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ISSN: ESTUDOS DO INSTITUTO SUPERIOR DE CONTABILIDADE E ADMINISTRAÇÃO 1998

Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

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ISSN:

ESTUDOS DO

INSTITUTO SUPERIOR DE CONTABILIDADE E ADMINISTRAÇÃO

1998

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Estudos do I.S.C.A.A II Série • N° 3 e 4 • 1997/98 Revista de Publicação Anual

Direcção: Joaquim José da Cunha

Coordenação: José Fernandes de Sousa Virginia Maria Granate Costa e Sousa

Conselho Consultivo: Professores Coordenadores das Áreas Científicas do I.S.C.A.A.

Edição e Propriedade: Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Aveiro

Apoio Administrativo e Assinaturas: Biblioteca do I.S.C.A.A. R. Associação Humanitária dos Bombeiros Velhos de Aveiro Apartado 58 - 3811/953 - Aveiro Tel.: (034) 381977 - 381911; Fax: (034) 28975

Preço: 1.500$00

ISSN: 0873-2019

Depósito legal n°: 922 54/95 Capa: Design. Francisco Espindola Trat. de texto: apoio técnico de Maximina Gonçalves Marieiro Impressão: Tipografia Minerva Central, Lda./1998

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Estatuto Editorial

1. Carácter da Revista 1.1. A Revista Estudos do I.S.C.A.A. será publicada anualmente, preven-

do-se a sua distribuição para o mês de Outubro.

1.2. Objectivos

1.2.1. Reforçar a identidade do I.S.C.A.A. no espaço técnico, científico e cultural das Escolas de Ensino Superior.

1.2.2. Criar um espaço de reflexão interdisciplinar de acordo com as exigências de uma abordagem científica da complexa realidade empresarial e seus enquadramentos.

1.2.3. Dinamizar a análise crítica de experiências concretas no interior das empresas com base na observação, em estudos empíricos e em dados estatísticos.

1.2.4. Acompanhar, na medida do possível, os resultados da pesquisa e da reflexão científica no interior da Escola - e, quanto possível, no país e no estrangeiro - nos domínios relevantes para a actualização dos profissionais diplomados e formados no I.S.C.A.A..

1.2.5. Promover a criação de um Centro do Património Contabilístico Português que permita enraizar as soluções criativas para os desafios actuais na tradição técnico-científica e cultural dos estudiosos portugueses da Contabilidade e conexas Ciências empresariais.

2. Colaboradores

2.1. A Revista Estudos está aberta a todos os estudiosos e profissionais dispostos a reflectir sobre quaisquer questões e experiências que reforcem os valores humanos, aprofundem conhecimentos e promovam a eficácia no desempenho das múltiplas tarefas exigidas ao profissional saído do I.S.C.A.A., sem discriminação de paradigmas teóricos ou de correntes de pensamento.

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2.2. Os colaboradores naturais da Revista Estudos do I.S.C.A.A. são os Docentes da Escola e seus diplomados, cujas páginas se podem constituir em espaço privilegiado de divulgação dos seus trabalhos académicos, após adaptação ao seu modelo editorial.

2.3. Não sendo uma revista para consagrados, acolherá, com gosto, trabalhos de personalidades com prestígio no mundo da contabilidade e vizinhos domínios científicos - podendo mesmo solicitar a sua colaboração.

2.4. Toda a colaboração não solicitada deverá ser acompanhada de uma síntese do curriculum vitae.

2.5. A colaboração dá direito a seis exemplares da Revista Estudos do I.S.C.A.A., podendo o autor solicitar algumas separatas, sem qualquer encargo adicional para a Revista, cujo número não poderá ultrapassar 10% da edição.

3. Responsabilidade dos artigos

3.1. Os textos publicados são da total responsabilidade dos seus autores.

3.2. A Revista não se responsabiliza pela devolução do material enviado para publicação.

4. Reprodução dos artigos

4.1. A reprodução integral ou parcial dos textos publicados fica dependente de autorização da Revista, sendo sempre exigida a indicação da origem.

4.2. Esta limitação não abrange a pequena citação indispensável ao comentário crítico.

4.3. Os autores dos trabalhos não abdicam do natural direito de propriedade em relação aos mesmos, mas a sua publicação pela Revista dispensa esta de lhes solicitar autorização para satisafazer os pedidos abrangidos pelo n°. 4.1. deste Estatuto.

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APRESENTAÇÃO

Esta publicação corresponde ao n° 3/4 da II série da Revista Estudos do ISCAA.

A consecução dos objectivos editoriais que nos propusemos alcançar não tem sido facilitada pelos acrescidos compromissos cientifico-pedagógicos que a dinâmica funcional da Escola tem exigido dos seus docentes. Contudo, incluímos na presente edição dois artigos que derivam directamente de provas académicas: "EXTENSÕES DE UM ANEL. CORPO DE QUOCIENTES Q", construído a partir da pesquisa efectuada para o concurso de provas públicas para Professores Adjuntos de Matemática, e " CONTRIBUTOS PARA A TESE DA CONTABILIDADE-CIÊNCIA", intimamente ligado a um "Trabalho de fim de Curso", realizado no âmbito do Curso de Estudos Superiores Especializados em Auditoria.

"O ESTADO Novo EA CONTABILIDADE" conduz-nos ao interior de um Projecto, centrado no "mundo da contabilidade", cujo desenvolvimento impõe uma perspectiva diacrónica mais ampla e uma abordagem global dessa tripla realidade mutante, que é a Contabilidade, o seu ensino e o multifacetado comportamento social dos seus profissionais, no interior do processo histórico português.

O acolhimento dado aos artigos do Professor A. Lopes de Sá, bem nosso conhecido, que do Brasil nos brinda com uma reflexão sobre o "VALOR SOCIAL DA CONTABILIDADE SOB UMA ÓTICA DE HARMONIA PARA A GLOBALIZAÇÃO", e do Professor Pantelis F. Kyrmizoglov, PARTICULARITIES OF THE GREEK BANKING SYSTEM (G.B.S.), que evoca as singularidades do sistema bancário na Grécia, reflecte uma atitude cultural que recusa o isolamento e promove a inserção das preocupações científicas da Escola no intercâmbio planetário - de problemáticas, métodos, técnicas e resultados - , indispensável ao avanço do conhecimento.

Esta revista continua aberta a todos os esforços científicos em torno da Contabilidade, sem distinção de quadrantes ideológicos ou de

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Escolas de pensamento, seja qual fôr o espaço onde a inteligência contabilística prossiga os tentames de inúmeros avoengos, tais como Luca Pacioli, Ricardo de Sá ou Lopes Amorim.

Se "Estudos do ISCAA" não pretende afirmar-se como revista de Escola, não pode olvidar que nasceu, essencialmente, para ser uma revista da Escola.

J.F.S.

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V A L O R S O C I A L D A C O N T A B I L I D A D E S O B U M A O T I C A

DE HARMONIA PARA A GLOBALIZAÇÃO

ANTONIO LOPES DE SA Professor Catedrático, Reitor do Centro de Estudos Superiores de Contabilidade do Conselho Regional de Contabilidade de Minas Gerais - Brasil. Membro correspondente da Académie des Sciences Commmerciales, de Paris, no Brasil

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SUMÁRIO

• RESUMO • PRESSÕES SOCIAIS E DESARMONIA INFORMATIVA NA

CONTABILIDADE • VALOR DA CIÊNCIA E DA INTELECTUALIDADE CONTÁBIL NOS

ESFORÇOS NORMATIVOS • ESPAÇOS DE INFORMAÇÃO E CONTABILIDADE • CONCLUSÕES • BIBLIOGRAFIA

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RESUMO

A Globalização harmónica da informação depende de uma globalização harmónica de conceitos científicos.

A harmonização demonstrativa, pois, em Contabilidade depende daquela conceptual.

Necessário se faz uma forma racional de observação e entendimento dos fenómenos da riqueza nas células sociais para que se encontrem os verdadeiros conceitos, de modo a facilitar o entendimento sobre tudo o que ocorre nas entidades.

É preciso o apoio de uma vigorosa doutrina, erguida, sobre teorias confiáveis para que se oriente como evidenciar os fatos ocorridos com o capital das empresas.

Só a ciência pode guiar tais entendimentos, sendo ela a porta única para que a informação seja verdadeira.

Como a tendência mundial parece ser a da dilatação das áreas de mercado, a sociedade tende para uma sociedade global, exigindo que a validade das demonstrações contábeis seja compreendida da mesma forma em todas as partes.

Como a ciência é um conhecimento do universal ela é, também, o veículo natural para sustentar informes contábeis universais.

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PRESSÕES SOCIAIS E DESARMONIA INFORMATIVA NA CONTABILIDADE

A importante empresa EDP - Eletricidade de Portugal, em recente balanço publicado, apresentou lucros de 66,268 milhões de contos, segundo as Normas de Contabilidade daquele País.

Nos Estados Unidos, o mesmo balanço, dessa mesma empresa, apresentou lucros de 110,684 milhões de contos.

Isto foi o que a imprensa portuguesa fez editar com destaque, em fins de Abril de 1997.

O lucro daquela empresa, segundo as normas estadunidenses, quase dobrou.

Tal discrepância já havia sido percebida antes, no caso da Daimler-Benz, no balanço do primeiro semestre de 1993 e que apresentou nos Estados Unidos uma perda líquida de 949 milhões de marcos e na Alemanha um lucro de 168 milhões de marcos, segundo o que publicou a FEE - Federação Europeia de Contadores, em trabalho de Chris Nobes, Jens Reoder e Saskia Slomp, sob o titulo "Are Consolidated accounts the route to harmonisations?".

Um profundo estudioso da matéria, o Prof. José Antonio Lainez Gadea, da Universidade de Saragoça, já havia denunciado essa discrepância expressiva de tratamento das normas em suas palestras, especialmente nas que realizou no Brasil em 1993, nos encontros Iberoamericanos em Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro.

No mesmo ano de 1993, editado pelo ICAC - Instituto de Contabilidad y Auditoria de Cuentas, do Ministério de Economia e Fazenda da Espanha, o Dr. Lainez Gadea denunciou amplamente essa falta de harmonia das normas e a debilidade delas diante das necessidades sociais e económicas das diversas Nações.

Ninguém hoje coloca em dúvida que existem Normas Europeias, Normas Estadunidenses, Normas Brasileiras, Normas Argentinas etc. etc. em desencontros expressivos.

Critérios alternativos empregados já haviam levado o Senado dos Estados Unidos a requerer mudanças de comportamentos e a desacreditar nos trabalhos contábeis naquela Nação (publicação do

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Senado sob o título The Accounting Establishement, editado em 1976).

Ilustres professores universitários protestaram conta a debilidade e a falsidade das normas empregadas nos Estados Unidos dentre eles Abraham Briloff (obras diversas, bastando referirmo-nos a More Debt than Credits, editora Harper & Row, Nova York, 1976), Taylor e Turley (The Regulation of Accounting, edição Basil Blackwell, Nova York, 1986). Robert N. Anthony (trabalho We don't have the accounting concepts we need), Hendriksen e Van Breda (Accounting Theory, 5a edição, editora Irwin, Homewood, 1992), etc. etc.

Essas singelas citações, de nomes expressivos, da cultura estadunidense, mostra-nos que a questão não está em um modelo do País, mas, dos que se dizem representantes da cultura contábil no País, através das associações de classe, tal como denunciou o senado norte americano.

Logo, devemos falar de Normas dos Institutos ou Associações dos Estados Unidos mas que não representam o pensamento de muitos dos insignes intelectuais da Contabilidade daquela Nação.

São essas normas que foram acusadas de falsas ou pejorativamente de "criativas" pelo Poder Legislativo, evidenciando que tais instituições produziram as regulações contábeis ao sabor dos interesses dos grupos dominantes sem preocupação com a verdade.

Seria, pois, leviano e enganoso alegar que há uma escola intelectual que governa tais Normas, sendo preferível reconhecer, como denuncia o Senado, que existem interesses poderosos em jogo que se utilizam da Contabilidade para adulterar as demonstrações dos fatos (assim consta do relatório ao qual nos referimos).

Além desses interesses e que representam a força do poder económico deturpando a Contabilidade, existe também aqueles do Estado e que através de regulações contábeis deformam os balanços e resultados para auferir maiores arrecadações tributárias ou para ceder, em alguns casos, privilégios a grupos favorecidos pelo Poder.

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Encontramos essas realidades em diversos países, chegando-se, por exemplo, no Brasil ao absurdo de se considerar, a um só tempo, regimes contábeis absolutamente opostos.

A Espanha, por exemplo, entretanto, conseguiu libertar-se do regime fiscal para fins da informação contábil que deve ser publicada para servir a terceiros.

Naquele País hoje buscam-se normalizações cada vez mais aperfeiçoadas através da intervenção de muitos intelectuais de valor arregimentados pela AECA e pelo ICAC, especialmente.

Na maior parte dos países que pesquisamos, entretanto, forte é ainda a ação do Estado, no sentido de resolver seus problemas de Caixa, realizando, para tanto, adulterações da realidade, através de artifícios contábeis compulsórios para conseguir maiores resultados em suas arrecadações.

Sofre, pois, a informação contábil a dupla pressão social - do Estado e de Grupos Económicos.

De acordo com essas influências, transmitidas a diversas entidades de classe, procura-se dar um cunho de verdade ao que de fato está fora da realidade, utilizando-se tais forças sociais, da Contabilidade, para produzir os efeitos que cada uma deseja dentro de suas próprias conveniências.

Nesse mar tormentoso navega a Normalização Contábil de nossos dias, sendo natural que as deformações ocorram ao sabor de cada região e onde as referidas influências mais se fazem destacar.

Inequívoco se torna, pois, diante dessa realidade atual de desarmonia que necessário se faz encontrar um caminho único, comprometido apenas com a fidelidade, com a sinceridade da informação sobre a riqueza das entidades e que deve emergir de harmonias conceptuais que sejam aceitas e reconhecidas pela globalidade das sociedades humanas onde tais informes são requeridos.

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VALOR DA CIÊNCIA E DA INTELECTUALIDADE CONTÁBIL NOS ESFORÇOS NORMATIVOS

O caminho para uma harmonia das regulações da Contabilidade só pode ser encontrado através de poderosos marcos conceptuais, tal como da doutrina científica, pois, só estes possuem o poder da universalidade.

Um elenco de Princípios lastrados em bases doutrinárias, será sempre competente para ensejar normas igualmente competentes

Nenhum ramo do saber humano adquire consistência se não está fundamentado em uma filosofia, ou seja, em diretrizes do «conhecimento sobre o conhecimento».

Os conceitos nascem sob tal orientação, ou seja, no encontro de uma expressão competente para significar uma série de raciocínios que se derivaram de percepções sobre acontecimentos.

Se não é possível dar-se a uma palavra um sentido inequívoco que deve ter; ela poderá servir para muitos fins, sendo, portanto, débil e motivadora de enganos.

De nada vale normalizar sobre avaliação se não definimos perfeitamente o que seja valor e nem utilizar essa expressão se não estabelecemos raciocínios inequívocos sobre o que deve representar.

Só o método científico pode oferecer tais condições. Antes que se estabeleçam regulações é preciso situar nosso

conhecimento dentro do que ele mesmo deve representar e o que com ele desejamos, assim como a que se aplica.

Nesse sentido, no Brasil, o Conselho Federal de Contabilidade, através da Resolução de número 774, de 1995, traçou conceitos básicos e apresentou os alicerces de todo o conhecimento contábil.

Não conhecemos outra, instituição que tivesse tido tal cuidado ; em verdade, as Normas, em nosso campo, surgiram do emprirismo, do hábito de fazer; da prática de grupos, do interesse em se fazer desta ou daquela forma, sem maiores compromissos com a ciência.

Insistiu-se, inclusive, em desconsiderar a Contabilidade como ciência, pois, se assim fosse aceita estaria ela seriamente

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comprometida com a verdade e esta não interessava a alguns que produziam as normas referidas ao sabor de suas conveniências.

Na atualidade é evidente o grande valor da intelectualidade contábil em todas as partes do mundo e avançada já vai a pesquisa em nosso território, como, recentemente descreveu em importante trabalho, publicado em Hong Kong, o emérito professor triestino Richard Mattessich.

A força cultural de nosso ramo é expressiva e nossa organização social muito definida e forte.

A sociedade depende dos Contadores, como estes cada vez mais se conscientizam do seu papel social.

Não há, pois, razão para temer sobre o futuro de tal conhecimento e nem para deixar de congregar essa força no sentido de que, através da ciência, seja possível encontrar-se o caminho da harmonia das normas, pois, repito, o científico se fundamenta na universalidade.

ESPAÇOS DE INFORMAÇÃO E CONTABILIDADE

Os espaços sociais e económicos, ampliados pela dilatação dos mercados, com a constituição de autênticas unidades comerciais entre Nações, exige das demonstrações contábeis a qualidade de serem estas entendidas em todos os lugares da mesma forma.

Uma linguagem contábil uniforme passa a ser requerida nos espaços que pretendem, também, a uniformidade no trato e na compreensão dos fatos ocorridos com a riqueza.

Se existem interesses comuns, se o pretendido é que tudo se considere como se uma só Nação fosse, em termos económicos, necessário se faz que a linguagem da riqueza também se uniformize, ou seja, a Contabilidade precisa ser ampla e geralmente entendida por todos, dentro dos mesmos Princípios e Regulações.

Mas não apenas entendida, como, também, confiavelmente transmitida a todos.

A informação por si só nada vale se não corresponde à realidade.

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Em matéria de fenómenos da riqueza das entidades não se pode falar em diversidade de tratamento, pois, se assim fosse não haveria esperanças para uma harmonização contábil.

Cada espaço pode ter sua peculiaridade, mas, é axiomático que os fenómenos empresariais são uniformes em suas naturezas, ainda que não o sejam em valor e em outros aspectos.

Uma compra será sempre uma compra, quer na França, quer no Brasil ; um financiaamento será sempre um financiamento, quer no México, quer na Alemanha; uma despesa será sempre uma despesa quer na Itália, quer em Portugal.

Seria utópico admitir-se, todavia, que, de imediato, todos os costumes e legislações desses espaços se adaptassem à unidade de mercados globalizados.

O que cada povo cria como defesa de sua nacionalidade, como garantia de sua terra, também cria como raízes, e, estas dificilmente se extirpam.

A própria Comunidade Europeia, com sua já consagrada experiência, ao estabelecer suas diretrizes gerais, deixou margens a flexibilidade e só dentro de mais alguns anos terá sua medida monetária uniformizada.

Entendo, entretanto, que na medida em que a difusão das doutrinas contábeis, das teorias mais avançadas se operarem, com mudanças no ensino universitário contábil para mais forte natureza científica, as divergências tenderão a se dissolver.

A globalização é uma visão demasiadamente ampla para que o imediatismo se opere logo.

Só uma universalidade conceptual poderá resolver o problema da universalização de entendimentos ou seja, enquanto não ocorrer o domínio da ciência não ocorrerá o domínio da verdade, na fidelidade dos informes contábeis, nos diversos espaços.

Os registros, as demonstrações, são apenas memórias organizadas de acontecimentos, devendo seguir, na sua forma, o que lhes dita a essência, ou seja, não é útil evidenciar o que não tem base em uma orientação para a verdade.

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Entretanto, só mesmo o futuro, o progresso, à custa de muitas experiências amargas (como a evidenciada pelos inúmeros processos na Justiça contra os erros de informação e que hoje somam bilhões de dólares), poderá conduzir a uma consciência global de adesão completa aos domínios da ciência.

O pragmatismo ainda tem sua influência, especialmente entre os que se acomodam em experiências particulares de determinados espaços, sem a preocupação da indagação sob a ótica do universal, sem preocupação com a ciência.

Tão poderoso é o valor do informe contábil que ele continuará a ser disputado como propriedade de grupos, tal como tem ocorrido em qualquer área onde o Poder é instrumento de satisfação de minorias.

Diante de tal fim, muitos intelectuais continuarão marginali­zados no processo e, enquanto isto prevalecer, prevalecerá, também a deformação sobre a realidade dos fenómenos da riqueza nas entidades.

O tempo, todavia, especialmente o domínio do maior acesso à informação pelos meios da Telemática, da Informática, incumbir-se-á de transformar esse quadro.

O que na atualidade tanto mal causa e que faz conflitantes os dados contábeis entre os espaços sociais e conómicos e nestes entre o que é divulgado e o que é utilizado para fins administrativos internos das empresas, haverá de terminar.

A plena utilidade social da Contabilidade dependerá sempre da plenitude da verdade que ela venha a defender, ou seja, de seu exercício científico perante a humanidade e em qualquer espaço onde seja exercida.

CONCLUSÕES

A globalização da informação contábil dependerá sempre de uma sustentação doutrinária científica que garanta em todas as partes um teor universal de entendimentos.

Enquanto as Normas se produzirem ao sabor de consensos apenas, sem apoio em arcabouço teórico, continuarão a falhar e a provocarem desarmonias de tratamentos.

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A Contabilidade perderá, na desarmonia, o seu poder de servir a sociedade e de ser acreditada como conhecimento útil

Básica, portanto, é a universalidade dos científicos na sustentação de regulações que venham a ser válidas em todos os espaços e em todos os tempos.

Para que tal fim seja alcançado é preciso introduzir mudanças no ensino universitário, unir as forças da classe contábil e também arregimentar as intelectualidades notórias, sem influências de grupos de interesses secundários.

A imagem fiel dos fenómenos da riqueza deve ser a preocupação fundamental e esta deve emergir de metodologias científicas da Contabilidade.

Enquanto prelavecer o empirismo também prevalecerá o risco da infidelidade informativa.

A intelectualidade contábil precisa estar arregimentada com seriedade e livre de influências políticas, tendo por base, apenas, o valor do saber e por objectivo único servir a sociedade através de informações confiáveis e da explicação destas como fator orientador das riquezas na satisfação das necessidades lícitas humanas.

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CONTRIBUTOS PARA A TESE CONTABILIDADE- CIÊNCIA

GILBERTO DE CARVALHO FERNANDES Licenciado em Auditoria Contabilística

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SUMÁRIO

• INTRODUÇÃO • CAPÍTULO I - NOÇÃO CIÊNCIA TÉCNICA E ARTE • CAPÍTULO II - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CONTABEJDADE-

-CJÊNCIA • CAPÍTULO III - CONSIDERAÇÕES ACERCA DA NATUREZA E DAS

DIVISÕES DA CONTABILIDADE • CAPÍTULO IV - A PREVISÃO NO CONHECIMENTO CONTABILÍSTICO • CAPÍTULO V - CONCLUSÕES FINAIS • ANEXOS • BIBLIOGRAFIA

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INTRODUÇÃO

Este trabalho resulta da compilação e reestruturação da dissertação exigida ao autor para a conclusão da sua licenciatura em Auditoria Contabilística, ministrada pelo Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Aveiro.

A escolha do tema "Contributos para a Tese da Contabilidadt--Ciência", entre os inúmeros possíveis, surge como tentativa, fundamentada e sistematizada, de oposição e contestação à "teoria do reducionismo" da Contabilidade a mero conjunto de técnicas, por um lado, e, portanto, à afirmação da Contabilidade como disciplina científica, por outro.

Em suma, os argumentos invocados pelos defensores dessa teoria resumem-se à presunção de excessivas doses de subjectividade incorporadas no processo contabilístico, negando-lhe, assim, qualquer possibilidade deste se assumir científico e, portanto, não admitindo, como "verdadeira e apropriada" a imagem que é (deve ser) inscrita nas Demonstrações Financeiras.

Assim, no primeiro capítulo, apresentam-se algumas definições, tais como: ciência, método científico, técnica e arte, e outras que, obviamente, servirão de linha de orientação e de delimitação desta exposição.

No segundo capítulo invoca-se, ainda que sucintamente, a evolução da Contabilidade, desde os tempos em que se resumia à escrituração, até aos nossos dias, ou seja, até à afirmação da Contabilidade-Ciência.

Envereda-se, depois, pela análise crítica comparativa das posições (definições e outras considerações) de vários autores, chegando-se à conclusão que a maioria defende a Contabilidade como disciplina científica, de natureza predominantemente económica.

Na posse de definições apresentadas, parte-se para a afirmação da Contabilidade como disciplina científica autónoma, com objecto formal definido e delimitado e com método científico próprio; verificando-se que obedece aos requisitos do conhecimento científico. O método contabilístico (científico) é analisado pormenorizadamente.

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No terceiro capítulo aborda-se, com maior profundidade, a temática da natureza da Contabilidade. Parte-se, em seguida, para a tentativa de apresentação e explicação das divisões da Contabilidade. O estudo recai com especial incidência no campo de actuação da Contabilidade da Empresa. Apresenta-se, por fim, um exemplo (académico) tendente à consolidação de conhecimentos e à compreensão da articulação e relacionamento entre os vários ramos da Contabilidade da Empresa.

Receando não termos ressaltado anteriormente, com o relevo que merece, a problemática da previsão do conhecimento contabilístico, optou-se por, no quarto capítulo, apresentar, numa primeira parte, alguns exemplos de perspicácia contabilística na interpretação das Demonstrações Financeiras. Abordou-se, depois, necessariamente, a problemática das leis e previsões contabilísticas. Comprovou-se que a sua admissão é um passo significativo e decisivo para a afirmação da Contabilidade-Ciência.

Por último, o quinto capítulo fica reservado para as conclusões finais do trabalho.

Não se pretende, nem tal seria possível, rotular este trabalho de definitivo, acabado ou indiscutível. É nosso ensejo proporcionar subsídios para o aprofundamento de uma temática cujo interesse julgamos ser decisivo para a afirmação do prestígio da Profissão Contabilística.

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CAPÍTULO I

NOÇÃO DE CIÊNCIA, TÉCNICA E ARTE

1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

Apesar de o objectivo fulcral deste trabalho não constituir o estudo da historial, da metodologia e da epistemologia, quer da ciência, no geral, quer da Contabilidade, em particular, tentámos a utilização da terminologia adequada e rigorosa que o tema exige.

Consequentemente, excluiu-se deste estudo a história da ciência, ou seja, a evolução do conhecimento científico, desde a coexistência pacífica da "ciência" e da teologia, passando pela ruptura e autonomização de ambas, até à afirmação da ciência moderna. Será apenas esta última o objecto do nosso estudo.

Não será dada qualquer relevância à questão do "sujeito" como interveniente e elemento imprescindível para a produção de conhecimentos, uma vez que o que está em causa neste trabalho não é, jamais, a qualificação do Contabilista, Auditor e, ou, ROC (o(s) sujeito(s) do processo contabilístico), mas o próprio processo de tratamento da informação histórica ou previsional; logo o método contabilístico.

A matéria explanada neste capítulo servirá apenas de base para o estudo e análise, nos capítulos seguintes, da obediência dos requisitos do conhecimento contabilístico às características do conhecimento científico, com o intuito de lhe atribuir ou destituir carácter científico e, no primeiro caso, afirmar a Contabilidade como ciência, ou, ao invés, reduzi-la a um mero conjunto de técnicas.

Existem várias obras importantes sobre esta temática. Ousamos propor, entre outros, COLLINGWOOD (1986).

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2. NOÇÃO DE CIÊNCIA

De entre as inúmeras definições de ciência seleccionámos algumas, no intuito de obtermos uma outra, também imperfeita e inacabada, mas abrangendo os elementos caracterizadores imprescindíveis.

Recorrendo a um dicionário que nos define ciência como um "conjunto organizado de conhecimentos relativos a certas categorias de factos ou fenómenos"?- ou ainda a um dicionário de filosofia que a define como: "conjunto de conhecimentos e de pesquisas metódicas cujo fim é a descoberta das leis dos fenómenos"-1, somos conduzidos às seguintes conclusões:

A ideia de "conjunto organizado de conhecimentos" ou "conjunto de conhecimentos e pesquisas metódicas" é comum a ambas as definições e, em termos semânticos, uma análise extensiva conduzir-nos-ia a significações semelhantes.

Também o objecto de estudo: certas categorias de "fenómenos" ou de "factos" está patente em ambas as definições. Contudo, o acréscimo à primeira definição reside na existência de um fim que é "a descoberta das leis dos fenómenos".

Consequentemente, podemos, muito rudimentarmente, definir ciência como sendo o conjunto sistematizado de conhecimentos de factos e, ou, de fenómenos que permitem estabelecer leis. Assim, suscita-se, desde já, uma questão: tratando-se de um conjunto organizado de conhecimentos, como se procedeu à aquisição dos mesmos e à sua organização?. Mais, não poderia o senso comum proceder à apreensão e organização da realidade observada, formando, por essa via, uma disciplina científica?.

1 Cf. Dicionário Enciclopédico Koogan-Larousse-Selecções, Volume I - Léxico Comum, 3a Edição, Lisboa, 1980. •* Cf. CUVILIER (1960). De realçar que apesar de a fonte ter sensivelmente quarenta anos, a definição apresentada continua actual. Vd., por exemplo, "Dicionário de Filosofia" de José Ferrater Mora, Publicações D. Quixote, Lisboa, 1991.

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A resposta a estas duas questões obriga-nos a efectuar a distinção entre objecto material e objecto formal. Sendo o senso comum e o conhecimento científico conjuntos de conhecimentos e podendo ambos observar os mesmos fenómenos, poderíamos concluir tratar-se de uma única forma de conhecimento.

De facto, se reduzirmos a realidade total a um simples fenómeno e o designarmos de objecto material, o objecto formal refere-se a um aspecto particular dessa totalidade. Melhor dizendo: o objecto formal é uma parcela do objecto material. Não será difícil deduzir, a partir daqui, que as várias perspectivas da realidade (os vários objectos formais) são os responsáveis pela criação das várias disciplinas científicas.

Por outras palavras: embora as várias disciplinas científicas tenham como objectivo comum o conhecimento da realidade, sabemos que não existe rigorosamente traçada uma "realidade biológica", uma " realidade física", uma "realidade económica", etc, distintas umas das outras. Existe, sim, a mesma "realidade", captada sob diferentes formas. Podemos, pois, adiantar que o elemento diferenciador das várias disciplinas é o próprio objecto.

Após estas considerações, cabe-nos reformular a questão inicial. Será possível um cidadão vulgar observar com o mesmo grau de rigor e objectividade um objecto observado por um investigador especializado?. A resposta encontra-se já embuída na exposição anterior e a questão serve-nos apenas para procedermos, em termos muito gerais, à diferenciação entre conhecimento do senso comum e conhecimento científico.

Para o efeito recorremos a VILHENA (1977, p. 46-60), que caracteriza o conhecimento do senso comum, ou espontâneo, como geral, superficial, diverso, fruto das experiências pessoais e contínuas vividas; ou seja, é empírico, com predomínio de elementos não intelectuais.

Relativamente ao conhecimento científico, o mesmo autor caracteriza-o como sistematizado, disciplinado, especializado, crítico, obtido pela persistência, metódico, pois assenta na clara consciência dos fins e dos meios para o atingir. Sinteticamente, podemos dizer que

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o conhecimento científico procura relações de causa-efeito, não se limitando à contemplação dos factos.

Do exposto, a principal diferença entre os dois tipos de conhecimento situa-se ao nível da objectividade e subjectividade. Quer isto dizer que o conhecimento do senso comum é, em princípio, subjectivo, na medida em que resulta de uma observação pessoal; o conhecimento científico tende, por seu turno, a eliminar essa subjectividade, embora nem sempre o cientista/investigador a consiga reduzir a níveis aceitáveis. E, a diferenciação opera-se, desde logo, no início da produção dos conhecimentos, isto é, na observação, pelo facto de o senso comum apenas captar a "aparência" da realidade, enquanto que o conhecimento científico vai mais além, em busca da "essência" dessa mesma realidade 4.

Vem assim a propósito a definição de THOMPSON: "A ciência é um sistema de conhecimento construído em bases de observação e experiência, e unificado pela reflexão sobre os dados que aquelas proporcionam. O conhecimento científico caracteriza-se tipicamente por poder ser verificado por qualquer investigador competente que registe as observações e as experiências anteriores e que racicione cautelosamente sobre os resultados obtidos. A ciência é conhecimento verificável, comunicável, impessoal e não-emotivo" $.

Retirando da definição acabada de referir algumas ideias, podemos sintetizar:

- A Ciência é sistema, o que faz transparecer a ideia de organização, de conjunto estruturado;

- Pressupõe a Ciência um sujeito que observa, que estuda, que verifica e um objecto que é observado e estudado;

Para um maior aprofundamento desta matéria indica-se a obra: Conhecer o Conhecimento, de Armando Castro (cf. CASTRO, 1989).

THOMPSON, J.A. "Ciência e Pensamento Moderno", in Panorama da Ciência Contemporânea, vol. I, Edições Cosmos, Lisboa, 1947, cit. por VILHENA (1977).

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- O conhecimento científico utiliza um método racional para a compreensão da realidade;

- O conhecimento científico pode ser verificado por qualquer investigador competente;

- A verificação opera-se através do método científico; - Por fim, a verificação faz ressaltar a ideia de necessidade de

controlo.

Contudo, parece-nos faltar na definição anterior um elemento deveras importante, que é a capacidade de previsão da ciência, o estabelecer de leis. Sabe-se que a generalização favorece a determinação e estabelecimento de leis, deixando para o conhecimento empírico os factos isolados. Da generalização metodicamente elaborada e verificada passar-se-á de factos observados à previsão rigorosa de outros.

Estamos, agora, aptos a intentar uma definição que nos acompanhará ao longo deste trabalho e que servirá de base a novas reflexões. Assim, Ciência é um sistema de conhecimentos metódicos e universalmente verificáveis, produzidos a partir da observação cuidada e rigorosa da realidade, sobre os quais se opera e exerce controlo no sentido de se descobrir as leis dos fenómenos, as quais proporcionam a generalização e consequentemente, a previsão 6 .

3. CARACTERÍSTICAS DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO

Embora tenhamos já referido as características do conhecimento científico, não o fizemos com a sistematização desejada. Assim, de modo sistematizado e servindo-nos da proposta de PINTO DA ROCHA e MAGALHÃES (1981), salientamos os seguintes traços caracterizadores:

6 Poderíamos invocar muitas outras definições, mais simples ou mais complexas, mas, estamos convictos que pouco conteúdo relevante seria acrescentado à acabada de apresentar.

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- Objectividade - A ciência procura afastar todo o elemento afectivo e subjectivo;

- Universalidade - Os resultados da ciência impõem-se por si, e não em função do gosto ou tendências pessoais; daí qualquer investigador competente poder verificar conhecimentos, anteriormente comprovados;

- Operatividade - Os resultados da ciência permitem a previsão, o que resulta da capacidade de generalização do conhecimento científico;

- Racionalidade - Partindo dos dados empíricos, o cientista vai fazendo sínteses cada vez mais vastas, até construir num sistema racional os conhecimentos científicos;

- Revisibilidade (ou Provisoriedade) - A verdade científica é, de certo modo, provisória, porque é susceptível de revisão e, ou, de aperfeiçoamentos;

- Carácter Dialéctico - A evolução da ciência opera-se pela ultrapassagem de limites impostos por diversos condicionalismos histórico-económico-sociais e até políticos, inerentes à produção de conhecimentos científicos 7;

- Carácter Aproximativo - Resultante da imperfeição (no sentido de inacabamento) do conhecimento científico, e de as suas verdades estarem indexadas a um sistema de axiomas anteriormente estabelecidos;

- Autonomia Relativa - Porque apesar de a ciência ter o seu próprio campo de estudo está balizada pelas condições teóricas e sócio-políticas da produção científica.

Veja-se a propósito "dos obstáculos à produção do conhecimento cientifico", concretamente, ao nível das Ciências Sociais, FERREIRA DE ALMEIDA e MADUREIRA PINTO (1990, p. 17 e segs).

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4. MÉTODO CIENTÍFICO

4.1. Noção e Outras Considerações

4.1.1. Noção

A construção do conhecimento científico depende, antes de mais, de uma metodologia adequada, que, de uma forma geral, constitui o que se designa de método científico. Anteriormente, por tal se mostrar imprescindível à definição de Ciência, referimo-nos a "método racional", "método científico" ou, simplesmente, ao termo "método", entendido como o processo de obtenção credível e verificável do conhecimento.

Por isso, antes de prosseguirmos, importa diferenciar "método científico" de "método" em acepção comum. Consiste este último num conjunto de procedimentos adequados para obter determinados fins, sendo, consequentemente, aplicável quer no conhecimento empírico, quer no conhecimento científico. O "método científico", por sua vez, abarca um significado mais lato e simultaneamente mais conciso e delimitado. De uma forma simplista, utilizando as palavras de SCHWEZ (1994, p. 26), é "o conjunto dos processos utilizados na investigação e demonstração da verdade ".

Outra ideia fundamental a reter é que, sendo o conhecimento científico universal, composto pelo somatório sinérgico" dos conhecimentos e suas relações das várias disciplinas científicas autónomas, deve verificar-se a unidade do método, a fim de se

8 Com esta associação de termos "somatório sinérgico" pretende-se realçar duas ideias fundamentais: a primeira está estritamente relacionadada com a interdiscisplinaridade de que gozam as diversas disciplinas científicas; a segunda, prende-se com o facto de se considerar a ciência como um sistema aberto, portanto beneficiário da energia sinérgica que caracteriza este tipo de sistemas. Assim, o somatório não resultará da "soma algébrica" dos conhecimentos, mas, além dessa, das relações entre eles.

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credibilizar o processo científico e se garantir a unidade da ciência. Caso contrário, cada disciplina científica autónoma optaria por um método próprio, diferente do das demais, cortando as possibilidades de existência de características comuns, bases da unidade científica.

Reconhecemos a impossibilidade de aplicação de um método-modelo irrefutável, inalterável e imutável nas várias disciplinas, tendo estas características diferenciadas, decorrentes dos diferentes objectos formais; atente-se nas ciências exactas, nas da natureza e nas sociais. Terá, no entanto, que existir um corpo, um núcleo mais ou menos fixo, mais ou menos delimitado, de fases caracterizadoras do método, que corporizem o método experimental propriamente dito. Temos, assim, as seguintes fases:

- recolha de dados, - observação, - formulação de hipóteses, - experimentação, e - apresentação de modelos.

Consequentemente, o método das várias disciplinas científicas terá de obedecer à linha mestra traçada, que é o método "científico conceptual" 9; sem prejuízo de cada disciplina proceder a adaptações adequadas, em função da natureza do objecto e do fim que tem em vista, ou seja, das designadas condições externas, para, dessa forma, definir o seu "próprio método".

Segundo VILHENA (1977, p. 454), por conveniências metodológicas distingue-se métodos gerais da ciência, aplicáveis a todas as modalidades do conhecimento científico e métodos especiais, requeridos pela natureza particular de cada um dos ramos da ciência. Os primeiros correspondem, na íntegra, ao núcleo por nós definido; os segundos resultam de adaptações devidamente fundamentadas, sem contudo, desrespeitarem a linha mestra traçada.

J Com esta expressão pretendemos diferenciar o corpo do método científico modelo das várias adaptações do mesmo aos objectos formais das várias disciplinas científicas.

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Convém ainda frisar que o método científico recorre, ao longo das fases enunciadas, a técnicas de investigação, ora simples, ora complexas e elaboradas, as quais frequentemente, (erradamente) se confundem com o próprio método de que fazem parte ou auxiliam. Torna-se, pois, necessário definir técnicas de investigação, que são, segundo FERREIRA DE ALMEIDA e MADUREIRA PINTO (1990, p. 78): "conjuntos de procedimentos definidos e transmissíveis, destinados a produzir certos resultados na recolha e tratamento da informação requerida pela actividade de pesquisa".

Em suma, os contornos que o método científico adquire em cada disciplina específica revelam-se muito aproximados, quando examinados de perto. "É tão só a adaptação aos seus objectos especiais que leva a parecerem a manifestação de actividades diferentes" 1 0 . Em termos pedagógicos é usual dividir-se a realidade apreensível e cognoscível em três grandes grupos de objectos formais: matemáticos (dos números e figuras), fisico-químicos (dos fenómenos dos materiais) e sociais (dos homens e dos acontecimentos da vida humana em grupo).

Daqui resulta a delimitação de três categorias de ciências, que, no seu conjunto, estudam a totalidade, sendo elas:

- Ciências da Matemática; - Ciências da Natureza; e - Ciências Sociais (das Sociedades ou Humanas).

4.1.2. Aplicação do Método nas Ciências Matemáticas

Como temos vindo a referir, a Matemática, sendo uma ciência pura, trata das relações de quantidade, constituindo estas o seu objecto próprio. O objecto, constitui, por si só, a razão da adaptação do

1 0 MAX PLANCK, "Initiations à la Phisique", trad., Paris, 1941, p. 253, cit. por VILHENA (1977, p. 459).

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método científico. E praticamente impossível que a matemática siga escrupulosamente as cinco fases do método, acima enumeradas.

Com algum esforço conseguir-se-ia transpor as fases do método conceptual para as ciências matemáticas, sendo sabido que a maior dificuldade surgiria na experimentação. A "experiência" matemática, na grande maioria dos casos, resume-se à demonstração teórica, operada pelo processo dedutivo, por via de regra, e indutivo, excepcionalmente.

Logo, a ideia generalizada de experiência relacionada com meios instrumentais adequados, com a existência física, palpável e observável é aqui inoperante, porque a matemática, "experimentando" por outro processo, obtém verdades universais, como acontece nos outros ramos do saber.

4.1.3. Aplicação do Método nas Ciências da Natureza

Nas ciências da natureza só a experiência fornece segurança à investigação. As relações uma vez comprovadas passam a constituir leis físicas. E se a partir destas leis se deduzirem previsões respeitantes a um fenómeno em particular é, também, através da experiência que se podem comprovar as previsões. Assim, segundo VILHENA (1977, p. 495), "toda a generalização assenta na experiência, e só após verificação experimental pode ser aceite". Generalizar é, portanto, estabelecer "fórmulas", tais que delas se possam deduzir consequências e previsões respeitantes a todo um conjunto de fenómenos.

É usual demarcar-se três etapas interligadas e complementares que definem, nas ciências da natureza, a estrutura do método. Segundo PINTO DA ROCHA e MAGALHÃES (1981, p. 33-4) são as seguintes:

- Observação/Pesquisa; - Formulação da Hipótese; - Verificação de Leis ou Experimentação.

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Com efeito, enquanto que nas ciências matemáticas a hipótese constitui um princípio já estabelecido, ou antes, definitivo, nas ciências experimentais é um princípio provisório, cuja verdade decorre da verificação experimental.

