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 259 Helvécio Neves Feitosa Médico, especialista em Ginecologia e Obstetrícia, doutor em Obstetrícia, doutorando em Bioética pelo Programa Luso- brasileiro de Doutorado em Bioética da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto-FMUP/ CFM, professor do curso de Medicina da Universidade de Fortaleza (Unifor), Ceará, Brasil  A saúde mental das crianças e dos adolescentes: considerações epidemiológicas, assistenciais e bioéticas Helvécio Neves Feitosa Miguel Ricou Sérgio Rego Rui Nunes Resumo Neste trabalho são apresentados aspectos epidemiológicos relativos a crianças e adolescentes com problemas de saúde mental, no mundo e no Brasil; os transtornos mais comuns nesta faixa etária; e a gênese de tais transtornos, cuja ênfase recai no ambiente familiar, no qual se constata forte associação entre a violência doméstica e a ocorrência de tais distúrbios. É discutida a crise de oferta de serviços de saúde para crianças e adolescentes com problemas de transtorno mental, bem como a carência de profissionais treinados para lidar com este grupo especial de pacientes. Os aspectos bioéticos envolvidos na assistência também são discutidos, com destaque para o estado de vulnerabilidade desses pacientes com relação ao exercício da autonomia. Ao final, se considera que para abarcar o princípio bioético da justiça urge implantar e implementar serviços de saúde mental comunitários, especializados no atendimento a crianças e adolescentes, principalmente em regiões carentes, bem como na periferia das grandes cidades. Palavras-chave: Saúde mental. Bioética.Vulnerabilidade. Criança. Adolescente.  A pre va nc ia est im ada de tr an st orn os psi qui át ricos na infância e adolescência em estudos epidemiológicos populacionais internacionais apresenta ampla variação, entre 1%-51% 1-5 . Apesar das limitações metodológicas de estudos que investigam a prevalência desses trans- tornos em diferentes culturas (instrumentos, definições de transtornos), várias pesquisas indicam taxas entre 9% e 16% em países desenvolvidos 2 . Na Inglaterra, por exemplo, encontrou-se 10% de prevalência de transtornos psiquiátricos na infância, ao se investigar 10.500 famílias 6 . Na América Latina e Caribe, a revisão de literatura sobre estudos epidemiológicos publicados no período de 1980 a 1999 identificou dez trabalhos com taxas de prevalência desses problemas entre 15% e 21% 7,8 . As diferentes classi- ficações diagnósticas e metodologias de aferição utilizadas Rev. bioét (Impr.) 2011; 19(1): 259 - 75

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    Helvcio Neves Feitosa Mdico, especialista em Ginecologia e Obstetrcia, doutor em Obstetrcia, doutorando em Biotica pelo Programa Luso-brasileiro de Doutorado em Biotica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto-FMUP/CFM, professor do curso de Medicina da Universidade de Fortaleza (Unifor), Cear, Brasil

    A sade mental das crianas e dos adolescentes: consideraes epidemiolgicas,

    assistenciais e bioticas

    Helvcio Neves Feitosa Miguel Ricou Srgio Rego

    Rui Nunes

    Resumo Neste trabalho so apresentados aspectos epidemiolgicos relativos a crianas e adolescentes com problemas de sade mental, no mundo e no Brasil; os transtornos mais comuns nesta faixa etria; e a gnese de tais transtornos, cuja nfase recai no ambiente familiar, no qual se constata forte associao entre a violncia domstica e a ocorrncia de tais distrbios. discutida a crise de oferta de servios de sade para crianas e adolescentes com problemas de transtorno mental, bem como a carncia de profissionais treinados para lidar com este grupo especial de pacientes. Os aspectos bioticos envolvidos na assistncia tambm so discutidos, com destaque para o estado de vulnerabilidade desses pacientes com relao ao exerccio da autonomia. Ao final, se considera que para abarcar o princpio biotico da justia urge implantar e implementar servios de sade mental comunitrios, especializados no atendimento a crianas e adolescentes, principalmente em regies carentes, bem como na periferia das grandes cidades.

    Palavras-chave: Sade mental. Biotica.Vulnerabilidade. Criana. Adolescente.

    A prevalncia estimada de transtornos psiquitricos na infncia e adolescncia em estudos epidemiolgicos populacionais internacionais apresenta ampla variao, entre 1%-51% 1-5. Apesar das limitaes metodolgicas de estudos que investigam a prevalncia desses trans-tornos em diferentes culturas (instrumentos, definies de transtornos), vrias pesquisas indicam taxas entre 9% e 16% em pases desenvolvidos 2. Na Inglaterra, por exemplo, encontrou-se 10% de prevalncia de transtornos psiquitricos na infncia, ao se investigar 10.500 famlias 6.

    Na Amrica Latina e Caribe, a reviso de literatura sobre estudos epidemiolgicos publicados no perodo de 1980 a 1999 identificou dez trabalhos com taxas de prevalncia desses problemas entre 15% e 21% 7,8. As diferentes classi-ficaes diagnsticas e metodologias de aferio utilizadas

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    Miguel Ricou Psiclogo, mestre em Biotica, professor de Biotica e tica Mdica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, docente do mestrado em Biotica e da licenciatura em Educao Social da FMUP, Porto, Portugal

    Sergio Rego Mdico, doutor em Sade Coletiva, pesquisador titular da Escola Nacional de Sade Pblica Srgio Arouca da Fundao Oswaldo Cruz, editor da Revista Brasileira de Educao Mdica, coordenador adjunto do Programa de Ps-graduao em tica aplicada, biotica e sade coletiva da UFRJ, Fiocruz, UERJ e UFF e presidente da Sociedade de Biotica do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

    Rui Nunes Mdico, professor catedrtico de Biotica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, coordenador do Programa Luso-brasileiro de Doutorado em Biotica da FMUP/CFM, Porto, Portugal

    explicam parte dessa variao, em conjunto com possveis diferenas sociais e culturais existentes nas diversas regies e pases 9,10.

