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DNA: UMA BREVE HISTÓRIA Por Luiz Carlos Prazeres Parece que a história de toda grande descoberta revela um lado romanceado que faz, às vezes, a realidade misturar-se com a lenda. Conta-se que, em 28 de fevereiro de 1953, o físico britânico Francis Crick entrou no Eagle (um pub, em Cambridge) e revelou aos presentes que ele e seu colega, o americano James Watson , tinham descoberto o segredo da vida. Parecia ser um anúncio pretensioso, mas, na manhã daquele dia, Watson e Crick haviam criado o modelo que explicava a estrutura do ácido desoxirribonucléico — o famoso DNA —, a molécula que carrega o “código genético”. Graças a essa descoberta, cientistas passaram a entender a hereditariedade e os mecanismos da evolução, e palavras como engenharia genética, clonagem e transgenia passaram a fazer parte de nosso vocabulário. A descoberta de Watson e Crick, historicamente, pode ser vista como fruto de uma jogada genial, levando-se em consideração as circunstâncias daquela época: Watson era um ornitólogo com quase nenhum conhecimento em bioquímica; Crick, doutorando em Biofísica; e ambos não contavam com equipamentos adequados. Mas a história do DNA pode ser contada com seu início nas pesquisas de Friedrich Miescher sobre o núcleo celular. Em 1868, esse médico suíço, ao tentar desvendar as funções do núcleo das

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Exercicios de Biologia

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DNA: UMA BREVE HISTÓRIAPor Luiz Carlos Prazeres

Parece que a história de toda grande descoberta revela um lado romanceado que faz, às vezes, a realidade misturar-se com a lenda. Conta-se que, em 28 de fevereiro de 1953, o físico britânico Francis Crick entrou no Eagle (um pub, em Cambridge) e revelou aos presentes que ele e seu colega, o americano James Watson, tinham descoberto o

segredo da vida. Parecia ser um anúncio pretensioso, mas, na manhã daquele dia, Watson e Crick haviam criado o modelo que explicava a estrutura do ácido desoxirribonucléico — o famoso DNA —, a molécula que carrega o “código genético”. Graças a essa descoberta, cientistas passaram a entender a hereditariedade e os mecanismos da evolução, e palavras como engenharia genética, clonagem e transgenia passaram a fazer parte de nosso vocabulário.

A descoberta de Watson e Crick, historicamente, pode ser vista como fruto de uma jogada genial, levando-se em consideração as circunstâncias daquela época: Watson era um ornitólogo com quase nenhum conhecimento em bioquímica; Crick, doutorando em Biofísica; e ambos não contavam com equipamentos adequados.

Mas a história do DNA pode ser contada com seu início nas pesquisas de Friedrich Miescher sobre o núcleo celular. Em 1868, esse médico suíço, ao tentar desvendar as funções do núcleo das células, isolou, do interior dele, uma substância que chamou de nucleína. Na época, o pesquisador pensou que se tratava de uma espécie de reserva de fósforo para o citoplasma, devido à constante presença desse elemento, mas o que o impressionou, na verdade, foi o alto peso molecular verificado. Mais tarde, em 1889, Richard Altman descobriu o caráter ácido da nucleína e passou a chamá-la de ácido nucléico. Nesse período, o bioquímico alemão

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Albrecht Kossel observou a presença de bases nitrogenadas púricas e pirimídicas na constituição desse ácido e, em 1929, Phoebus A. Levene detectou o açúcar desoxirribose. Assim, o ácido nucléico passou a ser entendido como um complexo molecular muito grande, constituído por unidades que viriam a ser chamadas de nucleotídeos.

Em 1927, um curioso estudo, desenvolvido pelo britânico Frederick Griffith envolvendo bactérias do tipo pneumococo, chamou a atenção do médico e pesquisador canadense Oswald Avery, que, juntamente com seus colaboradores, e em 13 anos de estudos criteriosos, sugeriu que o ácido nucléico, já conhecido como ácido desoxirribonucléico, era o material genético das células.

Para os diversos cientistas da época, as pesquisas de Avery não deixavam dúvida de que o DNA era o transmissor da hereditariedade. Um desses cientistas foi Maurice Wilkins. Esse físico anglo-irlandês teve seu interesse pela genética despertado depois da leitura do livro O Que é a Vida?, de Erwin Schrödinger, enquanto trabalhava no projeto Manhattan, em Berkeley.

Wilkins passou a estudar a estrutura do DNA por meio da técnica da cristalografia — em que se utilizam raios X para determinar a disposição física de moléculas em determinados compostos.

