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leitura de ideal em portugues para crianças/jovens

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Os Seis Terríveis

Enid Blyton

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Este livro é dedicado com respeito e afeição a

BASIL HENRIQUES (Presidente do Tribunal de Menores de Londres Orlental) sem a

sugestão do qual esta história não teria sido escrita.

PREFÁCIO

Embora Os Seis Terríveis tenha sido inicialmente destinado às crianças - será de absorvente interesse para elas - estou certo de que também será de não menos interesse para os adultos, sobretudo, para aqueles que têm filhos e, mais ainda, para os que lidam com as irrequietas crianças que comparecem nos Tribunais juvenis: magistrados, vigilantes, tutores e também os diretores das escolas donde vêm esses jovens.

Admite-se geralmente que o lar desfeito é uma das causas principais que arrastam as crianças para o mal. As crianças que comparecem nos tribunais são mais infelizes do que más e é o lar desfeito que causa, frequentemente, a infelicidade dessas crianças, sobretudo, quando a expressão significa a casa em que os pais discutem diante dos filhos e que a mãe abandona para ir trabalhar, quando necessitam dela.

OS SEIS TERRÍVEIS

A descrição do desenvolvimento espiritual de Berto e Tomás é, a meu ver, notável. Mostra por que motivo o lar desfeito conduz as crianças para o mal, e a gradual deterioração dos dois rapazes é-nos dada de uma maneira que não vi ainda ultrapassada.

Este livro ajudará as crianças a evitar aquilo que sabem estar errado, pois verificarão que as conseqüências são graves. Mas ajudará, sobretudo, aqueles que têm que educar essas crianças, procurando para elas o amor, a paz e a felicidade por que anseiam.

Não há dúvida de que jovens e adultos ficarão profundamente gratos a Enid Blyton por mais um notável e encantador livro.

BASIL HENRIQUES

NOTA PARA O LEITOR

Típico para crianças? Ou para adultos? Para este livro isso não importa. Foi escrito para toda a família e para aqueles que têm de cuidar de crianças. Foi escrito, como todas as histórias, para entreter o leitor, mas também para apontar erros existentes no mundo e ajudar a solucioná-los.

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Amo as crianças, boas ou más. Conheço muitas que são boas; mas vi, nos Tribunais de Menores, outras que são más. Um dos mais notáveis magistrados destes tribunais é o célebre Dr. Basil Henriques, que trata tão sensata e amavelmente todos os delinquentes levados à sua presença.

Receosa, perguntei-lhe se queria ter a bondade de folhear o meu livro para ver se haveria erros no que respeita ao processo no tribunal. Nunca lhe poderei agradecer o incómodo a que se sujeitou e sobretudo, o amável e excelente prefácio que escreveu. Foi o melhor conselheiro que tive até hoje.

ENID BLYTON

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CAPITULO I

DUAS FAMÍLIAS MUDAM-SE

Donald e Joana precipitaram-se para a janela, ao ouvirem no exterior o ruído de pesadas rodas. Correram o cortinado.

- Os novos inquilinos estão a mudar-se para a casa do lado - disse Joana. - O camião já chegou, mãe. Gostaria de saber quem são. Terão filhos?

- Espero que sim - respondeu a mãe. - Não, Pat, não irás para a janela enquanto não beberes o leite. Bebe-o depressa!

Patrícia bebeu o leite tão depressa que se engasgou. Depois correu também para a janela. Todos os Mackenzie se quedaram a observar o grande camião parado em frente do bangaló vizinho.

- Não me agrada muito a cara do rapaz - opinou Donald. - Vejam como sacode o batente! Devia saber que a casa está vazia.

Mal-humorada, a mãe gritou qualquer coisa ao rapaz que se voltou e fez uma careta. Uma das irmãs deu-lhe um encontrão ao chegar junto da porta, mas ele repeliu-a.

Depois, a nova família desapareceu no interior e os homens das mudanças abriram as portas traseiras do camião e começaram por descarregar uma mesa.

- Olhem, há duas pessoas que se dirigem para a Vivenda Espinheiro, aqui ao lado! - disse Patricia. - Será a outra família?

- Creio que sim - respondeu Joana. E as três crianças fitaram com curiosidade a simpática mulher e o igualmente simpático filho que se dirigiam para a casa vizinha. A mulher tirou uma chave e abriu a porta. Ela e o filho desapareceram no interior.

- De um lado, uma família com três crianças e do outro, um rapaz - disse Donald. - Nada mau! De qualquer maneira, teremos a oportunidade de fazer novos amigos. É a primeira vez que temos crianças por vizinhos, desde que moramos aqui. Vai ser agradável, não vai, mamã?

- Com certeza - respondeu a mãe, atarefada. Joana, quero que vás a ambas as casas e ofereças chá a essa gente. Devemos mostrar-nos prestáveis pois, por certo, que estão todos muito atrapalhados.

- Irei com ela - prontificou-se Donald, ansioso por observar os quatro jovens vizinhos.

- E eu também - disse Patrícia.

- Não. Três seriam demais - retorquiu Joana.

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Patrícia não disse nada, mas a mãe notou que ficara desapontada. Os gémeos, que eram tudo um para o outro, punham-na muitas vezes de parte.

- Minha pobre abandonada! - pensou a senhora Mackenzie pela centésima vez. - Está sempre só! Oxalá um desses quatro pequenos se torne amigo dela. Talvez o rapaz do lado, da Vivenda Espinheiro.

Houve grande azáfama durante toda a manhã. Os homens das mudanças carregaram com os móveis para as casas, cambalearam sob o peso de um enorme guarda-fatos destinado a Fenos de Verão e de um piano para a Vivenda Espinheiro. Transportaram mesas, cadeiras, sofás e quadros, uma máquina de lavar roupa para a casa em frente e um esquentador para o bangaló.

- Será engraçado ver todos aqueles móveis colocados à toa nas salas - observou Joana. - Mãe, já são horas de ir oferecer-lhes o chá?

- Sim. Passa das sete. Diz-lhes que a senhora Mackenzie tem muito gosto em lhes oferecer um bule de chá, pois devem estar a precisar disso.

Joana e Donald saíram. Patrícia seguiu-os com o olhar.

- Gostarias de ir perguntar aos moradores do bangaló se querem chá? - inquiriu a senhora Mackenzie.

- Oh, não! - exclamou Patrícia. - Sentir-me-ia envergonhada por falar com pessoas que não conheço. Não me importava de ter ido com o Donald e a Joana, mas nunca me querem com eles.

- Querem, sim, querida - afirmou a mãe. - Mas são gémeos e os gémeos portam-se sempre assim. Preferem a tua companhia à de qualquer outra pessoa.

- Gostava de ser gémea, também - disse Patrícia. - Olhe, mãe, já estão em Fenos de Verão.

Donald e Joana tinham chegado à porta de entrada e sacudiram delicadamente o batente. Mas ninguém respondera. Havia muito barulho nas escadas, como se os móveis estivessem a ser arrastados de úm lugar para outro. Uma voz de criança gritou qualquer coisa, depois ouviu-se novamente o arrastar dos móveis pelo chão.

- Parece-me que não conseguem ouvir o batente - disse Donald, espreitando através do vestíbulo. Olha, já estenderam os tapetes. Vamos ter com eles e transmitir-lhes a oferta da mamã.

Entraram para o vestíbulo. Ouviram vozes na cozinha e decidiram encaminhar-se para lá. Mas detiveram-se à porta.

Uma voz de mulher soou irritada:

- Disseste que tratarias do gás e não o fizeste. E também não há oleado. Gostava de saber em que pensas! Há duas semanas que trabalho como uma

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escrava, preparando e emalando tudo, fazendo cortinas novas, e tu, como de costume, nem as pequenas coisas fazes!

A voz era dura e áspera. Donald e Joana voltaram rapidamente para o vestíbulo.

- Era a mãe deles, não era? - inquiriu Joana.

- Com quem estava a falar? Com um dos descarregadores?

- Não sei - respondeu Donald. - Que voz desagradável! Vamos ver se encontramos outra pessoa.

Mas, antes que o pudessem fazer, a porta da cozinha abriu-se com brusquidão e um homem e uma mulher saíram. Ela parecia zangada e ele de mau humor. Detiveram-se surpreendidos ao depararem com Joana e Donald.

- Por favor, desculpem termos entrado - apressou-se Donald a dizer-mas moramos na casa vizinha e a nossa mãe mandou-nos cá para lhes dizermos que teria muito gosto em lhes oferecer um bule de chá, no caso de quererem. Ela compreende o que são mudanças.

- É muito amável da sua parte... - começou o homem; mas a mulher interrompeu-o desabridamente:

- Agradecei à vossa mãe, mas não queremos que se incomode com o chá. Podemos facilmente pôr uma chaleira no fogão a gás. Sois as crianças que moram em frente?

- Somos - respondeu Donald. - E também somos gémeos. Moramos na Vivenda Barlings.

Houve um ruído nas escadas e três crianças surgiram numa correria.

- Mãe... onde está a minha cadeirinha? Não se perdeu pelo caminho, pois não? - gritou uma das meninas.

Viram Joana e Donald e ficaram-se a observá-los com curiosidade.

- São os meninos da casa em frente - explicou-lhes a mãe. E voltando- se para os dois gémeos:

- Bem, voltai para casa. E agradecei à vossa mãe.

- Como é que eles se chamam? - quis saber o rapaz, ao ver que se preparavam para sair.

A mãe franziu o sobrolho e deu-lhe uma cotovelada. Embora ela tivesse baixado a voz, os gémeos ouviram perfeitamente o que disse aos filhos:

- Ainda não sabemos de que género de família se trata. É possível que eu não queira que faleis com eles.

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As duas crianças estavam irritadíssimas quando chegaram ao portão de sua casa.

- Que mulher horrível! - exclamou Joana. - E mentirosa, ainda por cima! Disse que poria uma chaleira no fogão, e nós ouvimo-la dizer ao marido que não tinha gás! Não gosto dela!

- Também não gosto do rapaz - disse Donald desapontado. - Vamos contar à mamã.

Correram para a entrada e em breve a senhora Mackenzie ficou ao corrente do que se passara na Fenos de Verão. Riu-se, ao ver como estavam furiosos.

- Não é caso para tal! Provavelmente estão cheios de calor e aborrecidos com toda aquela azáfama. Talvez pensem que nos estamos a intrometer...

- Não quero ir oferecer chá aos da Vivenda Espinheiro - disse Joana. - São capazes de ser rudes, também!

- Não é preciso - declarou a mãe. - Vem ali o filho da casa!

CAPÍTULO II

NOVAS AMIZADES

Um rapaz de aspecto simpático atravessou o caminho para a entrada. Vestia uma camisola e calções, e o cabelo preto e encaracolado era abundante e rebelde. Tinha uns olhos brilhantes e ousados e um sorriso que logo conquistou o coração de Patrícia.

- Bom dia - cumprimentou, quando a senhora Mackenzie lhe abriu a porta. - Já deve saber que a minha mãe e eu nos mudámos para a casa ao lado. A mãe não queria incomodar, mas não se importa de nos emprestar uma chaleira? A nossa desapareceu.

- Íamos agora mesmo oferecer-lhes um bule de chá - disse a senhora Mackenzie. - Terei muito gosto em lhes emprestar uma chaleira. Mas entra e espera um minuto, enquanto faço um pouco de chá para levares.

O rapaz obedeceu. Sorriu para os gémeos e para Patrícia.

- Olá! São os vizinhos, não são? Há alguma coisa de interessante nesta cidade? Eu morava em Croydon e lá acontecia sempre qualquer coisa, podem acreditar. Fazia parte de um bando simpático.

- Que é um bando? - perguntou Patrícia.

- Oh! Um grupo de rapazes... e de raparigas também, às vezes. Como vos chamais? O meu nome é Berto, Alberto Kent.

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- Nós dois somos gémeos, Joana e Donald. Temos onze anos - respondeu Joana, apontando para si e para o irmão. - Esta é a Pat. É a mais nova, tem sete anos; não passa de um bebé.

Berto sorriu para Patrícia.

- Não é um bebé. Tive uma prima de sete anos que conhecia toda a espécie de brincadeiras. Aposto que Pat é na mesma.

Patrícia estava encantada. Não conhecia brincadeiras nenhumas, mas agradava-lhe que Berto pensasse o contrário. Sorriu-lhe francamente, esperando que ele se tornasse amigo dela e não de Joana e Donald. Mas ele era tão alto! Nunca se interessaria por uma pequenita como Pat!

A senhora Mackenzie afastou-se para ir pôr a chaleira ao lume. Também gostou de Berto, um rapaz muito simpático e senhor de si - pensava. Os seus filhos ficariam contentes por poderem brincar com ele.

- Quando chega o teu pai? - perguntou Joana.

- Só vimos a tua mãe.

- O pai morreu - respondeu Berto. - Morreu há um ano. Sinto muito a falta dele. Vivo sozinho com a mamã, de modo que tenho de olhar por tudo, quando ela sai.

Os gémeos sentiram pena de Berto. Amavam muito o pai, que era afável e terno, severo também, mas que lhes queria muito! Devia ser triste não ter um pai que lhes dissesse: Sim, podeis ou Não, não podeis ou que os levasse ao Jardim Zoológico ou a um piquenique com a mamã.

A senhora Mackenzie voltou com o chá. Tinha-o colocado numa bandeja, juntamente com um jarro de leite, um copo de limonada e um prato de bolos.

- Muito obrigado - agradeceu Berto. - Vai-me saber bem uma limonada. Depois trago a bandeja. Obrigado também pela chaleira.

Saiu, transportando cuidadosamente a bandeja. Ao passar diante de Patrícia, piscou-lhe um olho, embora ela não gostasse desse gesto. Mas correu atrás dele, contente por sabê-lo a morar na casa ao lado. Não a considerava um bebê, portanto, poderia muitíssimo bem brincar com ela.

- Gostou do Berto, mamã - perguntou Donald. - Eu gostei. Vai ser agradável tê-lo connosco, pronto para tudo.

- Sim, gostei - respondeu a senhora Mackenzie, ao mesmo tempo que perguntava a si mesma que género de coisas estaria Berto pronto a fazer. Tinha um ar audacioso, talvez fizesse o que não devia. Mas que simpático rapazinho!

Olhou para os gémeos: cabelos ruivos, rostos sardentos, olhos de um castanho esverdeado. Pat, pelo contrário, tinha cabelos pretos e olhos

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castanhos. A senhora Mackenzie esperava que Berto se afeiçoasse um pouco à filha mais nova. Era tímida, sonhadora e sofria com o abandono a que a votavam os gémeos. Isso fazia dela a menina da mamã.

O cão Frisky desatou a correr, abanando a cauda. Alcançara o rapaz junto ao portão. Tinha gostado dele, da sua voz grave e agradável, da maneira como o afagara e lhe dera palmadinhas, firme e confiadamente. Frisky pensou que era um rapaz ideal para um cão!

- Bom, já temos um vizinho simpático, pelo menos - comentou Donald. - Espero que vá connosco para a escola.

Mas era sábado e não havia escola. Os gémeos foram dar um passeio com Frisky. Patrícia foi visitar a tia com a mãe, embora tivesse preferido mil vezes ir com Joana e Donald.

As duas novas famílias acabaram de se instalar naquele dia e no seguinte. Os cortinados foram colocados e as casas começaram a tomar um aspecto de habitadas. Quando, naquela noite, as luzes brilharam através das janelas, os Mackenzie sentiram-se contentes.

- É agradável termos novamente vizinhos. - disse Joana. - Não podemos convidar o Berto para o chá?

- Convida-o na quinta-feira. - alvitrou a mãe. - Até lá, terá tempo para se instalar.

Berto compareceu na escola que frequentavam na terça-feira. Andava na classe abaixo da de Joana e Donald, mas mais adiantado do que Patrícia, evidentemente. As três crianças de Fenos de Verão também compareceram. Estavam todas bem vestidas e limpas. Disseram chamar-se Leonor, Hilda e Tomás Berkeley.

Quando chegou o intervalo das onze horas, Berto apressou-se a ir ter com Joana e Donald.

- Olá! Passei esta manhã por vossa casa, mas já tinheis saído. Viva, Pat! Queres um biscoito?

- Oh, obrigada! - exclamou Pat, orgulhosa com a oferta daquele rapaz mais velho do que ela.

- São os vizinhos da casa em frente? - perguntou Berto, olhando na direção de Leonor, Hilda e Tomás. - Parecem muito presunçosos e o rapaz deve ter mau génio, não acham?

- Não é muito amável com as irmãs - disse Joana. - Ainda há pouco deu um encontrão numa delas.

- Bem, eu também era capaz de empurrar uma irmã minha, se ela fosse presunçosa - declarou Berto. - Vamos brincar aos polícias e ladrões. Eu faço

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de ladrão e vós de polícias. Pat poderá fazer de detective e ver tudo o que eu faço.

Berto tornou a brincadeira muito excitante e foi com pena que a interromperam, quando a sineta anunciou o fim do recreio. Ao entrarem, Berto deu um encontrão em Tomás, que logo replicou:

- Olha lá! A quem estás a empurrar?

- A ti - respondeu Berto jovialmente. - Como te chamas: Tomás ou Tom? O meu nome é Berto. Moro duas portas a seguir à tua, em frente.

- Chamo-me Tomás Berkeley ou Tom, se quiseres. - disse Tomás, olhando severannente para Berto. Este sorriu e o outro imitou-o, o que lhe fez perder o aspecto carrancudo.

Os Mackenzie, Berto e Tom seguiram juntos para casa. Leonor e Hilda caminhavam um pouco atrás, falando em voz baixa. Mostravam-se delicadas, mas pouco comunicativas.

- Ainda não decidiram se devem ou não dar-se connosco - observou Joana e Donald.

Frisky correu ao encontro das crianças. Berto fez-lhe uma carícia, assim como Tom, que declarou:

- Gostava de ter um cão. Sempre o desejei, mas a minha mãe diz que se tivéssemos um cão seria para todos e não só para mim.

- O Frisky é de nós todos - disse Donald. - Todos o compartilhamos e ele gosta.

- Pois com as minhas irmãs não gostarias de compartilhar nada - insinuou Tom.

- Também gostava de ter um cão - disse Berto. - Mas a minha mãe diz que seria um aborrecimento. São animais que chafurdam na lama e outras coisas.

- Mas lavam-se - replicou Joana. - Que importa isso? Eu e Donald limpamos muitas vezes a lama que o Frisky traz.

- E eu apanho os pêlos que ele larga no sofá da mamã - acrescentou Patrícia. - Ainda bem que a nossa mãe gosta de cães!

- Oh! a minha dá-me tudo o que eu quero - interrompeu Berto. - Vou ao cinema, como doces, tenho um bonito comboio eléctrico. Os carris ocupam o chão todo, quando os estendo.

- Eu também tinha um - disse Tom. - Mas quando nos mudámos da nossa grande casa para esta mais pequena, a mamã vendeu o meu comboio. Disse que não havia aqui espaço para brincar com ele. O meu pai zangou-se, disse que eu podia ter ficado com ele. Foi uma bela discussão.

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Joana e Donald lembraram-se da voz dura e irritada na cozinha da casa em frente, quando os Berkeley estavam a mudar-se. Pensaram que não poderiam gostar da mãe de Tom, principalmente agora que sabiam que ela lhe tinha vendido o comboio!

- E o teu pai não te compra outro? - perguntou Patrícia.

- Não. A mamã também o venderia - respondeu Tom. - Sabem o que ele disse? Que iria vender um dos broches da mamã, já que ela vendera o meu comboio! Mas ela escondeu todas as jóias. Quando me vendeu o comboio, estive tentado a roubar-lhe um broche e a vendê-lo também!

Todos o fitaram, chocados e descrentes. Que coisa tão feia!

- Não gostas da tua mãe? - perguntou Patrícia, numa voz espantada. - Não acredito que fizesses uma coisa dessas!

Tom pareceu envergonhar-se. Começou a assobiar com força, depois calou-se.

- Olhem para o velho Frisky! - disse, mudando de assunto. - Encontrou um osso ou qualquer coisa no gênero.

Na verdade, Frisky encontrara um osso, mas infelizmente pertencia a outro cão! O cão atirou-se a ele, rosnando, Frisky fugiu, sem largar o osso. O outro cão voltou a rosnar.

- Oh! Frisky vai ser batido! - gritou Pat. Não quer largar o osso!

Berto correu para os dois cães e apanhou Frisky pela cauda. Este latiu furioso e deixou cair o osso. O outro cão abocanhou-o imediatamente e fugiu.

- Belo trabalho! - elogiou Tom, dirigindo-se a Berto. - Foi um bonito gesto da tua parte. Podias ter sido mordido. Por mim, detesto interferir numa luta de cães.

- Obrigada, Berto - disse Joana, dando-lhe uma leve palmada nas costas. - Não devias roubar o osso doutro cão, Frisky. És um cão mau!

Tom parecia perplexo com o gesto de Berto.

- Eu não seria capaz! - confessou. - Deixas-me ir ver o teu comboio, uma vez por outra?

Berto anuiu com satisfação. Gostava de ser solicitado por um rapaz mais velho.

- Perguntarei à minha mãe se te posso levar. Bom, chegámos. Vou comer. Adeus!

CAPÍTULO III

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NO INTERIOR DE TRÊS CASAS

Não demorou muito que as três famílÍas se relacionassem. Aparentemente, a senhora Berkeley chegou à conclusão de que os Mackenzie eram bastante simpáticos e, quando encontrou a senhora Mackenzie no mercado, sorriu e cumprimentou-a.

A senhora Kent era também muito agradável e em breve as três mulheres se reuniam para tomar chá. A casa da senhora Berkeley estava mobilada com gosto e tinha algumas tapeçarias e quadros encantadores. Por seu lado, a senhora Kent não escondia o seu orgulho pelo arrumo e asseio da sua casa. Mas, na realidade, a senhora Mackenzie não apreciava muito as duas mulheres. Abanava a cabeça, quando o marido lhe dizia que era bom ter amigas ao lado e em frente.

- A senhora Berkeley anda sempre amuada - disse ela. - Tinham uma casa grande, mas como o marido perdeu o emprego e teve de arranjar outro pior, ela sente-se desgostosa. Acha que ele não vale nada e diz-lho na cara.

- Uma atitude muito desleal! - observou o marido. - Tu não dirias essas coisas, se eu perdesse o emprego e fôssemos obrigados a mudar!

- Nunca seria capaz de dizer uma palavra contra ti, quer o merecesses ou não - declarou a senhora Mackenzie, enquanto passajava uma peúga. - Mas tu não o mereces, André. Já me lembrei de dizer à senhora Berkeley que não censure o marido na sua ausência. Fá-lo-ei um dia destes!

- Talvez te considere sua confidente e não fale disso a mais ninguém - observou o senhor Mackenzie.

- Oh, é que ela diz essas coisas diante dos filhos - indignou-se a senhora Mackenzie. - Que dirias tu, André, se eu te chamasse cabeça de alho em frente dos gémeos e da Pat? Pois é o que ela chama ao marido, na minha presença e na dos filhos!

- É mau para os pequenos, não há dúvida. Mas talvez o faça por brincadeira, Jessica.

- O rapaz gosta muito do pai - disse a mulher, continuando a passajar. - Será um rude golpe para Tom, se a mãe tentar afastá-lo do senhor Berkeley. Quanto às raparigas, creio que estão a favor da mãe.

- Não te preocupes demasiado com os filhos dos outros - aconselhou o senhor Mackenzie. - Os nossos já nos dão bastante que fazer. Que pensas do outro rapaz, o Alberto Kent?

- Gosto dele - respondeu a senhora Mackenzie. - Mas falta-lhe um pai! Quer mandar na mãe, ou tenta fazê-lo, mas ela não lho consente! Sei que faz isso porque se julga o homem da casa e adora a mãe, que se esforça por corrigi-lo. Está cansada dos seus gestos dominadores e repele-o. Pobre Berto! Seria uma criança encantadora numa família como a nossa! É tão bom e gentil para a pequena Pat!

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- Sim, é amigo da Pat - concordou o senhor Mackenzie. - Pat é o nosso problema, não é verdade? Sempre metida consigo, demasiado solitária e assustadiça, não é capaz de fazer mal a uma mosca!

- Sente-se desgostosa porque os gémeos a abandonam, vivem um para o outro - disse a senhora Mackenzie, interrompendo, por instantes, o trabalho. - E isso é tão natural neles que não os posso censurar! Uma família é uma coisa complicada, não achas, André?

E sorriu para o marido, que sorriu também.

- Nem por isso, Jessica, contanto que encaremos os problemas de frente. É preciso que todos colaborem. Pat modificar-se-á. Todos a amamos e isso é que importa, mesmo que ela se sinta só. Mas talvez Berto venha a ser bom para ela. E ela será boa para ele! O pobre rapaz precisa de uma irmã ou de um irmão como de um pai.

- O que ele precisa é de um pai como tu - disse a mulher, recomeçando a passajar a peúga. - Um pai que o meta na ordem. É simpático, mas às vezes abusa. Quer mandar, como tu mandas nos gémeos!

O marido sorriu e começou a encher o cachimbo:

- Pobre Donald! Ainda na semana passada levou uma sova, por ter emprestado a minha bicicleta sem autorização e a ter metido na garagem coberta de lama. Mas compreendeu que a mereceu!

- És seu pai, e se os pais não sabem manter os filhos no bom caminho, será uma desgraça para eles! Seja como for, compreendeu que a sova foi merecida. Não voltará a emprestar nada sem autorização.

Assim como eles falavam dos vizinhos, estes procediam de igual forma acerca dos Mackenzie.

- Não são bem do nosso meio - disse a senhora Berkeley ao marido. - Se ainda morássemos na outra casa, não travaríamos conhecimento com eles.

- Fala por ti, Amélia. Gosto desses escoceses. André Mackenzie é bom homem e a mulher parece muito simpática. Não gosto da maneira como te referes às pessoas. Nunca gostei.

- Pois eu não gosto da maneira como me tratas! - replicou a mulher. - Ainda gostava de saber quem perdeu o emprego e nos trouxe para aqui! Uma casita insignificante e ter, ainda por cima, de mandar os pequenos à escola com rapazes como esse Berto Kent!

- Não vejo muito bem o que é que o Berto Kent tem de mal! - exasperou- se o marido. - É amável com o Tom e parece-me um bom rapazinho. Tom precisa de um amigo. É um bom rapaz, mas só tem irmãs que o arreliam bastante.

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- Lá estás tu outra vez! É sempre Tom quem tem razão e as pequenas que estão erradas - disse a senhora Berkeley, elevando a voz.

- Basta de discussão. - E o senhor Berkeley desdobrou o jornal com ar cansado. - Desejaria que fôssemos como os Mackenzie! Tenho a certeza de que não passam o tempo a resmungar e a discutir.

- A senhora Mackenzie não precisa de resmungar com o marido. -lamentou-se a senhora Berkeley. - Ele sabe o que faz e... - As duas filhas entraram na sala. O senhor Berkeley fez sinal à mulher para que se calasse, mas esta prosseguiu:

- Se fosses como o senhor Mackenzie e olhasses pela tua família como deve ser, se eu pudesse ter confiança em ti e...

O senhor Berkeley levantou-se e saiu da sala, irritado. A mulher desfez-se em lágrimas e Leonor e Hilda precipitaram-se para ela.

- Não chore, mamã! O pai está outra vez mal disposto? Não chore! É horrível da parte dele fazê-la chorar!

Nessa tarde, nem Hilda nem Leonor olharam para o pai e também não lhe falaram, por muito que ele tentasse quebrar o gelo. Tom estava admirado com o amuo delas e triste por causa do pai. Começou a contar-lhe um filme a que assistira e o pai, satisfeito por sentir um pouco de amizade, escutou-o com muita atenção. Claro que isso fez com que a mãe e as irmãs se zangassem com Tom; e, logo que o senhor Berkeley saiu da sala para ir atender o telefone, elas puseram-se a assediá-lo.

- Sempre a fazer mimos ao pai! - acusou Leonor com desdém. - Sempre a favor do pai! Não sabes fazer outra coisa, Tom!

- Que estás a insinuar? - perguntou Tom, surpreendido. - Houve alguma discussão? Não sabia! Esta família passa o tempo em discussões estúpidas. De qualquer maneira, creio que posso falar ao pai sempre que me apeteça! Nada tenho que ver com a discussão!

- Devias defender a nossa pobre mãe - disse Hilda. - Bem sabes que se não fosse a estupidez do pai em perder aquele emprego, não estaríamos agora neste casinhoto nem seríamos obrigados a ir à escola com crianças como o Berto e os Mackenzie.

- Porquê? Que têm de mal? - gritou Tom, fora de si. - Que rapariga! Sempre sois muito traiçoeiras, tolas e idiotas!

- Oh, Tom! Pareces mesmo o teu pai - lamentou-se a mãe. E pôs-se de novo a chorar.

Tom não suportava aquilo e ela sabia-o. Ao vê-la desfeita em lágrimas, sentiu-se miserável, correu para ela, mas foi repelido:

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- Deixa-me! Estás do lado do teu pai e não do meu! Não gostas de mim como as tuas irmãs.

- Não estou do lado de ninguém - disse Tom, olhando com tristeza para a mãe. - Por que não havemos de viver em paz, todos juntos? Não me importo que a casa seja pequena. Acho-a engraçada. E gosto da escola e das crianças que a frequentam, sobretudo, dos Mackenzie. Não sei por que lhes voltam a cara. São inteligentes e...

- Gosta de toda a gente, menos da família - interrompeu maldosamente Leonor. - Gosta mais desses parvos Mackenzie do que das próprias irmãs!

Tom não conseguiu dominar-se e apostrofou Leonor:

- Não gosto de ti quando te vejo assim! Detesto-te! Não é para admirar que prefira os Mackenzie, quando a minha família me ataca, só porque estive a conversar com o papá e...

