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Sujeitos e crífexto histórico no Jabah) <Jas -Passagens Desde "£>af75, cap/fô/ <#? séo/to ATA" Benjamin deixa claro que se propõe a trabalhar afirmando deliberadamente olhares de sujeitos determinados associados a configurações significativas, "mônadas" que destilam, a partir de suas particularidades, toda a verdade de uma época. No primeiro escrito para o grande projeto das passagens, * Paris, capital do século XIX', aparecem pares de sujeitos e espacial idades que estarão presentes quase todos também na versão final publicada como "Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo'. Os primeiros seis pares definidos foram: "Fourier ou as passagens"', "Daguerre ou os panoramas"', "Grandville ou as exposições universais"1', *Lu/s Filipe ou o interior"] "Baudelaire ou as ruas de Paris"; "Haussmann ou as barricadas". As referências urbanas, isto é, as passagens, os panoramas, as exposições universais, o interior (em oposição ao espaço público), as ruas e as barricadas, estão todas articuladas na formação histórica da cidade no século dezenove. Os sujeitos, isto é, Fourier, Daguerre, Grandville, Luís Filipe, Baudelaire, Haussmann, retraíam as ações e contradições presentes na sociedade moderna daquela época. Contexto histórico Os personagens destacados por Benjamin apontam para o período conturbado pós napoleônico no qual os ideais da sociedade moderna iluminista, racional, cidadã, lutam por se firmar diante de novas forcas esmagadoras e estranhas que se opõem à preservação da personalidade. Aqui, sem dúvida, há uma

Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

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Sujeitos e crífexto histórico no Jabah) <Jas -Passagens

Desde "£>af75, cap/fô/ <#? séo/to ATA" Benjamin deixa claro que

se propõe a trabalhar afirmando deliberadamente olhares de sujeitos determinados

associados a configurações significativas, "mônadas" que destilam, a partir de suas

particularidades, toda a verdade de uma época. No primeiro escrito para o grande

projeto das passagens, * Paris, capital do século XIX', aparecem pares de sujeitos e

espacial idades que estarão presentes quase todos também na versão final publicada

como "Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo'. Os primeiros seis pares

definidos foram: "Fourier ou as passagens"', "Daguerre ou os panoramas"', "Grandville

ou as exposições universais"1', *Lu/s Filipe ou o interior"] "Baudelaire ou as ruas de

Paris"; "Haussmann ou as barricadas".

As referências urbanas, isto é, as passagens, os panoramas, as

exposições universais, o interior (em oposição ao espaço público), as ruas e as

barricadas, estão todas articuladas na formação histórica da cidade no século

dezenove. Os sujeitos, isto é, Fourier, Daguerre, Grandville, Luís Filipe, Baudelaire,

Haussmann, retraíam as ações e contradições presentes na sociedade moderna

daquela época.

Contexto histórico

Os personagens destacados por Benjamin apontam para o

período conturbado pós napoleônico no qual os ideais da sociedade moderna

iluminista, racional, cidadã, lutam por se firmar diante de novas forcas esmagadoras e

estranhas que se opõem à preservação da personalidade. Aqui, sem dúvida, há uma

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r.*.influencia de Simmel para o qual o grande tema da vida moderna nas grandes cidades K

continuava sendo a luta do indivíduo para preservar a sua autonomia e a originalidade

de sua existência, resistindo à ameaça de nivelamento.

Concretamente a afirmação da riqueza de cada indivíduo

insere-se na luta política pela hegemonia travada entre a burguesia e o povo em geral.

Um dos períodos mais destacado é o de Luís Filipe (1830-1848), posto no poder pela

revolução de 1830 que derrubou o regime restaurador de Carlos X (1824-1830). Este

último, juntamente com o seu antecessor e irmão Luís XVIII (1814-1824), Bourbons,

procuraram uma volta ao passado de modo a superar as heranças da Revolução

Francesa e de Napoleão. De fato, a Franca "revolucionária" havia sido derrotada na

Europa e o Congresso de Viena de 1814 havia afirmado o princípio da "legitimidade" e

restabelecido a monarquia absoluta. Carlos X, diferente do antecessor, revive o

absolutismo. Em uma escalada retrógrada indenizou os antigos nobres pela perda de

seus bens em 1789 e, em julho de 1830, com as "Ordenações de 3ulho" tomou uma

série de medidas impopulares como a supressão da liberdade de imprensa, o aumento

do censo para eleitores (o valor em impostos pagos) e a dissolução da Câmara que,

embora conservadora, não o apoiou. Figuras intelectuais de oposição dessa época,

como Vitor Hugo, Lamartine e Thiers (jornalista), vão povoar os escritos de Benjamin.

A insurreição popular, com o apoio de republicanos e bonapartistas, e através da

organização de barricadas, levou à renúncia do rei. Embora uma nova república

estivesse à mão, Thiers leva o regime para Luís Filipe de Orléans, considerado um

liberal, um "rei cidadão". Ou seja, embora a revolução de 1830 tenha sido feita no

essencial pela ação dos republicanos e bonapartistas contra os absolutistas, foram os

monarquistas constitucionalistas que alcançaram a vitória.

É este outro período, o de Luís Filipe, que também é alvo do

autor. A orientação de Luís Filipe foi, de início, liberal, com a abolição da censura e a

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ura de uma proximidade com as normas do parlamentarismo britânico, de modo a

:iliar a revolução com o antigo regime. Suas açoes no entanto atendiam muito mais

interesses da burguesia e não do povo em geral, o que trouxe muitos motins

ulares. A esta oposição somava-se, ainda, a resistência dos partidários da volta de

os X ao poder. Ficava-se entre a frustração com os acenos de liberdade, de nova

edade e de modernidade apontados pela Revolução Francesa e a volta ao passado.

caminho firmou-se um outro grupo, adeptos do golpe, e reunidos em tomo de um

irinho de Napoleão, Luís Napoleão. A oposição popular reunia-se em tomo dos

jalistas ditos utópicos, por Engels como Louis Blanc, personagem que

ibém aparece nos escritos de Benjamin, da esquerda moderada, com Thiers e da

luerda dinástica, com Barrot A sua principal campanha, em 1847, teve como

jetivo a reforma eleitoral para aproximá-la do modelo inglês e liberalizar o voto. A

Dibição, pelo governo de Guizot (o primeiro-ministro), de uma dessas reuniões

pulares (um dos "banquetes") em fevereiro de 1848 levou à revolta, às barricadas e

insurreição. No confronto com a guarda nacional houve mortes (vinte e cinco), mais

litação e, por fim, a tentativa de contornar o problema com a demissão de Guizot.

esmo com a nomeação de Thiers, a revolução não foi contida. Luís Rlipe renunciou e

Segunda República foi proclamada, dezoito anos depois de ter sido anunciada.

O vai e vem nesta história de afirmação e sedimentação dos

alores políticos da modernidade, não acabam, no entanto, com este fato. O governo

rovisório, constituído por burgueses e socialistas, incluindo Louis Blanc, atravessou

ontradições e dificuldades na economia e organizou, com tropeços, as "oficinas

lacionais" (inspiração de Blanc) para amparar os desempregados. As manifestações

socialistas levaram às eleições, em abril de 1848, e pela primeira vez na história da

Europa, do sufrágio universal direto e secreto. No entanto, foram os esquerdistas

•noderados que as venceram. Este governo, envolvido nas dificuldades económicos,

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optou por fechar as oficinas nacionais, fato que levou o proletariado às barricadas.

Desastradamente, e com apoio da Assembleia Nacional, o governo (através do general

Cavaignac), reprimiu violentamente as barricadas. Foram três dias de combates, com o

resultado de muitos feridos, 4.000 operários deportados e 16.000 mortos. Este triste

episódio ficou conhecido como as "Jornadas de Junho". Essa situação dramática

desmoralizou os moderados mas não favoreceu os radicais. Com a nova constituição

(de novembro de 1848) foi eleito um presidente para quatro anos. Em nome da

ordem, da restauração da glória do país, elegeu-se por maioria esmagadora (73% dos

votos) Luís Napoleão, adepto antigo do golpismo e dito herdeiro de Napoleão.

Este é o outro período de grande interesse do autor, aliás

seguindo as indicações de Marx e a sua obra XXO 18 Brumário de Luís Bonaparte". Luís

Napoleão, quase ao fim de seu mandato presidencial, dá um golpe (em 1851) e

estabelece a ditadura (a Constituição impedia um novo mandato). Em seguida,

organiza um plebiscito que lhe dá poderes para organizar uma nova constituição, a

qual lhe deu poderes ditatoriais por 10 anos, como cônsul (como o tio). No entanto,

em um outro plebiscito (com apoio de 95% de votos) em 1852, instaurou na França o

Segundo Império (1852-1870), período que fascinou Baudelaire e Benjamin. Foi,

então, coroado como Napoleão III. O período é caracterizado internamente pela

ditadura, mas também pela modernização e desenvolvimento económico. É dessa

época a reforma urbana de Paris, com Haussmann, e a atração da cidade com as

exposições universais, espelho do progresso cultural e industrial do mundo. Só em

1869, graças às pressões liberais, foi concedida a garantia de liberdade de imprensa e

ampliação dos poderes da Assemblèa legislativa. A política externa desastrosa de

Napoleão III levou à retumbante derrota francesa, frente à Prússia, em 1870,

formando-se o poderoso Estado Alemão. O fato levou ao fim do Segundo Império e à

proclamação da III República, comandada a partir de 1871 por Thiers. Seu governo,

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instalado em Versalhes (ironicamente como havia sido o de Luís XVI), teve que r-

renfrentar o descontentamento do povo de Paris, humilhado pela derrota (a qual [p*

resistiu até o último momento). Em março de 1871 proclamou-se na capital um

governo autónomo, a Comuna, administração municipal eleita pelo povo, reunindo

diversos membros de tendências políticas radicais. A Comuna estabeleceu-se como um

governo paralelo, declarando nulo os atos de Versalhes e proclamando sua autonomia

extensiva a todas as cidades da Franca. A sua política esteve inspirada em ideais

socialistas, como o serviço militar para todos e obrigatório, a igualdade civil da mulher

perante o homem, o fim do trabalho noturno e a criação de pensões para viúvas e

órfãos. A República de Thiers enfrentou Paris, que foi bombardeada, e na luta dentro

da cidade morreram mais de 20.000 pessoas.

Na percepção, apreciação e avaliação do mundo, a época é

também uma fase de consolidação e de transição entre o antigo regime e a

modernidade. A dessacralização do mundo, ao lado da criação de novos mitos,

incluindo os especificamente económicos, ao lado da preocupação de preservar o

encantamento, estão retratados em idas e vindas, superações e composições e é uma

das grandes preocupações do autor. No centro de tudo isto está o sujeito.

Assim, temporalmente o seu estudo desenvolve-se

atravessando a tumultuada época que se sucede à queda de Napoleão. Embora

fazendo algumas referências ao período da Restauração e ao início da Terceira

República, a época de destaque compreende desde o reinado de Luís Filipe de Órleans

ao Segundo Império de Napoleão III. No que se refere aos sujeitos destacados, chama

a atenção a presença de Charles Baudelaire nas temporalidades observadas pelo autor.

Deve-se salientar que Benjamin persegue mais os olhares dos sujeitos que as

temporalidades em si e encontrou em Baudelaire um espectador privilegiado da

ascensão de um mundo moderno onde a mercadoria vai vigorosamente ocupando o

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lugar da arte e do mito. Baudelaire, que sempre viveu em Paris, viu a cidade

poeticamente e criticamente, trazendo a sua visão de construção da modernidade

urbana. Benjamin, que viveu em Paris por alguns anos, a estudo, leu em Baudelaire o

caminho para interpretar a modernidade e, de certa forma, o urbano moderno. A

cidade de Paris, note-se, sempre foi motivo de distintos olhares que, partindo de

perspectivas particulares, chegaram a diagnósticos diversos da cidade. Assim, no

século XDC foi intensa a criação de imagens da cidade por estatísticos, médicos,

políticos e escritores. Destas resultava discursos como o otimista dos estatísticos, o da

cidade como centro de cultura e o da imoralidade da vida urbana3.

Rubr.

1830RESTAURAÇÃOOrdenações deJulho - Revoluçãode 1830 (JornadasdeJufto)

************

************************

*********************

1848LUÍS FIUPE

Jornadas de Junhode 1848

**** fofjrfef************************************

************

18512' REPÚBLICA

***********Grandville

**********************

1852.... 18702° IMPÉRIO

Daguerre

******************

18703" REPÚBLICA*Comuna de Paris de1871

Baudelaire*** Haussmann

* Os últimos anos do séculOr XIX e os primeiros do século XX, antecedendo a l' G. M.são conhecidos como Belle Époque

Personagens históricos elegidos

No esboço do projeto das passagens apresentado por Benjamin

foram destacadas personalidades artísticas e políticas que marcaram o século XIX

francês, participando da nova sensibilidade trazida pela modernidade, pela ascensão

do mundo da mercadoria diante da arte e pela luta subjacente ao enfraquecimento dos

ideais iluministas. Esses sujeitos foram o socialista utópico Charles Fourier (1772-

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37), o "rei-cidadão" Luís Filipe, o prefeito e reformador de Paris Georges

lussmann, o pioneiro da nova "arte fotográfica" Louis Daguerre (1789-1851), o

ricaturista e ilustrador Grandeville (1803-1847) e o poeta e crítico literário Charles íf™

iudelaire (1821-1867).

Charles Fourier

Charles Fourier (1772-1837 )foi um dos teóricos do socialismo

tópico do século XIX e um dos precursores do urbanismo progressista4. Nasceu em

iesançon, filho de um comerciante de tecidos. Trabalhou no comércio, mas acabou

àlindo. Decidiu, então, servir o Exército. Afastado da ativa por problemas de saúde,

/oltou a se dedicar ao comércio e começou a escrever sobre questões económicas e

sociais da sociedade francesa. A sua proposta de reconstrução social foi fortemente

influenciada pelo idealismo de Jean-Jacques Rousseau. O homem, bom por natureza e

corrompido socialmente, devia ser afastado da sociedade baseada na competição de

interesses individuais e de classe. Tendo em vista a criação de um estado ideal de

harmonia universal, pregava a sociedade organizada em comunidades chamadas

falanstérios, espécie de edifícios - cidades onde as pessoas trabalhariam apenas no

que quisessem. Desse modo defendia o fim da separação entre prazer e trabalho.

Propunha que a educação se adaptasse às inclinações de cada criança, que os bens

fossem distribuídos de acordo com a necessidade de cada um e que o sexo fosse

praticado sem restrições morais.

Ironicamente, a sua vida marcada pela familiaridade com o

comércio significou ao mesmo tempo uma grande crítica ao mercantilismo e uma

admiração por formas de organização comercial como as galerias envidraçadas,

arquitetura parcialmente incorporada em seus falanstérios. Não sem motivo, Benjamin

ornanizou o oarwFourier ou as passageng. Fourier propunha para os seus falanstérios

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PfÚC

R

as ruas - galerias, "ruas interiores", reproduzindo a fantasmagoria das passagens

parisienses: "Uma falange é verdadeiramente uma pequena cidade, mas não possui

exteriores e descobertas, expostas às intempéries ...'*.

Por outro lado, apesar de sua crítica à cidade moderna, suas

propostas, em termos teóricos, tem elementos de proximidade com renovadores

urbanos adeptos da modernidade, como o próprio Haussmann. Assim, como todos os

"progressitas", propõe, em contraposição à cidade existente (barroca - medieval) o

espaço amplamente aberto, rompido por vazios e verdes, bem como um traçado

urbano de conformidade com as funções humanas6.

