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XIV ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR Maio de 2011 Rio de Janeiro - RJ - Brasil BRASÍLIA 50 ANOS: DA CIDADE IDEAL Á CIDADE REAL Roberto Segre (PROURB/FAU/UFRJ) - [email protected] DOUTOR - PROFESSOR TITULAR Eliel Américo Santana da Silva (FAU/UnB) - [email protected] MESTRE- PROFESSOR ASSISTENTE

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  • XIV ENCONTRO NACIONAL DA ANPURMaio de 2011Rio de Janeiro - RJ - Brasil

    BRASLIA 50 ANOS: DA CIDADE IDEAL CIDADE REAL

    Roberto Segre (PROURB/FAU/UFRJ) - [email protected] - PROFESSOR TITULAR

    Eliel Amrico Santana da Silva (FAU/UnB) - [email protected] PROFESSOR ASSISTENTE

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    BRASLIA 50 ANOS: DA CIDADE IDEAL CIDADE REAL

    Roberto Segre

    Professor Titular, PROURB/FAU/UFRJ

    [email protected]

    Eliel Amrico Santana da Silva

    Professor Assistente, FAU-UnB

    [email protected]

    Resumo:

    Braslia representa uma das ltimas utopias urbanas da civilizao ocidental. Sintetiza a

    trajetria da imagem ideal de cidade desde Plato e Aristteles at Le Corbusier. Na sua

    concepo integra, distingue os sonhos e aspiraes dos pioneiros do Movimento Moderno,

    e inspirou a nica capital do sculo XX com uma identidade simblica reconhecida no

    mundo inteiro. Genialidade e fervor criativo surgidos dos talentos de Lcio Costa e de Oscar

    Niemeyer, cuja simbiose urbano-arquitetnica definiu os parmetros conceituais que

    concretizaram o seu arcabouo. As quatro escalas bsicas monumental, residencial,

    gregria e buclica , entrelaadas pelo sistema virio, permitiram um relativo

    funcionamento harmnico, assim como a adaptao as mudanas ocorridas neste meio

    sculo de existncia. Assim, foi includa no Patrimnio Cultural da Humanidade pela

    UNESCO. Mas a dinmica real imposta pela vida social transformou a Braslia ideal com

    intervenes nem sempre bem resolvidas. O objetivo desde ensaio consiste em identificar

    as principais mudanas verificadas no Plano Piloto de Lcio Costa, e avaliar as suas

    conseqncias no sculo XXI.

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    BRASLIA 50 ANOS: DA CIDADE IDEAL CIDADE REAL

    Os paradoxos da nova capital

    Apagados os fogos de artifcio das comemoraes que celebraram ao longo do ano de 2010

    o cinqentenrio da fundao de Braslia, ficaram gravados na mente e na retina as

    imagens daquela epopia que significou construir o conjunto urbanstico e arquitetnico da

    capital nos escassos trs anos, entre a concretizao do projeto e a emocionante

    inaugurao no dia 21 de abril de 1960. As histricas fotos de Marcel Gautherot, Thomas

    Farkas e Peter Scheier, documentaram as cenas inesquecveis dos entusiastas e sofridos

    candangos (FIORI ARANTES, 2004, p.172); dos embaixadores de smoking caminhando

    para a cerimnia no spero cerrado; as leves estruturas metlicas dos ministrios

    levantadas no meio do nada; o predomnio do extenso vazio sobre as isoladas construes

    dos prdios pblicos. E os livros recentes, nos ensaios fotogrficos e nos textos crticos,

    ressaltaram tanto a significao do concurso (BRAGA, 2010) quanto firme personalidade

    de Juscelino Kubitschek do monte de oliveiras, o santo construtor que desafiou Zeus e

    fundou Braslia (BEHR, 2010, p.22); uma cidade bela e racional como um teorema, leve e

    airosa como uma flor (HUGHES, 2009, p.8) quem conseguiu concretizar os cinqenta anos

    em cinco propostos no Plano de Metas; a modstia e simplicidade de Lcio Costa, que

    declarara serem um simples maquis do urbanismo; e em poucas linhas resolveu as

    dificuldades ligadas concepo de uma cidade-capital (VIDAL, 2009, p.210); a genialidade

    de Oscar Niemeyer, cujas formas e volumes puros definiram a iconicidade e o simbolismo

    nacional das principais funes do Estado Brasileiro. Surgiu assim, segundo Andr Malraux

    poltico e historiador de arte francs , a cidade mais audaciosa jamais concebida pelo

    Ocidente no sculo vinte.

    Mas os elogios e a admirao pela sntese do Plano Piloto e beleza dos seus monumentos

    culminao brasileira dos princpios urbansticos do Movimento Moderno, estabelecidos no

    CIAM e na Carta de Atenas ; tiveram como contrapartida as dvidas e questionamentos

    sobre a existncia real de um desenho fechado e totalizador da cidade; de uma viso

    utpica sobre a sua estrutura social e econmica, que dependia da dinmica geral do

    Estado brasileiro, cujas transformaes futuras seriam imprevisveis, j que, na

    interpretao de Saskia Sassen, ns podemos planejar uma cidade, mas certamente no

    podemos planejar e controlar seu futuro (SASSEN, 2008, p.56). Com antecedncia a

    inaugurao de Braslia, no Congresso Internacional Extraordinrio de Crticos de Arte

    (1959), patrocinado pelo presidente Kubitscheck e organizado por Mrio Pedrosa, do qual

    participaram alguns dos mais importantes crticos e profissionais provenientes dos pases da

    Europa, Estados Unidos e Amrica Latina, desenvolveu-se um debate sobre o projeto da

