros sentiu-se a necessidade de estudar umtempo mais longo, o perodo entre 1954-1976, numa segunda investigao em Antropo-logia, procurando trabalhar sobre as memrias de duas geraes de moradores, de formaa que permitisse perceber se o passado do bairro teria tido influncia no grau de envolvi-mento dos moradores na luta por melhores condies de habitao.

    Os dez moradores que partilharam as suas histrias de vida tiveram uma trajetriacomum. Todos foram desalojados com as suas famlias em 1954 da zona da estao Velha(Coimbra-B) devido ao plano de crescimento da cidade de Coimbra para norte de DeGrer, que tinha como objetivo afastar mais a indstria e o alojamento dos operrios docentro para zonas mais perifricas. A Construo de Avenida Ferno de Magalhes obri-gou demolio de um conjunto de casas situadas na zona da Estao Velha, que os mo-radores recordam indicando vrias referncias de ruas, edifcios: Lojo, Arco Pintado, Ruado Padro, Valha-me Deus. Atravs da anlise do Anteprojeto de Urbanizao de Embe-lezamento e de Extenso da Cidade de Coimbra, apresentado por De Grer, em 1948,consegue-se perceber a inteno de deslocar o eixo industrial que unia a Estao de Com-

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    Fotografia do bairroda Relvinha.Fonte: Esplio Pessoal de MrioMartins de Almeida.

  • boio Nova e a Velha, que se desenvolveu durante a primeira metade do sculo XX e ondese localizava estabelecimentos de moagem e massas alimentcias, malhas e cortumes,para alm de vrias oficinas de serralharia, fundio, produtos cermicos e serrao (Sal-gueiro, 1992: 275), para um novo eixo industrial entre o Loreto e a Pedrulha, inauguradapela fbrica Cermica Lusitnea, antecessora da Lufapo nos anos 20 do sculo XX. Entre1957 e 1958 regista-se um grande nmero de pedidos de construo na rea (Salgueiro,1992: 276). Este plano no permitia ampliar as instalaes industriais localizadas foradas zonas demarcadas (Salgueiro, 1992: 276), fator que conduziu relocalizao de vriasempresas:

    Caetano identifica vrios casos: Cinco fbricas (uma de cerveja, uma de obras em pedra e trs de produtos metlicos e obtidos

    por fundio) transferiram as suas instalaes da Baixa (na Avenida Navarro e quarteiro com-preendido entre a Rua da Sofia e Avenida Ferno de Magalhes) para o Loreto e Pedrulha, respec-tivamente em 1955, 1958, 1960 (duas) e 1963 (apud Salgueiro, 1992: 276).

    Aps o desalojamento de 28 famlias da zona da Estao Velha a Cmara Municipalde Coimbra realojou-os durante dois anos em bairros Camarrios e mais tarde como so-luo provisria em casas de madeira na Relvinha que se situa no eixo industrial referidoLoreto-Pedrulha. O provisrio tornou-se definitivo at ao 25 de Abril de 1974 e as casasde madeira foram-se degradando. Estes moradores na zona da Estao Velha e na Relvinharecordam vrias modalidades de resistncia quotidiana levadas a cabo pelos moradorescomo o mercado negro, andar pendurado no eltrico, roubar comida para comer, carvopara se aquecerem, respigar entre outras prticas que davam forma a mltiplas estratgiasde sobrevivncia das famlias. Nos anos 60 alguns moradores frequentavam cafs, rep-blicas, tascas no centro da cidade e foram tendo contacto com estudantes e membros daoposio ao regime pertencentes ao PCP, Casa de Estudantes do Imprio, donde saramvrios dirigentes dos movimentos de libertao africanos, LUAR, ARA, CDE, a gru-

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    Fotografia das casasde madeira do bairroda Relvinha.Fonte: Esplio da Cooperativa Semearrelvinhas.

  • pos catlicos, movimento estudantil. Os moradores antes do 25 de Abril de 1974 chega-ram a criar informalmente uma Comisso de Moradores, onde se discutia os problemasdo bairro, sobretudo as condies de alojamento que se deterioraram ao longo dos anos.

    Houve duas aes levadas a cabo entre 1969 e 1974 que introduzem um novo tipode resistncia mais aberta, concretizando mais o alvo a atingir e que implicava j um certonvel de organizao, no deixando, porm de ser realizadas noite e de forma clandestinapor um grupo reduzido de moradores. Uma das aes foi o rebentamento de uma fossasptica, cujo contedo transbordou at porta da casa do vice-presidente da Cmara Mu-nicipal de Coimbra e a outra foi a colocao de sacos do lixo porta do presidente daCmara Municipal de Coimbra. Pouco mais tarde numa reunio com o Presidente con-seguiram obter da Cmara Municipal a cedncia de algum material de construo quelhes permitiu fazer algumas obras de reparao das casas de madeira j muito degradadas.Esta experincia de autoconstruo ter permitido uma maior adeso dos moradores ideia da autoconstruo.

    Paula Godinho na sua investigao sobre o Couo refere que: a existncia de umacultura resistente, alicerada em memrias anteriores de eventos de luta conferiu aos in-divduos o manancial de conhecimentos que lhes permita dar resposta em situao decontencioso (2001: 40). O estudo deste tempo mais longo permitiu perceber que haviamemria de episdios de luta no bairro anteriores ao 25 de Abril e que essa memria po-der ter sido um dos fatores que contribuiu para um maior grau de participao, quandose abriu a janela de oportunidades no dia 25 de Abril de 1974.

    A memria partilhada de necessidades comuns sentidas durantes estes perodos, maisa importncia do lugar, segundo Amalia Signorelli, que estudou um bairro que foi desa-lojado do centro de Roma e realojado em barracas de madeira na periferia da cidade,podem ser razes que ajudam um grupo de moradores a ser mais organizado e ativo:

    El caso de Pietralata induce a hipotetizar que la conciencia colectiva localista no nace siemprey slo de una tradicin cultural comn y de larga duracin, sino tambin de la experiencia de neces-sidades comunes, cuya satistaccin depende del controle de un territorio; y de la activacin de un li-derazgo que pudiera organizar la reivindicacin de la satisfaccin de essas necessidades (Signorelli,1999: 138).

    A Relvinha foi sem dvida o bairro, que no contexto do movimento de moradoresde Coimbra neste perodo, atingiu um grau mais avanado de organizao, de participa-o dos moradores e de consciencializao. Foi o nico bairro de Coimbra onde se cons-truram as casas que substituram as barracas onde moravam com o apoio do SAAL.Conseguiu envolver no seu trabalho grupos de estudantes, grupos culturais, grupos comoos Companheiros Construtores (grupo com sede na R. Pedro Monteiro, que fazia traba-lhos de construo que eram levados acabo por jovens estrangeiros a titulo voluntrio).Obteve apoio de empresas, de grupos catlicos. Alm desta solidariedade que conseguiugranjear, esta associao tambm era solidria, apoiando a formao de outras associaescom o propsito de ajudar as populaes dos outros bairros e fortalecer o movimento demoradores em Coimbra e fortalecer de uma forma mais alargada o Movimento Popularque estava a organizar-se em algumas cidades do pas. Participou num boletim publicadopelas cinco associaes de moradores que aderiram ao SAAL. Participaram em manifes-taes locais e nacionais pelo direito habitao, contra extino do SAAL nos momentosmais decisivos do perodo entre 1974 e 1976 tomaram posio e deslocaram-se par osstios estratgicos da regio e da cidade. A ideia de formar uma Cooperativa de Construoe de Habitao partiu da Associao de Moradores do Bairro da Relvinha, que se reuniucom elementos de outros bairros para tentar levar a cabo este projeto. A ligao cidade-campo foi mais forte tambm neste bairro uma vez que era a Associao que mantinhalaos mais fortes com a Cooperativa de Barcouo, chegando a ter no bairro uma mercearia

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    14onde os produtos da Coo-perativa de Barcouo eramvendidos, anulando olucro do intermedirio epossibilitando ao produtorreceber mais e ao consu-midor gastar menos.

    No Concelho deCoimbra, em 1975, esta-vam em curso quatroOperaes que preten-diam alojar dignamente260 famlias em quatrobairros da cidade: noBairro da Relvinha, Con-chada, Fonte do Bispo ena Quinta da Nora (Con-selho Nacional do SAAL,1976).

    Destes quatro bairros,o bairro da Relvinha foi oque adotou os procedi-mentos necessrios paraacelerar o processo de construo das casas e o nico a conseguir passar da fase do projeto fase da construo propriamente dita.