4.1.4. Aplicação do Método nas Ciências Sociais

As ciências sociais têm por fim o conhecimento das leis da vida humana em grupo. Ora, a complexidade do objecto condiciona a aplicação do método "científico conceptual". Logo, seria de deduzir que a aplicabilidade do método experimental a este grupo de ciências fosse relativamente restrita, mesmo considerando, para o efeito, os fenómenos sociais como coisas, e como tal, tratando­os como coisas 11

Apesar disso, repare­se que FERREIRA DE ALMEIDA e MADUREIRA PINTO (1990, p. 98) consideram que nas ciências sociais as diferentes formas de observação sistemática e controlada assumem um papel idêntico ao da experimentação nas ciências da natureza. Por isso, em bom rigor, a experimentação é possível nas ciências sociais.

4.1.5. Relação Entre o Método Científico e o Objecto Formal

Apresentámos breves noções sobre o conteúdo do método científico e sobre a necessidade da sua adaptação, como resposta adequada às características diferenciadas do objecto das várias disciplinas científicas. A título de síntese, devemos reter três ideias:

'■'■ Ideia que Emile Durkheim desenvolve na sua obra "As Regras do Método Sociológico". Vd. DURKHEIM (1990).

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Ia - o método não é o elemento diferenciador nem delimitador das várias disciplinas científicas; esse papel está reservado ao objecto formal das mesmas;

2a - só existe um método científico (conceptual), embora adaptável às diversas exigências das várias disciplinas, permanecendo, contudo, o seu núcleo sempre intacto; ou seja, a essência do método mantém-se.

3a - em suma, todos os ramos do conhecimento científico recorrem ao método científico para produzirem os respectivos conhecimentos.

4.1.6. Conhecimento Científico e Previsão

Esclarecemos, desde já, que o conceito "previsão" (que exploraremos) não se identifica (nem poderia) com outros termos, não poucas vezes considerados seus sinónimos, concretamente com "prognóstico" e, ou, "profecia".

Ora, se tivemos o cuidado de qualificar "previsão" como científica é porque reconhecemos a existência de, pelo menos, outra forma de previsão: aquela que designamos de "empírica". Em traços gerais, esta acaba por se identificar com o "prognóstico", consistindo na observação da vida (conjunto de fenómenos), não se baseando, portanto, no conhecimento das causas dos fenómenos, mas sim, na observação de manifestações concomitantes.

Porém, o facto de muitos fenómenos (sobretudo da natureza) se produzirem e repetirem ao mesmo tempo não nos permite deduzir que uns sejam as causas dos outros. É neste sentido que este tipo de "previsão" (empírica) denota insuficiências para alcançar o estatuto de previsão científica. A maior insuficiência resume-se ao desconhecimento das leis e das causas dos fenómenos.

Estamos aptos, neste momento, a explicar em que consiste a "previsão científica". Para o efeito, recorremos a VILHENA (1977, p. 445), que tece as seguintes considerações:

"A previsão científica distingue-se do prognóstico empírico, baseado no hábito, pelo facto de assentar no conhecimento das leis e

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das causas. Só quando conhecemos as causas e as consequências dos fenómenos podemos prever verdadeiramente, e de um modo positivo, o curso dos acontecimentos. Só seguindo a cadeia das causas principais e das consequências mais importantes se pode compreender porquê a dado fenómeno se segue necessariamente outro fenómeno, porquê tal acontecimento provoca necessariamente tal outro acontecimento. "

Concluindo, podemos afirmar que o verdadeiro conhecimento científico permite estabelecer leis a partir da análise da realidade. O conhecimento das leis, por sua vez, oferece ao Homem a possibilidade de se orientar (com maior segurança) nessa mesma realidade, porque, então, consegue prever.

5. LIMITAÇÕES DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO

Ao propormo-nos abordar a problemática das limitações do conhecimento científico, somos conduzidos a analisar a possibilidade de incorporação da subjectividade no processo de produção daquele conhecimento. A apresentação dos limites à produção de conhecimentos científicos supõe, portanto, inventariar as fases nas quais pode não estar, inteiramente, presente a objectividade, ou determinar as fases do processo mais permeáveis à subjectividade.

Parece-nos plausível afirmar a impossibilidade da objectividade pura; quer por motivos inerentes ao sujeito, quer pela insuficiência ou ineficácia da observação, quer ainda por quaisquer outras razões. Apesar disso, não se deve colocar em causa o valor universal do conhecimento científico. Admitir o contrário equivale a negar todo o conhecimento científico e, portanto, a reduzi-lo ao nível do conhecimento espontâneo, não sistematizado e empírico.

Após esta breve exposição, cabe-nos apresentar as limitações, normalmente invocadas, do conhecimento científico 12:

Segue-se, de perto, a exposição de VILHENA (1977, p. 441-3).

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Isolamento do Objecto, ou seja, por vezes, o sujeito ao delimitar e particularizar o objecto (de estudo) abstrai-o da realidade; isto é, considera-o isolado e, portanto, independente das suas relações com outros seres ou factos;

- Ausência de clareza quanto a certos conceitos, por exemplo; "hereditariedade", "energia", "matéria", "inércia", etc, que nem sempre se apresentam claros e indiscutíveis; Relações de Causalidade, isto é, nem sempre a causa explica completamente o efeito;

As Origens, equivale a dizer que existe sempre qualquer coisa antes do começo. Por exemplo, o biólogo estuda "os primeiros organismos", mas a dúvida subsiste: donde vieram eles?.

As limitações acima referidas podemos designá-las de "naturais" 13. Além daquelas, existem outras de tipo diferente, que nos são impostas pela imperfeição dos nossos sentidos, mesmo quando auxiliados por instrumentos tecnicamente aperfeiçoados, e pela exiguidade de dados exactos em relação ao passado.

6. TENTATIVA DE DIFERENCIAÇÃO: CIÊNCIA, TÉCNICA E ARTE

Cabe-nos agora definir dois outros conceitos: técnica e arte, a fim de discernirmos as principais diferenças entre as três noções em causa (ciência, técnica e arte).

Para SCHWEZ (1991 p. 20) "técnica é o conjunto de procedimentos ordenados e concretos aplicáveis à realização de objectivos específicos". Esta definição, desprovida de explicações

13 A terminologia é a do autor (cf. VILHENA, 1977, p. 442). Porém, defendemos que mais lógico seria designar por "naturais" as segundas; ou seja, as decorrentes das limitações do sujeito. Nesta perspectiva, as primeiras poder-se-iam denominar de "inerentes ao processo científico".

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complementares, pode, à primeira vista, confundir-se com a apresentada para ciência. Mas o autor continua a caracterização, com a atribuição de um campo de aplicação duplo: o "campo material" e o "campo mental" (ou intelectual). Mesmo assim, parece-nos, poder continuar a confundir-se técnica com ciência, embora na técnica se destaquem procedimentos, mais do que conhecimentos.

Explicitemos: o fim da técnica não é só atingir objectivos específicos, mas atingi-los com a máxima eficiência possível. Também na ciência se pode falar de eficiência; mas, em nosso entender, na ciência sobreleva a eficácia (os fins últimos): verificar determinada hipótese, descobrir uma nova vacina, etc. Entendemos, portanto, que ciência e técnica se distinguem em dois planos:

conhecimentos versus procedimentos, - descoberta de leis (e eficácia) versus resolução de problemas

ou consecução de objectivos específicos (com eficiência).

Examinadas as diferenças entre técnica e ciência, passemos às diferenças entre ciência e arte. Podemos diferenciar a arte da ciência recorrendo às dicotomias clássicas entre, por exemplo, o mundo dos valores e o mundo dos factos, entre o subjectivo e o objectivo, entre o intuitivo e o indutivo ou o dedutivo. Contudo, optámos pela exposição de SCHWEZ enriquecida pelos contributos de KUHN (1977, p. 409-17) 14 . Assim,

"Arte é a manifestação do belo, produto de intensas emoções estéticas do artista, ligado a condições diversas da época, do povo e da cultura." (cf. SCHWEZ, 1991, p. 21).

Infere-se, pois, que a arte é determinada por emoções e pela criatividade. Seguindo o raciocínio de Kunh, mas ampliando para

A ideia desta análise comparativa, aparentemente inovadora, não pertence ao autor da obra, pois ele baseou-se nos ensinamentos de Hafner sobre os "paralelos próximos epersistentes".

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cinco em vez de três as áreas de comparação, e, portanto, de diferenciação, temos:

1a- Ao nível dos produtos do cientista e do artista

Para o artista o seu produto é um fim, é um produto final, é aquilo que pretendeu criar, fazer ou construir. Por seu turno, para o cientista o seu produto é um subproduto da actividade científica e, uma vez publicados os resultados, as imagens originais podem ser destruídas, porque pouco interessam ao estádio seguinte do conhecimento, excepto ao nível da "história da ciência".

2 a - Ao nível das actividades de onde resultam esses produtos

Diremos que na arte a estética é o objectivo do trabalho, enquanto que na ciência funciona, no máximo, como ferramenta. Na ciência a estética raramente é um fim, e a sê-lo nunca é o principal. Vejamos a opinião de KUHN (1977, p. 411):

"Seja qual for o significado do termo "estética" o objectivo do artista é a produção de objectos estéticos, enigmas técnicos são o que ele deve resolver em ordem a produzir tais objectos. Para o cientista, por outro lado, o enigma técnico resolvido é o objectivo, e a estética é - quando muito - uma ferramenta para a sua obtenção.".

3 a - Ao nível da resposta do público

Compete-nos referir que a ciência têm como audiência pública um número restrito de pessoas, quase exclusivamente os cientistas. E, quanto maior for a sua especialização menor é público. Quanto ao artista, o seu trabalho e a sua carreira dependem do exame de um público mais vasto, das críticas, das galerias, dos museus, nenhum dos quais tem paralelo com a ciência.

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4a - Correlação Tempo-Conhecimento

Podemos afirmar que, ao contrário da arte, a ciência destrói, substitui, o seu passado. Já vimos que cada descoberta científica é um subproduto do processo contínuo da produção e aquisição de conhecimentos; no caso da arte, ao invés, o passado persiste e é continuamente vivido, usufruído e avaliado.

5a - Inovação Versus Tradição

Um outro aspecto a considerar na diferenciação arte/ciência prende—se com a controvérsia no tempo de passagem da tradição à inovação. Na arte, o fim da controvérsia significa, apenas, a aceitação de nova tradição, não o fim da anterior, ou da velha, se quisermos. Por seu turno, na ciência, a vitória ou derrota não é adiada por tanto tempo: o lado que perde é banido, ou seja, regista-se uma ruptura nos conhecimentos ou no paradigma dominante em favor dos conhecimentos novos ou do paradigma emergente.

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CAPÍTULO II

CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CONTABILIDADE-CIÊNCIA

1. CONTABILIDADE: UMA DISCIPLINA CIENTÍFICA

1.1. Considerações Introdutórias

Propusemo-nos, desde o início, defender a Contabilidade como disciplina científica autónoma, isto é, com objecto formal específico, munida de método científico próprio, recorrendo a diversas técnicas, quer de cálculo, quer de registo.

A exclusão do âmbito deste trabalho da análise da evolução histórica da Contabilidade nos períodos empírico e metódico justifica-se pelo facto de naqueles períodos a nossa disciplina não apresentar características científicas; aquela temática não tem, portanto, interesse para os nossos ensejos. Não é, consequentemente, objecto deste estudo qualquer definição de Contabilidade que a reduza a mero conjunto de técnicas ou à "arte do registo"

Uma outra consideração prévia tem a ver com a divergência entre a Investigação e Prática Contabilísticas 1 5

; o u s e j a ; e n t r e a

A este propósito estude-se atentamente o artigo "La Relación Entre Investigación y Prática En Contabilidad", de autoria de Manuel Garcia-Ayuso e Guilhermo Sierra Molina (cf. GARCIA-AYUSO e SIERRA MOLINA, 1994, p. 235-87). O estudo revela que não existe em Espanha uma divergência significativa entre a área de investigação e os interesses dos Profissionais ("práticos") da Contabilidade. Apontam-se como causas directas de tal facto as seguintes:

a) Muitos professores universitários compatibilizam o ensino com o exercício da função contabilística, e

b) O período em causa (1982-1991) correspondeu, na União Europeia, a época de imposições legais tendentes à uniformização, o que implicou uma maior procura

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investigação (usualmente exercida por académicos, ou por "teóricos") e os interesses e necessidades dos Profissionais da Contabilidade (que amiúde são designados por "práticos"). Na verdade, quando defendemos a Contabilidade como disciplina científica autónoma pensamos no sistema de conhecimentos e não na actividade dos "práticos": esta resume-se a uma técnica ou a um conjunto de técnicas.

Relevante é, também, assinalar a utilização de termos diferenciados para designar as mesmas realidades, por exemplo, "Contabilidade Financeira", por um lado, e "Contabilidade Interna", por outro, termos que adoptamos em detrimento dos demais 1".

de informação por parte dos "práticos", à qual correspondeu também uma resposta dos investigadores.

Alguns autores utilizam indistintamente os termos "Contabilidade de Custos", "Contabilidade Industrial" ou "Contabilidade Analítica", ao referirem-se à Contabilidade que, em nossa opinião, é melhor designada por "Interna". A nossa opção não é acidental. Resulta de uma reflexão ponderada, que permitiu algumas exclusões baseadas nos seguintes raciocínios: - Optou-se por "Contabilidade Interna" pelo facto de, em termos imediatos, os destinatários da sua informação serem internos, ou seja, elementos da própria empresa ou entidade emitente; - Rejeitou-se "Contabilidade de Custos" por estar implícito no termo uma restrição, ou seja, a designação reduz o conteúdo à análise dos custos, o que não é verdade, visto que na "Contabilidade Interna" também se discriminam proveitos; - Rejeitou-se "Contabilidade Industrial" porque, à semelhança do caso anterior, trata-se de uma redução do âmbito de aplicação, fazendo crer a não possibilidade de implantação de "Contabilidade Interna" em outros sectores de empresas ou de entidades; - Rejeitou-se "Contabilidade Analítica" porque o carácter analítico aplica-se não só à Contabilidade Interna como à Contabilidade em geral. Ao nível da "Contabilidade Financeira" não se nos afigura necessário tecer qualquer comentário, porque a preferência pelo termo tem sido quase unânime. É, pois, usual utilizar além da nossa opção, outras, concretamente: "Contabilidade Externa" e "Contabilidade Geral". Contudo, repare-se que, em bom rigor, a "Contabilidade Financeira (ou Externa)" é a "Contabilidade Geral" dominada pela normalização, tendo em vista os utilizadores externos.

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A preocupação fulcral, neste capítulo, não é definir os vários ramos da Contabilidade partindo, por exemplo, de uma classificação já conhecida, pois, por essa via, correríamos o risco de não alcançarmos os nossos propósitos. Contudo, teremos que, em devido tempo, analisar alguns conceitos, bem como abordar a questão da classificação. A exposição que prosseguimos incide, predominantemente, sobre a Microcontabilidade e, dentro desta, sobre a Contabilidade da Empresa, que é o núcleo da disciplina.

No presente capítulo, não está apenas em causa a demonstração de que a Contabilidade é uma ciência: também o enquadramento da disciplina na árvore do conhecimento nos preocupa, uma vez que, em torno deste problema, existem divergências muito significativas. É bastante usual a inclusão da Contabilidade nas ciências económicas, menos frequentemente nas ciências matemáticas, e, mais recentemente, nas ciências de informação. O nosso papel é, pois, o de analisarmos com a profundidade adequada as duas questões acabadas de mencionar, fundamentando devidamente as nossas opções.

1.2. Factores Modificativos da Contabilidade

Verifica-se na Contabilidade um processo evolutivo motivado por factores análogos aos de outras disciplinas, ou seja, uma evolução fruto de necessidades emergentes, de constantes modificações no contexto social, político, económico e cultural. À medida que se desenvolvem os operadores e as transacções económico-financeiras exige-se informação mais rápida e relevante, o que acarreta o tratamento de uma massa de dados cada vez maior, e dificulta a delimitação do objecto da Contabilidade.

A exigência dessa informação (mais rápida e relevante) sentiu-se, sobremaneira, a partir da Época dos Descobrimentos: a troca directa cedeu, ainda mais, o lugar à troca indirecta (com intervenção de moeda), "floresceu o comércio transnacional, e aperfeiçoou-se a actividade bancária e seguradora. A Contabilidade correspondeu a essas mudanças (com repercussões económicas), adoptando técnicas

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mais eficazes, com o intuito de melhor relevar não só o património mas as operações com ele relacionadas.

Se, por um lado, é verdade que o desenvolvimento do comércio transnacional exigiu (e exige ainda) a intercomunicabilidade a todos os níveis, com especial relevo ao nível económico, também o é, por outro, que a internacionalização da economia (proporcionada pelo aparecimento de multinacionais, pelo desenvolvimento da actividade bolsista e, especialmente, pela criação de grandes espaços económicos (v.g., OCDE, EFTA, União Europeia, etc.) tem inerente o aumento significativo do número e da heterogeneidade dos sujeitos económicos.

A Contabilidade depara, assim, com dificuldades de harmonização e normalização. Acresce ainda o facto de, não poucas vezes, os sistemas contabilísticos utilizados (nos vários países) serem diferenciados, agravando-se a dificuldade de se estabelecer uma linguagem comum a todos os intervenientes. Por isso, a informação económico-financeira, além de mais rápida e relevante, tem que ser também (mais) normalizada. Esse papel está reservado à fixação de Princípios Contabilísticos Geralmente Aceites (PCGA) e, também, de normas generalizadamente aplicadas.

Em consequência da mudança e, sobretudo, do crescente volume de dados a tratar e de informações relevantes a fornecer tempestivamente, a Contabilidade sente necessidade de recorrer a processos de registo múltiplos e até a subsistemas independentes e extradigráficos

Conforme explica Rogério Ferreira (vd. FERNANDES FERREIRA, 1984), num passado não muito distante a Contabilidade

1 7 Vd. FERNANDES FERREIRA (1984, p. 15-21). Recorde-se que Rogério Ferreira é um dos autores, na área económico-financeira, que maior rigor terminológico utiliza nas suas obras e comunicações. Por isso, chamamos a atenção para a utilização do termo "extradigráfico" e não, como é habitual ver, "extracontabilístico". O âmbito de exclusão do último é menor do que o do primeiro.

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confinava-se à relevação do património e das operações de cada um dos organismos económicos.

Porém, hoje, as suas funções são cada vez mais de previsão e controlo entre o que se executou e o que se previu, acompanhando assim, mais de perto, a gestão. Denota-se um alargamento iniludível do campo de actuação da disciplina, o que, por sua vez, requer uma reformulação da sua própria definição, trabalho que desenvolveremos no ponto seguinte (1.3.).

1.3. Fundamentação e Defesa da Contabilidade-Ciência

Antes de outras considerações, convém referir que a apresentação de uma definição de Contabilidade adequada a considerá-la disciplina científica autónoma, não é difícil de arquitectar. Todavia, a apresentação pura e simples de uma definição, desprovida de comentários complementares, não é nem suficiente, nem convincente, uma vez que qualquer definição, por si só, nada prova.

Reconhecemos que, por mais objectividade que se pretenda, qualquer definição apresentada acaba por reflectir o cunho pessoal do autor, sem ter que perder, apesar disso, aderência à realidade. Portanto, para satisfazermos plenamente o nosso intuito inicial, recorremos à análise comparativa18 de considerações, definições e métodos de diversos autores, tendentes à obtenção de uma definição de Contabilidade.

Da análise (sucinta), ressaltam as seguintes leituras: a) De entre os autores estudados, apenas Rogério Ferreira não

considera a Contabilidade como uma ciência, mas, antes, como "uma

18 Concretamente procedeu-se ao estudo comparativo dos seguintes autores e obras:

Rogério F. Ferreira - "Normalização Contabilística"; Fernandez Pirla - "Teoria Económica de la Contabilidad'; F. Martin Lamourox - "Contabilidad"; Leandro Cafiibano - "Contabilidad: Analisis Contable de la Realidad Económica".

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função instrumental de natureza económica, financeira e jurídica", logo, predominantemente técnica.

Com efeito, a definição apresentada por Rogério Ferreira ultrapassa o âmbito da "arte do registo" e, ou, a do "mero conjunto de técnicas". Contudo, também não considera a Contabilidade como disciplina científica, apesar de a interpretação extensiva do termo "disciplina" (utilizado na sua definição) poder aparentemente indiciar essa possibilidade (remota para o autor).

Com efeito, aquela possibilidade pode apenas concretizar-se a partir da utilização de critérios (sobretudo de valorização) mais objectivos (o que é difícil face ao objecto da Contabilidade) ou, em alternativa (de preferência), através de a apresentação de "soluções em que se configure mais de uma apreciação 1°" (cf. FERNANDES FERREIRA, 1984, p. 17).

Pretendemos salientar ainda que a razão do estudo da definição apresentada por Rogério Ferreira fica a dever-se, quase exclusivamente, ao facto de aquele autor defender a existência inequívoca de duas ópticas (perspectivas) de apreciação e tratamento do "todo contabilístico": a da "Contabilidade Jurídico-Patrimonial" e a da "Contabilidade de Gestão".

A primeira pretende evidenciar a situação da empresa perante o exterior (daí falar-se em Contabilidade Externa), menosprezando as operações que só afectem, de modo directo, a exploração. Ao invés, a segunda óptica só processa considerações de carácter gestivo que se reputem de úteis e vantajosas para o conhecimento dos diversos

ÍJ Repare-se no exemplo que o autor apresenta (1984, p. 16-7): "se é um facto que uma dívida a pagar de x unidades monetárias ao fim de n anos é efectivamente uma dívida a pagar de x u.m., não pode deixar de observar-se que se aparecer no mesmo balanço outra dívida, de x' u.m., a pagar ao fim de n anos, mas contraída a taxa de juro diferente, a prática habitual de somar tais dívidas a pagar como se fossem homogéneas não pode aceitar-se quando se pretendem soluções cientificamente válidas". E neste sentido que o autor defende que a apreciação do "valor da dívida" deve ser efectuada em termos nominais e "não nominais".

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custeios de produção e cálculo de resultados funcionais e sectoriais (cf. FERNANDES FERREIRA, 1984, p. 19-20).

Ao nível da "objectividade" a diferença opera-se nos princípios em que assenta. Se na "Contabilidade Jurídico-Patrimonial" a objectividade se alicerça nas "normas jurídicas" e nos "Princípios Contabilísticos Geralmente Aceites", na "Contabilidade de Gestão" assenta nos "princípios de Economia e de Gestão" e ainda em regras gestivas (cf. FERNANDES FERREIRA, 1984, p. 20);

b) Já os autores espanhóis (estudados) atribuem à Contabilidade a natureza de ciência económica. Pirla e Canibano, directa e taxativamente, enquanto Lamouroux toma essa posição indirectamente, entendendo a Contabilidade como pertencente ao ramo das ciências sociais, onde se encontra a Economia;

c) No que se refere à capacidade de previsão, apenas Rogério Ferreira e Canibano, ainda que implicitamente, referem essa característica do conhecimento contabilístico, quando atribuem à Contabilidade a possibilidade de prever.

A capacidade de previsão sobressai mais ao nível da "Contabilidade de Gestão" e da "Contabilidade Previsional" 2 0 . A este propósito, Rogério Ferreira ao caracterizar a perspectiva da "Contabilidade de Gestão" afirma que "as suas preocupações centram-se na previsão do que acontecerá; é apriorística, ou seja, trabalha a partir de orçamentos, controla a execução; apura desvios..:' (cf. FERNANDES FERREIRA, 1984, p. 20);

d) E também salientada a utilidade e o auxílio da Contabilidade na tomada de decisões, ou seja, o auxílio à gestão; isto está patente em todas as definições, e, portanto, entendemos não ser necessário um estudo mais pormenorizado nesta matéria;

e) Por fim, cremos que as definições defendidas pelos autores estudados cingem-se, em grande parte, à Contabilidade da Empresa,

z u Em bom rigor, a "Contabilidade de Gestão" e a "Contabilidade Previsional" não são a mesma realidade. A diferenciação é apresentada no capítulo seguinte (III). Por seu turno, a problemática da "capacidade de previsão" e das "leis" do processo contabilístico é explanada no Capítulo IV.

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ou seja, ao processamento contabilístico com vista a apreciar as situações (activas, passivas e de situação líquida) e os resultados das operações referentes a determinado momento e período.

Contudo, ao nível do Sector Público, Estado 21 e Associações Sem Fins Lucrativos as preocupações podem ser diferentes; i.e., não serem as de evidenciar situações e resultados mas, sim, as de demonstrarem o excedente ou a necessidade de meios monetários (para a prossecução dos seus objectivos); concretamente nos casos em que a Contabilidade é processada em "base caixa", ou seja, quando se registam e comparam pagamentos e recebimentos 22, Apesar de tudo, quer operando no "regime do acréscimo", quer no "regime de caixa", processar, interpretar e comunicar informação económico-financeira (ou só financeira) é sempre elemento fundamental no processo contabilístico.

Por uma questão de complementaridade, e, sobretudo, com o intuito de invocarmos o caso português, que se nos apresenta mais familiar, procurámos no POC - Plano Oficial de Contabilidade -principal instrumento orientador da prática contabilística em Portugal - uma definição, directa ou indirecta, explícita ou implícita, de Contabilidade.

Tendo em consideração as funções reservadas àquele instrumento, essencialmente vocacionado para a normalização da prática contabilística, e tendo em atenção os princípios, normas e políticas contabilísticos nele regulados, não se nos afigura anormal a não inclusão de qualquer definição de Contabilidade no POC. Em boa

Zí De realçar que já foi publicado o Plano Oficial de Contabilidade Pública (DL 232/97, de 03 de Setembro). Trata-se, de facto, de uma reforma da administração financeira e contabilística do Estado. Tudo aponta que tal Plano venha a constituir um verdadeiro instrumento de apoio aos gestores (públicos). 2 2 Não se confunda "pagamento" com "despesa", nem "recebimento" com "receita". Todas as despesas se traduzem por uma saída de valores activos ou pela criação de dívidas passivas. Por seu turno, os pagamentos e os recebimentos podem ser antecipados, imediatos (situação em que despesa se identifica com o pagamento ou a receita com o recebimento) e diferidos (cf. GONÇALVES DA SILVA, rev. por Rogério Fernandes, 1991, p. 101-10).

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verdade, os objectivos da normalização do POC não requerem a apresentação de uma definição de Contabilidade.

Tentámos, também, encontrar uma definição de Contabilidade na "Estrutura Conceptual para a Preparação e Apresentação das Demonstrações Financeiras" da IASC - Internacional Accounting Standards Committee 23 Obtivemos, como esperávamos, não uma definição concreta, mas, à semelhança do POC, a possibilidade de construção dessa definição, partindo dos objectivos das Demonstrações Financeiras (cf. pontos 12-21) e das necessidades de informação dos utilizadores (cf. pontos 9-11).

A título de conclusão mencionamos "os sete atributos" que CANIBANO CALVO (1991) destaca no percurso tendente à sua definição de Contabilidade. São eles:

- a sua natureza económica; - o carácter eminentemente quantitativo da informação

contabilística; - o facto de a mesma poder referir-se às diferentes unidades em

que se organiza a realidade económica: empresas, associações, organismos do sector público, Estado, actividade económica nacional, etc;

- a informação poder reportar-se ao passado, ao presente e ao futuro (relacionada com a capacidade de previsão);

- o facto de utilizar para a captação e tratamento de dados um método específico e caracterizador da disciplina, o qual se apoia em bases suficientemente testadas (logo, científico);

- a informação ter utilidade para a adopção de decisões por parte dos diferentes utilizadores/destinatários;

- algumas parcelas da informação proporcionada pela Contabilidade terem especial utilidade para os gestores das unidades económicas que a emitem, uma vez que servem para satisfazer as suas necessidades de planeamento e de controlo.

l i Cf. Parte C - Normas de Contabilidade, Divisão 2, Ponto 2.01. do Manual do ROC.

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2. TENTATIVA DE DELIMITAÇÃO DO OBJECTO CONTABILÍSTICO

Anteriormente referenciámos que o objecto de cada disciplina científica constitui, por si só, a razão da(s) adaptação(ões) do método científico conceptual. Por outras palavras, cada disciplina científica adapta e adopta o método conceptual, sem o descaracterizar, ou seja, mantendo a sua essência, em função do seu objecto e do fim que tem em vista.

Deduz-se, assim, que o método contabilístico científico está também intrinsecamente condicionado pelo objecto formal da Contabilidade. Desta feita, somos conduzidos a encetar uma tentativa de delimitação desse objecto.

Não é fácil definir concisamente o objecto da Contabilidade. Esta dificuldade deriva, por um lado, da interdisciplinariedade que caracteriza a ciência, e, por outro lado, da rápida evolução do meio económico.

Em termos pedagógicos, podemos circunscrevê-lo a oito categorias e suas relações: activos, passivos, situação líquida, custos, proveitos, perdas, ganhos e resultados. No entanto, de uma forma mais simplista, podemos afirmar que o objecto da Contabilidade se circunscreve ao estudo de três tipos de situações e evoluções: activas, passivas e de situação líquida. Em síntese, o objecto contabilístico circunscreve-se, assim, a três categorias e suas relações, que as DF compreendem.

Todavia, parece-nos que a aplicação da análise acima exposta se confina à Contabilidade da Empresa, logo à Microcontabilidade. Em termos macroeconómicos (v.g., ao nível da Contabilidade Nacional) não nos parece plausível que o objecto se identifique com o anteriormente analisado.

Estão em causa outras contas, outros agregados e outras demonstrações. Entenda-se Contabilidade Nacional como "uma técnica de síntese estatística que tem objecto fornecer uma representação quantificada e coerente da actividade económica de um pais "(cf. GOMES FRANCISCO, 1990, p. 20).

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Devemos, pois, intentar uma delimitação do objecto que sirva simultaneamente os fins da Micro e da Macrocontabilidade. Para o efeito, recorremos a CANIBANO CALVO (1975, p. 31) que circunscreve o campo de actuação da Contabilidade à medição e comunicação de informação reveladora do passado, presente e futuro das actividades sócio­económicas.

Porém, é essencial acrescentar àquelas funções duas outras: o registo e a interpretação. Assim, segundo a nossa perspectiva, o campo de actuação da Contabilidade expande­se e passa a ser: registo, medição, interpretação e comunicação de informação económica­financeira (passada, presente e futura) a interessados.

O importante a reter é que o objecto (formal) da Contabilidade é o estudo (registo, medição, interpretação), em termos quantitativos (predominantemente) e qualitativos 24 ^a realidade económica (passada, presente e da prevista para o futuro), e a comunicação de informação(ões) útil(eis) e tempestiva(s) 25 a todos os níveis: internos e externos.

/ 4 Embora a Contabilidade revista carácter com predominância quantitativa, fornece, também, informações qualitativas (talvez "qualificativas") importantes. Por exemplo, da análise das DF dos três (ou mais) últimos exercícios de determinada empresa (ou sector) podemos retirar informações qualitativas bastante válidas e úteis. Concretamente, as tendências de evolução do volume de negócios (a partir da Demonstração de Resultados); a estrutura dos capitais (a partir do Balanço); o respeito ou, ao invés, o desrespeito do princípio do equilíbrio financeiro mínimo (a partir da Demonstração da Origem e da Aplicação de Fundos); a justificação dos fluxos monetários (a partir da Demonstração dos Fluxos de Caixa); etc. No entanto, sublinhe­se, a título de síntese: a informação contabilística é, em qualquer situação, predominantemente quantitativa, mas pode qualificar, com base nela, dada entidade. ■" A tempestividade é uma característica da informação financeira. Embora não seja considerada principal ou primária (v.g., segundo o POC) não deixa de ser importante. Repare­se que a ausência de tempestividade pode transformar informação relevante, se oportunamente fornecida/conhecida, em informação de interesse reduzido ou sem interesse, mas, ao invés, informação irrelevante não passa a ser útil pelo simples facto de ser tempestivamente fornecida/conhecida.

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3. MÉTODO CONTABILÍSTICO

Uma vez que o objecto formal é o responsável pela delimitação de cada disciplina e, portanto, em última análise, pela(s) adaptação(ões) que o método científico conceptual se vê obrigado a efectuar, urge, desde já, demonstrar a aplicação do método contabilístico científico, elemento adicional do carácter científico da Contabilidade.

Uma das opções seria enveredar por um estudo comparativo, hipótese que, à partida, se rejeita, não por demérito dos ensinamentos dos autores, mas, tão só porque, em nossa opinião, Canibano Calvo 26 expõe esta matéria de forma extremamente clara e precisa.

Segundo o autor (cf. CANIBANO CALVO, 1991. p. 55) método contabilístico é "um conjunto de postulados e premissas subsidiárias que permite submeter a observação a realidade económica, expressar numa linguagem apropriada os aspectos qualitativos e quantitativos da referida observação conforme regras que garantem um determinado grau de objectividade, e processar a informação resultante seguindo critérios que permitam obter demonstrações financeiras sintéticas que contenham agregados relevantes.".

Convém, desde já, apresentar uma definição de "postulado". Entende-se postulado como um princípio cuja a admissão e, ou, aceitação se torna necessária para determinada demonstração. Em suma, trata-se de um ponto de partida, cuja demonstração se torna dispensável em virtude da sua evidência.

Assim sendo, a preocupação imediata resume-se à necessidade de apresentação e estudo dos vários postulados que permitem passar da observação da realidade económica às DF, as quais, de forma sintetizada, sistematizada e agregada, devem representar a realidade observada.

Vd. CANIBANO CALVO (1975 e 1991), em ambas as obras, no Capítulo III.

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Para o efeito, recordamos os aspectos 27 apresentados por CANIBANO CALVO (1991, p. 55-76), que desenvolveremos autonomamente, com a profundidade julgada adequada:

- Princípio da Dualidade; - Medição e Valorização; - Formas de Representação; e - Agregação.

Princípio da Dualidade

De uma forma simplista, o princípio da dualidade é o eixo com base no qual se exerce a observação contabilística, isto é, pelo qual se procede à captação dos dados. Estes, após tratamento adequado, transformam-se em informação contabilística.

Este princípio deriva das partidas dobradas, de Luca Pacioli. Ou melhor: as partidas dobradas, ou digrafia, consistem numa simples técnica de contraposição, em cada movimentação contabilística, de débitos e de créditos, que se igualam. O princípio da dualidade vai mais longe: assenta na clara consciência de que qualquer operação económica ou financeira se decompõe numa fonte de financiamento (origem, recurso) e num elemento financiado (aplicação, emprego).

A partida dobrada é uma simples técnica. O princípio da dualidade é um modo de encarar a realidade, uma visão sobre as operações económico-financeiras, modo esse desenvolvido (consciencializado) a partir daquela técnica 28, Evidencia, pois, uma

2 7 O autor designa-os por "extremos" (cf. CANIBANO CALVO, 1991, p. 55). Reconhecemos que o vocábulo "aspecto" não traduz, de facto, a ideia que pretendemos transmitir, uma vez que, concretamente, referimo-nos a postulados, premissas, regras e técnicas. 2 ° O princípio da dualidade é que está na base da técnica digráfica, o que, frequentemente não é percebido, por exemplo: muitos "práticos" que não têm dificuldades em proceder a escriturações digráficas, são incapazes de construir e de interpretar Demonstrações de Origens e de Aplicações de Fundos.

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dicotomia empregos/recursos. As transacções são encaradas como duas categorias antagónicas e isto é que fundamenta a técnica di gráfica.

Para registar as transacções não basta, porém, identificar as componentes antagónicas, é necessário a quantificação das mesmas, partindo da quantificação individual de cada elemento interveniente -atributo quantitativo. Por norma, a unidade de quantificação adoptada é monetária.

Outro aspecto deveras importante da dualidade relaciona-se com a coexistência de uma dicotomia entre as entidades económicas, já que a mesma transacção origina, nas diversas entidades intervenientes, contabilizações obrigatoriamente diferentes, diríamos mesmo, simétricas, ou antagónicas; ou seja, os custos de uma entidade são os proveitos de uma outra, aos activos de uma dada empresa contrapõem-se passivos de uma outra, etc, gerados pelas mesmas operações.

Da exposição resulta que o princípio da dualidade não é nem um postulado matemático, nem sequer um princípio económico, mas sim um autêntico instrumento do método contabilístico tendente à captação da informação sobre uma realidade económica-financeira.

Medição e Valorização

Ora, se o princípio da dualidade representasse, numa concepção formalizada da Contabilidade, um postulado ou um axioma (verdades aceites sem demonstração), a medição e a valorização corresponderiam a meras premissas subsidiárias, pois estas consistem em regras alternativas cuja aplicação se submete a objectivo(s) concreto(s). Trata-se agora, portanto, de proposições cujas verdades (e validade) carecem de demonstração.

Assim sendo, o nível de objectividade do processo contabilístico pode ser questionável devido, fundamentalmente, a duas razões:

- objectivo(s) diferente(s) suscitam aplicação díspar das mesmas regras; e

- as regras (de medição e valorização) podem ser mal interpretadas pelos Profissionais da Contabilidade.

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Contudo, não esqueçamos que o nível de objectividade exigido pelo conhecimento contabilístico só pode ser mensurado (avaliado) relativamente a determinado referencial (ou paradigma), ou seja, tendo em consideração os objectivos das Demonstrações Financeiras.

Neste momento, a questão fulcral reside em averiguar se, para as fases cujos níveis de objectividade podem ser questionáveis, é, ou não, possível manter a objectividade contabilística em níveis aceitáveis, ou seja, em níveis reconhecidamente científicos.

CANIBANO CALVO (1991, p. 62) defende que o estabelecimento de um sistema de medição composto por um conjunto de regras específicas e de fácil interpretação (e aplicação) favorece a afirmação da objectividade no processo contabilístico. Desta forma reduzem-se ao máximo as aplicações discricionárias ainda verificadas.

Acrescenta ainda que só quando vários Profissionais, aplicando as mesmas regras, chegarem a resultados idênticos, podemos concluir que nos encontramos perante um sistema de medição objectivo. Tem-se caminhado nesse sentido, sobretudo através da aceitação (cada vez) mais generalizada dos PCGA e da maior extensão e profundidade dos aspectos regulados.

Ao nível da Contabilidade da Empresa, as regras de medição e valorização estão subordinadas ao princípio da continuidade, ou seja, ao pressuposto de que a empresa não tem intenção nem necessidade de entrar em liquidação nem de reduzir significativamente o volume das suas operações (cf. Parte 4 - Princípios Contabilísticos - POC). Ao invés, em situações de liquidação, aquelas regras são de aplicação menos adequada.

Como vimos, não só para objectivos diferentes, como também em função das condições de funcionamento (normal, de redução significativa do volume de actividade, de inactividade, ou de liquidação) as regras de medição e valorização aplicáveis são também diferentes.

Vejamos, agora, a forma de ultrapassar situações menos comuns, ou aparentemente não tipificadas. Apesar da existência e reconhecimento de regras específicas, torna-se necessário, não poucas vezes, ainda que sem carácter universal (de aceitação generalizada),

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estabelecer a hierarquização dessas regras, cujo critério base deve ser o da prudência valorativa.

Não é descabido, neste momento, afirmar que a objectividade está estritamente ligada ao princípio da prudência. Este, por seu turno, aconselha o Profissional da Contabilidade a ter cuidado redobrado por forma a evitar a utilização de cálculos valorativos por excesso e de preços potenciais. Em suma, por norma, deve-se utilizar o princípio do custo histórico (de aquisição ou de produção) e, por vezes, o "justo valor".

Para terminar esta reflexão, resta-nos referir dificuldades na objectividade ao longo do tempo, durante o qual as entidades se propõem produzir, e, ou, prestar serviços.

As dificuldades podem minimizar-se através da aplicação consistente (uniforme) das regras (de medição e valorização), desde que estas se mostrem adequadas. Ao invés, se se revelarem inadequadas podem (devem) ser rejeitadas, desde que as substitutas contribuam decisivamente para a objectividade da informação contabilística 29

Formas de Representação 30

A representação contabilística de factos e transacções pode processar-se seguindo diversas técnicas, constituindo uma espécie de subproduto de investigações contabilísticas formalizadas (cf. CANIBANO CALVO, 1991, p. 64).

Esta faculdade é permitida no actual sistema contabilístico português, pois o POC, nestes casos, recomenda a indicação e justificação (no Anexo, Nota 1) das situações que, em casos excepcionais, tenham sido derrogadas. Aliás, o mesmo acontece na maioria dos Estados-membros da União Europeia, ao invocar-se para as derrogações o "macro-princípio da imagem fiel".

Em nossa opinião não se mostra imprescindível explanar pormenorizadamente esta temática. Por issso desenvolveremos apenas, ainda que não exaustivamente, a representação convencional. Aconselha-se, no entanto, a leitura de CANIBANO CALVO (1991, p. 62-75).

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Existem (pelo menos) quatro tipos de formas de representação:

- Convencional; - Matricial; - Sagital; e - Vectorial.

A representação convencional assenta na técnica das "partidas dobradas" (de Pacioli) e "consiste numa dupla ordem de registos: um cronológico por operações e outro sintético por conceitos que agrupa em cada conta todas as operações relativas a cada um dos conceitos ou elementos." (cf. CANIBANO CALVO, 1991, p. 64).

O registo cronológico por operações é usualmente conhecido por "Diário". O fundamento de tal denominação advém do facto dos comerciantes assentarem (escriturarem) diariamente as operações realizadas. O registo sintético por conceitos efectiva-se, em regra, por seu turno, no livro "Razão".

Com o intuito de se garantir a correcção (quantitativa) dos registos, esta forma de representação exige que periodicamente (por regra, mensalmente) se verifiquem os acumulados e os saldos das contas, através da elaboração de balancetes de verificação 31.

E, pois, fácil de concluir que se trata, sem quaisquer dúvidas, da forma de representação mais utilizada ao longo do tempo.

A representação matricial, tal como a designação indicia, consiste em associar a uma matriz quadrada 32 0 conjunto das contas (definidas pelo sistema contabilístico em análise).

Embora, nos dias de hoje, os programas informáticos possam garantir (e frequentemente garantem) a igualdade de débitos e créditos. 3 2 Canibano (cf. CANIBANO CALVO, 1991, p. 67, em roda-pé) explica em que consiste a matriz quadrada: "uma matriz de ordem m x n é um conjunto de m x n elementos do domínio dos números reais, dispostos em forma rectangular em m filas e n colunas . Quando m = n, diz-se que a matriz é quadrada.".

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Também este tipo de representação permite a verificação de acumulados e de saldos.

A representação sagital está intimamente ligada à anterior (matricial), uma vez que todo o gráfico tem associado uma matriz. Neste sistema de representação, cada conta constitui um vértice do gráfico, estando unidos por segmentos de recta ■" aqueles entre os quais existam relações, cujo fluxo é igual ao valor da transacção.