- Ele disse que me detesta - queixou-se Leonor numa lamúria, pois gostava tanto de cenas como a mãe. Esta puxou-a para si e acarinhou-a. Tom lançou-lhe um olhar rápido, fez uma careta a Hilda e saiu da sala. Foi ter com Berto. Tinham combinado fazer qualquer coisa de divertido.

Berto falara à mãe acerca dos Mackenzie. Gostava muito deles, principalmente do senhor Mackenzie. A bondade e firmeza do escocês para com a família fascinavam Berto, que não tinha um pai a quem obedecer e respeitar.

A mãe escutava-o distraída. Lappington, a cidade onde agora morava, causava-lhe enfado. Sentia a falta das amigas. A conversa de Berto aborrecia-a. Andava sempre aborrecida com Berto. Que barulhentos e estúpidos são os rapazinhos! - pensava. E como Berto era irritante, quando tentava dar ordens e ditar a lei, quando tentava ser o homem da casa!

Berto gostaria, com efeito, de ser o homem da casa. Tinha uma natureza forte e dominadora e faltava-lhe um pai para o abrandar. Amava a mãe e queria olhar por ela. A última coisa que o pai lhe dissera fora que se fizesse homem e conseguisse uma situação.

Por isso, Berto encarregava-se do carvão, mas esperava que a mãe o levasse consigo, sempre que ia ao cinema; levava-lhe o chá à cama, de manhã cedo, mas punha a telefonia no máximo, ao longo do dia, como se isso o divertisse, e olhava fixamente para a mãe, quando esta a desligava; ia-lhe buscar os jornais, mas demorava-se na rua até ser noite.

Três famílias, vivendo perto umas das outras, e todas tão diferentes!

CAPÍTULO IV

A PROPÓSITO DE TOM

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Cinco ou seis semanas depois, era como se as três famílias se conhecessem de há muito... pelo menos, no que dizia respeito às crianças.

Frequentavam a mesma escola e as mesmas horas, dia após dia. Tinham os mesmos professores, entregavam-se as mesmas brincadeiras. Leonor e Hilda cedo perderam a sua sobranceria, quando viram que as outras crianças não se importavam com os ares afectados dos Berkeley. Mas as duas raparigas continuavam a julgar-se superiores, embora muitas vezes tentassem disfarçar.

Os três rapazes eram amigos, mas como Joana era gémea de Donald e andava quase sempre com eles, supunham-na também um rapaz. Patrícia estava mais só do que nunca! E daí talvez não, porque Berto era muito bom para ela. Abandonava muitas vezes os outros e ia à sua procura. Metia a cabeça pela porta da sala e chamava:

- Pat! És um bicho de buraco! Vem dar uma volta comigo. Desceremos ao canal e andaremos de barco.

A senhora Mackenzie não se importava que Patrícia saísse com o Berto. Sabia que podia confiar no rapaz e via que a filha se sentia feliz ao lado dele. Pensava que era muito gentil da parte de um rapaz crescido tomar conta de uma criança tão pequena.

- Se tivesse uma irmã, Pat, gostaria que fosse como tu - disse-lhe Berto um dia. Ela ficou encantada.

- Também gostaria de te ter como irmão - conseguiu ela dizer.

- Mas já tens o Donald.

- Pois tenho. Mas é mais irmão da Joana do que meu - observou Patrícia. - Gostaria de ter um irmão só para mim, como a Joana tem o Donald.

- Bem, serei esse irmão - disse Berto. - Estás sozinha e eu também. Se precisares de alguma coisa, procura-me, entendeste?

Aquelas poucas palavras foram para Patrícia todo um mundo. Ali estava alguém que não a punha à margem, como faziam os gémeos, embora não procedessem assim por maldade. Falava com Berto como nunca falara com ninguém e ele escutava-a com toda a atenção.

Mas não era assim com os outros... tinha uma voz grave, autoritária e atrevida! Era sempre o primeiro a meter-se na corrente, para ver se não havia perigo. Era sempre o primeiro a trepar às árvores mais altas, a precipitar-se pelas encostas mais íngremes. Fazia rir os companheiros nas aulas, ao responder atrevidamente aos professores, e estava sempre pronto a não fazer nada.

Tom admirava-o. Também era um rapaz decidido, mas dado a zangas e ressentimentos. Conseguia desesperar os outros com as suas fanfarronadas, mas acabava por fugir furioso.

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- Que se passa com o Tom? - inquiriu Joana. - Está insuportável, hoje, e estraga tudo. Apetecia-me bater-lhe!

- Parece que houve uma discussão lá em casa - disse Berto.

Mais do que nunca, Berto tinha razão. Havia sempre discussões por causa do pobre Tom, metido entre dois fogos. Era para ele um alívio refugiar-se em casa dos Mackenzie depois de cada uma dessas discussões e sentar-se a ouvir as suas conversas familiares.

- Que tens Tom? - perguntou uma tarde o senhor Mackenzie, quando o pequeno se encontrava na sala, sentado a um canto, mal falando com Donald.

- Nada - respondeu. - Gosto desta sala, é tudo.

A senhora Mackenzie sabia que o motivo não era aquele. É que sentia-se ali em paz, longe dos gritos e das crises de lágrimas. Com um leve franzir das sobrancelhas, deu a entender ao marido que devia deixar Tom sossegado.

- A Pat fará anos em breve - disse a senhora Mackenzie. - Vamos dar uma festa. Quem diria, Pat, que já vais fazer oito anos!

- Tenho um lindo presente para ti, Pat - disse Donald. - Há semanas que trabalho nele.

- E eu tenho andado a economizar dinheiro para te comprar qualquer coisa, minha peste! - E Joana acrescentou: - Até o Frisky te vai dar uma prenda!

- Béu-béu! - latiu Frisky varrendo o chão com a cauda.

- Este cão compreende tudo o que dizemos - interferiu o senhor Mackenzie, erguendo os olhos do jornal. - Lembro-me de que tive uma vez um cão que morria pelo rei...

Imediatamente, Frisky estendeu-se e ficou imóvel. O senhor Mackenzie prosseguiu:

- E punha-se de pé, de mãos erguidas... Logo Frisky se sentou nas patas traseiras e juntou as patitas da frente...

- E até fechava a porta quando alguém a deixava aberta. - continuou o senhor Mackenzie, sorrindo para Tom, que fora quem se esquecera de a fechar.

Com grande surpresa de Tom, Frisky correu para a porta, apoiou-se nas patas traseiras e fechou-a.

- Meu Deus, como é esperto! - exclamou o rapaz. - Desculpe ter deixado a porta aberta. Mas continue a falar, para ver se o Frisky faz o que diz. E se lhe dissesse que conheceu um cão que sabia ligar a telefonia? Gostava de ver Frisky fazer isso!

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Donald e Joana soltaram uma gargalhada.

- Que disparate, Tom! Não pensas, decerto, que o Frisky faz tudo isto pela primeira vez, pois não? Foi ensinado. O pai referia-se a outro cão porque sabia que Frisky estava a ouvir e faria tudo o que compreendesse.

- Frisky, conheci uma vez um cão que ligava a telefonia - disse Tom de repente. Mas isso era coisa que Frisky não sabia, pelo que se limitou a abanar a cauda e a olhar perplexo para o rapaz. Estava-se bem em casa dos Mackenzie. Por vezes, os gémeos discutiam, mas eram logo firmemente chamados à ordem. Confessavam-se arrependidos e não se voltava a falar no caso. Tudo continuava como dantes!

- Nem amuos nem brigas nem lágrimas nem gritos! - dizia Tom para consigo. - Quando faço qualquer coisa errada, ralham-me horas a fio, repreendem-me, castigam-me, não falam doutra coisa durante dias e dias. É fácil para os Mackenzie serem leais para com os pais, não são empurrados de um lado para outro, como eu.

Quantas vezes o pobre Tom meditava nisso! Se tentava agradar ao pai, era censurado pela mãe. Se fazia o possível por agradar à mãe, o pai olhava-o desdenhosamente. Era uma família muito difícil - pensava Tom. Por isso, não era de admirar que tentasse evitá-la. Não era de admirar que preferisse a casa e as conversas dos Mackenzie. Por isso, não lhe causou estranheza encontrar uma noite o pai em casa do senhor Mackenzie, onde fora para ouvir determinado concerto! Quando voltavam juntos, o pai disse-lhe:

- Tom, não digas à tua mãe que estive em casa dos Mackenzie, a ouvir o concerto. Ela estava tão zangada comigo, esta noite, que tinha a certeza de que não me deixaria ouvir o concerto em paz, se ligasse a telefonia.

De modo que, quando a mãe perguntou a Tom donde vinham, foi obrigado a mentir-lhe.

- Andámos a passear - respondeu embaraçado.

- Por onde? - insistiu a mãe.

- Bem... pelo canal - disse Tom.

- A que propósito? - inquiriu Leonor. - Irem para o canal com uma chuva destas! Aposto que é mentira. Estiveram, mas foi na casa em frente, com os Mackenzie. Estão lá metidos todos os dias. É ou não verdade?

- Já te disse onde fui com o pai - teimou Tom, desesperado. - E pára de gritar. Estou a ler.

- Amanhã, perguntarei à Joana se estiveram lá. - disse Hilda, maldosamente. Tom não respondeu, mas sentiu o coração, pulsar com mais força. Não queria que os Mackenzie soubessem da sua mentira. Mas iria trair o pai? Tom sentia-se de novo encurralado! Sentou-se e ficou carrancudo o resto da noite, não falando nem mesmo com o pai. Fôra este, aliás, o causador de

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tudo. Se Hilda viesse a descobrir que tinham estado com os Mackenzie, que o passeio ao canal não passava de uma mentira, haveria outra grande discussão, não somente com ele, mas com o pai também. Tudo aquilo preocupava Tom e sentiu que também não gostava muito do pai, pelo menos naquela noite.

Felizmente, Hilda esqueceu-se e não perguntou nada a Joana, de modo que Tom pôde respirar mais à vontáde.

- Da próxima vez, quando for obrigado a mentir serei mais cauteloso - disse para consigo. - De qualquer maneira, na minha família não se pode dizer a verdade. Se tivesse confessado que tínhamos estado em casa dos Mackenzie a ouvir música, a mãe ficaria zangada para toda a noite. Não posso censurar o pai por querer ouvir aquele concerto. Até eu gostei.

Assim, quando Tom queria evitar discussões ou fazer qualquer coisa a que a mãe se opunha, mentia.

- Vou ver se o Henrique está em casa - dizia, embora não fosse para lá, mas sim para o cinema. Passavam um filme impróprio para crianças, mas ele havia descoberto uma porta por onde entrava sem pagar bilhete. Outras vezes, dizia que ia passear com um colega da escola, quando na verdade ia para a feira popular da cidade. O pai e a mãe acreditavam nele. Gostava da música alegre e do esplendor das luzes da feira. Gostava de ver as pessoas que se entretinham nas máquinas automáticas. Preferia aquilo às eternas discussões familiares!

Uma vez, encontrou Berto. Berto tinha ido merendar e voltava para casa quando chocaram um com o outro.

- Olá, Berto! - exclamou Tom. - Vamos ver aquelas máquinas. Há uma com bonecos que jogam futebol. Quem ganhar, volta a receber o dinheiro.

Berto deixou-se convencer. Tinha uma moeda de escudo e mostrou-a. Tom fez o mesmo. Agitaram febrilmente os manípulos, fazendo com que os bonecos das barras de metal chutassem a bola. Finalmente, Tom meteu um golo. Reaveu o dinheiro.

- Vamos a outro jogo? - perguntou a Berto. Berto recusou com um gesto de cabeça.

- Era o meu último escudo. Bem sabes que não tenho tanto dinheiro de bolso como tu. Vamos embora.

- Não - disse Tom. - Ainda fico mais um pouco.

Berto deixou-o e foi para casa, perguntando a si mesmo o que diria o pai de Tom, se o encontrasse na feira àquelas horas da noite.

CAPITULO V

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BERTO E A MÃE

A mãe de Berto não ficou muito contente com ele, quando o viu chegar a casa nessa noite, muito mais tarde do que a hora combinada.

- Parece-me que te julgas já com dezesseis anos! - disse ela. - Pois não os tens. Nem sequer tens doze! Quero-te aqui à hora marcada!

- Mas disse-me que ia tomar chá fora - defendeu-se Berto. - Julguei que também podia sair.

- Faz o que te dizem e acabou-se. Já me basta o aborrecimento de ter de ficar fechada em casa por tua causa, quanto mais ser obrigada a aturar as tuas desobediências!

Berto lançou-lhe um olhar surpreendido.

- Como é que sou um aborrecimento? - perguntou. - Passo o dia todo na escola, excepto às horas do almoço. Se quiser, posso almoçar na escola. Há meninos que o fazem. Afinal, a mãe não tem nada para fazer, a não ser olhar pela casa e por mim. Nunca julguei que fosse um estorvo tão grande!

- Por tua causa, rapazinho, ainda não arranjei um emprego. Mas vou tratar disso um dia destes, se teimas em não me obedecer. Gostaria de ganhar algum dinheiro para comprar roupas melhores, ir dançar uma vez por outra e frequentar mais vezes o cinema. Mas não o posso fazer por tua causa. E em paga, tu desafias-me e és malcriado.

Berto não sabia que pensar. Era um estorvo, um aborrecimento? Não, não era possível! Viu a mãe irritada e correu para ela. Lançou-se-lhe ao pescoço e abraçou- a.

- Não diga essas coisas, mamã. Sou um bom rapazinho. Vá, sorria. Bem sabe que é tudo o que eu tenho, mamã. Por nada deste mundo queria magoá-la!

- Nesse caso, volta para casa a horas decentes - disse a mãe. - E não me apertes tanto.

Berto deixou cair os braços com desalento. Adorava a mãe e gostaria de a ver mais terna para com ele. Sabia que ela se orgulhava do seu aspecto e da sua autoconfiança, mas isso não bastava. Queria que ela o amasse tambem, e comparou-a - como fizera Tom - com a senhora Mackenzie.

A mãe dos gémeos - pensava Berto – era sempre tão bondosa, ficava sempre tão contente quando os via chegar da escola! Não se importava que eles a magoassem, quando a abraçavam. Tinha a certeza de que, para ela, nunca seria um estorvo. Era uma mãe a valer!

O seu pequeno coração confrangeu-se. Não era a sua uma mãe a valer? Seria ele um estorvo, agora que já não tinha pai? Sabia que era preciso economizar, desde que o pai morrera, mas ele deixara o bastante para viverem

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confortavelmente. Sentiu-se impelido a abraçar de novo a mãe, na esperança de que ela também o abraçasse e lhe provasse que o que pensava estava errado. Mas foi um pobre abraço o que recebeu em troca. Depois, a mãe sorriu.

- Parece-me que estás arrependido por me teres desobedecido e voltado tão tarde para casa. Não o voltes a fazer, está bem?

Berto deixou pender os braços. Agora tinha a certeza.

- Não posso prometer isso - disse. - Já não sou um bebê. E não quero ser um estorvo. Arranje-me uns sanduiches todos os dias e não precisarei de vir almoçar a casa.

Nem por um instante pensou que a mãe o tomasse a sério. Gostava de vir a casa ao meio-dia e contar o que lhe acontecera durante a manhã, embora a mãe lhe prestasse pouca atenção. Gostava de ir chamar os Mackenzie para as aulas da tarde, de dar palmadinhas no Frisky e de levar a pequena Pat pela mão. Por isso, ficou horrorizado quando, na manhã seguinte, viu a mãe a preparar sanduíches na cozinha. Olhou para eles, depois para a mãe, e perguntou a medo:

- Para quem são?

- Para ti - respondeu a mãe, cortando os pães ao meio. - Quantas queres?

- Mas eu não queria isto, mamã! - gritou Berto.

- Nunca pensei que o fizesse!.

- É como vês. - disse a mãe. - Se preferes passar todo o tempo na escola, não to impeço.

- Mas não quero! - desesperou-se Berto. - Eu só disse aquilo porque me disse que eu era um estorvo.

- Foi uma boa ideia - declarou a senhora Kent, sem olhar para o filho. - Isso quer dizer que já poderei visitar as minhas amigas de Croydon. Sinto-me tão só aqui! Parece-te que já chegam?

- A mãe pode sair quando quiser - sugeriu Berto, agarrando-lhe o braço. - Mas deixe-me vir a casa nos outros dias. Eu só disse aquilo...

- Estás a tornar-te uma criança difícil - censurou a senhora Kent, ao mesmo tempo que cortava uma fatia de bolo e a juntava aos sanduíches. - Se o teu pai fosse vivo, castigar-te-ia pela tua desobediência. Também gostas muito de mandar e fazer, quanto te apetece! Seja como for, não percebo por que te lamentas tanto, Berto, muitas outras crianças almoçam na escola!

- Pois almoçam, mas eu não preciso disso - murmurou Berto, num último e desesperado esforço. - Ou preciso, mãe? Gosto de vir a casa. Quero vir a casa, como os Mackenzie.

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- Também não percebo por que motivo a senhora Mackenzie não deixa os filhos almoçar na escola - observou a senhora Kent, embrulhando os alimentos. - Já tem bastante que fazer! Um dá trabalho, mas três! Pronto, aqui tens! Ver-nos-emos à tarde.

Nada mais havia a dizer. Se Berto era firme e obstinado, a mãe não o era menos! Berto saiu triste. Tentou confortar-se pensando que a mãe o castigava por ter chegado tarde na véspera, mas, no íntimo, pressentia que aquilo era mais do que um castigo. Ela parecia contente por se ver livre dele durante todo o dia!

Naquela manhã, dirigiu-se sozinho para a escola, mergulhado em dolorosos pensamentos. Era um estorvo para a mãe? Porque se opunha a que olhasse por ela, como tentava fazer? Era realmente demasiado intrometido para a idade? O coração sangrou-lhe de novo, ao lembrar-se da sua voz dura. Tinha de fazer todo o possível para lhe mostrar que a amava e que necessitava de um lar. Era absurdo pensar que a mãe procurava livrar-se dele. Isso significaria falta de amor.

Não ouviu os Mackenzie que o chamavam. Continuou a caminhar de cabeça baixa, perplexo e triste. Então sentiu uns passitos rápidos e uma pequena mão que lhe agarrava a sua. Era Patrícia!

Olhou-a sorrindo, de coração mais aliviado. Apertou a mão de Pat, ao ponto de a magoar. Mas ela não se importou porque sabia que Berto a estimava muito. Pôs-se a tagarelar e o rapaz sentiu a sua tristeza esfumar-se.

A hora do almoço, trocou a bata pelo casaco e a capa e foi juntar-se a Donald e a Joana. De repente, lembrou-se de que não iria a casa! Tinha de ficar na escola com os rapazes e raparigas internos e comer ali os seus sanduíches.

- Esqueci-me de que hoje almoço na escola - disse a Donald, e voltou para dentro.

- Nesse caso, até logo - gritou-lhe Donald, afastando-se com Joana e Patrícia. Tom, Leonor e Hilda acompanhavam-nos. Berto olhou-os com inveja através da janela.

Subitamente, pensou: Vou comprar umas flores para a mamã. Tenho vinte e cinco tostões. Deve dar para um raminho. Ela ficará contente.

Assim, no fim das aulas, foi à florista. Mas as flores eram terrivelmente caras! Nunca poderia pagar aqueles preços!

A empregada viu-o olhar tristemente através da porta e interpelou-o:

- Que queres? Um ramo de flores?

- Queria algumas para a minha mãe, mas são muito caras - respondeu Berto.

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- Quanto podes pagar?

- Só tenho vinte e cinco tostões.

- Vou-te fazer um bonito ramo de violetas disse a empregada. Levantou-se, tirou algumas violetas de uma jarra com água, juntou as hastes, envolveu-as num pouco de algodão e depois protegeu o pequeno ramo lilás com grandes folhas verdes.

- Cheira - disse ela. - São lindas. A tua mãe pode-se dar por feliz por ter um filho tão simpático que lhe leva flores! Tenho a certeza de que te dará um grande abraço!

Berto sorriu delicadamente. Oxalá tivesse razão! Pagou à rapariga e saiu. Correu a maior parte do caminho, como se tivesse estado ausente de casa durante uma semana!

Precipitou-se para a porta de serviço e gritou:

- Mamã! Onde está, mamã?

Ouviu vozes na sala. Fechou com força a porta e entrou na sala.

- Veja o que lhe trouxe, mamã!

Uma velha amiga da mãe estava ali sentada, bebendo chá. Ao ver Berto entrar, pousou a chávena, mas o rapaz nem olhou para ela.

- Tome! - e entregou o ramo de violetas à mãe, que se limitou a atirá-las para o tabuleiro do chá.

- Que maneiras são essas, Berto? Não vês que temos visitas, a querida senhora Adams, que veio propositadamente de Croyon para nos ver? Foi essa a educação que te dei?

Berto quase espumava de raiva. Por que haveria aquela velha senhora, de quem nunca gostara, de ter vindo tomar chá com a mãe, quando ele a queria só para ele, oferecer-lhe as flores e ganhar a sua amizade! Tudo o que a mãe fizera, fora pôr as flores de lado, sem ao menos agradecer. Berto estava horrivelmente desapontado!

- Cumprimenta a senhora Adams, Berto - ordenou a mãe. Sentia-se aborrecida com aquela entrada de Berto, ainda para mais despenteado com as mãos sujas!

Ele apertou a mão à antipática velhota e murmurou qualquer coisa.

- Não me parece que tenha feito bem em vir para cá - sentenciou a senhora Adams, lançando um severo olhar a Berto. - Pelo que me contou, receio que os seus novos amigos o estraguem.

Ele fitou-a com espanto e irritação.

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- Que foi que a minha mãe lhe disse?

- Vá, Berto, senta-te e bebe um pouco de chá. - disse a mãe, aborrecida com a senhora Adams, por esta dizer ao filho que se tinha queixado dele, e aborrecida com o filho, por parecer tão desmazelado e ter esquecido as boas maneiras.

- Não quero chá - declarou Berto com rudeza. Pouco faltou para que deitasse a língua de fora à escandalizada senhora Adams. Depois, abandonou a sala, batendo irritadamente com a porta.

CAPÍTULO VI

BERTO DESABAFA

A senhora Adams estava realmente escandalizada:

- Que rapaz tão malcriado! Muito diferente daquele que conheci no ano passado. Minha querida, isto prova que ele precisa de um pai, não é verdade? E também de um pequenino e bonito companheiro...

A senhora Kent estava muito zangada com o filho. Como se atrevera a comportar-se assim? Ainda pensou em ir buscá-lo e obrigá-lo a pedir desculpa, mas desistiu. Berto tinha muito mau feitio. Na verdade, estava a tornar as coisas muito difíceis ultimamente.

Desabafou com a velha senhora Adams. Sentia-se presa por causa daquele rapaz difícil e que tinha de vigiar a todo o momento! Não lhe deixava tempo para visitar as amigas, para gozar umas férias agradáveis, para comprar as bonitas coisas que desejava.

- Se ao menos eu arranjasse um emprego onde ganhasse bastante! - gemeu a senhora Kent passando a mão pelos olhos. - Milhares de mães o fazem. Poderia mudar de ambiente e comprar alguns regalos para mim... e para o Berto, naturalmente.

- E por que não o faz? - perguntou a senhora Adams, pegando num biscoito. - Quem a impede? A senhora é livre, não é? O seu filho não merece todas essas canseiras. É um rapaz endiabrado, terá de o tratar com pulso forte.

A senhora Kent hesitava dolorosamente entre o orgulho que sentia pela atitude firme do filho e a sua honestidade e o desagrado que lhe causara a sua conduta. Apanhou o ramo de violetas do tabuleiro e sentiu-se arrependida. Foi então que as cheirou.

- Não se deixe levar por pequenas coisas como essas violetas - disse a senhora Adams, a quem Berto desagradara muito. - Provavelmente fez alguma asneira e tenta abrandá-la. Conheço os rapazes! Tive quatro e conheço-lhes as manhas.

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A senhora Kent voltou a pousar as violetas. Ouviu bater a porta da frente e sentiu Berto descer o caminho. Alguns segundos depois, viu-o dirigir-se para o jardim dos Mackenzie e isso irritou-a:

- Agora vai para ali tomar chá, dar à língua, e não aparece aqui tão cedo!

E seria isso o que teria acontecido, naturalmente, se, por acaso, os Mackenzie não tivessem ido visitar a avó. Não havia ninguém na casa, nem sequer Frisky. Berto retirou-se desconsolado. Tudo estava contra ele! Nem sequer a pequena Pat, para lhe apertar a mão...

Trepou a cerca e dirigiu-se para o barracão do seu quintal. Não merendara, mas também não tinha fome. Sentou-se a meditar.

Quando ouviu a senhora Adams despedir-se à porta, deslizou para a cozinha. Esperou que a mãe voltasse. Esta olhou para ele e estendeu-lhe os braços.

- Perdoe-me, mamã! Detesto essa desagradável velhota! Não lhe devia ter feito queixa de mim. Senti muitas saudades, foi por isso que lhe trouxe as violetas.

- Preferia que tivesses antes boas maneiras, Berto - disse a mãe, num tom meigo. Ele apertou-a contra si, mal a deixando respirar.

- Eu não sou mau, mamã, faço o que posso. Não sentiu a minha falta ao almoço? Eu senti a sua!

- Deixemos isso, agora - interrompeu a mãe.

- Queres chá? Ainda há algum na mesa. Depois vai-te lavar, estás todo sujo. E penteia-te.

Berto obedeceu. Sentia-se mais feliz, mas ainda não bastava. Queria mais ternura da mãe. Mostrara-se bondosa, é certo, mas não tanto como a senhora Mackenzie, quando os filhos a beijavam. Ora! Para que comparar a mãe à senhora Mackenzie.

Iria fazer tudo para merecer o amor da mãe e fazer com que ela se orgulhasse dele.

Naquela tarde, não parou. A mãe riu-se da sua azáfama. Acarretou bastante lenha e carvão, pelo menos para uma semana. Lavou a louça. Limpou os sapatos da mãe, meteu-lhe duas botijas de água quente na cama em vez de uma. Se havia um filho atencioso para com a mãe, era Berto com certeza.

A senhora Kent meteu as violetas em água e acabou por agradecer a Berto. Este foi cedo para a cama, evitando que ela se zangasse. Ficou à espera que ela entrasse no seu quarto e lhe desse um beijo de boas-noites; mas isso não aconteceu. Ela não tinha esse costume, mas Berto pensou que nessa noite ela o faria.

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Talvez pense que já estou demasiado crescido, disse tristemente para consigo. E estou, não há dúvida. Mas sei que a senhora Mackenzie todas as noites beija os gémeos. Nunca se esquece. Foram eles que me disseram. A minha mãe também o podia fazer pelo menos esta noite, pois mostrei-lhe que estava arrependido.

Berto não falou a ninguém da sua desilusão. Sentia-se oprimido, quando foi para a escola na manhã seguinte. Patrícia perguntou a si mesma o que se teria passado. O que se passara, fôra que a mãe de Berto lhe embrulhara de novo o almoço! Nunca julgou que ela o fizesse, estava convencido de que o deixaria vir almoçar a casa como de costume, que lhe tinha perdoado e que tudo continuaria como dantes. Mas não! Voltara a entregar-lhe o embrulho com os sanduíches, e Berto calara-se. Já que ela não o queria em casa, o melhor era não insistir!

Patrícia foi ter com Joana e Donald e perguntou:

- Que se passa com o Berto? Esta manhã não me ligou importância. Tem um ar esquisito e nem sequer me sorriu.

Joana e Donald haviam notado também que qualquer coisa corria mal. Joana aproximou-se do rapaz:

- Olá, Berto! Pareces uma galinha à chuva! Que tens? Não fizeste os trabalhos de casa?

Berto respondeu negativamente por um gesto de cabeça. Tentou sorrir e, de repente, sentiu que nada lhe interessava nem mesmo a mãe! Soltou um grito e pôs-se a fazer de palhaço. Imitava-os bem, na verdade, e fez rir os outros. Em breve se juntou um pequeno grupo que o incitava.

- Continua, Berto! - dizia Tom. - Dá outra cambalhota! Como consegues isso?

Qualquer coisa de mau se apossara de Berto, naquela manhã. Fez perder a paciência aos professores, foi desagradável e desobediente. Colocou uma pilha de livros em cima da carteira e, sempre que tinha de se levantar para responder às perguntas, abanava a carteira de forma a que os livros caíssem com estrondo, espalhando-se pelo chão. Aqueles que tinham visto Berto a empilhar os livros, enquanto a professora escrevia no quadro, riam ruidosamente.

- Que se passa contigo esta manhã, Alberto Kent? - acabou por perguntar a professora. - Queres que te mande à direção?

A verdade é que Berto pouco se lhe dava que o mandassem ao gabinete do diretor. Mas alguém, a seu lado, o acotovelou: era Henrique, um rapaz de quem gostava. Henrique tinha-se divertido com as palhaçadas do companheiro, mas adivinhava que Berto acabaria por se ver metido em apuros. Mandá-lo-iam à presença do diretor e isso só lhe traria aborrecimentos.

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- Não sejas bobo! - segredou-lhe Henrique. Isso fez com que Berto não respondesse “Sim, menina Roland, quero que me mande à direção”, como esteve tentado a dizer, mas se limitasse a um:

- Não, obrigado, menina Roland.

- Nesse caso, vê se tens juízo - disse asperamente a menina Roland.

Berto sentou-se, mas não se comportou melhor. Enrolou uma folha de papel, tapou um dos lados, verteu um pouco de tinta no interior e tentou passá-la ao rapaz que estava à sua frente. Mas antes que Jorge pudesse pegar nela, os olhos penetrantes da menina Roland cravaram-se em Berto.