Em 1951, Wilkins concedeu uma palestra sobre DNA, em uma conferência de Física, em Nápoles, Itália. Durante sua apresentação, o pesquisador mostrou a foto de uma molécula de DNA exposta aos raios X. James Watson, que assistia à palestra, ficou bastante interessado. Há tempos ele estava convicto de que, se fosse possível desvendar a estrutura do intrigante ácido nucléico, seria possível desvendar um dos segredos fundamentais da vida: a hereditariedade. Naquele mesmo ano, Watson foi trabalhar no laboratório Cavendish, de Cambridge, onde conheceu Francis Crick, seu futuro companheiro na descoberta da estrutura molecular do DNA. Crick era estudante de doutorado e, a princípio, não estava interessado em DNA. No entanto, Watson conseguiu envolvê-lo naquela empreitada, que já mobilizava muitos

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cientistas.

A dupla de cientistas começou a discutir os fatos que conheciam até então. O curioso é que o trabalho dos dois se baseou em muitas conversas e esquemas desenhados em quadro-de-giz, em vez de tubos de ensaio e pipetas no interior de um laboratório. Eles passaram a usar modelos que empregavam arames e bolinhas de várias cores para representar átomos e moléculas — um procedimento que se tornara conhecido por causa do químico Linnus Pauling.

Em 1.º de janeiro de 1951, Wilkins, que trabalhava no King’s College, de Londres, Inglaterra, passou a dividir, de uma forma pouco amigável, suas pesquisas de cristalografia do DNA com Rosalind Franklin, biofísica inglesa recém-chegada de Paris e considerada uma autoridade em experimentos com difração por raio X. Na época, em plena corrida para se desvendarem os segredos do DNA, existia a suspeita de que a estrutura dessa molécula era helicoidal. Somente depois dos trabalhos desenvolvidos por Franklin essa hipótese foi confirmada.

Em janeiro de 1953, Watson tomou conhecimento, por intermédio de Wilkins, de uma foto produzida por Franklin na qual a estrutura helicoidal do DNA mostrava-se de forma clara e nítida. Era o que faltava para Watson e Crick acertarem o alvo.

Durante todo o mês de fevereiro daquele ano, a dupla do Cavendish tentou exaustivamente montar um modelo em três dimensões da famosa molécula. Eles chegaram, então, a uma estrutura helicoidal, composta por duas cadeias ligadas pelas bases nitrogenadas. No entanto, ainda havia um entrave: como as bases se combinavam? Houve muitas tentativas para desvendar esse mistério. Especialmente Watson dedicou-se a isso. Inicialmente, ele tentou unir duas bases púricas (adenina e guanina) e duas pirimídicas (timina e citosina), mas não teve êxito, pois a forma obtida não correspondia às observações realizadas por Rosalind Franklin. A resposta veio na manhã do dia 28 de fevereiro, quando ocorreu a Watson unir bases púricas a pirimídicas: adenina com timina/citosina com guanina. Essa idéia teria surgido

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anteriormente se ele não tivesse negligenciado os resultados obtidos por Chargaff em um estudo sobre as proporções das bases nitrogenadas, anos antes.

Ao colocarem a última peça em seu modelo, Watson e Crick puderam visualizar, pela primeira vez na História, a escultura que representa a molécula reprodutora da vida.O famoso trabalho de Watson e Crick foi publicado na revista britânica Nature, de 25 de abril de 1953. Nove anos mais tarde, esses dois cientistas receberam, juntamente com Maurice Wilkins, o prêmio Nobel de medicina.

Referências bibliográficas

BRODY,D. E.; BRODY A. R. As sete maiores descobertas científicas da história. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

FOLHA de S.Paulo. Suplemento de 07 mar. 2003.

FRIEDMAN, M.; FRIEDLAND, G. W. As dez maiores descobertas da medicina. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

REVISTA Time (Special Report). 03 mar. 2003.

STRATHERN, P. Crick, Watson e o DNA: em 90 minutos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

 

UMA BREVE HISTÓRIA

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Cristografia Em 1912, o físico alemão Max Von Laue observou que, quando um cristal era exposto a raios X, obtinha-se um padrão de sombras em uma placa fotográfica. Mais tarde, Willian Bragg descobriu que essas sombras surgiam devido à difração dos raios X que acontecia quando eles se chocavam com os átomos do cristal. A posição e a intensidade dessas sombras poderiam, então, revelar a estrutura espacial daqueles átomos. Essa técnica, denominada “cristalografia de raios X”, revelou dados preciosos para a elucidação da estrutura do DNA.