    Os moradores do Bairro da Relvinha organizaram-se primeiro numa Comisso deMoradores e posteriormente, no dia 28 de Maro de 1975, tornam-se Associao de Mo-radores, dia em que os estatutos so publicados em Dirio de Governo. A necessidade decriarem a Associao adveio de aspetos de carcter legal que eram necessrios para a in-tegrao do bairro no projeto SAAL.

    Na reunio de 27 de Maro de 1975 da Comisso Administrativa da Cmara Muni-cipal de Coimbra, foi concedido o direito de superfcie do terreno que abrange o Bairroda Relvinha para a construo de 34 casas ao abrigo do programa SAAL2.

    A brigada do SAAL que esteve na elaborao do projeto e no acompanhamento daobra foi constituda pelo arquiteto Carlos Almeida e pelos engenheiros Simes Pereira eCarlos Tavares. Porm tinha havido um projeto que chegou a ser discutido com os mo-radores, mas que no foi aceite da autoria do arquiteto Francesco Marconi, autor do au-tocolante que circulou por todo pas numa campanha de angariao de fundos, onde sepodia ler a casa do proletrio no pode sair do seu salrio. Este autocolante ilustrou acapa de uma revista italiana de arquitetura Casabella, cujo nmero continha artigos queabordavam a experincia SAAL. Este arquiteto esteve frente das outras Operaes SAALda cidade de Coimbra.

    Decidiram aderir autoconstruo, que consistia na participao ativa dos moradoresno processo de construo das casas. Segundo Jorge Vilas, o arquiteto Carlos Almeidaquis acelerar isto o mais rapidamente possvel, porque ele dizia e muito bem, era preciso comear-se a fazer alguma coisa, houvesse dinheiro ou no, para que as pessoas acreditassem, seno ia tudopor gua abaixo (Oliveira, 2003: 81). Esta atitude do arquiteto contribuiu para a opodos moradores em aderir autoconstruo.

    A tentativa de acelerar o processo de forma a construir as casas o mais rpido poss-vel, aproveitando o apoio do projeto SAAL enquanto ele durasse, levou a Cmara Mu-

    Autocolante para angariao de fundospara a operaoSAAL. Fonte: Esplio da Cooperativa Semearrelvinhas.

  • nicipal a afirmar numa reunio que a Relvinha estava a pr o carro frente dos bois3,porm, segundo Frederico Natividade, Presidente da Associao de Moradores da Con-chada: A Relvinha adiantou-se, comearam a construir sem as coisas formalizadas e foi a sortedeles (Frederico Natividade, 2007).

    A ajuda de algumas empresas de materiais de construo e a autoconstruo a queos moradores da Relvinha aderiram em peso, permitiram dar incio obra: Toda a gentecolaborava desde as crianas, a mulheres, homens grupos de estudantes (Jorge Vilas da Fonseca,2007). Numa outra entrevista, Jorge Vilas descreve o processo: a maioria das obras foi porautoconstruo, era gratuito, as coisas vinham para a, quando era para descarregar tijolos o pessoaldescarregava, quando era para meter pisos toda a gente vinha deitar massa, homens, mulheres, crian-as, havia uma colaborao muito efetiva, muito estreita (Oliveira, 2003: 84).

    O objetivo da Associao de Moradores era () obrigar a criar as condies para nsconstruirmos as nossas casas. Para que as pessoas sentissem que aquilo que tm seu e que criaramcom as suas prprias mos (Jorge Vilas da Fonseca, 2007).

    Nuno Portas, que assumiu o cargo de Secretrio de Estado da Habitao e do Urba-nismo durante o PREC e que foi um dos principais impulsionadores do projeto SAAL,foi um grande defensor da autoconstruo, estava convicto que era necessrio mexer naobra, com todas as implicaes fsicas e psicolgicas da Aco, para que essa apropriao fosse maisintensa (Bandeirinha, 2007: 122). Nuno Portas conhecia algumas experincias interna-cionais, como a do Per e da Tanznia, que optaram pela autoconstruo como uma dasformas de comparticipar o custo das obras, que eram necessrias em cada bairro e consi-derando que tambm em Portugal quantos mais recursos prprios fossem investidos na cons-truo das casas tanto mais seria tambm o sentimento de apropriao em relao ao fogo e aobairro (Bandeirinha, 2007: 122).

    As casas eram unifamiliares e evolutivas, no sentido em que se podia acrescentarpisos mais tarde. Os erros identificados nas primeiras casas construdas foram-se cor-rigindo medida que se iam construindo novas casas. A construo foi feita de umaforma faseada. Comearam a construo na rea onde antes estava projetada a igreja, que

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    Processo de autoconstruo. Fonte: Esplio da Cooperativa Semearrelvinhas.

  • no tinha barracas junto estrada. medida que demoliam umas barracas, iam constru-indo casas no terreno que ficava livre. Um dos moradores descreve este processo:

    Foi tudo discutido. Claro. A gente fez as coisas para ns, mas agora j dizemos que se fossehoje j no fazia as coisas assim, fazia assim. Os erros depois retificaram-se. As primeiras foramconstrudas em terreno livre. Depois comearam a vir para aqui. Deitavam-se abaixo umas, parafazer outras e assim sucessivamente. Depois foram-se corrigindo os erros. Viu-se que havia reasque eram um bocadinho pequenas. Depois aumentaram-se as reas nas casas seguintes (Jos Fer-nando Martins de Almeida, 2009).

    A Esperana de Malraux e a aprendizagem mtua, presentes de forma clara e intensanesta experincia de autoconstruo e no envolvimento dos moradores e dos amigos dobairro, ajudam a explicar o elevado grau de participao dos moradores. A Esperana deMalraux est presente neste testemunho:

    Em 1976 era ainda uma poca, digamos o mais quente da revoluo j tinha passado, masnotava-se esse ambiente da mudana da espectativa de mudar as coisas, da justia social. () Maso ambiente acho que era de esperana. De esperana das coisas melhorarem. Isto tem que se dizer, osmoradores, penso que eles acreditavam que era possvel melhorar a sua situao. Estes moradoresorganizaram-se para poder viver melhor e de facto eles agora tm as casas todas l construdas. Elesacreditaram que era possvel fazer qualquer coisa. No necessrio ficar na resignao e deixar pas-sar as coisas. possvel avanar para a Aco e tentar mudar as coisas e acho que isso era o que sepassava no pas (Hans-Richard Jahnke, 2009).

    O mesmo Companheiro Construtor, estrangeiro voluntrio que colaborou na auto-construo continua a descrever a Esperana de Malraux presente na Relvinha:

    A vivncia, toda a vivncia. Para mim um todo. O dia-a-dia. Foi suficientemente interessantepara ficar na memria sem dvida. O facto de ter conhecido outras realidades, o facto de ter conhecidogente com esperana no futuro. Gente que acreditava que era possvel fazer alguma coisa. Pegar oseu destino com as suas prprias mos. Isto nem sempre leva aonde ns queremos, mas pelo menoshavia uma dinmica, uma vontade, uma deciso e isso foi muito importante e tambm o ambientepoltico era completamente diferente. Aceitava-se mudar, aceitava-se ideias novas. Isso foi muitoimportante. Sem dvida (Hans-Richard Jahnke, 2009).

    As pessoas comoviam-se com as intervenes dos moradores mais esclarecidos,nomeadamente de Jorge Vilas, que liderou este processo inicial, e que serviu, de algumaforma, de intrprete das aspiraes coletivas. A principal era quebrar com o passado depobreza em barracas de madeira, tendo ajudado os moradores a unirem-se e a mobi-lizarem-se para a luta pelo direito habitao:

    Depois havia pessoas que choravam, mas toda a gente aderia. As pessoas choravam. Portanto,tudo isto foi muito bom para a consciencializao das pessoas. Os moradores tinham uma revoltantima recalcada que depois com aquilo que se lhes ia dizendo, com aquilo que ns espicavamostrouxe ao de cimo tudo. Foi muito bom. As pessoas comearam a ter uma dinmica nova,comearam a acreditar, comearam a ver a primeira casa a surgir e tudo. E ento era toda a gente,sempre que havia reunies, no havia problemas nenhuns. Chegvamos a uma casa e dizamos:Olha, vai haver reunio logo. No tnhamos microfone, no tnhamos nada, no tnhamos in-stalaes. As pessoas iam falando, eu introduzia as discusses e as pessoas iam-se manifestando aolongo das assembleias (Jorge Vilas da Fonseca, 2009).