Louis Daciuerre

Louis Daguerre (1789-1851) foi um dos pioneiros da fotografia

na medida em que inventou o primeiro processo fotográfico eficaz, produzindo uma

imagem única, sem mediação de negativo, sobre uma placa de cobre revestida de

prata e sensibilizada com iodo. Esse processo, conhecido como daguerreotipia, insere-

se na difusão da sensibilidade pela imagem que, iniciado no século XIX, caracterizaria

o século XX. Além da formação do mundo das imagens, Benjamin traz à tona Daguerre

porque o processo fotográfico e seus desdobramentos (como o cinema e, antes dele, o

panorama e o diorama) traziam à discussão o sentido da arte, a sua unicidade e

magia. A polémica entre pintura, retrato e fotografia marcou o século passado. Se por

um lado, a fotografia revelaria-se parte de um processo de democratização do acesso

à imagem, por outro lado revelava-se, de certo modo, banalizadora do que antes fora

arte (como o retrato). De todo modo, desde o surgimento da fotografia houve

polémica em relação a seu caráter artístico. Os primeiros fotógrafos tentavam

aproximá-la da pintura. Para isso retocavam as fotos ou embaçavam a imagem. Seus

temas eram, em geral, paisagem, natureza-morta e retrato. Entre os grandes

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fotógrafos dessa fase está o francês Félix Nadar (1820-1910), muito citado por

Benjamin. Apesar do preconceito de alguns pintores em relação à fotografia, vários se

basearam em fotos para pintar, como os franceses Ingres (1780-1867) e Delacroix

(1798-1863) e muitos impressionistas.

Porém, Benjamin traz Daguerre especificamente para a

formação do par "Daguerre ou os panoramas", no qual evidencia-se um sentido

voltado à cidade moderna. Os panoramas eram pinturas de paisagem ou cenas,

dispostas em superfícies semicirculares, tendo o espectador como centro. Tanto a

exposição da paisagem quanto a centralidade do espectador são motivo suficiente para

a reflexão benjaminiana. Enquanto fenómeno urbano, o panorama mostra ao mesmo

tempo a necessidade de retomar uma visão de conjunto do espaço que está se

perdendo e, a capacidade cada vez maior do habitante da cidade ver o entorno como

objeto, pois a urbanização transforma a cidade, a grande cidade, em centro do mundo.

O espectador, por outro lado, é centro e é passividade, mostrando o lado contraditório

da formação e da resistência do sujeito urbano. Os panoramas foram moda desde o

início do século e a eles se dedicaram até mesmo artistas importantes. Não obstante,

Daguerre é o inventor de uma outra criação que relaciona os panoramas com o futuro

cinema. Trata-se dos dioramas. Estes eram pinturas cénicas de grande tamanho,

parcialmente translúcidas, que por meio de variações de iluminação simulavam

acontecimentos naturais. Do mesmo modo que acontecia com os panoramas, o mesmo

termo (diorama) era aplicado aos edifícios que os abrigavam. De todo modo, também

significou um momento de transição e de reestruturação da subjetividade, que não

encontra mais a arte preservada da reprodução e da mercantilização massificada:

* Estive numa exposição/ particular do Diorama; trata-se em parte de uma

transparência; o espectador coloca-se numa sala escura, é tudo muito agradável, e o

efeito produzido tem grande poder de ilusão. Não tem a qualidade de arte, pois seu

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flírf* "7objetivo é iludir. O prazer da arte é a recordação, nunca a ilusão.

Jean GrandviHe

Jean Ignace Isidore Gerárd, ditD GrandviHe (1803-1847),

desenhista, teve sua obra disposta em pranchas satíricas e ilustrações bizarras. Filho

de um pintor de miniaturas, GrandviHe tentou seguir esse caminho em Paris, quando

jovem. O seu primeiro grande sucesso público foi As Metamorfoses do Dia, que era um

retrato amargo dos vícios e extravagâncias do povo. Baudelaire comparava-as a um

"apartamento onde a desordem seria sistematicamente organizada". Publicou em La

Caricature diversas caricaturas de contemporâneos ou de ataques violentos contra a

política da Monarquia de Julho (resultado da derrubada do autoritário Carlos X, por

uma revolta popular, e a ascensão de Luís Filipe, inicialmente liberal e que foi marcado

por grandes combates políticos até a sua renúncia em 1848). Os surrealistas

consideram-no um precursor. As suas ilustrações retomam formas da iconografia

medieval e maneirista, anteriormente renovadas por Callot e Goya. No essencial, ele

desenha formalizando uma mistura entre seres humanos, animais e plantas. Assim,

muitas das ilustrações usavam cabeças de animais em sujeitos humanos. Ele também

ilustrou (e se influenciou) as Fábulas, em 1838. Para alguns críticos, o seu

antropomorfismo traspassou o seu trabalho e atingiu a sua vida. Isto porque, casado

com uma prima, ele a consultava em todo detalhe artístico, de modo que qualquer

desenho que ela não gostasse (talvez a maioria) era usado como modelador de cabelo

ou destruído.

Tornou-se muito procurado para ilustrar diversos romances,

destacando-se quando se tratavam de fantasias, como Viagens de Gulliver (1838),

Cenas da Vida Privada e Pública dos Animais (1842, o trabalho mais famoso), As Flores

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Animadas (1847), Um Outro Mundo (1844), Robinson Crvsoe. Ainda assim, em sua

época era considerado em primeiro lugar um caricaturista político e em segundo um j:• -,;

ilustrador de obras infantis. De qualquer modo, em ambos os desenhos ele

metamorfoseava humanos e animais, revelando sua tendência a antropomorfia.

A referência à Grandville faz-se a partir do par "Grandville ou as

exposições universais" que consta em Paris, capital do século XIX. A espacialidade das

exposições acabou sendo abandonada no desenvolvimento posterior do trabalho, mas

a temática do fetiche da mercadoria percorre toda a obra benjaminiana. Grandville é

referido por Benjamin a um certo emolduramento da mercadoria que as exposições

continham. Assim, ele inicia esse "par" com o poema seguinte: "... A idade do ouro há

de renascer com todo o esplendor,/Os rios rolarão chá, rolarão até chocolate,/... /Os

espinafres virão ao mundo já guisados,/ ... / As árvores produzirão os frutos já em

compota,/... / Vinho há de nevar, galinha até há de chover,/ E do céu os patos cairão

em nosso papo. "[Langlé e Vanderburch, Louis Bronze et lê Saint Simonien].

Benjamin, ao seguir o olhar de Baudelaire, já havia sido

chamado a atenção para Grandville: a concepção de belo em Baudelaire, ao

contemplar o que não é do costume, do normal e do mediano, incluía o cómico e o feio

na medida em que estes, levado a extremos, também podiam ser belos. O poeta

francês tinha interesse pelos desenhistas e caricaturistas, como Grandville e Daumier.

Luís Filipe

Benjamin traz Luís Filipe ao desenvolver o tema da vida

privada, em especial da concepção de vida burguesa. Ele afirma em "Luís Filipe ou o

interior" que "sob Luís Filipe, o homem privado pisa o palco da história", o chamado

governo do empresário, transformando ações do Estado em negócios particulares.

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A tal nova característica social associa-se uma espacialidade;

um espaço em que vive o homem privado, uma organização no interior da moradia

que, pela primeira vez, *contrapÕe-se ao local de trabalho". Esse espaço de cálculo

contrapõe-se às reflexões sociais. É um mundo de fantasmagoria espacial, do interior,

na qual o interior da residência representa o universo.

Luís Filipe, aos olhos de seus contemporâneos, distinguia-se

dos antigos rãs, e portanto do Antigo Regime, por sua própria personalidade, distinta

da aristocracia. Ficou conhecido como "rei cidadão", em parte pelas heranças que nele

foram depositadas após a deposição do conservador Carlos X, e em parte por assumir

o lado da burguesia. De fato, a sua formação educacional havia sido distinta dos

demais aristocratas, recebendo uma formação para a vida prática e uma cultura mais

consistente que a normalmente dada aos seus pares. Ele apoiou o partido da

Revolução e foi membro do clube dos jacobinos. Foi proscrito pela Franca republicana

e odiado pelos emigrados do antigo regime. Reconciliado com estes, retornou à Franca

na época da Restauração e passou o tempo investindo a fortuna da família em

negócios. Ao mesmo tempo, discretamente cortejava a oposição liberal a Carlos X.

Após a deposição deste, o Duque de Órleans apareceu como a solução ideal aos que

temiam instituir uma república que chamasse o conflito com o restante de Europa. No

poder, manteve no essencial o sistema governamental de Carlos X , apoiando-se no

jogo das ambições de políticos e no desejo de ordem e paz das classes proprietárias

para as quais o novo sistema eleitoral reservava o direito de voto.

Charles Baudelaire

Charles Baudelaire (1821-1867) é tratado em Paris, capital do

século XIX (^Baudelaire ou as ruas de Paris"} para representar a procura pela

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Rubr,

interioridade na cidade moderna: "A Paris de seus poemas é uma cidade submersa...".

Benjamin, no decorrer de seu trabalho, elege o olhar baudelairiano para fazer suas

análises porque, além de excepcional poeta e crítico literário francês, intérprete da

modernidade e romântico, Baudelaire é um leitor privilegiado do século XIX e das

transformações urbanas daquele período. Para ele "o assunto da poesia é ... a vida

interior, no que ela pode conter de simbolicamente universal, e é também o universo

cotidiano representado por exemplo pela cidade e mais amplamente por tudo o que

Baudelaire designa pelo nome de modernidade. ...O compromisso poético é então a

consciência simultânea, transcrita na ordem da palavra, das correspondências secretas

e todavia evidentes entre interioridade e modernidade, [o que fica evidenciado nas

Flores do Mal, nos títulos "Quadros Parisienses] ... em «O Cisne» [há um] verso que é

um dos versos chaves de Baudelaire: «Tudo para m/m se toma alegoria.». A cidade,

cuja imagem inidal susdta o poema, («Assim diante deste Louvre uma imagem me

oprime»), provoca a experiência concreta e diária que atíva o processo da imaginação

mitológica, a qual gera uma correspondência contínua entre o cotidiano da experiência

e obsessões da alma ele valia-se dos contatos cotidianos ao acaso para formular

numa linguagem poética as dimensões de um mito:: um cisne fugidio, os velhinhos das

ruas de Paris, uma viúva em um concerto no Jardim das Tulherias. Assim, o primeiro

compromisso do poeta é experimentar nele e formular com as palavras uma perpétua

interpretação poética da vida diária. Assim se explica a sua predileção pelo insólito ...

trata-se de submeter o mundo cotidiano dos homens a lei da visão poética, a partir de

uma convicção profunda que todo o cotidiano é feito de insáito, e que é precisamente

uma das formas da "espiritualidade" poética de fazer aparecer, pela magia sugestiva

da linguagem simbólica e alegórica, a indissociável solidariedade, dentro da unidade do

Belo, do atua/ e do sobrenatural..'6

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Em sua obra magna, As Flores do Mal, Baudelaire incorpora o

o e o grotesco à linguagem artística, do romantismo. Encontrar a beleza na

idade é um de seus grandes atributos. Para ele, como para todos os

icos, o belo não é o eterno e sim o contingente. Ele deve ser buscado não na

ia e sim na sociedade já que a natureza não é moderna e o belo não é uma

ide natural e sim social. Baudelaire opõe uma recusa absoluta a todas as

as e a todas as poéticas que levam como princípio a solidariedade da arte e a

2a. Para ele *a natureza é a dor... tudo o que pertence à ordem da natureza é

> de corrupção, ... /e crê] numa arte do artifício ... não sem motivo Baudelaire

véu, em seu estudo sobre Constantin Guys, o pintor da vida moderna, um "Elogio

'aqui/agem''. Para ele, no fundo, todo acesso à "espiritualidade" passa por uma

luilagem" e nada é mais contraditório com o homem espiritual que o homem

raf».

O belo deve ser buscado no que há de melhor na sociedade, no

está acima da média, da vulgaridade e da moral comum: o belo é sempre singular.

ielo pode-se distinguir em tudo o que sai do acostumado, do normal e do mediano.

'usive o feio e o cómico, levados ao limite, são belos ..."10. Por isso mesmo, "o

sta tem o dever de ser uma exceçao, de sentir mais que os demais e de maneira

tinta; só marginalizando-se da sociedade pode estar em condições de analisar,

erpretar e, dentro dos limites de suas possibilidades, orientar e dirigir a

ciedadé*1. Por outro lado, compartilha de uma concepção liberal de história como

ítória da liberdade, de luta contra a autoridade12. O historicismo romântico traz o

esente como história em ação e, assim, ao pensar a história, "a atenção não se põe

i antigo e sim no moderno ...o que legitima o poder já não é a aristocracia de

zngue e sim a inteligência e a cultura .,."13. A nova elite "fazendo ver que a entende

3 arte] demonstra sua sensibilidade de espírito e sua rapidez de captar e interpretar

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pensamentos e as aspirações da época, das que o artista, como intelectual, é~ *3.

líO romantismo, para Baudelaire, *é "a expressão mais recente e

do belo" e a arte consiste em "uma concepção conforme a moral do século

intendendo por moral a psicologia, os sentimentos, as inclinações e os costumesT15.

Para Baudelaire, o artista moderno é ^alguém capaz de

oncentrar a visão em elementos comuns da cidade, compreender suas qualidades

'jg/dias e ainda assim extrair, do momento fugaz, todas as sugestões de eternidade

lele contidas. O artista moderno ... [é]... capaz de desvelar o universal e o eterno,

'destilar o sabor amargo ou impetuoso do vinho da vida" a partir do "efémero, das

eórmas fugidias de beleza dos nossos dias"'*6. A importância dada ao desprezado, ao

tescartado, ao detalhe aproxima Baudelaire de Benjamin.

Baudelaire admira na modernidade a fugacidade. Segundo

Featherstone, ^Baudelaire era fascinado com a beleza e o horror transitórios e fugazes

da vida em Paris em meados do século XIX: o espetáculo pomposo e mutável da vida

elegante, os fíâneurs divagando através das impressões fugazes da multidão, os

dândis, os heróis da vida moderna .... 'artistas espontâneos' ... que procuravam

transformar suas vidas em obras de arte"17. Ela admirava nos artistas verdadeiramente

modernos, como o pintor Constantine Guys, a capacidade de "perseguir a beleza

transitória, fugaz, que é reconstituída com uma velocidade cada vez maior"16.

Baudelaire elogia a modernidade de Eugène Delacroix. Na sua

concepção artística destaca, como todo romântico, a imaginação. Para ele, "a

natureza outra coisa não é senão um dicionário ... Os pintores Que obedecem à

imaginação procuram em seu dicionário os elementos que se acomodam à sua

concepção; e ainda, ajustando-os com uma certa arte, dão-lhes uma fisionomia bem

nova. Aqueles que não tem imaginação copiam o dicionário. Resulta disso um enorme

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IHV t,

wír/o, o wcto tfa banalidade... próprio dos pintores cuja especialidade mais se aproxima. u

tfa natureza dita inanimada ... que consideram geralmente como um triunfo não

mostrar sua personalidade. Por muito contemplar e copiar, eles esquecem de sentir e

pensar.'™. Baudelaire destaca, assim, e Benjamin concordará, a presença realçada do

sujeito na obra de arte (assim como na análise da sociedade e do mundo urbano). Um

certo heroísmo, uma luta tenaz para que o sujeito se perpetue é destacada por

Baudelaire, quando por exemplo elogia o artista moderno (como Guys): "Agora, à hora

em que os outros estão dormindo, ele está curvado sobre sua mesa, lançando sobre

uma folha de papel o mesmo olhar que há pouco dirigia às coisas, lutando com seu

lápis, sua pena, seu pincel, lançando água do copo até o teto, limpando a pena na

camisa, apressando, violento, atívo, como se temesse que imagens lhe escapassem,

belicoso, mas sozinho e debatendo-se consigo mesmo"20.