Morte de Dolly reabre polêmica sobre clonagem10/04/03por Diogo Dreyer

 A vida breve da ovelha Dolly prova que a ciência ainda tem muito caminho pela frente para aperfeiçoar a técnica da clonagem. A ovelha, que foi o primeiro mamífero clonado

da história, tinha apenas 6 anos quando foi sacrificada, em fevereiro último, por apresentar doenças características da velhice.

Dolly nasceu em 1996 e entrou para a história da ciência porque foi o primeiro mamífero clonado a partir de uma célula adulta que conseguiu sobreviver, depois de 276 tentativas infrutíferas. Seu

 

A ovelha Dolly (no alto) tinha apenas 6 anos quando foi sacrificada, em fevereiro último, por apresentar doenças características da velhice.

 

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nascimento só foi anunciado em 1997, pelo Instituto Roslin de Edimburgo, da Escócia. Mas ela nasceu com anomalias cromossômicas e, em janeiro passado, foi diagnosticada uma artrite, algo muito raro para a idade dela, o que era um sinal de envelhecimento prematuro, ocasionado provavelmente pela clonagem.

A notícia foi interpretada como uma derrota pelos especialistas que acreditam que a clonagem pode se tornar uma tecnologia médica eficaz e lucrativa. Para os que questionam a ética desse procedimento e os defensores dos direitos dos animais, foi uma confirmação de que a clonagem é perigosa se feita de maneira irresponsável.

A ovelha acabou sendo sacrificada no dia 14 de fevereiro, quando os veterinários deram a ela uma injeção letal depois de descobrirem sinais de doença pulmonar progressiva. O pesquisador Harry Griffin, chefe do instituto, disse que infecções pulmonares são comuns em ovelhas mais velhas. Uma ovelha pode viver até 12 anos, embora a maioria delas não ultrapasse os 6 anos, pois é abatida para a alimentação humana.

Descobriu-se que os cromossomos de Dolly tinham telômeros menores que os de animais concebidos de forma natural. Telômeros são pedaços de DNA que protegem as extremidades dos cromossomos. Acredita-se que eles estejam associados ao envelhecimento celular, atuando como “cronômetros” bioquímicos. As pesquisas de Ian Wilmut, o “pai” de Dolly, demonstraram que todos os clones de animais produzidos, que já são centenas, apresentaram má-formação genética e física.

O nascimento de Dolly teve repercussão em jornais do mundo todo e gerou críticas e temores de que a clonagem de seres humanos não esteja muito longe. A ovelha foi batizada em homenagem à cantora de música country norte-americana Dolly Parton, pois Wilmut utilizou células de glândulas mamárias para criar a ovelha.

     

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[ notícia comentada ] 

Por Alexandre Loureiro

A técnica de clonagem que produziu Dolly foi pioneira, pois foi a primeira a utilizar células não embrionárias para produzir um clone. Ela consistiu na retirada de uma célula da glândula mamária de uma ovelha doadora, que foi chamada de “célula-mãe”, a qual foi mantida viva em meio de cultura em laboratório. Em seguida, foi retirado o óvulo de uma outra ovelha, desprezando-se seu núcleo. O óvulo vazio e a célula cultivada foram fundidos por meio de estimulação elétrica, formando um zigoto ou ovo fecundado, que se transformou num embrião e, ao atingir a fase de blástula (ou seja, apresentar mais de cem células), foi implantado no útero de uma ovelha “mãe de aluguel”. O ser gerado com essa técnica é geneticamente idêntico ao doador da “célula-mãe”, possuindo as mesmas características físicas e biológicas que este.

Mas por que Dolly envelheceu tão rápido e morreu com apenas 6 anos de idade? Na verdade, ela atingiu o tempo médio de vida de uma ovelha, que é de 12 anos, pois a doadora da célula que a originou já tinha 6 anos, os quais devem ser somados aos 6 que ela viveu. Segundo os cientistas que a criaram, as doenças que ela apresentava, como artrite e problemas pulmonares, eram perfeitamente comuns em ovelhas de 12 anos e não tinham qualquer relação com a técnica de clonagem que foi utilizada.

Já o fato de os telômeros dos cromossomos de Dolly serem menores pode ser explicado também com base na idade real da ovelha. Telômeros são pequenos trechos de DNA que ficam nas extremidades dos cromossomos. Acredita-se que eles são importantes para a estabilidade da célula e que, a cada divisão celular, perdem alguns trechos de DNA, o que vai fazendo com que fiquem desprotegidos, causando o envelhecimento celular.