    Algumas pessoas entrevistadas destes grupos e os prprios moradores referiram quehouve uma aprendizagem mtua, entre diferentes culturas, diferentes classes, diferentesconhecimentos. Quando um dos moradores diz relativamente aos grupos externos queajudaram o bairro: ajudaram a tornarmo-nos a ser independentes (Jorge Vilas da Fon-seca, 2009) refere-se ao facto dos moradores passarem a sentir que podiam mudar a rea-lidade das suas vidas e da dos seus filhos e superar a estigmatizao e a reproduo da

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  • pobreza a que o bairro parecia estar condenado como se o destino estivesse marcado nascena.

    Houve um esbatimento das hierarquias, da segregao espacial a partir dos anos ses-senta, e sobretudo durante o PREC, perodo em que o sentimento unificador da espoirteve um papel preponderante, refletindo-se na prpria linguagem utilizada e ajudando osmoradores a terem outra perspectiva de futuro:

    Antes havia aquela rivalidade entre estudantes e futricas. Mas a seguir ao 25 de Abril foi ma-ravilhoso porque as pessoas sentiam-se felizes, as pessoas reuniam em qualquer parte. Toda a gentese dava. No era aquela Oh Stor no sei qu. J no havia nada disso. As pessoas eram tu ctu l. O que era muito bonito e ajudava as pessoas a desinibir. Porque o bairro estava muito atro-fiado culturalmente, porque j viste, j estvamos aqui h vinte e tal anos com outros tantos l de-baixo, uns mais, eu nem tanto. Era a ignorncia da 3 classe da 2, alguns nada. As pessoasestavam limitadas, aparecendo esta malta, ajudaram-nos a desinibir, a ter outra perspectiva de fu-turo, a ter uma viso mais ampla do que que seria o futuro e o que que queriam e o que que pre-tendiam. Tudo isso manietava as pessoas e por isso foi rico ter aparecido estes grupos de estudantes,no s o da Letcia, como os outros grupos que c tinham vindo antes, porque ajudaram a dinamizarrealmente as pessoas e ajudaram-nos a perder o medo. Ajudaram-nos a tornar-nos independentes(Jorge Vilas da Fonseca, 2009).

    A aprendizagem mtua est presente no testemunho deste morador:Criar algo que todos ambicionavam. Todos lutarem de mos dadas para atingir esse objetivo

    e depois foi o cruzamento de culturas, de diferentes graus acadmicos, estudantes, jovens de outrospases, analfabetos, pessoas sem cultura nenhuma. Toda a gente ali irmanada no mesmo objetivoque era criar a obra. E isso foi enriquecedor (Jos Fernando Martins de Almeida, 2009).

    Uma das pessoas pertencentes a um grupo de estudantes de Medicina que colaboroucom o bairro de forma intensa em diferentes tarefas refere-se a este processo de apren-dizagem mtua:

    E depois aquelas coisas que nos ficam na memria para sempre. As conversas com as mulheresde l. Era interessante. Eram vivncias completamente diferentes e que na altura eram coisas com-pletamente novas para ns (Letcia Ribeiro, 2009).

    Relativamente extino do SAAL, as Associaes de Moradores da Conchada, S.Jos, Fonte do Bispo, Quinta da Nora e Relvinha respondem com um comunicado4 adefender o programa SAAL e repudiar o despacho do Governo, de 27 de Outubro de1976, que extingue o SAAL. Nesse comunicado eram convocadas todas as Comissesde Moradores e todos os trabalhadores a comparecerem em quatro plenrios, a realizarem cada um dos bairros subscritores do comunicado. Nestes plenrios, os presentes po-deriam inscrever-se para irem a Lisboa no dia 13 de Novembro a uma manifestao na-cional contra a extino do SAAL. Nesta manifestao os moradores do bairro daRelvinha deslocam-se a Lisboa e levam uma faixa onde se pode ler: Sr. Ministro troquea sua casa por uma barraca na Relvinha.

    Os habitantes do Bairro da Relvinha, para alm da sua luta por melhores condiesde habitabilidade, tinham uma vontade mais global de mudar a sociedade, queriam criaruma sociedade mais justa, uma sociedade mais igual, Porm, aps o 25 de Novembrocomearam a partilhar um sentimento de frustrao, porque aquilo que os moradorespensavam, o que os moradores queriam acabou por se diluir num mar de mgoas (JorgeVilas da Fonseca, 2007).

    Tendo em conta que este perodo na cidade de Coimbra e noutras cidades do pasest pouco estudado, seria pertinente, atravs de projetos de investigao, analisar o im-pacto que este perodo teve junto das populaes das diferentes regies do pas. Identifi-car, as tenses, os conflitos, contextualiz-los. Numa altura em que se aproximam os 40anos da revoluo dos cravos e que cada vez h mais pessoas que no a vivenciaram ur-

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  • gente estudar este perodo, recorrendo, se possvel histria oral e aos arquivos que con-tm documentao acerca deste perodo. O Arquivo Distrital do Porto e o Centro de Do-cumentao 25 de Abril esto a tentar concentrar alguma documentao dispersa relativaao projeto SAAL. Este esforo permitir novas investigaes, novas perspectivas e novaspistas de anlise para a compreenso de um perodo complexo, cheio de polmicas e ten-ses em que a autoconstruo no foi consensual, chegando mesmo a ser atacada pormoradores, arquitetos e organizaes partidrias. A sede do SAAL do Porto foi destruda bomba e o carro de um dos arquitetos mais ativos, Alexandre Alves Costa, foi armadi-lhado com um aparelho explosivo. As posies relativamente s vrias questes levantadaspelo SAAL variaram ao longo deste perodo e de regio para regio.

    Fontes e Bibliografia

    Fontes orais. Histrias de vidaALMEIDA, Jos Fernando Martins de, 58 anos (2009)ALMEIDA , Mrio Martins de, 74 anos (2009)ALMEIDA , Georgina Martins de, 90 anos (2009)MORTGUA, Maria de Lurdes Santos, 71 anos (2009)MORTGUA , Maria Rosalinda Santos, 74 anos (2009)SANTOS, Carlos Eduardo dos, 55 anos (2009)SANTOS , Joo dos, 59 anos (2009)SANTOS , Joo Augusto dos, 80 anos (2009)SANTOS , Maria Albertina Ferreira da Silva dos, 53 anos (2009)VILAS, Jorge, 67 anos (2009)

    Fontes orais. Entrevistas semidiretivas:ALMEIDA, Celeste, 72 anos (2007)BANDEIRINHA, Jos Antnio, 50 anos (2009)FERREIRA, Jos Augusto, 53 anos (2007)GOMES, Diamantino 52 anos (2009)GOUVEIA, Hermnio Simes, 69 anos (2009)MARCONI, Francesco (2009)NATIVIDADE, Frederico, 71 anos (2007)OLIVEIRA, Mrio de, 66 anos (2009)RIBEIRO, Letcia, 58 anos (2009)JAHNKE, Hans, 56 anos (2009)VILAS, Jorge, 65 anos (2007)

    FilmografiaDIAS, Joo (2007), As Operaes SAAL, 90m, dist. Midas Filmes.MESQUITA, Pedro e ARAJO, Sandro (2009), Paredes meias, 53m, dist. Muzzak/Cine-

    mactiv. TELLES, Antnio da Cunha (1976), Continuar a viver ou os ndios da Meia-Praia, 108m,

    dist. Costa do Castelo Filmes.

    Imprensa consultadaDirio de CoimbraVoz do Povo

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  • Bibliografia

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    BANDEIRINHA, Jos Antnio, 2007: O Processo SAAL e a Arquitetura no 25 de Abril de 1974.Imprensa da Universidade. Castro Verde.

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    Celta. Oeiras.GODINHO, Paula 2011: Histria de um Testemunho com Caxias em Fundo in Aurora

    RODRIGUES: Gente comum uma histria na PIDE. 100LUZ. Castro Verde.OLIVEIRA, Jos Manuel Albuquerque, 2003: O SAAL e o Movimento de Moradores em Coim-

    bra. Prova Final de Licenciatura, Coimbra, Departamento de Arquitetura da Faculdadede Cincias e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Coimbra.

    OLIVEIRA , Lusa Tiago, 2004a: Estudantes e Povo na Revoluo O Servio Cvico estudantil(1974-1977). Celta. Oeiras.

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    * Doutorando em Antropologia na FCSH-UNL, bolseiro do IHC/FCSH-UNL nombito do projecto Alm do fracasso e do maquiavelismo. A emigrao irregular portu-guesa para a Frana, 1957-1974, membro colaborador do IELT/FCSH-UNL, investigadordo projecto Internacional e interdisciplinar desde Setembro de 2012: Cooperacin trans-fronteriza y (des)fronterizacin: actores y discursos geopolticos transnacionales en lafrontera hispano-portuguesa (CSO2012-34677).