É assim que Baudelaire define a arte segundo a concepção

moderna como a criação de uma magia "contendo ao mesmo tempo o objeto e o

sujeito, o mundo exterior ao artista e o próprio artista"21. A perspectiva que Baudelaire

admira em Delacroix, aproxima-se do método em Benjamin: "Num semelhante

método, que é essencialmente lógico, todos os personagens, sua disposição relativa, a

paisagem ou o interior que lhes serve de fundo ou de horizonte, suas vestes, tudo

enfim deve servir para iluminar a ideia geral e trazer sua cor original, sua marca, por

assim dizer22. E ainda, quanto ao método: "Um bom quadro, fiel e igual ao sonho que

o criou, deve ser produzido como um mundo. Da mesma forma, a criação tal como a

vemos é o resultado de várias criações das quais as precedentes são sempre

completadas pela seguinte. Assim também, um quadro, conduzido harmonicamente,

consiste numa série de quadros superpostos, cada nova camada dando ao sonho mais

realidade e fazendo-o subir um grau rumo à perfeição*23. A respeito dos métodos dos

artistas, Baudelaire e para compreender a modernidade afirma: "... a imensa classe

Page 17: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

artistas, isto é, dos homens que se dedicam à expressão do belo, pode dividir-se

e/?? tfo/s campos bem distintos. Aquele que chama a si mesmo realista, palavra

ambígua e cujo sentido não é bem determinado, e que denominaremos, para melhor

caracterizar seu erro, um positivista, diz: "Quero representar as coisas tais como elas

são, ou tais como seriam, supondo que eu não exista'. O universo sem o homem. E

aquele, o imaginativo, diz: "Quero iluminar as coisas com meu espírito e projeto seu

reflexo sobre os outros espíritos'.

Georqes Haussmann

Haussmann é mostrado em Benjamin para tratar de temas

pertinentes à modernidade, como a tensão relação arte e mercadoria, e o fetichismo.

Assim se wo ideal urbanístico de Haussmann eram as visões em perspectiva através de

longas séries de ruas .. isso corresponde à tendência que sempre de novo se pode

observar no século XIX, no sentido de enobrecer necessidades técnicas fazendo delas

objetivos artísticos''*'. Não sem motivo, Haussmann definiu-se como "artista

demolidor". Por outro lado, explorando a característica alienante da sociedade

moderna, Benjamin observa que ""Assim, ele [Haussmann] faz com que Paris se tome

uma cidade estranha para os próprios parisienses. Não se sentem mais em casa

ne/a."2S

Em "A Modernidade', de A Paris do Segundo Império, Benjamin

trata especificamente da reforma de Haussmann e da capacidade de transformação e

destruição que, já por essa época, podia-se imaginar contida na sociedade moderna.

Ele observa: "Que grau de destruição já não provocaram esses instrumentos limitados

[os meios modestos da época, como pás, enxadas, alavancas]! E como cresceram,

desde então, com as grandes cidades, os meios de arrasá-las! Que imagens do porvir

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HS. ,

&Rubr,

já não evocam?. Benjamin destaca essa fria capacidade destruidora, mesmo que em

nome de um ideal de funcionalidade: "bairros inteiros eram destruídos". E, finalmente,

a aproxima do próprio âmago da nossa época: "a modernidade se revela como sua

fatalidade".

Para modernizar Paris, Napoleão III escolheu Georges-Eugène

Haussmann, futuro barão, nomeando-o prefeito do Sena em 29 de junho de 1853:

"Haussmann, com 44 anos, recebeu poderes consideráveis para uma tarefa

gigantesca. ... Ele não obteve jamais uma pasta ministerial, todavia avidamente

desejada, e deixou a prefeitura em 1870, exatamente antes do desastre [do Segundo

Império]. ... Se Napoleão era um romântico, Haussmann foi um clássico: ele amava a

retitude das grandes avenidas, a disposição majestosa e a simetria dos edifícios, as

grandes perspectivas."26

Na obra de Haussmann, segundo Norma Evenson, a cidade

aparece essencialmente como um problema técnico, característica da perspectiva de

um engenheiro abordar a planificação urbana27. No entanto, deve-se considerar a

questão de um modo mais complexo. Não somente há uma dissonância entre as

concepções pré-modernas e modernas, como também há entre os modernos distintas

posições. E nelas insere-se Haussmann. Ainda no século XIX, por exemplo, Camillo

Sitte, embora propondo pensar e mudar a cidade, não concebe a beleza geométrica.

Ele, diferente de Haussmann, apoia suas propostas em espaços íntimos, pequenos e

diversos. Outros críticos denunciam a perspectiva retilínea de Haussmann, na medida

em que não tem em conta a topografia ou as construções já existentes. Roncayolo tem

uma posição intermediária. Segundo o autor, Haussmann é o "urbanismo autoritário"

que se encontra com "novas exigências do capitalismo", legislação urbana e grandes

grupos imobiliários. Toma como ideologia de suporte a dos higienistas e engenheiros,

de forma a caracterizar "embelezamento", "mecânica de fluídos", higiene e comércio28.

Page 19: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

H8.

Rubr

e fato, é nessa época que "começa-se a reconhecer a influência benéfica sobre a

wde do sol que destro/ os germes contidos na poeira, e do ar que a dispersa ... [e

imbém] ... a necessidade de conforto começa a se fazer sentir a partir da metade do

éculo, à medida que a burguesia se enriquece. Ela se manifesta primeiro no

quecimento."29 Roncayolo afirma que, apesar da segregação, a nova rede urbana

brigou a uma integração ao centro, uma disciplina obrigatória de integração, trazendo

xlas as classe para uma convivência central. Além disso, o imóvel de Haussmann

Dlera a multiplicidade de funções e de conteúdos sociais30. Segundo Roncayolo, contra

mobilidade de Haussmann (de capital, de pessoas, de bens, de valores) surgiram

«meadas.

A afirmação de Haussmann significou uma grande destruição

ia lie de Ia Cite. "O desventrar do quartíer Latín e do fauburg Saint-Germain, a

destruição quase completa da Cite provocando a demolição de numerosas mansões,

>grejas, colégios, conventos; os dois universos fechados que eram o quartíer da

Universidade e o "noble fauburg", este último portanto bem pouco ameaçador para a

ordem estabelecida, "iluminaram-se" literalmente e perderam a sua unidade.

Praticamente aniquilados, os acessos de Notre Dame, onde o que restou de igrejas e

de capelas veneráveis foi posto à baixo, substituídos por enormes construções

administrativas de uma deprimente fealdade; isolada, a catedral que Viollet-Ie-Duc

conformou a seu modo, perdeu todo contato com os bairros antigos, centro histórico e

religioso da cidade onde ela era a alma."31 O tecido urbano denso e compacto era

tudo o que ele não queria. Propõe, ao contrário, imóveis administrativos em grandes

dimensões. Subsistiram apenas Notre Dame e Sainte Chapelle, porém em um entorno

completamente alterado.

Em Haussmann, os lugares para habitação, "imóveis

haussmanianos", foram desenhados ao longo das novas vias, com suas fachadas de

MB

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Rubi

i talhada, com decoração graduada segundo a altura dos andares. Segundo

yéne, acabou-se a coabitação de todas as classes sob o mesmo teto. As famílias

árias foram rejeitadas para a periferia ou "banlieué1, fato que vai pesar muito no

o da luta de classes. Aqueles imóveis foram reservados só aos burgueses, mas

classe comportava diferentes categorias, que até se ignoravam. Repartiam-se,

n, pelos andares, de baixo a alto, segundo a importância de sua posição social ou

ãuas somas. O aparecimento do elevador em 1867 foi pouco a pouco

3ando com esta ordem de fatores32.

Haussmann concebe a cidade com dimensões monumentais e

e densidade de povoamento e, portanto, *sua obra é o reconhecimento implícito da

nde metrópole como componente normal da civilização moderna1**. Ele contrasta

n outras perspectivas que também desenvolveram-se com a cidade moderna, como

lê Ebenezer Howard. Este, em 1898, propõe as cidades jardins a partir da ideia que

limensao das cidades deve ser posta em causa. Ou seja, a solução não se restringe

melhores equipamentos, vias renovadas e embelezamento acumulado. A

perpopulação, a instabilidade, as tensões sociais e a especulação com a alta de

ecos do solo impedem que as propostas anteriores se realizem de modo satisfatório.

Dward apoia, ao contrário, a descentralização e a criação de cidades novas.

O valor e o peso da herança haussmanniana revela-se hoje nas

ficuldades da cidade de Paris para definir a sua "contemporaneidade" frente a uma

modernidade que fascina e ofusca. Haussmann contribuiu muito para um "tipo" de

lodernidade urbana que se impôs em Paris, com suas fraquezas como a obsessão

Ia simetria frente a outras concepções de modernidade que valorizam os contrastes

: virtudes como a construção de uma cidade burguesa, espalhando um ideal de

jeleza que antes era restrito da igreja e da nobreza.

ttffl

Page 21: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

Espacialidades e orfexte urbano no Irabahú das -Passagens

L::

Há duas questões a considerar. Uma é a cidade em si, na sua

característica de grande cidade em expansão e de transição para uma nova urbanística

que se desfaz das heranças pré-modernas. Outra questão envolve a renovação urbana

dentro de uma proposta de adaptação da cidade aos novos tempos.

A metade do século XIX surge como um momento de crise em

algumas grandes cidades europeias. O aumento sem precedentes da concentração

demográfica e a industrialização exigiam medidas de adaptação e grandes

transformações em tais cidades. Rondava o mundo urbano a sensação de uma

inadaptação entre forma e conteúdo, uma percepção de anacronismo. A capacidade de

lidar com esse 'tempo - espaço" será a grande tónica do urbanismo e de sua crítica. A

grande transformação da cidade tem em vista o grande fluxo de pessoas, as grandes

construções, as periferias, a submissão aos veículos, as dificuldades sociais inéditas e o

fim de um mundo rural majoritário. A situação contemporânea foi gestada no século

XIX. A aceleração dos ritmos de crescimento está coordenada com a intensa

urbanização (diminuição e transferência da população do campo) e a industrialização.

É por volta de 1830, em Paris, que sucedem-se profundas modificações e movimentos

migratórios com pressão demográfica que faz se sentir sobre o tecido urbano34. Pof

volta da metade do século XIX, com exploração da rede ferroviária e da base territorial

da indústria, novas mudanças importantes ocorreram35. Ao mesmo tempo que a

primeira metade do século XIX assistia transformações violentas da cidade, as políticas

públicas continuavam rotineiras, incapazes de enfrentar os fluxos migratórios e a

miséria como fenómeno próprio das sociedades modernas36. No caso de Paris, embora

o aumento brutal da população começasse a inquietar a opinião pública ao final da

Page 22: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

'RiJbf r,-. ^l^TVt^-^-Á^.y

Restauração, foram eventos devastadores, como as grandes epidemias no começo dO|£n*7j5]

reinado de Luís Filipe (sobretudo em 1832), que puseram a questão urbana no centro "' ^-

da cena parisiense37.

No sentido geral, políticas de intervenção urbana, como a de

Haussmann, marcam uma mudança importante na concepção da cidade e do papel do

Estado. Segundo Benévolo, durante muito tempo a cidade que emergiu da revolução

industrial gestionou-se com os regulamentos da cidade pré-industrial, pois em nome

do ideal liberal partia-se da "hipótese de que a cidade poderá desenvolver-se segundo

as leis do mercado, sem uma intervenção reguladora da autoridade pública'3*. No

entanto, a realidade de ritmo diferente da cidade que emergiu da industrialização

mostrava um movimento contínuo que não tendia para um novo equilíbrio estável. As

transformações levavam a outras cada vez mais profundas e cada vez mais rápidas. A

manutenção da concepção de cidade industrial liberal, de livre interferência das

intervenções localizadas no território, só levou a um ambiente precário e caótico na

primeira metade do século XIX. Intervenções como a de Haussmann serviram para

superar a antiga polémica, na gestão da cidade, entre os radicais liberais (não

intervencionistas) e os radicais socialistas (só gestão planificada), de modo a condenar

a interferência desregrada das iniciativas imobiliárias, mas afirmar a necessidade de

regulamentos conciliando o capital imobiliário e o resto do capital. Por isso, segundo

Benévolo, a Paris de 1853 a 1869 é o modelo de cidade industrial pós-liberal, na qual

se realizou um acordo entre a burocracia pública, representante do capital como um

todo, e a propriedade imobiliária.

Embora a crise da transformação que atingiu as cidades tenha

sido um fenómeno universal, há autores franceses que vem pontos específicos de

originalidade na urbanização francesa, O país, quando comparado com a urbanização

dos Estados Unidos ou da Grã-Bretanha, cresceu menos urbanamente desde o século

Page 23: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

XIX . Embora no começo do século XIX Paris ainda fosse uma cidade arcaica em

muitos aspectos, o seu estupendo crescimento inibiu o desenvolvimento de ci

grandes em um raio de 300 km40. Em 1800, a população de Paris era menor que 600

mil habitantes; em 1830, não chegava a 800 mil habitantes; em 1890, 1.500.000

habitantes; em 1900, quase 3.000.000 de habitantes41.

Napoleão I fez trabalhos para transformá-la em capital da

Europa, preenchendo-a com rede de esgotos, mansões, pontes, mercado, abatedouros

e monumentos. Ainda assim, Paris assemelhava-se a uma cidade velha com ruas

estreitas. Até 1832 o aspecto da cidade não havia mudado muito desde o Antigo

Regime, embora novas formas urbanas tivessem aparecido, como passagens e bairros

organizados e construídos por sociedades civis de iniciativa privada42. Os problemas

urbanos e sociais explodiam, como a epidemia de cólera de 1832 com 44.000 vítimas.

O afluxo de imigrantes, atraídos pelos empregos na construção de caminhos de ferro,

como a linha Paris-Saint Germain, em 1837, e outras seis linhas em 1842, asfixiava a

cidade tal como estava constituída. O centro velho estava densamente povoado, com

migrantes, e sem condições, desde o início da Restauração, de acolher novos

habitantes43. Essa "asfixia" incomodava, de modo que Luiz Filipe, revelando a

aspiração de muitos setores, definiu como necessidades de Paris "água, ar e

sombra"44.

No entanto, foi com Napoleão III que Paris passou a ser

programada, mais efetivamente, para transformar-se na cidade adaptada à vida

moderna como os grandes espaços de Londres. No entender do imperador, havia que

destruir os "ninhos de ratos" do centro de Paris.

Comparada a Londres de então, parecia que a crise urbana era

avassaladora. Neste quadro, uma grande renovação urbanística, concebendo a cidade

como um todo, efetua-se entre 1853 e 1869 sob o comando do barão George

Page 24: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

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Haussmann. Auto denominado "artista demolidor, Haussmann "substituiu a fisionomia

ainda medieval de Paris, repleta de ruelas sombrias e fétidas... dotando-a de grandes

eixos de ligação ... leste - oeste e norte - su/.1*5 Para os seus maiores críticos, como

Baudelaire, os românticos e Benjamin, a obra foi essencialmente policial e política.

Alguns autores contemporâneos também admitem que a reforma urbana de

Haussmann foi "comandada mais pela estratégia que pela estética ..."46. Ainda assim,

serviu de padrão inspirador para a renovação de inúmeras outras cidades pelo mundo

e, posteriormente, foi tida como precursora do moderno urbanismo, elogiada por Lê

Corbusier e valorizada por todos que visitam Paris ao longo deste século. De fato, a

ação de Haussmann não pode ser vista apenas como conservadora. James Holston

observa que "o planejamento modernista surgiu no contexto de vanguardas europeias

como uma tentativa de desenvolver alternativas para a sociedade e a consciência do

capitalismo burguês. Seu propósito era subversivo ... seus insucessos derivam da

natureza utópica de suas contra - formulações, sobretudo de suas premissas

desistorízantes e descontextualizadas'*7. De qualquer modo, em toda a sua história,

segundo Norma Evenson, Paris sempre foi objeto de controvérsias e sempre conheceu

problemas. Houve sempre debates em torno de políticas e medidas governamentais

que influenciaram o desenvolvimento da cidade e não apenas quando foram

implantados programas efetivos de planificação48.