Este tipo de representação encontra um campo propício à sua aplicação nas empresas que têm centros (ou secções) de produção para consumo interno (noutros centros ou secções), sobretudo quando existem entre eles prestações recíprocas.

Por fim, existe a representação vectorial. Esta consiste na expressão formal do princípio da dualidade através de vectores. Em termos genéricos, a transacção (a registar) é traduzida por uma função F(x,y,t)=V, em que x e y representam o débito e o crédito, respectivamente; t representa a data da transacção e V representa o valor da transacção.

Segundo Canibano, a principal vantagem deste tipo de representação é a sua economia de linguagem; aspecto de grande importância para o tratamento informático dos dados.

À laia de conclusão, parece evidente que a técnica de representação formal mais utilizada foi e é a convencional (a que se baseia na técnica das partidas dobradas). Diremos mesmo que se trata da forma de representação de menor dificuldade de aplicação, embora as outras tenham muito maiores potencialidades na investigação formalizada da Contabilidade.

■" O autor designa o elo de ligação (representado por um segmento de recta) por "arco" (vd. CANIBANO CALVO, 1991, p. 72­4).

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Agregação

Até aqui examinámos apenas os aspectos e as fases do método contabilístico circunscritos à captação, quantificação e registo de factos e operações. Falta-nos analisar a etapa da sumarização (agregação), selecção e interpretação da informação fornecida pelo processo contabilístico.

A última etapa do método contabilístico resulta da necessidade de se passar de um vasto conjunto de dados (já ordenados e organizados sob o ponto de vista técnico) a sínteses mais compreensíveis e com maior utilidade, ou seja, a agregados (expressos, sobremaneira, nas Demonstrações Financeiras), imprescindíveis à tomada de decisões

Ressalta, desde já, uma dúvida: como se processa a construção dos agregados, partindo dos dados captados e registados?. Para responder a esta questão, CANIBANO CALVO (1991, p. 76) explica a coexistência de dois tipos de operações: as reais e as formais. Atribui carácter de "real" às transacções económico-financeiras que se vão efectivando e registando (se necessário). Contudo, repare-se que a captação, a quantificação e o registo das transacções, por si só (sem tratamento de síntese adequado), não proporcionam informação útil aos destinatários

Por isso, exige-se o tratamento desses dados acumulados, a fim de poder colher-se utilidade do seu registo, ou seja, obter-se uma visão mais agregrada e, simultaneamente, mais compreensível, facilitando, por seu turno, a análise da situação económico-financeira das entidades.

São estas novas operações que Canibano designa por "formais", por se relacionarem apenas com o próprio sistema instituído (contabilístico) e por serem isentas de qualquer abstração. O objectivo fundamental das operações formais é elaborar Demonstrações Financeiras que evidenciem a informação de forma sintética, que ponham em relevo magnitudes (grandezas, volumes, importâncias) económicas de interesse, e que proporcionem utilidade aos destinatários (internos e externos) no processo de tomada de decisões.

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Para terminar, resta-nos referir que as DF podem assumir várias formas e prestar tipos diferentes de informações, dependendo da estrutura das próprias unidades económicas, dos agregados que se pretendem evidenciar e dos objectivos das próprias DF.

Em termos muito gerais, podemos dizer que as DF podem referir-se a situações (ou posições) ou a fluxos (ou correntes). Nesta perspectiva, o Balanço constitui o exemplo de uma peça contabilística representativa de situações de uma entidade económica. A Demonstração de Resultados, a Demonstração da Origem e da Aplicação de Fundos e a Demonstração de Fluxos de Caixa são, por sua vez, exemplos de peças contabilísticas representativas de fluxos ou de correntes.

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CAPÍTULO III

CONSIDERAÇÕES ACERCA DA NATUREZA E DAS DIVISÕES DA CONTABILIDADE

1. NATUREZA DO CONHECIMNETO CONTABILÍSTICO

Neste capítulo, a questão fulcral não consiste em aceitar ou refutar esta ou aquela tipologia de classificação. O importante reside na necessidade de determinar uma posição (a melhor fundamentada) da Contabilidade na organização do conhecimento científico.

Não obstante não poucas vezes atribuir-se à Contabilidade características predominantemente matemáticas, excluímos, desde já, essa hipótese. Uma primeira razão relacionada com o facto de a Contabilidade estabelecer apenas relações indirectas com a Matemática e, um segundo argumento, devido ao facto de as soluções contabilísticas não serem obrigatoriamente rígidas e inflexíveis (não deixando de ser válidas), contrariamente à generalidade das soluções matemáticas.

Existem também defensores, baseados nas relações biunívocas ou essenciais entre a Contabilidade e o Direito, que atribuem à Contabilidade carácter predominantemente jurídico 34.

34 O estreitamento das relações entre o Direito e a Contabilidade atingiu o seu auge no paradigma legalista. Nos dias de hoje (predominância do paradigma da utilidade) essas relações estão atenuadas. Mesmo assim, defendemos que a Contabilidade e o Direito são, indubitavelmente, duas disciplinas autónomas. Contudo, não deixa de ser interessante a abordagem que Françoise Rey desenvolve na sua obra "Développements Récents de la Comptabilité", concretamente no Ponto 3 da Introdução - "Le Droit Contable" - a propósito da possibilidade de construção de um "Direito Contabilístico" (vd. REY, 1979, p. 11-21). Também Fernandez Pirla na obra "Una Aportacion a la Construccion dei Derecho Contable" desenvolve aquela ideia, com uma exposição mais profunda. O autor invoca a "origem (histórica) jurídica" da Contabilidade para fundamentar a sua posição. Realça, depois, que o alargamento do "facto económico" (em virtude da evolução e da mudança do contexto sócio-económico-político) proporciona, ao

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Apesar do iniludível relacionamento, não nos parece plausível afirmar a Contabilidade como disciplina jurídica, até porque o seu âmbito de aplicação ultrapassa a necessidade de estabelecimento e de definição das responsabilidades patrimoniais, que são objecto de estudo do Direito, além de que, nas últimas décadas, a Contabilidade tem-se autonomizado, mais ainda, do Direito.

A Contabilidade é uma disciplina económica; quer devido à natureza dos elementos com que opera; quer devido ao seu objecto de estudo: registo, medição, interpretação e comunicação, aos interessados, de informação económica (passada, presente ou futura); quer ainda em virtude da peculiaridade do seu método científico; quer, por fim, devido às características das técnicas de observação, captação, tratamento e apresentação da informação aos potenciais destinatários.

A medida que o contorno económico evolui, cresce a necessidade de informação económico-financeira. Para satisfazer esta necessidade exige—se o estabelecimento de canais veiculadores fidedignos, por forma a obter-se mais informação útil, no momento ideal (tempestivamente), tentando-se, assim, maximizar a satisfação das necessidades dos destinatários.

Uma vez que os destinatários exigem mais e melhores "outputs" da Contabilidade ("inputs" dos destinatários), numa cadência cada vez maior, afiguram-se duas hipóteses de resposta àquelas pretensões. Uma é aumentar os "inputs" do sistema de informação, o que, perante a inadequação do sistema de tratamento (ou de transformação) pode resultar em fracasso. Outra hipótese, possivelmente a mais correcta,

Direito, imiscuir-se no objecto (tradicional) da Contabilidade. Por fim, considera fontes do "Direito Contabilístico" os "usos" e a "jurisprudência" contabilísticos (cf. FERNANDEZ PIRLA, 1986). O "Direito Contabilístico" apresentado, quer por Rey, quer por Pirla, ainda não se afirmou completamente. Mas, pode adiantar-se que o "Direito Contabilístico" tende a ter muito de "não-Direito", ou melhor, no "Direito Contabilístico" podem prevalecer muitos conceitos de origem extra-jurídica, cabendo ao Direito, apenas, o papel de formalização.

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reside na manutenção do volume de dados recolhidos e, obrigatoriamente, na adaptação do processo de tratamento às necessidades dos destinatários.

Em consequência das necessidades crescentes dos operadores económicos vão surgindo, com alguma fundamentação, tendências para a defesa da Contabilidade como "Ciência de Informação". Nesta perspectiva, a Contabilidade é, como define a AAA 3 5 , "o processo de identificação, medição e comunicação da informação económica capaz de permitir juízos e decisões informadas aos seus destinatários.".

Não é descabido, portanto, falar de Contabilidade como "sistema de informação". Todavia, tem-se ido mais além, reputando-se a Contabilidade como "Ciência de Informação", embora tal posição não seja pacífica. Pensamos que a aceitação da Contabilidade como tal ("Ciência de Informação") dificulta ainda mais a demonstração do carácter científico do conhecimento contabilístico. E isto por uma razão simples: se uma disciplina, para constituir ciência, tem que estabelecer leis (relações de causa-efeito entre os fenómenos), onde estão as leis da Contabilidade-"Ciência de Informação"?. Onde está, pois, o seu carácter científico?.

Acresce que no processo contabilístico o que é recolhido ou identificado não é informação, mas sim "dados", melhor dizendo, "factos económicos". Só após o tratamento desses dados (sujeição ao método contabilístico) e quando apresentados de forma metódica, sintetizada e agregada constituem, então sim, informação, ou melhor informação económico-financeira. Só que as potencialidades da Contabilidade não se esgotam no momento do fornecimento da informação: estendem-se à interpretação e formulação de leis.

" Cf. AMERICAN ACCOUNTING ASSOCIATION: A Statement of Basic Accounting Theory, 1966 (cit. por TUA PEREDA, 1989).

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2. DIVISÕES DA CONTABILIDADE

Relativamente a esta matéria, não é necessário recorrer a este ou aquele autor para procedermos à subdivisão da Contabilidade em Microcontabilidade e, logicamente, em Macrocontabilidade. Interessa, neste momento, relembrar que o nosso estudo incide mais profundamente na Microcontabilidade e, no seio desta, na Contabilidade da Empresa ->6; s e m qualquer desprimor para os restantes campos daquela e, ou, para a Macrocontabilidade.

Em poucas palavras, a diferença entre os dois macroconjuntos verifica-se ao nível do objecto. Enquanto a Microcontabilidade tem o seu campo de actuação circunscrito à Contabilidade da Empresa, à Contabilidade do Sector Público (totalmente diferenciada da Contabilidade Nacional), e à Contabilidade das Entidades Sem Fins Lucrativos (associações, fundações, outros organismos, etc.); a Macrocontabilidade abarca a Contabilidade Nacional, a Contabilidade da Balança de Pagamentos e a Contabilidade das Transacções Interindustriais.

Refutamos, desde já, a ideia (impensada) de incluir a Contabilidade (escrituração) das designadas "macroempresas" ou "macrounidades" no campo de actuação da Macrocontabilidade. Esta confusão advém geralmente das dimensões normalmente maiores que caracterizam aquele tipo de unidades económicas (grupos económicos e multinacionais, por exemplo).

Segundo CANIBANO CALVO (1991, p. 42-54), as diferenças substanciais entre os referidos macroconjuntos evidenciam-se a dois níveis:

ib Como é óbvio, Microcontabilidade e a Contabilidade da Empresa não são expressões sinónimas. A primeira circunscreve o seu campo de actuação a todas as unidades económicas (não só empresas com fins lucrativos, mas também cooperativas, instituições, associações, etc.); a segunda, incide exclusivamente sobre as unidades de produção e as de prestação de serviços (com fins lucrativos).

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- Por um lado, a recolha de dados, na Macrocontabilidade, recorre com maior frequência a estimações estatísticas, em virtude de se tornar praticamente impossível a recompilação da globalidade das transacções ocorridas e, ou, registadas;

- Por outro, a concepção do sistema "macrocontabilístico" não tem um carácter integral, uma vez que é composto por vários modelos que tratam problemas diferenciados. No fundo, resume-se à integração de todos aqueles modelos num único sistema capaz de produzir paralelamente os dois tipos de informação (ao nível de cada modelo macroeconómico e ao nível do resultante da integração).

Expostas as diferenças essenciais entre os dois macroconjuntos, passemos à análise mais pormenorizada da Contabilidade da Empresa. Esta "constitui o sistema contabilístico por excelência", como afirma Canibano; ou, por outras palavras, trata-se do sistema contabilístico mais pormenorizado e desenvolvido, quenTrars atenção tem merecido ao longo dos tempos, quer sob o ponto de vista da prática profissional, quer sob o ponto de vista teórico.

Como é evidente, a empresa assume um papel imprescindível de base ou pilar de todo o sistema económico, através das suas operações (relações). A medida que a exigência de informação é maior, quer ao nível interno, quer ao nível externo, surge a necessidade de maximizar as potencialidades do "sistema de informação", ou seja, de a empresa produzir e transmitir informação mais útil e relevante.

As referências até aqui efectuadas situam-se apenas no contexto das economias de mercado. No entanto, a Contabilidade da Empresa assume especial importância quer nestes sistemas, quer nos sistemas de economias de planificação centralizadas, porque, em ambos os casos, a informação relativa a tais unidades é primordial 37 Sucede,

A temática não é tão linear como, ao princípio, se possa pensar. Da leitura do livro "La Réforme Comptable dans les Pays D'Europe Centrale et Orientale", editado pela OCDE (vd. OCDE, 1991) - que analisa, de forma bastante rigorosa, as implicações das transposições dos sistemas das economias planificadas para os sistemas de economias de mercado, verifica-se que o risco e a complexidade associados requerem prudência e ponderação.

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apenas, que nas economias planificadas, a Contabilidade da Empresa destina(va)—se, sobretudo, a dar informação para a elaboração e execução do Plano.

Devido à importância da Contabilidade da Empresa - por esta constituir o campo de actuação de grande parte dos Profissionais da Contabilidade e por representar o núcleo de incidência reiterada da investigação contabilística -, partimos para a delimitação do seu conceito e conteúdo.

Para o efeito, recorremos aos ensinamentos de Canibano. Cremos não subsistirem dúvidas de que a hipótese de divisão (e análise) mais adequada aos nossos intentos é a que se obtém em função dos destinatários da informação económico-financeira (cf. CANIBANO CALVO, 1991, p. 48).

Assim, se a informação é vocacionada e direccionada para o exterior (da empresa emissora) encontramo-nos perante a Contabilidade Financeira ou Externa 38 Ao invés, quando a informação é preparada predominantemente para utilização interna, isto é, da própria empresa, nos e para os diferentes níveis organizativos, encontramo-nos no campo da Contabilidade de Custos; e, surge, noutra perspectiva, a Contabilidade Previsional, que tanto pode destinar-se ao exterior, como, sobretudo, a utilizadores internos.

A Contabilidade Financeira restringe-se à preparação das DF, que por norma, devem traduzir a situação financeira e o resultado das

3 8 Vd. REQUENA RODRIGUEZ (1994). O autor, embora utilizando um método de exposição distinto do de Canibano (cf. CANIBANO CALVO, 1991), optando, inclusive, por designar a Contabilidade Financeira por Contabilidade Externa, chega às mesmas conclusões, que traduzimos na seguinte transcrição: "Na realidade os modelos de Contabilidade Externa e Contabilidade Interna não podem ser considerados como dois instrumentos diferentes, mas sim como duas partes ou peças complementares do mesmo instrumento, do mesmo modelo, que representam dois subsistemas complementares do sistema único da circulação do valor", e continua: "A informação que ambas produzem submete-se ao processo contabilístico para que seja útil à Direcção empresarial, nos seus diferentes níveis orgânicos,...".

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operações, relativos a determinado momento e período, definidos e delimitados. Os PCGA ocupam um lugar de destaque na sua preparação e apresentação. Aliás, a objectividade contabilística (distinta, naturalmente, da "exactidão") só é conseguida através deles. Só dessa forma é possível a comparabilidade intertemporal (consistência) e interempresarial (normalização).

No caso de grandes unidades económicas a Contabilidade Financeira, para atingir os seus objectivos mais facilmente, mune-se de técnicas como, por exemplo, a Consolidação Contabilística, para através de um só conjunto de DF evidenciar a situação financeira e o resultado do grupo, referentes a determinado momento e período.

Verifica-se, portanto, que a complexidade das empresas é cada vez maior, consequência das necessidades de adaptação ao meio envolvente (não só económico). Por isso, os destinatários requerem técnicas que lhes garantam informação mais útil e mais relevante e, também, fiável. É neste contexto que surge e se desenvolve a actividade da Auditoria, quer Interna, quer Externa (Legal ou Contratual), no intuito de se obter informação credível 39

Não obstante da imposição da Auditoria de Fonte Legal, commumente designada por "Revisão Legal" 40( assiste-se, sobretudo

3 9 A Auditoria tem, segundo FERNANDEZ PENA (1983, p. 177), uma função profilática (de prevenção), ou seja, assegura, a priori, que se observem determinados princípios e regras contabilísticos. O autor afirma: "o conhecimento da existência da Auditoria por parte do pessoal faz com que em muitas ocasiões tudo aconteça conforme os princípios estabelecidos". Tua Pereda reforça a função de credibilização ao escrever: "a Informação Financeira é um bem público, pelo que o Auditor garante fiabilidade a toda a comunidade".

A obrigatoriedade da Revisão Legal de Empresas para uma sociedade por quotas decorre do n° 2 do art°. 262 do CSC, isto é, quando aquela ultrapassar, durante dois anos consecutivos, dois dos três limites expressos nas alíneas a) a c):

a) Total de balanço: 350.000 contos; b) Total das vendas líquidas e outros proveitos: 600.000 contos; c) Número de trabalhadores empregados em média durante o ano: 50.

De realçar que o DL 343/98, de 06 de Novembro, vem "alterar" os dois primeiros limites, a partir de 01/01/1999, estabelecendo para a alínea a) 1.500.000 Euros

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ao nível das empresas de média e grande dimensões, ao recrutamento de Auditores Internos para os seus quadros.

Constata-se também, cada vez mais, o recurso à Auditoria de Fonte Contratual, sobretudo para estudar e avaliar o funcionamento e a eficácia do Sistema Contabilístico, do SCI - Sistema de Controlo Interno, e, por vezes, para a determinar o "valor da empresa" com o intuito de suportar operação(ões) futura(s) (v.g., aquisição, alienação, transformação, etc.).

Mostra-se necessário, a partir daqui, analisar as definições de Contabilidade de Custos (Interna) e de Contabilidade Previsional. Quanto à primeira, podemos dizer que os seus objectivos se centram na elaboração de informação útil e relevante para a adopção de decisões de exploração e de gestão.

Vimos que a Contabilidade Financeira privilegia os destinatários externos e que a preparação e apresentação das suas sínteses (DF) obedece aos PCGA. Ao invés, a Contabilidade de Custos produz informação para os diferentes níveis organizativos internos (consoante as necessidades).

Neste ramo da Contabilidade, a aplicação dos PCGA é reduzida. Podemos dizer até que, em vez de princípios contabilísticos, estão em causa peculiaridades técnicas dos vários processos produtivos (v.g., composição dos produtos, horas -homem ou máquina- despendidas, capacidade de produção, tempos por função ou centro de custo, etc.) e necessidades específicas de gestão, que podem conduzir à aplicação de regras muito próprias.

Por seu turno, a Contabilidade Previsional resulta da utilização do método contabilístico na produção (necessária) de informação relativa ao futuro. Porém, a preparação e a apresentação de DF Previsionais exige que, antes, se definam objectivos específicos (v.g., preços de vendas, volume de negócios, "mix" de produtos, nível de custos e outros), ou seja, metas prováveis e desejáveis 41 ( c u j a

(cerca de 300.000 contos) e para a alínea b) 3.000.000 Euros (cerca de 600.000 contos). Nesta data desconhece-se a taxa de conversão fixa e irrevogável.

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realização depende da verificação das condições (internas e externas) consideradas.

No fundo, a Contabilidade Previsional resulta do processo de planeamento da empresa quer a curto, quer a médio e longo prazo. O planeamento depende dos objectivos traçados. Por sua vez, os objectivos devem derivar da evolução da empresa, conjugada com estudos e análises sistematizados das tendências, comportamentos sócio-económicos e metas estratégicas.

O bom conhecimento das condições externas (meio envolvente, evolução dos consumos, preços, inflação, etc.) e a previsão da evolução das mesmas são elementos que o planeamento não pode nunca negligenciar. De realçar, ainda, que intrinsecamente ligado às DF Previsionais está a necessidade do posterior controlo, isto é, apurar, analisar e justificar desvios entre o previsto e o realizado.

Na prática, a elaboração e apresentação de DF Previsionais está (geralmente) associada a situações excepcionais (v.g., avaliações de empresas, projectos de investimentos, transformações de sociedades, etc.); quando, em nosso entender, deveriam constituir a regra, não por imposição legal ou de terceiros externos às empresas, mas para serem utilizadas (constantemente) na tomada de decisões internas. CANIBANO CALVO (1991, p. 51) afirma: "pode dizer-se que uma empresa alcançou o grau de organização aceitável quando é capaz de basear as suas decisões no processo contabilístico previsional, realizado deforma regular.".

Por fim, cabe-nos referir que ao nível da Contabilidade Previsional os PCGA desempenham um papel importantíssimo, análogo ao do das DF Históricas. Apenas quanto ao "princípio do custo histórico" se poderão suscitar dúvidas, mas, mesmo assim, o

4 1 Na prática, não poucas vezes, verifica-se que a técnica utilizada para a preparação das Demonstrações Financeiras Previsionais consiste em sujeitar todo o processo de construção à (máxima) capacidade produtiva da empresa. Por outras palavras, parte-se (incorrectamente) da premissa: vamos vender o que produzimos. Contudo, o bom Planeamento deve rejeitar aquela fórmula e utilizar uma outra, bem distinta: vamos produzir o que se vender, ou seja, deve partir-se das orientações e metas do Departamento Comercial (conhecedor do mercado e suas necessidades) para a valorização e fixação das outras metas.

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Profissional da Contabilidade procurará estimar (passe o absurdo da expressão) um "custo histórico previsional", isto é, um custo de aquisição, ou de produção previsível para o exercício n+1, n+2, etc.

É comum, nos tempos que correm, ouvirmos falar de Contabilidade de Direcção (tradução da denominação original inglesa: "Management Accounting"). Muito sucintamente, Contabilidade de Direcção pode entender-se como o sistema de informação construído para servir as necessidades específicas da gestão de dada entidade. E isto exige recolha de informações e adaptações a partir de sistemas existentes (e, ou, a criação de novos).

Tratando-se de um sistema de informação, pergunta-se: quais são os "inputs" do sistema?. Mais ainda: a recolha de informação (para tratamento) poderá limitar-se apenas a algum dos tipos de Contabilidade (anteriormente apresentados)?.

A Contabilidade de Direcção recolhe (selecciona) informação em cada um dos vários tipos de Contabilidade da Empresa (Financeira, de Custos, Previsional) para a prossecução dos seus fins: proporcionar a tomada de decisões de gestão. A recolha não se limita, em exclusivo, a nenhum tipo de Contabilidade, mas, ao invés, a todos. Porém, a Contabilidade de Direcção, recolhendo informação daqueles ramos, é mais do que a simples soma deles, visto que os trata, ou reelabora, de acordo com necessidades específicas de gestão.

Após esta breve exposição, parece-nos, à primeira vista, que o campo de actuação da Contabilidade de Direcção, sendo "interno", amplia-se (para o exterior), por um lado, e reduz-se, por outro. A ampliação reside no facto de a Contabilidade Financeira lhe proporcionar (através de sínteses - DF - e da construção de rácios) juízos acerca da rendibilidade e da situação financeira da empresa. Também a Auditoria proporciona à Direcção melhorar o seu sistema contabilístico e o SCI - Sistema de Controlo Interno 42.

O ROC, no exercício normal das suas funções, pode (deve), após o estudo dos sistemas referidos, emitir relatório (v.g., intitulado "Propostas para a Melhoria do Sistema de Controlo Interno"), no qual comunica à Direcção os "pontos fracos"

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A redução do âmbito explica-se pelo facto de nem toda informação contabilística previsional e de custos interessar à Contabilidade de Direcção. Concretamente, a Contabilidade de Custos fornece a possibilidade de a Contabilidade de Direcção conhecer a relação entre o volume de produção e os respectivos custos e resultados e possibilita também o cálculo de preços contabilísticos de operações (transferências) intergrupos. Por seu turno, a Contabilidade Previsional proporciona a análise e a determinação de desvios (entre o previsto e o realizado) e permite, ainda, avaliar (v.g., por centro de custos) o grau de cumprimento dos objectivos estabelecidos.

A laia de conclusão, transcrevemos a definição apresentada por CANIBANO CALVO (1989, p. 9):

"A Contabilidade Directiva (ou de Direcção) processa, analisa e interpreta informação relevante e oportuna para a adopção de decisões, especialmente, com carácter estratégico; intervém prioritariamente, de forma pluridisciplinar, nos três processos básicos das funções directivas:

- diagnóstico da empresa (interno e externo); - planeamento estratégico (e táctico); - controlo estratégico (e de gestão).".

Convém, por fim, tecer alguns comentários acerca das restantes divisões da microcontabilidade, uma vez que, relativamente à Contabilidade da Empresa, pensamos ter explanado o essencial. Existem diferenças significativas entre a Contabilidade da Empresa, a Contabilidade do Sector Público e a Contabilidade dos Organismos Sem Fins Lucrativos.

Explicitando, o ramo da Contabilidade da Empresa direccionado para o exterior (Contabilidade Financeira/Externa) preocupa-se com a elaboração e a apresentação de sínteses de informações (expressas nas DF, com especial destaque para o Balanço, a Demonstração de Resultados - demonstrações de alterações da posição financeira - e o

detectados e, como é lógico, apresenta propostas de medidas tendentes à eliminação dos mesmos.

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Anexo), por forma a evidenciar a posição financeira, suas alterações e o resultado das operações da empresa.

Por seu turno, a Contabilidade do Sector Público é, frequentemente, desenvolvida em "base caixa" e, inclusivamente, pode não ser digráfica (v.g., o caso português que utiliza o "método de acumulação"). Também a Contabilidade dos Organismos Sem Fins Lucrativos é, em regra, simplificada, isto é, menos desenvolvida, podendo satisfazer os seus destinatários com informações sobre a origem e a aplicação (discriminada) de recebimentos e de pagamentos 43

Atendendo, sobremaneira, às vicissitudes do meio económico e, portanto, às consequentes adaptações do sistema contabilístico, defendemos que qualquer média e grande empresa deve possuir Contabilidade Previsional e desenvolver também Contabilidade Directiva, a fim de menos dificilmente atingir os seus objectivos 44 Ê; em última análise, melhor assegurar a sua continuidade.

Vd. Nota (21). De realçar que, não poucas vezes, a simplificação (facultativa) prevista para a elaboração e apresentação das DF não significa, de forma alguma, redução do tratamento contabilístico. Basta invocar a obrigatoriedade das Associações e Outros Organismos (e empresas) que desenvolvem simultaneamente várias actividades (isentas, ou não, ao nível de IRC e de IVA) de possuírem contabilidade que abranja, inequivocamente, todas as suas actividades (cf. alínea c) do n°. 3 do art°. 10°. do CIRC). Por sua vez, o CIVA estabelece que "a contabilidade deve ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controle..." (cf. n°. 1 do art° 44°. do CIVA). 4 4 Não referimos a Contabilidade Interna porque consideramos óbvio que é difícil a sobrevivência da empresa sem o recurso a este tipo de Contabilidade (pouco ou suficientemente desenvolvida, optando pela digrafia ou não, interessando primordialmente que forneça informação útil relevante). Contudo, recorde-se que a implementação de qualquer sistema contabilístico deverá ser analisado à luz da dicotomia custo/beneficio.

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3. EXEMPLO DA ARTICULAÇÃO E DO RELACIONAMENTO DOS VÁRIOS RAMOS DA CONTABILIDADE DA EMPRESA

Para compreendermos melhor a articulação e o relacionamento dos vários ramos da Contabilidade da Empresa consideramos útil, após a exposição teórica efectuada, a apresentação de um exemplo elucidativo.

Suponhamos que determinada empresa industrial, sujeita a revisão legal, dispõe (além da Contabilidade Externa, obrigatória) de um sistema de Contabilidade Interna e um outro de Contabilidade Previsional.

A gestão da empresa, no fim do ano n-1, reestruturou o plano estratégico (política de actuação a médio prazo que segue há alguns anos), introduzindo os ajustamentos julgados necessários, tendo em atenção, sobremaneira, uma nova meta: a reestruturação do "mix" de produtos comercializados. Com efeito, a empresa pretende, a partir do ano n, iniciar a comercialização de um novo produto, cuja margem bruta 45 rondará os 40 % (cf. informações da Contabilidade Interna e Previsional).

A reestruturação do plano tomou em consideração, em primeiro lugar, o Plano de Comercialização, o Plano de Produção e o Plano do Pessoal, ou seja, seguiu a filosofia do princípio "vamos produzir o que se vende".

No final dos trabalhos contabilísticos referidos ao exercício n (antes do "fecho" definitivo, isto é, antes de o ROC ter efectuado todo o seu trabalho), verificou-se que o volume das vendas previsto (quantidades e valores) foi atingido. Contudo, apesar do plano ter sido meticulosamente reestruturado, a margem bruta do produto novo atingiu apenas os 25 %, o que causou um ligeiro agravamento na margem bruta global e, consequentemente, no resultado líquido do exercício.

4 3 Considera-se neste exemplo a margem bruta como sendo a diferença entre o preço de venda e o custo industrial (matérias + mão de obra + gastos gerais de fabrico).

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No exercício normal das suas funções, o ROC detectou, através do "teste às rubricas e flutuações não usuais", alguns comportamentos de evolução nalgumas contas de custos que analisou pormenorizadamente, concretamente nas contas de "Conservação e Reparação", "Custos com o Pessoal" e "Amortizações do Exercício".

Os serviços da empresa e o ROC analisaram em conjunto as razões de tais variações anormais, chegando às seguintes conclusões:

- o acréscimo significativo dos custos de "conservação e reparação" ficou a dever-se à necessidade de alteração de vários mecanismos e "ferramentas e utensílios". Na opinião do ROC alguns desses custos deveriam ser capitalizados, e diferidos;

- o acréscimo anormal registado na conta de "despesas com o pessoal" ficou a dever-se à admissão de um técnico do produto (previsto no plano) e, sobretudo, ao aumento significativo de horas de formação remuneradas (aos formadores e aos formandos) que ultrapassaram largamente o número de horas previstas. Na opinião do ROC, o custo de algumas dessas horas deveriam ser diferidas tendo em atenção o ciclo de vida do produto;

- o acréscimo verificado ao nível das "amortizações do exercício" explicou-se pelo investimento efectuado nos finais do ano n-1 (com entrada em funcionamento no ano n) e no ano n para produzir o novo produto. A taxa de amortização utilizada foi 20 % (critério fiscal -método das quotas constantes - taxa máxima).

Apesar da explicação aparentemente satisfatória, o órgão de gestão da empresa pretende saber em qual daqueles custos o desvio foi maior. Para o efeito, recorre à Contabilidade Previsional comparada com a Contabilidade Interna. Esta, por seu turno, proporciona as seguintes informações:

- os desvios nos custos de "conservação e reparação" não são materialmente relevantes;

- o desvio apurado nos "custos com o pessoal" é significativo porque, apesar de se prever a admissão do técnico do produto e a formação dos trabalhadores, o número de horas previstas mostrou-se manifestamente insuficiente. Por outro lado, também não se tomou em

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consideração a agravante da contribuição para a segurança social das horas extras;

- Ao nível das "amortizações do exercício", não se verificou qualquer desvio digno de referência.

Conhecendo-se, então, que o principal desvio se verificou ao nível dos "custos com o pessoal", pretende o órgão de gestão saber em que secção(ões) foi mais acentuado. Para o efeito, recorre às informações da Contabilidade Interna.

Após todo esse processo contínuo de rectificação e aperfeiçoamento (Contabilidade de Direcção), partindo da "análise das rubricas e variações não usuais" (Contabilidade Financeira) e da análise de desvios (Contabilidade Previsional, comparada com outra), determinando e imputando responsabilidades (Contabilidade Interna), eventualmente com a colaboração do ROC (Auditoria Contabilística), pode o órgão de gestão reelaborar, mais rigorosamente, o plano para o ano n+1 e seguintes.

Recorde-se, por fim, que o exemplo apresentado (meramente académico) serve apenas para melhor evidenciar as relações que se estabelecem entre os vários ramos da Contabilidade da Empresa e o consequente processo de reestruturação do plano.

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CAPÍTULO IV

A PREVISÃO DO CONHECIMENTO CONTABILÍSTICO

1. INTERPRETAÇÃO DAS DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS

1.1. Considerações Introdutórias

Apesar de entendermos a Contabilidade como disciplina científica, admitimos, obviamente, que a sua aceitação como tal não é pacífica. Alguns defensores da Contabilidade como mero conjunto de técnicas, ou como a "arte do registo" invocam, não poucas vezes, a incapacidade de generalização da disciplina, e, consequentemente, de previsão. Contudo, os argumentos por eles utilizados só aparentemente são convincentes, por três ordens de razões:

a) - Considerando a Contabilidade como registo, medição, interpretação e comunicação de informação económica, pode deduzir-se que a(s) operação(ões) de interpretação, ainda que considerada(s) isoladamente, representa(m) uma parte significativa do objecto contabilístico.

Todavia, suscitam-se, desde já, algumas questões, por exemplo: a Contabilidade interpreta o quê?; com que obiectivo(s)?; e, como (de que forma)?. Não poucas vezes, afirma-se que a interpretação incide apenas sobre os documentos de suporte (nem sempre justificativos) de operações, factos e circunstâncias que modificam (quantitativa e qualitativamente) a situação das empresas. Essa afirmação corresponde só em parte à verdade. Pois, se é um facto que o Contabilista examina pormenorizadamente cada documento 46 c o m 0

4 6 Sabemos que na maior parte dos casos de médias e grandes empresas raras vezes é o Contabilista quem executa essas tarefas. As suas funções são mais de supervisão do que de execução propriamente dita. Por outro lado, cada vez mais, assistimos à implantação de subsistemas diversos dentro de um sistema relevação geral digráfica e, inclusive, de subsistemas independentes e extradigráficos (cf.

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intuito de avaliar e verificar a sua adequação legal, os valores nele inscritos, e a correspondência com a(s) operação(ões) que traduz, também não é menos verdade que desse exame (imprescindível) pouca informação resulta com utilidade para o órgão de gestão.

Com efeito, a interpretação a que inicialmente nos referimos é aquela que incide sobre as DF. Estas sintetizam o conjunto de operações, factos e circunstâncias, respeitantes a vários exercícios económicos. Por sua vez, a interpretação da informação nelas contida proporciona o conhecimento da situação financeira e sua evolução, bem como dos resultados das operações da empresa.

O principal interessado no conhecimento da evolução da situação económico-financeira de determinada empresa é (deve ser) o seu próprio órgão de gestão. Com efeito, compete-lhe obter essa informação, podendo enveredar pela sua análise ou pelo recurso ao trabalho de profissionais especializados (vg., Contabilistas, TOC's e Consultores). As exigências informativas do órgão de gestão são cada vez maiores, o que, em certa medida, vem contribuir para o desenvolvimento de técnicas de análise e interpretação das DF, as quais normalmente são designadas de Análise Financeira. Todavia, a análise das DF é, ou é sobretudo, Contabilidade, do mesmo modo que a análise especializada de informação económica é Economia (isto é, aplicação de ensinamentos da Economia).

Sucede, aliás, que a Contabilidade prestou e presta ainda contributos irrecusáveis e imprescindíveis na fixação de noções e conceitos (agora) reclamados como seus pela Análise Financeira 41\ tais como: capital fixo, capitais permanentes, capitais circulantes, capitais próprios, fundo de maneio (líquido e reduzido),

FERNANDES FERREIRA, 1984, p. 13). Nestes casos, e após a comprovação da eficácia do funcionamento do subsistema (v.g., o de facturação) o exame aos documentos ("n/ facturas") quase não é accionado.

Não está em causa demonstrar que os referidos conceitos e noções têm, ou não, as suas origens na Contabilidade. O importante é reconhecer que a Análise das Demonstrações Financeiras é também Contabilidade. Assim sendo, pensamos que a referida análise deve ser feita por Contabilistas e, ou, por outros analistas com formação predominantemente de natureza contabilística.

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financiamento, autofinanciamento, etc. Mais, refira-se que a formação (académica e prática) de qualquer analista de DF deve ser predominantemente de natureza contabilística.

b) A segunda está relacionada com a formação do actual Profissional da Contabilidade. Este já não é (nem pode ser) identificado com a pessoa que se limita a juntar metodicamente os documentos contabilísticos (e outros), e que os classifica, lança e arquiva. Eventualmente poderá desenvolver essas tarefas, mas as suas funções não se devem circunscrever àquelas.

O Contabilista, cada vez mais, terá que analisar e comunicar (mensal e anualmente), ao órgão de gestão, a evolução económico-financeira da empresa; com base, naturalmente, em balancetes mensais e nas peças finais obtidas pelo processo contabilístico. É óbvio que a Análise das Demonstrações Financeiras é Contabilidade, como já frisámos.

c) Por fim, entendemos que deve existir uma relação de colaboração recíproca muito estreita entre o Contabilista e o Analista Financeiro (sobretudo, o externo à empresa) - nos casos em que não são a única e mesma pessoa - porque efectivamente só quem processa e interpreta os dados contabilísticos e, ou, quem elabora as peças finais conhece (deve conhecer) o conteúdo e peculiaridades de cada conta e agregado; bem como as alterações de políticas contabilísticas e seus efeitos nas Demonstrações Financeiras.

Observe-se, no entanto, que os aspectos anteriormente referidos têm que ver com a aplicação da Contabilidade, não com o corpo teórico da disciplina.

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1.2. Alguns Exemplos de Perspicácia Contabilística

A não tomada em consideração de certos pormenores (contabilísticos) pode deturpar significativamente a Análise das Demonstrações Financeiras. Vejamos alguns exemplos:

CASO I - O desconhecimento do montante real 48 das dívidas incobráveis e de cobrança duvidosa pode desvirtuar não só os rácios de liquidez (geral e reduzida) como também não permitir o cálculo correcto do prazo médio de recebimento 49

Apresentamos, seguidamente, um exemplo numérico demonstrativo (vd. Quadro I e II) dos efeitos que a consideração da premissa (Caso I) têm na determinação da liquidez (geral e reduzida).

Escrevemos "real" porque acontece na prática, não poucas vezes, a conta "218 -Clientes de Cobrança Duvidosa" não evidenciar a totalidade dos valores considerados (pelo gestor ou analista de crédito) incobráveis ou de cobrança duvidosa. Acresce ainda o facto de, frequentemente, a "Provisão para Cobranças Duvidosas" ser movimentada atendendo apenas a critérios fiscais. Assim sendo (a nossa prática de Auditoria confirma-o), raramente a provisão é adequada à contigência real de incobrabilidade.

Tanto o prazo médio de recebimento como os rácios de liquidez têm no numerador o valor da dívida dos clientes, quer isoladamente (no primeiro caso), quer integrados no conceito de activo circulante (no caso dos rácios da liquidez). Assim sendo, a consideração de valores incorrectos podem adulterar os rácios em causa, negativa ou positivamente. A versão original deste trabalho contém um exemplo elucidativo dos efeitos no PMR. No presente limitar-nos-emos a apresentar exemplo para os rácios da liquidez.

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DADOS REFERENTES À ACTIVIDADE DA EMPRESA "SOCIEDADE EXEMPLO, LDA"

(em contos) Agregados/Informações Cálculos 31/12/97 31/12/96 31/12/95

(1) Disponibilidades 110.000 130.000 95.000

(2) Clientes (C/C.+ Tít) 5 0 450.000 385.000 310.000

(3) Clientes de Cobrança Duvidosa 51 75.000 45.000 35.000

(4) Vai. Líquido Clientes (4)=(2)-(3) 375.000 340.000 275.000

(5) Outros Créditos Curto Prazo 120.000 150.000 65.000 (6) Existências 420.000 470.000 540.000

(7) Débitos Curto Prazo 700.000 750.000 570.000

QUADRO I

Vejamos agora como se comportam os indicadores da liquidez. Consideramos, no primeiro caso, valores brutos de clientes; no segundo, valores líquidos (excluindo os saldos de "clientes de cobrança duvidosa") e, por fim, introduz-se, no segundo caso, o efeito dos saldos de "clientes de cobrança duvidosa" considerados pelo ROC (vd. Ponto (8) do Quadro II).

5° Inclui os saldos dos "Clientes de Cobrança Duvidosa" (evidenciados na conta "218 - Clientes de Cobrança Duvidosa" ou na Nota 23 do Anexo). 51 Trata-se, neste caso, de valores apresentados pelo órgão de gestão. Pressupomos que os saldos considerados decorrem da correcta aplicação dos PCGA, dos critérios valorimétricos e das políticas contabilísticos. Poderíamos, desde já, introduzir uma linha com os valores "reais" dos saldos de "Clientes de Cobrança Duvidosa" (v.g., a partir do cálculo efectuado pelo ROC da empresa).

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MAPA DE CÁLCULO DA LIQUIDEZ (GERAL E REDUZIDA)

(em contos/percentagem)

Agregados/Rácios Cálculos 31/12/97 31/12/96 31/12/95 (8) Clientes de Cobrança Duvidosa(cf. opinião ROC) 80.000 45.000 60.000 (9) Cálculo da Liquidez (9.1.) Considerando o Valor Bruto de Clientes: (9.1.1.) Geral

(9.1.2.) Reduzida

(9.1.1)=((D+(2)+(5)+(6))/ /(7)*100

(9.1.2)=((l)+(2)+(5))/(7)* 100

157,1 %

97,1 %

151,3 %

88,7 %

177,2 %

82,5 %

(9.2.) Considerando o Valor Líquido de Clientes: (9.2.1.) Geral

(9.2.2.) Reduzida

(9.2.1)=((l)+(4)+(5)+(6))/ (7)*100

(9.2.2)=((l)+(4)+(5))/(7)* 100

146,4 %

86,4 %

145,3 %

82,7 %

171,0 %

76,3 %

(9.3.) Considerando 9.2. e o Valor dos Clientes de Cob. Duvidosa (cf. ROC): (9.3.1.) Geral

(9.3.2.) Reduzida

(9.3.1H(D+(2)-(8)+(5) +(6))/(7)*100

(9.3.2)=((l)+(2)-(8)+(5))/ (7)*100

145,7 %

85,7 %

145,3 %

82,7 %

166,7 %

71,9 %

QUADRO II

Sintetizando, as variações ocorridas nos indicadores da liquidez (geral e reduzida) estão estritamente relacionadas com o montante considerado adequado para representar o saldo de "clientes de cobrança duvidosa". Não esqueçamos, porém, que deve ser utilizado um critério consistente de cálculo.