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    nova capital. Apoiado pelos protagonistas do Movimento Moderno Stamo Papadaki,

    Alberto Sartoris, Richard Neutra, Jean Prouv, Andr Bloc, Gillo Dorfles, Giulio Carlo Argan,

    William Holford, Andr Bloc, entre outros ; foi alvo de questionamentos por parte de Bruno

    Zevi, Toms Maldonado, Jorge Romero Brest e Frederick Kiesler (SILVEIRA LOBO,

    SEGRE, 2009), cujos contedos versavam principalmente sobre o rgido e autoritrio

    desenho urbano racionalista (BICCA, 1985, p. 116) e a arquitetura monumental de

    Niemeyer. Por enquanto a leitura morfolgica predominou no livro de Norma Evenson

    (1973), as posteriores interpretaes da cidade privilegiaram os contrastes sociais e

    econmicos que surgiram quando a expanso da populao de baixos recursos no foi

    assimilada no Plano Piloto e estabeleceu-se nas Cidades Satlites espalhadas no territrio

    do Distrito Federal. Tema dominante nos ensaios de David Epstein (1973), Francisco de

    Oliveira (1976), Roberto Segre (1977), James Holston (1989) e Aldo Paviani (1989).

    Sobre a malha viria cartesiana do Plano Piloto, ficaram estabelecidas as tipologias

    arquitetnicas elaboradas por Costa e Niemeyer, basicamente no sistema habitacional as

    superquadras e no Eixo Monumental. Depois da inaugurao, a cidade cresceu

    lentamente os presidentes Janio Quadros e Joo Goulart no se interessaram

    particularmente no seu desenvolvimento ; e o assentamento definitivo das estruturas

    governamentais, aconteceu contraditoriamente sob a ditadura militar, regime vigente entre

    os anos 1964 e 1984. Neste perodo, segundo (SILVA, 1974, p.206), o Presidente Castelo

    Branco afirmou Braslia como a genuna capital do Brasil, sendo mais tarde, ratificada pelo

    Governo Costa e Silva. Radicalizou-se, tambm, a segregao social entre os moradores do

    Plano Piloto e os habitantes das Cidades Satlites, caracterizada pelo crescimento

    espontneo. No final da dcada de 1970 intensificou-se a especulao imobiliria, o

    predomnio da iniciativa privada, resultante do enfraquecimento do poder do Estado e,

    principalmente, do Governo Militar. Com a volta da democracia, ressurgiu o interesse em

    preservar as estruturas essenciais do Plano Piloto, nas anlises desenvolvidos pelo grupo

    GT-Braslia formado por pesquisadores do Ministrio da Cultura, do Governo do Distrito

    Federal e da Universidade de Braslia, e por Maria Elisa Costa e Adaildo Viegas nas

    formulaes de Braslia 57-85, e o documento Braslia Revisitada, elaborado com a

    participao de Lcio Costa (COSTA, 1987). Este aprovou diversas mudanas que iriam

    adaptar os contedos utpicos do projeto original as novas condies estabelecidas pela

    dinmica real da cidade. Assim, com o objetivo de aprontar o pedido de tombamento da

    cidade UNESCO, foram aplicadas as quatro escalas que estruturaram o desenho urbano,

    segundo princpios urbansticos elaborados por Lcio Costa desde os anos quarenta

    (COSTA, 1995, p.257): a monumental, residencial, gregria e buclica. Estas originaram o

    embasamento terico da preservao do Plano Piloto, o qual permitiu em 1990 integrar

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    Braslia na lista do Patrimnio Cultural da Humanidade, e minimizaram a significao das

    intervenes arquitetnicas no espao protegido da capital.

    As transformaes morfolgicas da cidade que sero analisadas correspondem s

    mudanas radicais acontecidas na segunda metade de sculo passado. Em primeiro lugar,

    a Braslia de 500 mil habitantesi tem na atualidade (2010) quase trs milhes; assentados

    2.5 milhes no territrio externo ao Plano Piloto, constituindo a terceira metrpole nacional

    (DUARTE DE BRITTO, 2009, p.21). Da imagem totalizadora da proposta inicial, passou-se

    metrpole incompleta Milton Santos , espalhada no Distrito Federal (PAVIANI, 1989,

    p.48). Segundo Aldo Paviani existem trs Braslias: a do Plano Piloto; o conjunto de cidades

    satlites; a periferia de Goinia com os assentamentos mais pobres. Nesta nova estrutura

    de metrpole poli-nuclear, acredita-se que o Plano Piloto assume a significao do centro

    histrico, cuja integridade deve ser preservada de acordo com as normas estabelecidas

    pela UNESCO. Mas questiona-se: isto est acontecendo? Nas aceleradas intervenes para

    preencher os espaos ainda vazios, persistem os princpios reitores definidos por Lcio

    Costa? Pode ser controlada a voracidade da especulao imobiliria, apoiada pelo sistema

    poltico corrupto, como ficou demonstrado com os impedidos governadores: Joaquim Roriz e

    Jos Roberto Arruda? Cabe interromper a disperso residencial promovida pelos

    assentamentos arbitrrios da classe mdia nas reas suburbanas? lcita a perda de

    espaos verdes e de lazer, indispensveis para a vida social urbana? Deve limitar-se o

    contnuo crescimento do carro individual que impossibilita a circulao no Plano Piloto, e

    criar um sistema eficiente de transporte pblico, alm do limitado Metr? Deveria existir um

    controle esttico das novas edificaes para manter a coerncia formal e espacial

    imaginada por Lcio Costa? Estes so alguns dos problemas atuais que desejamos

    evidenciar.