    1 Esta msica pertence ao lbum De pequenino se torce o destino editado em1976, que foi reeditado pela Polygram Discos, em 1990.

    2 Reunio da Cmara Municipal: Dirio de Coimbra, 28/3/1975.3 Reunio da Cmara Municipal: Dirio de Coimbra, 2/7/1975.4 Este comunicado foi dirigido s Associaes de Moradores, s Comisses Tra-

    balhadores e a toda a populao em geral.

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    Tradicin oral

  • Tres son las actividades festivas tradicionales que, citadas en un contexto nupcialpor el Libro de Alexandre, muestran un eco en el contexto de la tradicin oral.

    1. Canto alterno de mayos

    Tiempo dulce e sabroso por bastir casamientos,ca lo tempran las flores e los sabrosos vientos;cantan las donzelletas sus mayos a convientos,fazen unas a otras buenos pronunciamientos.(estrofa 1951; Casas Rigall, ed. 2007)

    Un espigueo por los cancioneros tradicionales recopilados en el siglo XX nos docu-menta una serie de cantos (Marzas y Mayos; Ramos y Loas de Navidad, de Pascua, o deadvocaciones locales; cantos nupciales) que delinean un fondo comn, identificable porla vinculacin a una festividad puntual, por la obligada interpretacin grupal, y por el ar-casmo de sus estructuras musicales. Del grupo, el gnero de los mayos es el que cuentacon menos ejemplos, pero contienen informacin sustanciosa.

    El Filandar / O Fiadeiro. Publicacin Ibrica de Antropologa y Culturas Populares2013, n. 20, pp. 23 a 29

    Tres celebraciones tradicionales en el Libro de Alexandre

    JOS MANUEL GONZLEZ-MATELLN

    Resumen: El annimo Libro de Alexandre constituye un temprano monumento literario (primertercio del siglo XIII; Casas Rigall, 2007). Aunque su inters es predominantemente literario, tam-bin contiene breves datos de alto valor etnolgico pues su autor, al desgranar la historia de Ale-jandro Magno, enriqueci las fuentes literarias de las que se haba nutrido con aportacionespropias, como es el caso de la referencia a prcticas populares de su tiempo. En esa intencin delautor, nada como el pasaje de la boda real para reavivar la narracin potica haciendo alusin apautas festivas que, tanto nobiliarias como populares, eran de inmediata recepcin por su pblico.Son stas ltimas, indudablemente, las que adquieren relevancia para los interesados por la etno-loga. No slo en tanto documento ilustrativo, tambin por el plus de llevarnos a una perspectivacronolgica, pocas veces tratada. De forma recproca, mientras el Libro de Alexandre testimoniala antigedad de ciertas costumbres festivas del mundo tradicional, la tradicin oral sobrevivienteal siglo XX permite llenar de inmediatez la evocacin de unas bodas en un autor medieval.

    Palabras clave: etnoliteratura, costumbres festivas, bailes, lucha.

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    24En su Cancionero de Santander (1955), S. Crdova da una informacin escueta perosustanciosa. Primer apunte: al tiempo del arranque del rbol por los mozos, las mozascantan con panderetas algunas coplas alusivas, formando dos coros. Despus, princi-palmente en el valle de Igua, eligen una maya-dama a la que dedican danzas y cantesalusivos. Segundo apunte: el nico canto ofrecido (la cancin de la Maya que de antiguose canta en Pujayo de Igua) presenta una notable personalidad rtmica: comps binariocompuesto y final prosdico con frmula ymbica, es decir como valor breve acentuado+ valor largo, al modo cuantitativo de la Antigedad (cf. Garca Calvo, 2008, 376: entrela lista de hechos gramaticales condicionantes de los esquemas rtmicos ofrece la quedenomina ley de la penltima, basada en que la dominancia rtmica se ejerce de des-pus a antes, de manera que es el ltimo tiempo marcado de la frase o coma o verso elque determina toda la ordenacin rtmica del verso o coma o frase; aunque, sorpren-dentemente, su autor delimita esta ley a la poesa declamada, excluyendo al canto). Aspues, el ejemplo cntabro nos revela una prctica mtrico-musical que indiscutiblementecabe considerar patrimonial. No puede infravalorarse ni este origen, ni su arraigo secular,ni la circunstancia de su pervivencia por va de la oralidad. En consecuencia tampoco de-bera olvidarse el hecho de que, en el marco medieval, esta prctica oral era contrapartepotica de los nuevos mesteres (clereca y juglara). Tercer apunte: los mayos aparecen endistintas ocasiones festivas: Suele plantarse el da de la Cruz de Mayo y en otras fiestasdel ao o en la primera Misa de un hijo del pueblo o en el arribo de un indiano o en unaboda. Es decir, los mayos estn entrelazados con el resto de cantos que forman ese grupode celebraciones inserto en el caudal patrimonial festivo. Y este patrimonio festivo sehalla cimentado en dos aportes tardoantiguos perfectamente delimitados como son laskalendas de enero y la cultura de ofrendas (cf. Gonzlez Matelln, Mapa, t. II,).

    La informacin proporcionada por F. Olmeda en su Cancionero de Burgos (1903) esigualmente escueta. Primer apunte: Pocos das antes de terminar Abril las mozas y mozoseligen un pino recto, el ms derecho y alto que encuentran Cuando ya lo tienen pre-parado lo empinan en la plaza mayor, generalmente el da primero del mes, y a conti-nuacin le saludan las jvenes con grande alegra bailndole por un largo rato yhacindole muchos relinchidos. Segundo apunte. Olmeda ofrece tres cantos, ninguno conindicacin de lugar. Sabemos del primero, recogido en Neila (comarca de la Sierra de laDemanda), al ser retomado por M. Manzano (2003) aunque desvanecido el interesant-simo ritmo crtico de la primera transcripcin. El segundo canto, el n 12, ha de ser co-

    Crdova y Oa, S.(1955). Cancioneropopular de Santan-der-III, 77

  • lindante a la villa de Neila (partido judicial de Salas de los Infantes), si es que no de lamisma localidad, por el modo de trabajo que Olmeda adopta ante la inminencia del cer-tamen al que presentara su cancionero: Me fij atentamente en la divisin geogrficade Burgos, en el nmero de partidos que tiene y resolv estudiar popularmente su msicaen diez o doce pueblos de cada uno de los partidos que todava no haba visitado y per-feccionar los estudios sobre los otros que an no haba ultimado.

    Tercer apunte: en la transcripcin de este canto n 12 indica el modo de ejecucin:slo / coro. Lo inusual de esta referencia interpretativa incita a considerar la corres-pondiente indicacin interpretativa que tambin ofrece el L. Alex.: a convientos (lt. con-ventus, de convenio juntarse) lo que equivale a decir segn forma convenida. Ambasindicaciones trazan enlaces al canto alterno eclesistico (gregoriano) cuyas dos versionesresponsorial y antifonal no son, en ltima instancia, de proveniencia medieval sinotardoantigua (cantos hmnicos siracos difundidos por esta Iglesia oriental). Cabe des-cartar la influencia gregoriana para esta interpretacin de los mayos? Sin duda. La fuertepersonalidad rtmica del tipo crtico exhibido por el mayo n 11 (que tambin ofrece uncanto precedente, el n 10, igualmente de Neila), es determinante en cuanto a una pro-cedencia directa de la cultura musical antigua. Paralelamente, la presencia de roscas (panesfestivos circulares) en los mayos traza enlaces a la cultura de ofrendas (ramos, panbenditos,monas, etc.). La tradicin festiva de Neila refuerza estos lazos a la tardoantigedad conotra vigencia de las kalendas de enero: la cencerrada de los nios pidiendo el aguinaldocasa por casa en la vspera del primer da del ao. Una equiparable peticin de aguinaldocasa por casa es asociada en La Rioja al mayo, representado en forma cnica sobre andas.El equivalente gallego confirma este fondo patrimonial de uso festivo comn, mediantetres rasgos desperdigados entre los mayos pontevedreses y orensanos: 1) el recorrido porlas casas: A la puerta de cada casa, la comparsa se detiene preguntando: cantamos oMaio?; y si no contestan negativamente, cantan las folklricas coplas, pues el cancionerogalaico ofrece mltiples variedades (Rodrguez Gonzlez, 1958); 2) la representacin delmaio en forma de bastidor con estructura cnica o triangular (es decir, equiparable a losramos de ofrendas) como la Espadana de san Blas; y 3) un repaso a la vida colectiva del aoque algunos cantos abordan. Cantos, por cierto, de tipo responsorial: El nio que hacede solista se oculta para cantar debajo del maio, mientras los dems compaeros dan vuel-tas llevando el comps con golpes de palos, repitiendo seguidamente la estrofa cuando lla termina (Gonzlez Prez, 1983).