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CASO II - Um outro aspecto que o Analista não deve negligenciar relaciona-se com os efeitos 52 j a contabilização preconizada pelo POC para os "Subsídios para Investimentos", sobretudo, ao nível do rácio da autonomia financeira (capitais próprios/activo total líquido).

Vejamos, pois, o que o POC preceitua a propósito da sua contabilização:

"Incluem-se nesta conta os subsídios associados com activos que deverão ser transferidos, numa base sistemática, para 7983 "Proveitos e Ganhos Extraordinários - Outros Proveitos e Ganhos Extraordinários - Em Subsídios para Investimentos" à medida que forem contabilizadas as amortizações do imobilizado a que respeitem." (cf. Parte 12 - Notas Explicativas, concretamente da conta 2745 "Proveitos Diferidos - Subsídios para Investimentos").

Sintetizando, a contabilização, grosso modo, resume-se a:

- pelo recebimento do "subsídio para investimentos "

- Débito : Disponibilidades - Crédito : "2745 - Proveitos Diferidos -

Subsídios Para Investimentos"

- pelo processamento das amortizações do equipamento subsidiado (e do outro)

- Débito : Amortizações do Exercício - Crédito : Amortizações Acumuladas

->^ A nossa análise desenvolve-se apenas na óptica contabilística. Não é, portanto, abordada a vertente fiscal. De igual forma, não é objecto do nosso estudo a análise dos diversos tipos de subsídios existentes no nosso país, nem a respectiva legislação específica.

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- pela "transferência numa base sistemática "

- Débito : "2745 - Proveitos Diferidos -Subsídios Para Investimentos"

- Crédito : "7983 - Outros Proveitos e Ganhos Extraordinários - Em Subsídios para Investimentos"

No intuito de melhor alcançarmos os objectivos a que nos propomos, suponhamos o seguinte exemplo:

A "Sociedade de Calçado do Norte, Lda" 53} n 0 exercício de 1993, adquiriu equipamento básico (linha de montagem) no valor de 200.000 contos para o qual recebeu, também nesse exercício, um subsídio de 100.000 contos. A empresa procede à amortização do equipamento de acordo com o método das quotas constantes, sendo o período de vida útil estimado de oito anos. De realçar ainda que o subsídio para o investimento é a fundo perdido, sem vinculação de metas a atingir pela empresa e que não gera custos associados.

O Contabilista da empresa seguiu as normas do POC 54 p a r a a contabilização das operações supra referidas (cf. ANEXOS I, II e III - valores em contos). Assim, no exercício de 1993, a conta "2745 -Proveitos Diferidos - Subsídios para Investimentos" registou a crédito uma importância de 100.000 contos (pelo recebimento do subsídio) e, ainda nesse exercício, uma redução de 12.500 contos (a débito) respeitante à transferência, numa base sistemática, para a conta "7983 - Outros Proveitos e Ganhos Extraordinários - Em Subsídios para

A firma da empresa que utilizámos não corresponde à verdadeira, embora não escondamos tratar-se de uma empresa de fabricação de calçado. Também os valores foram alterados, através do produto dos valores reais por um número inteiro. 5 4 Algumas vezes (já o detectámos na nossa prática de auditoria) os contratos de concessões dos subsídios impunham aos beneficiários a contabilização do montante recebido em contas de "reservas", contraditando, desse modo, o estabelecido pelo POC.

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Investimentos" de 50 % do valor das amortizações do exercício correspondentes ao imobilizado comparticipado.

Analisamos, agora, a forma de cálculo (numa base sistemática) do valor a debitar na conta "2745 - Proveitos Diferidos - Subsídios para Investimentos" (no exercício de 1993 e seguintes):

Cálculo:

MAPA DOS MOVIMENTOS DA CONTA 2745

Exercícios Valor do

Investimento Amortização do Exercício

12,5*200.000 c.

Comparticipação Subsídio/Invest.

100.000/200.000 c.

Valor a Debitar na Conta 2745 25.000 c.*0,5

1993 200.000 c. 25.000 c. 50% 12.500 c.

1994 25.000 c. 50% 12.500 c.

2000 25.000 c. 50% 12.500 c.

QUADRO III

Resta-nos apreciar o comportamento dos vários agregados que directamente provoquem modificações no rácio da autonomia financeira. Para o efeito, elaborámos o Quadro IV:

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MAPA DE AUTONOMIA FINANCEIRA POTENCIAL

(em contos/percentagens) Agregados/Rácios 1994 1993 1992

(1) Activo Líquido 1.464.938 1.507.470 1.266.024

(2) Capitais Próprios 491.598 456.196 423.400

(3) Subsídios Para Investimentos 75.000 87.500

(4) Autonomia Financeira (2)/(l) 33,6 % 30,3 % 33,4 %

(5) Aut. Financeira Potencial 5 5

((2)+(3))/(l) 38,7 % 36,1 % 33,4 %

QUADRO IV

Da análise do Quadro IV ressalta que, no exercício de 1993, em consequência do aumento do imobilizado (quase exclusivamente relacionado com o investimento comparticipado) o activo líquido sofreu um acréscimo de 19,1 %. Por seu turno, os capitais próprios aumentaram apenas 7,7 % (fruto do resultado do exercício e de

55 Neste caso concreto, pretendemos com a utilização do termo "potencial" ressaltar a possibilidade de a autonomia financeira (dita tradicional) ser corrigida com o intuito de melhor informar internamente (no seio da empresa). Ao nível externo a informação deve, em princípio, ser normalizada; embora, em nossa opinião, a evidência dessa correcção possa (deva) ser feita no Relatório de Gestão (cf. alínea a) - "Evolução da Gestão" -, n°. 2 do art0. 66°. do CSC - Código das Sociedades Comerciais).

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resultados transitados). Desta feita, a evolução mais significativa verificada no denominador do rácio (capitais próprios/activo líquido) provocou uma pioria na autonomia financeira;

No exercício de 1994 é notória uma melhoria no rácio da autonomia financeira à custa da diminuição do activo líquido (em virtude da redução do valor nominal das existências (vd. Anexo I) e do incremento do valor dos capitais próprios (vd. Anexo II).

Em termos globais, regista-se uma quebra em 1993 de 3,1 pontos percentuais (relativamente a 1992). Contudo, tomando em consideração o rácio da autonomia financeira potencial (raramente considerado) deparamos com uma evolução positiva gradual 5í>: 33,4 %, em 1992; 36,1 %, em 1993; e 38,7 %, em 1994.

Em suma, podemos afirmar que a utilização pouco frequentemente (mesmo a nível interno) do conceito de autonomia financeira potencial (por nós definido) demonstra bem a necessidade da relação que (já) existe (e deve existir) entre a Contabilidade e a Análise das Demonstrações Financeiras, ou melhor, de que só pode ser bom Analista das Demonstrações quem dominar o conteúdo e a movimentação das contas.

Quer isto dizer que o normativo contabilístico impõe e condiciona valores que vão ser objecto de Análise das DF. É nesta perspectiva que (reafirme-se) a análise das Demonstrações Financeiras é Contabilidade.

Ora, a partir do momento em que a Análise das DF faz parte integrante do objecto (formal) da Contabilidade, é-nos permitido concluir que a nossa disciplina pode estabelecer leis e, consequentemente, prever.

Mesmo que entrássemos em linha de conta com o acréscimo de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas - IRC -, que estimamos, em termos práticos, em 40 % (a incidir sobre o Subsídio Para Investimentos - Linha 3 do Quadro IV), a evolução do rácio da autonomia potencial seria gradualmente crescente: 33,4 %, em 1992; 33,7 %, em 1993; e 36,6 %, em 1994.

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C A S O I I I - Não nos esqueçamos também dos efeitos contabilísticos^ (sobremaneira dos considerados materialmente relevantes) decorrentes das imposições (contabilísticas) da Directriz Contabilística n°. 10 - Regime Transitório da Contabilização da Locação Financeira -, de Novembro de 1992 -, uma vez que, também estes, devem ser tomados em consideração pelo Analista, relativamente ao exercício de 1994 e seguintes.

Muito sucintamente, podemos dizer que os ajustamentos contabililísticos preconizados pela DC n°. 10 são susceptíveis de revestir um carácter de regularizações (não frequentes) sem significado (material) ou, ao invés, de grande significado 5 8 , reconhecendo-se (o ganho ou a perda) e contabilizando-se, no primeiro caso, em contas de "outros ganhos" ou "outras perdas" extraordinários, ou, em alternativa, em contas de "resultados transitados".

Com efeito, no exercício de 1994 (e seguintes), as empresas locatárias cujos ajustamentos preconizados pela DC n°. 10 originaram regularizações não frequentes de grande significado, ou seja,

^7 A vertente fiscal não merece, da nossa parte, quaisquer comentários. Relativamente ao regime de transição (contratos (ainda) em vigor em 01/01/94 com início anterior a essa data) os ajustamentos contabilísticos não podem determinar um resultado fiscal diferente do que resultaria se não se procedesse àqueles ajustamentos. Tal significa que, em 1994, se dos ajustamentos de transição tiverem resultado perdas ou ganhos, o resultado contabilístico deve ter sido corrigido, acrescendo-se ou deduzindo-se, consoante se tratasse de perdas ou ganhos, respectivamente. Também, se contabilizados na conta "59 - Resultados Transitados ", as variações patrimoniais não deveriam ter sido consideradas para efeitos fiscais (cf. DL 420/93, de 28 de Dezembro). 5 8 De realçar que é a própria DC n°. 10 (cf. alínea d) do Ponto 3) que remete para a DC n°. 8 - Clarificação da Expressão "Regularizações não Frequentes e de Grande Significado", Relativamente à Conta 59 -"Resultados Transitados" - a clarificação da expressão "regularização de grande significado". No entanto, pensamos que a interpretação (e clarificação) deve fazer-se recorrendo também ao exposto nos Pontos 29 e 30 - Materialidade - na "Estrutura Conceptual para a Preparação e Apresentação das Demonstrações Financeiras", da IASC (cf. Parte C, Divisão 2, Ponto 2.01 do Manual do ROC).

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materialmente relevantes, viram os seus capitais próprios alterados. Consequentemente, essas variações (positivas ou negativas) tiveram (continuam a ter no futuro) efeitos imediatos no rácio da autonomia financeira (não só, v.g. no da cobertura do imobilizado, no da solvabilidade, etc)59.

Conclui-se, portanto, que o Analista deve estar atento aos aspectos contabilísticos em que baseia a sua análise. Tratando-se de um Analista Externo (à empresa), este deve, se assim o entender, solicitar esclarecimentos ao Contabilista, por forma a adequar a sua análise à realidade da empresa examinada. Deste modo, na maior parte das vezes, justificam-se algumas (aparentes) variações e evoluções não usuais ou de grande significado nos rácios e em outros indicadores.

Para terminar esta temática sublinhamos a necessidade da relação de auxílio e complementaridade que deve existir entre o Contabilista e o Analista, quando não identificados na mesma e única pessoa. Atente-se ao que Arlindo F. Santos diz a este propósito:

"Os rácios proporcionam uma base para emitir um juízo ou um diagnóstico. São um simples instrumento, que não substitui a apreciação do analista "^ e não um mecanismo automático de valor absoluto. Há que considerar em cada caso a sua importância e peso relativo. Pretender que cada rácio deva alcançar um valor concreto e determinado, para ter certa significação, sem ter em consideração as circunstâncias do caso concreto, conduz geralmente a conclusões erradas (não condizentes com a prática do funcionamento da empresa)." (cf. SANTOS, 1991, p. 121-2).

Entende-se, pois, que o Contabilista/Analista deve ponderar caso a caso o valor dos rácios e de outros indicadores; deve, por regra, ter em consideração as circunstâncias do caso concreto (v.g., sector de actividade, forma jurídica da entidade, alterações de políticas contabilísticas por opção (nível interno) ou por imposição (normativo,

No texto original existe um exemplo demonstrativo. O sombreado é do autor.

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geralmente externo), etc.), e não se deve inibir, nunca, de solicitar esclarecimentos ao órgão de gestão.

Essa forma de actuação não coloca, jamais, em causa a sua competência profissional e técnica. Também não se opõe, naturalmente, a quaisquer normas de ética ou deontologia; visa apenas o ajustamento (aperfeiçoamento) da sua análise à realidade do funcionamento da empresa sob exame.

Nos casos em que o Analista é um profissional externo (à empresa), o Contabilista não deve considerar aqueles procedimentos como acto de intromissão no seu domínio de actividade. Tão pouco deve temer a perda ou a redução do seu papel no processo contabilístico.

2. LEIS E PREVISÕES DA CONTABILIDADE

Uma vez demonstrado que a Análise das Demonstrações Financeiras é Contabilidade, cabe-nos, neste momento, analisar a(s) possibilidade(s) de estabelecimento de leis e previsões. Contudo, antes de outras considerações, pretendemos evidenciar que "Demonstrações Financeiras Prospectivas" 61 e "Leis e Previsões" são expressões que designam realidades diferenciadas. Com efeito, as primeiras resultam da prática contabilística (prospectiva ou previsional), "Leis e Previsões" são, por seu turno, frutos da investigação contabilística.

Muito resumidamente, a elaboração das DF Prospectivas não deve negligenciar nenhum dos seguintes aspectos e cada decisão deve ter subjacente razões tecnicamente fundamentadas:

- os preços de venda a praticar;

0 1 Utilizámos a terminologia da Recomendação Técnica (RT) n°. 11 - Revisão da Informação Financeira Prospectiva-, revista em Agosto de 1994 (cf. Parte B, Ponto 1.2. - Recomendações Técnicas -, Manual do ROC). É também usual designar aquelas demonstrações por "previsionais" (vd. v.g., BAPTISTA DA COSTA 1994 p. 35).

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- o volume de vendas esperado; - o "mix" dos bens e, ou, dos serviços; e - o nível de custos esperado.

Qualquer alteração significativa nas condições (internas ou externas) é susceptível de provocar desvios que, a posteriori, têm de ser estudados e justificados.

Assim, para a elaboração das DF Prospectivas não está tanto em causa conhecer as leis (previsões) contabilísticas, mas antes a aplicação adequada de princípios e técnicas contabilísticos, bem como a capacidade de assentar em premissas que espelham, geralmente, a qualificação e a experiência do Profissional que as formula.

Sintetizando, as DF Prospectivas mesmo quando correctamente elaboradas (sob o ponto de vista técnico e à luz dos princípios contabilísticos aplicáveis) têm, na maior parte dos casos, uma validade bastante limitada: até à primeira alteração significativa nas condições, que pode revogar toda a utilidade (inicial) das referidas DF. Por seu turno, as Leis permanecem válidas e actuais.

Tecidas considerações introdutórias, partimos para a demonstração da existência de leis contabilísticas, recorrendo para o efeito a Joaquim Ferreira Ribeiro. O autor para estudar a "dinâmica patrimonial" 62 distingue duas vertentes: a dinâmica quantitativa e a dinâmica qualitativa, conseguindo evidenciar, em ambos os casos, a existência de leis.

Vejamos, pois, de que forma o fenómeno quantitativo pode traduzir-se em lei, através da seguinte relação: "O equilíbrio quantitativo de qualquer unidade económica, num certo intervalo,

"^ Atente-se que "património" é conceito muito marcado por aspectos jurídicos. Como tal, não é o mais adequado para tratar da Contabilidade no Geral, embora o possa ser em abordagens dentro de determinados "paradigmas" ou "programas de investigação". Sucede, porém, que as leis que Ferreira Ribeiro apresenta são aplicáveis ao "património" da empresa ou aos seus activos e passivos. Acresce-se que razões de fidelidade ao pensamento do citado autor obrigam-nos a manter o termo "património".

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torna-se tanto mais estável, quanto maiores forem as variações devedoras do Activo e do Passivo, e tanto menos estável, quanto maiores forem as variações credoras do Activo e do Passivo, nesse intervalo." (cf. FERREIRA RIBEIRO, 1985, p. 191).

Estamos, neste momento, perante uma lei contabilística que, como qualquer lei, estabelece uma relação constante entre variáveis (variações activas e passivas e seus efeitos na estabilidade).

No que se refere ao fenómeno dinâmico qualitativo, o autor parte da premissa que todos os elementos do activo tendem a transformar-se em dinheiro (meios líquidos); uns de um modo imediato ou quase (activo realizável); outros de modo mediato (activo permutável), e, um terceiro tipo, que pode respeitar a longo prazo (activo imobilizado).

Contudo, em condições normais, o objectivo da actividade desenvolvida pela empresa não se pode reduzir à conversão de todos os seus activos com certo grau de realização noutros de grau de realização maior, procurando, assim, obter a máxima liquidez. Essa situação extrema acabaria por paralisar a empresa.

No entanto, pode afirmar-se que em cada tipo de empresa existe um ponto óptimo, aquém do qual não haverá meios líquidos suficientes para a realização dos seus objectivos e além do qual poderão existir meios líquidos em excesso. Terá, pois, de encontrar-se esse ponto óptimo. É neste sentido que surge uma nova lei:

"A conversão de um elemento Activo de um certo grau de realização noutro de grau maior coloca o património numa posição de equilíbrio financeiro qualitativo melhor do que a que possuía anteriormente; inversamente a conversão de um elemento Activo de um certo grau de realização noutro de grau menor, coloca o património numa posição de equilíbrio financeiro qualitativo pior do que a que possuía anteriormente" (cf. FERREIRA RIBEIRO, 1985, p. 193).

No que diz respeito aos elementos passivos, é também possível a apresentação de uma lei análoga à anterior, mas tendo em consideração o grau de exigibilidade (e não o de realização). Assim, o equilíbrio financeiro qualitativo será tanto melhor quanto menor for o

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grau de exigibilidade; inversamente o equilíbrio financeiro degradar-se-á se aumentar o grau da exigibilidade dos Passivos.

Na posse das leis anteriores, podemos agora estabelecer uma lei mais geral. Para o efeito, consideramos que a realização dos activos deve, por norma, satisfazer a exigibilidade dos passivos. Recordemos que a realização de activos traduz-se na fórmula: "passar da iliquidez à liquidez" (cf. FERREIRA RIBEIRO, 1985, p. 195), decorrendo essa passagem da actividade normal da empresa. Daqui resulta o seguinte corolário:

"As vendas e, ou, as prestações de serviços com lucro "3 dão ao património um equilíbrio qualitativo melhor do que aquele que anteriormente possuía, porque aumentam o Activo Circulante Realizável, quando realizadas a prazo ou o Activo Circulante Líquido, quando efectuadas a pronto pagamento." (cf. FERREIRA RIBEIRO, 1985, p. 195).

De forma análoga, podemos também deduzir um corolário para as compras efectuadas com vista a permitir a reposição do Activo Circulante Permutável "4 :

"As compras colocam o património numa posição de equilíbrio financeiro qualitativo pior do que possuía anteriormente, visto diminuírem imediatamente o Activo Circulante Líquido quando efectuadas a pronto pagamento, ou mediatamente quando realizadas a crédito; por vezes provocam o aumento imediato do passivo." (cf. FERREIRA RIBEIRO, 1985, p. 196).

63 Acrescentámos às vendas as "prestações de serviços" não por considerarmos incorrecto o corolário, mas tão só para estendermos (explicitamente) a sua aplicação às empresas cuja actividade é, também ou só, a prestação de serviços. 64 Excluímos deste estudo as aquisições de imobilizados uma vez que estas não se destinam (imediatamente) a repor o Activo Circulante Permutável e porque, por regra, aquele tipo de aquisições deve ser financiado por capitais (próprios ou alheios) de médio e longo prazo, para que se respeite o princípio do equilíbrio financeiro mínimo. Este, em síntese, exige que se financie um activo com um capital de maturidade (ou exigibilidade) compatível com a vida económica desse activo e respectiva capacidade de geração de meios monetários. E claro que, daqui, se poderia deduzir uma lei.

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Continuando a explanação, ressalta que sendo a empresa um sistema (um todo sinérgico) parece-nos pouco razoável a consideração em separado dos dois corolários. Com efeito, uma empresa não se limita nem só a comprar, nem só a vender. Desenvolve, normalmente, (pelo menos) essas duas funções para que possa operar continuamente.

Assim, o facto de a empresa ser considerada sistema, e em virtude de a mesma ter necessidade de dispor, regra geral, de Activos Circulantes Permutáveis, Realizáveis e Líquidos e de os converter em meios líquidos, conduz-nos a analisar, agora, a possibilidade de existência de uma lei definidora da proporção que deve verificar-se entre aqueles três tipos de activos.

Logo à partida, face às peculiaridades de cada sector de actividade, será difícil estabelecer-se uma proporção adequada de aplicação generalizada, ou seja, que satisfaça todas e quaisquer empresas. Apesar de tudo, é possível enunciar uma lei orientadora do equilíbrio qualitativo do património:

"O Activo Circulante Permutável, por um lado, e os Activos Circulantes Líquidos e Realizáveis, por outro, acomodam-se na razão inversa da velocidade de circulação entre si e na directa dos volumes que os constituem." (cf. FERREIRA RIBEIRO, 1985, p. 197).

A explicação desta lei resume-se nos quadros seguintes (V e VI). a) Vejamos o porquê de "...acomodam-se na razão inversa da

velocidade de circulação entre si..." (Quadro V):

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QUADRO DA PROPORÇÃO ENTRE ACTIVOS CIRCULANTES

Velocidade de Circulação do

Activo Circulante

Volume do Activo Permutável (Existências)

Necessidade de Activos

Realizáveis e Líquidos

- Quanto maior for a velocidade de circulação

- Para um maior volume de Activo Permutável

- Menor é a necessidade de Activos Realizáveis e Líquidos

- Quanto menor for a velocidade de circulação

- Para um maior volume de Activo Permutável

- Maior é a necessidade de Activos Realizáveis e Líquidos

QUADRO V

b) Analisemos agora a segunda parte da lei: "...e na directa dos volumes que os constituem..." (Quadro VI):

QUADRO DA RAZÃO DIRECTA DOS VOLUMES DO ACTIVO CIRCULANTE

Volume do Activo Permutável

Volume dos Activos Realizáveis e

Líquidos - Quanto Maior - Maior

- Quanto Menor - Menor

QUADRO VI

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Finalmente estamos aptos a apresentar uma lei contabilística mais global, uma vez que sintetiza a exposição que temos vindo a encetar. Assim:

"O avigoramento da estabilidade do equilíbrio qualitativo do património de qualquer empresa, através da sucessão dos instantes, está na razão directa da aceleração da realização do seu Activo e na inversa da aceleração da exigibilidade do seu Passivo." (cf. FERREIRA RIBEIRO, 1985, p. 198).

A laia de conclusão, podemos afirmar que as leis contabilísticas, como quaisquer leis científicas, assentam em vários pressupostos (verificação de certas condições) e obtêm-se a partir do estudo e análise das relações que se estabelecem entre diferentes grandezas das Demonstrações Financeiras.

Resta-nos, por fim, concluir que a Contabilidade a partir das (suas) leis (algumas das quais enunciadas) pode, à semelhança de outras disciplinas científicas, prever. Por outras palavras, não só as leis como as previsões contabilísticas obedecem aos requisitos do conhecimento científico.

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CAPÍTULO V

CONCLUSÕES FINAIS

Da exposição e análises apresentadas e retendo apenas os aspectos que consideramos de maior relevância, resulta que:

- A delimitação do conceito "ciência", por mais elaborada que seja, origina, não poucas vezes, algumas reticências. Esta constatação é visível nas divergências que surgem entre os vários autores estudados.

- De facto, tivemos que assentar numa definição-base. Em síntese, definimos ciência como sendo um sistema de conhecimentos metódicos e universalmente verificáveis, produzidos a partir da observação cuidada e rigorosa da realidade, sobre os quais se opera e exerce controlo, no sentido de se descobrirem as leis dos fenómenos, as quais proporcionam a generalização e, consequentemente, a previsão.

- A observação da realidade (objecto formal) é a responsável primeira pela criação das várias disciplinas científicas (ciências matemáticas, da natureza e sociais) e não o "método" como, por vezes, se insinua.

- A construção do conhecimento científico depende, antes de mais, de uma metodologia adequada, que, de uma forma geral, constitui o que se designa de "método científico", cujo núcleo (ou essência) permanece mais ou menos fixo nas adaptações que os vários ramos do saber encetam. Esse núcleo designámo-lo de "método conceptual".

- Da análise das diversas formas que o método científico assume sem se descaracterizar, verifica-se que não se põe em causa a universalidade do conhecimento científico.

- Do estudo mais pormenorizado da problemática da previsão, explicitada na definição-base seleccionada, conclui-se que a previsão científica decorre de se ter compreendido as causas, as consequências e, logo, as leis dos fenómenos. Ao invés, a "previsão empírica carece dessas origens.

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- A defesa da Contabilidade como ciência e não como técnica e, ou, arte exige a análise comparativa de tais conceitos. A maior controvérsia reside na ciência e na técnica, uma vez que "arte" se relaciona mais intensamente com as emoções e a subjectividade do sujeito (artista). Com efeito, a ciência mune-se de técnicas para prosseguir na aquisição de conhecimentos, mas não se limita às técnicas: ultrapassa-as, estabelecendo leis. Outro aspecto diferenciador é o facto de a técnica visar a eficiência e a optimização de recursos, o que não é primordial na ciência.

- Do estudo comparativo e crítico de várias definições de Contabilidade conclui-se que se trata de uma disciplina científica, com objecto e método científico próprios, que recorre a um vasto conjunto de técnicas contabilísticas (sobremaneira técnica da digrafia e da representação convencional), e com capacidade de previsão.

- O seu objecto formal circunscreve-se à identificação, classificação, medição, registo, interpretação e comunicação de informação económico-financeira (passada, presente e futura) aos interessados (internos e, ou, externos).

- Uma vez que o objecto formal condiciona a adaptação do método conceptual sem, contudo, o descaracterizar, houve necessidade de analisar as especificidades do método contabilístico. Vimos que consiste na articulação e conjugação de vários aspectos (postulados, premissas, regras e técnicas, concretamente: princípio da dualidade; regras de medição e valorização; formas de representação e agregação) que permitem passar da observação da realidade económica às demonstrações financeiras.

- Da análise do princípio da dualidade resulta que as "partidas dobradas" não podem ser consideradas postulado ou princípio contabilísticos. O princípio da dualidade é muito mais do que uma simples técnica: assenta na clara consciência de que qualquer operação económica ou financeira se decompõe numa fonte de financiamento (origens, recursos) e num elemento financiado (aplicação, emprego); portanto transcende a simples técnica de contraposição de débitos e créditos e fundamenta registos que decompõem as operações em fontes de financiamento e aplicações.

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- Conclui-se, portanto, que: a Contabilidade não pode ser exclusiva nem predominantemente técnica, nem, tão pouco, limitar-se à "arte do registo". É algo mais, em virtude das suas características e requisitos marcadamente científicos; do seu objecto de estudo delimitado e definido; do seu método científico de tratamento e produção de conhecimentos; da sua faculdade de estabelecer leis e, consequentemente, da possibilidade de previsão. Nesta perspectiva, a Contabilidade é ciência.

- Acerca da sua natureza, rejeita-se a possibilidade de a Contabilidade ser uma disciplina matemática e, ou, uma disciplina jurídica. De facto, a Contabilidade não apresenta soluções rígidas (exactas) e irrefutáveis, como a Matemática nem o seu objecto, nem o seu método são o da Matemática; por outro lado, apesar de o Direito exercer uma influência (limitação) significativa sobre a prática contabilística, jamais se poderá identificar a Contabilidade como disciplina jurídica, pois o seu objecto é específico e o seu método único. Acresce que a noção da Contabilidade como subsidiária ("Álgebra") do Direito está, em definitivo, ultrapassada.

- Atendendo ao objecto e aos fins que tem em vista: identificar, registar, medir, interpretar e comunicar (aos interessados) informação económico-financeira, a Contabilidade afirma-se como disciplina de natureza económica.

- Para realçar que as considerações anteriormente tecidas são aplicáveis quer à Micro quer à Macrocontabilidade analisaram-se as diferenças mais relevantes entre estes dois macro-conjuntos. A diferenciação reside no método de recolha de dados. Com efeito, a Macrocontabilidade recorre com frequência a estimações estatísticas; por seu turno, a Microcontabilidade assenta na sistemática captação e registo directo de factos e transacções (uma a uma).

- Definidos tais macro-conjuntos, fez-se centrar a análise na Microcontabilidade e muito particularmente na Contabilidade da Empresa (Contabilidade Financeira, Interna e Previsional). Vimos que a Contabilidade Financeira (ou Externa) deve proporcionar aos destinatários (externos) a imagem verdadeira e apropriada da situação financeira e dos resultados das operações da empresa. Ao invés, a

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Contabilidade Interna (ou de "Custos") deve proporcionar, aos destinatários internos (órgãos de gestão e directivos), informações dos custos e proveitos inerentes às actividades de exploração.

- Verifica-se que a evolução do meio sócio-económico (não raras vezes, imprevista) exige da Contabilidade novas técnicas; novas respostas (v.g., Consolidação de Contas, Auditoria e Revisão Legal) para fazer face às exigências cada vez maiores dos destinatários: mais utilidade, mais relevância e mais fiabilidade (v.g., avalizada pelo parecer do ROC).

- A Contabilidade Previsional surge como ferramenta imprescindível para minimizar as consequências que as vicissitudes do meio envolvente podem trazer. A actuação deste ramo da Contabilidade acompanha o planeamento da empresa a curto e a médio e longo prazos.

- Constata-se, na prática, que a implementação de um sistema contabilístico previsional resulta, por norma, de imposições legais (ou de terceiros externos à empresa) para suportar operações excepcionais (v.g., avaliações, projectos de investimentos, transformação de sociedades, etc) e não da vontade própria do órgão de gestão.

- Para completar o estudo dos ramos da Contabilidade da Empresa, abordou-se, por fim, a Contabilidade de Direcção. Esta resulta de necessidades informativas específicas da gestão; recolhe informações nos outros ramos de Contabilidade da Empresa sem, contudo, ser a sua simples soma: é algo mais amplo e diferenciado. Em suma, é o ramo da Contabilidade que proporciona à Direcção a adopção de decisões estratégicas.

- Defende-se, ao terminar o capítulo III, que qualquer empresa de média e grande dimensões deve ter implementado (e em funcionamento), além dos sistemas obrigatórios (de Contabilidade Externa e Interna), um sistema contabilístico previsional razoável. Com efeito, a partir deles, pode constituir-se também um adequado sistema de Contabilidade Directiva para, no mínimo, ajudar a empresa a operar continuamente, se esse for (como é razoável supor-se) o seu intento.

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- Uma vez que a aceitação (generalizada) de determinada disciplina como sendo científica depende, em grande medida, da capacidade que essa disciplina tem para prever, tornou-se necessário demonstrar que a Contabilidade usufrui da faculdade de estabelecer leis, e, partindo delas, de prever a realidade económico-financeira.

- As exigências informativas crescentes dos órgãos de gestão e dos restantes destinatários (sobretudo externos) vêm contribuir para o aparecimento e aperfeiçoamento de técnicas de análise e interpretação das Demonstrações Financeiras, com o intuito de se produzir mais e melhor informação útil.

- Neste contexto, a Contabilidade presta contributos irrecusáveis na construção e fixação de noções e conceitos que a Análise das Demonstrações Financeiras utiliza. Com efeito, defende-se que a análise das DF é, não pode deixar de ser, Contabilidade; como tal, deverá ser desenvolvida e executada por Profissionais da Contabilidade (Contabilistas que processem informação, ou outros que apenas a analisem).

- Assim, o Contabilista não se deve limitar às funções tradicionais (reunir, classificar, registar e arquivar documentos). Além dessas funções, ele deve analisar (e interpretar) e comunicar (mensal e anualmente), ao órgão de gestão, a evolução económico-financeira da empresa.

- Defende-se, no caso de se tratar de profissional externo (à empresa), que o analista das DF pode (deve) solicitar ao Contabilista da empresa esclarecimentos adicionais sobre o conteúdo e peculiaridades das contas e agregados, bem como solicitar informações sobre rubricas não usuais (não habituais no sector ou na empresa). É também o Contabilista que pode informá-lo com maior rigor acerca da alteração das políticas contabilísticas ou dos critérios valorimétricos utilizados. Desconhecer ou negligenciar essas situações conduz, inevitavelmente, a análises desajustadas da realidade da empresa.

- Com o intuito de demonstrar os efeitos de tal negligência ou da não consideração de elementos específicos apresentaram-se três situações (exemplos):

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CASO I - Desconhecimento do valor real das dívidas incobráveis e de cobrança duvidosa;

CASO II - Efeito dos Subsídios para Investimentos" no rácio da autonomia financeira (e outros);

CASO III - Ajustamentos do regime transitório do "leasing" (DC n°. 10).

- Sendo a análise das Demonstrações Financeiras também Contabilidade é possível que o processo contabilístico conduza a estabelecer leis válidas. As leis contabilísticas relacionam, normalmente, os agregados das Demonstrações Financeiras; assentam em vários pressupostos (como qualquer lei científica) e constroem-se a partir do estudo e da análise das relações que se estabelecem entre as grandezas das DF.

- Recorde-se, a título de exemplo, a lei enunciada por Ferreira Ribeiro (cf. FERREIRA RIBEIRO, 1985, p.198): "o avigoramento do equilíbrio qualitativo do património de qualquer empresa, através da sucessão de instantes, está na razão directa da aceleração da realização do seu Activo e na inversa da aceleração da exigibilidade do seu Passivo.

- Conclui-se, no término do Capítulo IV, que a Contabilidade, à semelhança das outras disciplinas científicas, partindo das suas próprias leis consegue prever a realidade (económica). Mais, as leis contabilísticas obedecem a requisitos científicos, isto é, são válidas e verificáveis. Neste sentido, e para terminar, podemos afirmar que Contabilidade é ciência, ou seja, é uma disciplina científica.

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SOCIEDADE DE CALCADO

A C T I V O 1994 1993 1992

1. IMOBILIZAÇÕES

* Imobilizações Incorpóreas

VALOR | % VALOR | 7o VALOR | 7o 1. IMOBILIZAÇÕES

* Imobilizações Incorpóreas 10420 0,7% 6.850 0,5% 6.850 0,57o * Imobilizações Corpóreas 1.179.858 80 ,5% 1.049.612 69,6% 848.350 67,07o * (AmortAcumuladas-Imobil.Corpóreas) 773.840 52,8% 673.532 44 ,7% 580.190 45,8% * (Amor(.Acumuladas - Imobil.lncorp.) 6.850 0,5%

28,0%

6.850 0,5%

24,9%

6.010 0,5%

21,27o Total Imob.Corp.+Incorp. 409.588

0,5%

28,0% 376.080

0,5%

24,9% 269.000

0,5%

21,27o * Imobilizações financeiras

* Partes de capital 200 0,0% 200 0,0% 200 0,0% * Obrig.+Tit.Part.+Empr. de financ. 0 0,07o 0 0,0% 0 0.07o * Outros investimentos Financeiros 0 0,0% 0 0,0% 0 0,07o * (Prov.+AmortAc.-Invest.Financ.) 0 0,0%

0,0% 0,0%

0 0,0%

0,0% 0,0%

0 0,07o

0,07o 0.0%

200 0

0,0%

0,0% 0,0%

200 0

0,0%

0,0% 0,0%

200 0

0,07o

0,07o 0.0% * Imobilizações em curso

200 0

0,0%

0,0% 0,0%

200 0

0,0%

0,0% 0,0%

200 0

0,07o

0,07o 0.0%

Total de Imobilizações 409.788 28,0% 376.280 25,0% 269.200 21,3% 2. EXISTÊNCIAS

28,0% 376.280 25,0% 21,3%

* Mercadorias 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% * Adiant.p/conta de compr. - Mercad. 0 0,0% 0 0,0% 0 0,07o * (Prov. p/Deprec.de Exist.- Mercad.) 0 0,0%

0,0%

0 0,0%

0,0%

0 0,0%

0,0% 0

0,0%

0,0% 0

0,0%

0,0% 0

0,0%

0,0% 0

0,0%

0,0% 0

0,0%

0,0% 0

0,0%

0,0% * Produtos Acabados e Intermédios 46.430 3,2% 57.492 3,8% 149.780 11,8% * Subprod.,Desp.,Resíduos e Refugos 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% * Produtos e Trabalhos em curso 50.452 3,4% 63.272 4,2% 72.644 5,7% * M.P. Subsidiarias e de Consumo 318.192 21,7% 345.352 22,9% 416.204 32,9% * Ad.p/conta de cornpr. - Outr.compras 0 0.0% 0 0,0% 0 0,0% * (Prov. p/Deprec.de Exist. - Outros) 0 0,0%

28,3% 28,3%

0 0,0%

30,9% 30,9%

0 0,0%

50,4% 50,4%

415.074 415.074

0,0%

28,3% 28,3%

466.116 466.116

0,0%

30,9% 30,9%

638.628 638.628

0,0%

50,4% 50,4%

415.074 415.074

0,0%

28,3% 28,3%

466.116 466.116

0,0%

30,9% 30,9%

638.628 638.628

0,0%

50,4% 50,4%

415.074 415.074

0,0%

28,3% 28,3%

466.116 466.116

0,0%

30,9% 30,9%

638.628 638.628

0,0%

50,4% 50,4%

3.TERCEIROS(L.P.)

0,0%

28,3% 28,3%

0,0%

30,9% 30,9%

0,0%

50,4% 50,4%

* Clientes 0 0,0%, 0 0,0% 0 0,0% * Accionistas/Sócios 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% * Outros 0 0,0%

0,0%

0 0,0%

0.0%

0 0,0%

0,0%, Total de terc. dem.l.p. 0

0,0%

0,0% 0

0,0%

0.0% 0

0,0%

0,0%, 4.TERCEIROS{C.P.)

0,0%

0,0%

0,0%

0.0%

0,0%

0,0%,

* Clientes 452.332 30,9% 385.288 25,6% 309.604 24,5% * (Provisoes p/cobr.duvid.- Clientes) 56.400 3,8%

27,0%

45.364 3,0%

22,5%

38.844 3,1%

21,4% 395.932

3,8%

27,0% 339.924

3,0%

22,5% 270.760

3,1%

21,4% 395.932

3,8%

27,0% 339.924

3,0%

22,5% 270.760

3,1%

21,4% * Fornecedores 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% * Emprest. Concedidos 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% * Estado e Outros Entes Públicos 78.310 5,3% 71.760 4,8% 49.730 3,9% * Accionistas/Sócios 0 0,0% 0 0,07o 0 0,0% * Outros Devedores 43.214 2,9% 75.666 5,0% 15.776 1,2% * (Provisoes p/ cobr. duvid.- Outros) 0 0,0%

8,3%

0 0,0%

9,8%

0 0,0%

5,2% Total outr. cred. de c.p. 121.524

0,0%

8,3% 147.426

0,0%

9,8% 65.506

0,0%

5,2% Total de créditos de c.p. 517.456 35,3% 487.350 32,3% 336.266 26,6%

5. DISPONIBILIDADES 35,3% 32,3% 26,6%

* Caixa 17.006 1,2% 2.398 0,2% 564 0,0% * Depósitos bancários 96.592 6,6% 170.132 11,3% 21.366 1,7% * Tit.Neg.+Aplic.Tesouraria 0 0,0% 0 0,07» 0 0,0% * (Prov.para Aplic.Tes ouraria) 0 0,0%

7,8%

0,6%

100%

0 0,0%

11,47o

0,3%

100%

0 0.0%

1,7%

0,0%

100%

Total de disponibilidades 113.598

0,0%

7,8%

0,6%

100%

172.530

0,0%

11,47o

0,3%

100%

21.930

0.0%

1,7%

0,0%

100%

6. ACRÉSCIMOS E DIFERIMENTOS 9.022

0,0%

7,8%

0,6%

100%

5.194

0,0%

11,47o

0,3%

100%

0

0.0%

1,7%

0,0%

100% 1464938

0,0%

7,8%

0,6%

100% 1507470

0,0%

11,47o

0,3%

100% 1266024

0.0%

1,7%

0,0%

100% 1464938

0,0%

7,8%

0,6%

100% 1507470

0,0%

11,47o

0,3%

100% 1266024

0.0%

1,7%

0,0%

100% ANEXO I

Page 106: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

BALANÇO DA EMPRESA: SOCIEDADE DE CALC ADO DO NOI ÍTE, LDA

PASSIVO + CAPITAL PRÓPRIO 1994 1993 1992

CAPITAL PRÓPRIO

* Capital

VALOR | % VALOR | % VALOR | % CAPITAL PRÓPRIO

* Capital 200.000 13,77c 200.000 13,3% 200.000 15,8% * (Accoes / Quotas proprias) 0 0,07c 0 0,0% 0 0,0% * Prestações Suplementares 0 0,0% 0 0,0% 0 0,07o * Prémios de emissão 0 0,0% 0 0,07c 0 0,0% * Ajustamentos de partes de capital 0 0,0% 0 0,07c 0 0,0% * Reservas de reavaliação 0 0,0% 0 0,07o 0 0,07o * Outras Reservas 256.196 17,5% 221.800 14,7% 196.970 15,6% * Resultados Transitados {+/-) 0 0,0% 0 0,07o 0 0,07o * Resultados Líquidos 35.402 2,4% 34.396 2,3% 26.430 2,1% * (Dividendos Antecipados) 0 0,0%

33,6%

0 0,07o

30,37c

0 0,07o

33,4% Total do Capital próprio 491.598

0,0%

33,6% 456.196

0,07o

30,37c 42.1400

0,07o

33,4%

PASSIVO DE M.L.P.

0,0%

33,6%

0,07o

30,37c

0,07o

33,4%

* Fornecedores 0 0,0% 0 0,07c 0 0,07o * Empréstimos Bancários 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% * Outros Empréstimos 0 0,0% 0 0,07c 0 0,07o * Estado e Outros Entes Públicos 0 0,0% 0 0,07c 0 0,07c * Accionistas/Sócios 94.000 6,470 120.000 8.0% 200.000 15,87o * Outros Credores 0 0,07c

6,47o

0 0,0%

8,07c

0 0,0%

15,8% Total do passivo dem.l.p. 94.000

0,07c

6,47o 120.000

0,0%

8,07c 200.1X10

0,0%

15,8%

PASSIVO (CP.)