De todo modo, a reforma de Haussmann sucedeu a um

processo espontâneo de abandono do antigo centro, movimento este já iniciado nos

anos 40 do século passado: "... os ricos mudaram-se para os bairros novos do oeste e

do noroeste, os comerciantes os seguiram, os ateliês deixaram as ruas onde a

circulação tomara-se muito difícil. Paris se deslocava.'**. Em paralelo, o abandono do

centro às classes mais pobres trazia novas questões: "Possuída pela miséria, a

população perdia a paciência. As insurreições se sucediam apesar das repressões

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,//50atrozes. Nestas condições e antecedendo a Haussmann, embora em muito menor [r;5. *?r otíí -to

alcance, a prefeitura do Sena, com Rambuteau, no período entre 1838 e 1843, pela K*-r*• *»•%-»„..

primeira vez em Paris "demole velhos imóveis para abrir um eixo novo e o cerca de

residências modernas, em lugar de construir adornos emoldurando a cidade como

faziam os poderes antigos.'*^ Portanto, sem "diminuir o mérito de Haussmann... todas

as condições estavam reunidas, em 1850, para uma transformação radical da capital.

As epidemias e as revoluções assinalavam a urgência. ...As discussões nas gestões

municipais anteriores já haviam identificado os grandes problemas. ...Os progressos

técnicos forneciam instrumentos novos e bem mais eficazes. A acumulação de capitais

oferecia os meios financeiros!***

Na concepção haussmaniana a cidade existente, pré-industhal,

era inadaptada aos novos tempos de grandes massas e grande velocidade. Ela era a

cidade paralisada e sufocada que devia ser substituída por uma nova era, tendo como

parâmetros a higiene e a circulação, mesmo que para isso se tivesse que contrariar

interesses particulares e localizados de populações já sem grandes direitos sociais. A

sua perspectiva de renovação urbana não parte, segundo ele próprio, de uma crítica

social. Ele aborda a modernidade não pelos seus custos sociais, mas por uma visão

própria à concepção de progresso vinculado ao desenvolvimento tecnológico. Mesmo

não havendo nesta concepção urbana uma verdadeira teoria de organização espacial,

existe nela uma concepção de totalidade do espaço parisiense. Ele executa, pela

primeira vez, um plano global de Paris, partindo de sua textura, sua topografia, suas

formas superficiais. Sobre esta visão, em grande medida abstraída da cidade real e

fundando uma concepção que passará a ser idealizada pelos futuros urbanistas

progressistas ele idealiza um sistema de circulação, com hierarquias e

solidariedades. Procura acabar com os espaços fechados sua obsessão e com os

bairros isolados, de modo a relacionar todos os pontos essenciais da cidade. Trata-se

Page 26: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

Ph

de estruturá-la como um organismo único, sem necroses. Para isso destrói em

parte a cidade medieval junto com o deslocamento, a expulsão, de seus

pobres, concentrados em habitações miseráveis, envelhecidas e superpovoadas. É a

criação de um espaço ao mesmo tempo de circulação e de aeraçao. Juntam-se

concepções higienistas e mecânicas. O sistema de aeraçao contrapõe a ideia de cidade

como espaço construído em absoluta contradição com o verde do campo. A cidade

medieval já era uma concentração nítida frente ao entorno de uma massa construída.

Ela ficou ainda mais densa com a invasão de grandes massas humanas. Frente a esta

cidade, Haussmann organiza uma hierarquia de espaços verdes, com parques

suburbanos, parques intramuros, jardins, praças arborizadas e árvores alinhadas nos

passeios. Cria-se um espaço urbano que também dará sua contribuição para a

elaboração de correntes no urbanismo que idealizam um espaço misto, campo -

cidade. O programa, além dos sistemas hierarquizados de circulação e de aeraçao,

implanta igualmente um sistema de evacuação de águas servidas, que se tornou

modelo. O resultado global permite, de certo modo em contradição com a expulsão da

população pobre, a facilidade de acesso ao centro para toda a população e a

devolução da cidade, como um todo, e para todos os moradores.

Ainda assim, a renovação haussmaniana não é totalmente

desvinculada da herança histórica. Pelo contrário, Haussmann faz referência às

representações do século XVIII na procura de uma harmonia ideal. Se fixa-se nas

perspectivas e fachadas uniformes. Compartilha de uma crença, que continua a

proliferar no século XX, de que na racionalização por meio da arquitetura superaria a

desordem e a distorção e seria capaz de 'limpar" as áreas afastadas para toma-las

acessíveis ao desenvolvimento e à expansão*3. Essa concepção sofre críticas, tendo

em vista que ao visar a desordem atinge a vitalidade da cidade, o domínio e a vivência

do povo.

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_2±Í

Por outro lado, mesmo os que reconhecem a obra de

Haussmann como necessária e modernizadora, e não desprovida de um caráter

estético, admitem que a sua ação primeira foi instrumental. A arte e o custo social

foram secundários diante da determinação de reorganizar o espaço. "Paralelamente a

estas operações cirúrgicas, a especulação favorecida pelo prefeito ...fez surgir da terra

pesados imóveis, tão tristes quanto opulentos, bordejando as novas vias, ou falsas

mansões Luís XVI para banqueiros, industriais enriquecidos, ou cortesãs da moda.

Nenhuma busca de harmonia, nenhuma ordenação monumental, e sempre o reino do

pastíche, único evangélico estético desta época de decadência e de falso semblante.'**

A sociedade, mesmo que tivesse ganhos a médio prazo, foi instrumentalizada. E,

embora uma concepção mais moderna de arte fosse valorizada, a arte presente na

cidade medieval foi desconsiderada em grande medida. Os contextos específicos

urbanos estiveram sujeitos a um projeto que abstraiu a cidade real. Assim, o contexto

urbano da Catedral de Notre Dame de nada valeu na renovação da lie de France.

Em síntese, desde o começo do século XIX Paris teve um rápido

engrandecimento, revelado no grande crescimento populacional, suportado pela

intensa migração. A cidade sofreu alterações políticas e sociais pós - Revolução, com

mudança essencial nas relações no campo, lugar de concentração da população até

então. A incoerência da cidade para o período burguês tornou-se o tema do século. As

grandes transformações de Paris contrastaram, de início, com as tímidas e rotineiras

políticas públicas. Uma avalanche de contradições empurrou a cidade afim de transpor

a filosofia do "embelezamento", típica do Antigo Regime, em direção à filosofia do

"urbanismo". Ainda assim, até 1832 Paris apresentava, no essencial, o mesmo aspecto

de antes da Revolução. Porém, novas formas urbanas surgiram no período, como as

passagens e bairros programados por sociedades de iniciativa privada. A vida cultural

modificou-se com a "invasão" dos teatros e a formação dos bulevares de intensa

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atividade artística. Muitas das transformações tinham raízes nas dificuldades de r~í - -":

circulação e no incómodo das ruas de Paris. Novas ocupações com caráter mais íí:f.

segregado, demolições, abertura de novas vias, insurreições com reivindicações

territoriais, tudo isto já marcava a primeira metade do século. A revolução de 1848

deu, de certo modo, o impulso final para transformar uma Paris de transportes difíceis,

epidemias, moradias caras e miseráveis pressionada pela intensa migração. Uma das

questões que chamava a atenção, e que seria atacada por Haussmann, eram as

dissimetrias urbanas, em especial a leste - oeste. O tema, que talvez rigorosamente

não seja característico da modernidade e sim herança de concepções estéticas de

períodos anteriores, foi (e ainda é) em grande parte incorporado na modernização da

cidade. Firmou-se uma preocupação em conceber a cidade como um todo, incluindo as

suas periferias concêntricas. Caminhou-se na intenção de reatá-las ao centro, de modo

funcional. Tratou-se não somente de atacar as construções antigas, a estrutura viária

tradicional, como também de instalar novos equipamentos urbanos. Inspirada nas

renovações de Londres, o Segundo Império através de Haussmann promoveu uma

obra gigantesca e, em certo sentido, clássica: grandes avenidas retilíneas, concepção

majestosa e simétrica das construções, grandes perspectivas. Utilizaram-se técnicas e

materiais novos. Pressões pela higienização e a nova cultura do conforto, foram

incorporadas nesta renovação. No sistema viário, Haussmann procurou reforçar a

centralidade da cidade (a grande cruz).

Construiu grandes equipamentos públicos, que faltavam na

cidade quando comparada com Londres: abastecimento de água, cemitério, mercado,

parques. No que se refere à água, nos antigos aquedutos não permitiam levar a água a

não ser até certos e belos bairros do noroeste e até o segundo andar. Dois novos

aquedutos conduziram a água do Dhuys ao reservatório de Ménilmontant, a água do

Vanne ao reservatório de Montsourís. Os seus comprimentos (131 e 140 quilómetros)

Page 29: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

eram, para a época, inteiramente impressionantes.'** No que se refere às águas

servidas, foi construída uma rede hierarquizada de esgotos de quase 600 quilómetros. 1\'.

"£5335 águas sujas não eram tratadas, e continuaram a poluir consideravdmente o rio, '•

mas o progresso foi imenso.'** Quanto ao abastecimento, houve uma revisão

completa: *os mercados centrais (Halles), que Napoleão I e depois Rambuteau haviam

engradecidos, foram destruídos e substituídos pelos admiráveis edifícios de ferro

construídos por Baltard ...O grande mercado central foi completado por numerosos

mercados cobertos construídos nos diversos bairros de Paris, afim de hierarquizar e de

descentralizar a distribuição dos alimentos. Os grandes matadouros de Ia Villete

completaram este sistema de abastecimento.'*7 Em relação aos espaços verdes, raros

na cidade, houve um grande avanço: "Antigos terrenos de caça reais foram

organizados para o passeio dos parisienses: o Bois de Boulogne foi destinado a tomar

o papel que havia representado há pouco tempo o Champs - Êlysées ...o Bois de

Vincennes asseguraria os mesmos divertimentos às classes populares do leste, mas,

corroído por administrações e empreendedores, a sua superfície diminuiu pela metade

após 1860. O parque Montsouri ao sul, a nordeste o de Buttes - Chaumont ...

completaram este esforço para reproduzir em Paris os grandes parques londrinos,

embora críticas severas deploram que Haussmann destruiu mais parques e jardins que

construiu..." K. Para Pierre Cabanne, "se a instalação dos Halles no centro da capital

foi um erro enorme, ao menos podemos creditar ao impiedoso prefeito ter instalado

uma notável rede de esgotos e trazido a relativa salubridade da Paris atua/, e ainda a

criação de espaços verdes públicos ... notadamente ao nordeste com Buttes-

Chaumont, e Bois de Boulogne à oeste dos bairros ricos de Auteuil e Passy. O leste e

os seus distritos operários foram, apesar da organização do Bois de Vincennes,

abandonados aos empreendimentos da pequena indústria*'**

Por tudo isso, o balanço da obra de Haussmann é motivo de

Page 30: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

opiniões contraditórias, segundo Bemard Marchand60. Os seus contemporâneos a

criticaram, e muito. No entanto, esta Paris é hoje motivo de admiração. Como explicar

essa celebridade? Todas as grandes cidades europeias foram modernizadas demolindo

bairros insalubres e abrindo largas avenidas modernas: Londres quarenta anos antes

de Paris, Berlim e Viena vinte anos após61. A originalidade da obra reside

provavelmente em três pontos: a importância reconhecida aos equipamentos coletivos,

a criação de uma cidade burguesa e a produção de um conjunto coerente62. O principal

mérito de Haussmann foi o de realizar a cidade burguesa, uma forma urbana nova e

original, surgida timidamente sob Luis Filipe e que triunfa com o Segundo Império63.

Por outro lado, a política urbana do Segundo Império dispõe os

trabalhadores na periferia da cidade. A reforma urbana de Haussmann agravou muito

as disparidades Centre Paris e o subúrbio, entre bairros do oeste e bairros pobres do

leste, entre a margem direita e a margem esquerda. A segregação vertical (os pobres

se alojavam debaixo dos tetos e os ricos ocupavam os andares nobres) foi pouco a

pouco substituída, desde a Monarquia de Julho, por uma segregação horizontal que os

trabalhos de Haussmann estenderam a toda a cidade.'** .Sobretudo, a reforma cria em

torno de Paris um verdadeiro subúrbio, mas em condições bem particulares, distintas

de outras grandes metrópoles65. O subúrbio parisiense foi povoado menos por

camponeses pobres vindos para trabalhar como operários na cidade, como em Viena,

ou por burgueses fugindo dos transtornos e envelhecimento do centro, como em

Londres, e mais por artesãos e pequenos empregados expulsos do coração da cidade

em vagas sucessivas66. O subúrbio [banlieue] parisiense representa exatamente o

"lugar de banimento [ban]", o endereço dos que foram banidos67. Há uma diferença

grande frente aos antigos "faubourgs", que existiam antes de Haussmann. Eles eram

excrescências da cidade e a prolongavam penetrando dentro do campo. O subúrbio, ao

contrário, é original. É o lugar onde os cidadãos pobres, mas habituados a uma vida

Page 31: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

Rub

urbana, foram alojados, em um meio que não era exatamente como a cidade e ainda r T;. '

menos como o campo, uma cultura original e diferente da cultura urbana, constituída

ao lado dela e contra ela66. Paris criou em torno desse subúrbio uma mesda de

desprezo e temor que se manifestou quando da concepção do metro, o qual deveria

permanecer limpamente parisiense69. Em tomo dessa geografia original, Bemard

Marchand faz uma interpretação também bastante particular sobre o significado da

Comuna de Paris, relendo-a enquanto movimento urbano e tipicamente parisiense.

Note-se que Marchand, nessa análise, contrasta com a definição de Benjamin para a

obra haussmaniana, interpretada como "embelezamento estratégico".

Configurações Urbanas Selecionadas

Barreiras

Nos textos de Benjamin sobre Baudelaire a barreira é trazida

pelo seu sentido imediato económico e social. O autor realça, não sem razão, os

magníficos versos que compõem Vinhos dos Trapeiros. As barreiras podem ser

compreendidas como fragmentos, mundos particulares, e, associados a outros

universos, revelam-se mutuamente. Nesse sentido, assim como os trapeiros revelavam

a emersão de novos métodos industriais (e o aproveitamento de rejeitos industriais),

mostrando a miséria do humano como outro produto '"industriar', as barreiras, diante

da emersão de uma nova cidade, eram resto, resíduo e rejeito industrial. Benjamin,

novamente elege, com as barreiras, a metáfora das passagens em seu estudo, as

transições entre mundos.

Economicamente a barreira era um posto fiscal na divisa da

cidade, destinado ao controle da circulação de viaturas, de produtos e bens,

Page 32: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

P' wrfffkZí

permitindo o recebimento de impostos. Muitos dos postos aduaneiros edificados junto

às barreiras eram em estilo neoclássico. No século XVIII, havia sessenta portões na

muralha (Muralha dês Fermiers Géneraux dos coletores de impostos). Eles eram as

passagens através das muralhas. O seu declínio é o ocaso da cidade pré-industrial,

feudal e mercantil diante da cidade industrial e burguesa.

A barreira, fragmento selecionada da cidade, articula-se com

outras configurações urbanas como as passagens e seu sentido metafórico, pois

representam o seu contrário, o fechamento. Mas também são passagens entre

mundos. Na origem do termo, há a referência a uma reunião de peças de madeira ou

metal que tem como objetivo fechar uma passagem. De outro lado, o fim das muralhas

da cidade e o seu desaparecimento ou testemunho solitário tem relação com a

abertura de bulevares circundando a cidade moderna. A barreira, por outro lado, é o

outro lado da barricada, na medida em que é uma construção oficial que tanto pode

ser a proteção do burgo quanto elemento de controle fiscal e social. Ambas, como

pontos de controle e fechamento, tem diversos pontos em comum, mas destaca-se a

revelação de projetos vencidos na cidade. As barreiras, elementos característicos da

cidade pré-industrial, relacionam-se, portanto, a todo o processo de transformação

urbana parisiense que abriu a cidade e a modernizou.