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Como Dolly geneticamente nasceu com 6 anos, é natural que seus cromossomos também apresentassem sinais de envelhecimento, o que foi evidenciado pela diminuição do tamanho dos telômeros.

Apesar de todos os problemas apresentados até então pela ovelha e outros clones de animais, é necessário avaliar o que se aprendeu com essas experiências. Sem dúvida, a clonagem de Dolly foi um marco na história da biotecnologia. Mas, como a técnica ainda não está totalmente desenvolvida, devemos aguardar os resultados das pesquisas futuras para sabermos que transformações ela desencadeou.

A clonagem pode nos trazer grandes benefícios, como a possibilidade de se clonarem animais geneticamente modificados, como porcos, por exemplo, para serem produtores de órgãos como corações, rins e fígados destinados a pessoas que necessitam de transplantes. No campo da clonagem terapêutica, uma técnica que está sendo aperfeiçoada e que em muitos países ainda não é autorizada é a criação de embriões humanos para serem utilizados na cura de doenças. Os embriões possuem células não diferenciadas chamadas de células-tronco, que podem se transformar em qualquer tipo de célula do organismo. Essas células poderiam ser usadas para tratar, e talvez curar, doenças como esclerose múltipla, mal de Parkinson, mal de Alzheimer, leucemia, diabetes, problemas cardíacos, derrames, lesões na coluna cervical e doenças sangüíneas. Seriam gerados clones de embriões com células retiradas do próprio doente, o que praticamente anularia os riscos de rejeição, já que elas carregam a mesma informação genética que o paciente.

Muitas vidas poderiam ser salvas e muitas doenças, evitadas com a clonagem terapêutica. Mas sabemos que ainda ocorrem inúmeros problemas na

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clonagem de mamíferos, sendo alto o índice de clones gerados com anomalias. Além disso, o rendimento dessa técnica é muito baixo, pois são necessárias diversas tentativas e muitos embriões para se alcançar êxito. E o que fazer com os milhares de embriões descartados devido a experiências mal-sucedidas? Para a criação de Dolly, foram feitas 276 tentativas. E se os embriões descartados fossem humanos? Em que fase estaria o início da vida? A partir do embrião ou somente quando ele já é feto? Difícil saber.

A clonagem para fins reprodutivos, que copia pessoas integralmente, é válida? Alguns cientistas defendem a clonagem humana como apenas mais uma técnica de fertilização assistida, que une um óvulo sem núcleo a uma célula somática com o objetivo de auxiliar milhares de mulheres com problemas de fertilidade. Entretanto, existem fanáticos religiosos que defendem a clonagem humana prometendo a “imortalidade” a seus seguidores, oferecendo-lhes a possibilidade de serem clonados em troca de verdadeiras fortunas. O homem pode continuar manipulando criaturas, até mesmo de sua espécie, na ânsia de ser criador?

Sendo contra ou a favor, todos temos de pensar nessas questões, pois somente discutindo e conhecendo vamos ter uma visão crítica e ética sobre um assunto tão sério e relevante.

Para ir mais longe

Veja mais detalhes sobre a morte da ovelha Dolly no noticiário do Portal Terra.Clique aqui para ver o site

Depois que morreu, Dolly foi doada ao Museu Nacional da Escócia, que embalsamou seu corpo para colocá-lo em exposição.Clique aqui para ver o site

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A geneticista Mayana Zatz, do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP, em reportagem para a Folha de S.Paulo, fala que a morte precoce de Dolly mostra que a clonagem reprodutiva é perigosa.Clique aqui para ver o site

Acompanhe uma cronologia da evolução da clonagem reprodutiva em mamíferos, desde a ovelha Dolly até Eva, o primeiro bebê humano supostamente nascido por meio da clonagem.Clique aqui para ver o site

Apesar de toda a controvérsia, o nascimento de Dolly ajudou muito no avanço de técnicas médicas baseadas na clonagem, como a clonagem terapêutica, que permite a reprodução de tecidos a partir de uma única célula.Clique aqui para ver o site

Da ovelha doméstica ao carneiro selvagem04/10/01 por Vitor Casimiro  

Um grupo de cientistas italianos anunciou em 1º de outubro a primeira clonagem bem-sucedida de um animal em extinção - informa a rede de rádio e tevê britânica BBC. O animal é um carneiro selvagem que completou seis meses recentemente.