- Estás a passar apontamentos? - vociferou.

- Desculpe, menina Roland, mas não estou! - respondeu Berto.

- Isso é que estás. Eu vi! Traz-me cá esse papel.

Todos sustiveram a respiração, quando Berto se encaminhou para a secretária da professora. Sabiam perfeitamente que havia ali tinta. A menina Roland estendeu a mão para a folha de papel, comprimiu-a e logo os seus dedos ficaram manchados de azul.

Dois ou três alunos riram alto. A menina Roland cravou em Berto um olhar frio e irado:

- Suponho que achas muita graça a isto?

- Sim, acho - respondeu Berto com toda a franqueza.

Ouviram-se gargalhadas. A menina Roland encarou a turma e avisou:

- Mais um som e ficareis de castigo vinte minutos depois da aula!

Fez-se um silêncio de morte.

- É melhor saíres, Berto - disse ela. - O senhor diretor costuma passear pelos corredores. Quando te vir, gostará de saber por que motivo não éstás na aula. O teu comportamento desta manhã é vergonhoso. Não percebo o que se passa contigo.

Berto abandonou a sala, piscando para os companheiros. Mas ninguém ousou corresponder. A menina Roland estava em pé de guerra e era perigoso irritá-la ainda mais.

Logo que Berto deixou a sala, toda a sua excitação desapareceu. Cheio de tristeza, encostou-se à parede. Ao lembrar-se da velha senhora Adams, bateu selvaticamente com os punhos na parede. A mãe não devia ter dito aquelas horríveis coisas a seu respeito à velhota. Fora desleal da parte dela.

Ouviu passos. Seria o diretor? Não queria mais aborrecimentos. Olhou em redor e viu um armário onde guardavam as vassouras e escovas da

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limpeza. Correu para ele e abriu a porta. Meu Deus, não fatava espaço para se esconder!

Assim, quando o diretor atravessou o corredor a passo largo, Berto não estava visível. Estava dentro do armário, de respiração suspensa, muito menos valente do que se mostrara na aula, poucos minutos antes. A sua coragem necesitava da admiração, das gargalhadas e dos encorajamentos dos outros para se aguentar! Ficou ali acocorado, sentindo o coração pulsar aceleradamente.

Os passos detiveram-se, mas Berto não ousou mover-se para espreitar. O diretor escutava, junto à porta da sala de aula, a recitação de alguns poemas.

Quando os passos se afastaram, Berto respirou mais aliviado. Depois, quando a sineta tocou para o almoço e os alunos se precipitaram para o exterior, saiu e foi ter com eles. Todos o cercaram, dando-lhe palmadinhas nas costas.

- Fizeste-nos rir, Berto! Reparaste na cara da menina Roland, quando viu os dedos todos sujos de tinta? Oh, Berto, como ousaste fazer aquilo?

CAPITULO VII

BERTO SENTE-SE TRAÍDO

Berto foi quase o herói do dia. A história da sua idiota conduta na aula espalhou-se pela escola. Tom sorriu-se para ele:

- Gostaria que estivesses na minha aula, Berto. Animarias um pouco o ambiente. O nosso professor é muito enfadonho!

Toda aquela admiração e as gargalhadas encheram Berto de vaidade, mas nem por isso o reconfortaram. A hora do almoço, procurou libertar-se do seu estranho desgosto gritando, pulando, perseguindo os mais pequenos, tímidos e assustados.

- Vens para casa connosco, Berto? - perguntou Donald, quando saíam da escola. - Ontem almoçaste aqui, não foi?

Por uma razão qualquer, Berto não quis confessar que voltara a trazer sanduíches preparadas pela mãe e que teria de ficar na escola. Viu-se respondendo qualquer coisa.

- Não, hoje não almoço aqui. Pedi à minha mãe que me arranjasse qualquer coisa e vou comer para o canal. Gosto de ver as barcaças.

- Que sorte! - exclamou Donald com inveja, o que fez com que Berto se sentisse melhor, se bem que ignorasse o motivo.

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Assim, principiaram os seus estranhos e solitários almoços. Todos os dias saía com os outros, deixava-os na bifurcação que dava para o canal e encaminhava-se para o seu canto favorito. Ali comia os seus sanduíches, observando o lento deslizar das barcaças. Não falou disso à mãe. Para quê? - pensava. Sentia vagamente que era uma espécie de traição para com ela comer os sanduíches junto ao canal e não na escola. Numa manhã em que chovia torrencialmente teve de procurar um sítio para se abrigar e descobriu um barracão de arrumações, pertencente a um dos armazéns da zona. Estava fechado mas conseguiu entrar pela janela. Ali almoçou, na semiobscuridade e, mais tarde, aborrecido, entreteve-se a observar os objetos espalhados pelo barracão. Havia potes de tinta e pincéis, garrafas de toda a espécie, cordas, latas cheias e vazias, um ou dois barris e caixotes de madeira. Um grito fê-lo estremecer. Um rosto zangado espreitava pela janela.

- Que fazes aí? Cá para fora! Não sabes o que te acontecerá, se roubares alguma coisa!

- Não estou a roubar! - indignou-se Berto. - Vim só por causa da chuva.

- Pois sim! A mim não me enganas tu! - disse o homem. - Aposto que entraste pela janela. Ouve rapaz, por esta vez deixo-te ir embora, mas se te volto a apanhar aqui, levo-te direitinho à Pólícia.

Abriu a porta do barracão e, quando Berto ia a sair, deu-lhe uma bofetada. O rapaz ficou furioso e ressentido. Não tinha feito nada de mal!

Naquele dia, inocentemente, Joana desvendou-lhe o segredo. Tinha realmente acreditado que Berto pedira à mãe que lhe arranjasse sanduíches para comer junto do canal. Enquanto contemplava a chuva, perguntou a si mesma se Berto teria ido para ali. Não pôde deixar de observar em voz alta:

- Espero que o Berto tenha descoberto um abrigo no canal, senão fica encharcado.

- Que foi ele fazer para lá com este tempo? - perguntou a senhora Mackenzie. - Não almoça em casa, como de costume?

- Oh, não, mãe! A mãe dele prepara-lhe sanduíches, gosta de as ir comer para o canal - respondeu Joana, trinchando a carne que tinha no prato.

- Para ver as barcaças - acrescentou o pai. Ele disse-me.

- Pois acho que, com um tempo assim, devia estar em casa! - objetou a senhora Mackenzie. A sua mãe ficará preocupada.

E quando, naquela tarde, encontrou casualmente a senhora Kent, a mãe dos gémeos falou-lhe de Berto e dos seus estranhos almoços:

- Espero que hoje tenha tido o bom senso de vir para casa. Não percebo que prazer sentem estes rapazes em ir para o canal a toda a hora e momento!

A senhora Kent pareceu admirada.

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- Para o canal? Berto não vai para lá! Leva os sanduíches para a escola e é aí que as come. Foi idéia dele!

A senhora Mackenzie não disse mais nada, mas aquilo intrigou-a. A senhora Kent, pelo contrário, teve muito para dizer a Berto, quando este chegou da escola naquela tarde.

- Que vem a ser isso de ires almoçar para o canal? - perguntou, logo que sentiu o filho entrar.

Berto olhou-a com dureza e retorquiu:

- Quem lhe contou?

- Não tens nada com isso. - respondeu a mãe. - É ou não verdade? Bem sabes que te quero na escola e não a vadiar por aí. Que pensarão as outras pessoas? Quererão saber por que não vens a casa!

- Uma vez que me dá sanduíches, posso comê-las onde me apetecer. -obstinou-se Berto.

Mas enganava-se! A mãe foi imediatamente à escola e pediu ao diretor que desse ordens para que Berto não saísse da escola à hora do almoço.

- Pediu-me que lhe arranjasse uns sanduíches para trazer - explicou a senhora Kent, sem faltar muito à verdade - mas creio que se convenceu de que pode vaguear por onde lhe apetece. É um rapaz difícil, senhor Williams, e muito autoritário. Precisa de pulso firme.

- Sim. As últimas informações a respeito de Berto não são muito boas - concordou o diretor. - Isto não quer dizer que sejam muito más: travessuras e pequenas exibições para os outros, como fazer de palhaço. Mas já que assim o quer, senhora Kent, obrigá-lo-ei a passar aqui a hora do almoço. Mas ele não costumava ir almoçar a casa? Não seria melhor continuar a fazê-lo, por uma questão de vigilância?

- Não - disse a senhora Kent. - É que estou a pensar em conseguir um emprego, senhor Williams, e não posso estar em casa.

- Compreendo - anuiu o diretor. - Pois bem encarregar-me-ei de vigiar o seu filho.

Deste modo, Berto não pôde sair com os outros no dia seguinte.

- Tu não sais, Berto - disse-lhe o senhor Kennet, o continuo.

- Quem disse? - perguntou Berto, num repente.

- A tua mãe, segundo creio - respondeu o senhor Kennet. - Pega nos teus sanduíches e vai para junto dos outros pequenos. E não me olhes assim!

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Berto esperou com impaciência a hora de voltar para casa. Estava irritadíssimo. A mãe traíra-o, só Deus sabia o que ela teria dito dele. E nem sequer lhe falara nisso! Irrompeu pela casa dentro, atirando com a porta!

- Que maneiras, Berto! - ralhou a mãe.

- Por que não me disse que ia à escola, para que me proibissem de almoçar fora? Foi indecente. Traiu-me! Não tinha mal nenhum que eu fosse comer para o canal!

- Não me fales assim, Berto - repreendeu-o a senhora Kent. - Como te atreves? Se o teu pai fosse vivo, levarias uma boa sova!

- Não me importava de levar sovas, contanto que ele estivesse vivo! - gritou Berto. - Não me trataria como a mãe, obrigando-me a almoçar fora e queixando-se de mim! Não quero...

- Não me grites dessa maneira! - interrompeu-o a mãe, zangada. - O senhor diretor disse-me lindas coisas a teu respeito! Não está nada contente contigo! Tens sido...

- Quer dizer que estiveram a falar mal de mim! - exclamou Berto, indignado. - Deixe-me voltar a almoçar em casa e saberei comportar-me. Deixe, mamã! Verá como serei diferente!

- Só pensas fazer a tua vontade - disse a mãe com voz ríspida. - Não podes vir almoçar a casa por uma razão muito simples, é que, muito provavelmente, também não estarei aqui para almoçar.

Berto olhou-a admirado:

- Porquê? Que aconteceu?

- Espero conseguir um emprego. Aborreço-me sem fazer nada. Além disso, quero um pouco mais de dinheiro.

- Não faça isso, mamã - implorou Berto, subitamente apavorado, embora não soubesse por que motivo. - Não quero ver a casa vazia, fria e sem a chaleira ao lume. Não se empregue, mamã. Farei tudo o que quiser. E não me mportarei de não viralmoçar a casa, se não se empregar. Por que não espera mais alguns anos, até eu poder ganhar dinheiro? Então...

- Oh, não continues, Berto! - suplicou a mãe. - Causas-me dores de cabeça. Sempre a falar de dinheiro, quando não passas de uma criança, e uma criança estúpida. Já te julgas um homem, e capaz de fazer o que te apetece, mas ainda tens muito para aprender!

- Não se empregue, mamã! - gritou Berto. Eu sei que tem dinheiro suficiente. Não faça isso!

- Basta! - clamou a mãe, empurrando-o. - Dizer-me o que devo fazer! Era só o que faltava! Não há dúvida de que ainda estás muito verde!

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Berto viu-a abandonar a sala e sentiu-se subitamente desamparado. Olhou em redor da confortável sala com o fogão aceso, a mesa posta para o chá, flores aqui e além. E imaginou como seria fria e vazia sem aquelas coisas, sem os ruídos que chegavam da cozinha. Era deprimente.

Merendou sem prazer, contemplando ansiosamente a mãe que, silenciosa, sorvia o chá e olhava para o fogo.

- Precisa de alguma coisa, mamã? - perguntou por fim, convencido de que se pudesse fazer qualquer coisa, de preferência difícil, tornaria tudo mais fácil.

A mãe abanou a cabeça:

- Não. Não quero que faças nada.

Mas Berto não podia ficar de braços cruzados, nessa noite. Foi para o barracão e pegou no machado. Cortou lenha até sentir os braços exaustos.

- Por que estará Berto a rachar lenha daquela maneira? - indagou a senhora Mackenzie, na casa ao lado. - É um bom rapazinho, não há dúvida!

CAPÍTULO VIII

UMA GRANDE DISCUSSÃO

E que se passava, entretanto, com a família de Fenos de Verão? Não ia melhor! Já estavam todos instalados e, embora as crianças se tivessem habituado à pequenez dos quartos do quintal, o mesmo não acontecia com a senhora Berkeley!

O marido começava a compreender que passaria o resto da vida a ouvir protestos e lamúrias por causa da encantadora casa anterior! Até Leonor e Hilda já estavam fartas daquilo.

- Não se isole - aconselhou Leonor, quando a mãe se queixou de que sentia vergonha em convidar as antigas amigas para a sua nova e pequena casa - Se forem realmente nossas amigas, gostarão de nos visitar. Além disso, que importa o que pensem?

- Não é o que possam pensar que me preocupa é o que penso eu! - replicou a senhora Berkeley. - E não te voltes contra mim, Leonor.

- Não me volto contra si, mamã. Mas a verdade é que está sempre a falar no mesmo!

- Não sejas malcriada, Leonor ou queixo-me ao teu pai.

- Muito bem - disse a filha, cansada de tantas lamúrias. - Aliás, ele pensa como eu. Nem sei como consegue aguentar-se aqui na sala, a ouvi-la repisar sempre as mesmas coisas.

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- Nem eu - apoiou Hilda inesperadamente. - Nunca houve um pouco de paz nesta casa, mamã! Por que não havemos de ser como os Mackenzie? A mãe de Joana não passa o tempo a lamentar-se.

- Sois ambas más, umas meninas mal-educadas - disse a mãe, agastada. - Quanto a esses Mackenzie, não quero ouvir falar neles! Uns modelos! Uns amores que nunca se queixam nem mexericam, sempre aprumados e satisfeitos, aconteça o que acontecer! Uns repolhos!

- Oh, mãe! - exclamou Hilda com uma gargalhada, irritando ainda mais a senhora Berkeley. - A senhora Mackenzie não é um repolho! Anda sempre atarefada. Corre as lojas de saldos, ajuda a fazer os vestidos para o teatro da nossa escola, e o senhor Mackenzie trata dos adereços. Quer que o papá o ajude.

- Oh, sim, estão cheios de boas intenções! - disse a senhora Berkeley numa voz sacudida, sintoma de que estava à beira de uma crise de lágrimas. - Detesto as pessoas com boas intenções, sobretudo, quando procuram amesquinhar-me.

- Mas, mamã... - argumentou Leonor, confundida - alguém tem de fazer essas coisas e o tempo não é muito. Seja como for, gosto dos Mackenzie. Estão sempre prontos a colaborar.

- Queixar-me-ei de ti ao teu pai, esta noite. Não sei o que se passa. Tom anda sempre carrancudo e agora vós estais a tornar-vos mal-educadas. Pensei que estivésseis do meu lado.

- Lá voltamos nós aos partidos! - impacientou-se Leonor. - Porquê? Que lar horrível! Consola-me a ideia de crescer e poder ir para qualquer sítio onde haja um pouco de paz.

Saiu da sala no momento em que o pai entrava. Mas este voltou logo a retirar-se, ao pressentir a atmosfera carregada.

- Pai! A mãe tenciona queixar-se esta noite de mim e da Hilda. E do Tom também. Não pode acalmá-la e vivermos felizes? Isto é horrível para todos.

A discussão daquela noite foi memorável. As três crianças já estavam deitadas, mas ouviram os gritos e ficaram assustadas. A mãe ficava, por vezes, tão furiosa que era muito capaz de atirar com qualquer coisa à cabeça do pai.

As duas meninas saíram da cama e precipitaram-se para a escada, à escuta. Estavam tão aflitas que se esqueceram de vestir os roupões, pelo que tremiam de frio. Não demorou muito que Tom se lhes juntasse. Também tremia, sobretudo, de medo. Aquelas terríveis discussões! Abraçaram-se para sentirem mais calor e, pela primeira vez, os três irmãos se viram unidos. Isso fez com que uma ideia atravessasse o espírito de Hilda. Por que não haviam os irmãos de se aliar, contrariamente ao que tantas vezes acontecia? Era tão grande a desarmonia daquele lar que só unindo-se conseguiriam sobreviver.

As vozes aumentaram de intensidade. Agora, era o pai quem gritava:

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- Se as coisas não mudam, se não acabas com as tuas lamúrias e queixumes, vou-me embora. Irritas as crianças contra mim, desacreditas-me aos olhos do meu filho, que eu gostaria de ver orgulhoso do seu pai. Não posso aguentar isto por mais tempo. Queres um lar desfeito? É o que estás a fazer com o teu comportamento!

As crianças sentaram-se, tomadas de enorme tensão. O pai não podia ir-se embora! Tinham sido muitas vezes rudes e más para com ele, preferindo o partido da mãe, mas não podiam conceber um lar sem o pai regressando à noite, dando-lhe dinheiro aos sábados, analisando os relatórios escolares; ornamentando a árvore de Natal e banhando-se com elas na praia, durante o Verão. Fazia parte da família.

- Que queres dizer? - ouviram a mãe perguntar. - Um lar desfeito! Que entendes por isso?

- Vou-te explicar. - respondeu o pai. E a sua voz chegava claramente aos ouvidos das crianças na escada. - É um lar como o nosso, em que os pais não colaboram e discutem diante dos filhos, onde cada um toma o seu partido. Está escrito na Bíblia que um lar dividido não se pode manter. Cairá forçosamente. Uma família desunida, um lar desfeito, lança os filhos para o mau caminho, sua ruína, é...

- Cala-te - gritou a senhora Berkeley. - Como te atreves a dizer que os nossos filhos irão por mau caminho?

- Bem, passaste o dia a fazer-me queixa deles. - disse o senhor Berkeley. - A falar dos seus erros! Pobres pequenos, nunca tiveram uma oportunidade de paz e sossego! Não são felizes. Acabarão por enveredar por mau caminho como outras tantas crianças de lares destruídos!

Os três irmãos sentiram-se estremecer. Aquilo era horrível. Quem tinha razão, a mãe ou o pai? Estavam confusos, não saberiam responder. Foi então que ouviram um estrondo que lhes abalou as almas. Trás! Fora a porta da frente. Reconheceram os passos do pai que descia o caminho, perdendo-se na noite. Hilda e Leonor choravam. Tom abraçou-as fortemente. Também queria chorar, mas era um rapaz, de forma que olhou duramente para o fundo da escada, perguntando-se com desespero o que devia fazer. Leonor levantou-se. Atravessou o corredor e entrou no quarto. Hilda seguiu-a. Tom hesitou. Devia descer e ir ao encontro da mãe? Não, não seria capaz. O pensamento de que as lágrimas e as queixas continuariam deixava-o doente. E se o pai não voltasse? E se fizesse realmente o que ameaçara fazer e se tivesse ido embora?

Tom espreitou para o quarto das irmãs. À luz da lâmpada de cabeceira, o rapaz viu as duas meninas ajoelhadas ao lado da cama e ouviu a voz de Hilda que suplicava:

- Por favor, meu Deus, fazei com que o pai volte. Por favor, meu Deus, fazei com que o pai volte.

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Por instantes, Tom sentiu-se revoltado. Por que não haviam os seus pais de se entender? Por que se casavam as pessoas, se não conseguiam viver em paz e tornar os filhos felizes? Tom não compreendia. Foi para o seu quarto, fechou a porta e meteu-se na cama. Naquele momento não sentia nem piedade nem amor pelos pais. Detestava-os a ambos. Tom adormeceu, mas as irmãs mantiveram-se acordadas, esperando ouvir passos no caminho. E, ouviram-nos, finalmente! O pai voltava, graças a Deus! Sentiram a chave na fechadura e a porta abrir-se.

Mas o pai não se dirigiu para a sala, onde a mãe continuava sentada. Foi diretamente para o seu quarto, entrou e fechou a porta. Seria que a mãe subiria agora? Inclinaram-se uma para a outra e segredaram entre si, atentas a todos os ruídos. Mas adormeceram sem que lhes tivesse chegado o mínimo som e dormiram profundamente, extenuadas pela ansiedade.

Na manhã seguinte, três crianças abatidas desceram para o pequeno-almoço, de rostos pálidos e receosos. O pai já havia saído para apanhar o comboio. A mãe estava na cozinha, a preparar o pequeno-almoço, de faces descoradas e olhos vermelhos. Ninguém falou. As crianças sorveram rapidamente a refeição matinal e pegaram nos objetos escolares. Estavam ansiosas por saírem de casa!

Quando por fim se viram a caminho da escola, suspiraram com alívio. O pequeno-almoço decorrera sem incidentes. A mãe não proferira palavra. Parecia magoada e triste por nenhum dos filhos ter dito nada, mas a verdade é que eles receavam outra discussão.

- Bendita escola! - exclamou Hilda. - Velha e querida escola!

- Sim, creio que até já gosto mais do Francês e da Matemática - disse Leonor. - Gostava de ser como o Berto para poder almoçar na escola! Não é lá muito agradável comer só sanduíches, mas não me importava!

A professora notou que Hilda e Leonor estavam pálidas e deprimidas. Falou no caso a outra colega:

- Deve ter havido outra discussão em casa daquelas pobres crianças. Conheço alguém que morava perto deles em Croydon e contou-me que não havia um momento de sossego naquela família. Não podemos esperar muito hoje da Hilda e da Leonor!

Na verdade, não conseguiram acompanhar as lições. Estavam cansadas e aborrecidas por terem de ir almoçar a casa, onde a atmosfera era insuportável. Mas, com grande surpresa das duas meninas, ninguém as censurou pela sua desatenção e ninguém pareceu dar pelo fato de Hilda não resolver os seus problemas.

Tom parecia-se com Berto. Quando as coisas corriam mal, enervava-se, tornava-se grosseiro e exibicionista. Era a sua maneira de tentar esquecer, de protestar.

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Muito bem! Tentam vencer-me, não é assim? Pois vou mostrar-lhes como é! Eu é que os vencerei a todos, perceberam?!

Se não tivesse chegado ao conhecimento de todos que os Berkeley haviam tido outra discussão familiar, por certo que teria sido severamente castigado. Mas não foi. Pelo contrário, um professor comentou:

- Quem eu gostaria de castigar era os teus pais! Pô-los de castigo durante um mês!

CAPÍTULO IX

ESCAPADA NOTURNA

Naquela noite, Tom não quis passar o serão em casa. Sabia que o pai e a mãe não se falariam, por isso decidiu escapulir-se.

- Vou a casa do Berto ver o seu comboio elétrico - disse à mãe. E saiu antes que esta pudesse dizer uma palavra. Na verdade, não tencionava ir à casa do companheiro. Apenas queria vaguear até a hora de se deitar.

Inesperadamente, deparou com Berto. Este tivera a mesma ideia. A mãe acabava de lhe confessar que respondera a um anúncio para um emprego e que, se fosse aceite, não recusaria. Berto correu para a rua, incapaz de proferir palavra.

As duas crianças encontraram-se a uma esquina ou, antes, esbarraram uma com a outra.

- Desculpa - disse Berto.

Tom reconheceu-o e ficou contente. Admirava Berto, a sua audácia e coragem.

- Olá, Berto! Que fazes por aqui?

- Passeio - respondeu Berto. - Aonde vais?

- A lado nenhum em particular. Houve uma discussão em casa, de modo que me escapuli. Estou farto. Também houve discussão contigo?

- Não foi bem isso - respondeu Berto, que não gostava de criticar a mãe, mas contente com aquele pouco de simpatia. - Nem sempre as coisas correm pelo melhor, não é verdade?

- Por mim, sinto-me incapaz neste momento de fazer direito seja o que for. Foi por isso que saí de casa, para não estar a ser constantemente repreendido. Não tens pai, pois não? É uma sorte, porque assim a tua mãe não pode discutir com ele!

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- O meu pai nunca discutiu com a mamã - declarou Berto - e daria tudo para ainda o ter. Com um pai ao nosso lado, as coisas caminham melhor.

- Depende do pai - comentou Tom, incomodado por ter de falar assim. - Olha, está a começar a chover!

- Que vamos fazer? - perguntou Berto. – Não podemos andar por aí à chuva. Apetecia-me ir para o canal e ver as barcaças que estão na margem. Ninguém vai lá, podíamos dar uma espreitadela.

- A chover desta maneira, é impossível - disse Tom. - Mas não estou nada interessado em voltar para casa, e tu?

- Também não - respondeu Berto, com decisão.

- Se tiveres dinheiro, podemos ir ao cinema ver um bom filme.

- Tenho uns dois escudos. O cinema não seria má ideia. Está-se quente e esquece-se tudo a ver o filme.

- Claro. É preciso esquecer o que não corre bem - disse Tom, dando o braço ao companheiro.

- Também não tenho dinheiro comigo. Guardei-o no mealheiro, mas não estou para ir a casa buscá-lo. Além disso, podemos entrar sem dinheiro!

- Como? - admirou-se Berto.

- Há uma porta nas traseiras - explicou Tom em voz baixa. - Descobri-a, há tempos, por acaso. Nunca está fechada: Se escolhermos a hora de mais movimento, ninguém nos verá. Dá para um corredor e, se não houver guardas, podemos deslizar até à sala e sentar-nos nas cadeiras. Já o fiz uma vez.

- E não há perigo? - perguntou Berto.

- Anda daí! Não tenhas nedo! Julgava-te um valentão! - troçou Tom.

- Bem, não sei... - hesitou Berto, ante a audácia daquela aventura e não porque visse nisso qualquer coisa de mal. - Vamos, estava a brincar. Mas temos de ter cuidado.

Correram sob a chuva torrencial e em breve chegaram ao grande cinema iluminado. Deram a volta a um grande pátio e, sob o comando de Tom chegaram a uma pequena porta nas traseiras. Tom experimentou a maçaneta e segredou:

- Não está fechada. Assim que ouvirmos música ou as falas do filme, entraremos. Ajuda-me.

A maçaneta rodou e a porta abriu-se silenciosamente. Os dois pequenos entraram e voltaram a fechá-la. Em bicos de pés, atravessaram o estreito corredor até à porta de comunicação com a sala, por onde se filtrava um raio de luz. Tom espreitou cautelosamente. Não se via ninguém nas redondezas.

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Protegidos pelas sombras, esperaram que o filme começasse e só então entreabriram a porta.

Havia cadeiras ali perto. Nenhum arrumador estava à vista. Encontravam-se todos na entrada principal a receber os bilhetes ou a indicar aos espectadores os seus lugares.

Tom e Berto rastejaram até às cadeiras mais próximas, escolheram duas junto à parede, meio ocultas por uma grande coluna. Soltaram um suspiro de alívio.

- Bem, cá estamos! - murmurou Tom. - Não foi má ideia, hem?

Berto não respondeu. Já estava preso do filme, uma história nada recomendável para crianças da sua idade. Os dois pequenos não tinham reparado no aviso que indicava ser aquele filme só para adultos. Tudo aquilo lhes parecia muito excitante. Era um nunca acabar de gritos, perseguições e lutas.

Também havia beijos a torto e a direito, o que acabou por aborrecê-los. De olhos cravados nas imagens, cerravam os punhos quando soavam tiros e respiravam com dificuldade quando se desencadeava uma feroz perseguição.

- Foi pena não vermos o princípio – observou Tom, quando o filme acabou. - Vamos esperar que comece outra vez, para sabermos o que aconteceu antes. Se quiseres, podemos vê-lo todo de novo.

- Não, a minha mãe ficaria aborrecida - murmurou Berto. - Mas podemos ver o princípio, se assim o queres. E agora cala-te, já começou.

Divertiram-se com os desenhos animados e isso fê-los sentirem-se melhor. O riso faz com que as coisas não pareçam tão más. Mas essa alegria só durou até ao momento em que se puseram a pensar na descompostura que os esperava em casa. Tratava-se de uma sessão contínua, mas as luzes acenderam-se entre os documentários e o filme de fundo. Foi tudo tão repentino que os dois rapazes não tiveram tempo de se esconder.

- Não te mexas! - sussurrou Tom. - Ninguém deu por nós. Não tentes passar despercebido, seria pior.

Mas se nenhum arrumador reparou neles, o mesmo não aconteceu com uma espectadora que passeava um olhar ocioso pela sala. Viu os dois rapazes no canto e logo acotovelou a companheira:

- Olha para ali! Este filme é para adultos e deixaram entrar aqueles dois miúdos. Nenhum deles tem dezesseis anos! É uma vergonha desrespeitar assim a lei. Vou-me queixar!

Levantou-se, atravessou a sua fila de cadeira e dirigiu-se para o gabinete da direção. O diretor mostrou-se surpreendido.

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- Este filme é para adultos, disso não resta dúvida - começou a mulher. - Não é para crianças. Mas o senhor deixou entrar dois rapazes com menos de dezesseis anos, que é a idade legal para assistir a filmes como este!

- Minha senhora, somos muito severos na aplicação da lei - defendeu-se o diretor. Posso garantir-lhe que nenhuma criança assiste a filmes para adultos nesta sala, a não ser que venha acompanhada por um adulto que se responsabilize por ela, se bem que isso não torne o filme aconselhável, concordo...

- A verdade é que o senhor deixou entrar dois rapazes! - insistiu a mulher. - Venha ver.

O diretor acompanhou-a. As luzes ainda estavam acesas, mas apagaram-se quando entraram. A mulher apontou para o canto onde se encontravam Tom e Berto.

- A claridade do filme permite vê-los. Repare, um deles não deve ter mais de dez anos!