    El Filandar / O Fiadeiro. Publicacin Ibrica de Antropologa y Culturas Populares

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    Olmeda, F. (1955).Cancionero popularde Burgos, 11

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    Neila (fotos antiguas)Mayas en concurso.

    2. Coreografa de brincos en triscar

    Caen en el sereno las buenas ruadas;entran en flor las miesses, ca son ya espigadas;fazen las dueas triscas en camisas delgadasestonz casan algunos, que pues messan las barvas! . (estrofa 1952; Casas Rigall, ed. 2007)

    La cita proporciona una doble informacin. Al contexto nupcial en el que se insertala estrofa se suma la propia indicacin del ltimo verso en el sentido de asociar la cele-bracin de bodas con esta coreografa de triscar y con su realizacin por parte de las ca-sadas. Su timo visigodo (*triskhan) es paralelo a la salzburguesa Tresterertanz querepresenta la va germnica del timo, coincidiendo ambas coreografas en su realizacincomo brincos, pero tambin en su intencin propiciatoria (saltos para germinar el cereal)y en su utilizacin en los dos mbitos festivos patrimoniales ya comentados: el de kalendasa inicios de ao y el de la cultura de ofrendas. mbitos festivos concomitantes con elnupcial que, en enclaves tradicionales, aparece tan caractersticamente moteado de ele-mentos arcaizantes.

    En el mbito de la cultura coreogrfica tradicional dos vestigios se remontan al timovisigodo y a su realizacin como brincos (cf. Gonzlez Matelln, Mapa, t. II): las vocesasturianas triscu, triscoleu hacen referencia al salto del mozo que pasa entre sus compaerasen el baile del Pericote (Llanes; antao tambin en Cangas de Ons, Ribadesella, Cabrales,Ribadedeva, y fuera de Asturias en Tresviso, Libana). La voz visigoda hubo de insertarsecontemporneamente, ya que fue aplicada a un gnero coreogrfico patrimonial basadoen la singular disposicin en tro, con mudanzas fuertemente dismiles del varn (gran-diosos saltos) y de las fminas (desplazamientos deslizantes). Una segunda vigencia de la

  • voz y coreografa visigodas es mostrada en el denominado Triscado, Trescado o Baile de pas-tores, en las Tierras Altas sorianas, secularmente conectada a La Rioja por los caminos quetrazan las cuencas fluviales. Segn Herrero Ingelmo (1996) aparecen en La Vega (Yanguas),es decir, en el cauce del ro Cidacos, y en Carrascosa (cercano a la cabecera del ro Al-hama). Quiz interese sealar el eco de esta voz en un troquiau riojano: Trisca y danzala serrana / Trisca y danza en la cabaa recogido por B. Gil (1987, 193, mel. n 456) enMuro en Cameros (valle del ro Leza), aunque sealando que su intrprete aprendi estetroquiau siendo nio (56 aos en 1945) en Villanueva de Cameros (valle del ro Iregua).

    3. Lucha de volteo en BRAGAS

    Los das son bien grandes; los campos, revertidos;son los passarellos de mal pelo sallidos;los tavanos que muerden non son an venidos;luchan los moajones en bragas, sin vestidos.(estrofa 1954; Casas Rigall, ed. 2007)

    En las reas culturales gallega, astur-leonesa y cntabra, ms la canaria (otro testimo-nio de sus repobladores peninsulares) o la sarda, ha pervivido una tradicin de lucha acuerpo desnudo sin otra sujecin que la presa al cinturn para derribar al compaero.Trminos como aluche, lucha, loita (lat. lucta), baltu (voltear, del lat. *vol ta, por vol ta),maa (del lat. vulg. *man a, habilidad manual) o el sardo strumpare = buttare abatir (dellat. battu re) insisten en una indiscutible procedencia latina de esta prctica festiva. En elL. Alex., la oportuna voz bragas (del galo-lat. braca calzn) apunta con toda probabilidada una cronologa tardoimperial y a un contexto castrense, si se tiene en cuenta que seprohbe a los militares el uso, en la Urbe, de dos prendas brbaras: las bracae calzonesde los galos y las zangae canilleras de cuero de los partos. La insistencia del Codex Theo-dosianus (14.10.2 y 3: Usum Tzangarum adque Bracarum intra urbem venerabilem neminiliceat usurpare) en los aos 397 y 399 deja entrever lo enraizado de su uso.

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    Foto: Celestino 33500Pericote, Llanes

  • Referencias bibliogrficas

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  • 1. [Introduo]

    A obra de Mrio Correia, agora em 2. edio da ncora Editora, Toques de sinos naTerra de Miranda, reveste-se de grande importncia no apenas para ajudar a recomporuma paisagem sonora hoje em desaparecimento muito acelerado, mas porque mais facil-mente permite reconstituir uma marca essencial do viver no campo, avaliar o seu ritmo,os seus medos, as suas crenas, determinar os seus tempos essenciais.

    Mrio Correia fez uma importante investigao relativa cultura do Planalto Mi-rands, que comum a outras regies, nomeadamente transmontanas, que vai desde aorigem dos sinos sua funo, sua evoluo, e at sua forma e ornamentos, dedi-cando-se tambm a descrever vrios tipos de toques de sinos, de que nos apresenta gra-vaes em CD que acompanha o livro.

    A realidade retratada no livro est em desaparecimento muito acelerado, sendo jmuito difcil encontrar quem execute determinados tipos de toques, alguns dos quais dei-xaram mesmo de ser executados h vrios anos. Ao longo de cerca de mil anos os sinosdesempenharam mltiplas funes que acabaram por marcar o ritmo de vida das comu-nidades aos mais diversos nveis, dificilmente se entendendo esse ritmo sem ter em contaos toques de sinos, assunto que, por isso, talvez nunca salientemos devidamente. Hoje asmesmas funes so desempenhadas por mltiplos instrumentos, sejam os relgios, ardio e as televises, os telefones, etc., mas outras funes so a marca de uma poca quedesaparece para sempre. Nesse sentido, podemos dizer que os toques de sinos e, agora, asua ausncia tm um significado civilizacional.

    El Filandar / O Fiadeiro. Publicacin Ibrica de Antropologa y Culturas Populares2013, n. 20, pp. 31 a 39

    Toques de sinos na Terra de Miranda: um testemunho pessoal

    AMADEU FERREIRA

    Resumo: Este artigo tem por base a apresentao pblica do livro de Mrio Correia Toques deSinos na Terra de Miranda [ncora Editora, 2012], por mim feita na Feira do Livro de Lisboa, nodia 13 de maio de 2012. Apresenta agora algumas modificaes quer devidas a uma nova leituraquer por necessidade de adaptao publicao nesta revista.

    Palavras chave: fones dos sinos, linguagem comunal, toques.

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    322. [Funes dos toques de sinos]

    Os toques de sinos desempenhavam funes vrias nas comunidades em que eramutilizados, mas que podemos concentrar em trs: funes civis, funes mgicas, funesestritamente religiosas.

    2.1. Funes civisAs funes puramente civis dos sinos e dos seus toques foram as primeiras a desapa-

    recer, sobretudo a partir de meados do sculo XX: os toques a rebate em caso de incndioou outra calamidade, chamando as pessoas em ajuda; os toques a concelho ou a caminhosou para juntar o gado, exemplo vivo dos hbitos comunitrios da vezeira, mas tambmpara anunciar qualquer evento do interesse de toda a aldeia, a estes se devendo juntar,em muitas localidades; o toque para chamar para a escola, que ainda pude testemunharnos anos setenta do sculo XX em pequenas aldeias; o toque do relgio a marcar as horas,talvez o nico que ainda perdura, embora seja desligado durante a noite, para no per-turbar o sono, e em muitos casos lhe sejam associadas msicas que, por serem repetidastantas vezes (pelo menos de meia em meia hora), se tornam maadoras, acabando mesmopor provocar o efeito contrrio do pretendido. No vai longe o tempo em que a maioriadas pessoas no tinha relgio e se guiava apenas pelo sol e pelas estrelas, sendo o toquedas horas e meias horas pelo relgio do campanrio um elemento complementar que nochegava a todos os locais do termo onde se desenrolavam os trabalhos do campo, masque era muito importante para a comunidade.

