FES_2009

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TEXTOSDE

FSICA DO ESTADO SLIDORELEVANTES PARA A ELECTRNICA ORGNICA

Lus AlccerFevereiro de 2009

Notas: Estes textos, que iro sendo publicados num futuro prximo, so uma reedio de algumas partes do curso de Fsica do Estado Slido ministrado aos alunos da licenciatura em Fsica Tecnolgica nos anos 1992 a 1994 e destinada aos colaboradores do IT da rea da Electrnica Orgnica. No website http://www.lx.it.pt/~alcacer/ (e nos seus links) esto disponveis, para alm destes apontamentos, vrios elementos de estudo, consulta e divulgao. Recomendam-se tambm os vdeos e textos da Virtual Academy of Organic Semiconductors do LINZ INSTITUTE FOR ORGANIC SOLAR CELLS de onde se salientam as lies de Alan Heeger e de Fred Wudl: http://www.ipc.uni-linz.ac.at/VirtualAcademy/index.html

NDICE1. IDENTIFICAO DAS QUESTES BSICAS 1.1. INTRODUO 1.2. O GS DE ELECTRES 1.2.1. O Modelo de Drude 1.2.2. Colises e tempo de relaxao 1.2.3. Livre percurso mdio 1.2.4. A condutividade elctrica 1.2.5 Equao do movimento de um electro livre sujeito a foras exteriores 1.2.6. Efeito de Hall e magnetorresistncia 1.2.7. Propriedades trmicas do gs de Electres Condutividade trmica Poder Termoelctrico 1.2.8. Limitaes do modelo clssico 1.3. As Questes Bsicas 1.3.1. Introduo 1.3.2. O hamiltoniano de um slido 2- OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA 2.1. O GS DE ELECTRES SEM INTERACES 2.1.1. Teoria de Sommerfeld para os metais Gs de Fermi Ideias bsicas Estado fundamental do gs de Fermi Condies fronteiras de Born-von Karmann Densidade electrnica Densidade de estados Velocidade de Fermi Energia cintica mdia por electro 2.1.2. Propriedades termodinmicas do gs de Fermi Distribuio de Fermi-Dirac Aplicaes da distribuio de Fermi-Dirac Variao do potencial qumico com a temperatura Densidade energtica do gs de Fermi Calor especfico do gs de Fermi Livre percurso mdio Condutividade trmica e poder termoelctrico 2.1.3. Estados Excitados do Gs de Fermi- Representao do nmero de ocupao 2.1.4. Electres livres na presena de campos elctricos e magnticos 1 1 2 2 4 5 6 7 8 11 11 12 13 15 15 16 21 21 21 21 21 23 24 25 26 27 27 27 28 28 29 29 30 31 32 35_

2

_______________________________________________________________________________________ 2.1.5. Diamagnetismo e paramagnetismo de Pauli 2.1.6. Limitaes do modelo do electro livre 2.2. ELECTRES NUM POTENCIAL PERIDICO 2.2.1. Introduo As Estruturas dos Slidos Simples 2.2.2. Simetria translacional. Redes cristalinas Estruturas cristalinas 2.2.3. A Rede Recproca. Reflexes de Bragg. Difraco. As noes de espao recproco e de zonas de Brillouin Propriedades da rede recproca Anlise de von Laue Difraco por uma rede cristalina. Factor de estrutura Disperso dos electres devido a reflexes de Bragg 2.2.4. Estados dos electres num potencial peridico Condies Fronteiras de Born-von Karman Teorema de Bloch Colises. Processos Normais e Processos "Umklapp" Comparao entre estados de Bloch e estados de Sommerfeld 2.2.5. Ondas quase planas (potencial, V(r)0, fraco) 2.2.6. Estrutura de bandas dos metais. Superfcies de Fermi. 2.2.7. Simetria e Bandas de Energia 2.2.8. Mtodo das Combinaes Lineares de Orbitais Atmicas (CLOA) 2.2.9. Estruturas de bandas dos semicondutores e dos metais. 2.2.10. Outros mtodos para calcular estruturas de bandas. Mtodo das ondas planas ortogonalizadas. Pseudopotencial 2.2.11. Algumas consequncias da estrutura de bandas dos semicondutores Calor especfico electrnico dos semicondutores Dinmica electrnica. electres e "buracos" Massas efectivas Densidade de portadores de carga (electres e buracos) 37 38 41 41 43 44 46 50 51 53 56 58 59 62 63 65 72 73 75 79 84 86 94 100 100 105 105 106 111 112

1. IDENTIFICAO DAS QUESTES BSICAS

1.1. INTRODUO Suponhamos que temos um fio de cobre, um pedao de silcio monocristalino e um cristal de quartzo. Todos estes objectos so slidos e podemos desde j interrogar-nos sobre as suas propriedades fsicas. Algumas das diferenas mais marcantes dos slidos citados so, por exemplo, a cor, o brilho, a dureza e a ductilidade (deformabilidade plstica). A cor e o brilho so obviamente propriedades que tm que ver com a absoro e reflexo da luz so propriedades de carcter electromagntico. Tm que ver com interaces entre a radiao electromagntica e a matria. A dureza e a ductilidade so propriedades mecnicas. Tm a ver com a estrutura atmica e molecular questes associadas ao conceito de ligao qumica. Por estranho que parea, talvez o mais simples de explicar, sejam as diferenas marcantes na resistncia elctrica destes slidos. De facto, como toda a gente sabe, o cobre um metal tpico e por isso um bom condutor. A sua resistividade, , temperatura ambiente, da ordem do cm. Se medirmos a resistividade elctrica a vrias temperaturas, verifica-se que ela aumenta quando se aumenta a temperatura, i.e., d/dT>0. Por seu turno, o silcio (puro), conhecido como um semicondutor, tem uma resistividade da ordem de 105 cm temperatura ambiente, e esta diminui quando se aumenta a temperatura, i.e., d/dT0, enquanto que nos semicondutores, como o silcio, d/dT vo2frio. O fenmeno pode visualizar-se como se dos electres que esto no meio, metade fosse para o lado quente, arrefecendo essa extremidade, indo a outra metade para a extremidade fria, aquecendo-a. A densidade de corrente trmica seria, assim, dada por jq(x) = 1 1 v n [T(x-v)] v n [T(x+v)] 2 2

sendo a energia trmica por electro. Supondo que a variao de temperatura ao longo de um livre percurso mdio, , muito pequena, e que v no depende de (T), podemos expandir [T(x)] em srie de Taylor10 e obter jq(x) n v2 d dT (- ) dT dx (1.23)

9

Mais tarde, utilizaremos a designao p para a concentrao de cargas positivas (buracos)

10

[T(x)] = [T(xo)] +

d dT ( ) (x-xo) +... dT dx xo

e fazendo x x-v; xo x+v

1. IDENTIFICAO DAS QUESTES BSICAS 12 _______________________________________________________________________________________ d Lembrando que o calor especfico por electro, Cv = , e que tendo as velocidades direces aleatrias, dT 1 vx2 = v2 , podemos concluir que 3 1 1 = v2 C v = v C v 3 3 (1.24)

Existe uma relao importante entre a condutividade trmica e a condutividade elctrica, chamada lei de Wiedermann-Franz que se traduz na seguinte relao: 1 2 1 v Cv C m v2 3 3 v = = ne2 ne2 m Uma vez que no modelo de Drude, Cv =

(1.25)

3 1 3 n k e que mv2 = k T , podemos escrever 2 B 2 2 B (1.26)