    A questionada pureza do eixo monumental

    A herana histrica urbana assimilada por Lcio Costa constitui o embasamento do Eixo

    Monumental adaptado topografia em direo ao lago e os terraplenos mais importantes: a

    Praa dos Trs Poderes, a Plataforma Rodoviria e a Torre de Televiso. O principal

    conceito do Eixo Monumental reside no fato de se apresentar-se como um grande parque

    linear leste-oeste, um espao de poder, de civismo e representao, que configura a civitas

    (JUC, 2009, p.374). Dividido pelo eixo norte-sul eixo rodovirio situa a leste o espao

    de representao do Governo Federal e a oeste o espao de vivncia, com parques

    Jardim Botnico e Jardim Zoolgico , o centro esportivo, de lazer e o Governo Municipal,

    finalizando na Estao Rodo-ferroviria.

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    Fig 01: O Eixo Monumental imaginado e o eixo implant ado.

    O que ratifica ainda mais o conceito de parque o seu canteiro central ou mall ingls na

    definio de seu autor. Esse canteiro salvaguardado no trecho leste pelos parques

    lineares das embaixadas e o parque do setor cultural e a oeste pelo parque do setor de

    hotis e o jardim botnico e zoolgico. Tais trechos apresentam uma caracterstica que

    constitui uma categoria fundamental para o desenho de Braslia: a relao de dominncia

    dos espaos vazios em relao aos cheios. Essa relao torna esse espao representativo,

    constitudo por volumes definidos e voltados contemplao e ao seu valor monumental, na

    viso de Lcio Costa, alheios a uma ostentao expressiva.

    No projeto original foram mantidos: a representatividade cvica e de poder a Praa dos

    Trs Poderes, a Esplanada dos Ministrios e a Praa Municipal ; os terraplenos, os setores

    federais e municipais, e os parques; o Parque da Cidade e o Parque Esportivo. Mas o Eixo

    Monumental sofreu algumas transformaes durante a implantao da capital. Na

    concepo clssica da organizao do espao, aplicada por Costa predominava o contraste

    entre a identidade volumtrica dos edifcios e a ntida e extensa superfcie horizontal do

    gramado. Na Praa dos Trs Poderes, Niemeyer mudou a proposta original de Costa e criou

    uma simbiose transparente entre a natureza e os edifcios, cujas leves formas geomtricas

    puras do Congresso Nacional ficaram suspensas no ar, contrapondo a nova composio do

    conjunto aos princpios da solidez acadmica (SEGRE, BARKI, 2010, p.77). Mas a pureza

    da praa, somente marcada por acentuaes escultricas o volume do Museu da Cidade

    (1959) , comeou a modificar-se com novas edificaes no previstas no projeto

    concretizado em 1960. Primeiro, foram inseridas o fnebre mastro da bandeira, desenhado

    por Srgio Bernardes para a ditadura militar (1969); e a branca pomba do Panteo da Ptria

    de Oscar Niemeyer (1985), que teve a aprovao de Costa (FICHER, SCHLEE, 2010, p.78).

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    Mas a limpa perspectiva aberta da praa ficou alterada pela presena invasora no lado sul

    do anexo II do Supremo Tribunal Federal (1993), e mais distante, pelos dois cilindros de

    vidro da Procuradoria Geral da Repblica (2002), ambos de Niemeyer.

    Por enquanto no so visveis desde a Esplanada do Eixo Monumental, os blocos dos

    ministrios tiveram que ser ampliados com os pesados volumes paralelos dos anexos e as

    pontes macias que os conectam, as quais contrastam com o predomnio da leveza e

    transparncia dos primeiros edifcios como expresso esttica dominante. Neste sentido, j

    acostumados os habitantes da cidade presena dos dilatados espaos livres, resultou mal

    sucedida presena do Complexo Cultural da Repblica Joo Herculino (1999-2007),

    formado pela Biblioteca Nacional Leonel de Moura Brizola e o Museu Nacional Honestino

    Guimares. A dimenso excessiva da oca do Museu apagou a perspectiva distncia da

    elegante e refinada Catedral. Da, as crticas resumidas na poesia de Nicolas Behr, de outro

    lado uma pirmide sem tumbas; e mais frente uma catedral sem cruzes; uma biblioteca

    sem livros; um museu sem passado (BEHR, 2010, p.46). Por questes oramentrias no

    foram executadas algumas das recomendaes iniciais, tais como as lajes que deviam

    conectar os prdios ministeriais.

    Apesar da frieza e a abstrao do sistema monumental de Braslia, o Eixo obteve uma

    personalidade icnica reconhecida nacional e internacionalmente. A viso livre da explanada

    desde a torre da TV que assume a branca imagem do Congresso Nacional, devia ser

    intocvel. Por isso, depois de um longo e intenso debate nacional, foi rejeitada pela

    populao e as instituies pblicas IPHAN, IAB-DF , a proposta de Niemeyer de inserir

    a Praa da Soberania (2009) na frente da Rodoviria; localizada no canteiro central da

    Explanada dos Ministrios, continha um edifcio curvo elevado sobre pilotis o Memorial dos

    Presidentes e um obelisco inclinado de 92 metros de altura (MATOSO MACEDO, 2010,

    p.372).

    Mas, sem dvidas o fato que mais transformou o eixo monumental foi o deslocamento a

    leste; a Rodo-ferroviria permaneceu no lugar definido anteriormente, o que resultou no

    aumento da extenso do trecho oeste. Isto exigiu outros projetos complementares,

    inexistentes no programa original, tais como, o Monumento a Juscelino Kubitschek (1980); o

    Centro de Convenes de autoria do arquiteto Srgio Bernardes (1973) depois

    desastrosamente transformado ; o Memorial dos Povos Indgenas (1982), e a Igreja da Paz

    (1991), monumento em homenagem visita do Papa Joo Paulo II em 1982.