    2.2. Funes mgicasHavia toques com funes mgicas, assim que gosto de as considerar, tambm j

    desaparecidos, de que se destaca o toque contra as tempestades que se aproximavam daaldeia e do seu termo [toque a tinta nubrada], e a que eu juntaria os toques da noite dodia de Natal e da noite de sbado para domingo de Pscoa, que antigamente se prolon-gavam por toda a noite durante a qual a juventude procedia aos entrancamentos ou en-troncamentos , mas recentemente foram proibidos e de perto vigiada essa proibio pelaGNR, sendo toques muito associados juventude, como o eram os chamamos toques depaga vinho que existiam em algumas aldeias.

    Os entrancamentos ou entroncamentos ocorriam na noite de sbado para o domingode Pscoa, durante a qual a juventude atravancava as ruas com tudo o que encontrasse,fossem carros de bois, arados e quaisquer outros objectos, por vezes levando-os para longee mesmo para o cimo do campanrio. No domingo de Pscoa pela manh havia umaprocisso e era necessrio ir algum frente a desentranar as ruas para a procisso poderpassar. Enquanto tudo ocorria, os sinos no paravam de repicar durante toda a noite semparar, assim se simbolizando a alegria da ressurreio e as convulses que tal ter provo-cado no mundo.

    2.3. Funes religiosasOs toques de sinos que mais tm perdurado so os toques com funes estritamente

    religiosas, no apenas aqueles que se ligavam ao anncio de certas funes religiosas, emregra repetidas mais ou menos vezes ao longo do ano (missas, festas, etc.), ligados a todosos aspectos que envolviam momentos essenciais quer da vida individual das pessoas, querda comunidade:

    - em termos individuais, os sinos tocavam em exclusivo para cada pessoa, pelo menosem duas ocasies: o nascimento (festejado com o baptizado) e a morte; mas podiam aindaser tocados mais duas vezes: no casamento, o que abrangia a maioria das pessoas, e com

  • a extrema-uno, em que a pessoa fazia os ltimos preparativos para morrer e a morte eraanunciada rua fora, at com alguma pompa, e o toque dos sinos era um repicado festivo,o que mostra bem quo distante est a sociedade de hoje dessas vivncias da morte;

    - em termos colectivos, os toques estavam associados a todo o tipo de celebraesreligiosas que envolviam a comunidade (missas, novenas, festas principais);

    - havia ainda toques que, no estando associados a quaisquer celebraes religiosas,tinham a funo de ordenar a religiosidade privada de toda a aldeia e eram executadospelo menos quatro vezes ao longo do dia, repetindo-se todos os dias, ao contrrios detodos os restantes que eram sempre associados a um determinado evento: eram os toquesdas almas [de madrugada e noite], o toque das ave-marias [ao meio dia] e o toque detrindades [ao por do sol], por eles se ordenava a religiosidade privada dos fiis, emboraacabassem por desempenhar outras funes menos religiosas.

    S por esta esquemtica apresentao se pode ver a importncia que os sinos tinhamna vida das pessoas, faziam parte dessa vida e da aprendizagem das pessoas e foram ob-jecto de muitos e muitos poemas, de que lembro em especial Rosala de Castro e Fer-nando Pessoa, em que o Sino da minha aldeia era o sino da Igreja dos Mrtires, junto sua casa, como o prprio Pessoa esclareceu em carta a Joo Gaspar Simes.

    3. Os toques de sinos como linguagem para a comunidade

    Sempre o som e o toque dos sinos me impressionou e desde que nasci me habitueia esse toque, e aprendi a distinguir-lhe as modalidades e o significado, a obedecer-lhe epor ele acertar o ritmo do dia. J em 2000, publiquei um poema no livro Cebadeiros[Campo das Letras] intitulado campanas, campaninas, campanairo e em que a certa al-tura se diz:

    Todo l que ye amportante na mie tierra inda st agarrado a campanas a campaninas i al campanairo:nacer i spertar morrer i drumirsonhar sufrir i fazer pula bidafiestas i perciones anterros i casamentostodo a cunjugar berbos siempre ne l amperatibo.

    [Tudo o que importante na minha terra ainda est agarrado asinos, campainhas e ao campanrio:nascer e despertar morrer e dormirsonhar sofrer e fazer pela vidafestas procisses funerais e casamentostudo a conjugar verbos sempre no imperativo.]

    No livro do Mrio Correia tudo est ordenado de forma adequada e muito bem es-crito. O que aqui deixo o breve testemunho de algum que ainda viveu intensamentetoda a cultura dos toques de sinos, em todas as j assinaladas funes, na dcada de cin-quenta do sculo XX em Sendim, e a traz gravada dentro de si, acrescentando s notashistricas e musicais de Mrio Correia um toque sociolgico e at psicolgico. Comefeito, os sinos e os seus toques no so apenas tcnicas de construo ou de toque e exe-cuo musical, em que este aspecto musical o que mais sobressai. Alm disso, os sinosso:

    - uma vivncia individual to forte que o seu cdigo fica inscrito em quem o viveu,e por isso bem se compreende toda a carga emotiva que muitos poetas lhe associaram:

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  • sino da minha aldeia / dolente na tarde calma,/ cada tua badalada / soa dentro da minhaalma [Fernando Pessoa];

    - e uma instituio coletiva que marca demodo indelvel a paisagem sonora e social deuma comunidade, alm de serem uma espciede linguagem, um cdigo que todos entendeme tem a fora imperativa de uma verdadeira leia que, em certo tempo, era proibido e at pe-rigoso desobedecer.

    Dar conta de tudo isso o que farei, demodo sucinto.

    Sempre o toque dos sinos esteve asso-ciado pelas pessoas a uma forma especial delinguagem, sendo mesmo certos toques asso-ciados a determinadas expresses:

    - tocava o sino para a missa ou outra fun-o religiosa e dizia-se: mira y stan a chamara missa ou l cura y st a chamar;

    - sempre ouvi dizer que os sinos quando tocavam em caso de morte diziam: netomeu, lembra-te de mim, de mim foi para teu pai e de teu pai foi para ti.

    - quando algum tocava muito bem os sinos dizia-se: toca tan bien que at fa falarlas campanas.

    4. O toque de Trindades

    Havia um toque que qualquer criana aprendia em primeiro lugar e desde muitocedo, o toque de Trindades: essa era a hora de recolher a casa, a partir da qual uma crianano podia ser vista na rua sozinha e os pais eram rigorosos nos castigos para quem norespeitava esse toque de recolher. Era um toque constitudo por trs grupos de trs bada-ladas e era dado ao pr-do-sol entre abril e setembro e ao incio da noite entre outubro emaro. No do meu conhecimento que as pessoas usassem esse toque para rezar [as avemarias], como devia ser, costume que j se teria perdido pelo menos para a maioria daspessoas.

    Por aqui se v como o toque das Trindades tinha associadas ou foi ganhando outrasfunes alm das religiosas. As crianas sabiam bem que qualquer brincadeira ou jogoem que estivessem envolvidas tinha que ser imediatamente largado, pois as ordens dospais costumavam ser muito precisas: quando acabar de tocar las Trindades quiero te ancasa.

    As av marias eram um toque idntico s Trindades e tocavam-se tambm ao meiodia, e bem me lembro das correrias sada da escola a ver quem chegava primeiro cordado sino para tocar as av marias ao meio-dia, no raro dando lugar a lutas, at que o toquefoi proibido por essas razes.

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  • 5. O toque das almas

    O toque das almas era um toque que muito impressionava, pois era executado du-rante a noite:

    - de madrugada, por volta das seis da manh, antes do nascer do sol;- e por volta das dez da noite, altura em que a maioria das pessoas j estava na cama. Hoje difcil imaginar o ambiente que ento se vivia, mas os ingredientes eram os

    seguintes: devemos juntar um profundo silncio mais completa escurido, pois as aldeiasainda no tinham iluminao elctrica, o que nas crianas era muito acrescentado comas histrias que ouviam contar ao sero, e em que a noite era o tempo de todos os males,dos ladres, do demnio, das bruxas, dos lobos, das almas do outro mundo, etc.

    Esse toque era em certas noites associado, ainda que no coincidisse necessariamente,com o cantar das almas, a cortar o silncio da noite com vozes que pareciam sair do ventreda terra, e quem acordava ouvia debaixo dos cobertores um canto que tinha a ver comum outro mundo, pois acreditvamos piamente que as almas do outro mundo andavampor ali esperando a intercesso das oraes dos vivos para um dia entrar no descansoeterno.