3 kB = 2 e

2

T

que portanto uma relao independente de e do metal. Esta lei de Wiedermann-Franz tem a dependncia correcta com a temperatura, bem como o valor correcto, o constituiu uma boa defesa da teoria de Drude. Poder Termoelctrico Quando calculamos a condutividade trmica, ignormos alteraes da velocidade com a temperatura.

vquenteQuente

vfrioFrio

Fig.1.5. Representao esquemtica do efeito de Seebeck (poder termoelctrico)

j vquente > vfrio

As diferenas de velocidade, (Fig.1.5), do inicialmente origem a uma corrente elctrica, mas imediatamente estabelecido um campo elctrico que a anula, a no ser que se liguem fios para deixar a corrente passar. Gera-se assim um campo (tenso) em direco oposta ao gradiente trmico. Esse campo da forma: E = S T (1.27)

Usando um raciocnio idntico ao que nos levou equao (1.24) e (1.25), podemos escrever para a velocidade de transporte de energia: vq =

dv2 1 dv d v2 v(x-v) - v(x+v) = - v = - =- T 2 dx dx 2 6 dT

[

]

( )

(1.28)

e vq a velocidade mdia devida ao gradiente trmico. Atendendo a que vE = E e a que vq + vE = 0 , m vem 3 nk Cv kB 2 B 1 d mv2 S=== =3e dT 2 3ne 3ne 2e

- 400 V K-1

(1.29)

1. IDENTIFICAO DAS QUESTES BSICAS 13 _______________________________________________________________________________________ valor que 100 vezes maior do que o observado nos metais simples. Note-se que, tal como no caso do efeito de Hall, o sinal do poder termoelctrico , em princpio, o sinal da carga, mas tambm aparecem valores com o sinal aparentemente errado. Para medir o poder termoelctrico teria que ser imposto um gradiente de temperatura a uma amostra (uma ponta a uma temperatura e outra ponta a outra temperatura), e medir a tenso gerada. Isso implica um circuito que tem necessariamente um caminho de volta, que se for do mesmo metal, anula o gradiente de temperatura e se for de outro metal, gera uma nova tenso termoelctrica, a menos que o retorno seja feito atravs de um supercondutor, cujo poder termoelctrico absoluto nulo. O modo usual para medir o poder termoelctrico consiste em usar um circuito com dois metais diferentes ligados como mostra a Fig.1.6. Deste modo, mede-se o poder termoelctrico de um dos metais relativamente ao outro. Se o valor absoluto de um deles for conhecido, pode calcular-se o outro. Normalmente utiliza-se o ouro, como referncia, por ter um poder termoelctrico muito pequeno e muito bem conhecido.

Metal A T1 Metal B

T0 V T0

Fig.1.6. Esquema de um circuito para medir o poder termoelctrico. O voltmetro mede a diferena entre as tenses termoelctricas geradas pelo gradiente de temperatura (T1-To).

O conhecimento do poder termoelctrico (tambm conhecido por efeito de Seebeck) d-nos informaes importantes sobre a natureza, o nmero e interaces dos transportadores de corrente. O sinal () d-nos informao sobre se os transportadores de corrente so electres (-) ou buracos (+). O poder termoelctrico tambm uma medida da entropia dos transportadores de corrente, como veremos. Existe uma grande variedade de efeitos termoelctricos, como por exemplo, o efeito Peltier e o efeito de Thomson.

1.2.8. Limitaes do modelo clssico Durante a descrio da aplicao da teoria de Drude descrio de vrios fenmenos feita acima, vrias discrepncias entre essa teoria e os resultados experimentais ficaram sem explicao. Nomeadamente, porque que o sinal do campo de Hall apresenta por vezes o sinal contrrio ao esperado se os portadores de carga forem electres e, em geral, dependente de B; como explicar a dependncia com a temperatura de e qual o significado de "energia trmica por electro"; porque que o valor do poder termoelctrico estimado vrias ordens de grandeza diferente do experimental e por vezes apresenta sinal contrrio ao previsto pela teoria; e, finalmente, porque que a contribuio electrnica para o calor especfico cerca de cem vezes menor do que o assumido por Drude. No possvel continuar a desenvolver uma teoria do electro livre sem recorrer ao uso de estatstica quntica. Fazendo do gs de electres clssico de Drude um gs de electres de Fermi permite resolver algumas das discrepncias observadas nas propriedades trmicas. Este o assunto que vamos tratar a seguir. Outras anomalias tero de esperar por modificaes aproximao do electro livre. A inadequao do modelo de Drude para explicar alguns dos resultados experimentais e as dvidas, que levantou, definiram os problemas com os quais a teoria dos metais teve de se haver, no quarto de sculo que se seguiu. O modelo de Drude previa, por exemplo, que a resistividade de um metal tendesse para zero com a temperatura. Essa previso levou Kamerlingh Onnes, em 1911, trs anos depois de ter conseguido liquefazer

1. IDENTIFICAO DAS QUESTES BSICAS 14 _______________________________________________________________________________________ o hlio (Teb = 4 K), a procurar comprovar experimentalmente a teoria. Kamerlingh Onnes esperava encontrar uma diminuio gradual da resistividade medida que, baixando a temperatura, se aproximasse do limite que conseguia atingir (aproximadamente 1 K). O que observou surpreendeu-o (Fig.1.7). De facto, observou a diminuio gradual da resistividade at cerca de 4 K, ocorrendo ento uma diminuio brusca at uma resistncia da ordem de grandeza da sensibilidade do seu aparelho (10-5 ). A este fenmeno, que reproduziu em vrios outros metais, chamou supercondutividade.0,15

Resistncia (ohm)

0,10

Hg

0,05 10 ! 0,00 4,1 4,2 4,3 4,4-5

Fig.1.7. Grfico do tipo do obtido por Kamerlingh Onnes, para uma amostra de mercrio

Temperatura (K)

O fenmeno da supercondutividade permaneceu sem uma explicao minimamente aceitvel at 1957, altura em que Bardeen, Cooper e Schrieffer formularam a teoria hoje conhecida por teoria BCS. A supercondutividade constitui ainda hoje um dos maiores mistrios da fsica do estado slido, e uma das reas cientficas mais activas e mais apaixonantes. A existncia de buracos, referida na experincia de Hall, e que se observa, em particular, nos semicondutores, e o facto de que a condutividade aumenta com a temperatura sugerem que nos semicondutores, a T = 0 K, no existem cargas livres e que medida que a temperatura aumenta h electres que se vo libertando, criando buracos tambm livres. A condutividade dos semicondutores ser assim a soma da condutividades dos electres, em nmero de n com a dos buracos, em nmero de p,

=ne+pe

(1.30)

Esta ideia est de acordo com o facto de que a condutividade dos semicondutores termicamente activada, seguindo uma lei de Arrhenius, da forma

= o e-E/kBTem que E seria a barreira de potencial para a formao de pares electro-buraco.