    Contraditoriamente, o Centro de Convenes e o Monumento a JK, ficaram implantados no

    sentido norte sul, contrariando o eixo dominante leste-oeste. A Praa da Municipalidade a

    Praa de Buriti, desenhada inicialmente por Lcio Costa (1969) e que devia constituir um

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    contraponto a Praa dos Trs Poderes , sumiu como culminao do setor leste do Eixo

    Monumental, e foi situada entre o Centro de Convenes e o Museu dos Povos Indgenas,

    contendo os pouco expressivos palcios do governo do Distrito Federal.

    A contraditria disperso do centro urbano

    Fig 02: O centro urbano imaginado.

    A pesar de Campofiorito (CAMPOFIORITO, 1990, p.171) considerar o centro como algo

    construdo no tempo e sem necessitar especificamente de um projeto o que acontece no

    centro atual de Braslia ; cabe lembrar a proposta previamente desenhada por Lcio Costa,

    em que as partes funcionais, os setores de diverses, de cultural, de comrcio, de bancos e

    escritrios e de hotis articulavam-se entre si, tendo na plataforma rodoviria seu ponto

    nodal. Com uma lgica justificvel, o centro da capital federal surgiu no encontro dos

    principais eixos da cidade o leste-oeste Eixo Monumental , e o norte-sul Eixo

    Rodovirio , localizando a oeste os hotis e o centro comercial relacionado com as

    superquadras. Ao leste ficavam as reas culturais, de bancos e escritrios prximos a

    Esplanada dos Ministrios e Praa dos Trs Poderes. No ponto focal estaria o setor de

    diverses, o verdadeiro centro imaginado por Lcio Costa sobre os modelos do Picadilly

    Circus, Times Square e Champs Elyses, nos terraplenos que definiam a Plataforma

    Rodoviria; os Setores de Diverses Norte e Sul com o Teatro Nacional e Casa de Ch. Ao

    lado desse setor foi localizada a Torre de Televiso, concebida como um mirante

    Esplanada dos Ministrios, que permitiria a percepo da cidade transparente e area,

    assim imaginada pelos membros do juri.

    Apesar da fora de tais conceitos, o centro da nova capital no ficou impune s inevitveis

    transformaes do projeto original, tais como: a sugesto dos membros do jri em 1957,

    particularmente de William Holford, para que o centro do Plano Piloto se deslocasse a leste,

    diminuindo a distncia entre a Praa dos Trs Poderes e o Palcio Governamental (M.E.

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    COSTA; LIMA, 1985, p.4). Essa recomendao trouxe conseqncias decisivas ao projeto

    do centro de Braslia, como a criao de barreiras ao deslocamento dos usurios

    provocadas pelos desnveis do terreno, contrrios a acessibilidade proposta por Lcio Costa

    (CARPINTERO, 1988, p.80). Logo, o centro implantado na nova topografia criou grandes

    fossos, escadas e rampas sem possibilitar o acesso fludo dos pedestres. No Documento

    Braslia 57-85, uma das pertinentes recomendaes foi soluo desse problema a partir

    de um detalhamento maior de caladas e passeios, algo que somente funcionou

    relativamente bem no Setor Comercial Sul.

    Fig 03: O centro urbano implantado.

    Outras transformaes foram de cunho oramentrio como a no construo das lajes

    superiores da plataforma rodoviria, o que iria permitir uma maior ocupao desse centro

    mirante. E tambm a inexistncia do elevado arquitetnico destinado a ligar os prdios do

    setor de diverses sul e norte atualmente o Conic e o Shopping do Conjunto Nacional ,

    iniciativa que poderia ter configurado mais claramente o centro de Braslia (HOLANDA,

    2010, p.110). Entretanto, foi problemtico o crescimento e a privatizao de novos setores

    desse centro. Cada um deles ficou responsvel por seu desenho urbano sem assimilar os

    enunciados de Lcio Costa, quem propunha uma articulao entre os edifcios e a

    permeabilidade de seus usos.

    Surgiram novos setores como o de Rdio e Televiso; o das Autarquias e o Mdico

    Hospitalar; cada um particularizando suas implantaes e a particularidade de seus

    edifcios, prevalecendo o sistema de loteamento e privatizao dos espaos. Um dos

    exemplos o Hospital Sarah Kubitschek (1980) no Setor Mdico Hospitalar Sul, de autoria

    do arquiteto Joo Filgueiras Lima (Lel), quem valorizou uma implantao capaz de

    possibilitar certa permeabilidade para o usurio, mas logo restrita pela presena de grades.

    Atualmente, apesar de permanncia de conceitos primordiais do projeto original; como a

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    diviso do centro em quatro partes; a hierarquizao a leste setor governamental , e a

    oeste setor de comrcio e hotis e o centro de diverses como um dos terraplenos

    mirante; existe uma diversidade de tipologias edilcias que compromete a leitura do projeto,

    tais como edifcios sem pilotis com guaritas de segurana, torres de vidro segundo modelos

    americanos e altas densidades edilcias, nunca imaginadas por Lcio Costa.