- Obrigado minha senhora - disse o diretor, mostrando-se contrariado. - Tem razão, são menores. Mas engana-se ao dizer que os deixámos entrar. Não é verdade. Entraram sem bilhete, por alguma porta das traseiras. Vou chamar a Polícia.

- Por favor, não faça isso! - suplicou a mulher, alarmada. - Para que entregar os pequenos à Polícia? Não será melhor o senhor falar-lhes, pregar-lhes um susto para que não voltem a fazer uma coisa destas?

O diretor hesitou, depois concordou:

- Está bem, vou falar-lhes. Também tenho filhos e não gostaria que qualquer deles fosse parar à Polícia. Vamos a ver quem são aqueles diabinhos!

E, assim, quando o filme chegava ao ponto em que Berto e Tom haviam entrado, ouviram uma voz severa ao seu lado:

- Que fazeis aqui?

Os dois rapazes estremeceram violentamente. Voltaram-se e depararam com um homem alto. Tinha descido silenciosamente o corredor lateral, sem que eles o notassem. Não conseguiram articular palavra.

- Saí! - ordenou o diretor.

Levantaram-se e seguiram-no, um de cada lado, ao longo do corredor, e dali para o gabinete.

- Que fazíeis ali sentados, sem pagar bilhete? - perguntou o homem.

- Sim, pagámos - afirmou Tom. - Fomos para aqueles lugares porque nos agradavam mais.

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- Este filme é para adultos - disse o diretor. - Só o podeis ver em companhia de uma pessoa crescida. Quem vos trouxe?

Aquilo era demais para Berto:

- Ninguém, senhor. Viemos sozinhos. Não sabíamos que era um filme para adultos.

- E comprastes bilhetes? Ou entrastes pelas traseiras? - inquiriu o diretor. - Dizei a verdade.

Tom cometeu um grande erro. O diretor estava disposto a adverti-los e a deixá-los ir embora, mas Tom voltou a mentir:

- Compramos bilhete. Não foi, Berto?

Berto, que não queria contradizer o companheiro, acenou afirmativamente:

- Foi. Ambos compramos bilhete.

CAPÍTULO X

ABORRECIMENTOS

Aquela primeira e estúpida mentira foi o começo de uma série de aborrecimentos. O diretor tornou-se severo.

- Bem, é lamentável que não confesseis. Tencionava dar-vos uma descompostura e deixar-vos ir embora como dois idiotas que sois. Mas já que mentis, procederei doutra maneira. Os vossos nomes e moradas?

Os dois rapazes ficaram realmente assustados. Berto ainda balbuciou precipitadamente:

- Não compramos nada. Perdoe-nos, senhor!

- Agora é tarde. - disse o diretor. - Os nomes por favor.

Os rapazes obedeceram e deram também o nome da escola que frequentavam.

- O vosso diretor tem de ser informado disto também.

Berto e Tom estavam consternados. Foram uns idiotas por entrarem sem bilhete! A verdade é que passaram um mau bocado, não só com os pais, mas também com o diretor da escola. Este não queria acreditar que dois dos seus alunos tivessem feito uma coisa daquelas. Aplicou uma sova a Berto, e Tom levou outra do seu pai. Mas os lamentos e as censuras da mãe foram ainda piores do que a sova! E as palavras duras da mãe de Berto custaram-lhe mais a suportar do que as pancadas do diretor.

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Para maior aborrecimento, foram obrigados a pagar ao cinema pelo filme que tinham visto. Como Berto só tinha dois escudos e Tom quinze tostões, não chegava. De modo que ficou assente que, durante duas semanas, não receberiam dinheiro para o bolso.

Isso foi duro para Berto que tencionava comprar uma linda prenda de anos para Patrícia. Assim, já não o poderia fazer. Procurou uma solução, remexeu nas suas coisas, mas nada havia que pudesse agradar à pequenita. Teria de contentar-se com um postal colorido.

Os Mackenzie não souberam da fuga dos dois rapazes. Os pais tinham ficado tão envergonhados que não falaram do caso a ninguém. Claro que o diretor da escola também não disse nada. Os Mackenzie, apenas notaram que, por ordem dos pais, Berto e Tom não iam juntos para a escola e pareciam dois amigos zangados. Aquilo deixava-os admirados, mas nem Tom nem Berto explicaram a razão.

Os Berkley e Berto haviam sido convidados para a festa de aniversário de Patrícia. Esta estava muito excitada. Tinha visto a mãe às voltas com um grande bolo, um pão-de-ló com creme e chocolate. Era o doce preferido de Patrícia, coberto de açúcar: Ficara encantada com as oito velas de cor, colocadas em volta, no açúcar rosado:

- É lindo! - exclamou, dirigindo-se à mãe. - Muito melhor do que os das lojas. Quando fizer nove anos, ainda será maior.

Perguntou a si mesma o que iria Berto oferecer-lhe. Antes de ter sido castigado com a perda do dinheiro de bolso, mostrara-se sempre muito misterioso quanto ao que lhe daria pelos anos.

- Espera e verás! - dizia. - Uma coisa que desejas muito. Estou a juntar dinheiro.

E agora já não havia dinheiro para juntar e nem sequer podia explicar a Patrícia o motivo. Como a mãe, Berto não queria recordar a história da sua fuga.

O dia da festa chegou. Doze crianças dirigiram-se para o portão de entrada: os três Berkeley, Kent e mais oito colegas de escola. Patrícia lá estava para os receber, parecendo um duende de cabelos pretos num vestido com tufos cor-de-rosa.

Todos lhe entregaram uma prenda, exceto Berto. O próprio Tom não faltou, pois pedira dineiro emprestado a Leonor. Patrícia estava encantada, desfazendo os pequenos embrulhos para ver o que tinham dentro. Berto, de faces muito coradas, seguia-lhe os movimentos. Estava desconsolado por não lhe ter oferecido nada. Quando lhe entregou um simples postal, Patrícia não escondeu o seu desapontamento. Por que lhe dissera que andava a juntar dinheiro para uma bonita prenda? Preferia-o aos outros e fora o único que não lhe oferecera um presente! A pequenita fitou-o desapontada e Berto sentiu-se envergonhado. Disse-lhe a primeira coisa que lhe passou pela cabeça:

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- Ando a economizar para te comprar uma prenda especial para o Natal. Uma prenda que vale por duas: uma boneca que fecha os olhos!

Patrícia voltou a sentir-se feliz. Pegou no braço de Berto e murmurou:

- Oh, és um amor! Nenhuma das minhas bonecas fecha os olhos. Prefiro ter um presente grande do que dois pequenos! E obrigada pelo lindo postal, Berto.

Foi uma festa alegre, apesar de se sentirem um tanto apertados nos dois pequenos quartos da casa. Ninguém se importou com isso e todos se divertiram, principalmente os Berkeley e Berto, que se sentiam sempre bem em casa dos Mackenzie.

- Que bonito bolo! exclamou Hilda; quando o grande bolo coberto de açúcar branco e rosado foi posto na mesa e se acenderam as velas. - É o mais bonito que vi até hoje!

- Aposto que também é bom de sabor! - comentou Leonor, que bem gostaria de ter um assim pelos seus anos. Lá em casa, os aniversários eram muito diferentes. A mãe parecia sempre aborrecida por ter de fazer qualquer coisa.

Sentada à cabeceira da mesa, Patrícia sorria para toda a gente. Foi a última alegria que Berto e os Berkeley tiveram. A partir daí, aconteceram as coisas mais desagradáveis.

O primeiro a ser atingido foi Berto. Inesperadamente, a mãe anunciou-lhe que tinha sido admitida no emprego a que concorrera e que começaria a trabalhar na segunda-feira próxima. Berto empalideceu. Não esperava que aquilo acontecesse.

- Não faças essa cara de mártir! - disse a mãe.

- Já te tinha avisado. De qualquer maneira, não sentirás muito a diferença, uma vez que almoças na escola.

- Onde é o emprego? - perguntou Berto num fio de voz. - E que emprego é?

- É numa perfumaria - respondeu a mãe. É preciso ter cabelos bonitos, mãos bem tratadas e um físico agradável, e eu tenho tudo isso. Far-me-á bem andar de um lado para outro e ser bem paga.

- Onde é? - voltou a perguntar Berto.

- Em Hightown - respondeu a mãe.

O rosto de Berto crispou-se. Hightown ficava a alguns quilômetros de distância. Levaria bastante tempo à mãe para ir e vir:

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- Terei de sair antes de ires para a escola, mas não muito antes - disse a senhora Kent. - Levas a chave da porta de serviço, pois não estarei de volta à hora da merenda. Deixar-ta-ei preparada.

- Eu trato disso - sussurrou Berto com estranha entonação. - Precisa realmente desse emprego, mamã? Lamento muito. Não quero voltar para casa enquanto não tiver chegado.

- Não sejas egoísta, Berto. Um pouco mais de dinheiro ajudar-nos-á muito. Além disso, não me parece que te empenhes em me agradar. Lembra-te do triste caso do cinema! Nunca na minha vida passei por uma vergonha tão grande!

Berto franziu a testa. Por que estava a mãe sempre a falar naquilo? Por ele, tentava esquecer-se! Olhou com dureza para ela e viu que não havia possibilidades de a obrigar a mudar de ideias. Assim como não desistira de o obrigar a almoçar na escola, também não desistiria agora de ficar com o emprego. Berto pressentiu com amargura que ela pouco se importava com ele! Não a largou durante todo o fim de semana, tentando descobrir qualquer coisa que a levasse milagrosamente a mudar de ideias no último instante. Mas o milagre não se deu.

Chegou a segunda-feira. De manhã cedo, já a senhora Kent andava atarefada. Preparou o pequeno-almoço para si e para Berto, mas não acendeu o fogão, uma vez que a casa estaria vazia até à noite. O ambiente na sala de estar era gelado.

Berto não proferiu palavra durante o pequeno-almoço. Ao vê-lo assim triste, a mãe sentiu-se simultaneamente zangada e arrependida. Mas pensou que em breve ele se habituaria a vê-la sair e isso reconfortou-a. Milhares de mães trabalhavam. Por que não haveria ela de o fazer também?

- Quando saíres, fecha a porta de serviço e leva a chave. Deixei as coisas na despensa para a tua merenda. Aqui estão os sanduíches para o teu almoço. Se quiseres ser útil, acende o fogão de sala quando voltares.

Sorriu-lhe e foi buscar o chapéu e o casaco. Depois, voltou, quase correndo ao longo do corredor:

- Tenho de me apressar! Ainda acabo por perder o comboio! Adeus, Berto, e coragem!

Fez menção de o beijar, mas Berto desviou o rosto. Ela soltou uma pequena gargalhada:

- Está bem, rabugento! E agora não faças asneiras!

A porta da frente fechou-se. Tinha saído. Subitamente, a casa pareceu vazia, silenciosa e sem ambiente. Berto levantou-se e olhou para a louça do pequeno-almoço. Quem a lavaria? Ele, naturalmente! E teria de preparar a merenda e acender o fogão e fazer a sua cama. E as limpezas? Fá-las-ia a

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mãe quando voltasse? Todos esses pequenos problemas se agitavam na mente confusa de Berto.

O relógio bateu nove horas. Mas eram apenas nove menos um quarto, felizmente. Berto apressou-se. Se não tivesse cuidado, chegaria atrasado à escola. Para o diabo a louça do pequeno-almoço! Deixá-la por lavar! A casa sem a mãe tornava-se insuportável!

Agarrou no casaco, na capa e nos sanduíches, saiu pela porta de serviço e fechou-a à chave. Guardou-a no bolso, desceu o caminho e não se atreveu a olhar para trás, para aquela horrível casa vazia, que era a sua.

Mostrou-se indisciplinado durante todo o dia. Foi incorreto ou tentou sê-lo. A menina Roland estava surpreendida. Que se passava? Berto era inteligente, sabia estudar, no fundo, tinha bom carácter... Mas agora andava estranhamente triste e isso refletia-se no seu comportamento.

- Terei de te mandar ao senhor diretor, Berto - avisou ela. - Tenho tentado ser paciente, mas para a próxima vez mando-te ao senhor diretor.

Berto acalmou-se. Não estava muito interessado em ir à diretoria. Da última vez que lá fora, apanhara uma sova por causa do caso do cinema. Berto não queria voltar a encarar o diretor por nada deste mundo!

CAPÍTULO XI

NA VIVENDA ESPINHEIRO E FENOS DE VERÃO

Naquela tarde, Berto regressou vagarosamente. Começava a escurecer. Os Mackenzie acompanhavam-no. Patrícia tagarelava, mas, ao vê-lo tão calado , olhou-o timidamente e perguntou:

- Que tens, Berto? Conta-me.

- Não é nada - respondeu o rapaz, tentando falar naturalmente. - Dói-me um pouco a cabeça, é tudo.

- Por que não vens merendar connosco? - convidou Joana.

Berto hesitou. Vontade não lhe faltava. A alegria e o calor do lar dos Mackenzie tentavam-no. Mas abanou a cabeça e respondeu:

- Não, tenho de ir para casa. Há lá muito que fazer. Até amanhã, Mackenzie!

Deixou-os ao portão e seguiu para a Vivenda Espinheiro. A casa estava silenciosa e às escuras. Não saía fumo pela chaminé. Berto detestou-a. Gostaria de ver o fumo sair da chaminé, de ouvir sons agradáveis ao abrir a porta, de sentir o crepitar do fogo.

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Destrancou a porta da cozinha, sentiu qualquer coisa lamber-lhe a mão e deu um pulo. Mas era apenas Frisky! O cão ia muitas vezes rondar por ali, à cata de petiscos. Berto nunca sentira tanto prazer na companhia de um animal. Com grande espanto de Frisky, este viu que o levavam para a cozinha e sentiu a porta fechar-se. Berto falava-lhe numa voz grave e meiga, ao mesmo tempo que o afagava. Frisky abanou a cauda.

- Espera um pouco e vais ver o que te preparo, Frisky. Não imaginas como estou contente por teres vindo para aqui. Olha para esta horrível casa escura e fria. Está vazia! Só cá estamos eu e tu.

- Béu - concordou Frisky.

- A minha mãe arranjou um emprego, Frisky. Não se importa nada comigo. Que me dizes a isto? Ela sai antes de eu ir para a escola e não está em casa quando regresso. Achas que é um lar feliz, Frisky?

Frisky parecia perplexo. Havia na voz de Berto qualquer coisa de inabitual que ele não compreendia, mas quase tinha a certeza de que a alegria de Berto era fingida. Voltou a lamber a mão do rapaz. Berto sentou-se numa cadeira e abraçou o pescoço do cão:

- Não conto isto a ninguém, a não ser a ti. Tenho de to contar, senão rebento. Ouve, Frisky, o que te vou dizer é triste. Bem, não acredito que a minha mãe goste de mim! E, no entanto, não tenho mais ninguém!

Encostou o rosto ao pescoço do cão e apertou-o com tanta força que este ganiu.

- Ando desnorteado. Pode-se amar e detestar uma pessoa ao mesmo tempo? Gostaria de ajudar a minha mãe, mas também quero que ela pague o que me faz. É estúpido, não é, Frisky? Que te parece?

Frisky agitou-se. Aquele rapaz era infeliz. Frisky sabia-o, mas ignorava como confortá-lo. Lambeu-lhe as mãos e as lágrimas que lhe deslizavam pelas faces. Depois, tocou com a pata no joelho de Berto e latiu.

- Estás a pedir para te ires embora? - perguntou Berto, levantando-se e abrindo a porta da cozinha. - Pronto, podes ir. E obrigado por me teres escutado, Frisky.

Mas Frisky aninhou-se e isso fez com que Berto se sentisse mais feliz. Lavou a louça do pequeno-almoço e preparou a mesa para a merenda. Acendeu o fogão da sala de estar. Mas pareceu-lhe uma eternidade o tempo que teve de esperar até ao regresso da mãe, às seis e meia. Estava meio morto de tédio quando sentiu a chave na porta da frente.

Aliviado e esquecido de todos os seus ressentimentos, correu ao encontro da mãe. Mas Frisky antecipou-se e saltou para ela, que soltou um grito assustado e empurrou o cão para o lado.

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- Oh! É o Frisky. Para que o trouxeste, Berto? Bem sabes que não o quero em casa. É maldade tua, quando eu chego a casa cansada, teres aqui um cão como o Frisky a sujar tudo!

- Vou levá-lo lá para fora - disse Berto, amargamente desapontado com a mãe, sentindo desaparecer a alegria com que aguardava a sua chegada. Agarrou em Frisky pela coleira e levou-o para fora. Conduziu-o até à porta das traseiras da vivenda, abriu-a cautelosamente e deixou-o lá. Depois, dirigiu-se para a frente da casa e espreitou por uma nesga das cortinas para a sala de estar iluminada.

Viu o que esperava ver. Toda a família estava ali. O senhor Mackenzie, recostado na sua cadeira; fumava cachimbo, com Patrícia nos joelhos e contando-lhe qualquer coisa. A senhora Mackenzie cerzia, ao mesmo tempo que prestava atenção ao que Joana lhe dizia. Joana estava a desenhar e Donald fazia os seus exercícios de casa. Um fogo agradável crepitava no fogão. Junto deste, via-se o gato sentado, de cauda enrolada. Subitamente, Frisky irrompeu por ali dentro e todos se alvoroçaram.

Berto invejou aquela atmosfera, como se o seu espírito estivesse sedento do que viu. Depois, retirou-se, mortificado. Donald e Joana achavam tudo aquilo natural. Não sabiam como eram felizes! Berto voltou para a Vivenda Espinheiro, mal-humorado.

Também em Fenos de Verão acontecera qualquer coisa que provocou uma cena familiar. O senhor Berkeley fora-se embora! Mostrara-se calmo e indiferente nos dois últimos dias e negligenciou muitas das coisas que a sua mulher gostava que ele fizesse. Esta resmungava como de costume, até que rebentou uma das habituais discussões na presença dos três filhos.

As meninas puseram-se a gritar, Tom levantou-se e foi para o seu quarto, aborrecido. Mas ouviu o pai dizer qualquer coisa que o obrigou a parar. Falava numa voz calma:

- Isto é o fim. Não é bom para nenhum de nós continuar desta maneira. Estou convencido de que tens razão quando dizes que sou o culpado de tudo por isso vou-me embora. Talvez assim sejam todos mais felizes.

Saiu da sala sem proferir mais palavra, passando rapidamente ao lado de Tom. Subiu as escadas e ouviram-no abrir gavetas e armários. Leonor precipitou-se também para as escadas.

- Papá! Que vai fazer? Não se vá embora! Não quero que se vá!

O pai não respondeu, mas fechou bruscamente a sua grande mala de viagem. Nem sequer olhou para Leonor. Esta ficou assustada com o seu rosto pálido e duro. Parecia ter envelhecido de repente. A porta principal bateu com força. O portão fechou-se. Passos abafados chegaram do caminho até que desapareceram.

- Foi-se embora! - gemeu Hilda. - Não quero que ele se vá embora.

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- Há-de voltar. - disse a mãe, piscando levemente os olhos. - Já não é a primeira vez.

Mas o senhor Berkeley não voltou. Naquela noite, ninguém meteu a chave na porta da frente nem subiu as escadas. Ninguém dormiu na cama do pequeno quarto. O senhor Berkeley não regressou!

Foram tempos difíceis para as três crianças. Tinham de lutar contra as lágrimas, as lamúrias e as zangas da mãe, que não fazia a menor ideia quanto ao paradeiro do marido. Tiveram de lhe prometer que não diriam a ninguém que o pai abandonara o lar por causa de uma discussão. Diziam que andava em viagem, mas a verdade é que talvez o pai nunca mais voltasse.

- Não posso suportar isto - lamentou-se Hilda, limpando os olhos. - O pai não era tão mau como a mãe o pintava. Foi ela que o tornou infeliz.

- Fomos nós todos - corrigiu Leonor. - E o certo é que somos todos infelizes. Passamos o tempo em discussões. Foi disso que o pai fugiu.

- Espero que a mãe não descarregue agora sobre nós as suas iras - arriscou Tom. - Já passei um mau bocado por causa daquele caso do cinema.

- E foi bem feito - disse Leonor. - Foi uma ação muito feia.

- Agora és tu que te pões a discutir - irritou-se Tom. - Já temos aborrecimentos que cheguem!

- Somos uma família horrorosa - interveio Hilda. - Muito horrorosa mesmo. Quem me dera que o pai ainda estivesse connosco! Nunca fui muito amável para com ele, mas vai ser horrível ficarmos sem pai!

Efectivamente, foi horrível! Nunca imaginaram que lhe sentissem tanto a falta. A cada passo perguntavam à mãe por ele e quando voltaria. Um dia, viram-na muito acabrunhada. Tinha recebido uma carta, uma carta muito seca.

- Resolveu não voltar - disse ela. - Mas mandar-nos-a dinheiro todos os meses. Ó, por que havia de acontecer-me isto?

Talvez os três filhos lhe pudessem explicar, mas não disseram nada. Sentiram-se profundamente infelizes. Era um lar desfeito, aquele em que viviam. A senhora Berkeley considerava-se uma pobre e incompreendida mulher. Ansiava desabafar com alguém, pelo que foi visitar a senhora Mackenzie. Esta, porém, mostrou-se surpreendentemente antipática:

- O André diz que a senhora tinha um bom marido e bom pai. Ajudou-o de boa vontade nos adereços e cenários para o teatro da escola. Eu também simpatizava com ele, nunca me pareceu que fosse um falhado, senhora Berkeley.

- Oh, se soubesse as coisas horríveis que ele me dizia! - queixou-se a senhora Berkeley, desatando a chorar.

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- Não sei nem quero saber - respondeu a senhora Mackenzie com firmeza. - Há sempre culpas de ambos os lados, mas o maior erro foi pensarem apenas em vocês e não nas crianças. Pobres pequenos, faz pena vê-los dizer que o pai anda em viagem! Não se apercebe do que está a fazer aos seus filhos?

- A senhora não está a ser caridosa - gemeu a senhora Berkeley. - Estou arrependida de ter vindo pedir-lhe conselho.

- Bom, se é um conselho que quer, vou dar-lhe - disse a senhora Mackenzie. - Ouça. Escreva ao seu marido, diga-lhe que está arrependida por tudo o que disse e fez e confesse-lhe que tanto a senhora como os seus filhos sentem a falta dele, prometa-lhe que começarão vida nova, no caso dele voltar.

- Oh, isso é impossívell - exclamou a senhora Berkeley, horrorizada. - A culpa não foi minha. Ele é que falhou connosco.

- Talvez ele pense o mesmo da senhora. - observou a senhora Mackenzie. - Mas se consegue viver sem o seu marido, o mesmo não acontece com os seus filhos, que precisam de um pai, sobretudo, o Tom. É bom rapaz, mas até os bons rapazes precisam do amparo de um pai. Convença o seu marido a voltar para casa, antes que aconteça o irremediável.

- Obrigada, mas posso muito bem tomar conta da minha família - declarou a senhora Berkeley erguendo-se com ar muito digno e piscando os olhos. - Lamento tê-la importunado. Não tornarei a fazê-lo.

E saiu abanando a cabeça. Havia de mostrar à senhora Mackenzie que seria capaz de cuidar da sua família, sem ter, de implorar ao pai que regressasse!

CAPÍTULO XII

BERTO ZANGA-SE...

E agora começa a época terrível para as crianças de Fenos de Verão e da Vivenda Espinheiro, um período que deixou em todas elas marcas duradouras que não conseguiriam esquecer.

Leonor e Hilda eram infelizes por três motivos: tinham saudades do pai; detestavam fingir que acreditavam no seu regresso; e a mãe andava tão carrancuda, tão convencida de que era a única vítima, que havia menos paz e conforto em casa do que antes.

Mas quem sofria mais eram os dois rapazes: Berto, na Vivenda Espinheiro, com a mãe todo o dia fora, e Tom, em Fenos de Verão, tentando libertar-se da carga que a mãe lhe atirava para os frágeis ombros.

A falta de ambiente familiar aproximou ainda mais os dois rapazes. Tornaram-se amigos íntimos. Era confortante para Berto saber que tinha um

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amigo mais velho do que ele, que o admirava, que lhe falava e ouvia os seus desabafos. Para Tom, era um alívio ter alguém com quem se abrir e protestar quando estava aborrecido. Berto tinha paciência bastante para o ouvir durante hora e meia, quando Tom o procurava para desabafar.

Berto não conseguira habituar-se à saída diária da mãe para o emprego. Detestava vê-la partir todas as manhãs e, sobretudo, ter de regressar à tarde para a casa vazia. A senhora Mackenzie, sabendo que a vizinha estava empregada, tomava conta de Berto sempre que podia.

- É uma crueldade deixar o pobre pequeno numa casa fria e vazia, sem merenda! - disse ela , ao marido. - Não tem pai, e agora até a mãe lhe falta!

- É um bom rapaz - observou o marido. - Lembras-te como ele vinha aqui todas as tardes e lia histórias à Pat, quando ela esteve com gripe, na semana passada? Fez com que a pequena se sentisse feliz como um passarinho!

- E os serviços que me prestava! - exclamou a senhora Mackenzie. - Não fazes ideia, André! Tive de o impedir, pois Donald começava a ter ciúmes! É bom rapaz, esse Berto. O pai sentir-se-ia orgulhoso dele.

A medida que os dias iam passando, Berto notava uma diferença cada vez maior na mãe. Parecia mais nova e mais bonita desde que entrara para a perfumaria. Comprou roupas mais garridas e o seu aspecto era vistoso e alegre. Agradava-lhe aquela nova vida.

Berto era a única nuvem no seu horizonte. Achava-o diferente, já não era o rapaz carinhoso, simpático e jovial de outrora. Tornara-se carrancudo e mal-humorado, ressentido e inútil. Nunca mais lavara a louça do pequeno-almoço nem acendera o fogão de sala. Mal a escutava quando lhe contava os pequenos incidentes do seu dia de trabalho. Uma tarde, ela disse-lhe:

-Vou trazer aqui uma amiga. É a senhora que trabalha comigo. Não queres lavar a louça do pequeno-almoço, acender o fogão e pôr o chá ao lume, Berto? Como amanhã espero voltar cerca das cinco e meia, também terei de sair mais cedo.

Berto resmungou. A mãe soltou um suspiro. Que rapaz difícil! Talvez mostrasse mais boa vontade, se lhe desse alguma coisa para o seu mealheiro.

- Toma, Berto - disse ela, abrindo a bolsa. Aqui tens vinte escudos. Compra o que quiseres.

Berto olhou friamente para o dinheiro.

- Ainda não acabei de pagar o bilhete de cinema que não comprei. Ou já se esqueceu disso? Não aceitarei nada enquanto não pagar os cinco escudos que faltam.

- Não tem importância - disse a senhora Kent que, efetivamente, se tinha esquecido. - Fica com essa nota. Talvez te ajude a sorrir!

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Mas Berto rejeitou tão rudemente o dinheiro que este caiu ao chão.

- Não quero nada do que ganha - declarou com voz trêmula. - Preferia tê-la em casa, que é o seu lugar. É como se não tivesse um lar. Nem me apetece voltar, depois da escola. As vezes, sinto ganas de partir tudo!

- Berto! - exclamou a mãe, apavorada. - Ora ouve, vou-te explicar como seria muito mais agradável para mim...

- Não quero ouvir nada. - interrompeu Berto, levantando-se para sair da sala. - Já sei que gosta mais do seu emprego do que de mim!

Saiu. A senhora Kent olhou desconsolada para o fogão. Não podia desistir do emprego. Gostava das pessoas com quem trabalhava, da azáfama e dos risos, do dinheiro que ganhava, se bem que concordasse que não precisava muito dele! Olhou-se ao espelho. Agora que trabalhava numa casa de produtos de beleza, sabia tornar-se bonita. Sentia as mãos suaves e o rosto macio. Que pena Berto não se mostrar orgulhoso do seu aspecto e não lhe dedicar o apego e o amor que costumava! Que se passava com ele, ultimamente?

De qualquer forma, algo se passara com Berto no dia seguinte. Como habitualmente, voltou da escola para casa, sempre vazia e sem ambiente, lembrando-se de que tinha de preparar tudo para quando a mãe chegasse com a amiga. Olhou mal-humorado para a lenha com que devia acender o fogão e para a louça engordurada do pequeno-almoço. Olhou para a chaleira em cima do fogão de cozinha e para as cortinas corridas desde a manhã. E, de repente, qualquer coisa estalou no seu íntimo e o enraiveceu. Odiou o fogão, a louça do pequeno-almoço, a chaleira e tudo o mais! Odiou a sala e a casa. Deu um pontapé no tapete, que voou. Atirou com a louça ao chão e desatou a rir quando esta se espatifou. Pegou na chaleira e arremessou-a contra a parede. Quebrou um quadro, pontapeou os tapetes, espalhou a lenha pela sala. Que barafunda!

Depois, quedou-se a olhar para o que fizera e sentiu-se melhor, embora soubesse que tinha procedido mal, que havia cometido uma estupidez e um erro. Saiu de casa e dirigiu-se para a dos Mackenzie. Receberam-no com demonstrações de alegria.

Quando a mãe chegou à vivenda com a amiga, ficou horrorizada. Estava tudo às escuras e não saía fumo da chaminé. Que teria acontecido a Berto?

Acendeu a luz da sala e recuou assustada. Quem fizera aquilo? Quem partira o vaso de porcelana e o quadro? Com certeza que a chaleira não voara do seu canto! E toda aquela lenha espalhada? Sentiu-se tomada de espanto e fúria. Teria sido Berto? Não, ele não faria uma coisa daquelas! Era impossível! Com a ajuda da amiga limpou a sala, acendeu o fogão e pôs a chaleira ao lume. Em breve tudo ficou em ordem, mas a senhora Kent continuava perplexa. Era tudo tão estranho! E como explicar à amiga? Sentiu-se envergonhada. Se era obra de Berto, iria ouvir das boas!