0,07c

6,47o

0,0%

8,07c

0,0%

15,8%

* Fornecedores 291.158 19,9% 400.702 26,6% 342.674 27,1% * Empréstimos Bancários 303.294 20,7% 237.150 15,77o 143.304 11,37o * Outros empréstimos 0 0,0% 0 0,07o 0 0,07o * Estado 61.728 4,27o 57.138 3,87o 38.338 3,07o * Accionistas / Sócios 1.662 0,1% 1.662 0,1% 536 0,0% * Outros Credores 45.638 3,17o 57,628 3,87o 39.122 3,17o * Prov. p/outros riscos e encargos 0 0,07o

48,07o

12,0%

0 0,07o

50,0%

11,7%

0 0,07o

44,57o

6,2%

Total do passivo de c.p. 703.480

0,07o

48,07o

12,0%

754.260

176.994

0,07o

50,0%

11,7%

563.974

78.650

0,07o

44,57o

6,2% ACRÉSCIMOS E DIFERIMENTOS 175.860

0,07o

48,07o

12,0%

754.260

176.994

0,07o

50,0%

11,7%

563.974

78.650

0,07o

44,57o

6,2%

TOTAL DO PASSIVO 973.340 66,47o 1.051.274 69,7% 842.624 66,6%

TOTAL DO CAPITAL P. + PASSIVO 1464938 100% 1507470 100% 1266024 100%

107

Page 107: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

INDIC. ECON. FINANCEIROS DA: SOCIEDADE DE CALÇADO DO NORTE, LDA

ANALISE DE CURTO-PRAZO

Fundo de Maneio Liquido Fundo de Maneio Reduzido Fundo Maneio Liqu7(Vendas+P.S.) Liquidez Geral Liquidez Reduzida Tempo medio de Pagamento (dias) Tempo medio de Recebimento(dias) Cobert.Stk dem.p.+mercad.(dias) Cobertura do Stock de p.a.(dias)

AN. SOLVABILIDADE L. P.

Autonomia Financeira Cobertura do Imobilizado Solvabilidade Situação de endividamento

INDICADORES ECONÓMICOS

Volume de Negócios Taxa de crescimento V.Neg.

1994 1993 1992

ANALISE DE CURTO-PRAZO

Fundo de Maneio Liquido Fundo de Maneio Reduzido Fundo Maneio Liqu7(Vendas+P.S.) Liquidez Geral Liquidez Reduzida Tempo medio de Pagamento (dias) Tempo medio de Recebimento(dias) Cobert.Stk dem.p.+mercad.(dias) Cobertura do Stock de p.a.(dias)

AN. SOLVABILIDADE L. P.

Autonomia Financeira Cobertura do Imobilizado Solvabilidade Situação de endividamento

INDICADORES ECONÓMICOS

Volume de Negócios Taxa de crescimento V.Neg.

VALOR/7o VALOR / 7o VALOR/ 7o ANALISE DE CURTO-PRAZO

Fundo de Maneio Liquido Fundo de Maneio Reduzido Fundo Maneio Liqu7(Vendas+P.S.) Liquidez Geral Liquidez Reduzida Tempo medio de Pagamento (dias) Tempo medio de Recebimento(dias) Cobert.Stk dem.p.+mercad.(dias) Cobertura do Stock de p.a.(dias)

AN. SOLVABILIDADE L. P.

Autonomia Financeira Cobertura do Imobilizado Solvabilidade Situação de endividamento

INDICADORES ECONÓMICOS

Volume de Negócios Taxa de crescimento V.Neg.

342.648 -72.426

12,1% 148,7% 89,7% 54,1 58,2 65,7 6,0

33,6% 142,9% 50,5% 119,1%

2.838.878 22,1%

371.716 -94.400

16,0% 149,3% 87 ,5% 103,6 60,5 98,1 9,0

30 ,3% 153,1% 43,4%, 126,37o

2.324.776 7 ,9%

432.850 -205.778

20,1%. 176,7% 63 ,5%

74,3 52.5 119,2 25,4

33,4% 231,6% 50,2%, 147,2%

2.153.880

De rentabilidade (preços correntes) VALOR | 7o PROD. V A L O R | % P R O D . V A L O R | % P R O D .

Margem Bruta (Valor) Resultados Operacionais Resultados financeiros Resultados Correntes Resultados Li qui dos "Cash - Flow Senso Comum" Valor Acrescentado Bruto

1046.818 37.27o 48.526 1.77o 11.104 0,47o 59.630 2,17o 35.402 1,37o

147.044 5,27o 812.240 28,97o

938.142 42,27o 50.746 Z37o -6.474 -0,37o 44.272 2,07o 34.396 1,57o

137.454 6,27o 734.052 33,07o

880.718 40 ,9% 36.936 1,77o 12.992 0,67o 49.928 2,37o 26.494 1.27o

124.004 5,8% 660.682 30,77o

Rentab. do Volume Negócio Rentab. do Investimento total Rentab. dos Capitais Próprios

An.Dupont (Res.Liq7Sit.Liq.) (l)*(2)/(3)

(1) Res. Liquido/VoI.Negóc. (2) Volume Negócios/ Activo (3) Sit. Liquida / Activo

Grau de Alav. operacioual (Var.Result.Operac./Var.Prod.) Grau de Alavaucagem financeira (Var R.LiVar(R.Oper+R.Extr.))

1,27o 9,07o 7,57o

7.27o

1,27o 193,87o 33 ,6%

-0,2

-0,2

1,5% 10,2% 7,87o

7 , 5 %

1,5% 154,2% 3 0 , 3 %

11,8

0,2

0,07o 9,47o

6 , 3 %

1,27o 170 ,1% 33,4%

ANEXO III

108

Page 108: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRAHAM PAIS 1993 - "Subtil é o Senhor - Vida e Pensamento de Albert Einstein", Ia. Edição, Gradiva, Lisboa.

AECA 1991 - "Princípios Contables - Princípios y Normas Contabilidad

en Espana", Documento 1, AECA, Madrid. BAPTISTA DA COSTA, Carlos 1993 - "Auditoria Financeira - Teoria e Prática", Rei dos Livros,

4a Edição, Lisboa. BRAZ MACHADO, JR. -"Contabilidade Financeira", Associação Portuguesa de

Contabilistas, Lisboa. CANIBANO CALVO, Leandro 1975 - "Teoria Actual de la Contabilidad", Ed. Ice, Madrid. 1989 - "Un Proyecto a Debate: El Marco Conceptual de la

Contabilidad", Boletin AECA n°. 19,Mayo, Madrid. 1991 - "La Contabilidad - Análisis Contable de la Realidad

Económica", Ed. Pirâmide, Madrid. CASTRO, Armando 1989 - "Conhecer o Conhecimento", Editorial Caminho, Lisboa. COLLINGWOOD, R.G. 1986 - "Ciência e Filosofia - A Ideia de Natureza", Editorial

Presença, Lisboa. CUVILLIER, Armand 1960 - "Vocabulário de Filosofia", 3a Edição, Livros Horizonte,

Lisboa. DURKHEIM, Emile 1990 - "As Regras do Método Sociológico", 14a Edição,

Companhia Editora Nacional, São Paulo, Brasil. FERNANDES FERREIRA, Rogério 1984 - "Normalização Contabilística", Livraria Arnado, Coimbra. 1992 - "Plano Oficial de Contabilidade - Ensaios e Estudos

Críticos", Edições Escher, Lisboa.

109

Page 109: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

FERNANDEZ PENA, Enrique 1983 - "7 Conferencias sobre Contabilidad y Auditoria", Semsa

Distribuiciones Empresariales, Madrid. 1989 - "Dicionário de Auditoria", Semsa Distribuiciones, Madrid. FERNANDEZ PIRLA, J .M\ 1983 - "Teoria Económica de la Contabilidad", Ed. Ice, Madrid. 1986 - "Una Aportacion a la Construcion dei Derecho

Contable", Instituto de Planificacion Contable, Ministério de Economia y Hacienda, Madrid.

FERREIRA DE ALMEIDA, João e MADUREIRA PINTO, José 1990 - "A Investigação nas Ciências Sociais", 4a. Edição,

Editorial Presença, Lisboa. FERREIRA RIBEIRO, Joaquim 1985 - "Lições de Teoria da Contabilidade (Geral)", Io. Volume,

Athena Editora, Porto. GARCIA-AYUSO, Manuel e SIERRA MOLINA 1994 - "La Relacion Entre Investigacion y Pratica en

Contabilidad", Revista Espanola de Financiacion y Contabilidad, Vol. XXIII, n° 78, Enero-Marzo, Madrid, p. 235-87.

GOMES FRANCISCO, Ivo 1990 - "Compreender a Contabilidade Nacional", Estudos n°. 31,

Banco de Fomento Exterior, Lisboa. GONÇALVES DA SILVA, F.V. 1991 - "Contabilidade Industrial", 9a. Edição, rev. por Rogério

Fernandes Ferreira, Livraria Sá da Costa Editora, Lisboa. KUHN, Thomas S. 1977 - "A Tensão Essencial", Edições 70, Lisboa. LAMOUROUX, F M . 1989 - "Contabilidad", Ed. Universidad Salamanca. MORA, José Ferrater 1991 - "Dicionário de Filosofia", Publicações Dom Quixote,

Lisboa. OCDE 1991 - "La Réforme Comptable dans le Pays dEurope Centrale et

Orientale", OCDE, Paris.

110

Page 110: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

PINTO DA ROCHA, Conceição e MAGALHÃES, João Baptista 1981 - "Filosofia 11°. Ano - Manual e Modelos de

Testes", 2a. Edição, 3a. Reimpressão, Contraponto, Porto. REQUENA RODRIGUEZ, José Ma. 1994 - "Sobre o Concepto y Contenido de la Contabilidad de

la Empresa", Jornal Técnico de Contas e da Empresa, n°. 343, Abril, Lisboa.

REY, Françoise 1979 - "Développements Récents de la Comptabilité",

Éditions du CNRS, Entreprise Moderne D'Édition, Paris. SANTOS, Arlindo F. 1991 - "Análise Financeira - Conceitos, Técnicas e Aplicações",

Reimpressão, INIEF, Economia e Gestão, Lisboa. SCHWEZ, Nicolau 1991 - "Contabilidade: Ciência, Técnica ou Arte?", Actas das

IV Jornadas de Contabilidade, Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Aveiro, Areal Editores, Porto.

SELECÇÕES DO READER'S DIGEST 1980 - "Dicionário Enciclopédico Koogan - Larousse -

Selecções", Volume I, Léxico Comum, 3a. Edição, Lisboa. SILVA CRAVO, Domingos José da 1990 - "Activos Intangíveis", Trabalho de Fim de Curso do

CESEA, Instituto Superior de Contabilidade e Administração, Aveiro.

SOCÍ AS SALVA, António 1991 - "La Normalizacion Con table en el Reino Unido, Francia, Alemana y Espana", Associacion Espanola de Contabilidad y Administracion de Empresas, Madrid.

TUA PEREDA, Jorge 1983 - "Princípios e Normas de Contabilidad", Instituto de Planificacion Contable, Madrid.

1985 - "Los Princípios Contables: de la Regulacion Professional ai Âmbito Internacional", Revista Espanola de Financiacion y Contabilidad, Vol. XIV, n° 46, Enero-Abril, Madrid, p. 25-56..

VILHENA, Vasco de Magalhães 1977 - "Pequeno Manual de Filisofia", 5a. Edição, Livraria Sá da

Costa Editora, Lisboa.

I l l

Page 111: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

PUBLICAÇÕES OFICIAIS:

- Dec. Lei n°. 47/77, de 07 de Fevereiro (POC/77) - Dec. Lei n°. 394-B/94, de 26 de Dezembro (CIVA) - Dec. Lei n°. 262/86, de 02 de Setembro (CSC) - Dec. Lei n°. 442-B/88, de 30 de Novembro (CIRC) - Dec. Lei n°. 410/89, de 21 de Novembro (POC/90) - Dec. Lei n°. 238/91, de 02 de Julho (Normas de Consolidação

de Contas) - Dec. Lei n°. 290/92, de 28 de Dezembro (RITI) - Dec. Regulamentar 2/90, de 12 de Janeiro (Regime Fiscal das

Reintegrações e Amortizações) - Dec. Lei n°. 343/98, 06 de Outubro (Alterações, entre outros,

ao Código das Sociedades Comerciais).

- INSERIDAS NO MANUAL DO ROC:

- IV Directiva da CEE - VII Directiva da CEE - RT n°. 11 - Revisão da Informação Financeira Prospectiva - DC n°. 8 - Clarificação da Expressão "Regularizações

não frequentes e de grande significado", relativamente à Conta 59 - "Resultados Transitados"

112

Page 112: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

O ESTADO NOVO E A CONTABILIDADE: CONTRIBUTO PARA O ESTUDO DO ENSINO TÉCNICO E DA

PROFISSÃO DE CONTABILISTA NA DÉCADA DE 30.*

JOSE FERNANDES DE SOUSA Professor do ISCA de Aveiro

* Este trabalho é o resultado parcial de uma pesquisa em curso - como, aliás, se torna evidente - , donde saiu para ser apresentado na I Jornada de História da Contabilidade - 4 de Abril de 1998 - , relizada pelo Centro de Estudos de História da Contabilidade da APOTEC - Associação Portuguesa de Técnicos de Contabilidade - , com a colaboração do ISCAC - Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra - , em cujas instalações - Quinta Agrícola de Bencanta - , decorreram as actividades programadas.

Page 113: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

INDICE

1. PRINCÍPIOS ORIENTADORES DO ESTADO NOVO 2. CONTABILIDADE E RIORIDADES ESTRATÉGICAS 2.1. A REFORMA DO ORÇAMENTO 2.2. A REFORMA FISCAL 2.3. REFORMA DA CONTABILIDADE PÚBLICA 2.4. REFORMA DO TRIBUNAL DE CONTAS 2.5. As FINANÇAS E A CONTABILIDADE N A CONSOLŒ)AÇÃO D O REGIME

3. REFORMA EDUCATIVA E ENSINO TÉCNICO 3.1. ENSINO TÉCNICO E MENTALROADE SOCIAL 3.2. CARACTERÍSTICAS DA POLÍTICA EDUCATIVA 3.2.1. A POLÍTICA RESTRITIVA E O ENSINO COMERCIAL 3.2.2. CENTRALISMO E REPRESSÃO 3.2.3. A EDUCAÇÃO NACIONAL 3.3. «A OFENSIVA PELA EDUCAÇÃO NACIONAL»

4. A PROFISSÃO DE CONTABILISTA 4 .1 . A CONDIÇÃO SOCIAL DO CONTABDLISTA 4.2. SINDICATOS NACIONAIS E ORGANIZAÇÃO DA PROFISSÃO 4.3 . A EXTINÇÃO DO SINDICATO 4.4. REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE «TÉCNICOS DE CONTABILDADE» 4.4.1. «BASES FUNDAMENTAIS PRECONIZADAS»

4.4.2. SUGESTÕES E CONFLITOS DE INTERESSES

CONCLUSÃO

ANEXO

BIBLIOGRAFIA E FONTES

114

Page 114: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

1. PRINCÍPIOS ORIENTADORES DO ESTADO NOVO

O Estado Novo emerge do seio de uma Ditadura que, nascida à sombra das armas, acolhe, desde cedo, como Ministro das Finanças, e mais tarde como Presidente do Conselho de Ministros, o principal ideólogo da República corporativa. Esta nasce, formalmente, com a referendada Constituição Política de 1933, o Estatuto Nacional do Trabalho e demais legislação complementar, documentos em que assenta o corporativismo português, e termina por um novo golpe militar de sentido democrático.

A consolidação do Estado Corporativo resulta de um bem sucedido esforço de realização dos equilíbrios sociais que viabilizam, pela convergência de interesses esteados numa doutrina, um frentismo conservador. A nova forma de organização social recusa as soluções liberais, designadamente o «caos» da regulação pelo mercado, a inversão socialista, conduzida pelo Estado totalitário, ou a deriva anarquista, que o dispensa.

A ideia que surge é a de uma "terceira via", configurada numa economia auto-dirigida, construída por iniciativa dos agentes económicos que, ligados por interesses afins, realizariam, com base nos princípios do capitalismo e numa regulação corporativa, um desenvolvimento «harmónico e prudente», conciliador dos diferentes interesses económicos (agrícolas, industriais e comerciais), sociais (de produtores e consumidores) e laborais (de patrões e operários), assente em novas solidariedades alheias à luta de classes.

Contudo, o «Estado forte» , a quem competiria um papel moderador, não consegue convocar os agentes económicos, acabando o desejado corporativismo de associação por ser moldado por uma crescente intervenção do Estado, desde a formação das instituições corporativas - grémios, sindicatos, etc - e dos organismos de intervenção económica à regulação do seu funcionamento e criação de mecanismos de intervenção na sua esfera de acção decisória, como sucede com os preços, salários ou o condicionamento industrial.

J15

Page 115: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

O corporativismo de associação transforma-se, de facto, em corporativismo de Estado, que às corporações deixa apenas a função de dar pareceres.

António de Oliveira Salazar, com ideias claras e conhecidas, após campanha pública divulgada pela imprensa conservadora, nomeadamente Novidades e Diário da Manhã, torna-se Ministro das Finanças. Na tomada de posse, em 27.04.1928, deixa a certeza da sua determinação e a convicção de que a hesitante Ditadura militar tinha encontrado o timoneiro: "Sei muito bem o que quero e para onde vou, mas não se me exija que chegue ao fim em poucos meses. No mais que o País estude, represente, reclame, discuta, mas que obedeça quando se chegar à altura de mandar".1

A acção do ministro vai desenvolver-se de acordo com o seu pensamento económico, cujo pragmatismo lhe permite alguma maleabilidade, de acordo com as «circunstâncias correntes», em torno de um núcleo de princípios, historicamente situados e repetidamente afirmados: a estabilidade monetária; o equilíbrio orçamental; o fomento e valorização de recursos nacionais, incluindo, naturalmente, o império colonial; a defesa do nacionalismo económico, de carácter autárcico, face à depressão, e mais liberal, em sintonia com a realidade do pós-guerra.

A exaltação do ruralismo, um dos tópicos mais propalados do regime, não deriva apenas de uma idiossincrasia confessada, mas da convicção de que o Portugal da vinha e da oliveira, das «flores preciosas» e dos «frutos magníficos» poderia ainda transformar-se no «pomar» e «horta da Europa». Para isso tornava-se indispensável que a terra fosse «fecundada pelo trabalho e pelo capital», o agricultor instruído, criada «uma classe agrícola forte, bem construída, ilustrada,

João Medina, História Contemporânea de Portugal. Estado Novo, Vol. I, Multilar, 1990, p. 13

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e consciente da sua missão» - sem esquecer a resolução dos problemas da comercialização e do transporte dos produtos agrícolas.

A indústria, «dada a patente inferioridade do nosso meio», apenas poderia aspirar à conquista do mercado nacional.

A diminuição do consumo interno, com elevada repercussão nas importações, pode conseguir-se pela transformação da pobreza e da abstinência em princípios enformadores do comportamento económico.

A redução do défice público, que considera «um problema politicamente insolúvel», passa pela contracção das despesas públicas.2

A Nova Ordem afirma-se sob o signo do rigor, da disciplina e da racionalidade, ideias que deixam entrever uma atitude científica, face à organização do Estado corporativo.

O sector industrialista da sociedade portuguesa, protagonizado pelos engenheiros, imbuído de um nacionalismo modernizante, que no dealbar da década de 30 consegue antecipar um quadro teórico de desenvolvimento industrial em ruptura com a ideologia ruralista tradicional e os interesses financeiros e comerciais, aponta a linha de rumo no Congresso Nacional de Engenharia de 1931: « Contam-se, afirma Joaquim Taveira, como actividades economicamente distintas, a agricultura, a indústria e o comércio. O poder resultante da sua exploração está actualmente nas mãos de agricultores, industriais e comerciantes. O primeiro passo na racionalização deverá ser a transferência desse poder económico para os agrónomos, engenheiros e comercialistas»3

José M. Brandão de Brito, Sobre as Ideias Económicas de Salazar, apud AAVV, Salazar e o Salazarismo, Lisboa, Publ. D. Quixote, 1989, pp. 48.

Joaquim Taveira, A Engenharia Portuguesa Face à Racionalização da Indústria, Separata do n.° 671 da Revista da Associação dos Engenheiros Civis Portugueses, Porto, 1931, pág. 25, apud José Maria Brandão de Brito, Os Engenheiros e o Pensamento Económico do Estado Novo, in AAVV, Contribuições Para a História do Pensamento Económico em Portugal, Publ. D. Quixote, 1988, p. 219

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O Governo, mais do que os agentes económicos de um arcaico tecido empresarial, acolhe estas sugestões, que se repercutem claramente na reorganização administrativa do Estado.

2. CONTABILIDADE E PRIORIDADES ESTRATÉGICAS

O pensamento económico do estratego do Estado Novo aparece balizado por quatro princípios nucleares: equilíbrio financeiro, moeda forte, fomento e nacionalismo económico.

A estabilização financeira e monetária assume um carácter prioritário.

O projecto de reorganização das finanças públicas assenta em quatro pilares: a reforma do orçamento, a reforma da Contabilidade pública, a reforma fiscal e a reforma do tribunal de contas - além de outras iniciativas de menor alcance.

A Contabilidade, enquanto sistema científico de informação da realidade económica, não pode deixar de assumir um papel de relevo no desenvolvimento do projecto corporativo, que alinha o saneamento financeiro como prioridade estratégica do ressurgimento nacional

O novo ordenamento financeiro revela, para além dos dispositivos técnicos e dos princípios orientadores, o propósito de disciplinar as contas do Estado, facto que realça o valor da Contabilidade na reorganização das finanças públicas do Estado Novo.

2.1. A REFORMA DO ORÇAMENTO

A organização do orçamento, de acordo com o princípio da universalidade, assenta num plano financeiro anual que integra todos os organismos do Estado, mesmo os dotados de autonomia administrativa, com excepção das instituições bancárias. Todas as despesas públicas ficam sob controlo absoluto do Ministro das Finanças, que o exerce através das suas delegações da Contabilidade

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pública, encravadas nos diferentes ministérios. O controlo efectivo dos orçamentos dos diferentes ministérios e o veto inicial do ministro das finanças a qualquer aumento do gasto público inaugura formalmente a denominada "ditadura financeira".

O rigor orçamental, reforçado ao nível da execução do orçamento, tem como objectivo fundamental realizar o equilíbrio financeiro, com base na contracção das despesas, sem deixar de realizar as obras de fomento consideradas indispensáveis. É o núcleo da economia clássica, que tudo sacrifica ao equilíbrio orçamental, a cujos princípios Salazar adere, sem lhe aceitar os pressupostos liberais, e que já definira de uma forma simples antes de chegar ao poder: «gastar bem o que se possui e não despender mais do que os próprios recursos» 4

A reconstituição financeira, apoiada na abolição do défice orçamental a partir da gerência de 1928-295, culmina, em 1931, com a adesão do escudo ao padrão divisas ouro e a sua consequente ligação à libra e ao dólar, com o câmbio fixo de 1 £ (= 110$00). - , paridade insustentável no contexto de uma incontornável política inflacionista, patente no, embora diminuto, saldo negativo de 1932/33. 6

4 José M.Brandão de Brito, Sobre as Ideias Económicas de Salazar, in AAVV, Salazar e o Salazarismo, Lisboa, Publ. D. Quixote, 1989, p. 51.

Salazar redefiniu a ideia de equilíbrio com base no conceito de equilíbrio do orçamento ordinário, pois os financiamentos públicos destinados a despesas extraordinárias não afectavam esse equilíbrio, mas apenas o do orçamento extraordinário. Este critério administrativo, utilizado ao arrepio da prática de vários países e da óptica corrente da Contabilidade Nacional, constitui um artifício que, dispensável na década de 30, dado o equilíbrio efectivo por qualquer dos métodos, vai funcionar posteriormente ao serviço da intangibilidade do mito psicológico do equilíbrio orçamental.(cf. Sousa Franco, o. c.) 6 Decreto n.° 19.869, de 9 de Julho 1931, in Joel Serrão e A.H.de Oliveira Marques, (Dir. de) Nova História de Portugal, Vol. XII, apud Fernando Rosas (Coord, de), Portugal e o Estado Novo (1930-1960), Lisboa, Ed. Presença, p. 311 e ss. Por razões que se prendem com a estrutura da economia portuguesa, em 1931 há reflexos da crise e em 32 já ocorrem sinais de recuperação.

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2.2. A REFORMA FISCAL

A reforma fiscal (1928-29)7, após a recusa das condições lesivas da soberania nacional de um empréstimo externo negociado à sombra da Sociedade das Nações, exibe as marcas do agravamento de impostos que, com as repercussões da depressão mundial dos anos 30 - com reflexos visíveis em 1931 - impõe austeridade - esse «calvário, onde se redimem os homens e salvam as pátrias».

As mudanças fiscais de 29 constituem um recuo face à orientação modernizadora ensaiada pela reforma de 1922., mas conduzem ao almejado aumento de receitas, saído do imposto de salvação pública sobre os rendimentos dos funcionários públicos, de uma taxa de salvação nacional incidente sobre alguns bens de consumo (açúcar, gasolina, óleos minerais leves importados), de novas tarifas aduaneiras e do aumento das taxas de outros impostos.

A nova estrutura dos impostos, sem ser "inovadora", é "disciplinadora": o imposto pessoal de rendimento dá lugar ao imposto complementar sobreposto a um conjunto de impostos; a tributação sobre o rendimento real e progressivo vai agora incidir sobre o rendimento normal, "estimulando assim a remoção do imposto pelos contribuintes mais dinâmicos"; é criado o imposto profissional, que incide sobre os salários e os rendimentos das profissões liberais; as contribuições predial e industrial são alteradas; a sisa e o imposto sobre sucessões e doações tornam-se autónomos; o imposto de

7 Decretos com força de lei: 15.289 e 15.290, de 30/03/28; n.° 15.466, de 14/05/28; n.° 15.814, de 04/07/28 e n.° 16.371, de 13/04/29. 8 Joel Serrão e A.H.de Oliveira Marques, (Dir. de) Nova História de PortugafVol. XII, apud Fernando Rosas (Coord, de), Portugal e o Estado Novo (1930-1960), Lisboa, Ed. Presença, p. 310.

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transacções é abolido e, num esforço de racionalização, uma série de taxas e adicionais são absorvidos pelos impostos principais.

A reforma fiscal, de acordo com Sousa Franco, que nos vem informando, propõe-se, em obediência aos "princípios gerais do pensamento financeiro clássico ortodoxo, /.../ evitar que os impostos fossem excessivos e visava dotar o sistema de regularidade e simplicidade" e, do ponto de vista social, "dar certezas e tranquilizar os proprietários e empresários".9

2.3. REFORMA DA CONTABILIDADE PÚBLICA

A reforma da Contabilidade pública10 pretende, através de um conjunto de normas disciplinadoras, que acentuam o centralismo, uma visão «clara e exacta dos movimentos e resultados da administração pública», que seja a «expressão mais perfeita da realidade financeira»

A forma como a Contabilidade, com seus defeitos e virtudes, se adapta e enraíza comportamentos favoráveis ao centralismo adminis­trativo, não escapa à fina observação de Salazar: «a Contabilidade é, em todos os países, miúda, exigente, rabugenta: são as suas grandes qualidades de zeladora dos dinheiros públicos; mas tem também uma tendência absorcionista e centralizadora, que por vezes se manifesta esterilizante: são os defeitos correspondentes».12

A transparência das contas públicas e a sua eficácia informativa exigem que o orçamento e as contas sejam «enformados dos mesmos princípios, e tanto nas receitas como nas despesas», ao mesmo tempo

António de Sousa Franco, Ensaio Sobre as Transformações Estruturais das Finanças Públicas Portuguesas: 1900-80, in Análise Social, Vol. XVIII n ° 72-73-74, (pp. 1105-1138), pp. 1 121-1 122. 10 Decreto n.° 18 381, de 24/ 05/1930.

Guilherme de Oliveira Martins, O Ministério das Finanças - Subsídio para a sua História no Bicentenário de Criação da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros, Lisboa, Ministério das Finanças, 1988, p. 206.

A Oliveira Salazar, in O Comércio Português, cit in R.C.C., n.° 41, 1942.

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que se exige «a mesma orientação para poderem ser comparados e poder ver-se num documento a efectivação do outro».13

O papel singular desempenhado pela Contabilidade no seio da nova estrutura das finanças públicas torna-se bem patente na afirmação de que: «Fracassariam os melhores esforços no sentido da regeneração financeira, se a Contabilidade pública, clara e exacta não traduzisse em cada momento o estado de todas as administrações».

Que as normas da Contabilidade Pública são para cumprir comprovam-no as sanções cominadas aos funcionários faltosos, que podem passar pela perda do lugar e incapacitar para o exercício da função pública. A sua importância confere-lhe honras constitucionais no diploma fundador do Estado Novo.(C.P., 1933, An. 115)

2.4. REFORMA DO TRIBUNAL DE CONTAS

O órgão supremo de fiscalização das contas retoma o nome de Tribunal de contas15, denominação em vigor desde 1849-1911, que sucede ao Conselho Superior de Finanças. A nova instituição, despida de qualquer função consultiva, aliás secundária, torna-se num autêntico tribunal que faz o julgamento das contas e verifica - outra forma de julgar - a sua conformidade com a lei através do visto prévio, cuja recusa apenas pode ser alterada por decisão fundamentada do Conselho de ministros.16

13 Guilherme de Oliveira Martins, O Ministério das Finanças - Subsídio para a sua História no Bicentenário de Criação da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros, Lisboa, Ministério das Finanças, 1988, p. 206; Alberto Santareno, Crónica da Contabilidade Pública Portuguesa, Ed. do autor, 1997, p. 12. Trata-se do pseudónimo e do trabalho vencedores do 2o Prémio História da Contabilidade, atribuído pelo CE.H.C. 14 Rei. do D.L.18.381, de 24 de Maio 30. in RCC, n.° 21, 1938,p. 26. 15 Decreto n.° 18 962, de 25/10/1930. 16 Guilherme de Oliveira Martins, O Ministério das Finanças - Subsídio para a sua História no Bicentenário de Criação da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros, Lisboa, Ministério das Finanças, 1988, p. 207.

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O Tribunal de contas abandona a representação parlamentar e das associações económicas para se tornar numa instância eminentemente técnica e independente, estatuto bem visível na sua composição - um presidente e oito vogais, cuja formação passava pelo Direito (4), Ciências Económicas, Contabilidade ou altos funcionários (2) e representantes do Ministério da Guerra (1) e da Marinha (1), sendo estes dois de nomeação temporária (5 anos) e os restantes de nomeação definitiva - , embora a designação pelo ministro das Finanças dos vogais vitalícios denuncie a sua governamentalização em prejuízo da democraticidade.17

Merecem, ainda, referência, no âmbito da política financeira do Estado Novo duas inovações institucionais: criação da Inspecção Geral das Finanças e alterações na Caixa Geral de Depósitos que, acolhendo, com elevado grau de autonomia, a Caixa Nacional de Crédito e a Caixa Nacional de Previdência, se transforma num desenvolto instrumento de política económica.18

2.5. As FINANÇAS E A CONTABILIDADE NA CONSOLIDAÇÃO DO REGIME

A estruturação financeira toma-se o eixo de toda a administração pública, facto que o seu próprio arquitecto reconhece ao considerá-la «o ponto de partida de toda a reforma administrativa» (Discursos, Vol. III)).

No seio da turbulência provocada pela orientação subjacente às reformas estruturais das finanças públicas, Salazar torna-se imprescindível no seio do governo. Assim pensa o chefe do Estado que, numa remodelação governamental, sacrifica o presidente do

António de Sousa Franco, Tribunal de Contas, apud Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito (Dir. de), Dicionário de História do Estado Novo, Vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1996, p. 980. 18

Jaime Reis, A Caixa Geral de Depósitos como Instrumento de Política Económica: o Período das Duas Guerras, in Análise Social, Revista do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Vol.XXXII, n.° 141, 1997, p. 255 e ss.

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ministério, Ivens Ferraz, ao seu ministro das Finanças, cuja personalidade, iluminada pela magia da engenharia financeira, o impõe como estrategista da acção política até chegar a Presidente do Conselho de Ministros (05/ 07/ 32), de onde serenamente assinala a continuidade governativa: «Os homens são outros, o governo é o mesmo».

A importância atribuída às disposições financeiras na consolidação do regime pode avaliar-se pelas inúmeras disposições com esse carácter ínsitas no Acto colonial de 1931 e na Constituição de 33 - cerca de 4 dezenas nos dois documentos - , onde as daquele se integram entre 1951-71.19

A centralidade do Ministério das Finanças no interior da estrutura institucional que conduz ao saneamento financeiro permite que a Contabilidade Pública, sedeada no seu interior e ramificada pelos diferentes ministérios, assuma a função instrumental de fornecer as informações indispensáveis à boa gestão da coisa pública, papel que, a par do natural pendor centralizador da Contabilidade, a configura como artífice primordial e sentinela privilegiada do «Estado forte», cuja construção se acelera com o acesso de Salazar à chefia do Governo.

A corporativização do regime leva a Contabilidade ao interior dos organismos corporativos. Os princípios e critérios enformadores da Contabilidade Pública são alargados aos Organismos de Coordenação Económica, dependentes dos Ministérios do Comércio, da Indústria e da Agricultura (1938), com o objectivo de estabelecer «um regime administrativo uniforme» relativo ao orçamento e às contas.

Eugenia Mata e Nuno Valério, Normas de Direito Financeiro nas Constituições Portuguesas, in Revista de História Económica e Social, (pp. 1-22), Dir. de V. M. Godinho, n.° 3, Sá da Costa, 1979, p. 18-20 20 Decreto-Iei n.° 29 049, Diário do Governo, Ia Série, n.° 235, de 10 de Outubro de 1938, relativo aos organismos dependentes do Ministério do Comércio e da Indústria

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O legislador reconhece a necessidade de moldar esses princípios «à natureza das suas funções», de forma a salvaguardar a desejada "iniciativa" que lhes compete, devendo por isso ser «corrigidas pelas características próprias dos referidos organismos, e adaptadas as classificações da Contabilidade Pública à natureza especial da sua actividade».21

As explorações fabris, para além das disposições orçamentais exigidas, devem organizar uma Contabilidade industrial, com a finalidade de «poder determinar convenientemente o seu rendimento industrial».(Art.9); por outro lado, considera a possibilidade de introduzir a Contabilidade digráfica nos «organismos, cujas funções o exijam para perfeita apreciação da sua actividade económica e financeira».(Art.9 § único)

A Contabilidade e a tesouraria dos organismos de coordenação económica ficam sujeitos à Inspecção Geral de Finanças, cujas tarefas passam pela verificação da organização da Contabilidade, do funcionamento da tesouraria, da conformidade dos seus procedimentos com as normas legais que regulam «a aplicação de fundos» /.../ e «a correcta aplicação das verbas orçamentadas». (Art. 17), além de se exigir que o relatório das visitas efectuadas avance sugestões tendentes a melhorar o desempenho dos organismos inspeccionados.22

e o D. L. n.° 29121, D. G. Io Série, n.° 246, de 14 de Nov. de 1938, relativo aos organismos dependentes do Min. da Agricultura, cujo conteúdo legal se compõe apenas de três artigos, um dos quais para aplicar as normas do anterior. 2 Preâmbulo do D. L. 23.049, de 23.9.33. Acerca do lugar dos organismos de coordenação económica na organização corporativa portuguesa, cf., por todos, Vital Moreira, Auto-Regulação Profissional e Administração Pública, Coimbra, Almedina, 1997, p. 243 e ss. São considerados "elementos da administração do Estado e não elementos da organização corporativa"(p. 244 ). 22 Decreto-lei n.° 29.214, D. G., laSérie, de 06/12/1938: regula as atribuições da Inspecção Geral de Finanças, prolongamento do omnipresente Ministério das Finanças.

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O Prof. Sousa Franco, numa análise das transformações estruturais das Finanças públicas portuguesas traduz assim o alcance da minuciosa engenharia financeira de Salazar: "Talvez em poucos casos no mundo o instrumento financeiro haja sido tão bem utilizado como meio principal para a conquista do poder e o estabelecimento de um regime de base largamente pessoal, fundado em convicções doutrinais fortes e claras e num pragmatismo manobrador que, claro, excedeu em muito o instrumento financeiro".23

3. REFORMA EDUCATIVA E ENSINO TÉCNICO

3.1. ENSINO TÉCNICO E MENTALIDADE SOCIAL

A recorrente questão do ensino técnico em Portugal não pode separar-se do problema da educação e prende-se às condições gerais da evolução da sociedade portuguesa.

A questão corre do interior do ideário republicano - que a herdou do liberalismo oitocentista - , em consequência de uma reflexão sobre a relação entre a educação e a modernização da economia, cujo resultado é o reforço da ideia de que um dos factores essenciais do desenvolvimento económico reside numa eficiente consonância entre o ensino e o mundo do trabalho.

Os defensores da pedagogia activa esforçam-se por acordar a sociedade portuguesa para a necessidade de "dar a todo o ensino, nos seus diversos graus, um carácter acentuadamente profissional".

António de Sousa Franco, Ensaio Sobre as Transformações Estruturais das Finanças Públicas Portuguesas: 1900-80, in Análise Social, Dir. de A. Sedas Nunes, Vol. XVIII, n.° 72-73-74, (pp. 1105- 1138), pp. 1119-1120. 24 Adolfo Lima, Orientação Geral da Educação, Sep. da Revista de Educação Geral e Técnica, série V, 1 e 2, Outubro, 1916, p. 53, in AAVV, O Estado Novo - Das Origens ao Fim da Autarcia, 1926-1959, Vol. II, apud Stephen R. Stoer e Helena Costa G. Araújo, A Contribuição da Educação para a Formação do Estado Novo: Continuidades e Rupturas, 1926-1933, p. 125.

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O Ensino técnico - industrial e comercial - aparece como o mais relacionado com o desenvolvimento económico, sendo-lhe cometida a tarefa de formar «bons operários e escriturários» , enquanto o Ensino Liceal, tal como se afirma no I Congresso de Professores de Liceu, 1927, se destina a «dispensar uma cultura geral e via de acesso à Universidade e não a desaguar para a vida».

A ideia democratizante do ideário republicano da "escola única, de formação integral, de cultura geral e técnica", não rompe com o atavismo da dupla via nem com as distintas funções sociais que lhe são atribuídas: o Liceu funciona como escola cultural e científica, destinada às elites sociais a caminho da Universidade e dos órgãos de cúpula da Administração pública e privada; e a Escola técnica, vocacionada para conteúdos utilitários e funcionais, surge como educadora das classes populares nas quais deverá desenvolver capacidades para o desempenho eficiente de tarefas no tecido produtivo.

Contudo, as classes populares não apreciam o modelo e deixam--se seduzir pela via tradicionalmente mais prestigiada - a Liceal. Um texto legal reconhece a fuga das profissões mecânicas: «O ferreiro quer o filho médico; o alfaiate quer o filho matemático; o carcereiro quer o filho Juiz do Supremo; a operária quer a filha formada em

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letras.»

25 Bento Carqueja, O Ensino Técnico Profissional em Portugal, in AAVV, O Estado Novo - Das Origens ao Fim da Autarcia, 1926-1959, Vol. II, apud Stephen R. Stoer e Helena Costa G. Araújo, A Contribuição da Educação para a Formação do Estado Novo: Continuidades e Rupturas, 1926-1933, p. 132. 26 José Gomes Bento, O Movimento Sindical dos Professores, Lisboa, Ed. Caminho, 1978, p. 132, in AAVV, O Estado Novo - Das Origens ao Fim da Autarcia, 1926-1959, Vol. II, apud Stephen R. Stoer e Helena Costa G. Araújo, A Contribuição da Educação para a Formação do Estado Novo: Continuidades e Rupturas, 1926-1933, p. 135. 27 Decreto-Lei de 16.01.1928. Cria, em 1928, as Escolas do Ensino Primário Complementar - , extintas após 4 anos por falta de frequência. Apud Rómulo de Carvalho, História do Ensino em Portugal - desde a Fundação da Nacionalidade até

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O ensino técnico é vítima dos bloqueamentos da sociedade portuguesa instalada na rotina, fechada à inovação e tendencialmente suspeitosa dos cursos profissionais, cuja aprendizagem, orientada por práticos, se fazia atavicamente através do seu exercício continuado, sem intervenção da escola.

Gonçalves da Silva, um dos mestres da Contabilidade em Portugal, enquanto deixa implícita uma crítica ao ensino liceal, realça este traço da mentalidade portuguesa: «aprecia-se a literatura, a vadiagem intelectual, o enciclopedismo superficial, e estéril. As carreiras utilitárias são pouco procuradas e pouco consideradas. São poucos, por exemplo, os comerciantes que têm orgulho na sua profissão»; os agentes económicos têm ainda menos apreço pela Escola técnica, pois «afirmam com prosápia ingénua, que os estudos regulares não servem para nada». Os cursos profissionais, são preteridos pelo «inveterado hábito português de julgar que um mestre de obras é um arquitecto, de procurar o ferrador quando faz falta o veterinário, de confundir os engenheiros com os mecânicos, de substituir o agrónomo pelo hortelão, etc., etc.»

G. da Silva não esconde que as condições de funcionamento de algumas escolas comerciais e industriais constituem «uma vergonha nacional» que lhes rouba parte da sua eficiência, mas ajuíza que «os diplomas concedidos constituem uma séria garantia de competência que muitos comerciantes e industriais parecem ignorar». Essa competência não tem por fundamento, «o espírito de iniciativa e o sentimento das responsabilidades que o exercício de qualquer cargo reclama e que só na vida prática se alcança», mas alicerça-se numa «apreciável bagagem de conhecimentos de aplicação prática imediata», que falta aos alunos do Liceu, «cuja cultura tem uma feição mais desinteressada e mais geral».

ao Fim do Regime de Salazar-Caetano, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, p 731.

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Por isso repudia a concorrência que a via liceal faz à técnica: considera um acto de «inteligência e de justiça» escolher alunos das escolas comerciais para empregados de escritório, pois desenvolvem conhecimentos e capacidades para, com rapidez e eficiência, se adaptarem à profissão, enquanto os do Liceu «Nunca ouviram falar na função do comércio, desconhecem a utilidade do cheque, não sabem encher uma letra, ignoram o que é um inventário, um desconto, uma consignação, etc.».

Fazendo eco de uma «campanha brilhante e vigorosa», desencadeada em defesa do Ensino Técnico, deixa a convicção claramente expressa de que nele reside a « condição sine qua non do progresso do país». A «valorização do património português» e o «racional aproveitamento das riquezas nacionais», um dos confessados obiectivos do Estado Novo, não se fará, reitera, sem o seu

28 desenvolvimento e aperfeiçoamento.