Primeira espécie ameaçada de extinção clonada com sucesso é um carneiro selvagem da Sardenha.

Chefiada por Pasqualino Loi, professor de Medicina Veterinária da Universidade de Teramo, na Itália, uma

 

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equipe de cientistas manipulou material genético de uma rara espécie de carneiro selvagem encontrada somente na Sardenha, na Córsega e no Chipre.

Da carcaça de duas ovelhas mortas, foi extraído o DNA usado para fecundar o óvulo de uma ovelha doméstica, dando origem ao embrião do carneiro clonado. Em uma segunda etapa, outra ovelha serviu de "barriga de aluguel" e gerou o carneiro como se fosse seu filhote.

  [ notícia comentada ]  

Experiência abre caminho para clonagem de animais em extinçãoA técnica usada no experimento foi a mesma que deu origem, em 1997, ao primeiro mamífero clonado, a ovelha Dolly. O Instituto Roslin, inventor da técnica, colaborou com a equipe italiana.

Desde o nascimento da ovelhinha Dolly, cientistas já clonaram porcos, vacas, cabras e outros animais. Um dos principais argumentos dos defensores da clonagem de animais era a possibilidade de salvar, através da clonagem, espécies ameaçadas de extinção. Porém, jamais havia se obtido sucesso em fazer com que animais selvagens fossem clonados e se desenvolvidos como filhotes gerados naturalmente.

A primeira espécie ameaçada de extinção a ser submetida a experimentos de biotecnologia foi um gauro, um tipo de boi selvagem que habita a Índia. Em janeiro de 2001, o novilho clonado Noah morreu 48 horas após seu nascimento, vítima de diarréia. Em outra tentativa, um filhote de argali - um carneiro de origem siberiana - também não sobreviveu.

O êxito da equipe italiana mostra como "primos" domésticos de espécies selvagens podem ser usados na gestação de embriões clonados. Vários países estão criando bancos de material genético de espécies ameaçadas.

Para ir mais longe:

http://www.universitario.com.br/celo/topicos/subtopicos/genetica/clonagem/clonagem.html - Nessa página (em português), você aprende sobre a técnica usada para clonar Dolly e o carneiro selvagem. O segredo é obrigar uma célula especializada a passar fome. Você sabia?

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http://www.roslin.ac.uk - Página (em inglês) do Roslin Institute, laboratório localizado nos arredores de Edinburgh, Escócia, que desenvolveu a técnica que deu origem, em 1997, ao primeiro mamífero clonado, a ovelha Dolly.

http://www.roslin.ac.uk/library - Nessa página (em inglês) você encontra um banco de imagens dos animais clonados pelo Roslin Institute e as técnicas de laboratório empregadas na clonagem.

http://www.unite.it/Ateneo/Facolta_MedVet/medvet.html - Página da Faculdade de Medicina Veterinária, da Universidade de Teramo, cuja equipe chefiada pelo professor Pasqualino Loi conseguiu clonar uma espécie rara de carneiro selvagem.

Para ficar por dentro das últimas novidades da biotecnologia, você pode consultar o portal http://www.biotecnologia.com.brDestaque para o link Biokids: http://www.biotecnologia.com.br/hp_24.htm

Em fevereiro de 1997, o escocês Ian Wilmut, um brilhante embriologista de 52 anos, anunciou a primeira clonagem de um animal adulto, uma ovelha. Todo mundo só falou disso, mas explicar que é bom, quase ninguém explicou. Agora você vai entender tudo direitinho.

Por Flávio Dieguez

A notícia da façanha de Wilmut foi uma bomba, uma unanimidade, uma festa e tanto.

Bem, comecemos pelo verbo "clonar", que por sinal ainda não faz parte do Aurélio. Esse neologismo genético significa fazer cópia, artificialmente, de um ser vivo. Aliás, "clonar", em si, nem é uma novidade. Cientistas do mundo inteiro andam "clonando" por aí há quase vinte anos. Desde 1978, vários tipos de animais são copiados -- e, se não fosse proibido, já teriam sido anunciados os clones de gente. Mas antes as cópias eram obtidas a partir de embriões -- e embriões, você sabe, são aqueles pequenos ovos gerados a partir do encontro de um óvulo com um espermatozóide. Portanto, a técnica de clonagem partia da multiplicação forçada de embriões. Reproduziam-se num tubo de ensaio diversos embriões de uma matriz, que depois eram colocados nos úteros de várias fêmeas.