    Tal problemtica notria no Setor de Hoteleiro Norte, cuja soluo foi completamente

    contrria ao projeto original de Costa, o qual previa generosas reas verdes, nunca

    concretizadas. Os edifcios, de uma agressiva identificao esttica, constituem as torres de

    hotis concebidos como flats, que semelhantes aos condomnios verticais, respondem a

    cnica estratgia da especulao imobiliria que no futuro vai permitir transform-los em

    residncias permanentes. Lcio Costa confessou ter imaginado esse centro

    particularmente a Plataforma Rodoviria e o Setor de Diverses como um espao de vida

    intensa e sofisticada; entretanto, a mudana de categorial nacional para local da

    Plataforma Rodoviria ou seja, sendo utilizada basicamente pelos trabalhadores das

    Cidades Satlites , modificou completamente seu conceito inicial. Para ele, esse centro,

    agora, pertence ao povo, e de certa forma popularizou o Shopping Conjunto Nacional,

    tornando-o mais acessvel, a todas as classes sociais.

    Com o intuito de criar um setor de compras mais reservado no centro de Braslia, no estilo

    de shopping malls, foram criados os Shoppings Ptio Brasil, localizado no centro comercial

    sul oeste; e o Braslia Shopping no setor norte, no previstos por Lcio Costa. O problema

    desses dois centros de compras e escritrios reside na pssima implantao deles na

    chamada escala gregria de Costa, quem imaginava uma articulao e uma simplicidade

    dos blocos de comrcio, em relao direta com as outras escalas, propsitos nunca

    consolidados. O Ptio Brasil ocupa um setor inteiro com um grande bloco embargado

    durante 15 anos devido ao seu gabarito , inclusive desproporcional ao seu entorno. J, o

    projeto do Braslia Shopping de autoria de Ruy Ohtake (1995), com a sua gigantesca

    abbada, no compreendeu o conceito da escala em que est implantado, com uma

    ostensiva entrada monumental. Para Gorovitz (GOROVITZ, 2003, p.30) esses

    empreendimentos representam a quarta escala ruim de Braslia, a do Setor Comercial

    Norte.

    Essa disperso do centro, direcionada em todos os sentidos norte-sul e leste-oeste no

    associada a uma cidade de 500 mil habitantes , compromete um dos mais refinados

    smbolos da capital, projeto de Lcio Costa: a Torre de Televiso. O empreendimento Tryp

    Convention Braslia 21, na extenso oeste do Setor Hoteleiro Sul, portanto, prximo da

    Torre de TV, configura-se como duas torres de vidros separadas por uma questionvel

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    praa central abrigando flats, academias esportivas, escritrios, e comrcios , cuja

    dimenso macia nega a delicada e leve estrutura de Lcio Costa. Em suma, na atualidade

    no se verifica a presena de um centro desenhado com edifcios articulados entre si, com

    praas pblicas marcando os espaos comerciais ou hotis implantados em um parque

    contnuo como presumia Lcio Costa; no se identifica como um centro para a escala de

    Braslia, mas se assemelha aos centros de cidades tradicionais como Miami, Tquio ou So

    Paulo. um centro resultante das foras econmicas, da especulao imobiliria e da

    privatizao dos acessos e estacionamentos; um centro dissonante com as verdadeiras

    intenes do projeto original, o qual desqualifica o desenho potico da capital nacional.

    Limites: a ocupao espacial da escala buclica

    Fig 04: O limite original do desenho de Lcio Costa .

    O Plano de Lcio Costa, caracterizado pelos membros do jri, como claro, direto, limitado,

    constituiu uma soluo que valorizava os limites definidos de cidade. Os cintures verdes

    definiram o instrumental utilizado por seu autor para caracterizar esse desenho limite. Ao

    leste tem-se o parque linear junto a orla do lago, onde se situam o Setor de Embaixadas,

    representaes e a Cidade Universitria; a oeste o cinturo verde linear que limita a W3,

    com pomares, granjas e hortifrutigranjeiros; finalizando-se a sul no cemitrio da cidade. O

    eixo monumental, tambm, foi configurado a partir de limites; a Praa dos Trs Poderes

    fechada pela flora nativa do cerrado, como conceituou Lcio Costa; a Esplanada dos

    Ministrios a sul e norte desenhada pelo cinturo verde leste, onde se localizariam as

    embaixadas e a Cidade Universitria; e o trecho oeste definido pelos Jardins botnicos e

    zoolgicos. A orla do lago foi outro setor que devia permanecer intacto para melhor

    configurar o desenho da capital. Para o autor de Braslia as atividades destinadas a

    amenidades buclicas como clubes, restaurante foram previstos com gabaritos baixos e

    reduzida taxa de ocupao, preservando dessa forma as reas verdes. Previram-se

    tambm, nas orlas sul e norte, setores habitacionais com chcaras e manses, no sistema

    de loteamento e de baixa densidade.

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    As transformaes nos limites do desenho original de Lcio Costa surgiram com maior

    intensidade a partir da dcada de 1980. Entretanto, esse fenmeno aconteceu j na sua

    implantao, quando da solicitao por parte do jri em 1957 do aumento de unidades

    habitacionais nas Asas Sul e Norte; no lado leste das asas, surgiram as chamadas

    superquadras das 400 - com 3 pavimentos mais pilotis. Ao oeste a ocupao dos limites

    aconteceu com a presena de casas populares geminadas na via W3, local previamente

    reservado a chcaras, pomares e hortifrutigranjeiros. O crescimento a leste contradiz a idia

    inicial de um parque linear para abrigar as embaixadas e a prpria Cidade Universitria na

    Asa Norte. Dinmica que afetou a relao predominante dos vazios sobre os cheios at a

    orla do Lago Parano. O campus da UnB teve um crescimento da sua densidade construtiva

    com novos prdios isolados que negaram a soluo de Niemeyer para o Minhoco. Essa

    mudana comprometeu at mesmo a escala buclica. O Setor de Grandes reas Norte foi

    ocupado por instituies governamentais, religiosas e de servios com novos edifcios cujos

    gabaritos impedem a vista do lago. O Setor de Grandes reas Leste da Asa Sul abrigou

    clnicas, faculdades e outros prdios de altos gabaritos, com uma densidade construtiva que

    invalidou a idia inicial de parque linear sul e a percepo do lago.