(1.31)

Uma outra questo importante no contexto das propriedades de transporte a massa, m, que , em princpio, a massa do electro. , no entanto, por vezes mais expedito admitir que m um parmetro do modelo escolhido, que tem unidades de massa, e que ter alguma relao com a massa do electro. Ser mesmo melhor usar o smbolo m* e dar-lhe o nome de massa efectiva faz as vezes de massa. O seu verdadeiro significado fsico e o seu clculo tero de ser discutidos no contexto dos modelos que descrevem o comportamento dos electres nos slidos. Faremos isso no Cap.2 E que dizer cerca de , o tempo de relaxao? evidente que o movimento dos electres no slido afectado por vrios tipos de interaces com outras entidades presentes (outros electres, ies, etc.). O clculo de um dos problemas mais complexos da fsica do estado slido. Em rigor, deveria ser tratado no contexto de teorias dos muitos corpos. Esta uma das questes importantes que teremos de abordar mais tarde. Muitas outras questes se podem pr. Interessa, no entanto, reduzir o maior nmero de interrogaes a um

1. IDENTIFICAO DAS QUESTES BSICAS 15 _______________________________________________________________________________________ conjunto de questes bsicas que possam conduzir a uma viso unificada, ou seja a uma compreenso, das propriedades da matria no estado slido.

1.3. AS QUESTES BSICAS 1.3.1. Introduo O estado slido um estado da matria condensada no qual os tomos esto ligados quimicamente uns aos outros, mantendo posies de equilbrio bem definidas. A fsica do estado slido visa a previso e a compreenso das propriedades fsicas colectivas desses arranjos atmicos. As propriedades dos tomos livres determinam a natureza dos slidos de que so feitos, mas, quando no slido, essas propriedades so influenciadas pelas correlaes entre os tomos. A condutividade elctrica, o ferromagnetismo, o calor especfico e as transies de fase so exemplos de conceitos que podem ser definidos para um slido mas no para um tomo individual. A caracterstica mais importante dos slidos, e alis de toda a matria condensada, a existncia de ordem, isto , de correlaes entre as posies de tomos vizinhos. Essa ordem pode ser de curto alcance e restrita vizinhana imediata de cada tomo, como sucede nos slidos amorfos, ou mesmo nos lquidos, ou pode ser restrita a microcristais ligados uns aos outros de um modo desordenado. Contudo, muitos dos slidos apresentam ordem a longo alcance, i.e., uma estrutura peridica que se estende a distncias macroscpicas. O grande nmero de estruturas que satisfazem critrios de ordem geomtrica e de ligao qumica uma das principais razes para a grande variedade de fenmenos de estado slido. Os cristais reais no so perfeitos ou ideais. Todos os slidos tm dimenses finitas e consequentemente, so delimitados por superfcies ou limites de gro. Embora este facto seja trivial, ele importante em relao a muitos fenmenos. Os defeitos da rede cristalina, a presena de impurezas (tomos estranhos) e outras perturbaes locais da periodicidade da rede, jamais podem ser completamente eliminados num cristal real. Mesmo a agitao trmica dos tomos em torno das suas posies de equilbrio constitui um desvio periodicidade ideal. A rede peridica formada, no pelos prprios tomos, mas sim pelas suas posies de equilbrio. Os tomos s permanecem nas suas posies de equilbrio ao zero absoluto, isto , quando o cristal est no seu estado fundamental.. No entanto, mesmo a temperaturas prximas da ambiente, os desvios so em geral pequenos, de modo que a ordem continua a ser a principal caracterstica do estado slido. Os problemas da fsica do estado slido podem ser postos em termos de duas questes bsicas: 1) Qual o estado fundamental de um dado slido? Porque que ele estvel? 2) Como se comporta o slido sob a aco de influncias exteriores? O primeiro grupo de questes est relacionado com conceitos como os de estrutura cristalina, ligao qumica, coeso, e energia de ligao. Note-se, no entanto, que estas questes s podem ser respondidas atravs das respostas segunda questo. De facto, s examinando as consequncias de influncias externas, como por exemplo o efeito de campos elctricos, exposio luz, etc., se podem determinar as propriedades do estado fundamental. Qualquer experincia (ou medida) significa interveno e consequentemente perturbao do estado fundamental. Os fenmenos de interesse so caracterizados pelos meios experimentais disponveis: 1) Efeito de campos elctricos. Um dos fenmenos a estudar ser o transporte de carga. metais, semicondutores e isoladores resultante dessas investigaes. A diviso em

1. IDENTIFICAO DAS QUESTES BSICAS 16 _______________________________________________________________________________________ 2) Efeito de campos magnticos. 3) Gradientes de temperatura. 4) Fenmenos pticos. 5) Interaco com feixes de partculas ou de radiao (raios-X, electres, neutres, 6) Introduo deliberada de tomos estranhos (dopagem) ou induo de defeitos . No possvel descrever todos estes fenmenos recorrendo a um nico modelo terico. O sistema de muitos corpos demasiado complexo. no entanto possvel utilizar modelos simplificados para reas de interesse particulares e unificar alguns conceitos em teorias mais ou menos sofisticadas. Em princpio, quanto mais sofisticada for a teoria, maior nmero de fenmenos poder unificar. O que se entende ento por estado fundamental de um slido? Para podermos compreender as propriedades gerais do estado slido temos que conceber modelos abrangentes que relacionem entre si as observveis ou seja as propriedades e os fenmenos que se observam. O que que comum a todos os slidos? J vimos que a coeso, devida ligao qumica entre os tomos ou molculas que os constituem, e sobretudo a ordem a curto ou longo alcance. A existncia de ordem a longo alcance permite usar modelos relativamente simples a partir dos quais possvel compreender e fazer previses sobre o comportamento dos slidos. Em primeiro lugar temos que conceber um slido ideal. Uma ideia de slido que seja representativa de todos os slidos. Podemos talvez comear por tentar separar os problemas. Uma coisa o interior do slido, em que existe ordem tridimensional, i.e., existem configuraes atmicas ou moleculares que se repetem, no espao. Que tm simetria translacional. Outra coisa so as superfcies delimitativas do slido. mais fcil abordar estes dois aspectos separadamente. Vamos em primeiro lugar debruar-nos sobre o interior dos slidos o, bulk. Para evitar o problemas dos limites, podemos conceber o slido ideal como um cristal infinito, sem defeitos ou imperfeies. Sabemos intuitivamente o que isso significa. O estado fundamental ser o estado de mais baixa energia. o estado em que se encontra o slido ideal para T = 0 K. O grande passo que deu origem fsica do estado slido moderna foi a introduo da mecnica quntica, nomeadamente a aplicao da equao de Schrdinger ao estudo do movimento das partculas constituintes dos slidos os electres e os ies. 1.3.2. O hamiltoniano de um slido Para abordar o problema das propriedades gerais dos slidos, no mbito da mecnica quntica, a primeira coisa a fazer estabelecer o hamiltoniano para o problema global. O hamiltoniano deve conter os operadores da energia cintica de todas as partculas do slido e das suas interaces. Alm dos ncleos atmicos, o slido contem dois tipos de electres os electres de valncia que esto envolvidos na ligao qumica e os electres do cerne. Estes esto mais intimamente ligados aos ncleos atmicos e pouco influenciam as propriedades do slido. Consideram-se separadamente os electres de valncia e os ies da rede cristalina como constituintes independentes do slido. Esta separao constitui a primeira de muitas aproximaes que teremos de fazer. Analisaremos a sua legitimidade e as suas limitaes mais tarde, quando abordarmos o conceito de pseudopotencial . O hamiltoniano conter ento os operadores de energia cintica de todos os electres de valncia, que, a partir de agora designaremos simplesmente por os electres, e de todos os ies, bem como os operadores relativos s energias das interaces entre todas essas partculas e ainda, quando for caso disso, das interaces com campos exteriores: etc.)