As barreiras também assinalavam o ponto no qual terminava a

jurisdição da cidade. Por isto, junto a estes lugares, estabeleciam-se os cabarés (casas

de bebidas) que vendiam o vinho que não pagava imposto, o vinho da barreira70.

Segundo Jill Forbes, o espaço para além da muralha Ia zone "era visto como

uma área violenta povoada por bandidos e marginais variados, mauvais garçons e

prostitutas conhecidas como Vénus de Ia barrière, um local não somente em que os

dispositivos legais não tinham validade mas também onde as convenções normais da

sociedade civilizada não prevaleciam"7*-.

Page 33: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

Além disso, o uso desses locais frequentemente adquiria

significação simbólica. As barreiras "eram muitas vezes o local de atos simbólicos ou

rituais, notadamente a Barríère St Jacques, onde foi instalada a forca, cuja tradição de

associações macabras é descrita em pormenores por Victor Hugo em O ú/timo dia de

um condenado e em Os miseráveis72. No entanto, assinalavam também *os

lugares em que as barreiras caíam, em que aristocratas, burgueses e classe operária

se misturavam de um modo que era impensável em qualquer outra parte e

v/vendavam juntos coisas que norma/mente teriam vivenciado separadamente se

tanto. Aqui abundavam ladrões, prostitutas e todos os outros indivíduos que com

facilidade atravessavam as barreiras de classes. Aqui era possível ir para o outro

lado e tornar-se alguma outra coisa. Isto era tanto um feto geográfico e social quanto

um tropo literário ,.."73. As barreiras, onde estivessem, nno mur ou nas fortífs, é a

área que fica mais além, paraíso de trapeiros e traficantes de drogas hoje centro do

comércio de objetos usados que serve para definir e circunscrever a essência e a

quinta-essênda da cidade**. E, citando Victor Hugo de Os miseráveis'. "Paris, centro,

subúrbios, circunferência: e/s a terra inteira para esses meninos. Eles nunca se

aventuram mais além, e não podem deixar a atmosfera parisiense do mesmo modo

que um peixe não pode viver fora d 'água".

Tavernas de Vinho

Em "A Paris do Segundo Império em Charles Baudelaire",

Walter Benjamin, na parte intitulada Boémia, faz um retrato da movimentação social

que caracterizou o período. Estabelece-se uma nova sociedade, uma nova

acomodação, significando deslocamento e readaptação do espaço. Um exemplo foi a

Page 34: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

[Rui

mobilidade social representada por fatos como a ascensão de determinados estratos (a

burguesia) e a nova inserção de camadas sociais (os camponeses migrantes

transformados em proletários). A mobilidade e mobilização, por outro lado, estão

representadas na nova cultura que se estabelece, a moderna, com características de

fugacidade e velocidade. Politicamente, a estruturação de uma nova sociedade deu-se

sob a resistência da antiga e com a produção de fraturas sociais. Deste modo, o

período foi caracterizado, no caso francês, por um longo processo representado por

intensas lutas por hegemonia e acomodação.

Benjamin, considerando essa insegurança, essa flutuação, traz

à tona elementos sociais representativos tais como o conspirador profissional, o

trapeiro e o artista marginal. Se aproxima o trapeiro com a boémia, com o conspirador

profissional e com o literato. A propósito afirma: "Cada um que pertencesse à boémia

podia reencontrar no trapeiro um pedaço de si mesmo". De certo modo, neles havia

um protesto contra a sociedade diante de um amanhã precário. A propósito, Benjamin

lembra Sainte-Beuve no poema: * Neste cabriole de aluguel examino / O homem que

me conduz, verdadeira máquina / Hediondo, barba espessa, longos cabelos

emplastrados: / Vício e vinho e sono carregam seus olhos bêbados. / Como o homem

pode cair assim? pensava / Enquanto me recolhia ao outro canto do assento.". Esse

aparente afastamento do poeta frente ao marginalizado é logo superado no próprio

texto. Benjamin continua: * Assim é o começo do poema; o que se segue é uma

interpretação edificante. Sainte-Beuve pergunta a si mesmo se sua alma não estaria

igualmente abandonada como a do cocheiro de aluguel."7*

Espacialmente é em torno dessas reflexões que Benjamin insere

as tavernas de vinho. Elas funcionavam como as poucas estações fixas públicas dos

conspiradores profissionais e dos trapeiros.

O vinho foi símbolo explosivo, de certo modo, da exclusão

Page 35: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

iodai da época. A propósito, Benjamin lembra do vinho vendido nas tavernas daf*

í.«riferia, mais barato por estarem além das barreiras que davam acesso a Paris, as :;

íuais serviam como cobradoras de impostos e, consequentemente, aumento do preço

inal dos produtos. Citando um chefe de polícia da época, Benjamin aponta que

quando podiam fazer essas incursões "os trabalhadores, cheios de soberba e

insolência, exibiam então o seu prazer, como se fora o único a lhes ser concedido'. E,

de acordo com outro contemporâneo, *o vinho da barreira poupou ao governo muitos

choques". O nosso autor observa: WO vinho transmite aos deserdados sonhos de

desforra e de glórias futuras". Não sem motivo, Baudelaire escreveu O Vinho dos

Trapeiros: "... Vê-se um trapeiro cambaleante, a fronte inquieta,/ Rente às paredes a

esgueirar-se como um poeta,/ E, alheio aos guardas e alcaguetes mais abjetos,/ Abrir

seu coração em gloriosos projetos./ Juramentos profere e dita leis sublimes,/ Derruba

os maus, perdoa as vítimas dos crimes,/ E sob o azul do céu, como um dossel

suspenso>/ Embriaga-se na luz de seu talento imenso."™

Barricadas

Na origem, a barreira era uma trincheira feita com barricas

cheias de materiais diversos, com vistas a interditar o acesso de uma rua ou de uma

passagem, É curioso notar que a barrica é uma espécie de subproduto mercantil, pois

o tonel de madeira de 200 a 250 litros destinava-se a transportar e guardar

mercadorias, sobretudo líquidos, como o vinho. Paris foi marcada por barricadas e este

século também as viu. A primeira barricada que se tem notícia foi feita em 12.05.1588

pelos partidários da Liga contra Henrique III, isto é, pelos partidários de Henrique I,

duque de Guise, na sua intolerante luta contra o partido protestante.

Page 36: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

As barricadas aparecem em Benjamin, em primeiro lugar, no

seu escrito Paris, capital do século XIX. Neste, elas estão associadas ao primeiro

urbanismo de Haussmann que transformou a fisionomia de Paris, destruindo boa parte

da antiga cidade e marcando-a com avenidas largas. Para Benjamin, "a verdade/rã

finalidade das obras de Haussmann era tornar a cidade segura em caso de guerra civil.

Be queria tomar impossível que no futuro se levantassem barricadas em Paris."77

Dentro do mesmo cenário desenvolvido para as tavernas de

vinho, utilizando o contexto histórico selecionado a sociedade em transição para a

modernidade Benjamin detêm-se na fugacidade desta estrutura espacial. As

barricadas, na tradição revolucionária francesa, representavam um ponto central do

movimento conspirativo, uma fixação de sua mobilidade. A barricada, em Benjamin, é

uma referência espacial à luta de classes. Ela, ao mesmo tempo que divide a cidade,

pela ação de sujeitos organizados que queriam mudar os seus destinos, nega a

concepção vencedora de modernidade.

As barricadas representam, simbolicamente, o congelamento do

tempo quantitativo e, assim, contraponto à ideologia do progresso. A paralisia do

tempo opõe-se ao ritmo frenético determinado pela máquina, na fábrica e fora dela. A

interrupção do tempo homogéneo e contínuo, para Benjamin, transformando os

acontecimentos em eventos. Deste modo, é como se houvesse a instauração do reino

do sono e do sonho a noite frente ao estado de choque permanente e acordado.

A compreensão do sentido íntimo da barricada também se revela quando comparada

com a barreira, puro símbolo económico de controle alfandegário das cidades.

O simbolismo das barricadas, na concepção de Benjamin,

também se faz através dos paralelepípedos, reveladores eles próprios da metrópole

moderna e do mundo moderno. A propósito, Benjamin lembra Baudelaire: "/Vá

alocução a Paris, que permaneceu fragmentária e que deveria fechar As Flores do Ma L

Page 37: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

Baudelaire não se despede da cidade sem evocar suas barricadas; lembra-se de seus

"paralelepípedos mágicos que se elevam para o alto como fortalezas". Naturalmente

essas pedras são "mágicas", uma vez que o poema de Baudelaire não conhece as

mãos que as colocaram em movimento,"7* Benjamin compara este objeto mágico

"os paralelepípedos mágicos" com a mágica (fetiche) da mercadoria a qual atraia

nas galerias ou nas feiras os homens - consumidores: "... clama o blanquista Tríton:

"d força, rainha das barricadas... tu, que brilhas no darão e no motim ...é para ti que

os prisioneiros estendem as mãos acorrentadas."71*

Interiores

Na sua obra Benjamin, ao fazer referências a configurações

urbanas diversas, detêm-se em temas como a fantasmagoria do espaço e a

transformação dessas configurações em interiores. Na transição e afirmação de uma

nova sociedade estruturando-se no século passado, o autor reflete sobre a auto-defesa

do burguês nas quatro paredes de sua casa. Aprofundando-se no tema, Benjamin

acompanha o raciocínio de Simmel sobre a grande cidade. Este trata a metrópole do

século XIX como aquela que põe em destaque a questão da dissolução do sujeito

frente a forcas objetivas esmagadoras. Walter Benjamin, ao tratar do desaparecimento

de vestígios da vida privada na cidade grande, faz ver que se criaram compensações

entre as quatro paredes. O interior burguês surge para "não se deixar perder nos

séculos", para "não se deixar perder os rastros dos seus dias ou ao menos o dos seus

artigos de consumo e acessórios". Diante dessa ameaça, desenvolve-se toda uma

concepção de "estojo do ser humano", de "cápsula" na moradia. Proliferam-se moldes

de objetos, como capas, estojos, coberturas as mais diversas, os quais guardam a

impressão de todo contato, utilizando-se para tal de materiais como o veludo e a

Page 38: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

pelúcia. O "estojo do ser humano" acomoda o ser e seus pertences e reserva os seus>r

vestígios como a "natureza preserva no granito uma fauna extinta". Outro aspecto

gira em tomo das explicações de Benjamin sobre os interiores é mostrar o avanço dt

lógica mercantil na própria interioridade: as "molduras" salientam o valor dos objetos e

os "estojos" subtraem estes da visão profana, do não proprietário, apagando seus

contornos.

Exposições

A presença das exposições é associada por Benjamin ao

desenvolvimento da capacidade de atração da mercadoria e da nova indústria da

diversão. O autor lembra que, logo após a Revolução de 1789, organizaram-se

exposições nacionais da indústria, a primeira das quais em 1798. Foram estas que

precederam as exposições universais. Nas primeiras, a exposição marca também um

primeiro passo para a indústria da diversão, ainda nascente. As festas populares, deste

modo, serão superadas por uma indústria que encontra na exposição uma primeira

forma organizada. Em ambas, a mercadoria passa a desenvolver cada vez mais seu

caráter atrativo, fazendo confluir as massas para a sua apreciação, superando a

atração que a arte (e o sagrado) ocupara na atenção social. O fetichismo das

exposições, em si, está no invólucro que conferem à própria mercadoria, criando uma

moldura. O homem se distrai nessa fantasmagoria, desfrutando a sua própria

alienação.

A palavra exposição vem do latim e significa "abandono,

explicação'. O seu primeiro sentido é exposição de obras de arte, de forma organizada,

e desenvolveu-se na França a partir do século XVII, com exposições oficiais dos

pintores da Academia no Palais-Royal. Posteriormente foram para a Grande Galeria do

Page 39: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

Louvre e, a partir do século XVIII, realizaram-se no Salão Carré. Mais tarde, no século

XVIII, foram organizadas outras exposições para artistas jovens. A oficialidade dessas

exposições, o rígido padrão académico imposto, fizeram com que, no século XIX,

fossem organizados vários salões e exposições em reação ao Salão Oficial. O que mais

chama a atenção de Benjamin, nesse processo de visibilidade da arte para o grande

público, é a aproximação entre arte e mercadoria. Enquanto as galerias, no seu sentido

original, expunham para olhos eleitos (religiosos ou nobres) objetos únicos e artísticos,

as passagens expunham para todos as mercadorias. O Ralais Royal que acomodou as

exposições oficiais de obras de arte no século XVII, passa a ter no século XVIII

exposições de mercadorias.

No âmbito artístico mais restrito, a obra de arte, as grandes

pinturas e esculturas, conferiam dignidade a castelos e mansões dos nobres. Embora a

propriedade contasse com obras em todos os seus ambientes, espaços particulares

galerias foram sendo montados com elas. Do mesmo modo, tais obras eram dignas

de retratar o sagrado e se sacralizaram nas igrejas e catedrais. Também estas

possuíam as suas galerias. Nestes espaços particulares ou nos seus nichos especiais,

seus altares, estes fragmentos endeusados ficavam abandonados ao olhar, à

contemplação e reflexão. Os artistas, cujas obras estivessem entre as eleitas,

dignificavam-se.

Como sabemos, é com a ascensão da burguesia que a obra de

arte passa a adquirir um caráter menos sacro e mais popular. Bas não somente

passam a ocupar espaços mais públicos, como as residências de mercadores e

banqueiros, como também os espaços do trabalho. A isto soma-se o papel da iniciativa

privada, dos grandes marcharias [mercadores] de arte, na promoção de obras e

artistas. Este processo de dessacralização do mundo, por outro lado, caminhou

Page 40: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

imbém na direcao da mercantilização intensa da arte e a complexa relação arte-

c:.:'lercadoria.

O século XIX, com a emersão intensa do mundo urbano, traz *"""

im novo mundo que é, além do trabalho, o da necessidade cada vez maior de

'isibilidade, de um mundo produzido para o olhar e para o lazer. No que se refere à

)bra de arte, em contraste com períodos anteriores de restrição, criam-se exposições

Deriódicas de arte contemporânea como a Bienal de Veneza (1895). A obra chega a

quase todos, seja como arte, seja como mercadoria. Galerias privadas organizam-se

em função da conquista e ampliação do mercado de arte e os museus multiplicam

grandes exposições didáticas.

As grandes exposições universais, que traziam lado a lado arte

e mercadoria, as novidades mercadológicas e as novas tecnologias, consagraram à

mercadoria um altar antes inimaginável. No entanto, havia uma diferença fundamental

entre as galerias de arte e as exposições de mercadorias: a efemeridade. Das

exposições universais quase nada restou; "A Galeria das Máquinas, de uma altura de

35 metros, sustentada por arcos metálicos, revelou na Exposição de 1867 um jovem

engenheiro colaborador do arquiteto J. B. Kraníz, Gustav Eiffel. Uma segunda Galeria

das Máquinas foi construída para a exposição de 1878, mas é a terceira, em 1889, que

é a mais notável; devida ao arquiteto Dutert e ao engenheiro Contam/n é também uma

das realizações metálicas das mais importantes do século. E o símbolo, com a Torre

Eiffel que se levantou um pouco mais longe sobre o Campo de Marte, do triunfo da

arquitetura do ferro. As três galerias das máquinas foram destruídas, a Torre Eiffel,

muitas vezes ameaçada, foi salva pela utilização que se fez sucessivamente a T. S. F. e

a televisão.'™ Assim, a exposição de 1889, trunfo do metal e comemorativa do

centenário da Revolução Francesa, deixou a Torre Bffé, reino da técnica, atraindo

trinta milhões de pessoas. Foram justamente as exposições de 1889 e 1900 que

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"contribuíram para dar a Paris a reputação de cidade alegre e agitada. Parisienses e

milhões de visitantes vindos do resto da Franca e do estrangeiro se precipitavam para

passear nestas exposições e admirar as últimas descobertas'*1.