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Depois que a amiga se retirou, a senhora Kent procurou Berto em todos os cantos da casa, não fosse dar-se o caso de estar escondido. Mas não o encontrou. Supôs que estivesse em casa dos Mackenzie e foi lá procurá-lo.

- Sim, estava - informou a senhora Mackenzie. Estivera a ajudar o senhor Mackenzie na construção de um barco.

- Entre, senhora Kent - convidou ela. Mas o convite foi declinado.

- Apenas quero que diga ao Berto que venha imediatamente.

Berto não demorou. Ela agradeceu, despediu-se da senhora Mackenzie e dirigiu-se silenciosamente para casa com o filho. Assim que chegaram à sala, a mãe perguntou:

- Berto, foste tu que causaste toda esta barafunda?

- Que barafunda?

- Sabes muito bem ao que me refiro! – gritou a mãe. - As chávenas e os pires partidos, a lenha atirada ao chão, o...

- Ah, isso! - disse Berto, como se de nada se tratasse. - Sim, fui eu. E voltarei a repeti-lo, se me apetecer.

A mãe encarou-o.

- Berto! Acho-te muito estranho! Isso não são maneiras de falar. Pensa no que senti quando cheguei com a minha amiga e vi a casa neste estado!

- Ainda bem! - disse Berto. - Eu não queria que ela viesse. Por que motivo havia de acender o fogão, preparar o chá e tudo o mais para ela, se, quando eu chego a casa, não há nada para mim?

A senhora Kent argumentou como pôde, mas o filho não cedeu nem se mostrou arrependido.

- É como tentar convencer uma pedra! - lamentou-se por fim, quase a chorar. - És mau e, se julgas que é assim que consegues o meu amor, estás muito enganado. Apenas fazes com que ainda goste menos de ti.

- Já sei que não se importa comigo – disse Berto. - Não passo de um estorvo ou de alguém que lhe prepara as coisas. Sou um estorvo para os seus fins-de-semana, um empecilho que só lhe suja a casa. Sou um estorvo quando quer ir ao cinema à tarde. Ora os estorvos quebram coisas e foi isso que eu fiz!

A mãe olhou-o, estupefacta. Tinha apenas dez anos, ainda nem um rapaz era! Como podia dizer coisas tão horríveis? Ela não o merecia, e pôs-se a chorar.

Berto lembrou-se de que a mãe de Tom também chorava quando se supunha ofendida, procurando assim despertar a piedade. Isso tornou-o mais duro e obrigou-o a sair, sentindo-se, de repente, muito mais velho do que era.

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- Aviso-a, mãe, de que voltarei a partir coisas.

Não era precisamente isso o que queria dizer. Apenas pretendia castigar, assustar, impedir a mãe de trazer amigas a casa, na esperança de que as relações entre ambos melhorassem.

- Filho cruel! - exclamou a senhora Kent. Se é isso que tencionas fazer, providenciarei para que vás para a escola antes de eu sair e fecharei todas as portas. Terás de esperar na rua até que eu chegue!

- Não me importo - disse Berto. - Prefiro isso a estar numa casa vazia. De boa vontade esperarei que volte. Ao menos encontrarei o fogão aceso e luz, quando abrir a porta, em vez de frio e escuridão!

E foi assim que todas as manhãs, a senhora Kent passou a fechar a casa, de modo que Berto tinha de passar as tardes na rua, cheio de frio, de fome e cansaço.

CAPÍTULO XIII

O BANDO

Na parte baixa da cidade havia um pequeno bando de garotos. O mais novo tinha oito anos e o mais velho quinze. Eram quatro: Len, João, um rude irlandês, Patrício e Fred. Encontravam-se todas as tardes de sábados e domingos. O sítio favorito para as brincadeiras era um terraço entre velhas casas em ruínas, à espera de serem demolidas. Nos fundos de uma dessas casas havia um cubículo. Os quatro rapazes tinham-no descoberto casualmente e ficaram encantados.

- Oh, vejam isto! - exclamou Len, observando alguns degraus de pedra. - Que será? Um túnel? Vamos brincar aos espiões! Será um bom esconderijo!

E era, com efeito. Ao fundo da escada, havia um cubículo de pedra e sombrio. As paredes escorriam humidade e o lugar cheirava a mofo e a lama. Mas os garotos não se incomodavam com isso. Era um excelente esconderijo, um buraco onde ninguém os iria procurar. João lembrou-se de fazer daquile local de encontro e propôs que o mobilassem.

- Arranjam-se uns caixotes, rapina-se um tapete velho em qualquer sítio... Também precisamos de velas. A minha mãe dar-me-á uma.

Aquele cubículo tornou-se a grande preocupação dos garotos. Levaram para lá todos os seus tesouros: um velho baralho de cartas, roto e sebento, um maquinismo de relógio pertencente a Len. Alguns livros de anedotas, um castiçal partido para a vela, e, o que era mais estranho, um telefone de brincar! Fora Fred, o mais velho, quem o levara para ali. Tinha muito orgulho nele. Vira-o numa loja de brinquedos e rapinara-o, quando a loja estava cheia de gente e ninguém se encontrava de atalaia. Tinha visto, no cinema, homens ricos com as secretárias cheias de telefones e, embora nunca se tivesse utilizado de

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nenhum, pareceu-lhe ser aquilo um sinal de poder e riqueza. Precisava de um também! Ainda que fosse um brinquedo.

Assim, ali estava o pequeno telefone em cima de um caixote. De respiração suspensa, os outros três garotos ouviam Fred transmitir ordens a hipotéticos espiões ou bandidos com sotaque americano!

As vezes, levavam para ali alimentos que partifhavam entre si. Na estação da fruta, planeavam assaltos aos quintais. Faziam coisas estúpidas, como tocar as campainhas das portas e fugir em seguida.

Len, o mais novo, era irmão de Fred, de quinze anos. João tinha onze e Patrício doze. A voz deste era grave, autoritária, sabia mostrar-se escarninho e não lhe faltava esperteza.

Len e Fred não tinham pai. Viviam inteiramente livres. A mãe deixara de se preocupar com eles. Faziam-lhe caretas, roubavam-lhe dinheiro da bolsa, quando a apanhavam a jeito, e ninguém conseguia segurá-los.

João tinha pais e cinco irmãos, dois rapazes e três raparigas. Mas como viviam em dois exíguos quartos, o garoto escapava-se sempre que podia. Os dois aposentos cheiravam mal, revelavam desleixo e sujidade. João detestava a sua casa e, posto que gostasse da mãe, não suportava o seu rosto triste e a voz chorosa. Há muito que a pobre mulher perdera a esperança de ter uma casa maior para a família e isso afetara-lhe o coração. Não havia dúvida de que o garoto procurava a felicidade em qualquer outro sítio, pelo que a descoberta do cubículo fora para ele uma bênção.

Nenhum dos rapazes era muito inteligente. Patrício tinha uns lampejos de esperteza, que o bando não desdenhava, mas os dois polícias de giro daquele bairro mantinham-nos em respeito e fugiam deles assim que os avistavam. Uma noite, Fred anunciou:

- O nosso bando passa a chamar-se Os Quatro Terríveis. Não temos medo da Polícia nem de ninguém, não vos esqueçais!

- Não temos medo de ninguém! - repetiu Patrício.

É claro que não era verdade. Receavam os professores, os chuis, um ou dois lojistas que os haviam perseguido, e Patrício, tinha um medo terrível do pai. Mas gostavam de armar em valentes e por momentos, sentiram-se donos e senhores do mundo! Fred pegou no auscultador do telefone e logo os seus três homens ficaram silenciosos, escutando com atenção. Fred era imponente ao telefone.

- É do número 61045? - perguntou no tom áspero e sacudido que usava às vezes. - Daqui o chefe dos Quatro Terríveis. Eis as minhas ordens: tu e mais cinco homens metei-vos no carro grande e ide ao Cicatriz receber ordens. Em seguida...

O monólogo durava cerca de dois minutos. Então Fred pousava o auscultador e dizia:

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- Bem, rapazes, os tipos já sabem o que têm a fazer.

Os do bando andavam sempre à cata de dinheiro - dinheiro para a comida e para o cinema, que os fascinava. Gostava de se sentar numa cadeira confortável, na sala aquecida, vendo pessoas perseguidas e alvo das balas, cavalos galopando a grande velocidade, automóveis lançados a cem à hora, aviões que explodiam no ar... - tudo isso era fantástico para eles. Não precisavam de pensar, de fazer uso dos miolos. Bastava-lhes olhar, confortavelmente sentados.

Foi com este bando que Berto esbarrou uma noite, uma semana depois da mãe se ter decidido a fechar a casa, levando as chaves consigo, de modo que ele não podia entrar antes das seis horas e meia. Ela deixava-lhe um pouco de bolo numa prateleira do barracão do quintal, mas Berto nunca lhe tocava.

- Deixa-me a comida cá fora, como se eu fosse o gato do vizinho - resmungava. - Esperarei que ela volte e então exigirei um jantar a sério, obrigá-la-ei a fazê-lo por muito cansada que esteja. Mas era difícil preencher o tempo entre o termo das aulas e as seis e meia... Além disso, as tardes eram agora escuras e frias.

- Podes ir para casa dos Mackenzie - disse-lhe a mãe. - Gostam de te ver lá, só Deus sabe porquê!

Mas Berto não queria. Tinha vergonha de confessar que não o deixavam ir para a sua própria casa. Foi lá apenas uma vez, quando o convidaram a tomar chá e a ajudá-los num serviço qualquer.

Trabalhou tanto e tão bem que o senhor Mackenzie mostrou-se admirado.

- Volta outra vez - convidou. - És habilidoso. Fizeste duas vezes mais do que o teu amigo Donald aqui presente! Vem quando quiseres. Quero ver se tenho este barco pronto para o Natal.

A maior parte das noites, Berto errava pela cidade, enervado. Batia o chão com mau humor, carregando às costas a pasta dos livros. Mirava todas as lojas abertas e as casas iluminadas. As famílias que nelas se reuniam constituíam para ele uma espécie de obsessão.

Uma tarde, em que chovia a cântaros, Berto dirigiu-se para a parte baixa da cidade. Hesitou entre ir para o barracão do quintal e esperar lá ou fazer uma visita aos Mackenzie. Mas desistiu. Descobriria abrigo em qualquer outro sítio. E assim chegou a um largo de casas arruinadas.

- Vou-me abrigar ali - pensou. E pulou por cima dos tijolos partidos, em busca de um canto numa das salas em ruínas. Foi então que ouviu uma voz vinda de trás, áspera, sacudida, transmitindo ordens. Berto ficou aparvalhado.

- Está? É do 678345? Daqui fala o chefe. Que vem a ser isso de não te apresentares quando te chamo? Há mais de duas horas que estamos à tua

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espera! Estás com medo por não teres executado o que te mandei? Bom, já sabes o que acontece aos tipos que falham! Se não queres mais sarilhos, desanda para aqui! Terás de te haver com os Quatro Terríveis!

Berto estava realmente aparvalhado. Que vinha a ser aquilo? Quem falava assim, mesmo por detrás dele?

Então, viu uma luz que se filtrava ao fundo. Curvou-se e descobriu que estava junto de uns degraus de pedra que conduziam à cave. Sentiu-se excitado. Que seria aquilo? Teria descoberto algum esconderijo?

Cautelosamente, pisou o primeiro degrau. Depois, outro e outro. A chuva continuava a cair com abundância, abafando o ruído dos passos nos escorregadios degraus de pedra. Chegou à entrada do cubículo e quedou-se espantado. Era um quadrado de paredes húmidas, com caixotes espalhados, um pedaço de tapete velho e, em cima, um montão de livros de anedotas e uma vela metida numa garrafa de coca-cola. Num dos caixotes via-se um telefone - o pequeno brinquedo de que Fred tanto se orgulhava.

Em torno da vela, estavam sentados quatro garotos, entretidos com os livros de anedotas. Nunca tinham lido outra coisa. Berto achou tudo aquilo muito estranho e excitante, deveras surpreendente. Subitamente, Patrício ergueu os olhos e descobriu-o.

- Olá! - berrou. – Olhai para ali! Quem é aquele?

Então, Berto teve um rasgo de esperteza. Sorriu corajosamente e disse:

- Sou o 678345! Acabo de receber o telefonema. Venho apresentar-me ao chefe.

Um silêncio de morte pairou no cubículo. Os quatro garotos olharam para Berto, extremamente admirados com o que acabavam de ouvir. Quem era ele? Como soubera da sua existência? Vinha realmente apresentar-se?

Fred aproveitou a oportunidade. Concluiu logo que Berto era um rapaz de condição superior à deles, valente e com sentido de humor. Talvez o pudessem utilizar!

- Vem cá, 678345! - comandou. - Fizeste bem em vir! Ia agora mesmo mandar-te buscar!

Berto entrou no cubículo. Fred retirou o seu precioso telefone do caixote e convidou Berto a sentar-se.

- Suponho que me ouviste telefonar - disse.

- Sim - respondeu Berto. - Não consegui evitá-lo. Foi desse telefone que te serviste?

Fred não respondeu: às vezes convencia-se de que telefonava realmente aos membros do bando e não queria admitir que não fosse assim. Vivia num curioso mundo de fantasias.

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- Está a chover a cântaros - observou Berto. Importas-te que me abrigue aqui? Gosto deste lugar. Uma casa dentro doutra casa... Estranho, não é?

- Fica o tempo que quiseres - disse Fred. - Somos todos cúmplices!

CAPÍTULO XIV

UMA CASA DENTRO DE CASA

Os Quatro Terríveis adotaram imediatamente Berto. Este aproximou-se mais, falou e mostrou-se muito à vontade. O prazer que lhe proporcionava aquele cubículo transmitiu-se aos outros.

- Volta outra vez, cúmplice - declarou Fred, quando ele se retirava. - Serás sempre bem recebido. Haverá sempre um livro de anedotas para ti!

Assim, Berto voltou lá, cada vez com mais frequência. Sentia-se seguro e desejado. Os quatro garotos admiravam-no e estimavam-no e, como vestia melhor do que eles e vinha de uma casa mais farta, sentiam-se orgulhosos por ele compartilhar o seu cubículo.

- Está frio, aqui - disse Berto, uma noite. Por que não fazemos uma fogueira?

- É impossível - esclareceu Patrício. - Já o tentamos, com lenha roubada. Mas íamos morrendo asfixiados. Não há chaminé, percebes?

- E um fogão a petróleo? – alvitrou Berto. Isso é que estava mesmo a calhar!

- Caramba! E onde vamos desencantar um fogão a petróleo? - caçoou Patrício. – Não nascem nas árvores!

- Posso trazer um de casa - ofereceu Berto. Amanhã à noite trago um. O Patrício irá comigo para trazer petróleo. Precisamos de um cano. Assim, teremos calor e conforto.

O fogão a petróleo constituiu um acontecimento. O calor em breve se espalhou pelo cubículo e os clarões vermelhos eram muito agradáveis. Patrício olhou para Berto com gratidão.

- Obrigado - disse. - Daqui a pouco, tenho de tirar o casaco. Fred, não achas que devíamos fazer de Berto um Terrível? Passaremos a ser os Cinco Terríveis.

Fred encarou os companheiros:

- Que dizeis, rapazes?

Patrício, João e Len ergueram logo as mãos como se estivessem na escola.

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- Eu digo sim - declarou João, e os outros imitaram-no.

Fred voltou-se para Berto:

- Aperta cá os ossos! - E estendeu a Berto a mão suja. Este estava emocionado. Tinha sido aceito pelo bando! Já havia pertencido a outro bando de garotos de Croydon, mas este era outra coisa! Apertou solenemente as mãos de Fred, Patrício, João e Len.

O tempo passou-se muito agradavelmente porque Berto não levara apenas o fogão, mas também o bolo que a mãe tinha deixado no barracão. Os garotos comeram com alegria, sentiram-se reconfortados e lançaram-se na leitura dos eternos livros de anedotas. Foi a custo que se decidiram a voltar para casa.

Era tarde quando Berto regressou: oito horas e meia! A mãe mostrou-se aborrecida e zangada.

- Onde estiveste? Não te quero até tão tarde na rua. Há que tempos que o jantar está à espera!

- Fui a casa do Abílio - mentiu Berto. Era mais fácil do que suportar as censuras e os berros. De qualquer maneira, não poderia confessar que estivera com o bando. Seria uma traição!

No dia seguinte, Berto levou para o cubículo uma manta velha; depois, uma pequena mesa; em seguida, copos e uma garrafa de laranjada do armário da mãe. Uma noite, levou um empadão da despensa e o bando teve uma festa maravilhosa.

Houve uma disputa por causa do empadão:

- Quando o levaste? E a que propósito? Não o podias comer todo sozinho!

- Levei-o esta manhã para o barracão, para o ter mais à mão quando voltasse da escola - disse Berto, e era verdade. Mas logo mentiu: - Comi-o todo.

- Estás a tornar-te muito desobediente e difícil. - ralhou a mãe. - Agora, terei de fechar também a porta da despensa à chave.

O bando achava que Berto era um membro maravilhoso dos Cinco Terríveis. Nunca sabiam com que iria ele aparecer no cubículo. Este começava a tornar-se muito caseiro e agradável.

Berto fez uma batida ao sótão da Vivenda Espinheiro. Encontrou uma quantidade de coisas que seriam úteis no cubículo: uma velha chaleira para aquecer água no fogão a petróleo, algumas chávenas e pratos, duas almofadas e um banquinho. A coberto da escuridão, levou tudo para o barracão, donde faria à tardinha a transerência. É claro que não podia deixar aquelas coisas em casa, uma vez que as portas estavam fechadas.

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- Agora, é um verdadeiro palácio – comentou João olhando em volta e comparando aquilo com o seu pretenso lar. - Agora, já tenho onde guardar as minhas coisas. Lá em casa é impossível, os meus irmãos tiram-me tudo!

Cada um dos garotos tinha o seu cantinho no cubículo onde guardava o que lhe pertencia, e nenhum dos cinco teria ousado tocar no que era dos outros.

- A tua mãe não dá pela falta do que trazes? - perguntou Fred. - És um ás a rapinar!

Mas Berto retorquiu imediatamente:

- Tirar coisas da casa da minha mãe não é rapinar, não considero isso um roubo.

- Diz-lhe que sim! - exclamou Patrício. - A Polícia que te apanhe e verás se é ou não rapinanço! E se a tua mãe lhe disser que tudo o que aqui está é dela, iremos parar todos à esquadra! Mas estamos seguros aqui, ninguém nos descobrirá!

Pouco antes do Natal, Tom juntou-se ao bando. O ambiente em sua casa tornara-se insuportável: o pai não voltara, a mãe chorava e gritava, Tom era obrigado a fazer trabalhos que o deixavam exausto.

Hilda e Leonor faziam o que lhes era possível, mas tinham aprendido a ser egoístas e ambiciosas, e agora, que os problemas surgiam, não sabiam como resolvê-los. O dinheiro faltava e as duas meninas não podiam comprar novos vestidos. Tom tivera de renunciar a um sobretudo, embora o antigo já não lhe servisse. Tinha crescido, as mangas, demasiado curtas, deixavam aparecer os punhos, dando-lhe um ar ridículo. Ansiava que o pai voltasse.

- Todas estas mulheres à minha volta! – pensava irritado, referindo-se à mãe e às irmãs. – Sempre a lamentar-se, a murmurar, a chorar! Qualquer dia desapareço como o pai.

Começou a sair todas as tardes, indo para casa deste ou daquele amigo. Um dia, foi procurar Berto, mas encontrou tudo às escuras. Então ouviu um ruído no barracão das traseiras. Seria Berto? Que estaria a fazer ali? Foi ver. Berto saía do barracão, carregando qualquer coisa. Impelido pela curiosidade, seguiu-o em silêncio. Berto desceu o caminho e transpôs o portão. Ao passar sob um candeeiro, Tom viu que ele transportava três grandes caixas de papelão. Pareceu-lhe que eram as mesmas em que costumava guardar o comboio.

- Vai mostrá-lo a alguém - disse para consigo. - Vou segui-lo. Apetece-me brincar um pouco com o comboio, esta noite. Deve ir para casa do Henrique.

Mas Berto não se dirigiu para casa de Henrique. Seguiu para o lugar do costume, para o cubículo. Tom ficou surpreendido quando Berto se encaminhou para a parte baixa da cidade e desapareceu no meio das velhas

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casas em ruínas, como se o chão o tragasse! Mas não demorou muito que Tom descobrisse a entrada para o cubículo. Desceu os degraus até ao quadrado agora aquecido. Cinco garotos, iluminados por uma vela, olharam desconfiadamente para ele, franzindo as sobrancelhas. Quem era aquele que acabava de descobrir o esconderijo? Da Polícia?

- Tom! - gritou Berto. E saltou do seu banco, aliviado por não se tratar da Polícia ou de qualquer adulto. Saudou sinceramente o amigo, como era seu costume, ao mesmo tempo que Tom olhava espantado para o cubículo.

- Caramba! É para aqui que vens? Que vem a ser isto? Um ponto de reunião?

- Quem é? - perguntou Fred, dirigindo-se com maus modos a Berto. - Um amigo teu? Como conseguiu descobrir-nos?

- Segui-o - explicou Tom. - Mas escusais de olhar assim. Não vos vou trair. Formais um bando, não? Nunca me falaste disto, Berto! É um sítio formidável, sim, senhor!

O bando esperava que Tom se fosse embora. Não se importavam que passasse ali uns momentos, mas aquilo era deles e não gostavam de visitas. Tom adivinhou-lhes o pensamento.

- Não vos quero incomodar nem intrometer-me, mas se precisardes de mais um membro para ajudar - e ajudar a valer - lembrai-vos de mim, está bem?

- Ele não pode ficar? - perguntou Berto. - Preciso de alguém para instalar o meu comboio e o Tom já está habituado. Será muito útil.

- Seja! - anuiu Fred com relutância.

Se fosse qualquer outro a fazer o pedido, teria recusado, mas Berto tinha sido tão útil ao bando, proporcionara-lhes tanto conforto, que era difícil dizer-lhe que não. Assim, Tom ficou. O comboio foi posto em marcha e os seis rapazes divertiram-se a provocar colisões e desastres, manobrando atabalhoadamente os sinais e impelindo as locomotivas. Mesmo Fred, apesar dos seus quinze anos, estava fascinado. Era tarde quando o brinquedo foi de novo recolhido nas caixas.

- Com a breca! Nove e meia! - exclamou Tom. - Já vou apanhar uma descompostura, embora isso não seja novidade: Aposto que te vai acontecer o mesmo, Berto!

- E eu ralado! - disse Berto. - O que tenho agora é fome. Terei de rapinar qualquer coisa na despensa, se a minha mãe ainda não a tiver fechado à chave.

Fred deteve Berto, quando este subia os degraus atrás de Tom:

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- Ouve lá! Gostarias que o teu amigo entrasse para o bando? É um tipo fixe, não é? E tem miolos!

- Vou-lhe perguntar - respondeu Berto, encantado. Seria bom ter o amigo no bando, poderiam fazer o trajeto juntos. Tom era sempre tão mal recebido em toda a parte que não recusaria aquela oportunidade!

E foi assim que Tom se tornou membro do bando. Chamavam-se agora Os Seis Terríveis, e o cubículo começava à ser pequeno para tanta gente. Mas ninguém se importou com isso. Tom contribuiu com a sua parte: mais petróleo, velas, comida, bebidas e outra almofada. Para os garotos, aquele era o lugar mais agradável e bonito do mundo.

- Um verdadeiro lar - exclamou João. - Fizemos disto um verdadeiro lar!

CAPÍTULO XV

DINHEIRO PARA O BANDO

Tom provocou alterações no bando. Não se contentava em passar os fins da tarde sentado no cubículo a ler livros de anedotas. Arranjou outra espécie de leitura, mas, à excepção de Berto, ninguém se mostrou interessado.

- É muito difícil - queixou-se Patrício, atirando ao chão o livro que Tom lhe estendia. - Mal acabo de ler uma frase, já não sei o que significa. Os livros de anedotas são melhores - é tudo desenhos! Nem é preciso ler, basta olhar para as imagens. Prefiro os livros de anedotas e o cinema; não é preciso pensar.

- Nesse caso, que me dizeis ao filme de amanhã? - inquiriu Tom. - Podemos ir todos. E uma fita formidável: Ele Matou Seis! Aposto que não faltam tiros!

- Pum! pum! pum! - fez Len, imitando uma espingarda. - Quem me dera ter uma arma! Dispararia contra toda a gente: Pum, pum, pum!

- Cala-te! - ordenou Fred, que raramente autorizava o irmão mais novo a intrometer-se nas conversas. - Ninguém falou contigo, Len! - E voltando-se para Tom. - O pior, amigo, é que os bilhetes custam dinheiro. Parece-me que não pensaste nisso.

- Não te faças engraçado! - replicou Tom. - Já se sabe que não temos dinheiro. Ou és rico?

- Alto aí - gritou Patrício. - Conheço um sítio onde há dinheiro.

- Onde? - perguntou Fred.

- Conheces o homem da tabacaria que mora à esquina da minha rua? - inquiriu Patrício. – Pois bem, o velhote guarda o dinheiro numa caixa que tem numa prateleira, nas traseiras da loja. Vi metê-lo lá quando fui comprar cigarros

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para o meu pai. É um velhote. Uma vez deu-me quinze tostões a menos no troco e o meu pai pregou-me uma tareia quando cheguei a casa.

Houve um silêncio. Berto sentiu-se pouco à vontade. Que estava Patrício a propor?

- Bem, continua - comandou Fred. - Queres reaver os teus quinze tostões?

- É isso - respondeu Patrício, confirmando com a cabeça, tão violentamente que o cabelo comprido e ensebado lhe caiu para o rosto. - Se um de vós quiser vir comigo, para vigiar, entro pela janela das traseiras, quando o velhote estiver na frente.

De novo se fez silêncio.

- Bah! - disse Patrício com desdém. - Sois todos uns cobardes, uns medrosos! Então, ninguém se atreve a ir comigo para vigiar, enquanto eu procuro os meus quinze tostões?

- Vou eu! - ofereceu-se Tom, picado pelo insulto. - Ninguém se importa? Está-me a apetecer um pouco de exercício. Irei contigo, Patrício.

- É melhor não ires, Tom - aconselhou Berto.

- Não faças caso! - interveio Patrício. - Só rapina o que é da mãe! Tens alguma coisa a alegar em tua defesa, Berto?

Berto irritou-se, mas Fred empurrou Patrício e gritou-lhe:

- Desaparece. Vai buscar os teus quinze tostões. Bem sabes que não quero lutas aqui!

Seguido por Tom, Patrício subiu os degraus. Os outros quatro ficaram febrilmente à espera. E se Patrício fosse apanhado? Mas, vinte minutos depois, ouviram o assobio abafado que era o sinal do grupo e os dois rapazes apareceram, orgulhosos da sua proeza.

- Foi fácil! - disse Patrício. - Tão fácil como comer bolos! Abri a janela, escorreguei para dentro fui à prateleira que fica ao fundo da loja e pronto, cá estámos!

- Um polícia vinha a passar e parou perto de mim - contou Tom orgulhosamente. - Mas escondi-me atrás de um caixote do lixo e ele continuou o seu caminho. Patrício parecia uma enguia. Aproximou-se da janela como uma sombra.

Estavam todos excitados. Tinha sido uma aventura. Era muito bonito brincar aos espiões e bandidos contra policias e detetives, numa aventura real! Berto, Fred, Len e João olharam com respeito para Tom e Patrício. Este apalpou o dinheiro no bolso e sorriu. Fred encarou-o com dureza.

- Despeja os bolsos!

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Patrício hesitou, mas Fred insistiu colericamente:

- Despeja-os! Ou atreves-te a desobedecer-me?

O rapaz despejou um dos bolsos em cima da mesa. Havia moedas de dez e cinco escudos, de vinte e cinco e cinco tostões!

- Querias guardar tudo para ti? – perguntou Fred ferozmente. - Dividir é o que o bando costuma fazer, percebes? Apetecia-me torcer-te o pescoço!

Berto olhou surpreendido para todo aquele dinheiro:

- Tiraste tudo isto da caixa do velhote? Julguei que só tinhas ido buscar os teus quinze tostões.

Patrício riu-se:

- Pois fui, camarada. O resto é pelo meu trabalho. Alguma objeção?

- Era melhor devolvê-lo - disse Berto. Sentia-se aflito. Aquilo era um roubo.

- Ora essa! Vai lá tu! - gritou Patrício, olhando à sua volta, em ar de desafio. - Há aqui alguém que o queira ir devolver? Estou às vossas ordens. Mas aposto que o velhote já descobriu e chamou a Polícia!

Fez-se um silêncio de morte. Depois, Fred falou:

- Bem, o dinheiro está aqui, e ninguém pensa em devolvê-lo. Conta-o, Patrício, para o podermos dividir. Os teus quinze tostões não entram.

- Quero dez escudos - disse Patrício. - Fui eu quem fez o trabalho, não fui? Que fique o Tom com os quinze tostões, por ter ficado de vigia.

- Não - recusou Tom, embora acabasse por aceitar.

Berto mantinha-se silencioso. Não queria a sua parte, mas receava os comentários desagradáveis. Por isso, aceitou-a, pensando esconder aquele dinheiro em casa e devolvê-lo ao velhote na primeira oportunidade. Não o fez, porém. No dia seguinte, soube que Pat fora levada para o hospital com uma apendicite. Joana e Donald contaram-lhe o ocorrido a caminho da escola.