    Os problemas mentais infantis mais comuns incluem os transtornos de conduta, os transtornos de ateno e hipera-tividade e os transtornos emocionais. Esses distrbios so importantes na medida em que impem sofrimento aos jovens e queles com quem convivem, e tambm porque interferem no desenvolvimento psicossocial e educacional, com o potencial de gerar problemas psiquitricos e de rela-cionamento interpessoal na vida adulta 11.

    A gnese dos problemas de sade mental em crianas e adolescentes vincula-se a vrios fatores: determinismo gentico; desordens cerebrais, a exemplo da epilepsia; vio-lncia; perdas de pessoas significativas; adversidades crni-cas; eventos estressantes agudos; problemas no desenvolvi-mento; adoo; abrigamento; alm de problemas culturais e sociais que repercutem de forma significativa no desen-volvimento infantil 12.

    Associaes entre problemas de comportamento e variveis do ambiente familiar tm sido verificadas de forma consis-tente. A quantidade ou qualidade de eventos negativos pro-venientes da famlia apontada como particularmente pre-judicial ao desenvolvimento infantil, sendo fator que predis-pe a problemas de comportamento 13,14.

    Em uma situao especfica a depresso em crianas e adolescentes o interesse cientfico recente, pois at a dcada de 70 acreditava-se que tal entidade mrbida fosse rara ou at inexistente nessa faixa etria 15. Ultimamente, vrios autores tm chamado a ateno para o fenmeno da depresso nessa faixa etria. Em artigo de reviso sobre os transtornos depressivos, Bahls 15 encontrou o resultado de 0,4% a 3% para depresso maior em crianas, e de 3,3% a 12,4% em adolescentes.

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    Anlise sistemtica da literatura recente de estudos empricos concluiu que a depresso materna tem impacto negativo para a sade mental dos filhos em idade escolar, favore-cendo a ocorrncia de problemas comporta-mentais, psicopatologia, rebaixamento cog-nitivo, prejuzos no autoconceito, no desem-penho social e na regulao emocional. Tais fatores foram observados independentemen-te do momento de primeira exposio depresso materna, bem como dos delinea-mentos dos estudos (longitudinais ou trans-versais), configurando-se, assim, como fator de risco ao desenvolvimento infantil pre-juzo potencializado na presena de comorbi-dades psiquitricas 16.

    A situao no Brasil

    Em nosso pas, os estudos de epidemiologia psiquitrica na infncia e adolescncia esto avolumando-se nos ltimos anos, mas se con-sidera serem ainda poucos em relao s necessidades observadas em pesquisas empri-cas 10. Pesquisa pioneira realizada em uma rea da cidade de Salvador utilizou question-rio de psicopatologia infantil para crianas de 5-14 anos, encontrando prevalncia de 13% 17. Entretanto, no foram avaliadas a confiabili-dade e a validade do instrumento utilizado. Um segundo estudo em outra rea da mesma cidade, com 829 crianas da mesma faixa et-ria, evidenciou prevalncia de 10% de casos de gravidade moderada ou severa e 13,2%, duvi-dosa ou leve, utilizando-se o questionrio de morbidade psiquitrica infantil (QMPI) 18. A taxa de prevalncia global no ano foi de 23,2%, distribudos da seguinte forma: 15,3%

    de transtornos neurticos e psicossomticos; 2,6% de retardo mental; 1,6% de transtornos de desenvolvimento e 1,2% para outros diag-nsticos mais raros. Meninas apresentaram mais distrbios neurticos e psicossomticos e meninos, mais transtorno de desenvolvimento e retardo mental. Crianas mais velhas evi-denciaram taxas maiores nos quadros mais graves de transtornos 19.

    Os dados estatsticos de investigaes epide-miolgicas que pesquisaram problemas de sade mental em crianas e adolescentes brasi-leiros, com a utilizao do questionrio de habilidades e dificuldades (Strengths and diffi-culties questionaire - SQD), que apresenta cinco subescalas hiperatividade, problemas emocio-nais, problemas de conduta, relacionamentos interpessoais e comportamento pr-social , recaram no intervalo de 12% a 15% quando os prprios jovens avaliaram, entre 8% e 10% na viso dos educadores e entre 14% e 18,7% na perspectiva dos pais 20-22. Houve diferenas tambm em relao a variveis socioeconmi-cas em diferentes situaes comunitrias, sendo verificado em um dos estudos que a pre-valncia geral de problemas mentais foi de 15% entre os jovens, sendo de 22% para os residentes em favelas e de 12% para os residen-tes em reas urbanas ou rurais 23.

    Em estudo longitudinal Assis e colaboradores 24 acompanharam 300 crianas por um perodo de um ano e investigaram a incidncia de pro-blemas de sade mental diagnosticados pelos responsveis (uso do instrumento Child Behaviour Checklist -CBCL) e professores (uso do Teacher Report Form TRF). Os pesquisa-

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    dores verificaram que houve 2,7% de casos clnicos incidentes, segundo os pais, e 4%, de acordo com os professores. Para os problemas internalizantes, houve ocorrncia de 3,5% (informao dos pais) e 4,9% (professores); para os externalizantes, 4% e 5,7% e para os problemas relacionados ateno, 1,3% e 2,4%, respectivamente.