O que Wilmut conseguiu de extraordinário foi quebrar dois tabus. Primeiro, eliminou de seu clone a necessidade do encontro de um espermatozóide com um óvulo -- até aqui indispensável para formar o embrião. Wilmut produziu sua criatura usando um óvulo virgem, que nunca havia sido fecundado. Para isso, retirou desse óvulo o seu núcleo original e pôs no lugar os genes de uma célula comum de outra ovelha. Esta é que foi "clonada". Da que era dona do óvulo, coitada, nada restou no filhote.

Aí, veio o segundo e mais espetacular tabu: o cientista escocês fez um embrião com os genes de uma célula comum, ou melhor, especializada. Essa célula especializada veio de uma glândula mamária, uma simples teta. Sua única função na existência era ser mama

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e nada mais. Por isso, especializada. As células do cabelo são especializadas em ser cabelo, as do fígado, em ser fígado, as da unha, unha. Agora, na Escócia, a carga genética de uma célula corriqueira gerou um inacreditável embrião. Dali nasceria uma ovelha geneticamente idêntica à dona da mama. "Esse resultado mostra como é fascinante o desenvolvimento atual na área da Genética e da reprodução", disse à SUPER o médico Roger Abdel Massi, especialista em reprodução humana. Sim, um verdadeiro milagre, mas científico.

A ousadia de Ian Wilmut foi coroada com o humor típico da cultura britânica, um humor que talvez seja genético. Ele batizou sua cria de Dolly. Uma homenagem, diz o cientista, à cantora americana Dolly Parton, dona de uma silhueta que realça bem a parte do organismo de onde Wilmut retirou sua célula especializada. O escocês, merecidamente, foi a sensação do planeta.

Reviravolta na Teoria da Evolução

Ian Wilmut simplesmente aposentou aquilo que era uma lei sagrada da Biologia, segundo a qual uma célula especializada (de ovelha e da maioria das espécies conhecidas) jamais poderia gerar um novo ser. Com algumas poucas espécies, como a estrela-do-mar e as bananeiras, não é assim. Se alguém corta um pedaço do tronco de uma bananeira e o joga no canteiro, outra vai brotar espontaneamente. Ou seja, a célula especializada do tronco vira embrião e inaugura outra bananeira, idêntica à primeira. Para esses seres a clonagem é rotineira. Mas para a maioria das espécies não há clonagem natural. Apenas os óvulos e os espermatozóides participam da reprodução. Resumo: sem sexo, elas jamais poderiam se reproduzir.

A evolução passa pelo sexo há cerca de 500 milhões de anos. E ela fica melhor assim. Havendo espermatozóides e óvulos trocando cargas genéticas, as possiblidades de nascerem indivíduos diferentes é maior, pois os genes do pai se misturam aos da mãe num organismo novo. O que é bom: mais indivíduos diferentes significa mais chance de evolução. Se todos fossem como as bananeiras, os filhotes seriam sempre idênticos aos pais, geração após geração, e a evolução seria muito lenta, causada só por uma ou outra mutação dos genes.

Nas espécies que se reproduzem por óvulos e espermatozóides, que são a maioria, a natureza criou uma sábia proibição: nenhuma outra célula do corpo está autorizada a participar da reprodução. Só as células sexuais cuidam disso.

Foi aí que Wilmut anunciou um revertério assustador, derrubando a velha lei. Ele conseguiu desprogramar uma célula especializada e fazer com que seu núcleo, levado para dentro de um óvulo, virasse um embrião. "Com isso, ganhamos uma capacidade reprodutiva que é típica das plantas", explica o professor Otto Crócomo, da USP, um dos maiores especialistas em clones de vegetais no Brasil. Como é uma máquina complexa, o organismo só funciona direito se cada parte tiver função bem definida e se todas as partes estiverem bem coordenadas. É por isso que as células se especializam durante a gestação. Umas virarão olho, outras fígado etc. Mas, mesmo especializadas, todas as células têm os mesmos genes. Logo, o que Wilmut precisava fazer, era apagar as instruções inscritas nos genes da célula tirada da ovelha adulta, a que seria a mãe de Dolly. Essa célula só sabia ser mama, mas o escocês deu a ela a ordem de ser embrião. Como? É o que você vai ver a seguir.

O que eu vou ser quando crescer?

Veja como as células se especializam, aprendem a executar uma tarefa específica e usam apenas alguns dos seus genes.