Utilizando-se dos mesmos parâmetros formais da arte, a

mercadoria e a novidade procuram se revistir de uma sacralidade referida a tempos

passados. Quase todas as grandes exposições internacionais contaram com

importantes seções de belas-artes, como por exemplo a de 1900 que apresentou a

"Centena/ da arte francesa". Tomou-se tradicional conferir medalhas, símbolos de

honra, para os produtos premiados em exposições.

Uma outro referência ao passado que as exposições do século

XIX fazem está nas antigas feiras. Já havia uma cultura de feira da qual a indústria fez

uso para expor as novidades. Segundo Braudel, a França ainda em 1841 era um país

coberto das antigas feiras comerciais que existiram desde os períodos medievais ou

antes82. "O seu papel é romper o círculo demasiado estreito das trocas comerciais.

Quanto às grandes feiras, mobilizam a economia de vastas regiões; por vezes todo o

Ocidente marca aí encontro ...w63. "Todas as feiras apresentam-se como cidades

efémeras sem dúvida ...". Nas verdadeiras feiras "uma cidade Inteira abre as suas

portas. Então, ou a feira submerge tudo e identifica-se com a cidade e até extravasa

da cidade conquistada; ou esta é assaz forte para manter aquela a boa distância:

problema de peso respectivo. Lyon é em parte vítima das suas quatro feiras

monumentais: Paris domina as suas, reduz essas feiras às dimensões de mercados de

vulto; assim a antiga feira sempre viva de Lendit realiza-se em Saint-Denis, fora de

muros1'.

O rol de exposições internacionais iniciou-se em Londres e

segue até este século.

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f^^A^r

Exposições Internacionais no Século XIX:

ano1851

18531855186218631865186518671871187218731875187618781879188018831883188318851885-188618871887188718871888188818881888188918901891189318941894189418971900

cidadeLondres

Nova YorkParisLondresConstantinoplaDublinPortoParisLondresLimaVienaSantiago do ChileFiladélfiaParisSidnevMefooumeAmsterdamLouisvilteBostonAntuérpiaNova Orleans

ManchesterBombaimAdelaidelekaterinburgBarcelonaCopenhagueMeboumeBruxelasParisLondresMoscouChicagoAntuérpiaMadriSão FrandscoBruxelasParis

observaçãoPrimeira exposição de caráter universal,construção do Crystal Palace

Distinguiu-se pela

Construção do palácio do Trocadero

Construção da Galeria das Maquinas e da Torre Erffel

Construção do Grand Ralais e do Petít Ralais. Tambémfoi construída urna série de palácios dedicados asdiversas indústrias, plantados sobre a Esplanada dosInválidos. O Palácio da Eletrícidade foi construído noCampo de Marte.

• •r*— tf--^^r=-a— i- l*'r.-.- í

Bulevares

Os bulevares são inseridos na análise benjamiana, em Boémia,

quando o autor trata dos cafés. Surgem, neste sentido, como os espaços à disposição

Page 43: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

Rubr

onde ocorrem os incidentes e os boatos.

Na parte intitulada Flâneur, Benjamin volta à análise dos

bulevares, inserindo-os em novas questões que permitem compreender melhor a

estruturação da sociedade e da cidade modernas. Em dado momento, ao tratar de um

tipo de literatura específica as fisiologias o autor observa que elas dedicavam-se

a descrições diversas, porém dentro de uma superficialidade que buscava distanciar-se

de qualquer consideração mais incisiva, de modo que retratavam o próximo

distanciado da experiência. A calma presente neste tipo de literatura, nas suas

descrições, significava o distanciamento frente aos riscos e perigos que compunham a

política repressiva e conspirativa daquele período, a omissão em citar a miséria e a

desconsideração dos riscos para a personalidade com o avanço da lógica liberal

mercantil para todas as dimensões da vida. Essa sensibilidade no campo da arte é

aproximada, pelo autor, à figura do fíâneur aquele que "dá vida" ao sujeito amorfo

- multidão e seu mundo urbano,

Para Afazer botânica no asfalto', de acordo com Benjamin, o

flâneur precisava muito das calcadas largas dos bulevares. As calçadas só foram

ampliadas com Haussmann. Até então elas eram estreitas e não ofereciam a suficiente

proteção contra os veículos. A calçada do bulevar era um ponto de observação. Com

elas, a multidão o espetáculo que fascinava podia ser vista à distância, nas

mesas dos cafés. Desse ponto de vista, tinha-se na calcada, como nas fisiologias, a

"passagem em revista da vida burguesa". Tudo passava em desfile. No sentido poético,

Benjamin, acompanha o flâneur baudeleriano, e chama a atenção para os aspectos

contraditórios, alienantes e libertadores, de tal ponto de vista. Ele observava a massa

como se tal vida não lhe dissesse respeito. Apesar de tudo, a observação distanciada

significava a preservação de uma certa centralidade do sujeito. Pela observação via a

massa e os seus elementos: o anti-social asilado nela e o qualitativo refugiado neste

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Ru br

homogéneo. Benjamin se compraz com a aguda sensibilidade de Baudelaire para com

esse qualitativo da multidão. Ele exemplifica com um poema (A uma passante) de•-

encontro do amor nesse ambiente, em aparência, totalmente homogéneo: A rua, em

tomo, era ensurdecedora vaia/ Toda de luto, alta e sutíl, dor majestosa/ Uma mulher

passou, com a mão vaidosa/ Erguendo e balançando a barra alva da saia;/ Pernas de

estátua, era fidalga, ágil e fina./ Eu bebia, como um basbaque extravagante,/ No

tempestuoso céu do seu olhar distante,/ A doçura que encanta e o prazer que

assassina./ Brilho ... e a noite depois! Fugitiva beldade/ De um olhar que me fez

nascer segunda vez,/ Não mais te hei de rever senão na eternidade?/ Longe daqui!

tarde demais! nunca talvez! Pois não sabes de m/m, não sei que fim levaste,/ Tu que

eu teria amado, ó tu que o advinhaste!

Benjamin, no entanto, nota que a despreocupação do fiâneur, o

seu distanciamento da multidão, da massificação, tinha data para acabar. A sua

condição social, até então, permitia-lhe o luxo de não se envolver e colocar-se como

personalidade centrada. No entanto, embora imaginasse que criava uma barreira

invisível ao seu redor, o fiâneur já compartilhava a situação de mercadoria na medida

em que, abandonado na multidão, procurava onde encaixar a sua identidade, o seu

espaço. Já inebriado pela mercadoria, levitava a sua volta.

Essa perspectiva de observador é fundamental no pensamento

benjaminiano. Sujeitos particulares e lugares particulares formam perspectivas.

Esquematicamente, podemos apontar algumas perspectivas particulares, postos de

observação privilegiados na análise benjaminiana como os bulevares, as passagens e

os cafés84:

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1. o olhar do bulevar

O

2. o olhar do café

2. o olhar da passagem:

No sentido paisagístico, o bulevar é uma avenida larga e

arborizada, com espaçoso passeio, o qual permitiu, como nunca antes, o

desenvolvimento da sociabilidade urbana. Os bulevares, além da arborização, foram

concebidos com largas calcadas. "Estes passeios com árvores plantadas, animados dia

e noite, contribuíram muito na atraçâo da cidade, fornecendo um espaço aberto e um

espetáculo permanente acessível a todos"65. A circulação nas ruas medievais do centro

tinha sido, no século XIX, grandemente agravada pelo adensamento populacional e

pelo crescimento dos transportes, dificultando-se ainda mais a movimentação nas vias

estreitas e obstruídas. Para os pedestres a criação de passeios foi uma boa solução. Os

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I Rubr

írimeiros passeios foram construídos em 1823 e por muito tempo foram escassos86. Os

ISfa>ulevares do século XIX incorporam os passeios na sua constituição. £».«...

rA história da inserção dos bulevares na vida parisiense, como

•»orma e referência, é, no entanto bastante polémica na medida em que eles inserem-

>e em um processo de destruição da antiga cidade medieval. A palavra "boulevard"

:em origem no termo holandês "bulwerc", o qual tem o significado de fortificação. Os

bulevares tomaram este nome porque foram construídos sobre as antigas muralhas da

cidade. Segundo Pierre Lavedan, o termo bulevar designa "o caminho que costeia a

muralha externamente; com o crescimento da aglomeração ele passa de exterior a

interior"67. Esse sentido original foi, frequentemente, modificado: o bulevar que

substitui a fortificação é, em geral, uma avenida larga plantada de árvores. Muitas vias,

com origem muito diferente como o Bulevar Raspail ou o Bulevar Haussmann, em

Paris, que nada tem a ver com as antigas cercas por semelhança, foram designados

da mesma forma.

Estas largas avenidas bordejadas por árvores geralmente

evocam Haussmann, mas a origem é bem anterior. A cidade de Paris desenvolveu-se

no interior de linhas de fortificação. Charles V iniciou a construção de uma muralha

semi-circular sobre a "Rive Droite", margem direita do Sena, para proteger a nova área

importante da cidade. A "Cite", a "lie de Ia Cite" já era uma área fortificada. Nos ranos

de Charles IX e Luís XIII a muralha foi prolongada. Na época de Luís XIV este muro

fortificado já havia perdido a sua estratégica razão de ser. Por isso, em 1646, ele foi

destruído e substituído por ruas bordejadas de árvores. Os primaros bulevares foram

construídos no século XVII, criando-se grandes avenidas: Bulevar de Ia Madeleine, dês

Capucines, dês Italiens, Montmartre, Poissoniere, de Bonne-Nouvelle, Saint-Denis e

Saint-Martin. Estes constituíram um grande eixo, desde a Praça de Ia Madeleine até a

Praça de Ia Republique. Esta área formou uma grande artéria sinuosa, das mais

Page 47: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

Rubi

animadas em Paris, e tornou-se um centro de distrações e de comércio, uma grande

via de circulação, constituindo os chamados bulevares interiores ou grandes

bulevares (da Madeleine à Bastilha)88. Os grandes bulevares, criados por Luís XIV,

"te/?? 35 metros de largura: 17 de pavimento; duas calçadas com 9 metros com árvores

plantadas, de modo que a largura total do passeio ultrapassa a do pavimento, o que

revela bem o destino principal da via para passeio ou para fíanar diante das vitrines'*9.

Mais além dessas antigas fortificações situava-se outra

muralha, construída no século XVIII para cobrar imposto de mercadorias que entravam

na cidade. O sistema de artérias construído sobre estes limites ficou conhecido como

bulevares exteriores, os quais tem como poios leste e oeste a Praça Nation e a

Praça d'Étoile. A ação de Haussmann, em 1859, visou justamente estender a cidade

até essas fronteiras, de modo a implantar, ptanificadamente, uma nova rede urbana na

qual os bulevares ficavam integrados ao sistema global de circulação. Esta nova rede

urbana é considerada por Evenson a parte mais importante do programa

haussmanniano90. É o período de maior sucesso de Haussmann na prefeitura, entre

1853 a 1860. Um dos maiores projetos foi a construção da "cruz" de Paris, a chamada

primeira rede. Até então, Paris "dispunha de um eixo duplo norte - sul (ruas Saint -

Denis e Saint - Martin, rua Saint - Jacques, rua de Ia Harpe), sobre o traçado de duas

vias romanas, e de um eixo leste - oeste (ruas Saint - Honoré e Saint - Antoine), ao

longo de um antigo dique insubmersível do Sena. Depois de muito tempo, esses dois

eixos foram se tomando muito estreitos e gravemente congestionados.'**- Além da

grande cruz, Haussmann abriu uma segunda rede, na periferia da velha Paris

(boulevares de Port - Royal, Saint - Mareei, Voltaire e outros). No total abriu-se 95

quilómetros de novas vias no centro da capital e mais 70 na periferia, "formando uma

rede coerente de comunicação entre os centros vitais da capital e as novas estações.

Esta rede, fundada sobre um certo número de eixos retilíneos, provocou a destruição

Page 48: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

de muitos monumentos, a sua adaptação discutível aos novos traçados, ou seu

isolamento, mas igualmente a criação, para "animar" estas perspectivas, de realizações W "v

monumentais que tomam-se igualmente suscetfveis, segundo Haussmann, de novos

diálogos arquiteturais: fonte Saint-Michel, Domo do Tribunal do Comércio, Saint-

Augustín, Opera, a igreja de Ia Trinité, ett?'.92 Durante o Segundo Império foram

:riados os bulevares Saint-Michel e Sébastopol: "pavimento de 14 metros; duas

calcadas de 8 metros cada; largura total de 30 metros1**. A mais bela realização de

Haussmann é, segundo Lavedan, a avenida Foch, antiga avenida Bois-de-Boulogne:

^com 120 metros, mais servidão de 10 metros sobre os ribeirinhos, o que perfaz 140

metros de espaço livre entre as fachadas; a parte central (40 m) está reservada à

circulação continua e dividida em três seçoes: viaturas (16 m), cavaleiros e pedestres

fcada uma com 12 m); à direita e à esquerda destes elementos estão dois grandes

"erraplenos e plantações com 31 metros cada; enfim duas vias laterais extremas

'pavimentadas com calcadas) servindo as habitações1'*.

A ação haussminiana revestiu-se de uma dramaticidade

ompreensíveJ. Independente do plano em si, ela assinalava um momento de ruptura

om o antigo, de adeus. Segundo Richard Sennet, "a caixa que continha Paris no

lecurso de sua história era o seu muro. O muro serve a diferentes propósitos numa

idade, em diferentes momentos", como defesa até o século XVII, contenção "do

opulacho" no século XVIII, cobrança de impostos95. Em seu lugar, Haussmann

onstruiu *um novo muro legal, administrativo e residencial para a cidade, um muro

Diferente dos precedentes apenas no fato de que não era mais uma estrutura física...

'a reconstrução da cidade por Haussmann nos anos 1850 -1860, a mistura de classes

'entro dos distritos foi reduzida pela esquematização ... um esforço em fazer da

izinhança uma unidade económica homogénea1**.

Page 49: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

(j-uibf

Não somente a década de 1830 é motivo de discussões sobre

KJernização de Paris. Próximo à época em que Benjamin escreve, nas décadas

20 e 1930, novamente a modernização é motivo de polémico em função da

struição de um segundo anel de fortificações em volta de Paris. Aragon o tomou

mo tema em Os camponeses de Paris, Benjamin inspira-se nele: "Ato começo [do

Dgramado Trabalho das Passagens] há Aragon. O Camponês de Paris, livro do qual

i não podia ler mais do que duas ou três páginas à noite, na cama, meu coração

itendo tão forte que me fazia deixá-lo de fado."97 A destruição dos fortífs, das

issages observadas por Aragon, a limpeza da zone além das muralhas era um

;sunto atual para Benjamin e ganhava uma atualidade com o retorno ao passado.

No século XIX, o eixo compreendido pelas grandes avenidas

tuadas no sentido Place de Ia Madeleine - Place de Ia Republique era a área principal

e vivência urbana. No Bulevar du Temple (o "bulevar do crime", dos teatros

lelodramáticos), concentrava-se a população mais pobre nas suas andanças. As

assagens, galerias cobertas entre ruas, tinham a sua localização entre o Bulevar de

lontmartre e a Rua Saint Marc, e entre as Ruas Quatre Septembre e dês Petits

-hamps.