1. IDENTIFICAO DAS QUESTES BSICAS 17 _______________________________________________________________________________________ H = He + Hies + He-io + Hext (1.32)

O primeiro termo dever conter os operadores da energia cintica de todos os electres e os das interaces coulombianas electro-electro, He = He,cin + He-e (1.33)

O segundo termo deve conter os operadores da energia cintica de todos os ies e os das interaces io-io, Hies = Hies,cin + Hio-io As formas explcitas destes operadores so descritas no apndice B. til introduzir desde j uma subdiviso nos hamiltonianos Hies-ies e He-ies. O nosso slido ideal tem uma simetria resultante do arranjo peridico dos ies na rede cristalina. No entanto, essa periodicidade refere-se s posies de equilbrio dos ies e no s suas posies reais instantneas. Podemos ento dividir as interaces io-io em duas partes: uma que descreve as interaces nas posies de equilbrio e outra que constitui a correco devida aos desvios s posies de equilbrio, i. e., s vibraes da rede cristalina. o Hio-io = Hio-io + Hfones e tambm o He-io = He-io + He-fones (1.36) (1.35) (1.34)

O termo fono refere-se, como veremos, s excitaes elementares que descrevem os modos normais de vibrao da rede cristalina. As equaes anteriores, com as formas explcitas das vrias componentes (ver apndice B), constituem os pilares do tratamento quntico das propriedades dos slidos. As formas explcitas dependem dos modelos (aproximaes) utilizados. O prximo passo consiste em passar resoluo da respectiva equao de Schrdinger. Na representao espacial, obtm-se uma funo de onda que funo das coordenadas. Na mecnica quntica no relativista, que usaremos, a forma do hamiltoniano no tem em conta o spin do electro. No entanto essa verso adequada ao estudo da maior parte dos problemas que se pem em fsica do estado slido. No possvel resolver rigorosamente o problema, como sabemos. Temos que recorrer a aproximaes. Em fsica do estado slido fazem-se normalmente duas grandes simplifiaces: i) em cada problema , em geral, possvel considerar certos termos do hamiltoniano como perturbaes a um hamiltoniano cuja soluo conhecida; ii) a simetria translacional da rede cristalina permite simplificar ainda mais o problema. As aproximaes escolhidas dependem das questes a que queremos responder e da natureza do slido em estudo. Um problema que se pe ao ignorar completamente alguns dos termos individuais do hamiltoniano resulta do facto de que este pode pretender descrever um slido em que, por exemplo, a carga dos electres no compensada pela carga dos ies, a qual faz parte de outro termo. o caso de considerarmos isoladamente o hamiltoniano (1.33). Numa primeira aproximao, o hamiltoniano (1.33) deve pelo menos incluir uma densidade de carga espacial uniforme, +, que represente a carga mdia dos ies e inclua a interaco dos electres com essa carga espacial. Se agruparmos essas parcelas num termo do hamiltoniano, H+, podemos escrever He = He,cin + He-e + H+ (1.37)

1. IDENTIFICAO DAS QUESTES BSICAS 18 _______________________________________________________________________________________ He refere-se, assim aos electres inseridos num fundo de carga positiva uniforme. o modelo da geleia (jellium). A rede cristalina como que fica escondida no fundo, enquanto que as propriedades do gs de electres sobressaem. Muitas das propriedades dos metais podem ser explicadas no mbito desta aproximao. O problema do gs de electres quntico sem interaces ser o primeiro a ser abordado, e slo- no incio do captulo 2. O modelo pode ser melhorado substituindo a distribuio uniforme de carga por uma distribuio dos ies, o supostos fixos, pelas suas posies de equilbrio, R . A interaco electro-io ento descrita pelo termo i o do hamiltoniano, He-io . A simetria da rede cristalina permite simplificar o problema que de si complicado pela introduo dos ies. O movimento dos ies pode ser descrito por um hamiltoniano que contenha tambm um termo H-, que represente o fundo de carga negativa e a sua interaco com os ies. Hies = Hies,cin + Hio-io + H (1.38)

podendo o segundo termo ser dividido de acordo com as equaes 1.35 e 1.36. Este hamiltoniano constitui a base do estudo da dinmica da rede cristalina, que abordaremos no Cap. 3. Voltemos expresso (1.32) do hamiltoniano global. Os dois termos H+ e H- , das expresses (1.37) e (1.38), compensam-se mutuamente. Resta-nos considerar o termo He-io, para alm de Hext. Esse termo faz o acoplamento dos movimentos dos electres com os dos o ies. Se separarmos esse termo, de acordo com (1.36), e associarmos o termo He-io ao termo He, o nico acoplamento entre electres e ies descrito pelo termo de interaco electro-fono, He-fono, que pode, em geral, ser abordado no mbito da teoria das perturbaes. Voltaremos a falar dele no Cap.4. Com a ajuda da segunda simplificao, conseguimos dividir o problema global do estado slido em duas partes: i) o movimento dos electres numa rede peridica estacionria ii) o movimento dos ies num fundo de carga negativa uniforme (devida aos electres). Esta separao requer uma justificao rigorosa. Baseia-se nas aproximaes adiabtica e de BornOppenheimer: uma vez que os ies e os electres tm massas de ordens de grandeza muito diferentes, os ies reagem muito lentamente a variaes na configurao electrnica, enquanto que os electres respondem rpida e adiabaticamente a variaes das posies dos ies. Podemos adoptar, nesta aproximao uma equao de Schrdinger da forma (He + He-io) = Ee (1.39)

na qual as coordenadas dos ies se consideram fixas. A funo de onda depende apenas das coordenadas dos electres. As coordenadas dos ies aparecem na funo de onda como parmetros. A soluo do problema global ser da forma de um produto = (r1... rN ; R1... RN) (R1... RN) (1.40)

em que os so solues de (1.40). N, N indicam os nmeros de electres e de ies, respectivamente. Substituindo esta soluo na equao de Schrdinger com o hamiltoniano (1.32) sem o termo Hext, teremos H = (He + Hies + He-io) = (Hies + Ee) - He-io (1.41)

Se o ltimo termo no existisse, esta seria a forma do hamiltoniano que desacoplava o movimento dos electres do movimento dos ies.

1. IDENTIFICAO DAS QUESTES BSICAS 19 _______________________________________________________________________________________ Para o movimento dos ies teremos uma equao da forma (Hies + Ee) = E (1.42)

na qual Ee depende das posies dos ies e portanto fornece uma contribuio dos electres para a energia potencial dos ies. A equao (1.42) envolve apenas as coordenadas dos ies. Descreve, portanto, o movimento dos ies. Para descrever o movimento dos electres, substitumos em (1.39) as posies instantneas dos ies pelas o suas posies mdias, i.e., substitumos He-io por He-io . o (He + He-io) = Ee O ltimo termo da equao (1.41) faz o acoplamento dos electres com os ies. Pode demonstrar-se que d origem apenas a uma pequena contribuio para a energia total do sistema no estado . A justificao da expresso (1.40) , no entanto, um pouco duvidosa. que a equao (1.39) no tem apenas uma soluo, , mas sim um conjunto completo de solues n. A expresso (1.40) deveria, portanto ser substituda por uma expanso em termos desse conjunto de funes prprias. A limitao a uma nica soluo despreza todas as transies electrnicas induzidas pelo movimento dos ies. Estas consideraes pretendem apenas mostrar que esta aproximao bsica envolve problemas que requerem uma anlise bastante profunda. No o faremos, no entanto, neste curso introdutrio. De acordo com o exposto anteriormente, optmos ento por fazer a nossa introduo fsica do estado slido, depois deste captulo introdutrio, de acordo com a seguinte sequncia: Os estados e as funes de onda Cap.2 As excitaes elementares Cap.3 As interaces Cap.4 Descrio local das propriedades dos slidos Cap.5 Estados localizados Cap.6