3.2. CARACTERÍSTICAS DA POLÍTICA EDUCATIVA

A reorganização do Ensino, em consonância com o pensamento pedagógico prevalecente no Estado Novo, apesar das indefinições inerentes à mudança de regime, inicia-se logo após o golpe militar, mas a personalidade que melhor soube encarnar as novas orientações foi um Professor da Faculdade de Letras de Lisboa, várias vezes ministro da Instrução Pública, Gustavo Cordeiro Ramos, que acompanhou Salazar enquanto Ministro das Finanças e fez parte de dois dos Governos por si presididos, antes e após, embora por pouco

F.V.Gonçalves da Silva, A Questão do Ensino Técnico, Revista de Contabilidade e Comércio, n.° 5, 1934, p. 53-55. A referida campanha em prol da dignificação do Ensino Técnico, a que, aliás, a Revista de Contabilidade e Comércio não fica alheia, deve-se a Beirão da Veiga, no Diário de Notícias.

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tempo, a implantação formal do Regime meticulosamente rendilhado pelo seu Presidente do Conselho de Ministros.29

A política educativa que vai enformar a acção de Cordeiro Ramos organiza-se em torno de uma tripla orientação: restritiva, repressiva e nacional.

3.2.1. A POLÍTICA RESTRITIVA E O ENSINO COMERCIAL

Não é fácil, sob o signo da depressão económica que avassala o mundo, conciliar a inevitável contracção de investimentos, com uma política de expansão do ensino. Contudo, e talvez o mais grave, a política restritiva tem suporte intelectual na corrente conservadora da sociedade portuguesa, que não consegue distinguir o que na tradição deve ser mantido e revolvido. A sua visão distorcida não lhe permite compreender o alcance modernizador da educação, sem a qual não há futuro nem tradição.

Ouçamos algumas afirmações precursoras, que começam a toldar o horizonte: a escritora Virgínia Castro e Almeida afirmava em O Século que «A parte mais linda, mais forte e mais saudável da alma portuguesa reside nesses 75% (de acordo com as estatísticas um pouco menos) de analfabetos»; o Conde de Aurora, figura sonante do meio social, proclamava a felicidade dos ignorantes: «Felizes aqueles que não sabem 1er!»; e João Ameal, escritor e historiador, exarava nos seus escritos que as escolas não faziam falta, pois «Ensinar a 1er é corromper o atavismo da raça».31

Rómulo de Carvalho, História do Ensino em Portugal - desde a Fundação da Nacionalidade até ao Fim do Regime de Salazar-Caetano, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, fonte de informação indispensável, assinala, pág. 818, que G. Cordeiro Ramos esteve no Governo, como M.I.P. nos seguintes anos: 10.11.28 a 8.07.1929 e de 21.01.30 a 24.07.33, ao longo de três governos.

J. M. Brandão de Brito (Dir. de), Dicionário de História do Estado Novo, Vol. I, Lisboa, Círculo de Leitores, 1996, p. 303. Nesta obra se informa o seguinte acerca da percentagem de analfabetos: em 1920, 66,2%; 1930, 61,8% e 1940,49%.

Rómulo de Carvalho, História do Ensino em Portugal - desde a Fundação da Nacionalidade até ao Fim do Regime de Salazar-Caetano, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 726-727.

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A política restritiva promove a redução do ensino obrigatório, a desvalorização do ensino primário e dos programas, que se confinam ao «saber 1er, escrever e contar», a diminuição da formação científica dos professores, com a criação dos postos escolares e seus regentes, docentes aos quais apenas se exige a 4a classe e «idoneidade moral e intelectual»32.

A luta contra o analfabetismo, uma das prioridades da República, continua com a criação de cursos nocturnos para adultos, mas imbuída de um novo sentido que é abrir as consciências aos valores da escola nacional.

A contenção de investimentos não impede a reorganização global de todos os níveis de ensino e uma expansão horizontal cautelosa, embora o esforço mais significativo, público e privado -mais este que aquele - se tenha orientado para o ensino secundário, nomeadamente o Liceal.

O ensino técnico profissional, considerado parte integrante do programa de «fomento económico» merece desvelada atenção. A nova filosofia de acção acentua-lhe o carácter profissional, com base numa correcta definição dos ofícios e dos correspondentes conteúdos programáticos que, apesar de simplificados e reduzidos, integram duas componentes - a disciplinar e a oficinal - e uma orientação regional, consubstanciada na adaptação dos mesmos ao grau de complexidade das tarefas exigidas aos operários e empregados pelo mercado do trabalho local.33

As saídas profissionais para os indivíduos habilitados com o Curso das Escolas de Comércio ficam assim consagradas no diploma que o reorganiza, sendo-lhes concedido o direito de concorrer para as

Maria Cândida Proença, Gustavo Cordeiro Ramos, in J. M. Brandão de Brito (Dir. de), Dicionário de História do Estado Novo, Vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1996, p. 813 33 J. Veríssimo Serrão, História de Portugal (1926-1935), Vol. XIII, Lisboa, Ed. Verbo, s/d., p. 615.

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seguintes funções: aspirantes de finanças, escrivães e contadores, secretarias de corpos administrativos e preferência para os serviços de secretaria dos estabelecimentos de ensino.

O reclamado livro do aluno, elaborado de acordo com os programas definidos oficialmente, aparece no Ensino Técnico. As vantagens trazidas ao ensino pelo manual permitem ensaiar um instrumento privilegiado de controlo e orientação dos conteúdos pedagógicos - o livro único.

O Ensino Médio é submetido a algumas medidas de racionalização: os Institutos Industriais e Comerciais de Lisboa e Porto são desdobrados de acordo com a sua especialidade e, em cada uma das cidades, surgem dois novos Institutos - o Instituto Industrial e o Instituto Comercial - , mas o de Coimbra desaparece.

A reorganização do Ensino Médio Comercial assenta em razões de natureza funcional, bem patentes no preâmbulo do Decreto-Lei 20 328, de 21 de Setembro de 1931: « As realizações industriais e comerciais compreendem, nas múltiplas modalidades da sua actividade, funções distintas para as quais se torna necessário preparar mentalidades e competências adequadas»

O documento que cria o Curso de Contabilista escolhe para o seu diplomado uma denominação que substitui a «inexpressiva » de Curso Médio do Comércio - designação que vinha da reforma de Azevedo Neves - , com a finalidade de lhe fixar «funções técnicas perfeitamente definidas e absolutamente inconfundíveis».

As razões invocadas para a mudança demonstram que a reforma tem por objectivo valorizar a actividade do profissional da Contabilidade: « um título profissional impreciso e incaracterístico, esclarece, acarreta inconvenientes para o equilíbrio geral e não menos prejuízos para os diplomados /.../ Importa mais do que tudo que ele aponte à consideração de todos a posição oficialmente reconhecida do

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profissional por uma designação a que a sociedade atribua o merecido e justo valor».34

O plano do Curso de Contabilidade consignado na reforma de Cordeiro Ramos duplica as cadeiras existentes; às duas de Contabilidade Geral e Contabilidade Aplicada sucedem as quatro de Contabilidade Geral, a Contabilidade Industrial e Agrícola, Operações Bancárias e sua Contabilidade e Instituições de Previdência - sua Contabilidade.35

O diplomado com o Curso de Contabilista fica habilitado para exercer as seguintes funções: Perito Contabilista dos Tribunais de Comércio; Chefe de Contabilidade dos estabelecimentos fabris do Estado e de empresas industriais e comerciais; Administrador de falências - concessão que não ultrapassa o ano de 1935, data da publicação do Código de Falências, que exige a Licenciatura em cursos afins; Serviços de fiscalização e de comissários de contas em empresas industriais e comerciais que viessem a ser criados.36

A reforma manteve a possibilidade de os dois primeiros anos do curso concederem habilitação ao concurso de acesso ao Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras e aos Cursos de Administração Militar e Naval; por outro lado esta habilitação fica equiparada, para efeitos de concurso a lugares de administração pública, à secção de Ciências do 7°ano do Ensino Liceal.

Cordeiro Ramos deixa o seu nome ligado a duas importantes Instituições: a Universidade Técnica de Lisboa, configurada a partir de

O Decreto Lei n.° 20.328 de 21 de Setembro de 1931 é publicado com rectificações no Diário do Governo de 15.10.1931, apud Francisco Xavier Antunes, O Instituto Comercial de Lisboa, in Revista de Contabilidade e Comércio, Porto, n.° 27, 1939, p. 322. " Eduardo Maria Baptista de Oliveira, Evolução do Ensino Técnico Comercial em

Portugal, in R.C.C., n.° 57, 1957, p. 69-70. 36 D. L. 20.804, de 22.01.1932: Regulamento do Instituto Comercial de Lisboa, aplicado ao do Porto.

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Escolas já existentes - os Institutos Superiores de Agronomia, de Comércio, Técnico e a Escola Superior de Veterinária - e a Junta Nacional de Investigação Científica.

O documento fundador da Universidade Técnica de Lisboa comete-lhe o objectivo social de ensinar, ao mesmo nível que o fazem as Universidades clássicas, «como se devem desenvolver a vida económica, com todas as exigências da civilização moderna», considerando que «o ensino superior nas suas relações com a agricultura, comércio e indústria é de interesse imediato para o desenvolvimento da unidade económica nacional»37

O Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras organiza as disciplinas de Contabilidade pelas 4 secções da seguinte forma:

Secção Aduaneira (2) - Operações Comerciais. Contabilidade Geral; e Contabilidade Pública e Administrativa;

Secção Diplomática e Consular (1) - Operações Comerciais. Contabilidade Geral;

Secção de Finanças (3) - Operações Comerciais. Contabilidade Geral; Contabilidade Industrial; e Contabilidade Pública e Administrativa;

Secção de Administração Comercial (3) - Operações Comerciais. Contabilidade Geral; Contabilidade Industrial e Agrícola; e Contabilidade Pública e Administrativa

O curriculum contabilístico, onde se insere a cadeira de Contabilidade Pública e Administrativa, que, aliás, não existe nos Institutos de Comércio, viabiliza funcionalmente o Instituto como escola de elite destinada aos altos cargos da Administração Pública, cuja reforma está em curso.

Preâmbulo do Decreto n.° 19.081, de 2.12.1930, apud Veríssimo Serrão, História de Portugal (1926-1935), Vol. XIII, Lisboa, Ed. Verbo, s/d., p. 620

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A Junta Nacional de investigação Científica, que por razões de eficiência e utilidade surge autónoma das Escolas e de outros estabelecimentos de investigação existentes, recebe a incumbência de desenvolver uma actividade de coordenação «que metodicamente proteja, alargue e coordene a nossa actividade intelectual».

As razões aduzidas para a sua criação exprimem uma consciência aguda da importância da investigação científica para «fortalecer a cultura científica, factor proeminente da riqueza e da força de um país, pela sua importância na formação da mentalidade social e pela sua influência na preparação profissional e na valorização património comum».38

A Junta reúne uma elite de personalidades intelectuais de reconhecidos méritos em diferentes áreas do saber, dispostas a dinamizar a investigação científica. Foi adoptada uma das tradicionais medidas, preconizada no documento fundador, de preparação e valorização do pessoal docente, com a escolha de bolseiros a enviar para os centros de investigação europeus.39

Contudo, é este governante, construtor da identidade profissio­nal do contabilista e aberto à compreensão da importância da técnica e da investigação científica para a modernização do país, que vai, alegando dificuldades orçamentais, espoliar a cidade do Porto - que já o fora da sua Faculdade de Letras, em 1928-30 - do seu Instituto Superior de Comércio.

" Preâmbulo do Decreto n.° 16.381, de 16 de Janeiro 1929, apud J. Veríssimo Serrão, História de Portugal (1926-1935), Vol. XIII, Lisboa, Ed. Verbo, s/d., p. 616.

De acordo com as informações colhidas em J. V. Serrão, o. c , nenhum dos elementos da Junta e nenhum dos bolseiros pertence a áreas relacionadas com o comércio.

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3.2.2. CENTRALISMO E REPRESSÃO

O centralismo administrativo de carácter repressivo está patente no controlo exercido sobre os Reitores e vice-Reitores dos Liceus e os professores e alunos de todas as Escolas dependentes do Ministério da Instrução Pública.

Os Reitores e vice-Reitores, escolhidos de entre os professores efectivos, são de nomeação governamental e não podem recusar.

Os professores do ensino secundário, enquanto se aguarda o modelo ideal de nomeação - que seria o de os Reitores escolherem os seus colaboradore - , ficam impedidos de realizar qualquer acção, dentro ou fora da sala de aula, na sua zona pedagógica, que prejudique a «direcção dos serviços escolares ou o aproveitamento pedagógico dos alunos», sob pena de, por simples despacho do Ministério da Instrução Pública, atraírem sanções, que podem ir até à suspensão por 180 dias.

Os alunos de todas as escolas, excepto os das primárias, são afectados por inúmeras acções disciplinares, que podem ir até à expulsão «definitiva de todas as escolas nacionais». O decreto sancionatório define como infracção disciplinar «a prática de actos de manifesta hostilidade contra o Poder Executivo», sendo as penas mais graves aplicadas a actos como «a insubordinação grave, desrespeito ao Presidente da República, aos membros do Poder Executivo e propaganda de ideias dissolventes».

3.2.3. A EDUCAÇÃO NACIONAL

A feição nacionalista da educação manifesta-se através de uma pedagogia que aproveita todas as possibilidades de socialização do ensino para enraizar no educando os valores consubstanciados numa

40 Rómulo de Carvalho, História do Ensino em Portugal - desde a Fundação da Nacionalidade até ao Fim do Regime de Salazar-Caetano, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 741 e ss.

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ideologia de exaltação patriótica, elaborada em torno do passado e do presente, e numa doutrina moral assente na ética cristã e na filosofia social das encíclicas papais.

A Escola inculcadora de sentimentos nacionalistas e místicos satisfaz-se com o mínimo de instrução e acentua a vertente moral e religiosa, torna-se mais formadora da personalidade que informadora das inteligências; não visa a inserção na realidade social para a transformar, deseja adaptar-se ao meio para melhor conservar os valores tidos por intemporais; não projecta a subversão da realidade económica e social, pretende responder à procura social de educação e controlar o sentido das novas solidariedades e o ritmo das transformações sociais.

Os conteúdos programáticos mais sensíveis da escola nacional, como a disciplina de História, têm de se conformar com a «exactidão de doutrinas». O Estado, pela acção do governo, invoca a sua legitimidade para orientar o ensino da História, pois lhe compete definir «a verdade nacional», isto é, "aquela que convém à nação» que é a que justifica e glorifica o passado de Portugal, com o objectivo de fortalecer os valores sociais considerados fundamentais: «a família, a fé, o princípio da autoridade, a firmeza do governo, o respeito da hierarquia e a cultura literária e científica».41

3.3. «A OFENSIVA PELA EDUCAÇÃO NACIONAL»

A política educativa, com a consolidação formal do regime, reflecte a agudização do centralismo repressivo sobre as instituições e' os cidadãos.

O contexto internacional favorece o desencadear de acções persecutórias: o fascismo italiano está instalado, Hitler, no poder desde 1933, denuncia , em 1935, o Tratado de Versalhes, facto que prenuncia um novo conflito mundial, preludiado, em 1936, na Guerra

Rómulo de Carvalho, História do Ensino em Portugal - desde a Fundação da Nacionalidade até ao Fim do Regime de Salazar-Caetano, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 744.

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Civil de Espanha. A vida nacional fica assinalada com o crescente reforço do poder de Salazar: a institucionalização da normalidade constitucional dá-lhe a Presidência do Conselho, que acumula com as pastas das Finanças e da Guerra, e consagra o trajecto do político e do doutrinador, cujos Discursos, pronunciados nas mais variadas circunstâncias da vida nacional, fornecem o modelo de todo o comportamento individual e social.

Salazar declara guerra ao comunismo que «tende à subversão de tudo e na sua fúria não distingue o erro e a verdade, o bem e o mal a justiça e injustiça».

O campo de batalha escolhido só podia ser a Escola, onde se ganha ou perde o futuro. «Nós não compreenderíamos - nós não poderíamos consentir - que a escola portuguesa fosse neutra neste pleito /.../. Por mais longe que vá a tolerância perante as divergências doutrinais que em muitos pontos dividem os homens, nós somos obrigados a dizer que não reconhecemos liberdade contra a Nação, contra o bem comum, contra a família, contra a moral».

O ano de 1935 - D. L. n° 25.317, de 13 de Maio - marca o início de um processo repressivo dirigido aos opositores do Regime. Todos os que pudessem ser acusados de «oposição aos princípios fundamentais da Constituição Política» ou de não darem «garantia de cooperar na realização dos fins superiores do Estado» podiam ser afastados da função pública ou impedidos de nela entrar. Seguidamente veio a obrigação de declarar distanciamento de todas as associações ou institutos secretos e, finalmente, o compromisso oficialmente declarado, de agir sempre «com claro repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas».

42 Discurso de 28.01.1934, in Rómulo de Carvalho, História do Ensino em Portugal - desde a Fundação da Nacionalidade até ao Fim do Regime de Salazar-Caetano, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 724. 43 Idem, ibidem, (cit.in) p. 751-752. Esta legislação foi assinada em Conselho de Ministros, sendo Ministro Eusébio Tamagnini, o 3o a sobraçar a pasta da Instrução Pública, após a saída de G. Cordeiro

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Neste clima de suspeição, a Universidade portuguesa perde alguns dos seus melhores valores e o regime encontra, finalmente, o intérprete fiel do pensamento de Salazar, António Faria Carneiro Pacheco, ministro desde 18.01.36 a 09.03.39.

O novo ministro, em tom crítico e decidido afirma «que não se fez ainda obra de conjunto com espírito de sistema; e, por isso, a restauração nacional, nesta matéria, vai ainda muito atrasada /.../ É costume dizer-se que quem ocupa um posto ministerial vem render a guarda. Eu não venho render a guarda ! Venho tomar a ofensiva. Dirigir a ofensiva do Estado Novo pela educação nacional».44

Em 11 de Abril de 1936, a «Remodelação do Ministério da Instrução Pública», promulgada em nome da Assembleia da República, fixa as Bases de uma orientação precisa, retomando de uma forma sistemática, sem rupturas, a obra já iniciada, de forma a aprofundá-la e a transformá-la num todo coerente.

A nova denominação do ministério - Ministério da Educação Nacional - aponta o sentido da reorganização da educação inscrito na Lei de Bases e no pensamento pedagógico em consonância com as linhas de força do Estado Novo: a formação das consciências tem prioridade sobre a transmissão de conhecimentos.

A realização dos objectivos educacionais da escola nacional e cristã passa pela criação de instituições capazes de enquadrar a juventude - Mocidade Portuguesa (19.05.1936), Obra das Mães para a Educação Nacional (15.08.1936), Legião Portuguesa (30.09.1936), e, finalmente, a Mocidade Portuguesa Feminina (08.12.1937) - , cujos regulamentos denotam a preocupação de disciplinar corpos e consciências e de moldar o carácter e a personalidade com os valores inscritos na ideologia política e doutrinal do Estado Novo.

Ramos, demitido poucos meses depois de Salazar ter ocupado a Presidência do Conselho de Ministros. 44 António Nóvoa, Educação Nacional, apud J. M. Brandão de Brito (Dir. de), Dicionário de História do Estado Novo, Vol. I, Lisboa, Círculo de Leitores, 1996, p. 286 e ss.

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A reorganização do ensino matizou o discurso político de dúvidas e incertezas acerca do valor da instrução das massas populares, vingando a tese de que a Escola Primária «devia ensinar pouco e o mais chãmente possível» e que «fazer o ensino primário por meio de agentes altamente intelectualizados tem inconvenientes gravíssimos».

Este receio conduz, de acordo com a política de instrução mínima e da desprofissionalização da actividade educativa, ao alargamento dos postos de ensino e à cuidada elaboração do livro único capaz de interiorizar uma mentalidade de feiçã nacionalista e cristã.

O próprio Salazar avançara a sua opinião sobre a questão do ensino das massas populares: «Considero /.../mais urgente a constituição de vastas elites do que ensinar o povo a 1er. É que os grandes problemas nacionais têm de ser resolvidos não pelo povo, mas pelas elites enquadrando as massas».

A reforma do Ensino Liceal, orientada para o «desenvolvimento harmónico da personalidade moral, intelectual e física dos Portugueses», atribui-lhe «uma finalidade específica» mais ampla do que preparar para acesso à Universidade: compete-lhe dotar os Portugueses de «uma cultura geral útil para a vida».

A novidade maior, como a classifica o próprio preâmbulo do decreto reformador, consiste na substituição do regime de classes pelo de disciplinas, cuja implantação, sem outras medidas complementares, desencadeia uma perniciosa desarticulação de conhecimentos. Os conteúdos programáticos, com reforçada componente ideológica, tornam-se mais simples, os exames menos exigentes e a avaliação, face ao insucesso escolar, sofre correcções administrativas.

O número de escolas de todos os níveis de ensino e a sua frequência aumenta, mas a qualidade do ensino degrada-se. A

' Maria Filomena Mónica, Educação e Sociedade no Portugal de Salazar, Lisboa, Ed. Presença, 1978, p. 116.

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actividade pedagógica é canalizada para objectivos ideológicos considerados fundamentais, como o culto dos heróis, a exaltação dos feitos valorosos do passado - os Descobrimentos, a missão colonizadora, o império - , os valores considerados atemporais, como Deus, Pátria e Família, sem esquecer as realizações do Estado Novo.

A compartimentação do ensino, que separa sexos, pelo repúdio da coeducação, e grupos sociais, pela manutenção das duas vias de ensino - liceal e técnica - permanece e torna-se um factor visível de ajustamento funcional do ensino às concepções ideológicas do Estado Novo: o prestígio do lar e da família exigem que a futura mãe tenha uma educação de acordo com «a missão natural da mulher», enquanto escola técnica condiciona as expectativas das classes populares que mais dificilmente poderão aspirar a cargos dirigentes.

Não deixa de ser significativo que, estando o Estado Novo comprometido com o ressurgimento económico do país, o ideólogo meticuloso da escola nacionalista e cristã, se não tenha lembrado do ensino técnico.

Os seus sucessores, no dealbar da década de 40, vão lembrar-se do ensino técnico para lhe reforçar os conteúdos ideológicos: é criada a disciplina de Educação Moral e Cívica no Ensino Elementar e Médio e a de Organização Política da Nação - Economia Corporativa, nos Institutos Comerciais e Industriais

A Educação moral e cívica, «abrangerá o ensino da religião e moral católica», cujo ensino se desenvolve sob os auspícios da autoridade eclesiástica.46

A cadeira de "Organização Política - Economia Corporativa" aparece, em substituição da cadeira de "Direito Político, Civil e Administrativo", com a finalidade de «formar os portugueses no espírito novo, que amanhã hão-de ocupar na vida oficial ou nas

D. L. n.° 30.665, de 23.08.1940, art. Io e 2° in R.C.C. n.° 31, 1940, p. 342.

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actividades privadas postos de responsabilidade dirigente ou de simples cooperação».

O legislador considera que a formação profissional, apanágio das Escolas técnicas profissionais, «não pode prescindir da consciência dos princípios fundamentais da política económica e da organização jurídica, que são o alicerce e a estrutura da ordem nova corporativa: educar, não apenas na técnica mas no espírito social, contra o individualismo anárquico».

A forma de provimento desvela todo o rigor de controlo ideológico do poder estabelecido: contempla o regime de contrato, por ser o único que assegura «garantias de idoneidade profissional e cívica» e a escolha ministerial, após consulta à Junta Nacional de Educação.47

4. A PROFISSÃO DE CONTABILISTA

4.1. A CONDIÇÃO SOCIAL DO CONTABILISTA

A Contabilidade, na década de 30, é ensinada em três níveis distintos: Secundário, nas Escolas técnicas, Médio, nos Institutos de Comércio - Lisboa e Porto - , cujos diplomados são os únicos a denominar-se Contabilistas e Universitário, no Instituto de Ciências Económicas e Financeiras, especialmente na secção de administração, cujos diplomados se orgulham da denominação de Comercialistas.

A Contabilidade e os seus profissionais cumprem a sua função económica, social e cultural nos mais diversos níveis da administração pública e privada, incluindo as colónias, nos organismos de cooperação económica, nos organismos corporativos, etc.

O Estado Novo concede ao Contabilista um estatuto social de classe média urbana, patente no seu nível remuneratório: os 1.500

Preâmbulo do Decreto-lei. n.° 30.673, de 23.08.1940, in R.C.C., n.° 31, 1940, p. 343-344.

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escudos de ordenado, em 1934-35, colocam-no em igualdade de circunstâncias com o Professor do Liceu, acima do Juiz de primeira instância (1.300$00) e abaixo do Capitão do Exército (1.800$00).48

Se considerarmos que, apesar da estabilidade do custo de vida, uma família de 5 pessoas precisava de 1080$00 para ter acesso ao estritamente necessário 49, concluiremos que a vida do quadro médio, dadas as exigências do seu estatuto social, não era desafogada. O recurso a múltiplas ocupações - e mesmo a ligação à terra -completavam o ordenado, mas não facilitavam a especialização técnico-profissional.

Os baixos salários, o desemprego, a precaridade do trabalho e a debilidade da indústria fazem desaguar no sector dos serviços, nomeadamente em actividades relacionadas com a Contabilidade, um conjunto heterogéneo de profissionais, com as mais diversas formações escolares, com ou sem formação específica, ou mesmo meros práticos que, de simples Caixeiros, pela via do autodidatismo e/ou de pequenos cursos, se guindam à mesa da Escrituração e da Contabilidade.

Em período de reorganização das actividades profissionais, em conformidade com o projecto corporativo aspiram poder fazê-lo com dignidade, de forma que no processo em curso saia nobilitada a sua profissão.

Os profissionais da Contabilidade assumem que a valorização da profissão passa pelo seu envolvimento numa luta em várias frentes, a montante e a jusante da profissão: é a defesa da Contabilidade como ciência e disciplina intelectual, cujo estudo a nível Universitário se impõe por si própria e pela sua utilidade para o desenvolvimento económico e o progresso moral do país; é a necessidade de reformar o Ensino técnico comercial a todos os níveis para o fazer acompanhar a

48 José Matoso (Dir.de), História de Portugal, Vol. VII, apud Fernando Rosas, O Estado Novo (1926-1974), Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, p. 107. 49 Idem, Ibidem, p. 94-95.

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hora do ressurgimento nacional; é o reforço das solidariedades associativas e a regulamentação do exercício da profissão que, enquanto permanecer aberta não poderá ser expurgada da "vaidosa mediocridade"; é, finalmente, a necessidade de se avizinhar pedagogicamente dos agentes económicos para os convencer da importância da Contabilidade na boa gestão de todas as organizações económicas.

Sem menosprezar as outras frentes de luta, vamos debruçar-nos sobre alguns aspectos da Organização sindical e da Regulamentação profissional.

4 2. Sindicatos Nacionais e Organização da Profissão

O D. L. n° 23.050, de 23.09.1933, constrói um novo quadro relativo às associações de classe: define a sua forma de constituição, fixa os fins, os direitos e os deveres, e estabelece as regras de funcionamento dos Sindicatos Nacionais. As associações sindicais, em conformidade com a lei - sem as excepções que o pragmatismo do regime soube garantir aos poderes fincadamente instalados - têm apenas duas alternativas: ou dissolvem-se, até 31.12.33, ou reformam os seus estatutos em conformidade com os princípios "nacionalistas" do regime - e daí a designação de Nacional - , que lhes impõe a recusa da "luta de classes", o dever de subordinar os interesses de classe aos interesses da economia nacional, definidos pelo Estado, e o compromisso de apenas exercerem a sua actividade no plano nacional, isto é, fica-lhes vedado, sem autorização governamental, estabelecer relações internacionais.50

A Associação dos Comercialistas do Norte de Portugal recusa, em Assembleia Geral convocada para o efeito, organizar-se em Sindicato Nacional e, invocando o estatuto profissional de Comercialistas, assente num Curso Superior, com graus de

José Carlos Valente, Sindicatos Nacionais, in J. M. Brandão de Brito (Dir. de), Dicionário de História do Estado Novo, Vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1996 p 916

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Licenciatura e Doutoramento, decide desencadear um conjunto de acções - sem sucesso, diga-se - tendentes a constituir a «ordem dos comercialistas».

A Associação dos Comercialistas Portugueses, sedeada em Lisboa, após a recusada proposta feita aos seus colegas do Norte, decidem transformar-se em Sindicato Nacional dos Comercialistas Portugueses (1934).52 Para reforçar as adesões permitem, embora mantendo a esperança de conseguir do Governo autorização para constituir a ordem dos comercialistas , a inscrição no sindicato dos Licenciados de qualquer das secções do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras54, que podem, como qualquer sócio - e não apenas os Licenciados pelas 4 secções - pertencer aos corpos gerentes dos sindicatos.55

A formação do Sindicato dos Comercialistas Portugueses parece ter despertado o interesse de algumas personalidades, que se solidarizam em comissão instaladora de uma Associação Cultural de Ciências Económicas e Financeiras 56, cujos esforços desembocam na criação da Sociedade de Ciências Económicas, ligada às instalações e a professores do ISCEF.57

Em 25 de Janeiro de 1934, a Associação dos Contabilistas e Guarda-livros do Norte de Portugal - após um rápido processo ritmado pela decisão de reformar os Estatutos, 09.10.1933, pela sua aprovação pela Assembleia Geral e pelo Governo - reúne para eleger

51 Vida Associativa, in Revista de Contabilidade e Comércio, n.° 2, 1933, p. 151 e n.° 7, 1934, p.277.Esta rubrica, não assinada, que se mantém ao longo da publicação da Revista, presume-se do seu Secretário, José Henriques Garcia. 52 Vida Associativa, in Revista de Contabilidade e Comércio, n.° 13, 1936, p. 113. 53 Vida Associativa, in Revista de Contabilidade e Comércio, n.° 21, 1938, p. 176-177. 5 Vida Associativa, in Revista de Contabilidade e Comércio, n.° 23, 1938, p. 408. 55 Vida Associativa, in Revista de Contabilidade e Comércio, n.° 35, 1941, p. 375. 5 Vida Associativa, in Revista de Contabilidade e Comércio, n.° 13, 1936, p. 113. 57 Vida Associativa, in Revista de Contabilidade e Comércio, n.° 37, 1940, p. 107.

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os corpos gerentes da nova organização em que se transformara - o Sindicato Nacional dos Contabilistas e Guarda-livros do Distrito do Porto.

Os seus Estatutos consagram os seguintes objectivos: «a) Assegurar o prestígio da classe por forma a garantir a

existência de uma correcta e rígida conduta profissional, dos seus filiados.

b) Contribuir para o progresso da técnica profissional, organizando para tal fim sessões de estudo e bibliotecas, e criar, se for possível, uma revista da especialidade.

c) Criar escolas profissionais com as cadeiras julgadas convenientes.

d) De uma forma geral, promover, auxiliar e ampliar o estudo dos interesses profissionais dos seus filiados, nos seus aspectos moral, económico e social, utilizando todos os elementos e meios legais».

O esforço organizativo e mobilizador do sindicato assume um triplo carácter:

a) Reivindicativo O sindicato pretende o exclusivo da concessão da carteira

profissional; deseja, em conformidade com a lei (D. L. 23.712, de 28.03.34) monopolizar, através da Agência de Colocações que conseguiu fazer aprovar (10.06.1936)58, a lista de desempregados sobre a qual se deveria exercer o consagrado direito de escolha dos empregadores; preocupa-se com os salários e os horários de trabalho; firma contratos colectivos, se a tal se dispuser o patronato, sendo certo que apenas assinou, após longas negociações, o contrato colectivo solicitado pelo Grémio dos Importadores Armazenistas de

A Agência de Colocações, aprovada por Despacho do Sub-Secretário das Corporações, em 10.06.36, e publicado no Diário do Governo, II Série, n.° 158, de 9.07.36, teve vida difícil e limitada duração face à hostilidade dos patrões, in R.C.C., n.° 15, 1936, p. 305 ess.

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Mercearia ; pressiona o Governo no sentido de alargar o leque de cargos e funções destinados aos sócios, tal como a peritagem; promove e acompanha, com uma atenção especial às disposições transitórias, a Regulamentação do exercício da actividade profissionais dos «técnicos de Contabilidade»; etc.

b)Formativo Neste âmbito, promove a criação de biblioteca, sala de convívio,

cursos de formação, nomeadamente de línguas alemã, francesa e inglesa, conferências relativas aos interesses cívicos e profissional, etc.

b) Assistencial Neste domínio, que é um dos objectivos essenciais do sindicato,

instala um consultório médico; propõe-se criar uma Caixa Sindical de Previdência, «expressão da solidariedade corporativa», mas cujo sucesso depende das concessões obtidas nos contratos colectivos, tarefa que a magnanimidade dos patrões não facilita.

O Sindicato, de acordo com o seu Presidente, deu à classe «ordem, prestígio e alguma disciplina», mas reconhece que a militância sindical, e o interesse pelas. suas realizações não são significativos. «Criou os cursos de aperfeiçoamento que a classe não aproveita, lamenta-se o presidente, e um Conselho técnico que nem sequer reúne. Instalou uma biblioteca que quase se não lê. Despendeu alguns contos numa instalação digna da classe que poucos frequentam e raros trocam pelo café».60

Os Organismos Corporativos, nomeadamente os Sindicatos, que sofrem a hostilidade dos patrões nos domínios mais sensíveis -

59 Este contrato foi realizado em 23 de Setembro, exactamente no dia festivo do 4o

aniversário do Estatuto Nacional do Trabalho, in Vida Associativa, R.C.C., n.° 19, 1937, p. 337 60 J. G., O Presidente do Sindicato dos Contabilistas fala à "Revista de Contabilidade e Comércio", in R.C.C, n.° 18, 1937, p. 228.

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contratos colectivos, emprego, salários, etc. - e a quase indiferença da classe que representam, acolhem, às vezes com entusiasmo, certas intervenções do Estado, ao arrepio dos princípios corporativos, como acontece com a fixação de salários mínimos e quotização obrigatória.

O pagamento obrigatório de jóia e quota61 por todos os Contabilistas e Guarda-livros a exercer a sua actividade no Distrito do Porto incutiu novo ânimo no Sindicato do Norte.

O optimismo gerado pelo novo enquadramento profissional é manifesto: « Caminhamos numa boa estrada, de onde se divisam as grandes esperanças»62, afirma Luís Mourão.

Satisfeito com «um mínimo de vantagens profissionais» conseguido em seis anos de luta, não esconde que a confluência forçada no Sindicato de todos os que vivem da Contabilidade vai desencadear uma forte solidariedade capaz de acordar em cada um a perfeita «inteligência do seu próprio interesse».

A previdência social, que o aumento das receitas torna possível, será a face humana do novo sindicalismo. Quer para o Sindicato escolhas mais criteriosas e exigentes dos seus associados; espera o desenvolvimento do espírito associativo; e deseja aprofundar o entendimento entre os técnicos de Contabilidade, como forma de traçar um rumo firme para a acção comum.

4.3. A EXTINÇÃO DO SINDICATO

A corrida pioneira a um lugar na base da pirâmide corporativa pertenceu às combativas Associações de Empregados Bancários, Empregados de Escritório e Empregados de Seguros que, em 18 de Novembro de 1933, em sessão solene, no Teatro de S. Carlos, significativamente presidida pelo Sub-Secretário de Estado das Corporações e Previdência Social, Pedro Teotónio Pereira, se organizam em Sindicatos Nacionais.

" D. L. n.° 29.931, de 15.1939, aplicado pelo Despacho de 30.10.1939. Luís Mourão, A Cotização obrigatória e o S.N. dos C. e G. livros, R.C C n ° 28

1939, p. 418.

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O Sindicato dos Empregados de Escritório, sob a liderança do Sindicato dos Empregados Bancários, disputa o mesmo território profissional do Sindicato dos Contabilistas e Guarda-livros, actividades que considera meras categorias no interior da profissão de Empregados de Escritório: «sendo Guarda-livros uma categoria, Contabilista um título, e Perito contabilista uma profissão, não nos parece possível regular, com critério uniforme, actividades que se exercem num plano tão diverso».63

Luís Mourão, presidente do Sindicato dos Contabilistas e Guarda-livros do Distrito do Porto, assume uma posição distinta configurada em duas razões fundamentais: o Contabilista « exerce uma função específica, independente e livre», não pode aceitar subordinações que belisquem a sua autonomia, e «um sindicato único de trabalhadores de escritório, provocaria a desordem pelas prepotências dos que hierarquicamente fossem superiores» .

O sindicalista, no sentido de evitar a ameaçada pulverização da classe, sugere uma posição conciliadora, a dupla sindicalização: no sindicato do "ramo" de actividade, onde o técnico de Contabilidade colheria todas as vantagens de ordem social, e no sindicato técnico, que lhe prestaria o apoio técnico e profissional.65

Na década de 40, os argumentos a favor de uma distinção profissional entre Técnicos de Contabilidade e Empregados de Escritório não convenceu o Sub-Secretário das Corporações e Previdência, nem o Supremo Tribunal Administrativo. Trigo de Negreiros, por despacho de 07.06.43 6Ó, invocando a unicidade de representação das profissões, e mesmo a ilegalidade da constituição do

Representação do Sindicato dos Empregados Bancários do Distrito de Lisboa ao Sr. Ministro do Comércio e Indústria, em 15.04.1935, in R.C.C., n.° 10, 1935, p. 155 e ss. 64 J. G., O Presidente do Sindicato dos Contabilistas fala à "Revista de Contabilidade e Comércio", in R.C.C, n.° 18, 1937, p. 229. 65 Idem,ibidem, p. 223. 66 R.C.C., n.°42, p. 231-233, onde aparece transcrito o referido despacho.

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Sindicato dos Contabilistas e Guarda-livros do Distrito do Porto, considera caber, por lei, ao Sindicato dos Empregados de Escritório, agora instalado no Porto, a representação dos interesses dos Contabilistas e Guarda-livros, decisão que o Supremo, após recurso, confirma (04.03.44)67.

O Sindicato Nacional dos Contabilistas e Guarda-livros do Distrito do Porto, que aspirara alargar a sua jurisdição a outros Distritos do país - Vila Real, Bragança, Guarda, Castelo Branco, Aveiro, Viseu e Coimbra - é extinto, revertendo o remanescente da liquidação para o Fundo de Assistência do Sindicato Nacional dos Empregados de Escritório do Distrito do Porto.68

4.4. REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE «TÉCNICOS DE CONTABILIDADE»

4.4.l.«BASES FUNDAMENTAIS PRECONIZADAS»

Os profissionais da Contabilidade, de acordo com os seus interesses, organizam-se em diferentes associações, mas a consciência de que a sua profissão, frequentada por estranhos, tem de ser valorizada convoca-os em torno de um eixo polarizador das aspirações da classe: o estatuto da Contabilidade e do exercício e responsabilidade profissionais.

A regulamentação da profissão, indispensável ao prestígio da Contabilidade e à dignidade da profissão, pressupõe um diálogo triangular - Estado, patrões e profissionais da Contabilidade - que a comissão incumbida pelo governo de elaborar uma Lei de Bases promove, convocando todos os interessados para uma discussão

R.C.C.n.0 45, p. 116-120, onde aparece publicado o supra citado acórdão. Despacho, de 07.06.1943, do Sub-Secretário de Estado das Corporações e

Previdência, in R.C.C., n.° 42, 1943, p. 231 e 233.

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pública, com pedido expresso de «alvitres e sugestões das pessoas que desejem fornecê-los».69

A proposta da comissão governamental desenvolve-se ao longo de seis bases.

A Base I - Do exercício da profissão - faz uma caracterização dos «Técnicos de Contabilidade»: Guarda-livros, Contabilista e Perito Contabilista.

A Base II - Do uso dos títulos - fixa as condições de acesso aos diferentes escalões da profissão com base num multicritério definido pelos seguintes parâmetros: idade, cursos, anos de exercício da profissão, com prática em Contabilidade digráfica, e concurso de admissão, este apenas exigido para ascender ao último escalão de Perito contabilista, realizado junto do Conselho Superior dos Técnicos de Contabilidade.

As disposições transitórias para integrar os actuais profissionais apenas mantém o critério da idade e dos anos de exercício da profissão, que para o Guarda-livros - ao qual não se exigem habilitações mínimas - , não precisa de ser prestado em Contabilidade digráfica.

O Contabilista vê qualificadas as suas «funções de direcção de serviços de Contabilidade digráfica em quaisquer sociedades anónimas ou bancárias, ou em quaisquer organismos públicos ou administrativos» que, realizadas as condições de tempo, lhe conferem o direito de utilizar o título. O mesmo acontece com os que «exerçam ou hajam exercido o lugar de chefe de Contabilidade digráfica de quaisquer sociedades anónimas ou bancárias ou de quaisquer organismos públicos ou administrativos e ainda os Guarda-livros das empresas que se transformem em sociedades anónimas».

Preâmbulo da proposta das «Bases fundamentais preconizadas», R.C.C., n.° 9, 1935, p. 45

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O Perito contabilista, além de outras formas de graduação disponíveis, pode, sem exigência de qualquer habilitação mínima, desde que tenha exercido funções durante pelo menos dois anos, requerer o uso do título.

Os diplomados com o antigo Curso Secundário de Comércio ou de Contabilista dos Institutos Médios de Comércio podem, sem qualquer prática profissional, desempenhar, mediante inscrição, funções de Guarda-livros, enquanto os Comercialistas, diplomados pelos Institutos Superiores de Comércio e pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, têm acesso a quaisquer funções de «Técnico de Contabilidade».

A Base III - Das Atribuições dos técnicos de Contabilidade -dispõe que as organizações, com movimento de receitas ou de despesas superior a 200 000 escudos, devem entregar a direcção dos serviços de Contabilidade a um Contabilista; os balanços, para que qualquer «escrituração mercantil» possa considerar-se «arrumada» e «fazer fé em juízo», devem ser assinados por um Contabilista; e os exames periciais têm de ser feitos por peritos devidamente inscritos.

A Base IV - Da responsabilidade e sanções - pune, em conformidade com regulamento a publicar, os desempenhos que não estejam em consonância com os princípios da Contabilidade, as leis em vigor e a ética da profissão.

A Base V - Do Conselho Superior dos Técnicos de Contabilidade - cria um órgão para « Superintender científica e disciplinarmente sobre todos os técnicos de Contabilidade» e «Administrar as receitas e autorizar as despesas do Conselho».