- Foi a meio da noite - começou Joana, muito pálida. - Chamamos o médico, porque Pat estava com uma grande dor na barriga. Ele mandou logo vir uma ambulância e levou-a para o hospital, onde foi operada.

- E agora está bem? - perguntou Berto, ansiosamente. Gostava imenso de Pat e de conversar com ela a caminho da escola.

- Sim, está quase bem, mas terá de ficar lá dez dias - disse Donald. - A mãe manda perguntar se a queres ir ver, Berto. Amanhã é dia de visita. Podes levar-lhe um livro, se quiseres.

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- Ou flores - alvitrou Joana. - A Pat gosta muito de flores, mas são tão caras!

- É horrível não vermos Pat ao pequeno-almoço - disse Donald. - Simplesmente horrívell. Também me sinto triste porque, ontem à tarde, Pat pediu-me para ler e eu não quis. Estava entretido com a minha pequena serra... Agora, sinto remorsos. Irei vê-la dia sim dia não e levar-lhe presentes.

O único dinheiro que Berto possuía era o que recebera do bando. Tinha acabado de pagar aquele infeliz bilhete de cinema e ainda não tinha recebido os vinte e cinco tostões que a mãe lhe costumava dar todos os sábados. Mas não lhe iria pedir dinheiro! Que guardasse para ela o que ganhava - pensava Berto, de mau humor, como sempre acontecia quando se lembrava da mãe.

Pensou em Pat e viu-a estendida num leito de hospital, sozinha, ansiosa por ver a família e Berto também! Sabia que Pat gostava dele e se sentia bem na sua companhia. Com ele à beira, não estava abandonada.

- Irei depois da escola, se tudo correr bem. Como ela está num quarto particular, poderei demorar-me um pouco mais, não é verdade?

- Sim, contanto que a não fatigues - respondeu Joana. - A enfermeira dir-te-á o tempo que podes lá estar.

Nesse dia, Berto pensou muitas vezes em Pat. Havia-lhe dito que seria para ela como um irmão e ela a sua irmãzinha. Tinha a certeza de que a estimava mais do que a Joana e a Donald. Lembrava-se de como ela lhe apertara a mão quando estivera com gripe e ele lhe lia um pouco todas as tardes. Era uma criança amorosa!

Se tivesse uma irmã como Pat, nunca me teria juntado ao bando, cogita-va Berto. Que lhe hei-de comprar? Talvez umas flores, mais um pequeno presente. Levar-lhe-ei todos os dias um presente. Sabia como adquirir as flores e as prendas! O resto pouco lhe importava nem mesmo as acusações da sua consciência. Apenas sabia que teria de utilizar o dinheiro que recebera do bando na noite anterior. Cada um embolsara uma moeda de dez escudos, duas de cinco, três de vinte e cinco tostões e alguns trocos, com exceção de Tom e Patrício que tinham ficado com mais, visto terem sido eles a arranjar o dinheiro.

A hora do almoço, Berto escapou-se da escola e foi à florista. Comprou um bonito ramo de anémonas e dirigiu-se, em seguida, para a loja de brinquedos onde adquiriu uma boneca na respectiva caminha. Com um pouco de cautela, o dinheiro chegaria até Pat sair do hospital.

A pequenita ficou encantada com a sua visita. Estava recostada em grandes almofadas e parecia mais pálida. Os seus olhos castanhos eram muito grandes e tinha uma fita vermelha nos cabelos. Berto achou que se assemelhava mais do que nunca a um duende. Ela abraçou-o e sorriu, maravilhada com as flores e a boneca.

- És muito bondoso! - agradeceu. - Já sabia que me trarias um presente. Tinha a certeza. És o irmão mais simpático do mundo!

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- Não querias, decerto, que me esquecesse da minha irmãzinha e não lhe trouxesse qualquer coisa, pois não? Queres que leia para ti?

- Sim, quero. A mamã deve estar a chegar e conversará comigo. O Donald e a Joana virão à hora da merenda, de modo que está tudo bem. Gosto de ver gente, embora as enfermeiras sejam muito simpáticas. Voltas amanhã, Berto?

- Amanhã e todos os dias. Coragem! Vais ver que te sentirás bem aqui! E quando voltares para casa, dar-te-ei uma grande prenda de boas-vindas!

Antes de passarem os dez dias, já todo o dinheiro de Berto tinha sido gasto com Pat. Mas ele não se sentia culpado nem sequer pensava que procedia mal. Era como se o dinheiro se destinasse realmente a Pat, como se não proviesse de um roubo.

Todo o bando gastou como lhe aprouve a parte que lhe tocara. No fim, o mesmo pensamento atravessou o espírito de todos: como conseguir outra quantia igual?

CAPÍTU LO XVI

O NATAL ESTÁ A PORTA

O Natal aproximava-se. Patrícia tinha voltado para casa. Sentia-se novamente cheia de vivacidade e feliz e voltaria para a escola depois do Natal. Referia-se a Berto a toda a hora e momento.

- Cala-te com o Berto! - resmungava Donald. - Nós também te demos coisas! Não havia nada de especial nas prendas que o Berto te deu!

- Claro que havia! - contrapôs Patrícia. – Ele sabe exatamente aquilo de que eu gosto! E, pelo Natal, vai-me dar uma grande boneca que fecha os olhos. Ora toma!

- Não contes muito com isso - advertiu a senhora Mackenzie. - Esse gênero de boneca é muito caro. Não me parece que Berto saiba o seu preço. Coitado! Tem sido muito simpático para contigo Pat!

A senhora Mackenzie estava grata a Berto por este brincar tantas vezes com Patrícia, agora que ela estava em casa e não ia à escola. Via-o todos os dias à merenda e sentia-se triste por saber que a casa ao lado estava fechada à chave até às seis e meia. O rapaz não escondia a sua gratidão por tanto carinho e bondade. Fazia tudo o que podia pela senhora Mackenzie, o que despertava a inveja de Donald.

- É como se tivesse outro filho - disse ela ao marido, uma noite. - Além disso, é muito hábil, vê logo quando uma coisa é ou não possível. Um rapaz. André, não te parece?

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- Sim, parece. E muito leal, também. Nunca se revolta contra o egoísmo da mãe! Ao passo que ela o esquece e abandona, só pensa em embelezar-se. Gostaria de lhe dizer duas verdades!

- O mesmo me apetecia dizer à senhora Berkeley - declarou a senhora Mackenzie. - Passa o tempo a queixar-se de Tom. Afirma que sai de casa todas as noites e só volta a horas mortas. Não sabe para onde ele vai, mas tem a certeza de que anda com más companhias. É claro que ele não lhe conta nada!

- É uma pena que o Berkeley não volte para casa - observou o marido. -É certo que é um homem fraco, mas não é lícito ser-se fraco quando se tem filhos! Ou se conseguem forças de qualquer maneira ou, então, perdem-se os filhos.

- Gostaria de lhes bater com as cabeças um no outro. - disse a senhora Mackenzi e, fazendo chocar o dedal contra a costura como se se tratasse do casal Berkeley. - Só pensam neles, enquanto o filho vai por mau caminho e as filhas se tornam umas infelizes e choramingas como a mãe.

Puseram-se a falar do Natal. Fariam a árvore como de costume e as crianças ajudariam a decorá-la, mas precisavam de mais enfeites. Havia os doces de Natal para confeccionar e a tia Catarina prometera um gordo peru da sua quinta. E quanto às prendas para os filhos?

Enquanto conversavam e faziam planos para a família, algo de muito diferente se passava em Fenos de Verão e na Vivenda Espinheiro. Em Fenos de Verão apenas se ouviam queixumes e o mesmo acontecia na Vivenda Espinheiro.

A mãe de Berto pensava em festejar o Natal fora com a amiga, mas não queria levar o filho, Berto seria um incómodo, pois o apartamento da amiga era muito pequeno. Além disso, há dias que andava insuportável, irreconhecível. A mãe estava realmente desgostosa com ele e imaginava a maneira de se desembaraçar da sua presença pelo Natal.

Não suportaria passar as festas com o Berto sempre mal-humorado e respondão, pensava. E se o mandasse para casa da tia?

Falou nisso ao filho, que olhou para ela surpreendido:

- Passar o Natal com a tia Suzana? Então, não o passamos em casa? Vai para fora?

- Não. Apenas fui convidada por uma amiga respondeu a mãe. - Mas não te pode receber. Por isso, julguei que gostasses de ir para casa da tia Suzana e dos teus primos.

- Bem sabe que não gosto da tia nem dos piegas dos primos - retorquiu Berto, furioso. - Quer ver-se livre de mim, é o que é!

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- Não é verdade - mentiu a senhora Kent. - O certo é que te tornaste insuportável, Berto. Com franqueza, penso que o Natal aqui não seria nada agradável, para ambos.

Berto pôs-se a olhar para o lume. Gostaria de passar o Natal na Vivenda Espinheiro. Era uma casinha engraçada e sentiria prazer em decorá-la. Tinha pensado em arranjar um a pequena árvore para o quarto de Patrícia e em ornamentá-la também. Esperava que a mãe se mostrasse amável para com ele no Natal, mas via que isso era um disparate!

- Está bem, vá para onde quiser - disse por fim. - Irei para casa da tia Suzana.

Não tencionava fazê-lo. Pensava em introduzir-se sorrateiramente no acollhedor cubículo do bando e passar lá o dia de Natal! Talvez os do bando aparecessem à tarde e, nesse caso, organizariam ali uma festa. Berto pôs-se a fazer planos. Sim, seria divertido! Mas uma vez mais surgiu a questão do dinheiro. Sem este, nada se podia fazer. Se ao menos tivesse idade bastante para se empregar, tudo seria diferente. Mas quando se recebe vinte e cinco tostões por semana e não se tem tios que ofereçam prendas ou moedas de dez ou cinco escudos, nada se pode comprar!

Tinha prometido a Pat uma boneca que abrisse e fechasse os olhos. Contou os dias que faltavam para o Natal. Não eram muitos! Nessa tarde, foi ao cubículo e já lá encontrou os outros. A atmosfera parecia abafada. Len trouxera algumas tranças de papel que fizera na escola e mostrou-lhas.

Berto olhou em torno, satisfeito. Não tinha pensado em decorar o cubículo, mas talvez fosse boa ideia. Traria algumas velhas decorações de casa, visto que este ano não seriam precisas, e tornaria o local mais alegre.

- Essas tranças são engraçadas - disse a Len. - Vamos decorar isto. Eu trato de tudo. Tenho muito material verde e vermelho em casa, sinos de papel e outras coisas. Isto ficará um encanto. Trarei também um pouco de azevinho do meu quintal.

- A tua mãe disse que te ia mandar para casa de uma tia - lembrou Tom.

- Pois não vou - retorquiu Berto. - Não gosto dela. A minha mãe está convencida disso, mas a verdade é que virei para aqui. Vinde ter comigo à tarde e faremos uma festa. Arranjarei comida.

- Ótimo! - exclamou Fred. - Uma festa para o bando! Alguém conseguiu dinheiro esta noite?

João mostrou algum.

- Onde o arranjaste? - inquiriu Fred.

- Não faças perguntas, se não queres ouvir mentiras - disse João, sorrindo.

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O dinheiro foi dividido. Tocaram dezesseis escudos e cinquenta centavos a cada um. João recebeu cinco escudos a mais. Berto perguntou a si mesmo quanto custaria uma boneca que fechasse os olhos. Mais do que dezesseis escudos e cinquenta centavos, com certeza! Onde iria arranjar dinheiro? Como consegui-lo?

Mas antes que descobrisse uma solução, o bando apareceu com ela! Fora na noite seguinte. Os rapazes tinham comparecido no cubículo e, como estava calor, alguns haviam tirado o casaco. Apenas faltava Tom. Berto não o encontrara junto ao portão, como de costume. Tinha ido visitar Patrícia e o senhor Mackenzie retivera-o a conversar. Tom impacientara-se e fora-se embora.

Os outros esperaram por ele, antes de se lançarem aos alimentos que Berto lhes levara. Por fim, ouviu-se o assobio abafado e Fred respondeu. Passos desceram os degraus, surgiram as pernas de Tom, depois as abas do casaco , finalmente, o próprio Tom. Parecia excitado.

- Vejam! - disse ele, ajoelhando-se ao lado da vela. - Olhem para o que encontrei!

- Uma carteira! -, exclamou Fred, pegando nela.

- Tem alguma coisa dentro?

- Abre e vê! - convidou Tom, jubilosamente.

Fred meteu os deddos dentro e tirou um maço de notas de cem, cinquenta e vinte escudos, todas novinhas em folha!

- Oh! - exclamou João. - Onde a descobriste?

- Achei-a - respondeu Tom. - Esbarrei nela, quando vinha para aqui. Uma sorte, não vos parece?

- E que sorte! - clamou Patrício, ansioso por apalpar as notas. - De quem é?

- Não tem nome - respondeu Tom. - Há apenas um livrinho com algumas anotações, contas disto e daquilo, a fotografia de uma rapariga e as notas. É tudo!

- Bom, o que achamos é nosso - disse Fred de olhos brilhantes. - E que achado! Vamos contar.

Havia novecentos e sessenta escudos no total. Era inacreditável! Uma pequena fortuna! Len apertou as notas com fervor. Nunca tinha visto tanto dinheiro junto!

- Aposto que o tipo que perdeu este dinheiro vai deitar as mãos à cabeça! - comentou João. Bem, vamos dividi-lo. Vai-nos ser muito útil para o Natal! Vou oferecer qualquer coisa às minhas irmãzinhas!

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Tocaram cento e sessenta escudos a cada um, o que era muito dinheiro.

- Ainda bem que não sabemos quem o perdeu! - exclamou Fred, guardando o seu no bolso. - Não temos de o devolver! Achamo-lo, é nosso.

Berto e Tom sabiam que não era assim, mas calaram-se. Tom tencionava comprar um novo comboio elétrico, para substituir o velho que a mãe lhe vendera. Berto queria comprar uma boneca para Patrícia, flores para a senhora Mackenzie e livros para Donald e Joana. Mereciam-no, haviam sido muito bons para com ele. Não se importava de gastar até ao último centavo. Mas para a mãe nada, absolutamente nada. No último Natal, se tivesse um escudo, tê-lo-ia gasto com a mãe. Mas agora era diferente - pensou Berto. Ela já não gostava dele, considerava-o um estorvo, tentava pô-lo à margem. Pois bem, nem sequer teria vinte e cinco tostões de violetas!

Berto gastou maravilhosamente o seu dinheiro nos dias que se seguiram. Escolheu um lindo vaso para a senhora Mackenzie, de flores vermelhas. Comprou livros para Donald e Joana, um porta-cachimbos para o senhor Mackenzie e uma bola para Frisky. O resto do dinheiro foi todo para Patrícia!

Comprou uma grande boneca que fechava os olhos sempre que a deitavam. Pat ficaria encantada! Berto escondeu a boneca no seu quarto, não queria que a mãe lhe fizesse perguntas embaraçosas quanto à questão do dinheiro.

Depois, procurou as velhas decorações do último Natal. Iria transformar o cubículo numa coisa bonita. Já que tinha de passar lá o dia de Natal, era preciso que o ambiente fosse alegre e acolhedor. Tinha a impressão de que passaria o tempo melhor do que Tom!

CAPÍTULO XVII

NATAL

A véspera de Natal chegou finalmente. Havia grande azáfama na vivenda Barlings. A árvore de Natal estava a ser ornamentada pelas três crianças. Chegavam encomendas em todas as distribuições postais. Havia cartões na cornija da lareira e nos porta-cartas.

Frisky andava tão excitado como as crianças. Corria de um lado para outro, ladrava ao carteiro, à árvore de Natal, quando esta foi fixada, a tudo o que aparecia!

- Quem me dera poder ladrar assim! - gritou Donald, em equilíbrio no alto do escadote, a fim de pendurar algumas grinaldas. - Ladraria também todo o dia! Pergunto a mim mesmo como estarão o Berto e o Tom. Mãe, não é uma vergonha a mãe do Berto passar o Natal fora e mandá-lo para casa de uma tia de quem ele não gosta?

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- Ó filho, por que não me disseste antes? Teria vindo para junto de nós! Pobre pequeno! Vê lá não caias, Donald. Por favor, Frisky, cala-te! Que temos, agora? Outra vez o carteiro?

- Gostaria que o Berto estivesse aqui - disse Patrícia. - Mãe, que há naquela grande caixa que ele trouxe para mim? Parece que é uma boneca. Fechará os olhos?

- Que ideia é essa de me perguntares o que há nos embrulhos, antes do Natal? - censurou a mãe.

- Já alguma vez desvendei os segredos do Natal? Não percas tempo, Pat!

- Aposto que é uma boneca - intrometeu-se Joana. - Ele tinha-lha prometido. Também trouxe qualquer coisa para mim, não trouxe, mamã?

- E também para o Donald, o Frisky e o papá. - confessou a senhora Mackenzie. - É um bom e generoso rapazinho. Gostaria que passasse o Natal connosco. O vaso que ele me deu é um encanto!

- Sim. Não o podia embrulhar, porque precisa de ser regado - observou Joana, admirando o vaso de flores. - Será que os Berkeley estarão tão alegres como nós? Vi o carteiro dirigir-se para lá.

- Espero que o pai não se esqueça deles e lhes mande alguma coisa - disse a senhora Mackenzie.

Já todos sabiam que o senhor Berkeley tinha abandonado a família. Os pequenos Mackenzie ficaram horrorizados. Era-lhes difícil imaginar o que sentiriam se o pai deles se fosse embora.

- Talvez o senhor Berkeley volte no dia de Natal. - arriscou Joana. - A Hilda assim o espera, mas a Leonor não acredita. Até me disse que a senhora Berkeley não festejará o Natal. Passa o tempo a chorar.

A senhora Mackenzie poderia alongar-se a respeito do comportamento da senhora Berkeley, mas não o fez. Sabia que o Natal não ia ser agradável , em Fenos de Verão, e que a Vivenda Espinheiro não teria ninguém.

Não se enganava quanto a Fenos de Verão. A senhora Berkeley dissera aos filhos que não estava com disposição para festejar o Natal e, com efeito poucos preparos fizera. Declarara até que não queria ornamentações, pois isso assemelhar-se-ia a uma farsa.

- Talvez o seja para ela, mas não para nós. - queixou-se Hilda. - Vamos ter um Natal horrível, ainda pior do que o último, quando o pai perdeu o emprego.

- Além disso, o Tom tornou-se muito estúpido. - disse Leonor. - Sai todas as noites e regressa a horas mortas. Sabes para onde ele vai, Hilda?

- Não faço a mínima ideia - respondeu a irmã.

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- Nem me interesso. É tão rude e desagradável que é preferível que não esteja em casa. Não percebo por que motivo a mãe se preocupa com as suas saídas. Ele já tem idade para saber o que faz!

A senhora Berkeley preocupava-se com as saídas de Tom, mas não fez nada para o impedir. Em seu entender, se andava com más companhias a culpa era do pai. Ela não podia refrear um rapaz mau e indisciplinado como o filho!

A senhora Kent foi para casa da amiga na véspera do Natal. Entregou cento e cinquenta escudos a Berto para o bilhete do comboio e para comprar lembranças para a tia e para os primos.

- Tens de apanhar o comboio do meio-dia. Vai tomar banho. A mala já está preparada. Diverte-te, Berto, e um feliz Natal! Encontrarás na tua mala um bonito presente para ti.

- Obrigado - agradeceu Berto. - Feliz Natal! - Não viu a mãe sair. Esta fechou a porta da frente, sentiu-se por instantes tentada a voltar atrás e declarar ao filho que ficaria com ele. Mas logo se recompôs. Que disparate! Ele não merecia um momento de atenção! E correu para não perder o comboio.

Berto perdeu o seu. Olhou para os cento e cinquenta escudos e pensou no que iria fazer com aquele dinheiro. Gastaria algum em comida e em gasosas. Compraria uma prenda para cada um dos membros do bando. Arranjaria uma arvorezinha para pôr na mesa do cubículo. Ornamentá-la-ia com as prendas. A ideia agradava-lhe. Imaginou a surpresa do bando, quando visse os presentes.

Como tinham outras coisas para fazer, os do bando não compareceram nessa noite. Berto desceu sozinho ao cubículo. Levara uma boa quantidade de coisas: a pequena árvore, os enfeites e as prendas, dois ou três pacotes de alimentos, um saco de pastéis de carne que aqueceria no fogão a petróleo, seis garrafas de gasosa e um livro para ler no cubículo, no dia de Natal.

Acendeu a vela e o fogão. O local tornou-se logo mais alegre e acolhedor. Berto olhou com prazer para as decorações das paredes. Ele e os outros haviam-nas colocado na noite anterior. Eram, na verdade, muito vistosas. O azevinho com os seus bagos encarnados, as tranças de papel e as grinaldas verdes e vermelhas brilhavam em redor. Do teto pendiam sinos de papel e bolas prateadas cintilavam aqui e além. Berto estava muito satisfeito.

Sentou-se num dos caixotes e olhou em volta. De repente, lembrou-se que o pai lhe contava sempre, pelo Natal, a história dos Pastores, dos Anjos e do Menino Jesus no presépio. Era no dia seguinte que o Menino fazia anos. As pessoas iriam à igreja. Ele também costumava ir com os pais. Mas parecia tudo tão remoto!

- Quem me dera voltar atrás! - disse Berto em voz alta. E sentiu saudades desses tempos, quando o pai lhe dava uma palmadinha no ombro, lhe dizia que já era um homenzinho e a mãe sorria para ambos.

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Reagiu. Estava a ser um imbecil, como dizia Patrício. Patrício escarnecia dos cobardes e dos sentimentais.

- Um dia verão! - estava sempre a repetir. - Farei como aqueles tipos no cinema. Arranjo uma espingarda e ver-se-á então quem é valente!

Berto passou essa noite sozinho na Vivenda Espinheiro. Não ousou acender a luz, não fosse a senhora Mackenzie lembrar-se de ir perguntar quem estava ali. Todos supunham que tivesse ido para casa da tia.

Acordou cedo e preparou o pequeno-almoço. Desfez a mala que a mãe havia preparado e abriu o embrulho com o presente. Era uma caixa com uma bonita locomotiva de corda e outros acessórios. Berto admirou os brinquedos e acabou por pô-los de parte, preferia os antigos. Fora o pai quem lhes dera.

Saiu cautelosamente de casa e dirigiu-se para o familiar cubículo. Não havia ninguém. Procedeu com todo o cuidado, para que não o vissem pois era dia e não convinha que descobrissem o cubículo e os obrigassem a sair de lá. Os seis garotos tinham feito daquilo o centro das suas vidas, um local quente e alegre para os seus amigáveis encontros.

Mas enquanto Berto se sentava tranquilamente no chão, algo de extraordinário se passava. A tarde chegou sem que ninguém aparecesse. Estava para ali comendo, bebendo e lendo o livro, esperando pacientemente que os outros chegássem com o cair da noite. Mas não chegaram.

Os fatos extraordinários começaram com Patrício. Quando o garoto, algumas noites atrás, chegou a casa com cento e sessenta escudos em notas novinhas, o pai viu-as, tirou-lhe uma de cem e disse-lhe que podia guardar as restantes, todas de vinte escudos.

- Não me interessa saber onde as arranjaste, mas esta é... para mim; sou o teu pai, meu filho. Não te vais zangar, pois não?

Patrício não gostou que o pai lhe tirasse a nota maior, mas calou-se. Já não era nada mau poder ficar com o resto do dinheiro. Gastou-o logo que pode, não fosse ficar também sem ele.

O pai gastou os cem escudos em cigarros. O dono da tabacaria, quando viu a nota, olhou atentamente para o número e, depois, para o freguês.

- Não se importa de esperar um pouco, enquanto vou arranjar troco? - disse, ao mesmo tempo que se dirigia para as traseiras do estabelecimento e telefonava à Polícia.

- Fala Johnson, o dono da tabacaria da rua Rowton - murmurou, quando lhe responderam da esquadra. - Lembram-se daquelas notas novas que foram perdidas e das quais me deram o número de série? Acabo de receber uma, agora mesmo. O homem ainda aqui está. Querem interrogá-lo? Muito bem. Vou ver se o retenho até chegarem.

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Voltou à loja e pôs-se a contar vagarosamente o troco. Deixou cair uma moeda de cinco escudos, e fingiu demorar a encontrá-la. Entretanto, surgiram dois polícias e um deles perguntou:

- Onde está a nota, senhor Johnson?

O dono da tabacaria entregou-lhe, em silêncio. O agente olhou para o número e acenou afirmativamente. Depois, voltou-se para o pai de Patrício, que se mostrava espantado e receoso:

- O senhor acaba de dar esta nota ao senhor Johnson. Onde a encontrou?

- Tinha-a o meu filho - declarou o homem. Não sei de que se trata. Deu-me. O meu filho Patrício é que apareceu com ela em casa.

- Nesse caso, teremos que o interrogar - disse o polícia. - Terá de ir à esquadra para nos dizer onde a arranjou. Onde está ele?

Vinte minutos mais tarde, Patrício, o mesmo que considerava cobardes e imbecis todos aqueles que denunciavam os seus cúmplices, contou como Tom aparecera com a carteira, algumas noites atrás, e deu os nomes de todos os membros do bando!

CAPÍTULO XVIII

POLÍCIA

Era véspera de Natal. Já tarde, os detectives foram bater a várias portas.

Bateram à porta de João e toda a família, assustada, ouviu as perguntas dos polícias. O pobre João foi conduzido à esquadra, com o pai e a mãe atrás, e acusado de receber dinheiro que sabia ter sido achado, o que era um roubo.

- Mas o que achamos é nosso - disse João, com as lágrimas deslizando-lhe pelas faces.

- Foram os teus pais que te ensinaram isso? - perguntou um dos agentes. - Nesse caso, a culpa é deles. Sabem perfeitamente que não é assim.

A Polícia foi também a casa de Fred e Len e levaram-nos para a esquadra a fim de serem acusados. A mãe acompanhou-os, irritada e aos gritos, mas assustada.

Em seguida, a Polícia dirigiu-se para a casa dos Berkeleys. Ao ouvirem bater à porta, os três pequenos pensaram, por um momento, que fosse o pai. Leonor correu a abrir, mas deparou com dois espadaúdos polícias.

- O seu pai está, menina? - perguntou um deles. - Ou a sua mãe?

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- A mãe está, mas o pai anda em viagem - respondeu Leonor, deixando entrar os agentes. - Vou dizer à mãe que lhe querem falar - murmurou, e desatou a correr.

Tom dirigiu-se para a sala. Quando viu os polícias, parou e sentiu um choque no coração. Dispunha-se a ir para o seu quarto quando um dos polícias lhe perguntou:

- Chamas-te Tom Berkeley?

Antes que pudesse responder, apareceu a senhora Berkeley muito pálida.

- Que há? - inquiriu. - Aconteceu alguma coisa ao meu marido?

- Não estamos aqui por causa do seu marido. - disse , um dos polícias. - Viemos por causa desse pequeno. Queremos fazer-lhe umas perguntas e talvez tenha de nos acompanhar à esquadra.

A senhora Berkeley soltou um grito e deixou-se cair numa cadeira.

- Tom! Tom! Que fizeste?

- Nada! - defendeu-se Tom, empalidecendo. - Não sei do que estão a falar.

- Fazes parte de um bando, se não me engano. - disse o primeiro agente, abrindo o seu livro de notas. - O Bando dos Seis Terríveis. Há mais cinco - e leu os nomes. - É ou não verdade?

- É. - confessou Tom, morto de ansiedade. Como descobrira a Polícia a existência do bando? Todos haviam jurado não falar.

- Já interrogámos o Patrício, o Len, o João e o Fred - continuou o agente, consultando o livrinho. - Estamos a investigar o caso de uma carteira com notas novas e cujos números nos foram comunicados. Os outros garotos declararam que foste tu quem achou a carteira. O dinheiro foi dividido por todos. Verdade?

- Não, não, não! - gritou a senhora Berkeley. - Está enganado, senhor guarda. Não pode ser o meu filho. Ele não faria uma coisa dessas. Teria levado a carteira à esquadra. Não seria capaz de roubar!

- A carteira foi perdida e os outros garotos afirmam que foi o seu filho quem a encontrou - repetiu o polícia, pacientemente. Depois, voltou-se para Tom. - É verdade?

Tom sentiu-se desfalecer. Os joelhos tremiam-lhe. Olhou em volta, em busca de auxílio, mas não havia ninguém que pudesse ajudá-lo. A mãe soluçava histericamente, as duas irmãs choravam agarradas uma à outra. Onde estava o pai? Só ele saberia como ajudá- lo! Tom deixou-se cair numa cadeira, e olhou em silêncio para os polícias. Tinham um ar austero.

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- Queres responder à minha pergunta?

- É verdade - sussurrou Tom. - Achei a carteira. Dividimos o dinheiro.

- Quer acompanhar o seu filho à esquadra, minha senhora? - perguntou o agente. - Tem de ir prestar declarações.

- Oh, não, não! - gritava a senhora Berkeley. - Não acredito que seja verdade. Diga-me que não é verdade, senhor guarda. Verá que o meu filho não é culpado.

- Talvez, minha senhora - disse o polícia, impassível. - Oxalá assim seja, para seu bem. Damos-lhe a oportunidade de nos contar o que se passou, antes de o mandarmos ao Tribunal de Menores.

A senhora Berkeley recomeçou a soluçar. O Tribunal de Menores! Se Tom comparecesse lá, mandá-lo-iam para um reformatório e não o veria durante muito tempo!

- Ainda falta um dos seis garotos: Alberto Kent. - lembrou o outro polícia. - Creio que mora aqui ao lado. Podemos levá- lo para a esquadra ao mesmo tempo.