    A orao e o canto das almas tinham como funo apaziguar as almas penadas, queimportunavam os vivos para que as livrassem dos encarregos com que tinham morridosem se poderem desobrigar, e para pedir pelo seu descanso, quando eram almas que aindadevessem espiar alguns pecados. Quer este toque quer este cantar das almas, sentia-sesempre muito longe, como vindo dum outro mundo, o que era facilitado pelo profundosilncio da noite.

    Penso que estamos perante restos de prticas pr-crists que tm a ver com o cultodos mortos, talvez o culto mais antigo da humanidade, segundo os vestgios que chegaramat ns, culto esse que o cristianismo manteve e adaptou, embora sofrendo profundasmodificaes at aos nossos dias.

    6. O toque a tinta nubrada, para afastar as trovoadas

    Recordo-me bem do medo que incutiam os toques a rebate e, sobretudo, a tinta nu-brada. Sabamos distingui-los muito bem e o seu som sempre provocava pele de galinhanos ouvintes.

    Os toques a rebate estavam relacionados com situaes de calamidade, como incn-dios, ou outras que exigiam a imediata interveno de todo o povo. Era um toque rpidoe contnuo feito com apenas um dos sinos, a dar bem a ideia de urgncia e de aflio.

    No caso dos toques a Tinta Nubrada as crianas recolhamo-nos em casa ou debaixode algum cabanal, sempre com medo ainda aumentado pelas muitas histrias que se con-tavam sobre o poder destruidor dos astros e das suas centelhas, acreditando-se que erampedras em fogo que desciam dos cus e matavam ou destruam tudo o que apanhassem.Enquanto as mulheres rezavam a Santa Brbara Bendita, ns os midos muitas vezes can-tvamos a cano que os sinos difundiam, talvez para espantar o medo, talvez para lheintensificar o efeito:

    Tinta de la tintade la tinta nubradanun bengas tan cargadabai te a cargar a la tierra de la Saiada.

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  • Esta letra tinha variantes importantes, que no cabe aqui pormenorizar, pois o quedeixo aqui um testemunho pessoal. De uma maneira geral, acreditvamos no efeito m-gico daquele toque contra as trovoadas, comeando o sino a tocar mal a trovoada se anun-ciava ao longe atravs de ameaadoras nuvens negras. Quanto tal no acontecia as pessoasimpacientavam-se: ai bala-me Dius, antoce nun hai naide que baia a tocara tinta nu-brada!? Tal acontecia mesmo durante a noite, o que significa que sempre algum podiaestar desperto, pois a vida nem sempre deixava dormir descansadas as pessoas.

    Enquanto as trovoadas estavam associadas fora malfica de seres vingativos ecruis chamados Astros, o toque dos sinos era uma fora benfazeja que eles temiam, assimse travando uma luta muito dura entre o Bem e o Mal e os seus representantes, que aspessoas sentiam presentes em todo o lado e que podia interferir nas suas vidas de modocatastrfico.

    Este era um toque mgico, muito associado ao culto dos astros e que, como tal per-durou at sua extino, apesar de a Igreja sempre o ter procurado acolher e explicar re-ligiosamente, ao defender a ideia de que a fora do toque dos sinos vinha de eles serembenzidos. Nas aldeias havia homens que desempenhavam as funes de verdadeiros tem-pestrios, que no s no deviam ter medo dos astros vingativos quando iam tocar, comodeviam saber tocar muito bem os sinos para que pudesse o toque surtir efeito. Esses ho-mens eram muito respeitados na aldeia, autnticos sacerdotes dos astros.

    Quando o toque dos sinos no conseguia afastar de todo a tempestade, as pessoaspensavam que sem eles ainda poderia ser pior.

    Nem sempre se tocava a tinta nubrada quando se anunciava uma qualquer tempes-tade, mas apenas quando se pensava que poderia ser destruidora para as culturas, razopor que esse toque era sobretudo usado entre maio e setembro. Lembre-se que maio era

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    Sino de Sendim

  • considerado o pior ms das trovoadas, nele se celebrando a festa de Santa Brbara quedepois foi em muitos casos transferidas para o ms de agosto, altura em que mais pessoasse juntavam na aldeia e os trabalhos mais intensos do campo sofriam uma pausa. Emmaio estamos na fora da primavera com os cereais a amadurecer, e as plantar de umamaneira geral com os seus renovos ainda tenros e/ou cheias de flor, em particular as vin-has.

    7. O toque a rebate

    O tocar a rebate usava-se sobretudo quando havia fogo em alguma casa ou nos cam-pos, mas tambm diante de outra calamidade qualquer que exigia juntar o povo para lhefazer frente. Este toque bem cedo foi substitudo pela sirene dos bombeiros.

    Era um toque rpido, que exigia pressa todo ele e que agoniava o peito. Mal come-ava as pessoas comeavam a sair rua perscrutando o ar procura de fumo que pudesseidentificar o local do incndio e caso no descobrissem dirigiam-se invariavelmente paraa praa, levando baldes e outros utenslios apropriados. E de todas as ruas conflua aquelamassa de gente, aos gritos, com lamentos adequados situao, misturados com votos ecom oraes, enquanto o toque continuava como se a aflio sasse do prprio peito,pois com a sua associao a determinados eventos, o toque como que os reproduzia den-tro de ns num crescendo medida que o tempo passava.

    O toque a rebate podia ser usado noutras ocasies de calamidades ou mesmo parajuntar o povo perante algo que se pensava ofender os interesses da comunidade, comofoi o caso de um toque a chamar o povo para demolir / impedir a construo de umacasa que estava a ser feita nas eiras comunitrias.

    8. O toque a concelho e a caminhos

    Tocava-se a concelho ou caminhos quando se queria juntar o povo para decidir dealgum assunto que interessava a toda a comunidade [toque a cunceilho] ou para trabalharno arranjo de caminhos ou outros bens de natureza comunitria e deviam ser feitos coma ajuda de todos ou, pelo menos, com o concurso de todos os que tivessem o usso habi-tual do equipamento que se devia arranjar. Estes so sempre toques de chamamento,muito simples, consistindo num conjunto de badaladas, dadas de modo sequencial e ca-denciado num s sino.

    9. Os toques individualmente orientados

    Os toques individualmente orientados so dos toques mais interessantes, sobretudoporque assinalam factos individuais em sociedades de grande comunitarismo, nomeada-mente os factos que tm a ver com o acolhimento de algum na comunidade ou com asua sada, altura em que toda a comunidade se concentra nessa pessoa concreta. So to-ques em que os sinos tocam apenas para uma determinada pessoa, um seu direito in-alienvel, seja quem for essa pessoa, o que mostra bem como esse comunitarismo noanulava completamente a individualidade:

    - o nascimento / baptizado: na aldeia todas as crianas eram baptizadas logo a seguirao nascimento e o toque dos sinos tinha no apenas a ver com a festa religiosa, mas tam-bm com o anncio do nascimento de algum comunidade e o seu recebimento nessacomunidade: era este um toque festivo, um repicado executado em simultneo por dois

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  • sinos; comeavam a tocar os sinos e logo se espalhava pela aldeia a notcia relativa pessoa que era celebrada;

    - a morte: este toque, a que tambm se chamava encordar, comeava invariavelmentepelo identificao do tipo de pessoa morta atravs de um acorde dado em simultneo nosino grande e no sino pequeno, acordes esses a que se chamavam pousas: duas para asmulheres e trs para os homens; mal ouvamos a primeira pousa, como que uma descargaelctrica percorria o corpo e a pergunta saa naturalmente: quien se morriu? e em poucosminutos a informao circulava de boca em boca por toda a aldeia, toda a gente sabendoquais as cerimnias comunitrias que iam ter lugar a partir da, nomeadamente para velara pessoa morta e rezar-lhe por alma.

    Alm das pousas, o toque de mortos assumia trs formas: - de repiquete, no caso de morte de uma criana j baptizada, pois se pensava que

    ela ia directamente para o cu e portanto o toque era festivo como em qualquer outrafesta, mas se a criana no tivesse sido baptizada no tinha direito a qualquer toque, eracomo se no tivesse nascido;

    - de voltear, que era sempre um toque solene, mas a que se sobrepunha uma badaladade vez em quando no sino mais pequeno, o que produzia um efeito de arrepio pela con-jugao do acorde menor executado em contratempo;

    - de um outro tipo de toque, quando as pessoas no tinham condies para fazervoltear o sino, era dar uma badalada alternada no sino grande e no sino pequeno, o queproduzia um intervalo menor no som que era muito triste ou que pelo menos nos habi-turamos a ver como tal;

    - o casamento: em que o toque era festivo, de repiquete, tal como no baptizado eoutras festas.