A composição do Conselho - Presidente e 6 vogais - acautela uma representação alargada - Governo, Escolas oficiais de Contabilidade de todos os níveis de ensino e profissionais diplomados de todos os escalões de técnicos de Contabilidade. Contudo, a forma

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de nomeação, bienal, dos seus membros obedece às orientações do centralismo administrativo, que faz do Estado, pela via do Governo, o plasma de todas as organizações: o Presidente e os 3 professores são de escolha governamental e os 3 profissionais são eleitos pelos inscritos no Ministério do Comércio e Indústria. Acresce que todas as nomeações relativas ao primeiro biénio são deixadas à responsabilidade do Governo.

A proposta da comissão afigura-se conciliadora dos interesses daqueles que fazem valer a sua preparação teórica adquirida nas escolas oficiais ou oficializadas e os daqueles que valorizam o saber de experiência feito no «calvário da Prática» 70

Não fecha totalmente a profissão a não especializados, mas reserva um espaço significativo aos verdadeiros especialistas, já que as organizações, com movimento de receitas ou de despesas superior a 200 mil escudos, não podem dispensar os seus serviços.

As disposições transitórias denotam a preocupação de consagrar os direitps adquiridos no exercício da profissão, salvaguardados por critérios de duvidosa exigência, dada a ausência de habilitações mínimas, de exames ou de análise curricular e qualidade dos desempenhos.

Os alvitres e as sugestões aparecem na literatura contabilística, nomeadamente no Fórum em que se constitui a Revista de Contabilidade e Comércio, e em representações aos ministros que tutelam as escolas e a actividade dos técnicos de Contabilidade; e nem o Presidente do Conselho escapa à ânsia de se conseguir um código regulamentador da profissão.

Luís Mourão, Da Regulamentação dos Técnicos de Contas, R.C.C., n.° 8, 1934 p 355.

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4.4.2. SUGESTÕES E CONFLITO DE INTERESSES

As reflexões efectuadas em torno do projecto traduzem pontos de vista diferentes, em consonância com os interesses sociais que representam, e revelam a enorme expectativa gerada pelo documento na classe dos Técnicos de Contabilidade - actuais e futuros.

As sugestões abordam aspectos de carácter geral e quase todos os tópicos da proposta, mas as principais divergências relacionam-se com as disposições transitórias.

Sem qualquer pretensão sistematizadora, vejamos algumas das sugestões mais significativas.

O Sindicato dos Contabilistas e Guarda-livros do Distrito do Porto pretende que a profissão de Técnico de Contabilidade seja exercida em exclusividade de funções71 e considera exagerado o papel atribuído aos desempenhos em sociedades anónimas, com vista à graduação profissional.

Os alunos dos Institutos Comerciais vêem com desagrado a usurpação do título de Contabilista, que lhes pertence por lei. O seu alargamento a outros profissionais, sem o mínimo de habilitações, não os leva a recusar o «espírito das concessões transitórias», mas a sua «largueza»72, pelo que, em certas circunstâncias, devem os candidatos submeter-se a exame nos Institutos Comerciais.

A sua proposta retira à docência do ensino não oficializado a possibilidade de graduar candidatos a Perito Contabilista e altera de dois para oito o tempo de exercício profissional indispensável à concessão do mesmo título.7

71 Representação do S. N. de Contabilistas e Guarda-livros do D. do Porto, in R.C.C., n.° 9, 1935, p. 51. 72 T Representação dos alunos do Instituto comercial do Porto, in R.C.C., n.° 10, 1935, p. 146. 73 Uma representação dos alunos dos Institutos Comerciais, in R.C.C., n.° 22, 1938, p. 296.

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Os diplomados da Escola Raul Dória reclamam o título de Contabilista para todos os diplomados das escolas privadas de reconhecido valor. Consideram de «flagrante injustiça, pelo que de afrontoso contém, quanto aos sagrados direitos adquiridos», o facto de, por falta de título oficial, serem nivelados pelos que não possuem «quaisquer habilitações literárias ou conhecimentos especializados» e terem de deixar de ser o que sempre foram, Contabilistas.

Um dos temas que aflora nas reflexões sobre a regulamentação é a necessidade de, a par da competência técnica, avaliar a capacidade moral do profissional da Contabilidade, pois uma conduta fraudulenta face à Contabilidade não dignifica o exercício da profissão, subverte a Contabilidade que em si própria é animada por «um espírito de disciplina, de ordem e cooperação» e prejudica a economia nacional.

A conduta moral prende-se com a questão da responsabilidade profissional, o tema nuclear do código ambicionado, já que é considerada a única via de moralizar a actividade do técnico de contas, pois o torna independente e lhe dá autoridade para resistir às arbitrariedades patronais com reflexos na elaboração dos documentos contabilísticos.

O Estatuto da Contabilidade e do exercício e responsabilidade profissionais movimenta inúmeras personalidades que, como o Dr. Alfredo Coelho de Magalhães, reconhecem a sua importância na solução dos problemas económicos e sociais: «os técnicos de contas, afirma, hão-de sentir-se valorizados, não só do ponto de vista profissional, como do ponto de vista moral, o que se reflectirá na vida económica do pais».

74 Representação dos diplomados da Escola Raul Dória, in R.C.C., n.° 10, 1935, p. 153. 75 Representação do S.N.dos Contabilistas e Guarda-livros do Distrito do Porto ao Sr. Presidente do Conselho, in R.C.C., n.° 27, 1939, p. 314. 76 Representação enviada ao Ex.mo Sr.Ministro do Comércio e Indústria pelo Dr. A. Coelho de Magalhães, em nome do Conselho Escolar do I.C. do Porto, in Vida Associativa, R.C.C. n.° 11, 1935, p. 306

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Contudo, a frustração começa a instalar-se - e com razão - face à hesitação dos poderes públicos, indiferentes perante «os clamores de

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todos os colegas que desejam dignificar a sua profissão».

A década de 30 chega ao fim com algo de premonitório: os técnicos da Contabilidade, visivelmente divididos, têm de continuar a lutar para conseguir um estatuto profissional autónomo e diferenciado dos empregados de escritório.

A ideia de uma Câmara dos Contabilistas Portugueses, que gera entusiasmo e inúmeras adesões, está em marcha . Ao apelo de

70

«organizemos uma Câmara dos Contabilistas Portugueses» constitui-se uma Comissão pró-Câmara, liderada por diplomados do Instituto de Comércio de Lisboa, que pretende reunir todos os diplomados de escolas equivalentes, nomeadamente os do Instituto Comercial do Porto e dos Pupilos do Exército.

Concluindo, creio poder afirmar que o papel desempenhado pela Contabilidade na reforma financeira e administrativa, que está na base da organização do Estado corporativo e do poder pessoal do seu ideólogo, lhe conferiu algum prestígio com reflexos na reforma do ensino técnico comercial do início da década. A Contabilidade transpôs a porta de Minerva e o Contabilista adquiriu um título revelador da sua prestigiosa profissão

Na segunda fase da consolidação do Estado Novo, a partir de 1936, a agudização do centralismo administrativo e do controlo ideológico repercute-se na Escola, que se torna eminentemente formativa, mais preocupada com a inculcação dos valores da «Ordem Nova» do que com a transmissão de saberes e o desenvolvimento de capacidades modernizadores da sociedade. A pedagogia da escola

Joaquim Rodrigues dos Santos, Aspirações de classe III, in R.C.C., n.° 26, 1939, p. 218.

Francisco Xavier Antunes, Uma Câmara dos Contabilistas, uma ideia em marcha, R.C.C., n.° 28, 1939, p. 452.

Francisco Xavier Antunes, Organizemos a Câmara dos Contabilistas Portugueses, R.C.C., n.°27, 1939, p. 306 ess. .

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nacional promove a conformação mais do que a insatisfação; valoriza a conservação mais do que impulsiona a transformação; e a custo descobre no passado e no presente o sentido do futuro.

A conjuntura internacional, em fase de depressão, favorece a autarcia, limita as possibilidades de crescimento económico e dificulta a expansão do ensino técnico - via essencialmente destinada às classe populares; por outro lado, a necessidade de manter os equilíbrios sociais em que assenta o Estado Novo e a falta de mobilidade da sociedade portuguesa não facilitam o alargamento da base de recrutamento das elites sociais, facto que limita a expansão e diversificação do ensino, nomeadamente o Superior.

Assim, torna-se conveniente para os equilíbrios sociais que a Contabilidade se mantenha à sombra da Administração e as profissões comerciais, incluindo a de Contabilista, permaneçam território de descompressão social, aberto a todos aqueles que abandonam os estudos e não chegam à Universidade.

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ANEXO

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REGULAMENTAÇÃO DO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE «TÉCNICOS DE CONTABILIDADE»: GUARDA-LIVROS, CONTABILISTAS E PERITOS CONTABILISTAS

BASES FUNDAMENTAIS PRECONIZADAS80

A comissão nomeada pelo Ministério do Comércio e indústria para estudar e propor a regulamentação do exercício das profissões de guarda livros, contabilistas e Peritos Contabilistas, a que presidiu o Sr. Dr. Francisco de Almeida Carmo e Cunha e de que fizeram parte os Srs. Dr. Mosés Amzalak., Dr. António Pedroso Pimenta e Dr. Augusto António Borges, Engenheiro Henrique de Carvalho, Dr.Sebastião Alfredo da Silva, Dr. Octávio da Fonseca Brito e Capitão Francisco Caetano Dias, apresentou ao Sr. Ministro do Comércio e Indústria o seu relatório.

A fim de que todos os interessados tomem conhecimento do estudo realizado e dos seus resultados, foi superiormente determinado que as bases propostas fossem dadas a público, aguardando-se os alvitres e sugestões das pessoas que desejem fornecê-los.

As referidas bases são do teor seguinte:

BASE I - Do EXERCÍCIO DA PROFISSÃO

Denominam-se «técnicos de contabilidade» os guarda-livros, os contabilistas e os Peritos Contabilistas.

Guarda-livros é o técnico que têm a função de, por si ou conjuntamente com os seus auxiliares, executar todas as operações de escrituração.

Contabilista é o técnico cuja função consiste em superintender, organizar, orientar e dirigir os serviços de contabilidade dos organis­mos públicos e privados.

A ortografia foi actualizada.

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Perito contabilista é o técnico que tem por função a fiscalização e verificação de contabilidade e factos gestivos dos organismos económicos.

BASE II - Do uso DOS TÍTULOS

O uso dos títulos respectivos só é permitido aos indivíduos que, inscritos no Ministério do Comércio e Indústria, satisfaçam aos requisitos a seguir indicados:

Guarda-Iivros.- 0 uso do título de guarda-livros só é permitido aos indivíduos de qualquer sexo, que, tendo pelo menos 18 anos de idade, se encontrem legalmente emancipados, sejam diplomados com o antigo curso secundário de comércio, com o curso de comércio das antigas Escolas Técnicas Profissionais de Comércio, oficiais ou oficilizadas, ou cursos equivalentes reconhecidos por lei e provem ter, pelo menos, dois anos de prática de contabilidade digráfica em qualquer organismo económico.

Como medida transitória, o uso do título de guarda-livros deverá ser concedido, quando requerido no prazo de um ano a todos os indivíduos que, possuindo pelo menos 18 anos de idade, se mostrem legalmente emancipados, provem ter exercido a profissão durante, pelo menos, 2 anos.

Contabilista - 0 uso do título de contabilista só é permitido aos iudivíduos de qualquer sexo, que, tendo, pelo menos, 23 anos de idade, sejam diplomados com o antigo curso secundário de comércio, com o curso de contabilista dos institutos médios de comércio ou cursos equivalentes por lei e possuam, pelo menos, 3 anos de prática em serviços de contabilidade digráfica.

Transitoriamente, o uso do título de contabilista será concedido aos indivíduos que o requeiram no prazo de um ano, tenham, pelo menos, 23 anos de idade e 5 anos de desempenho de funções de

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direcção de serviços de contabilidade digráfica em quaisquer sociedades anónimas ou bancárias, ou em quaisquer organismos públicos ou administrativos.

Também poderão requerer o título de contabilista os indivíduos que, à data da publicação do diploma sobre a regulamentação, exerçam ou hajam exercido o lugar de chefe de contabilidade digráfica de quaisquer sociedades anónimas ou bancárias ou de quaisquer organismos públicos ou administrativos e ainda os guarda-livros das empresas que se transformem em sociedades anónimas.

Perito-contabilista - O uso do título de perito contabilista, só é permitido aos indivíduos de qualquer sexo que tenham pelo menos 25 anos de idade, sejam diplomados com o antigo curso secundário de comércio ou o curso de contabilista dos institutos médios de comércio e cursos equivalentes reconhecidos por lei e tenham aprovação num concurso de admissão, prestado junto do Conselho Superior dos Técnicos de Contabilidade.

Como medida transitória o uso do título de perito-contabilista, poderá ser concedido, quando requerido no prazo de 6 meses, a todos os indivíduos que reúnam as condições estabelecidos em qualquer das alíneas seguintes:

a) Possuírem o antigo curso secundário de comércio ou o de contabilista e exercerem ou terem exercido as funções de guarda-livros ou de contabilista;

b) Terem exercido as funções de professor de contabilidade em escolas de comércio oficiais ou oficializadas;

c) Haverem exercido, durante pelo menos dois 2 anos, as funções de perito-contabilista.

Os diplomados com o antigo curso secundário de comércio ou o de contabilista dos institutos médios de comércio, poderão, mediante a

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inscrição respectiva, desempenhar as funções de guarda-livros, logo após a terminação dos seus cursos.

Os diplomados com o curso superior de comércio ou os licenciados em ciências económicas e financeiras - secção de administração comercial - poderão, mediante inscrição respectiva, desempenhar quaisquer das funções de técnicos de contabilidade, logo após a terminação dos seus cursos.

BASE III - DAS ATRIBUIÇÕES DOS TÉCNICOS DE CONTABILIDADE

As sociedades anónimas, as sociedades bancárias, as Juntas Gerais de Distrito, as Câmaras Municipais de Concelhos de l.a classe, os organismos do Estado com autonomia e com contabilidade privativa e as corporações administrativas com um movimento de receitas ou de despesas superior a 200 000$00, deverão ter a superintender e dirigir a sua contabilidade um contabilista.

A partir de 6 meses da data da publicação do diploma a promulgar, nenhuma escrituração mercantil se considerará devidamente arrumada nem fará fé em juízo, desde que os balanços não estejam devidamente assinados por um técnico de contabilidade inscrito.

Os exames periciais de contabilidade só poderão ser realizados por peritos contabilistas devidamente inscritos.

BASE IV - DAS RESPONSABILIDADES E SANÇÕES

Serão punidos nos termos do regulamento a publicar, indepen­dentemente de outras sanções estabelecidos nas leis em vigor, os técnicos de contabilidade que:

a) Assinem balanços que não estejam dentro das normas e prin­cípios da contabilidade;

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b) Efectuem lançamentos de operações que não se encontrem devidamente justificados ;

c) Efectuem lançamentos cujas operações sejam contrárias aos preceitos estabelecidos pelas leis vigentes;

d) Assinem qualquer laudo que não seja a expressão do que examinarem;

e) Se mancomunem com qualquer das partes; f) Pratiquem quaisquer factos puníveis no regulamento.

BASE V - Do CONSELHO SUPERIOR DOS TÉCNICOS DE CONTABILIDADE

Superintendendo sobre todos os técnicos de contabilidade, haverá um organismo com a designação acima e com a seguinte composição:

Presidente: de nomeação do Governo Vogais: 1 professor de contabilidade do Instituto Superior de

Ciências Económicas é Financeira; 1 professor de contabilidade dos Institutos Médios de Comércio: 1 professor de contabilidade das Escolas Profissionais de

Comércio; 1 perito contabilista diplomado; 1 contabilista diplomado; 1 guarda-livros diplomado;

Os quatro primeiros de livre escolha do Governo, feita bienalmente; os três últimos eleitos, também bienalmente, pelos respectivos inscritos no Ministério do Comércio e Indústria.

As primeiras nomeações de todos os vogais, contudo, serão feitas directamente pelo Governo.

O Conselho Superior dos Técnicos de Contabilidade tem por funções.

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Io ­ Superintender científica e disciplinarmente sobre todos os técnicos de contabilidade;

a) cientificamente, organizando boletins tratando unicamente de assuntos de contabilidade, estabelecendo normas oficiais e gerais de balanços e demais princípios de contabilidade;

b) disciplinarmente, aplicando sanções de harmonia com o regula­mento.

2o ­ Administrar as receitas e autorizar as despesas do Conselho.

BASE VI ■ DAS RECEITAS DO CONSELHO SUPERIOR DOS TÉCNICOS DE CONTABILIDADE

As receitas do Conselho Superior dos Técnicos de Contabilidade serão provenientes das taxas de inscrição e da taxa de revalidação na importância de 2$50, a que estão sujeitas todas as carteiras profissionais, de cinco em cinco anos.

As taxas de inscrição serão as seguintes, pagas por uma só vez: para o perito­contabilista, 200$00; para contabilista, 150$OO; para o Guarda­livros, 100$00 .

Contra o pagamento das respectivas taxas, serão entregues aos interessados as respectivas carteiras profissionais.

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BIBLIOGRAFIA E FONTES

I. DICIONÁRIOS E OBRAS COLECTIVAS

AAVV, Contribuições Para a História do Pensamento Económico em Portugal, Publ. D. Quixote, 1988. AAVV, O Estado Novo: Das Origens ao Fim da Autarcia, (1926-1959), Vol. e II, Lisboa, Ed Fragmentos, 1987. AAVV, Salazar e o Salazarismo, Lisboa, Publ. D. Quixote, 1989. BRITO, J. M. Brandão de Rosas, Fernando e ( Dir. de )Dicionário de História do Estado Novo, Vol. I e II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1996, MEDINA, João, ( Dir.de ), História Contemporânea de Portugal. Estado Novo, Multilar, Vol. I, 1990. MÓNICA, Maria Filomena, Educação e Sociedade no Portugal de Salazar, Lisboa, Editorial Presença, 1978. ROSAS, Fernando (Coord, de), Portugal e o Estado Novo (1930-1960), apud Serrão, Joel e Marques, A.H.de Oliveira, ( Dir. de ) Nova História de Portugal, Vol. XII Lisboa, Editorial Presença, 1992. ROSAS, Fernando, O Estado Novo (1926-1974), apud Matoso, José (Dir.de ), História de Portugal, Vol. VII, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994.

II. MONOGRAFIAS

BENTO, José Gomes, O Movimento Sindical dos Professores, 2a Ed., Lisboa, Ed. Caminho, 1978, CARVALHO, Rómulo de, História do Ensino em Portugal desde a Fundação da Nacionalidade até ao Fim do Regime de Salazar-Caetano, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1986. MARTINS, Guilherme de Oliveira, O Ministério das Finanças -Subsídio para a sua História no Bicentenário de Criação da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros, Lisboa, Ministério das Finanças, 1988.

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MÓNICA, Maria Filomena, Educação e Sociedade no Portugal de Salazar, Lisboa, Ed. Presença, 1978. MoREiRA,Vital, Auto-Regulação Profissional e Administração Pública, Coimbra, Livraria Almedina, 1997. SANTARENO, Alberto, Crónica da Contabilidade Pública Portuguesa, exemplar fotocopiado, 1997. ( Trata-se do pseudónimo e do trabalho vencedores do 2o Prémio História da Contabilidade, atribuído pelo C.E.H.C. da APOTEC). SERRÃO, J. Veríssimo, História de Portugal (1926-1935), Vol. XIII, Lisboa, Ed. Verbo, s/d.

III. ARTIGOS DE PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS

ANTUNES, Francisco Xavier, O Instituto Comercial de Lisboa, in Revista de Contabilidade e Comércio, Porto, n° 27, 1939. ANTUNES, Francisco Xavier, Organizemos a Câmara dos Contabilistas Portugueses, in Revista de Contabilidade e Comércio, n° 27, 1939. ANTUNES, Francisco Xavier, Uma Câmara dos Contabilistas, uma ideia em marcha, in Revista de Contabilidade e Comércio., n° 28, 1939. FRANCO, António de Sousa, Ensaio Sobre as Transformações Estruturais das Finanças Públicas Portuguesas: 1900-80, in Análise Social, Vol. XVIII, n° 72-73-74. GARCIA, José H , O Presidente do Sindicato dos Contabilistas fala à "Revista de Contabilidade e Comércio", in Revista de Contabilidade e Comércio, n° 18, 1937. Mata, Eugenia e Valério, Nuno, Normas de Direito Financeiro nas Constituições Portuguesas, in Revista de História Económica e Social, (pp. 1-22), Dir. de V. M. Godinho, n° 3, Sá da Costa, 1979. Mourão, Luís, A Cotização obrigatória e o S.N. dos C. e G. livros, in Revista de Contabilidade e Comércio., n° 28, 1939. MOURÃO, Luís, Da Regulamentação dos Técnicos de Contas, in Revista de Contabilidade e Comércio, n° 8, 1934.

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OLIVEIRA, Eduardo Maria Baptista de, Evolução do Ensino Técnico Comercial em Portugal, in Revista de Contabilidade e Comércio., n° 57, 1957. Proposta das «Bases fundamentais preconizadas», in Revista de Contabilidade e Comércio., n° 9, 1935. REIS, Jaime, A Caixa Geral de Depósitos como Instrumento de Política Económica: o Período das Duas Guerras, Análise Social, in Revista do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Vol.XXXII, n° 141, 1997. Representação do Sindicato dos Empregados Bancários do Distrito de Lisboa ao Sr. Ministro do Comércio e Indústria, em 15.04.1935, in Revista de Contabilidade e Comércio, n° 10, 1935. Representação do Sindicato Nacional de Contabilistas e Guarda4ivros do Distrito do Porto, in Revista de Contabilidade e Comércio, n° 9, 1935. Representação do Sindicato Nacional dos Contabilistas e Guarda-livros do Distrito do Porto ao Sr. Presidente do Conselho, in Revista de Contabilidade e Comércio, n° 27, 1939. Representação dos Diplomados da Escola Raul Dória, in Revista de Contabilidade e Comércio, n° 10, 1935. Representação enviada ao Exmo Sr.Ministro do Comércio e Indústria pelo Dr. A. Coelho de Magalhães, em nome do Conselho Escolar do I.C. do Porto, in Revista de Contabilidade e Comércio, n° 11, 1935. SALAZAR, A Oliveira, O Comércio Português, in Revista de Contabilidade e Comércio, n° 41, 1942. SANTOS, Joaquim Rodrigues dos, Aspirações de classe III, in Revista de Contabilidade e Comércio, n° 26, 1939. Segunda Representação dos Alunos do Instituto Comercial do Porto, in Revista de Contabilidade e Comércio, n° 10, 1935. SILVA, F.V.Gonçalves da, A Questão do Ensino Técnico, in Revista de Contabilidade e Comércio., n° 5, 1934. Uma representaçõa dos alunos dos Instituto Comerciais, in Revista de Contabilidade e Comércio, n° 22, 1938.

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Vida Associativa81, in Revista de Contabilidade e Comércio, n° 13, 1936. Vida Associativa, in Revista de Contabilidade e Comércio, n° 13, 1936. Vida Associativa, in Revista de Contabilidade e Comércio, n° 19, 1937. Vida Associativa, in Revista de Contabilidade e Comércio, n° 21, 1938. Vida Associativa, in Revista de Contabilidade e Comércio, n° 23, 1938. Vida Associativa, in Revista de Contabilidade e Comércio, n° 35, 1941. Vida Associativa, in Revista de Contabilidade e Comércio, n° 37, 1940. Vida Associativa, in Revista de Contabilidade e Comércio. n° 7, 1934. Vida Associativa, Revista de Contabilidade e Comércio, n° 2, 1933, p.

151.

IV. LEGISLAÇÃO

Decreto-Lei de 16.01.1928,apud Rómulo de Carvalho, História do Ensino em Portugal desde a Fundação da Nacionalidade até ao Fim do Regime de Salazar-Caetano, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1986. Decreto Lei: n.° 15.289. Decreto Lei: n.° 15.290, de 30/03/28. Decreto Lei n° 15.466, de 14/05/28. Decreto Lei n° 15.814, de 04/07/28. Decreto Lei n° 16.381, de 16 de Janeiro 1929, apud J. Veríssimo Serrão, História de Portugal (1926-1935), Vol. XIII, Lisboa, Ed. Verbo, s/d. Decreto Lei n° 16.371, de 13.04.29. 81 Esta rubrica, não assinada, que se mantém ao longo da publicação da Revista, presume-se do seu Secretário, José Henriques Garcia, que veio a tornar-se Director.

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Decreto Lei n° 18.381 ( Relatório do ), de 24 05 30, in Revista de Contabilidade e Comércio, n° 21, 1938. Decreto n° 18 962, de 25.10.1930. DecretoLei n° 19.081, ( Preâmbulo do ), de 2.12.1930, apud Veríssimo Serrão, História de Portugal (1926-1935), Lisboa, Vol. XIII, Ed. Verbo,, s/d. Decreto n° 19.869, de 9 07 1931, apud Fernando Rosas (Coord, de), Portugal e o Estado Novo (1930-1960), apud Joel Serrão e A.H.de Oliveira Marques, (Dir. de) Nova História de Portugal, Vol. XII, Lisboa, Ed. Presença. Decreto Lei n° 20.328, de 21 09 1931, publicado com rectificações no Diário do Governo de 15.10.1931, apud Francisco Xavier, O Instituto Comercial de Lisboa, Revista de Contabilidade e Comércio, Porto, n° 27, 1939. Decreto Lei n° 20.804, de 22.01.1932: Regulamento do Instituto Comercial de Lisboa, aplicado ao do Porto. Decreto Lei n° 23.049, de 23.9.33, apud Vital Moreira, Auto-Regulação Profissional e Administração Pública, Coimbra, Almedina, 1997. Despacho do Sub-Secretário das Corporações, em 10.06.36, publicado no Diário do Governo, II Série, n° 158, de 9.07.36, in Revista de Contabilidade e Comércio, n° 15, 1936. Decreto Lei. n° 29.049, de 10.10.38, in Revista de Contabilidade e Comércio, n°24, 1938. Decreto Lei n.° 29121, de 14 11.38, in Revista de Contabilidade e Comércio, n°24, 1938. Decreto-lei n° 29.214, D. G, PSérie, de 06/12/1938: regula as atribuições da Inspecção Geral de Finanças, prolongamento do omnipresente Ministério das Finanças. Decreto Lei n° 29.931, de 15.1939, aplicado pelo Despacho de 30.10.1939. Decreto-lei. n° 30.673, ( Preâmbulo do ), de 23.08.1940, in Revista de Contabilidade e Comércio, n° 31, 1940. Decreto Lei n° 30.665, de 23.08.1940, art. Io e 2o, in Revista de Contabilidade e Comércio, n° 31, 1940.

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Despacho, de 07.06.1943, do Sub-Secretário de Estado das Corporações e Previdência, in Revista de Contabilidade e Comércio, n°42, 1943, p. 23 l e 233. Despacho do Supremo Tribunal Administrativ, de 07.06.43, in Revista de Contabilidade e Comércio, n°42, p. 231-233. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04.03.44, in Revista de Contabilidade e Comércio, n° 45, p. 116-120, onde aparece publicado o supra citado acórdão.

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EXTENSÕES DE UM ANEL. CORPO DE QUOCIENTES Q.

MARGARIDA MARIA SOLTEIRO MARTINS PINHEIRO Professora Adjunta de Matemática I.S.C.A.A.

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SUMÁRIO

O presente artigo faz parte de um dos temas discutidos no concurso de provas públicas para Prof essores-Adjuntos do Ensino Superior Politécnico, realizado em Dezembro de 1994. Após a introdução de alguns conceitos básicos, provam-se dois resultados sobre extensões de um anel.

No primeiro, mostra-se que a partir de um anel sem identidade é possível construir um anel com identidade que contem um subanel isomorfo ao primeiro.

No segundo resultado, mostra-se que a partir de qualquer domínio de integridade é possível construir um corpo que contem uma cópia isomorfa ao domínio inicial.

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PRELIMINARES

Comecemos por introduzir alguns conceitos.

Definição 1 Chama-se anel a todo o termo (E,9,*) onde E é um conjunto não vazio e 6 e * são duas operações internas em E tais que: (E,6) é grupo abeliano e (E,*) é semi-grupo e * é distributiva em relação a 9; isto é, X/a,b,c 6 E,a* (bdc) = (a* b)6(a* c) Va,b,ce E,(adb) *c = (a *c)9(b *c) Ao elemento neutro de 9 chamamos zero do anel e representamos por O1.

Definição 2 Um anel E diz-se comutativo se a multiplicação é comutativa.

Definição 3 Um anel E diz-se anel unitário ou anel com identidade se a multiplicação tem elemento neutro 2.

Também podemos definir anel de outro modo: um anel é um conjunto E não vazio, munido de duas operações, uma chamada adição e usualmente denotada por + e outra chamada multiplicação e usualmente notada por . (ou ausência de ponto) tais que: (E,+) é grupo abeliano, (E,.) é semi-grupo e a multiplicação é distributiva relativamente à adição; isto é Va,b,ce E,a(b + c) = ab + ac X/a,b,ce E,ia + b)c = ac + bc De agora em diante e supondo que não haja perigo de confusão, denotaremos o anel (E,+,.) simplesmente por E.

O elemento neutro da multiplicação, caso exista, será denotado por 1 e diz-se identidade ou elemento unidade do anel.

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Definição 4 Seja (E,+,.) um anel e S um subconjunto de E. Diz-se que S é subanel de E se S é um anel para as operações que conferem a E a estrutura de anel.

Proposição 1 Seja E um anel. Então: i) V r e £ , r 0 = 0 r = 0 ii) Vr, s G E,(-r)s = r(—s) = -(rs) iii) \/r,se E,(-r)(-s) = rs

Demonstração: I) Como 0 é o elemento neutro da adição, 0+0=0 e portanto r(0+0) = r0. Atendendo à distribuitividade do anel vem, r0 + r0 = rO. Pela lei do corte, válida em E, conclui-se que r 0 = 0 . Provámos então que rO = 0. De modo análogo provamos que Or = 0. Então i) está provado. ii) Sejam r,sEE. Pretendemos mostrar, em primeiro lugar, que (-r)s = -(rs). Sabemos que r + (-r)-0. Atendendo à distribuitividade do anel e a i) deduz-se que (r + (-r))s = Os O rs + (-r)s = 0 Donde se conclui que (-r)s = -(rs). De modo análogo provamos que r(-s) = -(rs) e portanto ii) fica provada. iii) De ii) resulta (-r)(-s) = -(r(-s)) = -(-(rs)) = rs porque, num grupo aditivo -(-x) = x. Então iii) fica demonstrada.

Definição 5 Seja E um anel comutativo. r e E diz-se um divisor de zero se r t- 0 e existe sï 0, com se E tal que rs = 0.

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Definição 6 Chama-se domínio de integridade (ou simplesmente domínio) a um anel comutativo com elemento unidade (diferente do zero do anel) e sem divisores de zero.

Definição 7 Seja D um domínio de integridade e seja D' um subconjunto de D. Diz-se que D' é um subdomínio de D se e só se: i) D' é subanel de D; ii) D' contem a identidade; iii) D' não tem divisores de zero.

Definição 8 Seja D um domínio de integridade e a E D \ {0}. Diz-se que a é cancelável à esquerda se, Vx, y e D, ax = ay => x = y

Proposição 2 Seja E um domínio de integridade. Então todo o elemento não nulo de E é cancelável em (E,.).

Demonstração: Seja a£D\(0}. Como por hipótese D é domínio de integridade, D já é um anel comutativo pelo que basta provar que a é cancelável à esquerda. Sejam ainda x,yeD tais que ax = ay. Queremos provar que x = y. Ora ax = ay <=» ax - ay = 0 <=> a(x - y) = 0 Como a # 0 e D não tem divisores de zero, tem que ser x-y-0 e logo x = y , como pretendíamos. *

Proposição 3 Um subconjunto S não vazio de um anel E é um subanel se e só se: i) Para todos a,beS, temos a-beS

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ii) Para todos a,beS, temos abe S Demonstração: (=>) Por hipótese S é um subanel de E, de onde, atendendo à definição 4 facilmente se conclui que, para todo a,beS, a-beS e a.beS.

Seja S um subconjunto não vazio de E. De i) resulta que (S,+) é um subgrupo de (E,+) e como (E,+) é grupo comutativo concluímos que (S,+) é grupo comutativo. De ii) resulta que (.) é uma operação interna em S. Uma vez que a assoeiatividade é uma propriedade hereditária, podemos concluir que (S,.) é semi-grupo. Analogamente, como a propriedade distributiva também é hereditária, podemos concluir que S é anel. Logo S é subanel de E, c.q.d. *

Definição 9 Chama-se corpo a todo o anel comutativo tal que o conjunto dos elementos não nulos é grupo para a multiplicação.

Provemos agora o seguinte Teorema.

Teorema 1 Seja D um domínio de integridade com um número finito de elementos. Então D é um corpo.

Demonstração: Seja D={al,a2,...,an}e vamos supor, sem perda de generalidade, que os elementos estão ordenados de forma a que aj seja o zero do anel e a2 seja o elemento unidade. Uma vez que D é um anel comutativo com elemento unidade, para provar que D é um corpo, falta provar que todos os elementos não nulos constituem um grupo para a multiplicação. Como, por hipótese (D,.) já é semi-grupo, só resta provar que qualquer elemento não nulo admite inverso para a multiplicação.

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Seja ajED com ai T^aj . Consideremos os produtos aja{ com i=l,...,n. Em particular e atendendo às definições feitas tem-se ajaj=aj e aja2=aj. Por outro lado, atendendo à Proposição 1, se a[ ^a^ então ajãi ^ajajç. Consideremos o conjunto {ajal,aja2,aja3,...,ajan} = {ax,aj,aJa^,...,ajan} = D

Logo, existe ak £ D \ {aA tal que a\a]í-a2- Como D é comutativo af[aj=a2 e logo afc=(ai) o que completa a demonstração. *

De acordo com o teorema acabado de demonstrar, se D é um domínio de integridade finito,então D é corpo. Mas podemos ainda dizer mais. Contudo e antes de passar ao teorema seguinte, introduzamos alguns novos conceitos.

Definição 10 Seja E um conjunto. Chama-se relação binária definida em E a todo o subconjunto não vazio do produto cartesiano ExE=E

Definição 11 Seja RcE uma relação binária definida em E. Diz-se que R é uma relação de equivalência se R é simultaneamente reflexiva, simétrica e transitiva. i) R é reflexiva se para todo o xeE , se tem (x,x)eR. ii) R é simétrica se para todos x,yeE , se (x,y)eR então (y,x)£R. iii) R é transitiva se para todos x,y,zeE , se (x;y)eR e (y,z)ER então (X,Z)ER.3

Definição 12 Seja R uma relação de equivalência sobre E e xeE.

Se (a, b)ER também se pode escrever aRb.

Ill

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Chama-se classe de equivalência de R relativa a x, ao conjunto de todos os elementos de E, R-equivalentes a x e representa-se por x.

Da definição conclui-se que x- {a&E:aRx).

Definição 13 Seja R uma relação de equivalência sobre E. Ao conjunto de todas as classes de equivalência determinadas em E por R, chama-se conjunto quociente de E por R e nota-se por E/R.

Tem-se então que EI R= {X.XEE} .

Definição 14 Chama-se homomorfismo do anel E no anel E' a toda a aplicação (p:E—>E' tal que Vr,r 'e E,(p(r + r') = (p(r) + (p(r') Vr,r'eE,(p(rr') = (p(r).(p(r') Se cp é ainda bijectiva, então diz-se um isomorfismo de E sobre E'.

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EXTENSÃO DE UM ANEL SEM IDENTIDADE A UM ANEL COM IDENTIDADE

Apesar de um anel não ter necessariamente identidade, por exemplo o anel (Z2,+,.), vamos ver que podemos sempre estender um anel sem identidade a um anel com identidade.

Teorema 2 Seja E um anel sem identidade. Então existe um anel A com identidade que contem um subanel isomorfo a E.

Demonstração: Seja A=ExZ, onde Z designa o anel dos inteiros relativos. Em A definem-se as seguintes operações: uma adição +:A....x....A -»....A ((a,m),(a',m'))—> (a,m) + (a',rrí) = (a + a',m+ rrí) e uma multiplicação ..:A....x....A -»....A ((a,rrí),(a',m'))—» (a,m)(a',m) = (aa'+ma'+m'a,mm) Vamos ver que, com estas duas operações A é um anel cujo zero é (0,0) e cuja identidade é (0,1). Que a operação + é interna em A e que goza das propriedades comutativa e associativa, é imediato, pelas próprias definições e construção de A. Como, para qualquer elemento (a, m) de A se tem (a, m) + (0,0) = {a + 0, m + 0) = {a,m) e para qualquer elemento {a, m) de A existe (-a,-m) tal que (a,m) + (-a,-m) = (a + (-a), m + (-m)) = (0,0) então (A,+) é grupo comutativo. Como (A,.) é grupoide, para garantir que (A,+,.) é anel, basta garantir que:

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V(a,m),(a ,,m'),(a" )m")GA,((a,m)(a',m ,))(a",m") = = {a,m)((a,,m')(a",m")) V(a, m), (a', rri ), (a", m" ) e A, ((a, m) + (a', m' ))(a", m" ) = = (a,m)(a",m") + (a',m')(a",m")

V(a,m),(a',m'),(a",m")e A,(a,m)((a',m') + (a",m")) = = (a, m)(a', m' ) + (a, m)(a' ', m" ) Ora 1) e2) resultam imediatamente, efectuando os cálculos.

3) \/(a,m) 6 A,(a,m)(0,l) = (0,l)(a,m) = (a,m)

De facto (a, m)(0,l) = (0 + m0 + a, m) = (a, m) e (0,l)(a, m) = (0 + a + mO, m) = (a,m) Provámos então que A um anel com identidade.

Falta provar ainda que o A contem um subanel isomorfo a E. Seja A'= Ex{0} = {(a,0),a G E] c ExZ. Então A' é um subanel de A. Como (0£ ,0) G A' resulta que A é não vazio. Sejam (a,0),(a',0) G A'. Então (a ,0)- (a \0) = ( a - a ' , 0 ) e A ' (a,0)(a',0) = (aa'+0a'+0a,0) = (aa',0) G A' Logo, pela proposição 3 concluímos que A' é subanel de A.

Falta provar que tal subanel é isomorfo a E. Considere-se a aplicação (p:E^Ex{0} = A' ..a—> (a,0) É óbvio que (p é bijectiva.

Vamos provar que (p é um homomorfismo de anéis. Sejam a,a'EE. Então, <p(a + a') = (a + a',0) = (a,0) + (a',0) = <p(a) + <p(a')

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e (p(aa') = (aa' ,0) = (aa'+0a'+0a,0) = (a,0)(a' ,0) = <p(a)(p(a') o que prova que (p é um isomorfismo de anéis. Concluímos então que A=ExZ é um anel com identidade que contem um subanel Ex{0} isomorfo a E. *

CONSTRUÇÃO DO CORPO DE QUOCIENTES

Que todo o corpo é anel é uma afirmação clara que resulta da própria definição. A questão que queremos aqui colocar é a inversa: "Será que um anel arbitrário se pode estender a um corpo?"

Suponhamos E um anel comutativo com elemento unidade. Repare-se que, se E tem divisores de zero, então existem elementos não invertíveis e, pela definição 9, E não pode estender-se a um corpo. Então, para estendermos um anel E a um corpo, a primeira exigência a fazer é que E seja um domínio de integridade.

Estamos agora em condições de garantirmos.que um qualquer domínio de integridade pode ser estendido a um corpo. As considerações que vamos a seguir fazer, permitem-nos, a partir de um domínio de integridade, construir um corpo, que contém esse domínio de integridade.

Teorema 3 Seja D um domínio de integridade. Então existe um corpo Q que contém um subdomínio isomorfo a D. A esse corpo chamamos corpo das fracções ou corpo dos quocientes de D.

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Demonstração: Consideremos o produto cartesiano DxD onde D* = D\ {0}. Em D vamos definir a relação binária "~" tal que (a,b)~(c,d) se e só se ad-bc. Facilmente se vê que a relação binária assim definida é uma relação de equivalência. Sendo a reflexividade e a simetria evidentes, vamos apenas provar a transitividade. Sejam então (a,b), (c,d), (e,f) elementos do produto cartesiano DxD tais que (a,b)~(c,d) e (c,d)~(e,f) . Mas então ad-bc e cf-de . Multiplicando ambos os membros de cada igualdade por / e b, respectivamente (supostos não nulos por construção) , vem adf-bcfo, cfb-deb . donde concluímos que adf-deb , ou seja, afd-ebd. Atendendo agora à proposição 2, temos que af-eb {d é não nulo, por construção) . Ou seja, (a,b)~(e,f) . Consideremos

agora o conjunto quociente DxD / e notemos por — a classe de / ~ b

equivalência que contem o elemento (a,b) . Ou seja, DxD / = {—^ae D,b eD*}. Para simplificar, designemos por Q o / ~ b

conjunto quociente considerado; isto é Q = {— ,a e D,b e D*}. Em Q b

vamos definir duas operações:

i) uma adição QxQ^Q ,a c. a c ad + bc (—,—)-»- + — = b d b d bd

ii) uma multiplicação QxQ^Q a c a c _ ac b d b d bd

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Antes de mais, comecemos por verificar que as operações assim definidas são compatíveis com a relação de equivalência "~" atrás definida. Temos então de provar que:

i) para a adição (a,b)~ (a',b')A (c,d)~(c',d')^(ad+ bc,bd) ~(a'd'+b'c',b'd') _ a a' c c' ad + bc a' d'+b' c' Ou seia, — = — A — = — => =

b b' d d' bd b'd'

ii) para a multiplicação (a,b)~ (a',b') A (c,d)~(c\d') => (ac,bd) ~(a'c',b'd') _ . a a' c c' ac a'c Ou seia, — = — A — = — => — =

b b' d d' bd b'd' Vamos verificar a compatibilidade da adição com a relação de equivalência. i)Sejam então (a,b),(a',b'),(c,d),(c',d') EDXD* tais que (a,b)~ (a',b') A (c,d)~(c',d') . Ou seja, ab'= ba' e cd'= de' Queremos provar que (ad + bc)b'd'= (a'd'+b'c')bd . Ora, atendendo a que D é domínio de integridade, (ad+bc)b'd'=adb'd'+bcb'd'=ab'dd'+bcd'b'=ba'dd'+bdc'b' = = (a'd'+b'c')bd

como pretendíamos.

Vamos agora verificar a compatibilidade da multiplicação com a relação de equivalência.

ii) Sejam então (a,b),(a',b'),(c,d),(c',d')eDxD* tais que (a,b)~ (a',b') A (c,d)~(c',d') ; ou seja, ab'-ba' e cd'=dc' .Queremos provar que acb'd'= a'c'bd . Ora, atendendo a que D é domínio de integridade, acb'd'= ab'cd'= ba'de'= a'c'bd, como pretendíamos.