    Outra pesquisa nacional, realizada na cidade paulista de Taubat, constatou prevalncia de casos clnicos/limtrofes de distrbios mentais entre escolares (n = 454) de 35,2%. Pais/cuidadores que acreditavam na punio fsica como mtodo educativo agrediam fisicamente seus filhos com maior frequncia (64,8%). Modelos de regresso logstica revelaram que a atitude de bater com o cinto esteve associada a problemas de conduta e a problemas de sade mental em geral nos escolares, na pre-sena de outros fatores de risco: sexo da crian-a (masculino), pais/cuidadores com proble-mas de sade mental e condies socioecon-micas desfavorveis 25. Os autores concluram que a alta prevalncia de problemas de sade mental em escolares e sua associao com mtodos educativos e problemas de sade mental dos pais/cuidadores indicam a necessi-dade de intervenes psicoeducacionais para reduzir o abuso fsico e os problemas de sade mental na infncia.

    Com os objetivos de estimar a prevalncia de problemas de sade mental em crianas e ado-lescentes com e sem prejuzo funcional global em uma comunidade urbana de baixa renda (na Regio Metropolitana de So Paulo); esti-mar a capacidade de assistncia da rede pbli-

    ca de servios do municpio; e relacionar a capacidade de assistncia necessidade de tra-tamento em sade mental da infncia/adoles-cncia, Paula, Duarte e Bordin 26 observaram a seguinte prevalncia de problemas de sade mental: 24,6% ao desconsiderar prejuzo funcional global e 7,3% com prejuzo funcio-nal global (casos que necessitam de tratamen-to). A capacidade anual de assistncia aos casos com prejuzo funcional global foi de 14% da demanda encontrada, fazendo-se necessrio cerca de sete anos para que todos possam ser tratados. As autoras concluram que os problemas de sade mental so fre-quentes na comunidade estudada e a infraes-trutura atual da rede pblica de servios do municpio no est preparada para atender em tempo hbil os casos que necessitam trata-mento.

    Associao entre violncia e

    problemas de sade mental

    A associao entre vivenciar violncias e vir a apresentar problemas de sade mental ao longo do ciclo de crescimento e desenvolvi-mento tem sido apontada em estudos interna-cionais e nacionais. Pesquisa realizada com crianas de 6 a 10 anos numa vizinhana pobre e violenta em Washington, nos Estados Unidos (EUA), indicou que a exposio a esse tipo de fenmeno (ser vitimado ou ser teste-munha) est associada com sintomas de sofri-mento mental, tais como ansiedade, depres-so, distrbios de sono e pensamentos intru-sivos 27. Em outro estudo, verificou-se a asso-ciao entre violncia familiar e comunitria com problemas de comportamento internali-

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    zantes e externalizantes, a apontar que a forte relao entre violncia comunitria e o fun-cionamento mental da criana acontece por-que o seu senso de segurana ameaado, com repercusso negativa em seu crescimento e desenvolvimento 28. Em outras publicaes, verificou-se associao entre vitimizao por violncia com problemas fsicos, falta de con-centrao na escola, distrbios do sono e hipervigilncia 29-31.

    No Brasil, diversos autores tm constatado a relao entre violncia e problemas de sade mental em crianas e adolescentes 8,23-25,32-35. Observou-se maior ocorrncia de transtornos de conduta e desordens psiquitricas entre crianas e adolescentes que testemunharam violncia entre os pais e que so educados mediante rgida disciplina, que inclui atos como bater com o cinto 23,25. Crianas e adoles-centes cujas mes gritam excessivamente, batem, espancam ou punem severamente, dentre outras reaes inadequadas, tm o dobro de chance de apresentar problemas de sade mental com relao aos no expostos a essas prticas 33. A falta de monitoria positiva aliada a prticas educativas negativas, como negligncias, punio inconsistente e abuso fsico, so indicadores de problemas de com-portamento 34. Em uma das pesquisas, adoles-centes expostos violncia intrafamiliar e urbana mostraram ter duas vezes mais proble-mas de sade mental. Os que foram expostos violncia familiar mostraram-se trs vezes mais propensos a apresentar problemas do que os expostos violncia urbana, a corroborar a importncia das relaes familiares para uma boa condio de sade mental 35.

    A crise de oferta de servios para

    crianas com problemas de sade

    mental no Brasil

    A ateno s crianas brasileiras na rea da sade mental infantil constitui necessidade imperativa e com demanda crescente. A falta de servios e especialistas nesta rea preocu-pante, fato que contribui para que os profis-sionais de sade, de maneira geral, tenham grande dificuldade para encaminhar crianas com algum tipo de dificuldade emocional. Os poucos servios existentes possuem longas filas de espera e nem sempre as crianas rece-bem assistncia adequada 36.

    Para exemplificar a dimenso do problema assistencial nesta rea especfica, realizou-se pesquisa em uma unidade bsica de sade (UBS) situada na Zona Oeste da cidade de So Paulo, na qual foram sujeitos da pesquisa os pais e responsveis por crianas com idade entre 5 anos e 11 anos e 11 meses, alm dos pediatras do servio 9. Os autores utilizaram mtodos quantitativos e qualitativos de pes-quisa, com a aplicao de escalas de rastrea-mento de queixas e problemas de comporta-mento, visitas domiciliares, anlise de pron-turios e aplicao de questionrios dirigidos aos pais sobre as preocupaes relativas s dificuldades dos filhos e de descrio de com-portamentos da criana, alm de entrevistas semiestruturadas com os pediatras da UBS.