- Não está em casa - informou Leonor, limpando os olhos. - Foi passar o Natal com uma tia. A mãe dele também saiu, não sei para onde.

- Nesse caso, fica para depois. Está pronta, minha senhora?

Deste modo, Berto foi o único que a Polícia não visitou na véspera do Natal. É claro que estava em casa, sozinho, no escuro, mas ninguém o sabia, a não ser Tom. Mas o seu medo e ansiedade eram tão grandes que nem se lembrou de que Berto não fora para casa da tia.

Em breve, a Polícia ficou ao corrente de tudo. Os garotos confessaram o que sabiam. O pobre pequeno Len, muito assustado, até denunciou o roubo feito ao velhote da tabacaria, que morava à esquina da sua rua, não longe do cubículo.

- Ah! Então também foi obra do vosso bando? - perguntou um agente. - A propósito, onde era o ponto de reunião?

E, assim, também o esconderijo deixou de ser um segredo.

- Iremos lá amanhã - disse o agente. - Não desaparecerá. Mas que nenhum de vós ponha lá os pés!

No dia seguinte era, naturalmente, dia de Natal. Cinco rapazes assustados e infelizes acordaram nessa manhã com a lembrança da noite anterior: Tom era o mais infeliz do grupo! Estragara o Natal a toda a família.

Leonor e Hilda tratavam-no como se fora um fora-de-lei. Não se aproximaram dele. A mãe censurou-o, escarneceu-o e chorou.

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- Que diria o teu pai, se soubesse? - repetia a todo o momento.

- Peça-lhe que volte - implorava Tom. - Não me importo que me castigue, só quero que volte. Não devia ter-se ido embora. Se estivesse aqui, eu não teria feito o que fiz, não teria procedido tão mal.

Apenas Berto se sentia feliz e despreocupado. Continuava no cubículo, à espera dos outros. Quando soaram seis horas, olhou para a pequena árvore de Natal, e perguntou a si mesmo se não seria melhor acender as velas. Os outros gostariam de ver tudo iluminado, quando entrassem.

Pôs-se à escuta, na esperança de ouvir passos. Estavam atrasados. Por que não vinham? Talvez tivessem preferido merendar em casa, por ser Natal. Exceto Patrício, que não tinha mãe para lhe preparar uma merenda.

Berto bocejou. Começava a aborrecer-se, quando ouviu passos. Ah, era o bando que chegava! Apurou o ouvido. Sim, alguém caminhava por entre o cascalho e os tijolos quebrados. Era melhor acender as velas da árvore de Natal! Riscou um fósforo e chegou lume aos pavios. A chama elevou-se das pequeninas velas. A pequena árvore estava um encanto.

Passos começaram a descer os degraus. Berto esperava ansiosamente o bando, que não aparecia. Começou a ficar preocupado. De quem eram aqueles passos? Pareciam-lhe demasiado pesados para serem dos garotos.

De repente, dois grandes pés apareceram, depois umas calças azuis, uma capa de polícía. Finalmente, o polícia, com capacete e uma lâmpada na mão. Berto ficou tão amedrontado que não conseguiu articular palavra ou fazer um movimento. Outro polícia apareceu e colocou-se ao lado do primeiro. Olharam com espanto para o cubículo alegremente decorado.

- Olha para isto! Uma casa dentro doutra casa! - exclamou um deles. - Até uma árvore tem, e com velinhas. Tapetes no chão... Que é aquilo? Um telefone?

- De brincar - respondeu o outro. Só então reparou em Berto. O rapaz tinha ficado na sombra e tão quieto que nenhum dos polícias havia notado a sua presença. Mas agora que os seus olhos se tinham habituado à luz das velas, viam-no claramente.

- Olá! Está ali um garoto! - exclamou um deles.

- Mais algum do bando, suponho. Julguei que fossem só seis.

Berto olhava-os, mudo de espanto. Pelos vistos, sabiam da existência do bando.

- Como te chamas, rapaz? - perguntou um dos agentes.

- Alberto Kent - respondeu.

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- Ah, é o sexto! - disse o polícia. - Que estará a fazer aqui? Disseram-me que tinha ido para casa de uma tia. Levanta-te, rapaz. Temos umas perguntas a fazer-te.

Berto ergueu-se e sentiu as pernas tremerem-lhe. Estava terrivelmente assustado. De súbito, o alegre, simpático e aventureiro bando transformava-se em qualquer coisa muito diferente: um grupo de garotos transviados, como pensava a Polícia, prontos a roubar ou a praticar atos que mereciam severo castigo. Quebrou-se o encanto e Berto compreendeu o que era o bando, na realidade.

Respondeu às perguntas com voz trêmula. Contou a verdade. Os polícias apiedaram-se daquele rapazinho, esquecido num cubículo.

- Quem enfeitou isto? - inquiriu um dos agentes. - E quem acendeu as velas da árvore?

- Fui eu - respondeu Berto.

- Que embrulhos são aqueles, na árvore - perguntou o outro agente.

- Eram presentes para os outros - asseverou Berto. - São... são todos muito infelizes em casa, e então lembrei-me de comprar esta árvore e prendas para eles.

- Também és infeliz em casa? - quis saber um dos polícias.

Berto hesitou. Não queria que pensassem mal da mãe.

- Bem, não és obrigado a responder. Tens de ir connosco à esquadra. Não há um adulto que te possa acompanhar? Já sei que a tua mãe não está.

Berto encarou os dois homens. O senhor Mackenzie estaria disposto a ir com ele? Talvez! Oxalá estivesse!

CAPÍTULO XIX

DOIS RAPAZES ASSUSTADOS

Acompanhados por Berto, que tremia, os dois polícias bateram à porta dos Mackenzie. Foi um choque para aquela família!

A senhora Mackenzie, seguida por Donald, Joana, Pat e Frisky, foi abrir. Quem seria, naquela tarde de Natal?

- Posso falar-lhe em particular, minha senhora? - disse um dos polícias.

Admirada, a senhora Mackenzie fez entrar os dois homens para a sala de jantar. As três crianças ficaram de fora. Com ar grave, o senhor Mackenzie foi ter com os agentes.

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A senhora Mackenzie chegou Berto para junto de si. Que teria feito o rapaz? Por que não estava em casa da tia com a família?

Um dos polícias resumiu, para ela e para o marido, toda a história. As lágrimas sulcaram as faces da senhora Mackenzie quando ouviu a descrição do cubículo decorado e com uma arvorezinha de Natal iluminada. Apertou ainda mais Berto contra si. Se ela tivesse sabido! Tê-lo-ia convencido a ficar com eles!

- Sabemos que a mãe dele está ausente, mas Berto diz que não sabe a morada - continuou o agente. – Ele gostaria que um dos senhores o acompanhasse à esquadra. Vai ser interrogado e é preciso uma testemunha. visto tratar-se de uma criança.

- Iremos os dois - decidiu o senhor Mackenzie olhando para a esposa. - É possível que tudo o que diz seja verdade, senhor guarda, mas, responsabilizo-me por este rapazinho. Gostamos tanto dele como se fosse nosso filho. É bom rapaz, mas tem sido abandonado, há muito que não sabe o que é um verdadeiro lar! Podemos trazê-lo para passar a noite connosco? Não vai ficar sozinho naquela casa vazia, para mais na noite de Natal.

- Acho que são muito generosos - disse o polícia, ao mesmo tempo que tocava no ombro de Berto. - Sinto-me feliz por teres encontrado gente amiga que se responsabiliza por ti. Isso facilita as coisas. Se alguém declarar que tens bom fundo, serão mais benevolentes contigo no Tribunal.

Berto estava estupefato. Mal compreendia o que se passava. Na esquadra, quase não ouviu o que diziam, até que voltou para casa com os Mackenzie.

- E melhor mandá-lo já para a cama - observou a senhora Mackenzie. - Não está com disposição para festas e não temos o direito de privar os nossos da alegria desta noite. Dir-lhes-emos que Berto tem um pequeno problema para resolver e que ficará connosco até a mãe regressar. Pode dormir no quartinho do fundo.

- Vamos, Berto. Vou-te meter na cama e depois levar-te-ei um delicioso jantar.

Donald, Joana e Patrícia mostravam-se alarmados e aflitos. Que estava a acontecer? O pai foi ter com eles e contou-lhes por alto o que se passava. Joana pôs-se a chorar.

- Vão metê-lo na cadeia? Que veio cá fazer a Polícia?

Patrícia desatou também a chorar:

- Que é que o Berto fez? Ele é bom! Direi àqueles polícias que o Berto é bom. Comprou-me uma boneca maravilhosa e é o meu irmão mais velho. Não deixarei que façam mal ao Berto!

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- Podes ir desejar-lhe as boas-noites, quando já estiver deitado - disse a senhora Mackenzie, certa de que seria uma boa ideia. - E leva o Frisky, também.

E assim, quando o pobre, exausto e perplexo Berto se viu enrolado na roupa da cama, depois de uma ceia frugal composta por leite e pão, a porta abriu-se e Patrícia mostrou-se. Correu em direção ao leito e Berto sentiu dois braços que lhe apertavam o pescoço, mal o deixando respirar. Depois, Frisky saltou para a cama e pôs-se a lamber-lhe a cara.

- Não me interessa o que tenhas feito, Berto. - disse Pat. - Não acredito que procedesses mal. Seja como for, não me importo. Gosto de ti.

- Béul - latiu Frisky; como se estivesse de acordo com a dona, ao mesmo tempo que estendia uma pata ao rapaz. Berto abraçou Patrícia e Frisky e sentiu-se muito melhor.

Um ou dois minutos mais tarde, a senhora Mackenzie chamou a filha e esta, abraçando uma vez mais Berto, retirou-se. Mas Frisky deixou-se ficar. Aninhou-se na cama ao lado do rapaz e Berto sentiu-se menos só. Passou a mão pelo dorso de Frisky e este lambeu-lhe, até que o pequeno adormeceu.

A senhora Mackenzie tomou conta de Berto até a mãe deste voltar, três dias depois. Ela e o senhor Mackenzie tiveram uma grande conversa com o rapaz. Este contou-lhes tudo, sem omitir um único pormenor.

- Sabes que o Tom também está implicado? - disse o senhor Mackenzie. - Ouvi dizer que o pai dele chega hoje. A mãe mandou-lhe um telegrama e ele volta para estar junto do filho.

- Ainda bem - murmurou Berto. - Quem me dera ter pai, para estar ao meu lado. Sei que a minha mãe o fará, mas vai ficar zangadíssima quando souber que levei almofadas, tapetes e um fogão a petróleo para o cubículo. Considera-me um estorvo. A verdade é que ninguém me quer, por isso julguei que não tivesse importância aquilo que fiz!

- Embora te custe a compreender, Berto, estás enganado - disse o senhor Mackenzie. - Tudo o que fazemos tem importância, mesmo que nos sintamos infelizes, esquecidos ou maltratados pela vida. O que fazemos afeta-nos a nós e também aos outros. Pat, por exemplo, sente-se infeliz com tudo isto, e tenho a certeza de que não queres magoá-la.

- Não, não quero. - respondeu Berto com tristeza. - Gosto da Pat. Se tivesse uma irmã, gostaria que fosse como ela. Estou muito arrependido. Não sei como pude proceder tão mal, aceitar aquele dinheiro, sabendo que pertencia a alguém! Mas não gastei um centavo em meu proveito, senhora Mackenzie. Gastei-o todo com Pat, quando esteve no hospital, e em prendas de Natal para vocês.

Os Mackenzie entreolharam-se. Acreditavam em Berto. Tinham a certeza de que não despendera um tostão consigo e que estava arrependido.

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Também tinham a certeza de que não voltaria a reincidir, se lhe dessem a oportunidade de ser amado e sentisse que lhe queriam bem...

- Nunca mais procederei assim - afirmou Berto.

- Não o teria feito, se o meu pai fosse vivo. E também não o teria feito, se a minha mãe não tivesse arranjado aquele emprego. Foi a partir daí que tudo mudou. Sei que há muitas mães que trabalham e não estão em casa, como a senhora, para tratar dos filhos e dar-lhes a merenda, mas também sei que os filhos dessas mães odeiam isso tanto como eu! Odeio aquela casa fria, escura e vazia. Não quero voltar para lá.

Em casa de Tom também houve uma conversa a sério. O senhor Berkely regressara logo que recebera o telegrama: Tom em sérios apuros. Vem imediatamente - dizia o texto.

Cortando cerce os lamentos da mulher, as censuras e as lágrímas, o senhor Berkeley declarou:

- Quero ouvir o que Tom tem a dizer. É claro que irei à esquadra, mas primeiro quero ouvir a verdade da boca de Tom. Fala, meu filho. Tom não ocultou nada. Estava desgostoso e cheio de medo. Encarou os pais e as irmãs e não lhes poupou um único pormenor das suas desditas. A mãe soluçava ao ouvir o que ele fazia todas as tardes, quando se ausentava durante horas. O pai resmungou quando soube da carteira que o filho encontrara e não devolvera.

- Sabias perfeitamente que o teu dever era levá-la à esquadra - disse o pai. - O que achamos não nos pertence. Por que fizeste isso?

- A culpa não é minha - replicou Tom. - O pai e a mãe é que deviam ser castigados! Que ambiente há nesta casa para mim ou para as minhas irmãs? Ralhos, discussões e brigas, não me lembro doutra coisa. Nem paz nem comprensão como em casa dos Mackenzie. Há muito que detestava o meu lar e o mesmo acontecia com o pai, doutro modo não teria saído de casa. Apenas fiz como o pai: desertei, mas só à noite.

Houve um silêncio apenas cortado pelo choro da senhora Berkeley, a que ninguém ligava importância.

- Lamento amargamente ter-vos abandonado. - disse, por fim, o senhor Berkeley. - Se estivesse aqui para vigiar o Tom, talvez isso não tivesse acontecido.

- Oh, teria acontecido na mesma! – retorquiu Tom. - Já tinha começado antes de se ir embora. Não se lembra do caso do cinema? Sou mau, mas não me importo! E também não me importo se for preso. Que isso lhes sirva de lição pela vida insuportável que nos deram!

- Tom, Tom! - gritou o pai, cobrindo o rosto com as mãos. - Não digas essas coisas. Houve momentos em que me orgulhei de ti. Que te fizemos Tom?

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Os lábios de Tom começaram a tremer. Comprimiu-os num desafio. Ah, mostrar-lhes-ia que sabia ser duro! Não cederia nem pediria desculpa. A princípio, sentira um medo terrível, mas a mãe não fez senão ralhar e as irmãs trataram-no com tanto desprezo que ficou furioso. Pois, bem já que era tão mau, tão vil como diziam, sê-lo-ia a sério! Nem o pai podia fazer muito pelo ressentido rapaz. Desistiu, pensando que com o tempo Tom se modificaria. Teve uma conversa grave com a mulher.

- Minha querida, volto de novo para tentarmos uma vez mais. Farei o meu dever e tu o teu. Temos de proporcionar ao Tom o lar que ele deseja, assim como às pequenas. Se não lhes dermos a segurança e carinho que merecem, abandonar-nos-ão logo que possam. Não há tempo para pensarmos em nós. Creio que já compreendeste que o problema é grave, ou não?

- Continuo a pensar que a culpa é mais tua do que minha - respondeu a mulher, limpando as lágrimas. - Mas admito que também procedi mal. Tentarei de novo, mas é horrível ver o Tom metido nestes apuros! As pequenas estão envergonhadas e que dirão os outros?

- Queres saber o que dirão? Apenas isto: a culpa é dos pais. Não construíram um lar feliz para essas crianças. É o que dirão, minha querida! A vergonha é tanto nossa como do Tom!

Foram tempos horríveis para todos os implicados no caso, mas talvez o menos infeliz fosse Berto. Era também o único que estava sinceramente arrependido, descontente consigo mesmo e ansioso por começar vida nova.

CAPÍTULO XX

A JUSTIÇA COMEÇA A AGIR

A mãe de Berto encarou o caso de forma muito extraordinária. A senhora Mackenzie vigiava o seu regresso e, quando a viu entrar na casa ao lado, foi visitá-la.

Com toda a gravidade, contou à senhora Kent o que tinha acontecido a Berto. Confessou-lhe que Berto não fora para casa da tia, mas que preparara a sua festa de Natal no cubículo, onde a Polícia o foi encontrar. Não pôde evitar algumas palavras de censura:

- Como é possível que a senhora, sendo mãe, tivesse ido para casa de uma amiga, sabendo que isso tornaria o pequeno infeliz? Não compreendo francamente. O lugar da mãe é junto dos seus filhos, sobretudo, no Natal ou não será assim?

A senhora Kent olhou-a com frieza e disse:

- Não tenho que lhe prestar contas. Está contente por o meu Berto estar em apuros, não é assim? Os seus filhos são todos perfeitos, não são? A senhora é uma mãe modelo, não é verdade? Oh, bem sei do que as pessoas

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como a senhora gostam: pregar moral aos outros e divertir-se com os seus azares!

- Não diga isso! - suplicou a senhora Mackenzie, aflita. - Sabe que não é verdade. Berto esteve connosco desde que a Polícia o trouxe, acarinhei-o e fiz por ele tudo quanto pude. Gostamos dele, é bom rapazinho. Pensei que a senhora ficaria satisfeita por saber que o seu filho esteve em boas mãos, enquanto se encontrava...

- Pode ficar com ele, não me importo - interrompeu-a a senhora Kent. - Não o quero mais aqui. Sei que levou coisas de casa para mobilar o tal cubículo. Roubou a própria mãe! É mau! É um rapaz realmente mau! Tenho vergonha de que seja meu filho!

A senhora Mackenzie olhou com severidade para a mãe de Berto:

- Ouça, senhora Kent. Adivinho o que pensa. A senhora sabe que é a responsável pelo que aconteceu a Berto, sente-se culpada, mas não o quer admitir! É por isso que lança as culpas para cima dele. No fundo, porém, reconhece-se culpada, não é assim?

A senhora Mackenzie falava com tanta convicção que, por instantes, a senhora Kent não soube que responder. Mas era uma mulher obstinada e não iria admitir aquilo. Sentia-se culpada, mas recusava-se a confessá-lo fosse a quem fosse! Que o rapaz pagasse pelo que fez, já que era uma peste!

- Vejo que é inútil tentar convencê-la a cuidar de Berto - disse por fim a senhora Mackenzie. Mas que sentirá ele, quando lhe disser que a mãe não o quer em casa? Aconselho-a a comunicar à Polícia que já voltou. Querem vê-la.

- Terei de ir à Polícia? - perguntou a senhora Kent, parecendo pela primeira vez alarmada.

- Evidentemente. É a mãe de Berto - respondeu a senhora Mackenzie. -Além disso, terá de comparecer no Tribunal, quando os pequenos forem julgados. A presença dos pais é obrigatória, para que o juiz possa avaliar até que ponto os pais e as mães são responsáveis pelos erros dos filhos.

E retirou-se. Pobre Berto! Ia ser difícil dizer-lhe que a mãe não o queria! Mas Berto não ficara tão magoado como ela temia.

- Já desconfiava disso. Creio que ficará contente por se ver livre de mim. Gostaria de viver com ela, mas não como um estorvo. Suponho que me vão mandar para um sítio qualquer, não é, senhora Mackenzie? Sentirei muito a falta de todos. Talvez me mandem para um reformatório...

A senhora Mackenzie não sabia. Sentia-se triste. Se ao menos tivesse sabido a tempo que Berto não tinha ido passar o Natal a casa da tia! Mas mesmo assim não poderia ter evitado os acontecimentos.

Foi fixada uma data para os garotos e os seus pais comparecerem no Tribunal de Menores. Len e Fred estavam assustados, João sentia-se

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magoado. Patrício, porém, fingia-se arrogante. Que lhe importava aquilo? Voltaria a fazer o mesmo, se pudesse! Mas, no fundo, também estava assustado. Que lhe faria o juiz?

Tom mostrava-se igualmente arrogante, mas mais para magoar os pais e castigá-los por o haverem tornado infeliz. Já estava arrependido, mas não o confessaria. Seria duro e desafiaria toda a gente.

- És louco, se pensas que vais poder comportar-te dessa maneira no Tribunal - avisou-o o pai.

A engrenagem da Justiça pôs-se em andamento para tratar do caso dos seis rapazes. Os diretores das várias escolas foram convidados a apresentar relatórios sobre o comportamento e aproveitamento dos garotos implicados. Uma senhora da Assistência Social junto do Tribunal visitou os lares dos pequenos delinquentes, a fim de se informar das condições em que viviam e ouvir os pais. Foi à casa superlotada de João. Sofreu os insultos do pai de Patrício, que lhe confessou espancar o filho dia sim dia não. Estava irritado porque fora acusado de se apoderar de uma nota de cem que Patrício levara para casa, sabendo que tinha sido roubada. Na casa de Len e Fred verificou o desmazelo da mãe. Na casa de Tom, ficou sentada em silêncio ouvindo a senhora Berkeley queixar-se do marido, e o senhor Berkeley confessar que abandonara a mulher e os filhos. Foi à Vivenda Espinheiro e falou com a senhora Kent, uma mulher jovem e bonita, mas mal-intencionada, visivelmente ressentida com o filho.

Chegou mesmo a contar alguns disparates cometidos por Berto quando era mais pequeno, tentando assim, convencer a assistente de que o filho sempre revelara más tendências.

- A senhora está empregada, não é verdade? - perguntou delicadamente a assistente, tomando notas. - E a que horas regressa?

- As seis e meia - respondeu a senhora Kent. - Mas não julgue que isso tem algo a ver com o comportamento de Berto. Foi sempre um rapaz difícil, mas ainda mais depois da morte do pai. Agora diz que não quer voltar para casa. Há uns amigos que tomam conta dele.

- Como se chamam e onde moram? - inquiriu a assistente.

A senhora Kent deu o nome e a morada, satisfeita por não ter sido obrigada a explicar por que motivo Berto não vivia consigo. Mas sabia que a senhora Mackenzie, com a mania da moralidade, iria defender aquele mau rapaz! E assim foi, evidentemente. A assistente fez uma série de perguntas a que ela respondeu com sinceridade. O senhor Mackenzie também disse o que lhe pareceu justo.

- É um garoto com bom fundo. Está arrependido e envergonhado. Isto foi uma lição para ele estou certo de que não voltará a meter-se noutra - declarou o senhor Mackenzie. - Tenho tanta confiança nele como no meu filho Donald!

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- Obrigada. Têm sido muito úteis - disse a assistente, despedindo-se. - Berto teve sorte em arranjar uns amigos assim.

Foram muitas as pessoas que tiveram de comparecer no Tribunal de Menores por causa dos seis garotos. Além destes e dos seus pais, foram convocados o homem da tabacaria que tinham roubado, uma mulher que vira Patrício e Tom fugir, o dono da carteira perdida e até o diretor do cinema que havia descoberto Tom e Berto a assistir a um filme para adultos. Len, Fred e João confessaram os seus erros e houve outras pessoas que compareceram também para depor.

Chegou o dia. Os seis garotos lembraram-se do que os esperava assim que acordaram e nenhum deles se sentia com ânimo. Qual seria o castigo? Como era o tribunal? Seria o juiz muito severo?

Haviam-lhes dito que eram demasiado novos para serem metidos na cadeia, mas Len continuava com um medo horrível. A mãe disse-lhe que talvez o mandassem para lá e isso assustou-o ainda mais.

Joana, Donald e Patrícia sabiam que era aquele o dia que Berto tinha de comparecer. Até Frisky parecia estar ao corrente. Pulava em redor de Berto e lambia-lhe as mãos a todo o momento.

Berto sentia-se muito mais feliz desde que vivia com os Mackenzie. Tudo ali era calmo, não havia pensamentos reservados nem desconfianças nem discussões. Todos o acarinhavam e Pat mostrava-se tão viva e faladora que a mãe até se admirava.

Encontrou alguém que se ocupa dela, dizia para consigo. Berto é realmente muito amável. Fez com que ela se esquecesse que não é gémea, como os irmãos.

O Tribunal de Menores situava-se numa pequena sala, no outro extremo da cidade. À hora marcada, todos os convocados se encontravam no vestíbulo, junto à sala. Os seis garotos sorriam timidamente uns para os outros. Cada um deles perguntava a si mesmo o que teria sido feito do cubículo. Claro que a Polícia o tinha esvaziado e encontrava-se agora tão húmido e frio como dantes. Muitas das coisas tinham sido restituídas aos donos, a maior parte à mãe de Berto, que reconhecera inúmeros objetos.

Todos os pais estavam ali. O senhor e a senhora Mackenzie tinham acompanhado Berto e depois retiraram-se, naturalmente. A mãe dele encontrava-se ali, sentada um pouco à parte, de rosto pálido e severo. Não lhe agradava a companhia das mães de João e de Len, umas mulheres tão sujas e mal encaradas - pensava. E dizer que Berto andara com os filhos delas! Que horror!

- Tomás Berkeley! Alberto Kent! Patrício O'Shea! João Harris! Frederico Ross! Leonardo Ross! Por aqui, por favor! E os pais também.

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CAPÍTULO XXI

NO TRIBUNAL DE MENORES

Com um bater de calcanhares, os seis garotos seguiram o oficial de justiça até à sala do tribunal. Os pais acompanharam-nos. Toda a gente tinha um ar solene e preocupado.

Ao fundo do tribunal, via-se uma mesa com uma grande janela atrás. A luz incidia diretamente nos rostos dos seis assustados rapazes. Havia três pessoas sentadas à mesa, dois homens e uma mulher, os juízes de menores.

A um canto, estava sentado um inspetor da Polícia, em uniforme. Viam-se outros homens e mulheres espalhados pela sala, ocupados na consulta de papéis. Também se encontravam ali os dois polícias que tinham ido às casas dos pequenos delinquentes.

Houve um silêncio quando o juiz baixou os olhos para alguns papéis que tinha na frente. Depois olhou com severidade para os garotos e, por último, dirigiu-se a Tom:

- Foste trazido aqui, Tomás Berkeley, porque a Polícia declara que encontraste uma carteira com novecentos e sessenta escudos em notas e não a devolveste, o que é considerado um roubo. É verdade?

- É sim, senhor - confessou Tom.

O juiz voltou-se para os outros cinco rapazes:

- E vós sois acusados de terdes recebido parte desse dinheiro, sabendo que se tratava de um roubo. É verdade?

- É, sim, senhor - responderam os cinco. Em seguida, o juiz pediu aos polícias que relatassem os fatos apurados. Os seis garotos olhavam receosos, à medida que as testemunhas subiam ao estrado e contavam o que sabiam.

Um dos polícias narrou como encontrara Berto no cubículo, no dia de Natal:

- Tinha ornamentado uma pequena árvore e pendurara-lhe presentes para os restantes membros do bando.

O silêncio na sala era total. Os do bando olharam para Berto. Era a primeira vez que ouviam falar da árvore de Natal. Bom e querido Berto! Como gostariam de ter visto a árvore. Berto abanou a cabeça. Aquela noite parecia muito afastada no tempo, mas de repente, reviu o cubículo alegremente decorado e a arvorezinha com as suas velas.

O juiz escutava com toda a atenção. Quando o polícia acabou de depor, desceu o estrado e o juiz olhou severamente para os seis garotos.

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- Tudo isto é muitíssimo grave - proferiu, ante os olhares receosos dos rapazes. - É muito grave, com efeito. Quero ouvir o que cada um de vós tem a alegar. Tomás, sabias que não tinhas o direito de ficar com aquele dinheiro?

- Sim, sabia - respondeu Tom, corando.

- Alberto Kent, sabias que procedias mal?

- Sim, senhor juiz, e estou arrependido - murmurou Berto.

- Patrício O'Shea, que tens a alegar?

- Não pensei que fosse um crime - disse Patrício. - Achamo-la, e o que se acha é nosso. Toda a gente o sabe.

- O que se acha não nos pertence - declarou o juiz com severidade. - Sabes isso tão bem como eu, Patrício. Aproxima-te e ouve: se eu te der uma nota de cinquenta escudos e tu a perderes, parece-te que quem a encontrar tem o direito de ficar com ela, sem tentar saber a quem pertence?

- Não, senhor - respondeu imediatamente Patrício.

- Que farias a essa pessoa, se fosse descoberta? - perguntou o juiz.

- Castigá-la-ia. Dava-lhe um murro na cabeça. - disse Patrício ferozmente.

- Vejo que compreendes onde quero chegar. Volta para o teu lugar. João Harris, parece-te que podemos ficar com o que achamos?

- Parece, sim, senhor.

Ouviu-se um grito. Era a mãe de João:

- Não é verdade, senhor juiz! Não foi isso que lhe ensinei. João sabia que procedia mal.

- Sim, estou convencido disso, - disse o juiz. Frederico e Leonardo, sois irmãos, não é verdade? Que tendes a declarar?

Len desatou a soluçar. Fred olhou tristemente para o magistrado:

- Senhor juiz, declaro que sabíamos que estávamos a proceder mal.

- Que há a respeito destas crianças. - perguntou o juiz.

Um homem avançou com uma pasta de papéis na mão. Informou os magistrados acerca do que se passava em casa de cada um dos garotos e toda a assistência o escutou atentamente. Um lar é um problema sempre importante!

- Tenho aqui os relatórios escolares de todos, senhor juiz - disse o homem, colocando-os em cima da mesa.

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Os rapazes entreolharam-se, nervosos. Que diriam os diretores acerca deles? Como desejariam ter sido bem comportados na escola e merecer um bom relatório! Ninguém calculava como uma boa informação podia ser importante!

- Tomás Berkeley. O teu diretor diz que és inteligente e apto para o estudo. Diz também que tens mau feitio, colaboras pouco e és indisciplinado. Acrescenta que foste um dos que entraram uma noite no cinema sem bilhete.