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Como embrião, a célula ainda não sabe o que vai ser quando crescer. Sua carga genética, o DNA dentro do núcleo, está livre para assumir qualquer função.

O embrião cresce porque as células se multiplicam. Aí elas começam a desligar os genes de que não vão mais precisar

Uma célula da mama só usa os genes que interessam à sua função, como o que manda fazer uma das muitas proteína do leite.

No final, só ficam ligados os genes que cada célula especializada usa em sua função dentro do organismo.

Como tapear uma célula de ovelha

Para realizar o sonho impossível de fazer de sua célula especializada um embrião, Ian Wilmut apostou num palpite sensacional: a fome. É um palpite que ainda não está inteiramente comprovado mas, ao menos em teoria, é fabuloso. Vamos a ele. Primeiro, submeteu a célula a uma dieta de sais comuns, como cloreto de cálcio e sulfato de magnésio, o equivalente a um chá com torradas. Com isso, o núcleo teve que reduzir suas atividades a quase zero, entrando num estado letárgico que os embriologistas chamam de quiescente. Nesse estado, a célula interrompe o seu ciclo de crescimento normal.

O truque fez essa quiescência acontecer quando a célula ainda era bem jovem. Essa é a

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fase G-Zero, muito breve. É o único instante em que os genes, dentro do núcleo, descansam e param de distribuir as ordens de crescimento e multiplicação para a célula. Nessa fase, as operações ficam a cargo de proteínas especiais do citoplasma. A função dessas proteínas é justamente entrar no núcleo e preparar os genes para o início de um novo ciclo de crescimento e reprodução.

Nesse instante preciso, transferindo esse núcleo para um óvulo cujo núcleo havia sido retirado, o cientista deu início a um grande logro. Sem essa tapeação, a experiência iria fracassar. Lembre-se de que óvulos e espermatozóides só têm metade do material genético de uma célula normal. Eles só formam um embrião quando se fundem, somando suas duas metades. Assim formam o embrião. Pois ao receber um núcleo novo, que contém o material genético completo, o citoplasma daquele óvulo vai cair numa ilusão biológica (imagine, só para entender o truque, que os óvulos caiam em ilusões). Então, o citoplasma vai atuar como se o núcleo já fosse um embrião. Suas proteínas, entram lá dentro e reprogramam os genes totalmente, disparando o início do crescimento e da multiplicação celular. Ou seja, o genes também serão cúmplices da ilusão. Em vez de autorizar um crescimento de novas células de mama, o que seria natural, assumem sem problema o papel de embrião. E tem início uma multiplicação celular para formar uma ovelha novinha.

"As proteínas do citoplasma realmente podem ter reprogramado os genes", confirmou à SUPER o embriologista Colin Stewart, do Centro Frederick de Desenvolvimento e Pesquisa do Câncer. Claro que a experiência ainda requer comprovações. Mas, desde já, o embriologista escocês abriu novas portas para a Biologia.

O segredo de Wilmut

Veja como o cientista construiu um embrião simplesmente obrigando uma célula especializada a passar fome.

A história começa com a célula da mama que ia virar um clone. Antes disso, foi preciso interromper o seu ciclo normal de reprodução. Acompanhe a experiência

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1. A célula começa o ciclo bem jovem. Apesar de ser um bom momento para clonar, todas as tentativas até hoje deram errado.

2. Na segunda fase do ciclo, a célula fica pronta para dividir-se em duas. As clonagens a partir daqui também não funcionaram.

3. Terceira fase. A divisão já vai acontecer e dar origem a uma outra célula da mama. As chances de clonagem são mínimas

 

Veio então o grande lance. A célula jovem recebeu uma dieta bem magra de sais, que são o que ela come.

O seu núcleo (azul) foi acomodado dentro de um óvulo (verde) tirado de uma outra ovelha

A fome foi a chave do sucesso, por um motivo muito simples: ela fez o núcleo da célula interromper o seu ciclo e ficar num estado letárgico. E aí, ao ser colocado no óvulo, deixou de lado as instruções para produzir outra célula de mama. Em vez disso, passou a agir como um embrião e gerou uma nova ovelha, a Dolly.

A imaginação entre os mitos e a realidade

Depois de Dolly, a imaginação de todo mundo disparou na linha de clonar gente. Vamos com calma. Muito do que se

fala por aí é mito. Primeiro, não é verdade que um cidadão poderia ressuscitar na forma de um clone. Não. Nasceria um ser muito parecido com o primeiro, mas não é aquele primeiro reencarnado. Isto aqui é Genética, não espiritismo. Mais uma coisa: não dá para clonar morto. A célula tem de estar viva.