    Ao analisar a atuao dos profissionais e do sistema de sade ante os problemas de sade mental de crianas, a partir da literatura cien-tfica da rea, os autores apontam que as pes-

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    quisas, polticas e prticas de ateno sade mental so mais voltadas para a populao adulta e para o movimento de luta antimani-comial, enquanto aquelas dirigidas para crian-as e adolescentes continuam escassas. O papel dos pediatras e de outros profissionais da ateno bsica foi analisado, sendo aponta-das inmeras deficincias nesta atuao, tais como: dificuldade de identificao precoce dos problemas de sade mental em crianas; pouca valorizao desse tipo de problema e deficin-cias na formao para a deteco de transtor-nos mentais.

    Ao avaliar a sensibilidade e especificidade da capacidade de deteco de problemas de sade mental em crianas por parte do pediatra, os pesquisadores verificaram a baixa sensibilida-de de deteco pelo referido profissional. Enfatizaram que muitos pais no costumam informar queixas na rea da sade mental aos pediatras, o que tambm pode decorrer da falta de busca ativa dos mesmos quanto a esse tipo de problema. Sinalizaram a importncia de criar um ambiente propcio para o reconhe-cimento dos agravos emocionais de crianas.

    A pesquisa tambm constatou que os pedia-tras, muitas vezes, desconhecem possibilidades de interveno em crianas que apresentam algum tipo de problema emocional e que cer-tos atos, como ouvir mais a famlia, conversar com a criana, entre outros, so considerados no cientficos, remetidos ao senso comum. Os pediatras revelaram certo descrdito quan-to aos servios de sade mental, por serem pouco numerosos e apresentarem nmero insuficiente de vagas, alm de pouco conheci-

    dos e pouco confiveis, em relao ao trabalho oferecido. Os autores apontaram a necessida-de de mudana na formao do profissional mdico, com vistas melhoria do diagnstico precoce e aos encaminhamentos adequados.

    Ao se tomar como base as queixas apresenta-das e os diagnsticos realizados nos servios de sade mental da rede pblica, percebe-se que a grande maioria se refere a problemas de aprendizagem ou escolares, comprometimen-tos esses que no necessariamente exigem interveno de um profissional de sade men-tal 37. Na opinio de Boarini, alm de no existir suficiente oferta para atender as crian-as que necessitam de ateno especializada em sade mental, a maior parte do tempo do profissional absorvida em atendimentos, muitas vezes, dispensveis. Por esse ngulo, podemos inferir que o profissional de sade mental, ao se ocupar com casos que dispensa-riam sua interveno, acaba contribuindo para que haja um dficit ainda maior em rela-o demanda infantil que realmente neces-sita de assistncia psicolgica. Ao atender as dificuldades escolares no mbito dos servios de sade mental, tal profissional reedita questes que so a prova mais contundente da inefic-cia da medicalizao/psicologizao de dificul-dades escolares 38. A despeito do anteriormen-te afirmado, devemos considerar que no se deve relativizar a necessidade de atendimento especializado para problemas de aprendiza-gem. Em muitas circunstncias, tais proble-mas so apenas a ponta do iceberg de outras manifestaes de grande densidade e relevn-cia clnica, a exigir, realmente, a assistncia do profissional especializado em sade mental.

    A sade mental das crianas e dos adolescentes: consideraes epidemiolgicas, assistenciais e bioticas

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    Vale destacar outro aspecto que dificulta a assistncia criana com problemas de sade mental. Por uma questo cultural, entre outras, o encaminhamento da criana ao ser-vio de sade mental traz em si o preconceito ou estigmatizao, tanto por parte de pais e professores como tambm muitas vezes por parte do prprio profissional de sade mental. Ou seja, a criana encaminhada ao servio de sade mental porque supostamente tem um problema, mas no momento em que atendida podem surgir novos problemas, decorrentes do prprio preconceito que ainda ronda os servios 37.

    Abordagem biotica

    Ao abordar os aspectos bioticos da sade mental em crianas e adolescentes, achamos oportuno, preliminarmente, delimitar alguns marcos conceituais. O conceito de adoles-cncia, hoje amplamente adotado, definido pela Organizao Mundial da Sade (OMS) na Reunio sobre a gravidez e aborto na adoles-cncia, realizada em 1974, estabelece que a adolescncia corresponde a um perodo em que: a) o indivduo progride a partir de um ponto do aparecimento inicial dos caracteres sexuais secundrios para a maturidade sexual; b) os processos psicolgicos do indivduo e os modelos de identificao progridem da fase infantil para a adulta; c) feita a transio do estado de total dependncia socioeconmica para um estado de relativa independncia. De acordo com a OMS, limites especficos de idade no devem ser impostos para delimitar a adolescncia; sendo esta uma classificao social, varia tanto em sua composio como em

    suas implicaes. Considera, entretanto, o perodo de 10 a 20 anos como englobando a maioria das mudanas retropropostas, embo-ra se saiba grande o grau de variao inter e intracultural das mesmas 39.

    Embora largamente utilizado, o conceito de adolescncia estabelecido pela OMS, distin-guindo-a da fase infantil (ou criana), no unnime. As Naes Unidas (ONU), no documento Convention on the Rights of the Child 40, estabelece em seu art. 1: Para os pro-psitos da presente Conveno, uma criana significa qualquer ser humano com idade abaixo de dezoito anos, a menos que sob Lei aplicada criana, a maioridade seja atingida antes. No Brasil, o Estatuto da Criana e do Adolescen-te - ECA 41 estabelece em seu art. 2: Consi-dera-se criana, para os efeitos desta Lei, a pes-soa at doze anos de idade incompletos, e ado-lescente aquela entre doze e dezoito anos.