O juiz cravou os olhos em Tom. Este, não disse nada, mas tomou um ar arrogante: Muito bem! Que o censurassem à vontade!

- Os pais estão presentes? - perguntou o magistrado. - Ah, bom! Queiram aproximar-se. Que têm a dizer acerca do rapaz? Porta-se bem em casa? É obediente, prestável? Podem-me explicar o que o levou ao mau caminho e a andar com más companhias? Aparentemente, pertence a uma família decente.

- É um rapaz difícil e rabugento - começou a mãe. - Envergonha-nos a todos. Nem o pai o consegue dominar. Veja...

- Um momento - interrompeu o juiz. - Vamos ouvir isso a sós. Façam sair os pequenos por um minuto, assim como os pais.

Os garotos e os seus pais retiraram-se da sala. A porta fechou-se. O magistrado encarou severamente a senhora Berkeley e disse:

- Tenho aqui um relatório da assistente social que os foi visitar. Afirmo-lhe que não é nada bom, senhora Berkeley. Dir-se-ia que o Tomás enveredou pelo mau caminho porque a senhora o fez sentir-se infeliz.

- Oh, como é que essa mulher se atreveu a dizer isso? - gritou a senhora Berkeley.

O marido apertou-lhe um braço para a obrigar a calar, voltou-se para o juiz e confessou humildemente:

- O relatório é verdadeiro, senhor juiz. Era e continua a ser um lar infeliz. Aborreci-me e abandonei-o. Não o devia ter feito, mas a minha mulher e eu não nos entendíamos. E isso foi mau para as crianças. O pequeno não tem realmente culpa, senhor juiz.

O magistrado fez mais algumas perguntas, depois mandou entrar Tom e pediu aos pais que saíssem da sala. Era a vez de Tom falar com franqueza do seu ambiente familiar.

O juiz olhou para o carrancudo rapaz:

- Os teus pais confessam que não tens sido feliz em casa, Tomás, e que não és realmente culpado pelas más companhias com que andaste. Sentias-te infeliz em casa?

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- Muito - respondeu Tom. - Detestava todos aqueles ralhos, as discussões e as lágrimas, os partidarismos. Se me mandarem outra vez para lá, voltará tudo ao princípio, acabarei por fugir. Não me arrependo do que fiz, tinha de o fazer. Era excitante e... e... sinto que me vinguei de todos, por serem tão maus para comigo.

- Compreendo - disse o juiz. - Mas lembra-te de que há muitíssimas pessoas infelizes e que não procedem mal por causa disso. Parece-me que tens caráter, mas fazes mal em encarar as coisas assim.

- Não faço mal - replicou Tom. - Faria tudo bem, se me ajudassem. Detesto a minha família!

O magistrado não disse mais nada a Tom, mas ordenou ao oficial de diligências que mandasse entrar os pais do rapaz. A senhora Berkeley chorava, o senhor Berkeley estava pálido e desgostoso. Não havia dúvida de que tanto ele como a mulher haviam falhado!

O juiz consultou os seus colegas de mesa e depois voltou-se para Tom. Falou severamente, mas com bondade:

- Vais ficar à experiência durante dois anos. Acreditamos que há boas qualidades em ti, mas parece-me preferível que saias de casa durante algum tempo. Irás para um internato no campo e esperamos que sejas feliz e te entregues ao trabalho. Passarás lá meio ano, pelo menos, ou talvez um ano.

- Oh, não, não! - gritou a senhora Berkeley. Não o mande para longe de nós! O pai cuidará dele, se voltar para casa. Oh, que desgraça! Não mande o Tom para longe de nós!

- Poderá voltar para casa ao fim desse tempo, mas com duas condições - continuou o juiz com severidade. - A primeira, que tenha aprendido a lição e que sejam boas as informações que o diretor do internato nos enviará; a segunda, que encontre no regresso um lar feliz e tranquilo. A culpa não é apenas dele, por isso não o castigamos com maior severidade. Compreende que tem também um papel a desempenhar?

- Compreendo, senhor juiz - respondeu o senhor Berkeley, ao mesmo tempo que a senhora Berkeley limpava as lágrimas e anuia também.

O magistrado voltou-se de novo, para Tom:

- Terás de pagar à tua assistente social os cento e sessenta escudos que te couberam na partilha. E, agora, felicidades! Mostra-nos pelo teu comportamento que és digno de confiança e não um falhado.

- Sim, senhor - prometeu Tom, ainda carrancudo.

A ideia de que teria de ir para um reformatório no campo assustava-o. Iria sentir-se muito só no meio daquela gente.

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Em seguida, foi a vez de Berto. O magistrado mostrou-se mais amável. Tinha na sua frente o relatório acerca da mãe de Berto; já não era a primeira vez que recebia relatórios desses, acerca de mães que abandonavam os filhos por causa de um emprego, tornando-se, assim, responsáveis pelos seus erros.

A mãe de Berto lá estava, muito direita, decidida a não permitir que a censurassem. O juiz interrogou Berto, mas pouco adiantou. O pequeno não queria inculpar a mãe. Então, o juiz chamou a senhora Kent:

- Sei que a senhora sai de casa antes do seu filho ir para a escola e só volta às seis e meia, deixando tudo fechado, de modo que o pequeno não pode entrar. Quem lhe dá a merenda?

- Uns vizinhos amigos - respondeu a senhora Kent. - Fui obrigada a fechar a casa para que ele não me partisse tudo. Uma vez...

- Isso não nos interessa - interrompeu o juiz. - É verdade que declarou não querer mais o pequeno consigo? Queixa-se de que ele é insuportável, desobediente, destruidor e que lhe roubou diversas coisas para levar para um cubículo. Trata-se do seu único filho. Não acha que devia largar o emprego e cuidar outra vez dele?

- Não. - respondeu a senhora Kent. - Ele envergonha-me. Cada vez será pior. Vou vender a casa e sair daqui, tão envergonhada me sinto. E não o quero comigo. É um rapaz mau.

O magistrado conferenciou de novo com os colegas e, depois, dirigiu-se com bondade a Berto:

- Ouviste a tua mãe? Que pensas disso?

Berto não olhou para a mãe. Limitou-se a dizer:

- Não quero ser um estorvo. Sei que o seria, uma vez que ela não me quer. Mas que vai ser de mim, senhor juiz? Terei de ir também para aquela escola?

- Não, Alberto - respondeu o magistrado. - Temos informações boas e más a teu respeito. Mas vamos dar-te uma oportunidade. Sabemos que não tiveste um lar como merecias e a assistente social encontrou pessoas muito simpáticas que se ofereceram para te proporcionar um lar feliz e te servirem de família.

- Onde é? - perguntou Berto, receoso. - É longe? Longe da minha escola e dos meus amigos?

- Receio que sim - respondeu o juiz.

Pobre Berto! Nem mãe nem lar nem amigos! Saiu do tribunal, sentindo- se muito infeliz.

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Chegou, depois, a vez dos outros quatro. O relatório escolar de Patrício era péssimo e já tivera sarilhos antes. O mesmo acontecera com Fred. O juiz mostrou-se muito severo para com eles...

- Ireis ambos para um reformatório, durante três anos. E tereis de passar todo esse tempo lá, se não vos comportardes como deve ser. Já vos foi dada uma oportunidade antes, mas não aprendestes a lição. Agora, será pior.

Foi mais benévolo para com o pequeno e assustado Len, a quem disse:

- Creio que estás sob a influência do teu irmão mais velho. Vamos mandar-te para uma casa simpática, onde serás estimado e aprenderás muitas coisas. Mais tarde, deixar-te-emos voltar para a tua mãe, contanto que ela te garanta um lar feliz, como prometeu.

Faltava apenas João. A chorar, implorou:

- Não me mande para o reformatório, senhor juiz. Teria muitas saudades dos meus irmãos e irmãs e da minha mãe.

- Não o mande para lá, senhor juiz - implorou também a senhora Harris. - A culpa não é dele. Que se pode fazer quando se tem uma família de oito pessoas e apenas dois quartos para morar? Era por isso que o meu filho se escapava e juntava a más companhias. No fundo, é bom rapaz, senhor juiz.

- Não o tem sido muito. - disse o magistrado. - E ele sabe isso perfeitamente. Agora ouça, senhora Harris: íamos mandá-lo durante dois anos para um internato. Isto quer dizer que a senhora e a assistente social terão de trabalhar em comum. Ela ajudá-la-á a encontrar uma casa maior para a sua família. Também nos porá ao corrente do comportamento de João.

- Farei o que puder, senhor juiz - prometeu a senhora Harris.

- Se João se portar bem nos próximos dois anos, o caso fica encerrado - continuou o magistrado. - Mas se a assistente se queixar da sua conduta, então voltará aqui e será castigado por tudo. Para terminar, espero que compreenda que é justo que o seu filho pague os cento e sessenta escudos que recebeu indevidamente.

- Oh, sim, senhor juiz - concordou a mãe, grata por não terem mandado João para longe dela.

Nada mais havia a dizer. O caso estava julgado. O oficial de diligências leu os nomes das crianças que deviam ser ouvidas a seguir. Os seis rapazes abandonaram a sala, acompanhados pelos pais. Berto não caminhava ao lado da mãe. Seguia alguns passos atrás dela, solitário e receoso.

Que iria ser dele?

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CAPITU LO XXI I

SALVAI-ME DE QUALQUER MANEIRA

Quando os Mackenzie souberam o que tinha sido decidido a respeito de Berto, ficaram sinceramente desgostosos. Berto nem sequer pudera ir despedir-se deles! Teve de passar a noite em qualquer sítio que eles ignoravam, antes de partir para o sul do país, para a sua nova casa.

Fora levado do tribunal pela bondosa assistente social. Agarrara-se-lhe ao braço e suplicara:

- Não quero ir! Nunca mais verei os meus amigos Mackenzie. Nunca mais verei Pat.

- Tem de ser - disse-lhe a assistente. - Talvez os teus amigos te façam uma visita, quando já estiveres instalado na tua nova casa.

Berto deixou-se conduzir. A mãe nem sequer se despediu dele. Talvez viesse a arrepender-se de não o ter feito. Talvez um dia viesse a sentir-se só e chamasse pelo filho. Mas então ele não estaria ali.

Apenas Patrício não perdera a sua arrogância. Tom tentava mostrar-se forte, ao despedir-se dos pais. Tinha de ir diretamente para o internato. A mãe abraçou-o, esquecida da sua vergonha, lembrando-se apenas de que era o seu filho é que teria de ficar separada dele durante bastante tempo.

- Dentro de alguns meses estarás de novo aqui, Tom - disse ela. - Voltarás para casa, não é verdade, Tom?

- Estarei ao teu lado, filho - prometeu o pai. De futuro ter-me-ás sempre ao teu lado. Encontrarás um lar diferente, quando voltares.

Os lábios de Tom tremiam. A sua arrogância dissipou-se. Agora que ia para longe, a casa parecia-lhe mais confortável. Abraçou os pais, incapaz de proferir palavra. Depois partiu, a fim de apanhar o comboio da tarde.

À hora do almoço, Joana, Donald e Patrícia correram da escola até casa, ansiosos por saberem notícias de Berto. Os seus corações desfaleceram, ao notarem os rostos sombrios e graves dos pais.

- Que aconteceu ao Berto? Para onde o mandaram? - perguntou Joana -Sabe alguma coisa, mamã? Que aconteceu? Conte-nos!

- Pois bem, vou dizer-vos o que ouvi. Ficareis a saber o que acontece aos meninos que andam por maus caminhos. Assistimos ao julgamento de seis rapazes e sinto-me feliz por saber que os meus filhos são bons!

- Esta manhã errei as minhas contas - disse Patrícia, tristemente. - Não fui muito boa.

A mãe sorriu:

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- Não era isso que eu queria dizer, Pat.

As três crianças escutaram atentamente o relato dos pais acerca do que se passara no Tribunal de Menores. Quando Patrícia soube que Berto teria de partir no dia seguinte, pôs-se a chorar, agarrada ao braço do pai.

- Vá buscá-lo! - implorou. - Vá buscá-lo! Por que não fica connosco? Se alguém tem de tomar conta dele, por que não havemos de ser nós? Eu quero o Berto. É o meu irmão mais velho.

- Não é nada - retorquiu Donald, ciumento. Eu é que sou teu irmão.

- Não. És irmão da Joana e o Berto é meu. - replicou Patrícia. - Papá, vá buscá-lo.

- Não é fácil, querida Pat. - disse a mãe, levantando-se. - Bem, tenho de ir tratar do almoço. Estou à atrasar-vos queridos.

- Não está! - afirmou Donald. - De qualquer maneira, não a largaríamos antes de sabermos tudo.

- Pat, vamos dar um osso ao frisky - disse a senhora Mackenzie, ao notar a tristeza da filha. Ele não compreende por que motivo o almoço está atrasado. Já está com cara de poucos amigos.

Naquela noite, Patrícia ficou acordada durante muito tempo. Pensava em Berto. Como era possível que o julgassem mau? Ela sabia que não o era. Que estaria ele a fazer? A dormir ou acordado e triste? Nem sequer o deixaram despedir-se dela. Patrícia tinha a certeza de que ele sofria com isso.

Berto estava acordado, na escuridão, num lugar estranho. Sentia a falta dos Mackenzie e dos latidos amigáveis de Frisky. Sentia-se abandonado, desorientado.

Tinha lavado os dentes e escovado o cabelo. Depois recitou as suas orações, embora pensasse que Deus pouco se importava com ele. De súbito, sentiu-se aterrorizado e soloçou:

- Salvai-me, meu Deus! Bem sabeis que estou muito arrependido. Por favor, salvai-me de qualquer maneira!

A manhã chegou. Levantou-se, vestiu-se, tomou o pequeno-almoço sem vontade e depois mandaram-no empilhar lenha no quintal da casa onde estava com mais dois rapazes. Era uma Casa de Detenção Preventiva e Berto ficaria lá até à hora de partir para o seu destino.

- O teu comboio é às onze horas - disseram-lhe. - Serás avisado.

Chegaram as dez horas, as dez e meia e o coração de Berto pulsava cada vez mais aceleradamente. Esperava que a senhora Mackenzie aparecesse com Pat, para se despedir. De repente, ouviu chamar:

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- Albert Kent! Vem cá! - a hora do teu comboio, disse um dos rapazes. - Boa sorte, camarada!

Obedeceu vagarosamente ao chamamento. Já nada o podia salvar. Dentro de dez minutos estaria no comboio, a caminho!

- Para aqui, Alberto! - chamou uma voz. Berto dirigiu-se para uma despida salinha, onde os visitantes eram recebidos.

O senhor e a senhora Mackenzi estavam ali. Fitou-os com alegria. Mas Pat não estava com eles. Que desapontamento! O diretor da Casa de Detenção dirigiu-se a Berto:

- Tenho notícias para ti. Estes teus amigos falaram esta manhã com certas pessoas, incluindo a tua assistente social, e foram autorizados a levar-te para sua casa, se estiveres de acordo.

Berto ficou perplexo. Era tudo tão inesperado que lhe custava a acreditar. Mas logo compreendeu o que significava aquilo.

- Assim, Berto, não irás para longe de nós, da tua escola e dos teus amigos - disse a senhora Mackenzie, a sorrir. - Queres ir para nossa casa?

- Se quero! - exclamou Berto. - Oh, é realmente verdade?! Não podia desejar nada melhor!

- Sim, é verdade - disse o senhor Mackenzie.

- Sabes que temos confiança em ti, Berto, de modo que estamos dispostos a admitir-te na nossa família e a olhar por ti. Pat ficará encantada, assim como a Joana e o Donald. .

Berto pegou na mão da senhora Mackenzie e levou-a ao rosto, incapaz de pronunciar palavra.

- Obrigado - acabou por balbuciar. - Gosto muito de si.

- Podemos levá-lo já? - perguntou o senhor Mackenzie, dirigindo-se ao diretor. - Está tudo em ordem, salvo alguns pormenores.

- Pode, sim, senhor Mackenzie. Está tudo em ordem. Tiveram uma bela atitude. É pena que nem todos pensem assim. Bem, Berto, podes ir com os teus amigos. E espero não voltar a ver-te aqui!

- Nunca mais - disse Berto, apertando a mão que o diretor lhe estendia. Depois, mal acreditando na sua boa sorte, saiu para o patamar, desceu as escadas e encontrou-se na rua com os Mackenzie.

Apesar de tudo, fui salvo!, dizia para consigo. Tenho de o contar à Pat. Ainda hoje poderei brincar com ela, com a Joana e o Donald. E dormir na minha cama, na Vivenda Barlings. E terei Frisky para me acordar todas as manhãs. Oh, como sou feliz!.

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Joana, Donald e Patrícia não esconderam a sua alegria ao verem Berto, quando chegaram da escola à hora do almoço. Patrícia soltou um grito e correu para ele. Donald deu-lhe uma palmada nas costas e Joana saltou de contente.

- Ele voltou! Voltou!

- Parece um conto de fadas! - observou Patrícia, quando ouviu contar o que acontecera. - Mamã, agora tem uma família ainda maior. Será capaz de nos manter na ordem?

- Se não o for, pedirei a ajuda do papá - disse a mãe, brandindo a concha da sopa. - E, se não me engano, Berto vai-nos ser muito útil, a mim e ao vosso pai.

- Assim espero. Quero provar-lhes que têm outro filho, grande e forte, que não dirá não a nada. E a Joana, o Donald e a Pat terão mais um irmão que estará sempre a seu lado.

- Quero que seja mais meu irmão do que deles. - disse Pat. - Eles já se têm um ao outro.

- Nesse caso, ter-te-ei a ti, Pat - disse Berto, a sorrir. - Faremos dois pares. É melhor do que dois e um, não é?

- Béu! - latiu Frisky, dando uma vigorosa patada em Berto. - Béu!

- Diz que não quer que o ponham de lado - explicou Patrícia. - Também quer um amigo. Por que não arranjamos outro cão, para que o Frisky não se sinta sozinho?

- Não pode ser - disse a mãe com firmeza. Se Frisky se sente sozinho, a culpa é dele. Há aqui em casa seis pessoas que nunca o esquecem. Estás a ouvir, Frisky?

- Béu! - latiu Frisky. E deitou-se de costas, de patas para o ar.

Berto sorriu. Aquele era o seu lar. Um lar como sempre desejara!

CAPÍTULO XXIII

UM ANO MAIS TARDE

Cerca de um ano mais tarde, Berto e Pat saíram para fazer compras de Natal. Haviam economizado dinheiro e iam agora gastá-lo em presentes para a família. Joana e Donald também haviam saído juntos, como de costume.

Berto crescera, o seu aspecto era excelente e parecia feliz. Pat também crescera, mas era ainda muito infantil, apesar dos seus nove anos. Pendurada no braço de Berto, dizia-lhe enquanto caminhavam:

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- Há quase um ano que vives connosco, Berto. Não sei que seria da casa se nos faltasses agora. Já pertences à família, não é?

- Sim - respondeu Berto. - Também não sei o que seria ter de ir viver outra vez para a Vivenda Espinheiro. A minha mãe não perdeu tempo a vender a casa e ir-se embora. Agora vive lá outra família com dois filhos e a vivenda nem parece a mesma.

- Vais comprar uma prenda para a tua mãe? - perguntou Pat.

- Vou. Dantes pensava coisas horríveis a respeito dela, mas agora que encontrei uma família, já não sei. Gosto da tua mãe - é uma verdadeira mãe - e sinto-me feliz por lhe poder chamar tia Jessica. Tia Jessica e tio André são os nomes mais bonitos, depois de Pai e Mãe, como vós lhes chamais. Quando for homem, quero que se sintam orgulhosos de mim.

- Orgulhosos já eles estão - disse Patrícia, pulando à medida que andava. - E eu também. Não poderia viver sem ti, Berto.

- Olha para aquele vaso de flores vermelhas. - apontou Berto. - Dei um igual à tua mãe, no ano passado, mas não foi comprado com o meu dinheiro. Este ano vou-lhe comprar outro, mas com o meu dinheiro!

Divertiram-se imenso com as compras. Viram Joana e Donald ao longe, carregando embrulhos. Os gémeos gritaram-lhes:

- Não queremos que venhais connosco! Temos uma prenda para vós e não a deveis ver. É que o embrulho está a desfazer-se. Ide por outro caminho.

Berto sorriu.

- Está bem! Vamos, Pat. Iremos para casa por outro caminho. Oh, ali vem o Frisky! Viva Frisky! . Queres vir connosco?

- Béu - latiu Frisky, alegremente.

Os dois pequenos voltaram a esquina e seguiram pela estrada. Chegaram a umas casas novas, acabadas de construir, e Berto parou de repente.

- Que foi? - perguntou Patrícia.

- Lembras-te do cubículo, Pat? Aquele onde os Seis Terríveis costumavam reunir-se? Fica por aqui perto. Gostaria de o ver, antes que desapareça por causa dos novos prédios. Vamos dar uma espreitadela.

Ajudou Patrícia a caminhar por cima dos escombros e chegaram às ruínas da casa onde Berto procurara abrigo havia um ano. Olhou em redor.

- Ah, cá está a entrada! Já me tinha esquecido dela. E pensar que todas as noites a conseguia encontrar, no meio da escuridão!

Guiou Patrícia até ao cimo dos degraus.

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- Óh, parece horrível! - disse ela, olhando para baixo. - Vamos descer. Quero ver o vosso local de encontro.

No cubículo estava escuro e cheirava a humidade. Berto procurou no bolso a sua lanterna e acendeu-a. Passearam os olhos pelo cubículo, agora vazio. Apenas havia um caixote no qual Berto se sentou, recordando tempos passados.

- Era aqui que nos encontrávamos. Tínhamos um fogão a petróleo para nos aquecermos e velas. Era um sítio acolhedor, Pat. E Fred tinha um telefone.

- Um telefone? - admirou-se Patrícia. - Onde?

- Era apenas um brinquedo - continuou Berto, lembrando-se das fantásticas chamadas de Fred para os seus homens imaginários. - Eu costumava sentar-me aqui, era este o meu canto. E o Fred ali, Tom acolá, o Len naquele cantinho, o João e o Patrício além. Estávamos um pouco apertados, mas gostávamos disto.

- Não compreendo porquê. - disse Patrícia, estremecendo. - Onde estarão todos neste Natal? Seja como for, sei onde tu estás!

- Sim... sentado à vossa mesa de Natal - disse Berto. - Com um pai, uma mãe, tu, Joana e Donald. Agora, faço parte de uma família. Mas os outros cinco Terríveis? Onde estarão?

Sim, onde estariam? Que teria sido feito deles? Berto sentou-se e recordou-os a todos:

E Tom? Que era feito dele, viria passar o Natal a casa! Soubera comportar-se no internato e ganhara a estima da diretor. Tom compreendera como era horrível viver longe da família durante meses e meses. Tinha imensas saudades das irmãs e dos pais. E a família também senti a falta de Tom. Todos lembravam as suas virtudes e não os defeitos, recordavam as suas brincadeiras e não os acessos de mau humor. O castigo de Tom fora, ao mesmo tempo, uma lição para a família.

Tom ia voltar definitivamente para casa e esperava esse dia com impaciência. As irmãs escreveram-lhe muitas vezes. Pelas suas cartas, soube que o ambiente em casa era diferente. Começou a contar as semanas que faltavam, depois os dias e, por último, as horas.

- Foi uma oportunidade para todos nós - disse o pai. - Temos de aproveitá-la. Um por todos e todos por um será o nosso lema no futuro.

E Patrício? Não, não havia boas informações de Patrício. Era manhoso, velhaco e continuava a mentir. Que lhe reservava o futuro? Ninguém o poderia dizer. Dependia dele tornar-se um homem reto e honesto. O diretor estava muito descontente, não havia possibilidade de Patrício sair em liberdade.

Len regressava também a casa com a mãe, feliz e bem comportado. Embora ela nunca tivesse sido uma boa mãe, tentava fazer o melhor que

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podia. Fred continuava e continuaria internado. Tinha ainda muito para aprender.

João continuava em casa, com a pena suspensa, vigiado pela assistente social e procurando reabilitar-se. Mas a sua casa, agora, era muito diferente daquela em que vivi a no último Natal. Um dia, tendo encontrado Len, disse-lhe jubilosamente:

- Temos uma casa nova, Len, muito maior. Eu e Alan dorminos sozinhos num quarto e não em cima de todos os outros. E temos um pequeno quintal... Oh, nunca mais voltarei a ser mau, agora que tenho um lar decente!

Sentado no cubículo com a pequena Patrícia, Berto pensava nos Seis Terríveis. Seria que algum dos do bando pensaria nele, também? Os seus olhos percorreram o cubículo.

- Olha, Pat! Ainda ali está um toco de vela. Acendi-a no dia de Natal, há um ano. E um bocado de papel, ali no canto, pertencente às decorações. Estava lindo, o cubículo!

Pat apanhou o resto do papel. Por baixo havia qualquer coisa: um pequenino embrulho escarlate.

- Que é? - perguntou a pequenita.

Berto pegou nele.

- É um dos presentes que tinha pendurado na árvore para os rapazes. Deve ter caído quando a Polícia levou a árvore. Era a prenda para o Tom.

- Abre-o - pediu Patrícia.

Berto obedeceu. Dentro, havia uma borracha como as que usavam na escola, mas maior.

- Era para o Tom - repetiu Berto.

Patrícia pegou nela epôs-se a esfregar o chão.

- Por que fazes isso? - perguntou Berto. Patrícia olhou-o gravemente:

- Para que não penses mais no horrível tempo que passaste aqui! Quero apagar toda essa miséria, todo esse horror. Não sentes essas coisas desaparecer à medida que esfrego?

Berto riu-se.

- Fazes coisas engraçadas, Pat. Mas não há necessidade disso, há muito que a miséria já se foi. Parece tudo um sonho. Vamos para casa. Está frio, aqui.

Lançou um último olhar em redor e depois saíram. Em breve, um novo prédio se ergueria por cima do cubículo. Que horrível e feio lugar era agora!

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Mas como lhe parecera bonito naquele longínquo dia de Natal! Lembrou-se das velas na árvore, do calor agradável do fogão a petróleo. Fizera tudo para transformar aquilo num lar, pois não o tinha onde vivia.

Mas agora era diferente. Pôs de parte as recordações e subiu os degraus atrás de Patrícia. Frisky esperava-os lá em cima, impaciente. Não gostava dos cubículos escuros e húmidos e não compreendia por que haviam descido lá. Pulou para eles, latindo e abanando a cauda.

- Bom e velho Frisky - exclamou Berto, afagando-o. - Vamos para casa. Começa a escurecer.

Frisky trotava na frente, sempre abanando a cauda. Patrícia e Berto dirigiram-se apressadamente para a Vivenda Barlings. As cortinas já estavam corridas, mas um raio de luz filtrava-se por uma fenda.

- Vai à frente, Pat, e leva o Frisky. Quero fazer uma coisa que fazia muitas vezes e ver como me sinto. Vai!

Patrícia correu para casa, admirada; mas sempre obedecia às ordens de Berto. Frisky foi atrás dela.

Berto atravessou o quintal, ergueu-se até à janela e espreitou pela fenda das cortinas, como tantas vezes fizera no último ano. Viu a senhora Mackenzie a preparar o chá e Joana a torrar o pão. Donald mostrava à mãe qualquer coisa que tinha comprado.

Depois, viu Pat entrar a correr, a mãe a afagar-lhe a cabeça e a beijá-la. Frisky latia como de costume, contente por voltar para casa. O senhor Mackenzie ainda não havia chegado. Mas Berto viu o cachimbo, os sapatos de quarto e a cadeira de braços, tudo preparado para o receber.

Costumava invejá-los porque tinham uma família e eu não, pensou Berto. Mas agora é também a minha família. Já não preciso de espreitar. Pertenço-lhes! Vou entrar e juntar-me à minha Família...

Sorridente, entrou com os seus embrulhos. Já não precisava de espreitar pelas cortinas! Adeus, Berto; felicidades! Encontraste o que querias, alguma coisa a que te prenderes. Adeus Seis Terríveis! Que lhes reservará o futuro? Ninguém o sabe, é outra história!

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1 Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source com a intenção de facilitar o acesso ao conhecimento a quem não pode pagar e também proporcionar aos Deficientes Visuais a oportunidade de conhecerem novas obras. Se quiser outros títulos nos procure http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros, será um prazer recebê-lo em nosso grupo.

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OUTRAS OBRAS A INCLUIR NESTA COLECÇÃO De ENID BLYTON O MISTÉRIO DE ROCKINGDOWN O MISTÉRIO DA MANSÃO DOS SINOS O MISTÉRIO DA FEIRA DE RILLOBY O MISTÉRIO DE RUBADUB O MISTÉRIO DA CASA DA NEVE O MISTÉRIO DO MALTRAPILHO A ILHA SECRETA O SEGREDO DAS GRUTAS DE SPIGGY; O SEGREDO DE KILLIMOOIN O SEGREDO DO CASTELO DE LUA A MONTANHA SECRETA A TRINTA-DIABOS OS QUATRO AVENTUREIROS O MISTÉRIO QUE NUNCA EXISTIU OS QUATRO PRIMOS A CASA DA ÁRVORE OCA O CÍRCO GALIANO VIVA O CIRCO! O CIRCO VOLTOU

Fim

Infanto-Juvenil Clássica Editora, 4ª Edição, 1986 COLECÇÃO JUVENIL OS SEIS TERRÍVEIS ENID BLYTON OS SEIS TERRÍVEIS Titulo original: The six bad boys Enid Blyton Todos os direitos reservados para a língua Portuguesa por Clássica Editora Tradução: Anais Bonnel e Jorge Sampaio Capa e ilustrações: José A. Cambraia Execução gráfica José Maria Marques Impressão e acabamento: Imprensa Portuguesa

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