    Fig 05: Alterao nos limites do desenho.

    O limite Oeste Sul na W3 Sul, tambm foi ocupado por casas populares geminadas.

    Posteriormente estas se transformaram, aumentaram sua densidade, texturas e gabaritos.

    Nesse mesmo setor, em direo a oeste, novas atividades surgiram como escolas da rede

    privada, faculdade e at grandes complexos hospitalares, no final da Asa Sul e Norte. O

    limite Oeste Norte na W3 norte, foi o fato urbanstico que mais surpreendeu Costa durante

    sua revisita a Braslia em 1987, denominado por ele como uma favelizao. Esse setor por

    muito tempo foi ocupado pelas concessionrias de veculos hoje tais empreendimentos j

    ocupam outro setor , a Cidade do Automvel, no oeste da cidade. Nesse local tambm se

  • 12

    desenvolveram oficinas mecnicas e kit estdios para moradia sem o mnimo cuidado e

    planejamento.

    Em sntese, as mudanas nos limites no desenho da capital so os mais problemticos dos

    atributos na transformao da cidade, fenmeno tambm incentivado por decises oficiais

    como o Documento Braslia Revisitada do prprio Lcio Costa de 1987 que criou os bairros

    Sudoeste e Noroeste situados no limite oeste do Plano Piloto. E tambm o polmico Projeto

    Orla do Governo Cristvo Buarque, o qual incentivou a ocupao desordenada do lago,

    rompendo o conceito de permeabilidade e amenidades buclicas do projeto original.

    Incrementaram-se redes de restaurantes como o Porco, Pier 21 e outros , Casas de

    Recepes Espao da Corte , grandes hotis Blue Tree, Lake Side e outros , com

    funes habitacionais, estimulando inclusive especulao imobiliria nas vendas de

    unidades residenciais s margens do lago.

    Alteraes tipolgicas do sistema habitacional

    Ao fixar o conceito de unidade de vizinhana associado a quatro quadras seqenciais e

    duas faixas de servios entre quadras, emolduradas por uma larga cinta arborizada, Lcio

    Costa criou as superquadras, adaptando a realidade brasileira os princpios lecorbusieranos.

    O interior das quadras foi reservado circulao dos pedestres a partir da permeabilidade

    favorecida pelo sistema de pilotis. Previu o comrcio local voltado para dentro das quadras e

    com circulao sombreada por uma cinta densamente arborizada. A ocupao social seria

    diversificada entre as superquadras junto ao setor de embaixadas ou via L2 no lado leste; e

    as superquadras no interior do conjunto, prximas ao eixo rodovirio-residencial. Existia,

    tambm, a inteno de que o sistema habitacional garantisse certa unidade social; com

    variados nveis econmicos de funcionrios pblicos morando numa nica unidade de

    vizinhana (EL-DAHDAH, 2005, p.13).

    Fig 06: Constituio original do interior das quadr as.

  • 13

    Segundo (LEITO, 2003, p.103), a equipe de Oscar Niemeyer e a Novacap tiveram a

    responsabilidade de concretizar os princpios das superquadras elaborados por Lcio Costa.

    A populao assimilou a proposta com grande facilidade: os pilotis livres, os gramados

    generosos, a presena dos porteiros, o espao verde para o lazer de crianas. Nesse

    contexto surgiu uma gerao de moradores identificados com uma nova cultura urbana. A

    superquadra foi verdadeira raiz de Braslia, que fez a rvore crescer e dar frutos. Quanto

    unidade do desenho das superquadras manteve sua essncia, entretanto alguns princpios

    bsicos perderam a fora com o passar do tempo, em particular o relacionamento com as

    infra-estruturas (MACHADO, 2007, p.33). Mas os objetivos da homogeneizao social

    imaginados por Lcio Costa sumiram rapidamente: a) os funcionrios de alto escalo

    preferiram morar no setor de manses do lago reivindicao de Israel Pinheiro ; b) o

    conceito de unidade de vizinhana no se repetiu em outras quadras construdas na dcada

    de 1980, principalmente na Asa Norte; c) a unidade bsica de habitao, o bloco prismtico

    simples, com o tempo ganhou sacadas, revestimentos, estacionamentos de subsolos e

    coberturas, gerados pela especulao imobiliria.

    Em sua origem o comrcio local abrigaria servios de escala local como aougue,

    mercadinhos, farmcias, modistas, e outras atividades para o dia a dia. Entretanto, esse

    comrcio abriu suas portas principais para a via de carros e no para o interior das quadras

    como imaginou Lcio Costa. Tal fenmeno transformou-o em regional com redes de

    grandes lojas, academias de musculao, restaurantes, agncias bancrias e outros,

    criando um fluxo excessivo proveniente de todo o Distrito Federal, criando insolveis

    problemas de trnsito e do estacionamento. Alm que, o desenho ruim da infra-estrutura

    arquitetnica foi exacerbado pela agressiva publicidade das diferentes lojas. A

    transformao das superquadras de Braslia, na atualidade, baseado no aumento da

    densidade habitacional na Asa Norte, em decorrncia de: a) uma mudana de tipologia das

    fitas comerciais para o bloco isolado, e com isso, a criao de quitinetes, lojas nos subsolos

    e o aumento no nmero de unidades comerciais; b) a diminuio da rea verde dentro das

    quadras, onde a densidade habitacional construda maior; c) um incremento no tamanho

    dos blocos de apartamentos.