    Uma das questes fulcrais no atendimento a crianas e adolescentes com transtornos men-tais diz respeito capacidade do exerccio da autonomia por parte dessas pessoas. De ante-mo, tem-se a percepo de que o exerccio deste princpio biotico basilar encontra-se duplamente comprometido: quer pela idade quer pelo estado mental. O que se coloca em discusso, portanto, a maneira mais efetiva de se proteger tais pessoas que, por se encontra-rem em posio de hipossuficincia por incapa-cidades pessoais, no possuem plenamente seus direitos de escolha, ou seja, no gozam da capa-cidade plena de autogoverno, de livre arbtrio quanto regncia do prprio destino, conquista essa concedida pouco a pouco, por parmetros

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    biolgicos e de convvio social. Tal princpio envolve a proteo da privacidade, da confiabi-lidade e da procura de aes que se baseiam em um consentimento informado, a opor-se a qualquer manifestao coercitiva, mesmo que justificada por quaisquer benefcios sociais 42,43.

    No ordenamento jurdico ptrio, o atual Cdi-go Civil dispe que, em regra, toda pessoa capaz de direitos e deveres na ordem civil. Em paralelo, ficam absolutamente impedidos de exercer, pessoalmente, tais atos os que, por enfermidade ou deficincia mental no tiverem o necessrio discernimento e relativamente cer-ceados quanto maneira ou espcie de atos que podem praticar (...) os que, por deficincia mental, tenham o discernimento reduzido e os excepcionais, sem discernimento completo 44. De acordo com Cohen e Salgado 43, em tal situa-o, de ausncia ou perda (total ou parcial) da plena capacidade psquica e de autogoverno, entram em atuao os profissionais da sade mental (psiquiatras, psiclogos jurdicos e assis-tentes sociais, por exemplo) com o fim maior de fazer com que o paciente readquira autoconscin-cia, autonomia, liberdade, alm do respeito por si prprio e pelos outros. Essa atuao exige pro-fissionais competentes, no apenas do ponto de vista tcnico, mas, sobretudo, ricos em compreenso humana, prudncia, coragem, compaixo e sensibilidade tica.

    A questo da autonomia dos pacientes no constitui ponto pacfico no Brasil, particular-mente quando se trata de crianas e adoles-centes. No caso das crianas, achamos pru-dente trabalhar com dois graus de competn-cia: as muito novas, ainda sem possibilidade

    de compreender adequadamente as informa-es e, portanto, absolutamente incapazes de participar na tomada de decises. Com essas crianas, somos de opinio que os profissio-nais e pais devem interagir informando, expli-cando o que vai acontecer, mesmo que se acre-dite que nada ser compreendido. Estamos falando de crianas efetivamente em idade muito tenra. Com outras, com maior grau de maturidade, deve-se buscar sua compreenso dos fatos e conhecimentos. Devemos despen-der um esforo significativo para delas obter a compreenso do que est acontecendo e mesmo seu assentimento. Em termos legais, bvio que em ambas as situaes so os pais ou responsveis que do a palavra final (ou o de acordo), mas do ponto de vista tico somos de opinio que o exerccio da autonomia deve acompanhar pari passo o crescimento e ama-durecimento biopsquico da criana.

    A questo do respeito autonomia de uma criana ou adolescente s faz sentido se con-duzida a partir do conhecimento da evoluo de suas competncias nas diferentes idades. Sabe-se que a criana passa por um processo de desenvolvimento progressivo que a leva a alcanar a completa independncia na maturi-dade, o que, nas sociedades modernas, se situa por volta dos 20 anos de idade. A compreen-so da construo do conceito da autonomia, luz do momento de desenvolvimento em que determinada criana ou adolescente se encon-tra, deve considerar diversas caractersticas 45: constitui-se processo que evolui continua-mente, pois medida que habilidades se aper-feioam, novas capacidades so adquiridas, novas vivncias so acumuladas e integradas,

    A sade mental das crianas e dos adolescentes: consideraes epidemiolgicas, assistenciais e bioticas

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    passveis de mudanas extremas no tempo; a aquisio de competncias progressiva, sem saltos, seguindo uma ordem preestabelecida, com razovel previsibilidade; os tempos e o ritmo em que o desenvolvimento se processa so individualizados, o que faz com que dois indivduos de mesma idade possam estar em fases diferentes de desenvolvimento; ao se considerar a inteligncia, o desenvolvimento torna-se extremamente influencivel por fato-res extrnsecos ao indivduo, tais como as experincias, os estmulos, o ambiente, a edu-cao, a cultura e outros, o que refora sua evoluo extremamente individualizada.

    As investigaes de Jean Piaget sobre como se processa o desenvolvimento cognitivo, como evoluem o pensamento e o conhecimento, permitiu a identificao de estgios universais pelos quais evolui o pensamento, numa se-quncia invariante. Esses estgios so o sen-srio-motor, o pr-operacional, o de operaes concretas e o de operaes formais 46. O ter-ceiro estgio citado, que ocorre aproximada-mente dos sete aos 12 anos, marca o incio do pensamento lgico, se bem que ainda no nvel concreto, estendendo-o compreenso do outro e s possveis consequncias de boa parte de seus atos. A criana capaz de raciocinar logicamente se tiver o apoio de objetos con-cretos. Adquire a noo de conservao e os rudimentos da lgica. O estgio de operaes formais, que ocorre a partir da adolescncia, caracteriza-se pela capacidade de abstrao e do teste de hipteses, tornando vivel o racio-cnio cientfico. A evoluo do julgamento moral tem por base a dimenso heteronmia-autonomia, ou seja, a criana passa de uma

    moral de autoridade imposta de fora, por outros, para uma moral autnoma, da prpria conscincia individual.