O Bulevar du Temple era no século XIX conhecido por ser uma

área de casas de espetáculos em razão de já existir nesta área uma tradição de

2Spetáculo popular e passeio a pé. Este bulevar havia sido aberto em meados do

século XVII. Em meados do século XVIII foi arborizado, atraindo um sem número de

pessoas para passeios e caminhadas ociosas (flânerie). Estas multidões tornaram-se

elemento de atração para vendedores de diversas mercadorias. Instalaram-se

confeitarias, cafés e cabarés, que eram as casas que vendiam bebidas alcoólicas.

Muitos artistas itinerantes exibiam-se ao longo do bulevar98. Nos bulevares, como este,59

Page 50: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

(Rua?

i

"todos os espectadores encontravam alguma coisa de seu agrado, e esta era a força

do lugar™,

Um aspecto interessante a observar nos bulevares é que

também eles assinalavam transições. O bulevar era uma fronteira. Os bulevares eram

as muralhas da cidade e assinalava a transição de jurisdição, de poderes, de

fiscalização. Assim, na área do Bulevar du Temple, antiga muralha, não vigorava,

desde séculos, a exigência de obtenção de licença {privilégio do rei) para a construção

de teatros, por exemplo, como era a exigência no burgo propriamente dito. Deste

modo, diversos teatros foram construídos, aproveitando-se da frequência de potenciais

espectadores. O teatro, desde a década de 1830, desde a Monarquia de Julho, era a

principal fornia de entretenimento público em Paris. Este impulso vinha desde os

tempos da Revolução que, em 1791, permitira a qualquer um a abertura de um teatro,

tirando o caráter exclusivo e oficial que até então tinham. A abolição da censura em

1830, tornou-o muito popular. Sobreviviam, no entanto, dois tipos de teatro para, de

certa forma, duas Paris. Havia o teatro subvencionado pelo Estado, como a Opera, o

Théâtre Français (Comédie França/sé) e o Théâtre Odeon. A estes se opunha o

chamado Boulevard. "A distinção entre estes dois setores era histórica, geográfica e

financeira: refletia-se em repertórios diferentes e, em certa medida, públicos

diferentes. O setor subvencionado pelo Estado datava de antes da Revolução,

localizava-se longe dos bulevares (no caso do Odéon, na Rive Gaúche, o que era uma

desvantagem), e seu repertório era basicamente clássico e neoclássico, consistindo em

Molière, Radne, alguma coisa de Marivaux, um pouco de Comeille, tragédias de

Voltai ré e tragédia neoclássica contemporânea. Por sua vez, o que se poderia chamar

de setor privado era especializado em vaudeville (uma combinação de pantomima e

opereta}, melodrama e, mais tarde, teatro romântico. .. [os principais teatros] ... se

situavam no Boulevar du Temple e... na vizinhança"™3.

Page 51: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

Metodologicamente, Benjamin, como Baudelaire, deixa-se levar

pelos tipos que preenchem o bulevar, como o flâneur. Este não encontra concretude

na realidade urbana aparente e, centrando-se em si mesmo, vaga pela multidão e

observa a paisagem urbana apenas para evocar associações, semelhanças e memórias.

Há um jogo de montagem que retira os objetos de seu contexto aparente e os repõem

em novas conexões.

Cafés

Walter Benjamin, nesse estudo de génese da modernidade,

retrata o avanço da mercantilizaçao para todas as dimensões sociais e, especialmente,

na direção da arte, considerada o âmago do sujeito. Assim, tratando da literatura, da

expressão viva e autónoma do literato, Benjamin rememora a expansão dos periódicos,

dos diários e dos folhetins pós 1830. Os diários incorporaram a literatura e, tutelados

por uma lógica mercantil cada vez mais poderosa, fragmentaram o romance em

folhetim, bem como a informação em notas curtas e bruscas, acompanhando-as de

anúncios que se confundiam com a própria informação. Eles eram os reclames, notas

com aparência de autonomia, mas pagas pelo editor para chamar atenção para

determinado livro que estava sendo anunciado. O jornal diário, composto assim pelo

editorial político, pelo romance - folhetim, pela informação, encontra nesta última uma

das suas principais justificativas: a aparência de renovação (normalmente mexericos

urbanos, intrigas teatrais, curiosidades), de sempre novo, próprio do espírito da

modernidade. Nesse contexto que Walter Benjamin insere os cafés.

No contexto político de repressão que caracterizou o Segundo

Império, em dado momento os jornais passaram a ser vendidos somente por

Page 52: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

EP

assinaturas e, portanto, deixaram de estar disponíveis para toda a população. Os cafés

dispunham desses jornais e aumentaram o seu poder atrativo, mesclando mercadoria,

censura e crítica. Por outro lado, os cafés representavam, a princípio, um posto

interessante para o jornalista obter a informação. Antes do telégrafo elétrico, com

notícias correndo o mundo todo, as novidades da cidade eram captadas nas fofocas do

café, somadas à observação da vida citadina que decorria no bulevar.

Paris ficou caracterizada pelos inúmeros cafés que povoam os

bulevares. Em Benjamin, os cafés surgem não somente como símbolo importante da

grande cidade, mas também como palco de transformações no réacionamento social e

como elemento construtor de olhares e perspectivas na cidade.

A primeira casa para a comercialização da bebida café foi

aberta em Veneza em 1645 e congéneres o foram em Londres, em 1651. Nesta

cidade, já ao final do século XVII, havia ao menos 30 casas. Mas, se Paris não foi

pioneira, os cafés a tornaram célebre. O café, por outro lado, surge no espírito da vida

burguesa, como assinala Fernand Braudel. Assim, junto à bolsa de Amsterdam, a mais

dinâmica e especulativa do século XVII, haviam cafés montados por pequenos

empresários. Braudel cita Joseph de La Vegga, mercador judeu espanhol, em seu livro

Confusión de confusiones: nOs nossos especuladores /requentam certas casas nas

quais se vende uma bebida que os holandeses denominam coffy e os do Levante café

... são muito agradáveis no inverno, com os seus fogões acolhedores, os seus

passatempos sedutores: uns oferecem livros para ler, outros mesas de jogo e todos,

interlocutores com quem discutir; um toma chocolate, outro café, outro leite, outro chá

e todos, por assim dizer, fumam tabaco... Assim aquecem-se, regalam-se, divertem-se

com pouco dinheiro, ouvindo notícias ...Se entra então numa destas casas, às horas

da Bolsa, qualquer jogador da Bolsa, perguntam-lhe quanto valem as ações, ele

acrescenta um ou dois por cento ao preço da ocasião, tira um pequeno caderno de

Page 53: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

5 e põe-se a anotar o que só calculou mentalmente, para fazer crer a todos que

j/ou verdadeiramente e para avivar ...o desejo de comprar qualquer ação com o

io de que suba a/nda"1*1.

Os cafés aparecem nas análises de Benjamin, através de

jelaire, porque também se prestam a desenvolver um dos temas eleitos pelo autor,

seja, o da relação entre mercadoria e arte, permeado pela constituição da

edade urbana de consumo de massa. O café em Paris surge para atender ao

snvolvimento de uma vida mundana, própria ao desenvolvimento das grandes

ides.

A proliferação dos cafés assinala a transição da antiga

vivência para a nova sociabilidade parisiense, durante o século XIX, tendo como

) o consumo de bebidas. A história dos cafés de Paris relaciona o consumo e a

essidade de proximidade, O café surge como um novo tipo de estabelecimento, de

io atraente pelo seu exotismo e depois pelo gosto do luxo e do conforto. Surge na

is do século XVII, tardiamente frente às tavernas, albergues e cabarés que existiam

de há muito. Tomaram-se um sucesso considerável desde o século XVIII. O

iforto que ofereciam frente às vendas enfumaçadas, barulhentas e mal mobiliadas

- existentes, o bom renome e a qualidade das bebidas servidas, em particular o

é, enfim o exotismo e o luxo contribuíram muito para este sucesso102. Os primeiros

és foram marcados pelo exotismo, até o final do século XVIII. Após essa data, o

:o passa a caracterizar esses estabelecimentos, com a contribuição de artistas e

ndo origem a um estilo francês. Acrescem-se terraços e jardins. Proliferaram-se a

rtir dos anos 40-50 do século passado, com o aumento do padrão de consumo de

Já a população. Novos hábitos temporais alimentares se estabeleceram após a

volução e se sedimentaram por volta dos anos 50-60 do século passado. A venda de

bidas, desde o modesto bistrô e a loja do vendedor de vinho até o grande café-

Page 54: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

l Fls.

restaurante e a brasserie, a sua concentração densa em certos lugares ligados à

proximidade de determinadas atividades comerciais, culturais ou lúdicas, são |?:,í r-f

significativas da evolução da sociedade desde o fim do século XVII até o século XX e

também da vida e expansão da cidade de Paris103. Eles se tornaram sede de

sociabilidade, centro de informação e de reuniões, lugar de distrações e de

espetáculos, reunindo a burguesia e toda a classe média. A diversidade e

especificidade dos cafés em Paris fazem com que eles se assemelhem a microcosmos

da população parisiense. Mas também receberam influências estrangeiras, na medida

em que o francês e o parisiense em particular são assimiladores bem conhecidos,

"adaptando e importando sucessivamente da Alemanha as brasseries, da Áustria os

cafés - vienenses, da Grã-Bretanha os salões de chá, dos Estados Unidos os bares

americanos ...os selfs, os snacks e as drugstores, da Itália as cafeterias, da Inglaterra

ospubs ,..."IM. Desde o Antigo Regime, o café destaca-se o seu papel na vida artística

e sobretudo política pois, como escreveu Robert Darnton, o café funcionava como

antítese do salão. Ele estava aberto a todos, a dois passos da rua.

Panoramas

A conjuntura política do Segundo Império, marcada por grande

frustração popular e revoltas sufocadas pela força, convivia lado a lado com os grande

problemas sociais da transição ainda não equacionados, apesar do forte avanço da

produção capitalista da Franca de então. Walter Benjamin observa em F/âneur (parte

de A Paris do Segundo Império em Baude/aire) que esta situação também contribuía

para tendências escapistas no plano da sensibilidade artística e da vida cultural. Ele

Page 55: Espacialidade e Contexto Urbano No Trabalho Das Passagens001

ÊÈ?

recorda a chamada "literatura panorâmica" que descrevia a cidade na superficialidade

de modo a ignorar deliberadamente os seus verdadeiros riscos. O fundo informativo

era apenas esboçado tendo em vista o entretenimento. Nessa literatura, tudo passava

em revista, em desfile, como a superficialidade da vida no bulevar. A calma daquelas

descrições era marcante. É com esse retraio que Benjamin insere os panoramas. Estes,

e de certo modo como as barricadas, constituíam-se em improvisações enquanto

estruturas urbanas. A famosa Passage dês Panoramas tinha como principal atração os

panoramas.

O panorama era formado por uma grande pintura circular feita

na parede interna de uma rotunda construção circular, terminada em cúpula

dando a ilusão de realidade através de efeitos de perspectiva e de ilusão de óptica.

Nessas grandes torres circulares eram apresentadas ao público gigantescas telas,

pintadas por artistas de talento, ilustrando, com grande realismo, temas como cidades

ou batalhas célebres105. O termo vem do inglês e significa vista ampla. O espectador,

colocado no centro, tem a impressão de descortinar um vasto horizonte, como se

estivesse no alto de uma montanha. Segundo a Universalis, o primeiro panorama

parece ter sido o de Londres, instalado na capital inglesa em 1796, por Robert Baker.

Muitos outros foram feitos durante o século XIX. Em 1888, Vitor Meireles exibiu em

Bruxelas um Panorama do Rio de Janeiro de sua autoria, que era circular, usando um

cilindro giratório que permitia ao espectador imóvel contemplar o desfile de vistas da

cidade. Neste género de pintura destacaram-se na Franca: Detaille, Neuville e Poilpot

Segundo Jill Forbes, a revolução política e industrial que

caracterizou o início do século XIX acabou com a chamada "semiótica transparente do

antigo regime", destruindo a legibilidade imediata da cidade e do povo que havia

nela106. Para Forbes, é nesta situação que devem ser compreendidos os panoramas.

"Panoramas ilustrados procuraram restaurar essa legibilidade numa tentativa de exibir

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a cidade ao olho popular a fim de dissipar o mistério e a ameaça de um meio ambiente _lf-

que se tornara incompreensível e opressivo"107..

Passagens

No desenvolvimento do Flâneur, Benjamin observa que a

flânerie precisava de algo mais que as calcadas largas dos bulevares: as passagens.

Estas pareciam reservar uma interioridade que na calcada do bulevar parecia

atropelada. Benjamin, nesse tipo de observação lembra Simmel: a existência de vidas

autónomas dentro da grande cidade é cada vez mais difícil, diante de uma objetividade

avassaladora; o indivíduo é arrastado por um fluxo de incitações e estímulos externos

a ponto de dispensá-lo de nadar por si mesmo; diante dos espetáculos impessoais, os

elementos individuais devem, para subsistir, fazer um esforço extremo; precisam

esforçar-se até o exagero, nem que seja para continuar audíveis, começando por eles

mesmos108.

As passagens "reduziam" a cidade, pareciam um "mundo em

miniatura". Elas permitiam contemplar o espetáculo da multidão, mas sob protecão,

sob controle. A atracao da massa ficava relativamente controlada na galeria e, ao

mesmo tempo, vencia-se o tédio do nada fazer e a espera pela hora de transformar-se

também em mercadoria. Havia lá um micro mundo de passantes, fumantes (absortos

na fumaça) e pequenas ocupações. Elas eram um meio-termo entre a rua e o interior

da casa. Assim como os bulevares, as passagens também faziam as vezes de

interiores, de casa para o flâneur. Se para o burguês comum o interior estava entre as

quatro paredes, para o flâneur o lar estava entre as fachadas dos prédios. Era lá que

ele, flâneur, era ele mesmo.

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Benjamin, então, inclui as passagens como parte de uma

fantasmagoria do espaço. A passagem é o espaço fantasmático que é tanto casa - ' "•i: * -*-L

quanto rua. Ela se soma à fantasmagoria do tempo: a incompreensão da história, a

alienação do sujeito, a marginalização de amplos setores sociais, faz com que a

história apresentada seja parcial e mítica. Ela foge do sujeito e parece flutuar sobre

ele. É um fantasma. O mesmo se dá com a espacialidade construída. Benjamin aponta

a transformação dos bulevares e das passagens em interiores. No que se refere

especificamente às passagens, Benjamin aponta os seguintes paralelos com o interior

burguês: os letreiros das firmas substituem a pintura no salão; os muros a

escrivaninha; as bancas de jornais as bibliotecas; os terraços dos cafés as sacadas. Na

coletanea de fragmentos Flâneur encontra-se a seguinte observação de Benjamin: "As

ruas são a morada do co/etivo. O co/etivo é um ser eternamente inquieto,

eternamente agitado, que, entre os muros dos prédios, vive, experimenta, reconhece e

inventa tanto quanto os indivíduos ao abrigo de suas quatro paredes. Para esse ser

co/etivo, as tabu/etas das firmas, brilhantes e esmaltadas, constituem decoração mural

tão boa ou melhor que o quadro a óleo no salão do burguês; os muros com "défense

d'afficher" (proibido colocar cartazes) são sua escrivaninha, as bancas de jornal, suas

bibliotecas, as caixas de correspondência, seus bronzes, os bancos, seus móveis do

quarto de dormir, e o terraço do café, a sacada de onde observa o ambiente. O gradil,

onde os operários do asfalto penduram a jaqueta, isso é o vestíbulo, e o portão que,

da linha dos pátios, leva ao ar livre, o longo corredor que assusta o burguês, é para ele

o acesso aos aposentos da cidade. A galeria é o seu salão. Nela, mais do que em

qualquer outro lugar, a rua se dá a conhecer como o interior mobiliado e habitado

pelas massas."109

Um outro aspecto de fantasmagoria espacial que Benjamin

associa às passagens é a presença escondida da arquitetura do ferro. O novo ainda se

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vestia do passado, sem a necessidade funcional: "Nas vigas de sustentação essesF (s,

instrutores imitam colunas pompeianas e nas fábricas eles imitam moradias assim

>mo mais tarde as primeiras estações ferroviárias tomam por modelo os c/ra/és"110.