    Na dcada de 1980, no processo de discusso sobre a preservao do Plano Piloto de

    Braslia, apareceu um item exigido pela sociedade e, principalmente pelo mercado

    imobilirio como condio para o tombamento pela UNESCO: o adensamento e a criao de

    novas unidades habitacionais na rea a ser preservada. Desta forma, surgiram os novos

    bairros do Sudoeste e do Noroeste. O primeiro projetado por tcnicos do GDF (Governo do

    Distrito Federal) e j construdo (HOLANDA, 2000, p.8), adota o estilo de blocos

  • 14

    habitacionais de seis pavimentos mais sistema de pilotis, rea verde entre as fitas. Assim

    verifica-se a expanso do Plano Piloto de forma concisa e derramada, segundo a premissa

    estabelecida pelo Documento Braslia Revisitada de 1987. Por outro lado, inova ao criar

    uma avenida divisora do bairro em setores leste e oeste, que adensada com comrcio,

    moradia e kit studios.

    Fig 07: Bairros do Sudoeste e Noroeste solues do D ocumento Braslia Revisitada.

    ltima rea disponvel de 200 hectares para a construo dentro do Plano Piloto o bairro

    do Noroeste ainda a ser implantado est previsto no Braslia Revisitada e segue as

    recomendaes de Lcio Costa. Possui 220 blocos habitacionais de seis pavimentos com

    pilotis, reas comerciais, reas verdes, e o comrcio local entre quadras estabelecido no

    projeto original de 1957. A inovao esta no seu discurso contemporneo do eco-urbano ou

    urbanismo sustentvel referendado por um estudo de impacto ambiental com caladas

    permeveis, ciclovias, aproveitamento de guas pluviais e outros. H uma expectativa

    muito grande com a ltima rea tombada disponvel. Por isso, a valorizao ser alta

    (VALADARES, 2005, p.8). Portanto, trata-se de um conjunto ecolgico reservado

    especulao e ao mercado imobilirio, com um dos metros quadrados mais valorizados do

    Plano Piloto. Para Maria Elisa Costa (M.E.COSTA, 2007, p. 33) o projeto do Noroeste no

    segue uma das premissas do plano original, a qual definia uma nica entrada para as

    superquadras; ao contrrio, ficaram estabelecidas trs entradas. Ademais, como prevalece a

    lgica mercadolgica, a especulao imobiliria jamais deixou seguir as premissas de

    socializao das unidades de vizinhana anteriores, pois ao mercado interessa o consumo e

    a valorizao de reas oferecidas por esse bairro, sem ter conta das escolas parques, os

    postos mdicos e outras funes sociais. Resumindo, mais uma alterao sutil no sistema

    habitacional de Lcio Costa.

  • 15

    Deformao do traado virio original

    Fig 08: O fluxo original.

    As facilidades decorrentes da tcnica rodoviria das free ways americanas levadas ao

    centro urbano, definiram o partido predominantemente linear proposto por Lcio Costa.

    Estabeleceu um grande eixo que atravessasse a cidade de ponta a ponta, assim como uma

    relao harmnica entre as funes da cidade e seu sistema de circulao. Ou seja, funes

    do dia a dia como o pequeno comrcio, a escola fundamental, o clube, o lazer poderiam ser

    viabilizados a p ou numa circulao local de veculos; assim para s superquadras seriam

    reservadas as vias locais, o local do pedestre, a unidade de vizinhana. A conexo ao setor

    comercial, aos hotis, ao trabalho do funcionalismo pblico no centro da cidade, e ao

    espao cvico e representativo poderia ser executada pelas vias de servio a L2 e a W3, e

    tambm nos eixinhos; pistas laterais ao eixo de mo e contramo. Ao eixo rodovirio

    central era reservada somente circulao de mbito nacional, a auto-estrada. Para Lcio

    Costa a vida poderia ser realizada linearmente, sem a necessidade de atravessar o eixo

    rodovirio, ou seja, sem a necessidade do fluxo leste-oeste, pois as atividades na unidade

    de vizinhana eram suficientes para o dia a dia.

    Nessa viso local, o fator que mais contribui para o colapso dessa lgica foi o

    enfraquecimento do conceito da unidade de vizinhana, com a localizao de atividades

    cotidianas como escola, postos de sade e outros, nas laterais leste e oeste das asas

    habitacionais, ou melhor, nas L2 e W3, forando um fluxo indesejvel por Lcio Costa.

    Assim o fluxo transversal, estabelecia um maior numero de tesourinhas. A largura do Eixo

    proposta por Lcio Costa no comportou como na Zona Central, visto anteriormente o

    trevo de travessia sugerido; a Diviso de Urbanismo estudou outro tipo de trevo interligando

    as vrias pistas, executado no segundo tero da Asa Sul. A populao, que antes no

    utilizava o Eixo deixando-o obsoleto, descobriu as suas vantagens e abandonou os

    eixinhos que j comeavam a ser congestionados. Para Lcio Costa a funo do Eixao

    seria de uma via expressa, capaz de possibilitar a travessia da cidade em 10 minutos, assim

  • 16

    como uma via nacional que ligasse o Brasil de Norte a Sul. Porm, o tempo a transformou

    em um das principais opes da prpria populao, rompendo a hierarquia viria antes

    pensada, tornando-se tambm uma via local.