    Portanto, o processo de compreenso das con-sequncias de seus atos inicia-se por volta dos seis a sete anos e amadurece at o final da adolescncia. Assim sendo, do ponto de vista assistencial, o menor tem direito a fazer opes sobre procedimentos diagnsticos ou teraputicos mas em situaes de risco e frente realizao de procedimentos de algu-ma complexidade, tornam-se sempre necess-rios, alm do assentimento do menor, a parti-cipao e o consentimento dos seus respons-veis legais. A criana ou o adolescente que se recusa a dar o seu assentimento deve ser ouvi-da, em especial quando os resultados espera-dos so incertos 47.

    O assentimento da criana, com ou sem transtornos mentais, para fins de pesquisa, diagnstico ou tratamento tema complexo e sem consenso na literatura. As controvrsias incluem a definio do que vem a ser assenti-mento, a idade a partir da qual os investigado-res deveriam obt-lo das crianas, quem deve-ria estar envolvido no processo da obteno, como resolver as disputas entre as crianas e os seus pais, que quantidade e qualidade das informaes devem ser disponibilizadas para as crianas e seus familiares, o quanto de e quais informaes as crianas desejam e neces-sitam saber, a metodologia empregada para promover o entendimento pela criana das informaes disponibilizadas, e o que consti-tui um modelo de tomada de decises que seja efetivo, prtico e realista 48.

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    De acordo com Unguru, Coppes e Kamani 48, nos EUA, a Comisso Nacional para a Prote-o de Sujeitos Humanos de Pesquisa Biom-dica e de Comportamento, em 1977, com base na concepo do respeito s crianas como indivduos, chamou a ateno para a necessidade de reconhecer e respeitar a vonta-de das mesmas, considerando o seu desenvol-vimento cognitivo e maturidade. A Comisso sugeriu que o assentimento deve ser solicitado para todos os potenciais sujeitos de pesquisa a partir dos sete anos de idade. Os autores supra-citados fazem uma diferenciao entre assenti-mento e consentimento. Esclarecem que ver o primeiro como corolrio do segundo seria superestimar a importncia do entendimento, pela criana, dos riscos e benefcios, que so aspectos-chave do consentimento direcionado aos adultos. Igualar assentimento a consenti-mento seria incluir as crianas num modelo injusto, com o potencial de limitar sua capaci-dade de participao em pesquisa. As crianas no necessitam avaliar todos os componentes de um consentimento. Sua capacidade de tomar decises requer que suas escolhas sejam voluntrias, razoveis e racionais. E especial-mente importante: a criana deve entender a informao relevante para a sua escolha. Do ponto de vista legal, o termo assentimento aqui empregado para diferenci-lo do consen-timento, que fornecido por pessoas adultas e totalmente capazes (na forma da lei Cdigo Civil brasileiro) para tomar decises.

    Assim, antes de solicitar o assentimento de uma criana, crucial que o investigador esta-belea seu nvel de compreenso. Alm da informao de que a criana necessita tomar

    conhecimento, um segundo aspecto relevante a ser considerado o que ela desejaria saber, um ponto nem sempre levado em conta nas pesquisas envolvendo crianas. Em virtude de sua compreenso ser o elemento central no processo de assentimento, torna-se imperativo melhorar os mtodos de facilitao do enten-dimento por parte das crianas, quando da realizao de pesquisas. Uma maneira de rea-lizar isso conversando com elas e levando-as a srio. Determinar o que precisam saber o resultado lgico do dilogo com elas.

    Nesse mesmo sentido, no considerando dife-renciao terminolgica entre assentimento e consentimento, o Simpsio Internacional sobre Biotica e os Direitos da Criana (ou Declarao de Mnaco) 49, ocorrido no ano 2000, estatuiu que: A ateno sade da criana deve incluir devida considerao pelo esclarecimento, pelo consentimento e, conforme o caso, pela recusa do consentimento por parte da criana, conforme seu grau crescente de autono-mia. Estabeleceu ainda que: Esse princpio deve ser reforado, em especial, em relao a exa-mes e/ou tomada de espcimes realizados na criana, os quais s devem visar a interesse imperativo de sade da criana que no possa ser atendido de outra maneira.

    No atendimento clnico de pacientes com transtornos mentais ou neuropsiquitricos, o posicionamento atual, de contar com atitude ativa e responsvel do paciente (exerccio da autonomia), bem menos enftico, dadas as condies especficas dos mesmos, no que concerne vulnerabilidade emocional e cogni-tiva 50. A imaturidade biopsquica e emocional

    A sade mental das crianas e dos adolescentes: consideraes epidemiolgicas, assistenciais e bioticas

  • 269

    das crianas e adolescentes potencializa tal estado de vulnerabilidade. Nesta situao em particular, a qualificao de pessoas como vul-nerveis, no apenas na esfera da pesquisa biomdica, mas tambm na seara dos cuida-dos da sade, impe a obrigatoriedade tica da defesa e proteo para que no sejam maltra-tadas, abusadas, feridas.