1. IDENTIFICAO DAS QUESTES BSICAS 20 _______________________________________________________________________________________

O mbito actual da fsica do estado slido A fsica do estado slido, que constitui o suporte cientfico de tecnologias associadas indstria electrnica e ao desenvolvimento da cincia e tecnologia de materiais, hoje um dos domnios cientficos mais activos, quer pela sua importncia no desenvolvimento tecnolgico da indstria de semicondutores, quer pela sua importncia como cincia fundamental. O estado slido o estado da matria que se conhece melhor, sendo possvel calcular, com grande preciso, as propriedades de um slido, pelo menos se ele for cristalino. Hoje em dia, possvel compreender com relativa facilidade as estruturas e as propriedades gerais dos slidos simples. A importncia tecnolgica dos materiais amorfos e de outros estados da matria condensada levou, por outro lado, a extenses da fsica do estado slido tradicional. A fertilizao cruzada com outros ramos da cincia (qumica, mecnica quntica, fsica de partculas, etc.) deu origem a novos pontos de vista, que nos ltimos anos abriram novos horizontes ao conhecimento. O conceito de metal, por exemplo, foi generalizado, havendo hoje muitos materiais, como por exemplo, polmeros orgnicos, com as propriedades de metais. O poliacetileno, que um material plstico derivado do acetileno, quase to condutor como o cobre e tem um resistncia traco superior do ao. A supercondutividade, fenmeno descoberto no princpio do sculo e que ficou por explicar at aos anos 50, tem sido tambm um dos motores da fsica do estado slido. A descoberta de materiais orgnicos supercondutores em 1980 e o aparecimento recente (1986) dos supercondutores cermicos e dos derivados do fullereno (C60) levaram a uma actividade frentica na fsica do estado slido, nos ltimos anos. O conhecimento actual do estado slido permite fazer o que se pode chamar de "engenharia do hiato" (band gap engineering), no mbito da qual, possvel criar estruturas slidas complexas em materiais semicondutores, de acordo com a finalidade a que se destinam, ou mesmo, recorrendo qumica de sntese, conceber e sintetizar molculas ou sistemas moleculares ("engenharia molecular") que possam realizar funes especficas (por exemplo switching ou reteno de informao por efeitos de memria). Os modelos de Drude e de Sommerfeld para os metais constituem os pilares da fsica do estado slido e os seus conceitos bsicos so ainda hoje utilizados. Consistem em considerar que os electres de valncia do metal formam um gs de electres livres e independentes, estando apenas sujeitos a colises. O modelo de Sommerfeld introduz o princpio de excluso de Pauli e faz uso da estatstica de Fermi-Dirac, enquanto que o modelo de Drude se baseia na estatstica de Boltzmann, tal como a teoria cintica dos gases perfeitos. Ao modelo de Sommerfeld chama-se tambm modelo do electro livre ou do gs de Fermi. A noo de potencial peridico associado estrutura cristalina constituiu um conceito de grande importncia. A constatao de que os slidos cristalinos eram constitudos por estruturas peridicas de tomos levou introduo de funes de onda (Bloch, 1928), que refletem a simetria translacional da rede cristalina, e permitem a formulao de teorias mais realistas. O formalismo actual contem ainda as ideias desenvolvidas, na mesma altura, por Hartree e Hartre-Fock, para os tomos polielectrnicos, chamadas aproximaes do campo autocoerente. Todos estes modelos so, no entanto, modelos monoelectrnicos, isto , descrevem sistemas com grandes nmeros de electres, como se eles fossem independentes, embora introduzindo correces que do conta das interaces entre eles.

2. OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA2.1. O GS DE ELECTRES SEM INTERACES A aproximao mais simples para a descrio do gs de electres consiste em desprezar todas as interaces as interaces de Coulomb entre electres e a interaco dos electres com o fundo de carga positiva. Cada electro ento independente dos outros e est apenas sujeito a foras derivadas de campos exteriores. Apesar da sua simplicidade, este modelo explica muitos fenmenos. Vamos agora discutir os valores prprios e as funes prprias do gs de electres sem interaces e a distribuio das energias dos electres no estado fundamental e nos estados excitados. 2.1.1. Teoria de Sommerfeld para os metais Gs de Fermi Ideias bsicas Em 1928, Sommerfeld introduziu o princpio de excluso de Pauli e a estatstica de Fermi-Dirac no modelo de Drude. Em consequncia, a velocidade mdia dos electres num metal (da ordem de 107 cm s-1 na teoria de Drude) substituda pela velocidade de Fermi, que da ordem de 108 cm s-1. O calor especfico reduzido de um factor de cerca de 100, em excelente concordncia com os valores experimentais. No tempo de Drude, a distribuio de velocidades, tal como a de um gs perfeito, era dada pela distribuio de Maxwell-Boltzmann. Alm de outras consequncias, isso implica que a contribuio de cada electro para o calor especfico seja 3/2 kB, o que no verdade. A contribuio dos electres livres para o calor especifico cem vezes menor do que seria de esperar pela teoria de Drude. Este paradoxo permaneceu por um quarto de sculo e s foi ultrapassado pela mecnica quntica, quando se reconheceu que, para electres, a distribuio de Maxwell-Boltzmann deve ser substituda pela distribuio de Fermi-Dirac:

f (v) =

( m / )343

1/2 mv 2 kB T0 / kB T e

(

1

)

( = h / 2 )

(2.1)

+1(n = densidade electrnica) e da

Nesta distribuio, To determinado pela condio n =dv f(v)

ordem das dezenas de milhar de Kelvin. Para temperaturas da ordem de 1000 K, ou inferiores, as duas distribuies so espectacularmente diferentes. Tendo estes factos em considerao, Sommerfeld aplicou a distribuio de Fermi-Dirac ao gs de electres num metal. Tomou, como estado fundamental, (T = 0), os nveis de energia obtidos pela resoluo da equao de Schrdinger para a partcula (livre) numa caixa, preenchendo-os sucessivamente, de acordo com o princpio de excluso de Pauli (2 electres por nvel). Estado fundamental do gs de Fermi Se desprezarmos todos os termos relativos s interaces, no hamiltoniano electrnico, He, podemos escrever a equao de Schrdinger para um electro numa caixa tridimensional de dimenses axbxc

2 2 = E 2m j

(2.2)________________________________________________

L. Alcacer, 2009-02-25

2. OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA 22 _______________________________________________________________________________________ As funes de onda so combinaes de funes de onda monoelectrnicas sob a forma de produtos ou determinantes de Slater. Uma vez que o spin no est includo neste hamiltoniano no relativista, podemos escrever as funes de onda como o produto de funes de onda espaciais, j(r) e de uma componente de spin. Se exprimirmos a energia E como a soma das energias monoelectrnicas, Ej , ento a equao de Schrdinger (2.2) pode ser separada em equaes monoelectrnicas

- 2m 2 j(r) = Ej j(r) jnas quais s aparecem as funes de onda espaciais.