    Essa certeza da harmonia entre espao e tempo aos poucos foi diminuindo em razo de

    uma srie de fatores: o crescimento da periferia Cidades Satlites e novos assentamentos,

    condomnios horizontais e novos bairros como guas Claras ; a perda de valor de algumas

    funes urbanas originais; a criao de novas tipologias como shopping e malls; centros de

    entretenimentos e as prprias transformaes no projeto original. Na verdade, o sistema

    virio de Lcio Costa no contava com um fenmeno certo, o da metropolizao. Esse

    fenmeno trouxera uma sobrecarga s reas de estacionamentos e ao sistema de

    circulao, haja vista Braslia ser uma cidade para automveis, onde cada famlia possui

    pelo menos dois carros. Os resultados so a formao constantes congestionamentos e

    falta de estacionamentos em vrios setores: no centro, nas entre quadras comercias, na

    Esplanada dos Ministrios e at em reas residenciais.

    Fig 09: a alterao do fluxo original.

    Apesar da malha urbana original manter-se relativamente intacta, principalmente, na lgica

    das superquadras, observa-se algumas importantes alteraes no sistema virio

    responsveis pelo desequilbrio do desenho anterior. A construo durante um perodo de

    quatro dcadas das trs pontes que ligam o Plano Piloto ao outro lado do lago,

    sobrecarregado de condomnios horizontais e assentamentos urbanos, intensificou o fluxo

    veicular. A construo ainda na dcada de 1980 da Via Estrutural, estabeleceu uma

    conexo mais rpida com as Cidades Satlites localizadas ao sul do Distrito Federal. A

    estruturao da Via que liga o Plano Piloto as Cidades Satlites ao norte do Distrito Federal;

  • 17

    e a ampliao da Via L4, um acesso a leste, facilitaram o fluxo ao aeroporto. Alm disso,

    aconteceu o aumento da caixa carrovel da Estrada Parque (2008) em cinco faixas, para

    receber e facilitar o grande fluxo do bairro de guas Claras, Taguatinga, Ceilndia e outros.

    Tais empreendimentos tornaram o Plano Piloto receptor de um fluxo inesperado, tornando a

    lgica hierrquica de seu sistema virio original, um componente secundrio de uma ampla

    rede viria metropolitana.

    Uma esperana para o futuro

    O sonho de Juscelino Kubitscheck se concretizou no sculo XXI: Braslia hoje um smbolo

    mundial, no somente do urbanismo contemporneo, mas essencialmente da significao

    poltica, econmica e cultural do Brasil. O prestigiado diretor alemo de cinema Wim

    Wenders escreveu: Se eu fosse fazer um filme amanh sobre o Brasil, no hesitaria em

    film-lo em Braslia, um lugar extraordinrio e um exemplo para o mundo. evidente que

    as referncias icnicas esto sempre baseadas nas imagens paradigmticas do conjunto

    urbano-arquitetnico do Eixo Monumental, e das Superquadras; conjuntos elaborados por

    Lcio Costa e Oscar Niemeyer. Mas com cinqenta anos de existncia, a Braslia no se

    reduz mais aos limites do Plano Piloto, declarado Patrimnio Cultural da Humanidade pela

    UNESCO. A capital transformou-se em uma metrpole espalhada sobre um territrio

    extenso, onde o Plano Piloto representa uma mnima parcela do conjunto. Portanto, a

    cidade fechada, ou surgida de um desenho totalizador, transformou-se no centro

    histrico da Braslia metrpole. Esse espao original, essa estrutura urbana clara e definida

    criada por Lcio Costa a que deve ser cuidada e preservada como expresso fundamental

    dos ideais do Movimento Moderno, adaptados realidade brasileira pelo Mestre. Mas,

    tampouco significa banir e limitar as novas intervenes e inseres exigidas pela dinmica

    da vida social; verifica-se a necessidade de estabelecer um equilbrio funcional e esttico

    entre os princpios originais do Plano Piloto e as transformaes adequadas aos novos

    valores da cultura urbana. Isto deve acontecer sem nenhuma concesso especulao

    imobiliria, baixa qualidade arquitetnica e aos interesses que se sobrepe s aspiraes

    da comunidade. Cabe ter a esperana que no futuro os problemas indicados neste ensaio

    possam ser resolvidos e os contedos essenciais do Plano Piloto salvaguardados. No

    recente II Encontro de Comits Cientficos do Sculo XX na Amrica Latina, organizado em

    Braslia por Icomos-Brasil em novembro 2010, o tema da preservao da capital, dominou

    grande parte dos debates. Foi esclarecedora a viso da luta desenvolvida pelas instituies

    oficiais, tais como a Pr-Federao em Defesa do Distrito Federal; a Procuradora da

    Repblica no DF; e as crticas dos consultores-relatores da UNESCO sobre Braslia

    Patrimnio da Humanidade, com o objetivo de deter e interromper as iniciativas negativas

  • 18

    propensas a alterar e deformar a essncia do Plano Piloto. Alm das aes institucionais,

    indispensvel a participao comunitria, e a conscincia social do valor esttico dos

    espaos urbanos e da sua arquitetura. Sensibilizao que deveria atingir todos os nveis

    polticos que esto presentes na capital do pas. Neste sentido, constrangedor verificar

    que os ltimos presidentes Fernando Henrique Cardozo e Lula no se interessaram

    particularmente pelas transformaes acontecidas no Plano Piloto; a diferena do que

    aconteceu em Paris com Franois Mitterrand, ou em Londres com o Prncipe Charles.

    Esperamos, que Braslia mulher-amada parafraseando Nicolas Behr , entre em 2011

    numa nova sintonia com Dilma Rousseff, primeira mulher presidente do Brasil.

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    i A concluso que chegam ( FICHER, LEITO, 2010, P.103) que a cidade prefigurada no Risco de Lucio Costa

    no comportaria 500 mil habitantes e que somente aps o aumento das reas habitacionais se atingiu no

    papel uma cifra prxima daquela estabelecida pela Novacap.