    As Diretrizes ticas Internacionais para Pesqui-sa Biomdica em Seres Humanos do Conselho de Organizaes Internacionais de Cincias Mdicas (Cioms) definem indivduos vulner-veis como aqueles com capacidade ou liberdade diminuda para consentir ou abster-se de consen-tir 51. Incluem-se dentre estes as crianas (Diretriz 14) e as pessoas que, em decorrncia de transtornos mentais ou de comportamento, sejam incapazes de dar o adequado consenti-mento informado (Diretriz 15). A Resoluo 196/9652 do Conselho Nacional de Sade (CNS), que estabelece as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos no Brasil, conceitua vulnerabi-lidade como o estado de pessoas ou grupos que, por quaisquer razes ou motivos, tenham sua capacidade de autodeterminao reduzida, sobre-tudo no que se refere ao consentimento livre e esclarecido. Em paralelo, consoante mesma resoluo, incapacidade refere-se ao possvel sujeito da pesquisa que no tenha capacidade civil para dar o seu consentimento livre e esclare-cido, devendo ser assistido ou representado, de acordo com a legislao brasileira vigente.

    Quando h grave transtorno psquico, o estig-ma da doena acarreta, com muita frequncia, a perda da autonomia para o seu portador, o

    que faz com que as suas aes e discurso sejam percebidos apenas como sintomas da doena da qual vitimado. O profissional de sade mental torna-se, a partir da, quase sempre o nico intrprete credenciado de seus pacien-tes, capaz de decidir, com aval dos familiares, sobre o futuro dessas pessoas; a exercer, mui-tas vezes, poder absoluto sobre elas, que vai desde a liberdade de locomoo at a forma de tratamento que devem receber 43. Deve-se res-saltar, entretanto, que o simples fato de o indi-vduo ser portador de uma doena mental no o torna sem autonomia. Reconhece-se, em geral, que apenas as crises so capazes de, tem-porariamente, restringi-la de forma absoluta.

    O respeito ao princpio da autonomia, em tais situaes, no extensivo a ponto de permitir liberdade absoluta nem ao paciente nem ao profissional mdico que o trata. O que se busca uma relao baseada na confiana, competncia e confidencialidade, em que as partes interagem sempre de modo desigual 53. No caso especfico das crianas e adolescentes com transtorno mental, o exerccio da auto-nomia aspirao de conquista improvvel na maioria das circunstncias, pois no h como fugir da tutela do responsvel legal.

    A delegao da autonomia a um terceiro algo complexo, pois os interesses desse nem sempre coincidiro com os melhores interes-ses do representado. Enfatize-se que, no caso das crianas, sua limitada capacidade de auto-determinao ainda mais reduzida, no sendo o mesmo verdadeiro para os adolescen-tes de maneira geral. Nesse mesmo horizonte, a citada Declarao de Mnaco 49 enfatiza que

    Rev. biot (Impr.) 2011; 19(1): 259 - 75

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    a proteo dos direitos deve ser reforada no caso de crianas portadoras de incapacidade. O pro-gresso cientfico e suas aplicaes, em especial quanto preveno e tratamentos, deve benefi-ciar as crianas portadoras de incapacidade e nunca levar sua excluso ou marginalizao.

    Em se tratando de pesquisa, a Resoluo CNS 196/96, anteriormente referida, estabelece que nos casos em que haja qualquer restrio liberdade ou ao esclarecimento necessrio para o adequado consentimento deve-se ainda observar: em pesquisas envolvendo crianas e adolescentes, portadores de perturbao ou doen-a mental e sujeitos em situao de substancial diminuio em suas capacidades de consenti-mento, dever haver justificao clara para a escolha dos sujeitos da pesquisa, especificada no protocolo, aprovada pelo Comit de tica em Pesquisa, e cumprir as exigncias do consenti-mento livre e esclarecido, atravs dos represen-tantes legais dos referidos sujeitos, sem suspen-so do direito de informao do indivduo, no limite de sua capacidade.

    Consideraes finais

    A gravidade das repercusses dos transtornos mentais na infncia e adolescncia, bem como a alta prevalncia de tais transtornos, principal-mente em regies mais carentes, indicam a necessidade e a importncia da implantao e implementao de servios de sade mental comunitrios para crianas e adolescentes. Esses servios devem, prioritariamente, concentrar-se nas reas de nvel socioeconmico mais baixo, onde as taxas de transtornos mentais so mais elevadas, em consonncia com o princpio bio-

    tico da justia. Devem tambm priorizar os transtornos tratveis mais comuns, oferecer avaliao diagnstica e tratamentos padroniza-dos e testados, com o menor custo possvel 11.

    No Brasil, Fleitlich e Goodman23 opinam: para que os servios comunitrios de sade men-tal infantil tenham melhor relao custo-benef-cio, devem-se modificar os tratamentos padroni-zados adotados por outras culturas ou adapt-los, para que esses tratamentos tambm sejam efetivos nos diferentes contextos socioculturais brasileiros, como reas rurais e favelas.

    importante formar profissionais especializa-dos em sade mental, de preferncia captados na comunidade assistida, para que possam oferecer tratamentos simples e efetivos, com baixo custo 11. Enfatize-se que a existncia de servios comunitrios para os transtornos mentais mais comuns no elimina a necessi-dade de servios hospitalares especializados para um grupo menor de jovens portadores de distrbios mentais graves e mais resistentes ao tratamento (por exemplo, adolescentes com transtorno psictico ou anorexia nervosa). Para a melhoria da qualidade da assistncia prestada, ainda em nvel pr-hospitalar, uma proposta coerente seria a construo de cen-tros de referncia em nvel secundrio para esse grupo de pacientes, com equipe assisten-cial multidisciplinar, com participao de pediatras, psiquiatras, psiclogos e assistentes sociais, que poderiam se constituir em centros de treinamento relacionados aos programas de residncia mdica em sade mental e em pediatria, alm de treinamento na formao profissional das outras reas envolvidas.