2

(2.3)

Uma vez que foram desprezadas todas as interaces, podemos obter o estado fundamental de N electres livres e independentes, confinados a um volume, V, pelo preenchimento sucessivo dos nveis de energia, que constituem a soluo da equao de Schrdinger independente do tempo (2.3), numa caixa de volume V = Lx x Ly x Lz : A resoluo desta equao conduz a funes de onda da forma:

(r) = V -1/2 e i k.rem que V -1/2 o factor de normao, obtido a partir da condio * dr =1, V

(2.4)

A equao (2.4) pode separar-se nas suas componentes em x, y, e z:

(r) =

1 V 1/2

eik.r =

1 L1/2 x

eikx x

1 L1/2 y

e

iky y

1 L1/2 z

eikz z

tendo k as componentes (kx, ky, kz) e r as componentes (x, y, z). Note-se que k = p/ = mv 2 , sendo |k| = k = , em que o comprimento de onda1. nx, ny, nz inteiros (1, 2, 3,...)

kx =

n y n nx , ky = , kz = z ; Lz Ly Lx

Os valores possveis da energia que satisfazem a equao de Schrdinger so dados pela expresso:

k =

2k 2 2m

(2.5)

ou, separando as componentes2,E k x k y kz = 2 2 2 2 k x + k y + kz 2m

(

)

podendo k ser considerado o nmero quntico, associado a cada nvel.

1

Recorde-se a relao de de Broglie: p = mv =2 2 2 2

h

2

Note-se que k = k x + k y + kz (teorema de Pitgoras)

2. OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA 23 _______________________________________________________________________________________

Condies fronteiras de Born-von Karmann A escolha das condies fronteiras, quando pretendemos tratar de problemas que dizem respeito s propriedades do slido sem relao com efeitos de superfcie, so escolhidas de acordo com convenincias de ordem matemtica. Pode, por exemplo, supor-se o metal um cubo de aresta L = V1/3. Temos ento, de impor equao de Schrdinger, condies aos limites, que confinem o electro ao referido cubo. Uma possibilidade ser a de impor que a funo de onda, (r), seja nula nas superfcies do cubo, i.e.: (0)=0, (x+L) = (y+L) = (z+L) = 0. Estas condies introduzem a quantificao dos nveis de energia permitidos, mas no so aplicveis realidade fsica de um metal, na medida em que, as funes de onda correspondem a ondas estacionrias (da forma seno e co-seno) e por conseguinte no podem transportar corrente. Uma alternativa consistiria em admitir que o metal tinha dimenses infinitas. Mais pragmtico, porm, abolir, pura e simplesmente, as condies fronteiras. Isso consegue fazer-se, imaginando que cada face do cubo se liga face oposta, de tal modo que um electro que, caminhando no interior do metal, chegue superfcie, reentra de novo no metal, num ponto correspondente da superfcie oposta. Esta topologia no fcil de visualizar, a no ser a uma dimenso. A uma dimenso, estas condies fronteiras implicam simplesmente: (x+L) = (x). Generalizando para trs dimenses, obtm-se as condies fronteira cclicas de Born-von Karmann:

(x+L,y,z) = (x,y,z) (x,y+L,z) = (x,y,z) (x,y,z+L) = (x,y,z)Impondo estas condies s solues (2.4) conclui-se que as componentes kx, ky, kz tem de satisfazer as seguintes relaes: (2.6)

e i (kx L) = 1 = e i 2 nxou seja: kx = 2 n ; L x ky = 2 n ; L y kz =

e i (ky L) = 1 = e i 2 ny2 n L z

e i (kz L) = 1 = e i 2 nz

sendo

nx ,ny ,nz inteiros

(2.7)

Num espao tridimensional de eixos cartesianos kx , ky , kz (espao dos momentos ou espao dos k, ou ainda, espao recproco, pelo facto de ter dimenses "comprimento-1 ") os vectores de onda (vectores k) 2 permitidos so definidos pelos pontos cujas coordenadas so mltiplos de . Para uma mais fcil L visualizao, representa-se na Fig.2.1, um conjunto desses pontos, num espao a duas dimenses. O volume

( 2 ) . 2 no espao dos k, tridimensional, ocupado por cada estado permitido Vk = = L V3 3

ky a) b) kx2! L 2! L

Fig. 2.1. a) Pontos num espao dos k akz

duas dimenses. b) Volume no espao dos k (espao recproco), tridimensional, ocupado por cada estado permitido,ky3 ( 2 ) 2 Vk = = L V 3

2! L

kx

2! L

2. OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA 24 _______________________________________________________________________________________

O nmero de estados permitidos, por unidade de volume no espao dos k, tambm chamada a densidade de estados no espao dos k, 3 D(k) = dN dN V = = dk d3k (2)3 (2.8)

Partindo do princpio que os electres so livres e independentes (no interactuam uns com os outros, nem com os ncleos), podemos obter o estado fundamental (T = 0) do gs de N electres, preenchendo sucessivamente, os nveis de energia, comeando pelo nvel definido por k = 0 e colocando 2 electres por nvel, at esgotar todos os electres. O ltimo nvel preenchido designa-se por nvel de Fermi, de energia EF (energia de Fermi) e vector de onda kF (vector de onda de Fermi). EF determinado pelo requisito de que, a T = 0 K, todos os nveis com energia abaixo de EF sejam completamente preenchidos com o nmero total de electres. Note-se que num metal real, existem da ordem de 1022 electres por cm3. Atendendo ao princpio de excluso de Pauli, e ao modo de preenchimento dos nveis com os electres, ser necessrio considerar um nmero de nveis dessa mesma ordem de grandeza, implicando que as energias Ek, constituem um quasecontnuo, podendo escrever-se, para efeitos de clculo, Ek = E(k) como uma funo contnua de k. No devemos, no entanto, esquecer que k discreto. Uma vez que N muito grande, o volume do espao dos k, ocupado, ser essencialmente uma esfera, de 2 m EF raio kF = (Fig.2.2). A superfcie, no espao dos k, que separa os estados ocupados dos estados 2 vazios, designa-se por superfcie de Fermi. A sua rea 4kF2.

Fig.2.2. a) Representao da funo E(k) e da energia de Fermi, EF. Notar que N electres ocupam N/2 nveis (dois electres por nvel princpio de excluso de Pauli). b) Representao da esfera de Fermi, de raio kF, delimitada pela superfcie de Fermi, SF , de rea 4kF2.

Densidade electrnica A densidade electrnica, j definida anteriormente, no modelo de Drude, pode agora relacionar-se com 4 kF. Os n electres por unidade de volume, (p. ex. m-3, cm-3 ou tomo, V0 = r3 ) ocupam, no espao o 3 recproco, o volume da esfera de Fermi, de raio kF. Temos ento: 2 ( k3 F V

) (2)3 = n V

3

Os smbolos a carregado representam vectores. O vector k tridimensional e portanto d3k = dk

2. OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA 25 _______________________________________________________________________________________ O primeiro factor o nmero de electres em cada estado, o segundo factor o volume da esfera de Fermi e o terceiro dN/d3k. O segundo membro da equao o nmero total de electres kF = (3 2 n )1/3 Podemos tambm relacionar kF com o raio metlico, ro, fazendo n = (2.9)

Z Z = V0 4 r 3 0 3(2.10)

9 Z r0 = 4

1/ 3

/ kF

Neste modelo, portanto muito simples calcular qualquer dos parmetros, desde que seja por exemplo, conhecida a massa especfica (densidade) e o peso atmico. Os valores de kF e r0 esto tabelados para todos os metais simples. Por ajustamento adequado dos parmetros, possvel ter uma descrio coerente com os valores experimentais das observveis bem definidas, nomeadamente n. Densidade de estados Chama-se densidade de estados, D(E), ao nmero de estados por unidade de energia e por unidade de volume. O seu clculo pode fazer-se, atendendo a que D(E) = O valor de dN dN d3k = dE d3k dE (d3k = dk ) (2.11)

dN V a densidade de estados4 no espao dos k e igual a . Para obter uma expresso geral (2)3 d 3k

para D(E), conveniente considerar o elemento de volume no espao dos k, d3k, como o produto de um integral de superfcie, superfcie, (Fig. 2.3): d3k = dk =

dS, ao longo da superfcie de energia constante, S(E), pelo diferencial dk, normal S(E)

dS dkS(E)!