Assim, o clone não ficaria igual a quem lhe deu origem. Apenas os genes seriam iguais. Mas clone e clonado são diferentes, assim como são diferentes os gêmeos idênticos, que também têm o mesmo material genético. Há diferenças porque, além dos genes, o ambiente, a cultura, a comida, tudo influi no jeitão do indivíduo.

São perigosas, enfim, especulações de que os genes atuam sobre coisas como as emoções e a inteligência. Não há prova disso. E o mais provável é que a força dos genes, se existir, seja muito inferior à do ambiente. Até gêmeos que crescem juntos acabam tendo personalidades divergentes. As diferenças devem ser ainda maiores no clone de um adulto, pois cresceria em outra época e outro lugar.

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Fabricados 277 embriões, só um vingou

Com o impacto da descoberta, diversos detalhes a respeito de Dolly passaram quase em branco. Um deles é que a clonagem funcionou, de maneira geral, muito bem. Afinal, o clone nasceu, e com boa saúde. Na verdade, a experiência deu um resultado fraco, já que Ian Wilmut não tentou clonar só uma ovelha, mas um total de 277. Isso significa que ele conseguiu transformar 277 células comuns em embriões, que foram depois implantados no útero de outras ovelhas, usadas como mães-de-aluguel. Mas desse conjunto inteiro só um filhote chegou a nascer: Dolly. Além disso, ele fez outras experiências utilizando embriões verdadeiros em vez de células comuns.

A clonagem de embriões já é conhecida, mas ela emprega embriões bem jovens. Wilmut testou estágios mais avançados de desenvolvimento para ver o que acontecia. De 557 tentativas, nasceram sete filhotes. Essas taxas baixas indicam que falta muito para aperfeiçoar a técnica. Outro fato citado pelo cientista em seu artigo científico na revista inglesa Nature é a possibilidade de Dolly não ter nascido de uma célula de mama, mas de algum embrião de verdade infiltrado por ali. Seria o maior banho de água fria do ano. As chances são remotíssimas, mas a suspeita tem de ser investigada.

Quatro promessas para 2001

Quatro grandes áreas de pesquisa vão ser tremendamente beneficiadas pela clonagem, de acordo com as declarações de Ian Wilmut à imprensa logo após anunciar a clonagem da ovelha. Dessa lista, a mais relevante, do ponto de vista científico, é o estudo do processo de envelhecimento das células. A razão é simples: sabendo o que se passa dentro das células, os cientistas podem investigar mistérios tão profundos quanto os do câncer. Alguns dos avanços recentes mais importantes no estudo da doença brotaram justamente de investigações detalhadas sobre as moléculas que atuam no processo de envelhecimento celular.

O segundo tópico é mais prático, pois Wilmut diz que agora vai ficar muito mais fácil agir diretamente sobre os genes. O resultado dessa ação precisa é que será possível estudar qualquer enfermidade genética. Na opinião do cientista, o progresso mais rápido acontecerá nas doenças pulmonares das crianças. A quarta

área, bem próxima a esta última, diz respeito à fabricação de drogas e terapias genéticas por meio da técnica dos clones.

A experiência a serviço da Biologia

Aos 52 anos, pai de três filhos, Wilmut é discreto e metódico. Não tem o perfil usual de uma grande estrela da ciência. Há vinte anos faz parte da equipe de 300 pesquisadores do Instituto Roslin, na pequena cidade de mesmo nome. Situado a 10 quilômetros da capital escocesa, Edimburgo, o instituto fica numa grande planície onde a criação de ovelhas é uma atividade econômica importante. Visto de fora, pode ser confundido com um grande estábulo. É natural que, nesse ambiente, a carreira de Wilmut tenha se orientado muito mais para a solução das questões práticas da pecuária, e menos para grandes indagações teóricas da Genética. "A clonagem nunca foi o verdadeiro motor das minhas pesquisas", declarou ele à agência de notícias Reuters logo após o sucesso com Dolly. "Meu primeiro trabalho importante foi conseguir congelar espermatozóides de porco." Mas é evidente que Wilmut acumulou um conhecimento acima do normal sobre o aparelho reprodutor dos animais. Especialmente nos primeiros momentos da gestação, em que os embriões ainda têm a escala microscópica de umas poucas células. Essa experiência parece ter sido decisiva para a façanha de transformar, pela primeira vez na história, uma célula adulta num embrião.