    - a extrema-uno: o toque tinha caractersticas prprias, mas era um misto dos an-teriores isto , de um toque de mortos com um repiquete festivo, como muito bem ex-plicado no livro do Mrio Correia, sendo esta uma das cerimnias comunitrias maisextraordinrias a que era dado assistir, com a sua caracterstica de socializao e annciopblico da morte, realidades que ainda vivi muito intensamente, mas to longe da preo-cupao que hoje existe em esconder a morte, que raramente um evento que interessa comunidade, mas apenas s pessoas mais prximas do morto ou da sua famlia; hoje amorte esconde-se, no se anuncia publicamente inclusive ao prprio que est a morrer.

    10. Os toques religiosos, em particular

    Os toques relativos s funes religiosas eram tantos quantas as funes religiosas,com particular destaques para os repiquetes processionais ou molineras, que era um tipoespecial de repiquete, sempre toques festivos, e os toques de chamamento, em particularpara a missa.

    Os repiquetes ou toques festivos eram executados quer como anncio e fim da fun-o, quer durante a mesma. Eram executados sobretudo em baptizados, casamentos,morte de crianas baptizadas, extrema-uno (durante o trajecto do cortejo com o padreentre a igreja e a casa do moribundo) e as procisses.

    O repiquete das procisses das festas podia assumir uma especial solenidade, comoera o caso das molineras, que so um tipo especial de repiquete executado sobretudoquando a procisso saia da igreja e nela voltava a entrar.

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  • 11. Tcnicas de execuo

    As tcnicas para a execuo do toque dos sinos eram as mais variadas, conforme onmero de sinos do campanrio e a sua dimenso. De uma maneira geral todos os cam-panrios das principais aldeias tinham pelo menos dois sinos, o sino grande e o sino pe-queno, pois a articulao entre ambos era essencial para executar os toques maiscomplexos, em particular os repiquetes e os toques a mortos. Muitas vezes havia um ter-ceiro sino, usado para certos toques de chamamento ou para o relgio.

    Dos toques de chamamento o mais solene e espectacular era o toque que consistiaem fazer voltear os sinos sobre si prprios, que alm disso eram toques que se podiamouvir mais ao longe, em torno deles se criando um verdadeiro cerimonial pois exigia forae muita habilidade para fazer o sino rodar sobre si prprio. O voltear usava-se sobretudoem duas ocasies: o chamar para a missa de domingo ou de um outro dia festivo; o toquede finados, quando a pessoa falecida era adulta. Por vezes, com fora e habilidade fazia-se o sino dar vrias voltas contnuas sobre si mesmo, sendo o voltear sempre dado como sino grande. O toque de voltear tinha particular solenidade na missa do galo, na noitede 24 de dezembro, em que havia trs toques com intervalo de uma hora, s 9, s 10 e s11 da noite.

    O toque normal de chamamento era invariavelmente constitudo por uma sequnciacompassada de toques de um s sino, podendo no caso da missa de domingo alternar,isto , com uma srie de badaladas num dos sinos cuja frequncia ia aumentando at osom ser contnuo, repetindo-se o processo no outro sino. No caso das missas de domingo,mais solenes, alm do chamamento normal atravs do voltear do sino, havia o chama-mento dado pelo padre quando chegava igreja, conhecido como las cinco, pois eraum toque de chamamento que terminava com cinco badaladas espaadas significandoque as pessoas se deviam dirigir para igreja, e havia ainda o toque de duas badaladas, lasdues, que era dado com exacto comeo da missa e que era uma espcie de aviso aos maisretardatrios.

    O toque de mortos exigia sempre uma determinada combinao do sino grande edo sino mais pequeno que, devido ao intervalo musical produzido e ao espaamentoentre eles, com uma pausa pelo meio, produziam um efeito de arrepio que tenho bemgravado no corpo.

    J o toque festivo de repiquete era tambm a combinao do roque rpido dos doissinos, produzindo uma ideia de festa que nos deixava em euforia, a que acrescia o estalardos foguetes e o toque da gaita ou da filarmnica a percorrer as ruas da aldeia ou a pro-cisso.

    12. Um estudo a alargar e a profundar

    O testemunho que Mrio Correia nos deixa de uma grande importncia, quer emtermos descritivos quer em termos de gravaes, nalguns casos de pessoas que j falece-ram, tambm elas grandes msicos, como o tiu Eduardo Afonso de Travanca.

    Espero que um dia possa este trabalho ser alargado ao estudo de outros aspectoscomo aqui por mim referenciados, quer de natureza sociolgica quer de natureza comu-nitria, quer ainda outros aspectos e testemunhos das pessoas que viveram a cultura dossinos, hoje irremediavelmente a caminho do desaparecimento, ainda que alguns toquescontinuem a perdurar e a ouvir-se o seu aspectos externo e musical, mas j desligado detoda uma cultura constituda por um sistema de crenas de vrio tipo e por hbitos e pr-ticas comunitrias que so um elo na cadeia do desenvolvimento das comunidades hu-manas.

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  • Introduccin

    Desde mediados del siglo XIX en la ciudad de Murcia comenz a desarrollarse unacorriente basada en el costumbrismo de origen romntico, representada por jvenes uni-versitarios, pertenecientes a la burguesa murciana, preocupados por el cambio que se es-taba llevando a cabo en las sociedades campesinas de la Regin. A travs de su escritura,pintura y fotografa reflejaban poco a poco cmo las tradiciones iban perdiendo su vida,siendo consideradas en algunas ocasiones, despectivamente, como viejas tradiciones orituales del pasado. En esta misma lnea se encontraban los espacios de ocio denomi-nados cafs cantantes, ventorrillos o tablaos, en los que los aficionados al cante jondo yprofesionales del ramo pasaban las horas de la noche hasta la madrugada, tras la faena.En una sociedad cambiante, como la que comenzaba a desarrollarse rpidamente con laindustrializacin, la mejora en los transportes y las comunicaciones, se lleg a idealizar yvalorar los aspectos de la vida campesina crendose un movimiento local por la burguesamurciana1. Con el desarrollo de este artculo, se estudia a travs de la prensa local, lasfuentes escritas, y los cancioneros, la figura del Nene de las Balsas y la Malaguea de laMadrug durante el periodo de la Restauracin, tiempo considerado de esplendor en elarte del flamenco.

    El Filandar / O Fiadeiro. Publicacin Ibrica de Antropologa y Culturas Populares2013, n. 20, pp. 41 a 57

    La malaguea de la Madrug y el Nene de las Balsas en Murcia:1869-1907

    MARA DOLORES AYUSO GARCATOMS GARCA MARTNEZ

    Grupo Investigacin Fuentes del ConocimientoFUSIDIT. Universidad de Murcia.

    Resumen: Se describe la figura del cantaor murciano Jos Mara Celdrn Ibernn (1869-1907),conocido en el mundo artstico de la Murcia de finales del siglo XIX y principios del XX, por susinnumerables actuaciones en fiestas y acontecimientos sociales. A travs de la figura de El Nenede las Balsas, se analizan los diferentes cancioneros publicados a finales del siglo XIX en los quese hace referencia a la cancin que lo ensalz La Malaguea de la Madrug.

    Palabras clave: Costumbrismo, Fiestas, Flamenco, Folklore, Malaguea, Romanticismo.

  • Objetivos

    Entre los principales objetivos que pretendemos alcanzar destacan:- Describir el contexto social y cultural de Murcia durante el periodo de la Res-

    tauracin.- Conocer las principales fuentes documentales en las que se alude a la figura de

    Jos Mara Celdrn.- Analizar las principales caractersticas de la Malaguea de la Madrug.- Estudiar los cancioneros editados a finales del siglo XIX y principios de siglo

    XX.- Establecer relacin entre los cantes flamencos y folklricos de Murcia.

    Metodologa

    En cuanto a la metodologa, utilizamos para la realizacin de esta investigacin lapropia de las ciencias documentales, la referida en concreto a las fuentes de informacin,que se refleja grosso modo en la figura 1, se han consultado las fuentes de informacinsiguientes:

    1.- Fuentes de informacin primarias, internas o externas, de la organizacin2: libros,revistas, etc.

    2.- Fuentes de informacin secundarias elaboradas o no dentro de la organizacin:bibliografas, repertorios, etc.