    A sade mental das crianas e dos adolescentes: consideraes epidemiolgicas, assistenciais e bioticas

  • 271

    A preveno e o tratamento de transtornos mentais na infncia e na adolescncia tm impacto concreto no futuro dos jovens, que favorece a diminuio da criminalidade, do abuso de substncias, do fracasso e do aban-dono escolar, do desenvolvimento de transtor-nos de personalidade e de transtornos mentais na vida adulta, alm de propiciar que se desen-volvam com maior capacidade de atuar como futuros pais e cidados. Esta preveno deve ser feita em todos os nveis, principalmente na famlia e na escola, ante o conhecimento da inquestionvel associao entre a violncia familiar e urbana com os distrbios mentais na infncia e adolescncia.

    Mesmo em crianas e adolescentes com trans-tornos mentais deve-se ter a preocupao de propiciar o exerccio do princpio biotico da autonomia, na medida da maturidade e do nvel de seu entendimento, bem como do grau de controle da doena mental. Em crianas maiores ou adolescentes h espao para a con-quista da autonomia plena, sendo esta a regra para os adolescentes, desde que considere a mencionada restrio.

    Para que seja possvel a participao das crian-as e adolescentes nas decises sobre sua sade (bem como a participao dos respon-sveis legais), h a necessidade de esclareci-mentos sobre a enfermidade, o prognstico e os procedimentos diagnsticos e teraputicos

    a serem adotados, com os riscos, os benef-cios (resultados esperados) e os custos asso-ciados a cada uma das alternativas envolvidas. Essas informaes devem ser abrangentes e numa linguagem que possa ser entendida pelos pacientes e respectivas famlias. Somen-te aps assegurar que todas as questes rela-tivas ao diagnstico e tratamento da doena foram esclarecidas e compreendidas, torna-se possvel a tomada de decises em conjunto. Sendo os responsveis legais, em geral os genitores, em tese os defensores dos interes-ses do menor, so eles, a princpio, que deci-dem, mas o assentimento das crianas e ado-lescentes deve sempre ser buscado, desde que o menor seja identificado pela equipe assis-tencial como capaz de entender e avaliar seu problema.

    Quando houver divergncias entre o princ-pio da beneficncia, defendida pela equipe de sade, e o da autonomia da famlia, na ausn-cia de risco iminente de morte, deve-se ampliar o dilogo, envolvendo outros mem-bros da equipe multiprofissional e da famlia ampliada (avs, tios e outros). A exceo fica por conta das situaes em que h risco imi-nente de morte, nas quais o assentimento pelo menor e o consentimento pelos respon-sveis legais podem ser considerados presumi-dos, o que universalmente aceito e atende a dispositivos legais e ao Cdigo de tica Mdi-ca em vigor.

    Rev. biot (Impr.) 2011; 19(1): 259 - 75

    Trabalho apresentado em disciplina do Programa Luso-brasileiro de Doutorado em Biotica da FMUP/CFM.

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    Resumen

    La salud mental de los nios y adolescentes: consideraciones epidemiolgicas, de asistencia y bioticas

    En este trabajo son presentados aspectos epidemiolgicos relativos a los nios y adolescentes con

    problemas de salud mental en el mundo y en Brasil, los trastornos ms comunes en este franja

    de edad, y la etiologa de tales trastornos, con nfasis en el entorno familiar, en el cual se

    encuentra una fuerte asociacin entre la violencia domstica y la ocurrencia de tales perturbaciones.

    Se hace una discusin de la crisis en el suministro de servicios de salud para nios y adolescentes

    con trastornos mentales en nuestro pas y la escasez de profesionales preparados para trabajar

    con este grupo de pacientes. Se discuten tambin los aspectos bioticos involucrados en la

    asistencia para expresarse, con nfasis en la vulnerabilidad de estos pacientes con relacin el

    ejercicio de la autonoma. Finalmente se considera que para abarcar el principio biotico de la

    justicia, es urgente implantar e implementar servicios comunitarios de salud mental especializados

    en el atendimiento a los nios y adolescentes, especialmente en las regiones carentes de nuestro

    pas y la periferia de las grandes ciudades.

    Palabras-clave: Salud mental. Biotica. Vulnerabilidad. Nio. Adolescente.

    Abstract

    Mental health of children and teens: epidemiological, assistance and bioethical considerations

    This paper examines the Epidemiological aspects of children and adolescents with mental health

    problems in the world and in Brazil, this age range most common disorders , the etiology of such

    disorders, with emphasis on family environment, finding a strong association between domestic

    violence and the occurrence of such disturbances. It addressed the crisis in health services supply

    for children and adolescents with mental disorders in Brazil, and the lack of professionals trained

    to deal with this group of patients. Bioethics aspects involved in assistance are discussed also,

    with emphasis on these patients vulnerability in exercising their autonomy. It finishes by

    considering that to encompass the bioethic principle of justice, it is imperious to establish and to

    implement community mental health services, specialized in assisting children and adolescents,

    particularly in poor regions as well as at the periphery of large cities.

    Key words: Mental health. Bioethics. Vulnerability. Child. Adolescent.

    A sade mental das crianas e dos adolescentes: consideraes epidemiolgicas, assistenciais e bioticas

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    Recebido: 21.4.10 Aprovado: 21.2.11 Aprovao final: 6.3.11

    Contatos

    Helvcio Neves Feitosa - [email protected]

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    60411-280. Fortaleza/CE, Brasil.

    Participao dos autores no trabalho

    Helvcio Feitosa elaborou o artigo e os demais autores participaram com sugestes e reviso.

    A sade mental das crianas e dos adolescentes: consideraes epidemiolgicas, assistenciais e bioticas