(2.12)

k

!3k=dS.dk S(E)

Fig.2.3. Elemento de volume d3k na superfcie de energia constante, S(E).

d 3 k = d k = "!dS!dkS(E)

Deste modo, e atendendo a que o gradiente em k, de E(k), kE(k), um vector normal superfcie, podemos escrever: V (2)3

D(E) =

S(E)

dS dk = V dS dE (2)3 | k E |S(E)

(2.13)

4

A uma dimenso seria D(E) =

dN dN dk L ; e a densidade de estados no espao dos k igual a . = dE dk dE 2

2. OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA 26 _______________________________________________________________________________________ Nesta expresso, aparece o mdulo de kE(k), para ter em conta que a densidade de estados tem necessariamente um valor positivo. Introduzindo o factor 2, uma vez que cada estado contm 2 estados de spin, obtm-se: V dS (2)3 | k E | S(E)

D(E) = 2

(2.14)

Esta expresso geral para qualquer E(k), mesmo que a superfcie de Fermi no seja esfrica. No modelo do gs de Fermi, o integral k=

dS = 4k2. S(E)

2k dE Calculando kE = = e fazendo dk m

2mE , obtm-se para a densidade de estados: 2 D(E) = 2 V 4k2 V m Vm = 2 2 k = 2 2 (2)3 dE dk 2mE 2 (2.15)

Se fizermos V = 1, obtemos o nmero de estados por unidade de energia e por unidade de volume: D(E) = m 2 2 2mE 2 (2.16) 4 3 r , em que r0 o raio metlico, 3 0

ainda usual tomar, como unidade de volume, o volume atmico, V0 = definido anteriormente. Obtm-se, ento, depois de um rearranjo:

D (E) =

1 3

2 2mr0 2

3/2

E1/2

(2.17)

que representa o nmero de estados por unidade de energia e por tomo4 . , por vezes, til conhecer a densidade de estados na vizinhana do nvel de Fermi, em termos de kF ou de E F: D(EF) = m kF 2 2 D(EF) = 3 n 2 EF (2.18)

expresses que se podem obter facilmente, recorrendo s relaes (2.9) e (2.15).

Velocidade de Fermi mv , pode, calcular-se a velocidade de Fermi, vF = kF , que, para os m valores de n tpicos dos metais, da ordem de 108 cm s-1. Recorrendo definio k = p/ =

As unidades usuais so o eV (1 eV = 1.60219 x10-19 J ) para a energia, o ( 1 = 10-10 m), para a unidade de comprimento e o volume do tomo para unidade de volume.4

2. OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA 27 _______________________________________________________________________________________

Energia cintica mdia por electro A energia cintica mdia por electro ser dada pela expresso:kF 0

dk E(k) =

dk 2 k2 2m =0

kF

dk 0

kF

dk 0

kF

=

2 2 3 kF 3 = EF 5 2m 5

(2.19)

valor que contrasta com o valor da teoria de Drude, na qual < E > =

1 3 m = kBT. Notar que a T = 0 K, 2 2

o valor previsto por Drude seria zero, enquanto que no modelo de Sommerfeld o valor bastante grande, cerca de 100 vezes o valor de Drude para a temperatura ambiente. 2.1.2. Propriedades termodinmicas do gs de Fermi Distribuio de Fermi-Dirac Como j vimos, Sommerfeld reconheceu que a distribuio de Maxwell-Boltzmann, no era adequada ao estudo do gs de electres para T > 0 K (estados excitados), visto no ter em conta o princpio de excluso de Pauli, devendo ser substituda pela distribuio de Fermi-Dirac (Fig. 2.6):f (E) = 1 ( E ) / kB T 1+ e

(2.20)

na qual o potencial qumico (energia de Fermi termodinmica), definido como a energia livre de Helmholtz de um electro que fosse adicionado a um conjunto de N electres, = FN+1-FN (F = U - TS; U = energia interna, S = entropia).f(E) 1 T=0 T>0 E "E F! !E " k BT

Fig. 2.6. Funo de distribuio de Fermi-Dirac para T = 0 e para T > 0. Para T > 0 a distribuio difere do caso T=0 porque alguns electres, imediatamente abaixo de EF (regio mais sombreada), foram excitados para nveis imediatamente acima de EF (regio menos sombreada).

Note-se que quando T

0 (2.21)

lim T 0 f ( E ) = 1,para E < limT 0 f ( E ) = 0,para E > pelo que, por definio de nvel de Fermi, como ltimo nvel preenchido a T = 0 K, vem:

limT 0 = 0 = EF

(2.22)

Demonstra-se adiante, que mesmo a temperaturas da ordem da ambiente, difere de EF em apenas cerca de 0.01 %, podendo quase sempre fazer-se a aproximaof (E) = 1 ( E EF ) / k B T 1+ e

(2.23)

2. OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA 28 _______________________________________________________________________________________

Aplicaes da distribuio de Fermi-Dirac O clculo das propriedades dos slidos envolve normalmente o clculo da densidade electrnica, n = e da densidade de energia electrnica, u = U (U = energia interna total), que so dados pelas expresses: V (2.24) N , V

n=

+

D ( E ) f ( E )dE

u=

+

D ( E ) f ( E )EdE

(2.25)

em que D(E) a densidade de estados e f (E) distribuio de Fermi-Dirac, Fig. 2.5.

Fig. 2.5.Representao grfica do produto de f (E)D(E) em funo de E, para T = 0 e para T > 0. A sombreado, esto representados os respectivos integrais.

Devido forma da distribuio de Fermi-Dirac, estes integrais so complicados, mesmo que tenhamos uma expresso analtica para a densidade de estados. Contudo, a energia kBT ser pequena comparada com todas as outras energias de interesse, sendo assim possvel obter expresses aproximadas por expanso em srie de Taylor, em funo da temperatura. De facto, os integrais do tipo I =g(E)f(E)dE , em que g(E) uma funo da energia, E, podem ser

expandidos sob a forma (ver apndice C) I = g (E) f (E) dE G() + com G()= g(E)dE ; - G"()= g (E )E= (2.27) 2 (k T) 2 G"() + ... 6 B (2.26)

na qual retivemos apenas os dois primeiros termos, que so suficientes para a maior parte dos problemas. Esta expanso tem o nome de expanso de Sommerfeld. Variao do potencial qumico com a temperatura Vamos primeiramente ver como varia o potencial qumico, , com a temperatura. Isso v-se fazendo com que a densidade electrnica, n, permanea constante quando T varia. Escrevemos o integral correspondente a n e expande-se em ordem a T. Neste caso g(E)=D(E), que a densidade de estados por unidade de energia e por unidade de volume. Teremos

2. OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA 29 _______________________________________________________________________________________ 2 (k T) 2 G"() 6 B

n =D(E) f (E) dE = G() +

(2.28)