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Page 183: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

Facilmente se prova que , com as operações atrás definidas, Q é um

corpo cujo zero é — e cujo elemento unidade é - , como vamos ver.

Comecemos por mostrar que a adição é comutativa; para isso basta ter em conta a definição da operação de adição e observar que o resultado ad + bc , ,. a c

da adição — H— bd b d

não se altera se trocarmos a ordem das parcelas. Para provarmos a associatividade, consideremos três elementos

a c e A ^

—, —,— deQ. b d f Temos a c e _ ad + bc e _ {ad + bc)f + e(bd) _ adf + bcf + ebd b d f~ bd f~ (bd)f bdf e

a c_ e_ _ a cf + ed _ a(df) + (cf + ed)b _ adf + cfb + edb b^ ~d+J ~~b+~~dT b(df) bdf

É imediato que os resultados encontrados são iguais. , , . 0 0 a a ^ Vejamos que — e o zero. Para tal, basta mostrar que — H— = — . Ora

1 4 1 b b 0 a _0b + al _0 + a _a í b~ \b b ~~b

Que todos o elemento — de Q admite simétrico do tipo — também é b b

de fácil verificação. De facto, a -a ab + (-a)b ab + (-ab) 0 0 0 — H = : = ; = —r . So falta ver que __ = _ . b b b2 b2 b2 b2 1

Mas, por construção , resulta trivialmente que 0.1 = Ob2, para todo o b de D*.

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Page 184: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

Até agora provámos que (Q,+) é grupo comutativo. Mostremos de seguida que, em Q, a multiplicação goza das propriedades comutativa e associativa e admite elemento neutro. Que a multiplicação é comutativa, resulta trivialmente da própria definição da operação de multiplicação. A associatividade obtem­se,

, , .a c . e ac e (ac)e observando que ( ) — = = ■

bd f bd f (bd)f a C 6 Cl C6 Cl(cë)

e que — ( ) = = . Por último, observemos que ­ é o b d f b df b(df) 4 1

elemento neutro para a multiplicação. De facto é trivial que al la a — - = — = — . Para terminar a demonstração de que Q é corpo, falta b 1 1 b b verificar, por um lado, que todo o elemento não nulo de Q admite inverso multiplicativo e, por outro a propriedade distribuitiva em Q.

Quanto ao primeiro aspecto, notemos que dizer — = 0 é equivalente a b

dizer a-0 , uma vez que 0 = ­ (Observe­se que ­ = ­ <=> 0.1 = O.b ). 1 b 1

Ou seja, se — e um elemento não nulo de Q , então é do tipo a ï 0 e b

b*0 . Mas sendo a,b*0 então —eQ. Ora, = — = — = 1 . a b a ba ab

a b Logo — admite inverso da forma —.

b a Quanto à distribuitividade, basta mostrar .a c. e a e c e , , ( ­ + —) — = + Mas b d f bf df

que

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Page 185: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

a c\ e ad + cb e (ad + cb)e ade + cbe . ( - + —) — = = - = bdf e b d f bd f (bd)f

a e ce ae ce _ aedf + cebf _ (aed + ceb) f _ ~bj + lj~~bf+^f~ bfdf _ bdff "

aed + ceb f aed + ceb bdf J" bdf

Resta-nos, para terminar a demonstração do teorema 3, provar como podemos considerar o domínio de integridade D isomorfo a um subdomínio do corpo Q. Para isso, consideremos Q'={— ,aeD} e

vamos provar que Q'(zQ (Q' é subdomínio de Q) é isomorfo a D. Para verificar que Q' é um subdomínio de Q, temos de verificar que: i) Q' é subanel de Q; ii) Q' contem a identidade; iii) Q' não tem divisores de zero. Ora Q'czQ e Q'*0.

a b a b v T ' T 6 ô ' T " T e ô

De facto, £ - * = £ + Z * = £ Z * e f i . 1 1 1 1 1

Por outro lado,

v£,* e j 2 ' ,£* e f i ' ii ii

_ , a b ab „ , De facto, = — eQ

11 1 Logo Q' é subanel de Q e i) está verificada. Que ii) se verifica, é imediato. Para provar iii) suponhamos, por absurdo, que Q' admite divisores de zero. Seia — um divisor de zero em Q'. Logo,

1 a' 0 a a 0 _, ^ a' ^ a „

3— eO'\{-}: = - . Mas como g c Q , — £ í2 e logo — e 1 ^ l l ; 1 1 1 1 1

divisor de zero em Q, o que é absurdo.

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Page 186: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

Logo Q' é um subdomínio de Q. Vamos agora procurar o isomorfismo. Consideremos a aplicação

a . É evidente que cp é sobrejectiva. Para provar a ....a—» —

1 injectividade, consideremos dois elementos a e a' de D tais que

(p(a) = q>(a') ou seja, — = — . Daqui resulta a=a' pelo que (p é injectiva. Falta provar que cp é homomorfismo de anéis. Ora,

. a + Z? a 6 ... <p(a + b) = —— = - + - = <p(a) + <p(fc).

Analogamente (p(ab) = — = = ç(a)(p(b) . Logo cp é um

isomorfismo. De tudo o que foi dito, concluímos que Q é um corpo que contém um subdomínio isomorfo a D, c.q.d. *

Já foi dito que o corpo Q que construimos é chamado corpo dos quocientes de D. A partir de agora podemos esquecer o modo como tal corpo foi encontrado e pensamos apenas nas suas propriedades: todo o elemento de Q pode ser escrito sob a forma de um quociente de dois elementos de D. Em particular, usaremos a notação ab~ para

a representar —.

Contudo, preste-se atenção para que não se caia no erro grosseiro de

considerar que para duas fracções — e — serem iguais é necessário b d

que a-c e b-d. Note-se que a fracção — não é um par de elementos b

de D, onde b?&, mas é representante de uma classe de pares de elementos de D. Em particular, se fizermos D=Z (mostra-se que Z é domínio de integridade) e atendendo às considerações feitas, encontramos o corpo Q dos números racionais.

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Page 187: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

S U B C O R P O S E E X T E N S Õ E S

Definição 15 Seja (K,+,.) um corpo e S um subconjunto de K. Diremos que S é um subcorpo de K se S é um subanel de K que é um corpo sobre as operações (+) e (.). Diremos dualmente que K é uma extensão de S se S é subcorpo de K.

Definição 16 Seja K uma extensão do corpo S e M um subconjunto de K. Chamamos extensão de S por adjunção de M e representamos por S(M) à intersecção de todos os subcorpos de K que contém SuM. Das próprias definições é óbvio que: • ScS(M)cK • S(M) = S see só se M c S

SUBGRUPO NORMAL. GRUPO QUOCIENTE

Definição 17 Seja G um grupo e H um subgrupo de G. Diz-se que H é subgrupo normal de G e escreve-se H < G se xH=Hx , para todo o xeG.

Proposição 4 Se G é um grupo abeliano então qualquer seu subgrupo é subgrupo normal.

Demonstração: Seja H um subgrupo de G. Vamos provar que xH-Hx , para todo o XEG. Seja xeG, arbitrário. Então xH = {xh: heH} = {hx: heH} = Hx c.q.d. *

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Page 188: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

Vamos de seguida ver, como, de um grupo e de um subgrupo normal, podemos obter um novo grupo. Seja então G um grupo e H um seu subgrupo e consideremos a relação de equivalência R definida por aRb<=> b~]aeH, com a,beG. Que a relação R é reflexiva, resulta do facto de que, para todo o aeG, aa~x - e S H. (Porque H é subgrupo de G, o elemento unidade tem de pertencer a H). Para provar a simetria de R, considerem-se a,bGG tais que aRb. Então b~laeHe, sendo H um subgrupo, se contém um elemento também contém o seu inverso. Portanto {b~la)~l eH , ou seja, a~lb e H o que significa que bRa. Para a transitividade, consideremos a,b,cEG tais que aRb e bRc. Vamos provar que então ciRc. Por hipótese b~laeH e c~]beH e, como H é subgrupo resulta {c^b)(b~xa) e H . Ou seja, c~la eHo que significa cRa. Como à relação R é reflexiva, simétrica e transitiva é uma relação de equivalência. Vamos definir , sendo aeG, a classe de equivalência [a]^ tal que

[a]R = {xe G :xRa) = {xeG:a^xeH} = {xeG:a~{x = h,heH} = = {xe G: x- ah,he H) = = {ah,heH} = aH

Designemos por G'- {aH,ae G}. Vimos então que G' é a partição de G correspondente à relação de equivalência atrás definida. Forme-se o conjunto quociente G / R- {[a]R:aeG], ou seja G'=G/R . Representemos este conjunto por G/H ; isto é, Gl H- {afr.heH}, com GI H ï0 já que eH - H e G / H .Em G/H vamos definir um produto tal que (aH)(bH) = (ab)H, para todos os aH e bH de G/H. Pretende-se que tal produto seja uma aplicação de G/HxG/H em G/H; ou seja, pretende-se que i) VaH, bHeGIH, (aH)(bH) eG/H

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Page 189: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

ii) VaH,a'H,bH,b'He GIH,aH = a'H AbH = b'H^> (ab)H = (a'b')H

Como a,beG, tem-se que abe G e logo (ab)HeG/ H. Falta garantir que, se a'eaH e b'ebH então a'b'e (aH)(bH) = (ab)H . Vejamos que esta compatibilidade resulta do facto de H ser subgrupo normal de G. Seja a'eaH . Então a'=ah] com h]EH. Por outro lado, sendo b'ebH ,b'=bh,2 , para algum /z2e//. Logo d b'= {ahx){ah2) = a{hfi)h2 .Como H é subgrupo normal de G, Hb-bH e portanto, dado hjeH, existe h'jeH. tal que hib=bh'i .De onde a'b'=a(bh\)h2=ab(h\h2) = (ab)h com h = h\h'2eH , porque H é subgrupo. Logo, a'Z? e (ab)H , como pretendíamos.

GlHxGI H:->G/ H Vejamos agora que a operação interna confere

..{aH,bH)...^(ab)H a G/H a estrutura de grupo. Sejam aH,bH,cHeG/H. Então [(aH)(bH)\cH) = ((ab)H)(cH) = ((ab)c)H = (a(fcc))# = = (o2ï)((te)H) = (off)[(èH)(cff)] ° qU£

significa que a operação é associativa. Por outro lado, para qualquer aeG, (aH)(eH) = (ae)H = aH = {ea)H = (eH)(aH) o que significa que eH é elemento neutro em G/H .Quanto à existência de elemento inverso e sendo aeG, temos que (aH)(a-1H) = (aa-i)H = eH = (a-1a)H=(a-lH)(aH). Ou seja, o inverso do elemento aH é a~'H. Note-se que, sendo aeG e G um grupo, existe a~x eG e portanto a'1 H existe e pertence a G/H .De tudo o que vimos, podemos concluir que G/H é grupo para a operação atrás definida. Este grupo designa-se por grupo quociente de G por H.

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Page 190: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

IDEAL DE U M ANEL ANEL QUOCIENTE

Definição 18 Um subconjunto não vazio R de um anel A diz-se um ideal se: (i) R é subanel de A (ii) Para todos os rG R e ae A, are R e rae R

Vimos que a noção de subgrupo normal, permite construir, a partir de um grupo e de um subgrupo, um novo conjunto que designamos por grupo quociente. Ora, a definição de ideal é, na teoria doas anéis, a que corresponde à noção de subgrupo normal na teoria dos grupos. Vemos como a noção de ideal permite construir a partir de um anel e de um subanel, um novo anel que desiganremos por anel quociente. Seja R um anel e S um subanel de R. Como (S,+) é subgrupo de (R,+) e (R,+) é abeliano, pela proposição 2, (S,+) é subgrupo normal de (R,+) pelo que podemos pensar no grupo quociente R/S. Pretende-se definir em R/S uma estrutura multiplicativa de tal modo que R/S seja um anel. Defina-se uma multiplicação tal que RI SxRIS:^>RI S (r + S,r'+S) ^ (r + S)(r'+S) = rr'+S que seja compatível com a estrutura das classes; isto é, pretende-se que os elementos da forma (r + s^),(r'+s2) pertençam à classe produto, para quaisquer r,r'<=R e sl,s2 eS. Analisemos os diversos casos possíveis. Sejam Si,S2 elementos de S.

Se r=0 e r'=0 então (r + S)(r'+S) = (0+s,)(0 + s2) = 0 + 5 = S.

Se r=0 e rVO então (0 + 5,)(r'+í2) = Or+Os, +s,r'+íló' e 0 + 5 => 3seS:slr'+sls2 = s => 3s6 S = sxr'= s-s^ => 5,r'e S .

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Page 191: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

Se r̂ O e r'=0, então (r + sl )(0 + s2 ) = rO + rs2 + s, 0 + s, <>2 6 0 + 5

=> 3se 5:^2 +5,,52 = s, => 3se S:rs2 = s-s}s2 => rs2 e S .

Se r*0 e rVO então (r + s, )(r'+52 ) = rr'+S => 3s G S:rr'+rs2 + slr'+sis2 = rr'+s=> 3s G S:rs2 +i'1r'+515'2 = s => Else 5 : ^ +s,r '= s—s^ => rs2 + slr'eS

Concluímos assim que, para definir em R/S uma estrutura multiplicativa compatível com a estrutura das classes, temos de exigir que: • S seja subanel • Para todo os reR e se S se tenha rseS e sreS. Resumindo, para definir em R/S uma estrutura multiplicativa compatível com a estrutura das classes temos que exigir que S seja ideal de R. Conclusão: se I é um ideal de R, podemos definir em R/I uma adição e uma multiplicação compatíveis com a esturutra das classes e que conferem a R/I a estrutura de anel. O anel assim obtido designa-se por anel quociente. Vamos agora ver que o anel quociente satisfaz uma propriedade fundamental.

Definição 19 Seja (p:R—>R' um homomorfismo de anéis. Chama-se núcleo de (p e representa-se por Ker(cp) à pré-imagem de {0R.} ; isto é, Ker((p) = {xeR:(p(x) = 0R.}.

Teorema 4 Sendo I um ideal de anel R, existe um homomorfismo de anéis de domínio R cujo núcleo é exactamente I.

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Page 192: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

Demonstração: Como I é um ideal de R, podemos considerar o anel quociente R/l.

Consideremos a aplicação " e vamos provar que é um r^r + l

homomorfismo de anéis, cujo núcleo é exactamente I. Sejam r,r'ER arbitrários. Ora p(rr') - rr'+l - (r + I)(r'+I) = p(r)p(r') Considerando agora a operação de adição tem-se, para r,r&R arbitrários, p(r + r') = (r + r') + I = (r + I) + (r'+I) = p(r)+ p(r') • Provamos então que p é um homomorfismo. Por outro lado

Ker(p) = {reR: p{r) = 0 + 1} = {r e /?: r + 1 = 0 + 1} = {re R:rel} = I ,como se pretendia. *

Como consequência, verifica-se ainda uma propriedade de R I Ker{(p). Antes porém apresentemos uma definição.

Definição 20 Chama-se epimorfismo a todo o homomorfismo sobrejectivo.

Proposição 5 Seja <p:R—>R' um epimorfismo de anéis. Então R I Ker((p) e R' são isomorfos ; isto é RI Ker(ç) = R'. Demonstração: (sem demonstração)

Proposição 6 Seja q):R-^R' um homomorfismo de anéis, (p é injectiva se e só se Ker((p)={0}.

Demonstração: (=>) Se (p é injectiva e (p(r)=0 então cp(r)= (p(0) e daí r=0 (trivial).

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Page 193: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

(«=) Se Ker(cp)={0}, consideremos r,r'ER tais que cp(r)=(p(r'). Logo 0 = <p(r) -(p(r') -cp{r- r') porque (p é homomorfismo. De onde 0 = r - r ' < = > r = r ' e portanto (p é injectiva. *

IDEAL PRIMO. IDEAL MAXIMAL.

Definição 21 Seja R um anel e X um subconjunto de R. Chama-se ideal gerado por X à intersecção de todos os ideais de R que contêm X.

Proposição 6 Seja R um anel comutativo com identidade e X um subconjunto não vazio de R. Então o ideal de R gerado por X é

RX = Ç2jrixi>ri ER>XÍ eX,i = l,...,n,n>l}. 1=1

Demonstração: (sem demonstração)

Definição 22 Um ideal P diz-se primo se, sempre que xy e P então xe P ou y G P

O resultado seguinte é uma caracterização dos ideais primos de um anel comutativo com elemento unidade.

Teorema 5 Seja R ï {0} um anel comutativo com elemento unidade. Seja N um ideal próprio de R. Então N é um ideal primo se e só se R/N é um domínio de integridade.

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Page 194: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

Demostração (=0 Seja N um ideal primo de R . Sabemos que R/N é um anel, comutativo com elemento unidade. Para provar que R/N é domínio de integridade, basta provar que em R/N não existem divisores de zero. Seja a+N um elemento não nulo de R/N, (isto é a+N^N). Vamos ver que a igualdade (a+N)(b+N)-N só é possível com b+N=N. De facto, (a + N)(b + N) = N<=>ab + N = NaabeN=ï>aENvbEN , uma vez que N é ideal primo. Ora, por hipótese, aíN ; então beN e logo b+N=N, como pretendíamos. (<=) Seja R/N um domínio de integridade e N um ideal próprio de R. Queremos provar que N é um ideal primo. Seja abeN . Então ab+N=N; ou seja, (a+N)(b+N)=N . Mas, como R/N não tem divisores de zero tem-se que a+N=N ou b+N=N . Isto é, aeN ou beN, o que prova que N é ideal primo, como se pretendia. *

Definição 23 Um ideal M de um ideal R diz-se um ideal maximal se M^R e se não existe nenhum ideal próprio de R que contenha M, propriamente.

Teorema 6 Seja R um anel comutativo com elemento unidade e M um ideal de R. M é um ideal maximal se e só se R/M é um corpo.

Demonstração: (=>) Seja M um ideal maximal de R. Então M^R e portanto R/M tem pelo menos um elemento não nulo. Como R é um anel comutativo com elemento unidade, também R/M é anel comutativo com elemento unidade. Para provar que R/M é corpo, temos de garantir que todo o elemento não nulo de R/M admite inverso multiplicativo. Seja

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Page 195: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

a+MïM um elemento não nulo de R/M. Pretendemos provar que existe b+MeR/M tal que (a+M)(b+M)=l+M. Seja X = {a}uM; consideremos o ideal gerado por X e que representamos por (X). Como M é um ideal maximal de R, deverá ter­se (X)=R . De facto, se (X)czR e uma vez que Mcz(X) já que a£M por hipótese, e ae(X) M não seria um ideal maximal de R, contrariando a hipótese. Então (X)=R e logo le(X) . Pela proposição 5, (X) = {ar + m,reR,mE M} e portanto tem-se l=ar+m, para algum r de R e algum m de M. Então ar-l-m ; logo arel+M . Donde resulta que ar+M=l+M e logo (a+M)(r+M)-l+M , pelo que está garantida a existência de um elemento b+MeR/M tal que (a+M)(b+M)=l+M, como pretendíamos.

(<=) Suponha-se que R/M é um corpo. Então R/M tem pelo menos um elemento não nulo e portanto M^R . Para provar que M é ideal maximal, temos de provar que não existe nenhum ideal próprio de R que contenha M propriamente. Por absurdo, suponhamos que existe um ideal MVR tal que McM' . Mas, como M'cR, existe aeR tal que agM' e, como McM' existe beM' tal que b0M . Vejamos que tal situação vai conduzir ao absurdo. Como, por hipótese R/M é corpo e b+M?M , tem-se que, existe b'+MeR/M, tal que (b+M)(b'+M)=l+M Daqui resulta (b+M)(b'+M)(a+M)=a+M. Ou seja, existe c+MeR/M tal que (b+M)(c+M)=a+M . De onde bc+M=a+M e logo (bc-a)EM Atendendo a que McM' tem-se que (bc-a)eM' e logo bc+M'=a+M' Ou seja (b+M')(c+M')=a+M' e como beM' resulta b+M'=M', isto é, b+M' é o zero de R/M' .Mas como o zero de um anel, multiplicado por qualquer outro elemento é sempre igual a zero do anel, vem que a+M'=M' e logo aeM', o que contraria a escolha de a. O absurdo resultou de se ter suposto que existia um ideal próprio M' contendo propriamente M, o que supunha que M não era maximal. Então M é ideal maximal, como pretendíamos. *

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Definição 24 Seja A um anel comutativo com elemento identidade 1. Um elemento a de A diz-se uma unidade se c.a=l=a.c, para algum ce A. U(A) representa o conjunto de todas as unidades de A.

Definição 25 Seja D um domínio de integridade e r,seD. Diz-se que r divide s (simbolicamente r\s) se existe keD tal que s=kr.

Definição 26 Seja D um domínio de integridade e reD. Um elemento r diz-se elemento primo em D sse: i)rïÔereU(D) i) dados a,bOeD sempre que r\ab então r\a ou r\b.

Teorema 7 Seja D um domínio de integridade e peD\{0}. Então p é primo em D se e só se (p) = {rp,r&D) é um ideal próprio primo.

Demonstração: Designemos por D*=D\{0}. (=>) Seja pe D* tal que p é primo. Então pi U(D) e pM pelo que (p) é ideal próprio de D. Seja xye(p). Então xy=rp para algum reD o que significa que p\xy). Como p é primo tem-se p\x ou p\y . Se p\x então x=kip, com kieD pelo que xe(p). Se p\y e analogamente, se conclui que ye(p). Mas assim concluímos que, se xye(p) então xe(p) ou ye(p), o que significa que (p) é um ideal primo. (<=) Suponha-se que (p) é um ideal próprio primo de D. Como peD*, (p)^{0}. Pelo teorema 4 D/(p) é um domínio de integridade. Então

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l+(p)^p) e portanto lg(p). Então, para todo reD, rpïl o que significa que pgU(D). Por outro lado, sejam a,èeD tais que p\ab). Isto é, ab=kp, para algum keD, o que significa que aèe(p). Consequentemente ae(p) ou òe(p), porque, por hipótese (p) é ideal primo. Mas então resulta que p\a ou p\b. Concluímos assim que p é um elemento de D tal que p*0,p£U(D)

o que significa que p e um elemento primo de p\(ab)^> p\av p\b D, como se pretendia. *

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Page 198: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº3/4, Ano 1997/98

E X T E N S Õ E S S I M P L E S

EXTENSÕES ALGÉBRICAS E TRANSCENDENTAIS

Definição 27 Seja K um corpo, S um subcorpo de K e 9e K. Chama-se extensão simples de S à extensão de S por adjunção de 0 e representa-se por S(0).

Teorema 8 Seja K um corpo, S um subcorpo de K e 06 K. Então S(0) é o menor subcorpo de K que contém Su{0}.

Demonstração: Consideremos o conjunto K tal que — a0+ax9 + ...an9n

" : = { è 0 + ^ + ... + ^ " ' ' a " ^ e 5 ' ' = 0 ' - ' n ' 7 ' = 0 ' - ' m ' n ' ' ? í e y V o '

b0+bí9+... + bm0m ^0} onde, por definição a0 + a.9+...a9"

be+bfi+...+bJ- =<°. +«,P+-+».«-X»b + ^ + - + * . 8 - ) - .

Vamos provar que K é o menor subcorpo de K que contém Su{0}. Seja K, um subcorpo de K que contém Su{0}. Como Kj contém 0 e, em particular, Ki é ainda um corpo, contém todas as potências multiplicativas de 0 e portanto 0'eKi, i=0,l, ... Mas então também são elementos de K, todos os polinómios a0 + a19+...+an6n com aj eS,j: = 0,...,n e também os seus inversos. Logo, para todos os ãj eS,j = 0,...,n e para todos os bk e AT, ,k = 0,...,m tem-se (a0+aie+...+anen)(b0+bl6+...+bm9",y[ eK, desde que b0 +bí9+...+bm9m * 0 . Mas então i^cK, e portanto K é o menor

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subcorpo que contem Su{8}. Donde, por definição, resulta ÃT=Su{9} ;istoé, £=S(0) +

Recordando que podemos designar por S[6] o anel dos polinómios sobre S na indeterminada 9, verifica-se que S[0]cS(9).

Definição 28 Seja K um corpo, S um subcorpo de K e 9eK. Se S(6) = S[6] diz-se que 9 é algébrico sobre S e que S(9) é a extensão algébrica de S por adjunção de 9 .

Definição 29 Seja K um corpo, S um subcorpo de K e 9eK. Diz-se que 9 é transcendente sobre S se S(0)ZJS[6] e que S(9) é a extensão transcendente de S por adjunção de 9 .

Para distinguirmos extensões algébricas de extensões transcendentes, consideremos o teorema seguinte.

Teorema 9 Seja K um corpo, S um subcorpo de K e 9eK. Então verifica-se uma e uma só das seguintes condições: i)S(0) = S(X) ii) S(0)~S[X]/(p onde (p 6 S[X] é um polinómio irredutível na indeterminada x e S(X) representa o corpo das fracções de S[X] Antes porém da demonstração deste teorema, recordemos a definição de polinómio irredutível.

Definição 30 Seja K um corpo e p e K[x] Diz-se que p é um polinómio irredutível se:

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I) p não é um polinómio constante; ii) para todos os g,heK[X] , se p=gh, então ou h é um polinómio

constante não nulo ou g é um polinómio constante não nulo.

Passemos, agora sim, à demostração do teorema 8.

Demonstração:

(p:S[x]->S(6) Consideremos a aplicação " "

7=0 ;=0

Facilmente se verifica que (p é um epimorfismo de anéis, se S(9) é uma extensão algébrica de S. Então, pela Proposição 3

/Ker(D ~ ^[^] ' ^ e m o s e n tã° dois casos a considerar:

(i) Kenp = {0} Pela Proposição 4, tp é injectiva e logo S[X]=S[9]. Como K é um corpo, S[X] é domínio de integridade e logo S[0] também é domínio de integridade. Logo, são também isomorfos os corpos das fracções de S[X] e S[9]. Temos então S(X)=S(G), o que prova (i). (ii) {0} * Kenp c S[x] Como S é um corpo, S[X] resulta um domínio de ideais principais. Então, existe \j/eS[X] tal que Ker(p = (\fr) e então S[9]=S[X]/(\|/) . Como S é corpo, S [9] é domínio de integridade e tem-se que S[X]/(\|/) é um domínio de integridade. Pelo Teorema 4 concluímos que (v|/) é um ideal primo. Mas então o Teorema 6 garante que y é um polinómio primo. Como S[X] é um domínio de integridade tem-se que V é um polinómio irredutível. Por outro lado, sendo (vj/) um ideal maximal, o Teorema 5 garante que S[X]/(\|/) é um corpo. Mas então S[9] é corpo e, por definição de extensão , S(9)=S[0]. Então S(6)=S[0]/(\|O com \|/eS[X], irredutível, o que completa a demonstração. *

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BIBLIOGRAFIA

Godement, R. (1966) Cours d'Algèbre. Paris. Hermann

Santos, V. , Apontamentos de Álgebra, Universidade de Aveiro.

(1994).Apontamentos de Álgebra, Mestrado da Universidade de Coimbra

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PARTICULARITIES OF THE GREEK BANKING SYSTEM (G.B.S. )

PANTELIS F. KYRMIZOGLOV

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SUMMARY

1. HISTORY OF THE G.B.S. 2. BASIC CHARACTERISTICS 2.1 .HIGH DEGREE OF CONCENTRATION 2.2.THE DOMINANT ROLE OF THE STATE 2.3. GEOGRAPHIC CONCENTRATION 2.4. LACK OF COMPETITIVENESS 3. IMPORTANCE OF THE MARKETING DEPARTMENTS IN THE GREEK

BANKS. 4. PROBLEMS FROM NOT TAKING ADVANTAGE OF MARKETING LN THE

GREEK BANKS 4.1. SERVICES 4.2. PRICING 4.3. DISTRIBUTION 4.4. PEOPLE 5. EPILOGUE

REFERENCES

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1. HISTORY OF THE G.B.S.

The history of the Greek banking system starts in 1828 when the first prime minister of the modern Greek state, established the National Financial Bank, in order to overcome the fiscal and credit problems arising out of the war of independence from the Turks.

Due to the people's unwillingness to trust a bank dealing with the financial problems of the new unstable state, the bank was led to closure. In 1831 the National Bank of Greece was established as the first private bank in Greece.

The number of Banks operating in Greece, increased gradually and stopped increasing only during the Balkan wars and the I World War. The right of issuing bank notes was exercised by the National Bank of Greece and the Ionian Bank, up to 1928, when the Bank of Greece was set up to operate as the Central Bank of the country.

The financial crisis of the 1929 led to a decrease in the number of Greek banks as a result of the bankruptcy of the smaller banks and some mergers. There were 31 banks operating by the end of 1938 and they were decreased to 15 in 1945 after the II World War.

The civil war which ended in 1949, led to an upsetting of the relations of Banks with the Bank of Greece. Due to the consequences of the war, banks were asked to contribute for the reconstruction of the Greek Economy. Since then the State has increasingly, intervened in banking, and the biggest banks were nationalised.

The presence of foreign banks has increased since the 1960 due to the internationlisation of banking, and the country's admission to the European Union.

2. BASIC CHARACTERISTICS

The contemporary Greek banking system has the following characteristics:

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2.1. High degree of concentration As the alternative forms of financial markets are still of minor

importance, the credit management of national savings is carried out mainly by banks. The biggest part of banking transactions is carried out by two biggest commercial banks together with the banking institutions they control. This situation can be seen in the following table:

1988 1988 1993 1993 LOANS DEPOSITS LOANS DEPOSITS

National Bank 43,6 53,4 30,5 45,7 Commercial

Bank 15,2 13,4 14,1 14,3

Ionian Bank 7,8 7,3 6,1 6,3 Credit Bank 7,6 6,9 10,2 8,9

TOTAL 74,2 81,0 60,9 75,2 Rest Com.

Banks 25,8 19,0 39,1 24,8

TOTAL 100,0 100,0 100,0 100,0

The trend of reduction in the degree of concentration continues in the more recent years but it still remains very high.

2.2. The dominant role of the State The Greek state controls the biggest part of banking. We can

understand this argument by considering the struture of the banking system. The G.B.S. of Commercial banks1 and the Specalised Credit

1 There were 43 commercial banks operating in Grèce by the end of 1996. Twenty of them were Greek banks, fourteen were branches of commercial banks incorporate in other m&r.iber states of E.U. and nine were branches of banks from third countries.

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Institutions ( Investment Banks, Agricultural Bank, Mortgage Bank, Postal Savings Bank, Deposits and Loans Fund).

Commercial banks control respectively 70% and 50% of the total deposits and loans.

Specialised Credit institutions control respectively 30% and 50% of the total deposits and loans.

We can realize the powerful presence of the State, if we bear in mind that the State-owned commercial banks control 70% of the deposits and 60% of the loans of all the commercial banks. In the specialised credit institutions the dominance of the State is absolute, with the exception of a small private mortgage bank.

2.3. Geographic concentration All banks are based in Athens and Thessaloniki, and that has to

do with the concentration of business in the urban centers. Only a few years ago some local cooperative banks started their activity, but their markets shares are negligible.

The degree of geographic concentration is even higher concerning the foreign banks. With exception of a few branches of CITIBANK, all the branches of foreign banks are located in Athens and some of them in Thessaloniki.

2.4. Lack of competitiveness The lack of competitiveness of the G:B.is mainly due to the

following factors: a) The reserve requirements ratio remains at a high level. b) Rates of interest are still very high, due to the high state

budget deficit and therefore the higher rates of interest of state bonds and treasury bills.

c) Lack of investments in new technology.

The number of commercial banks increased substantially in the last years in anticipation and as result of the deregulation of markets and the liberalisation of capital flows.

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d) The ratio of staff expenditure to the owerage assets remains, for the Greek banks, the higher among the countries of E.U.. In the same time there is a shortage specialists in new banking services.

e) The Greek banks have started thinking mergers and acquisitions only a few months ago. Therefore many small banks have managed to be profitable, just because they take advantage of the lack of flexibility of the bigger state-owned banks.

f) Privatisations are carried out with great difficulties, even if they concern very limited part of the G.B.S. . This is due to the power of the trade unions, which are very strong in the state-owned banks.

We strongly believe that the lack of competitiveness of the G.B.S. is to a considerable extent due to the still undergraded position of marketing in the Greek banks. This undergrading has to do both with the position of the Marketing departments in the hierarchy of the banks and the inefficient use of the elements of the marketing mix.

In the following lines we will try to confirm what we have just mentioned.

3. IMPORTANCE OF THE MARKETING DEPARTMENTS IN THE GREEK BANKS.

The Greek banks seem to underestimate the importance of marketing departments

That was one of the conclusions drawn from a research carried out by our Institute. The research was concerning the relationship between commercial banks and small firms, and included 15 commercial banks having 90% of the total assets of all the commercial banks operating in Greece.

The first Marketing department was established in the biggest Greek bank in 1981.

Only 6 out of the 15 banks have a department with a tittle including the word marketing.

Five of the banks approached stated that although they care about the marketing matters, they don't have a department dealing exclusively with marketing affairs.

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The role of the Marketing departments in the cases they exist, has to do with suggestions. In none of the banks the marketing people had any authority to decide on crucial matters.

The marketing functions are carried out by various people of various departments. The split of the marketing activities in many departments, results in the wrong function of marketing, namely in the wrong diagnosis of the customers' needs and consequently the lack of full satisfaction of their needs.

4. PROBLEMS FROM NOT TAKING ADVANTAGE OF MARKETING IN THE GREEK BANKS

The consequences of underestimating the importance of marketing in the Greek banks, can be seen in each element of the marketing mix. In the next lines we will refer to some cases which we think owe evidences that banks could be in a better position if they adopted the principles of marketing in a move efficient way.

4.1. Services Some critics state that in Greece we have only 10% of the

internationally known banking services Maybe this is an exaggeration, but still the reality is not very encouraging.

The lack of banking services tailored to the needs of the customers is in some cases very evident. For exemple: short-term bank loans in 1989 were counting as 38,2 % of the total short term sources of finance, compared with 37,5% short-term credits from suppliers of the firms. In 1995 short-term bank loans were gradually reduced to 32,5%, compared with 43,2% from the credits of suppliers.

This exemple shows that competition is not fierce only within the banking system, but it comes also from outside, and the banks do not seem ready to face it. The conclusion is even more discouraging if we bear in mind that deregulation of the banking market has started

2 Ependitis - Economy, 14.06.98, p. 18.

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since 1987. Namely, instead of having more flexible banks, we ended up with the reverse effects. In the same time the services of factoring which might constitute an alternative for short-term bank loans, cover less than 11% of the total needs, compared with an average of 11% in the E.U.

On the other hand the spectacular growth of mutual funds (based on market segmentation) compared with the stagnation in the traditional bank deposits, can show what marketing can do to give a boost to the banking turnover.

4.2. Pricing The lack of transparency and consistency is the main reason that

prevents pricing to become an effective tool towards achieving the bank's objectives. Let's refer to some exemples:

a) Even in cases where pricing policy could be considered as given, it is not so.

For example, due to the lack of secondary market for state bands and treasury bills, different banks may charge the customers with varying penalties in case they need the money before the expiry of the bonds. The difference is due to the varying methods of calculation used by different banks.

b) In many cases, an unsincere formulation of pricing policy is observed.

For exemple the bank announces for a current account of advances that the customer is charged with a 20% vate of interest plus 1% commisson. The commission ends up to be 1,7% due to the particular way it is calculated (This is a common practice for many Greek banks).

c) Banks use political year in calculating interest for deposits, and mixed year in case of loans. In this way they pay less interest for the deposits and receive more interest for the loans.

d) Banks use "valeur" in order to increase their revenus in some cases even without the slightest rationale.

e) Banks' policy to receive commisions associated with collateral, ends up with a higher charge for the smaller firms.

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Overcharging of small firms has led then either to be unable to pay out their loans or to look for other alternatives (i.e.suppliers'credit etc.).

4.3. Distribution There are certain factors which prevent the banks to establish

their branches, based on rational criteria. Some of these factors are the following: a) Very often the management is based on intuition rather than

scientific marketing research in order to establish a new branch. b) Some times social and economic reasons dictate the decision

for a new branch. For exemple the State owned banks open branches in areas with low income or diminishing population.

c) Opening new branches with leading executives having hnowledge which is not supplementary with each others'. Another factor creating problems in the new branch is when the leading executives come from a branch neighboring with the new one. If the Management cannot overcame these problems they had better postpone the opening of the new branch.

d) Sometimes new branches may come as a result of pressures exercised by the trade unions for the creation of managerial posts.

4.4. Promotion The problems associated with the above mentioned elements of

the marketing mix make the task of promotion more difficult. News papers seems to be the most popular means of

advertisement in the last ten years with 49,09 % of the total advertising expenditure, second is television with 36,22 %, third is magazines with 9,01 % and fourth is radio with 5,68 % .

The last few years Greek banks have realised that personal selling is the most appropriate means of approaching customers and they gradually attribute more and more importance to this element of promotion following the exemple of insurance companies.

In general promotion has been more important during the last ten years, because of the deregulation of the market and the overall

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developments in the banking sector, wich have resulted in more complicated banking services.

4.5. People Greece is one of the very few countries of O.E.C.D.where the

people employed in the banking sector are increasing. This development in combination with the fact that the ratio of staff expenditure to the average assets is very high, show to a considerable extent in the inability to take advantage of the new technological applications.

By the end of 1990 the Greek banks were employing about 40.000 employees. Among them 35 % were educated at university level, 53 % had finished secondary education and 12 % had finished primary education.

Since then many changes have taken place and continue even faster. Employees have to be more adjustable in the changing environnment and more capable of assuming responsibilities and taking initiatives.

The increased use of computers and the customers' demand for a more qualitative approach has led to a substantial increase in the staff dealing with the personal selling and consultancy for the customers. This trend is expected to continue even faster in the near future.

5. EPILOGUE

In this article we referred to the history and the characteristics of the Greek banking system, and we also examined the underestimated role of marketing in the Greek banks by trying to show some of the consequences of this weakness. We believe that since 1987 the G.B.S. has been placed in a new course, with deregulation of banking market having changed the rules of the game. Until 1987 all the banks were offering the same services in the same prices and therefore there was very little room for marketing to develop.

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Nowadays the more successful banks will be those that have fully adopted the principles of marketing and have been adjusted to the new challenging environment.

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REFERENCES

CHARALAMPIDES E. , " Modernisation of Banks and its Consequences on Specialisation and Training of Human Resources", HBA Bulletin, Apr/Jun., 1994, p.25-41.

GEORGOPOULOS, A., " Traditional Bank Lending in Front of New Challenges", Economiki Epitheorisi, Oct/Dec, 1997, p. 4-25.

GHORTSOS, C., "Greek Banking System", HBA, 1997. KYRMIZOGLOV, P. , "Money and Banking", T.E.I. Thes, 1991. MAVRIDES, D. "The Dynamics of Ratio Analysis", Económica

Chronika, Oct., 1997, p. 42-44. SARMANIOTIS, C, Unpublished PhD. Thesis, University of

Thessaloniki, 1991. ALPHA CREDIT BANK, Economics Bulletin, 1996, p. 8-12.

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Sugestões para Apresentação dos Originais

1. Os originais podem ser acompanhados por uma nota biográfica que não exceda três linhas.

2. Os textos devem fazer-se acompanhar de um sumário elaborado de acordo com os tópicos do artigo.

3. Os artigos não podem, em princípio, exceder 25 páginas, marginadas de acordo com os parâmetros da Revista. As recensões não devem ultrapassar as cinco páginas.

4. Os originais serão acompanhados de registo em diskete, de acordo com as seguintes normas de processamento de texto:

4.1. Sistema Operatitvo: MS/DOS - ambiente Windows. 4.2. Tipo de Letra:Times New Roman, com o seguinte tamanho: 14 no título, 13 nos capítulos,

etc., 12 no texto e 10 nas notas. 4.3.Alinhamento do texto em centímetros:Top. 5,5; Bot. 6,75; Ins.5,5; Out. 3,5; Head. 1,25;

Foot.5,5; Paragr.1,0; e com opção de páginas par e ímpar.

5. Bibliografia, referências bibliográficas, citações e notas. 5.1. A Bibliografia deve ser ordenada com base no apelido do autor: Ex: Amorim, Jaime Lopes. Se

a obra for colectiva, normalmente mais de três autores, refere-se pelo nome do Io autor e pelo vocábulo latino alii ( ou apenas al.). Ex: Amorim, Jaime Lopes et al (ou e o.).

5.2. As referências bibliográficas devem seguir as orientações vulgarmente aceites: rigorosas, precisas e uniformes, respeitando o seu carácter específico. As monografias devem inserir as seguintes informações: Autor, (eventualmente o ano da fed.) , título, volume, edição, local da edição, editor, ano da edição consultada. Os artigos das publicações periódicas devem referir: autor, título do artigo, in título da publicação, local da publicação, série, volume, n°, data (mês(es) e ano, pags (50-75) em que se encontra o artigo.

5.3. As referências bibliográficas coladas às l"s citações devem acrescentar aos campos enunciados em 5.2, a(s) página(s) - p.ou pp. - e, se fôr caso disso como nos Dicionários e Jornais, etc. a(s) coluna(s). Ex.Godinho,Vitorino Mag.alhães, Complexo histórico-geográfico, in. Joel Serrão, (Dir. de), Dicionário de História de Portugal, Vol.l/A-D, Porto, Iniciativas Editoriais/Figueirinhas, p. 645, col.2. As referências bibliográficas relativas às 2.as citações colhem a vantagem da sequência das notas: aparecem abreviadas recorrendo aos vocábulos latinos idem (autor), ibidem (obra) e, às vezes, passim (em vez de uma indicação precisa da página). A redução dos campos bibliográficos acontece igualmente quando as referências têm por suporte a bibliografia geral. Ex: Amorim, Jaime Lopes A (ou B); ou simplesmente o ano de publicação: Amorim, 1929, p. 20.

5.4. Localização das referências bibliográficas. 5.4.1. As referências bibliográficas podem aparecer em nota de rodapé, na totalidade ou

articuladas com a bibliografia geral. 5.4.2. Podem igualmente surgir, em alguns casos restritos, no interior do texto logo a seguir à

citação, seguindo o modelo mais sintético de referência. Ex: Amorim, 1947 D, p. 20. 5.4.3. As notas podem também aparecer no final do texto, devendo esta opção prevalecer sempre

que o artigo exige longas notas informativas ou explicativas, que em rodapé tornam demasiado pesado o seu desenvolvimento.

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