A fantasmagoria revela-se também por ser um espaço público

listribuído em uma terra privada. A passagem, ao mesmo tempo que sedutora da

>ré-modemidade nas grandes cidades, é também, de certa forma, uma reprodução

lê soluções das cidades fechadas da Idade Média. Segundo a Universalis, cidades

Jaquela época, densamente ocupadas e encerradas dentro de fortificações,

encontram solução na construção de vias de comunicação muito estreitas, de modo a

Dtimizar os raros espaços vagos. Também é reconhecida a influência do bazar oriental

__ cujo interesse havia sido reavivado com a expedição de Napoleao Bonaparte ao

Egito em finais do século XVIII o mercado com ruas cobertas cheias de lojas.

Muitos deles eram cobertos em arco. No entanto, a passagem incorpora elementos

modernos, como o vidro na cobertura e o ferro na sustentação. Reconhece-se

também na passagem as utopias arquitetônicas concebidas no século XIX. Benjamin

observou que o falanstério de Charles Fourier se inspira da arquitetura de passagem.

As passagens parisienses foram um dos grandes temas de

Aragon, cujo livro O Camponês de Paris era um dos preferidos de Benjamin. Aragon

assim se refere a elas: "<9 espírito dos cultosf dispersando-se na poeira, fez desertos os

lugares sagrados. Mas há outros lugares que florescem entre os homens, outros

lugares em que os homens se ocupam descuidadamente de sua vida misteriosa, e que

pouco a pouco nascem para uma religião profunda. A divindade ainda não os habita.

Ela se forma neles ..,//ul

As passagens foram apresentadas como símbolo da

modernidade:

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"Aragon conheceu a passagem ...no auge de sua decadência

A Passagem da Ópera que, inaugurada em 1821, estava sendo destruída, em 1924,

ara dar lugar ao Bulevar de Haussmann], quando ela já era uma espécie de ruína do

iue fora outrora, tendo se transformado assim num lugar insólito, num "santuário do

:ulto do efémero", numa "paisagem fantasmátíca dos prazeres e das profissões

malditas'' tomados obsoletos com o avanço inexorável do tempo e as mudanças

económicas e sociais que ele impõe, e condenados a se eclipsarem para sempre,

soterrados como novas Pompé/as.'A12

Benjamin aprecia em Aragon a referência crítica à modernidade

que a passagem revela: "no limite das duas luzes que opõem a realidade exterior ao

subjetivismo da Passagem"113. Do mesmo modo, a sua indução metodológica: "essa

Passagem é outra coisa além de um método para me alforriar de certas coações, um

meio de ter acesso, além de minhas forças, a um domínio ainda proibido."11*

O tema das passagens também aparece em Benjamin como

uma herança da crítica de esquerda e dos românticos à sociedade moderna. Isto

porque ela é associada, pelo autor, ao fenómeno da multidão que caracteriza as

grandes cidades. Para os frankfurtianos, a importância da individualidade frente à

massificação era sempre afirmada. Benjamim partilha, parcialmente, destas

preocupações, mas encontra outros ângulos na abordagem do assunto. Assim, as

passagens podiam ser vistas como um contraponto ao fluxo quase mecânico dos

grandes bulevares. Havia uma certa interiorização naquele espaço, uma certa

subjetividade, uma certa ausência de repressão que fascinou autores como Baudelaire,

Aragon e Benjamin. Segundo Van Reijen, as galerias representavam "espaços

espirituais da psique"115.

A galeria em francês galerie tem, além do sentido

arquitetônico, uma referência específica à "sala de exposição onde se faz o comércio

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2 quadros e de objetos de arte, etc", de acordo com o Larousse. De imediato saltay^ssisyjci.

)s nossos olhos essa relação complexa entre arte e mercadoria. Benjamin, em Fourier 125: .

y as passagens afirma: "fí?? su0 decoração, a arte põe-se a serviço do comerciante".

ate aspecto contempla dimensões humanas, como os tipos descritos por Benjamin

as suas referências à multidão e às "passagens". Não sem motivo, utiliza-se em

ancês a expressão "pour Ia galeríe" no sentido de enganar, iludir, fazer-se valer

lante dos olhos dos outros".

A passagem em francês passage galeria de um tipo

special, é um termo de vários sentidos, incluindo os metafóricos. Diretamente é o

ugar por onde se passa", "direito de passar sobre a propriedade do outro" [como a

assagem em português que é o direito de passar numa situação feudal ou

istitucional, ou da passagem de travessia em ônibus, ete] e também "galeria coberta

wde só podem passar pedestres1'. O significado marcante de transição ganha,

rquitetônica e urbanisticamente, o sentido de passagem de dois mundos, um mais

iterior e outro mais exterior.

Benjamin preocupa-se com os vários sentidos dessas ^galeríes

itrées". Os muitos sensos de transição seduzem o autor e as passagens aparecem

omo metáfora deles. Trata-se da transição para a modernidade; da instauração de

ima sociedade de consumo de massa que atropela as qualidades individuais; da

•ansição de um mundo mais privado para uma grande convivência pública; da

ransição da arte para a mercadoria; da transição de uma cidade fechada para uma

idade aberta à circulação e a um ritmo mais rápido. Benjamin retoma Aragon de Lê

">aysan de Paris na qual estão destacadas as galerias cobertas próximas aos grandes

lulevares. O nome "passagem" provoca uma '"filosofia" da passagem em Aragon, a

|ual será recolhida por Benjamin116. "Eu sou a passagem da sombra à luz, eu sou da

nesma cepa, o ocidente e a aurora. Eu sou um limite, um traço"...[Aragon]. É a

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passagem do sujeito ao objeto, do real ao sonho e do "eu ao outro". Passa-se a uma B1

"projeção" do espírito, um "espaço" "consagrado", aos caminhos iniciáticos de

subjetividades reclusas117.

A passagem, arquitetonicamente, é um corredor no meio do

quarteirão, ligando duas vias de circulação e ocupado pelo comércio. Muitas passagens

sucediam-se em quarteirões distintos, entrecortadas pelos cruzamentos das ruas, como

o eixo Jouffroy - Panorama - Verdeau. Para Lemoine, é importante, na definição das

passagens, ir além do sentido topográfico evidente. Assim, ela é mais que uma

pequena rua interditada aos veículos, geralmente coberta e unindo duas artérias. A

própria referência à rua é inapropriada pois está sedimentada a uma outra conotação

cultural. A passagem coberta também deve ser distinguida da passagem a céu aberto

e da galeria118. A arquitetura particular servia para valorizar nichos urbanos e elas

favoreciam o desenvolvimento do comércio119. Em geral é coberta por uma abóbada. A

passagem coberta significa a procura de um processo de densificaçlo do coração de

uma área construída. O seu sucesso corresponde à ascensão de uma classe social, a

burguesia capitalista, industrial e comercial, e também ao apetite desta classe pela

novidade, sobre a qual ela funda o seu dinamismo120. Construídas nas proximidades

dos bulevares interiores, as passagens parisienses tem como referência inicial o

"loteamento" do Ralais Royal, abrindo-se lojas junto às arcadas e voltadas ao jardim.

Na suas referências históricas, a passagem cita o extenso local

*r»«!*t*> âti4ShtaS^^

sacras. Além das passagens nobres e sacras, muitas com arcadas, havia também

galerias em praças de comércio. Um exemplo do século XVIII (1770), em Múnster,

Vestefália, é a galeria das arcadas, isto é, o mercado central. Na Idade Média eram a

parte do edifício, palácio, museu ou mansão, onde se colocavam quadros famosos,

71

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Proc-

retratos de família e esculturas. Nas catedrais góticas designa o corredor longo com

abertura na parte superior. O primeiro sentido aparece no marketing dos apartamentos

de luxo hoje. Na Franca não se pode esquecer da "Galeria dos espelhos", do palácio de

Versalhes, construída por Hardouin-Mansart (1678-1684) e decorada por Lê Brun, com

74 m de comprimento, iluminada por 17 grandes janelas abertas para os jardins,

situados em frente a 17 falsas arcadas guarnecidas de espelhos.

A passagem surgiu como uma criação de Paris e se impôs em

uma época na qual a cidade afirmava-se como centro político e cultural da Europa121.

O seu desenvolvimento foi efémero, dentro de um período de 60 anos, desde a

Passage Feydeau (1791) à Passage dês Princes (1860). Oitenta por cento foram

construídas entre 1822 e 1848. Esta grande época corresponde à Restauração e à

Monarquia de Julho.

Algumas passagens parisienses e a sua inauguração

PassagemPalais-RoyalCairoPanoramasDelormeOperaVivienneChoiseulColbertVéro-DodatOrleans

Ano de inauguração1784179918081808182318251825182618261829

Na sua época foram salões elegantes e de fantasia. Segundo

Bertrand Lemoine, as passagens representaram a combinação da concentração

comercial, do urbanismo de bairros novos e mais frequentemente dos bairros antigos

recuperados e de uma nova sociabilidade. Ao final do século XVIII, as grandes lojas já

procuravam oferecer aos seus clientes o charme e o conforto dos "salões" da

aristocracia. Em uma segunda etapa, as lojas foram reunidas em um espaço protegido,

isolado da circulação e das intempéries. A galeria de madeira do Palais Royal

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naugurou este género novo. Para Lemoine, do ponto de vista do urbanismo, a

)assagem insinua no tecido "duro" da aglomeração de casas e de ruas um novo

:ircuito "doce" que foge tanto da visão aérea, quanto do público que se desloca de um

ado a outro. É uma cidade dentro da cidade dando ao usuário o prazer intenso de

Denetrar em um "espaço meio fechado, de violar um segredo, de descobrir a caverna

de Ali Babá sob os clarões feéricos dos candeeiros a gás"122.

Na sua origem, a passagem foi uma especulação imobiliáha

associada à indústria e ao capitalismo florescentes. A passagem está envolvida pelo

movimento de especulação por terras, pela explosão da construção civil e pelo

desenvolvimento do comércio123. A lógica de localização das passagens parisienses

acompanha o deslocamento do centro comercial e aproveita-se das terras disponíveis.

Este movimento traduzia o giro para o oeste, perceptível na cidade desde o princípio

do século. As passagens aproveitaram-se, também, da situação caótica que as ruas,

então, apresentavam, sujeitas ao escoamento das águas servidas não canalizadas e a

perigosa circulação dos coches concorrendo com o movimento cada vez maior da

multidão. Embora já tivesse havido uma tentativa de sistematização de calcadas, elas

só foram comuns a partir da Restauração. Somente após 1838, ruas com fisionomia

moderna, com calcadas formais e canais laterais, além da pavimentação, foram

estabelecidas.

A primeira iniciativa, especulativa, partiu de um primo de Luís

XVI, Filipe cfóríeans, o Duque de Chartres, futuro "Filipe-Egalité", o qual loteou o

jardim de seu palácio o Ralais Royal para obter rendas com o comércio. Ele

mandou construir nos jardins do palácio as arcadas de pedra (1781-1784), formando a

galeria do Palais Royal. As lojas foram postas à venda e se tornaram um epicentro de

Paris. Este sucesso fez com que, pouco depois, fosse construída no jardim uma galeria

de madeira124. Dessa experiência bem sucedida, seguiram-se aplicações por homens

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[RCbr. s-fJe negócios, de forma a criar outras passagens ou galerias. Outras galeriais r ~3

&-i_ii "f\—l2spelharam-se nesta.

LSA proliferação das passagens e o sucesso que tiveram entre

1823 e 1831, época da maioria das aberturas, deslocou o centro de atividades até

então localizado junto às galerias do Ralais - Royal125. De fato, as passagens

arruinaram o Ralais Royal.

A maioria das passagens foi construída sobre terrenos de

mansões ou de conventos confiscados. Elas representavam, assim, uma certa

dessacralização da sociedade. Com a Revolução Francesa propriedades eclesiásticas,

mansões de nobres e de imigrantes foram nacionalizadas (1789). Postos no mercado

esses confiscos foram comprados principalmente por burgueses e utilizados de modo

a gerar riquezas com a mercantilização. A Universalis cita como exemplo a passagem

de Feydeau que está em parte na terra do convento das Servas de Saint-Thomas; a

passagem do Cairo no convento das Servas de Deus; a passagem de Panoramas,

construída nos jardins da mansão de Montmorency-Luxemburg; a galeria Saint-

Honoré está no local do tribunal da igreja do convento dos Capuchinhos; as duas

galerias paralelas da passagem da Ópera está na área dos jardins da mansão de

Morei de Vinde. Tais terras eram tão vastas que era necessário traçar ruas: "foram

cobertas e interditas às viaturas para responder às necessidades de vias calmas e

próprias onde os fregueses pudessem admirar as lojas sem riscos de serem

enlameados ou mesmo derrubados"™,

O princípio das arcadas do Ralais Royal prefigura

particularmente as passagens, como a da Rua das Columns (1798) e a Passage

Feydeau (1791). A cobertura as protegia da chuva e do sol127. A cobertura vítrea

chamou a atenção para as passagens, mas nota-se que elas nem sempre tiveram a

mesma cobertura. De início, a luz que garantia o aspecto fantasmagórico de espaço

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Rubi

interior - rua vinha a partir de aberturas vítreas no telhado. Posteriormente a

passagem cobriu-se por inteiro com um telhado de vidro. No seu primeiro modelo, o [jp-

telhado de duas águas tinha como apoio uma estrutura metálica. Na segunda fase toda

a armação da passagem será metálica, tomado-se um todo arquitetônico coerente.

A grande novidade das galerias é que, pela primeira vez, deu-

se a oportunidade para que a burguesia consumisse objetos de luxo, privilégio que até

então era dos habitues da Corte. Associava-se, então, o aumento dos rendimentos da

indústria nascente e o comércio de "luxo em série". Juntava-se à mercantilização, a

possibilidade de distração. Com a Restauração e o Segundo Império, as passagens,

outrora vistas com deslumbramento, revelaram-se muito modestas diante do porte dos

novos bairros que estavam sendo loteados. Elas pareceram ainda mais arcaicas,

medievais no sentido da crítica modernista, sobre o Segundo Império, pois com

Haussmann não eram mais bairros isolados que se transformavam, mas a cidade como

um todo. Com Haussmann, a passagem revela-se como relíquia e como fragmento

diante das reformas. A indústria do vidro e do ferro fizeram com que sua arquitetura

evoluísse. Desta forma, com o tempo tornaram-se maiores, mais luminosas e mais

arejadas128.

As passagens, no seu período áureo, não continham todas o

mesmo tipo de empreendimentos comerciais. As passagens de luxo, como a Opera e a

Vivienne, continham comércio de artigos de seda, novidades, guarda-chuvas, gravatas,

brinquedos, delicatessen, perfumes, relojoaria, ourives, entre outros, além de

restaurantes, teatros, cafés, banhos, hotéis, panoramas. Atraíam um público rico,

parisiense e do exterior. Outras passagens tinham um comércio mais popular, como a

do Cairo, com atividades pré-industriais, lingeries e produtos baratos. No princípio do

século XIX, o comércio de luxo parisiense concentrava-se nas passagens do Palais

Royal (galeria coberta, de madeira, construída em 1784, junto ao jardim do palácio,

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'

:om comércio de moda, livrarias, cafés, espetáculos; foi destruída em 1828).

'aralelamente, as passagens da rue Saint Dennis tinham um caráter mais popular.

O desenvolvimento comercial, com novas formas (como as lojas

te departamento), bem como a "haussmanização" da cidade, dando uma nova

:oncepção de espaço urbano, tornaram as passagens menos importantes,

aracterizando o declínio no começo do século XX. Na nova espacialidade, a

concentração perde o terreno para a difusão, condenando nesse sentido as passagens.