Agora a energia de Fermi difere do seu valor ao zero absoluto, o, por um termo de segunda ordem em T, como veremos. Podemos, ento, escrever G() = G(o) + G'(o) ( - o) +..., e n = G(o) + G'(o)(-o)+ 2 (k T) 2 G"() 6 B (2.29)

O primeiro termo igual densidade electrnica ao zero absoluto que por sua vez igual a n, i.e., G(o)=n. Podemos portanto resolver a equao (2.29) em ordem a , (e fazendo o) de modo a obter o resultado de segunda ordem em T. = o 2 G"(o) 2 (kBT)2 = o 6 G'(o) 6 D'(o) (k T)2 D(o) B (2.30)

que para electres livres (equao 2.18), e atendendo a que o=EF, d = EF 1 -

[

1 3

k ( 2E T ) 2 ]B F

(2.31)

Poderia assim verifica-se, como dissemos, que difere de EF em apenas cerca de 0.01%, mesmo temperatura ambiente, devido contribuio em T 2. Densidade energtica do gs de Fermi De modo semelhante, podemos calcular a densidade energtica: u = D(E) f(E) E dE = G() + 2 G"() (kBT)2 +... 6 (2.32)

podendo expandir-se G() = G(o) + G'(o) ( - o) + ... Neste caso, G() = D(E) E dE , dando portanto, quando se faz o= EF - u = uo + 2 (kBT) 2 D(EF) 6 (2.33)

Calor especfico do gs de Fermi Podemos agora obter o calor especfico electrnico, que a derivada da energia electrnica em ordem a T e que pode ser calculado directamente, retendo apenas os termos de menor ordem em T e fazendo como anteriormente o= EF . Cv = du 2 = D(EF) kB2 T dT 3 (2.34)

que o resultado procurado. Note-se que s retivemos termos de primeira ordem em kBT e no resultado no h necessidade de distinguir entre e o= EF.

2. OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA 30 _______________________________________________________________________________________ No modelo do gs de Fermi, teremos, atendendo expresso da densidade de estados (expresso 2.18): Cv = 2 k BT n kB 2 EF n = densidade electrnica (2.35)

Nos metais simples, a densidade de estados da ordem de 1/EF e cada derivada de D(E) contem um factor adicional da ordem de 1/EF . Assim o nosso termo de expanso foi kBT/EF , que da ordem de 1/200. Note-se, em primeiro lugar (expresso 2.34), que a contribuio electrnica para o calor especfico directamente proporcional densidade de estados na vizinhana do nvel de Fermi. Em segundo lugar, notese que essa contribuio linear com a temperatura e portanto tende para zero quando T 0. Note-se ainda que o calor especfico electrnico da ordem de kBT multiplicado pela densidade de estados, tudo multiplicado pelo valor clssico por electro. Fisicamente, isto significa que o calor especfico electrnico envolve apenas os electres com energias da ordem de kBT relativamente energia de Fermi. Os electres com energias muito abaixo do nvel de Fermi esto impedidos de ser excitados porque os estados vizinhos esto ocupados. Verifica-se ainda que a contribuio electrnica para o calor especfico muito pequena comparada com o valor da contribuio das vibraes da rede cristalina, como veremos. No entanto, a muito baixas temperaturas a contribuio electrnica dominante, uma vez que como veremos, o calor especfico da rede varia com T3 . A expresso (2.34) permite-nos calcular a densidade de estados no nvel de Fermi a partir de resultados experimentais do calor especfico a muito baixas temperaturas. Esta densidade de estados no nvel de Fermi de grande importncia para a compreenso de muitas das propriedades dos metais.

Cv

Total

Termo linear

0

T

Fig. 2.6. Calor especfico de um metal. O calor especfico total contem tambm a contribuio devida s vibraes dos tomos em torno das posies de equilbrio. Para um metal como o nquel, que tem um calor especfico electrnico elevado devido contribuio dos nveis d para a densidade de estados no nvel de Fermi, a gama de temperaturas representada na figura da ordem de 20 K.

Livre percurso mdio A Fig. 2.5 pode ser utilizada para fazer uma estimativa qualitativa da dependncia da energia cintica do gs de Fermi com a temperatura. H uma transferncia de alguns electres junto e abaixo do nvel de Fermi de cerca de kBT para cima do nvel de Fermi. Uma vez que o nmero de electres que transferido da ordem de kB T D(EF), a variao de energia kB2 T2 D(EF). Esta estimativa difere da avaliao rigorosa feita acima de um factor 2/6. Os electres longe do nvel de Fermi no so afectados porque no existem estados vazios que possam ocupar. Quando uma fora aplicada ao gs de electres, a esfera de Fermi vai deslocar-se como indicado na Fig. 2.7 at atingir um estado estacionrio em que a fora aplicada e as colises se equilibram dinamicamente. Por razes que sero claras quando estudarmos a equao de Boltzmann, apenas os electres junto superfcie de Fermi so acelerados (uma vez que existem estados disponveis para estes electres aumentarem a sua energia cintica) e sofrem colises. Por isso, no clculo do livre percurso mdio, deve agora utilizar-se a velocidade de Fermi, vF.

2. OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA 31 _______________________________________________________________________________________vD

a)

f (v)

b)f (v)

c)

ky

kx v vs v

Fig. 2.7. a) Distribuio de velocidades utilizando e estatstica de Maxwell-Boltzmann para v = 0 e v = vD. b) Distribuio de velocidades utilizando a estatstica de Fermi, e c)correspondente imagem no espao dos momentos.

Como vimos atrs, Sommerfeld alterou o modelo de Drude, substituindo a distribuio de velocidades de Boltzmann pela distribuio de Fermi-Dirac. Esta substituio necessita de alguns comentrios. possvel descrever o movimento de um electro classicamente se a sua posio e momento puderem ser especificados to rigorosamente quanto for necessrio. Por outro lado, a utilizao da distribuio de Fermi-Dirac, derivada usando mecnica quntica, implica que o princpio de incerteza de Heisenberg no seja violado. Uma vez que um electro num metal tem um momento da ordem de kF, ento a incerteza do momento deve ser pequena comparada com kF para uma descrio clssica ser possvel. Uma vez que kF da ordem de 1/ro, do princpio de incerteza resulta que x deve ser pelo menos da ordem de ro, isto , da ordem de uma distncia intermolecular. Em concluso, uma descrio clssica falha se os electres estiverem localizados em distncias da ordem do . Em muitos casos, no necessrio especificar a posio do electro com uma preciso da ordem do . Deste modo, o modelo de Drude assume o conhecimento da posio dum electro quando, quer os campos electromagticos ou gradientes de temperatura aplicados, variem significativamente, apenas para distncias maiores do que cerca de 100 . Implicitamente, preciso que o livre percurso mdio seja maior do que cerca de 100 . O livre percurso mdio pode ser avaliado atravs de l = vF > 100 , se considerarmos que s os electres na vizinhana de EF sofrem colises. Condutividade trmica e poder termoelctrico possvel calcular valores corrigidos para a Condutividade trmica e poder termoelctrico se substituirmos, nas frmulas deduzidas para o modelo de Drude, quer o calor especfico quer a velocidade pelas estimativas do modelo de Sommerfeld. A condutividade trmica continua a ser da mesma forma mas com v, substitudo por vF 1 = v F2 C v 3 (2.36)

Uma vez que o calor especfico calculado utilizando a estatstica de Fermi-Dirac mais pequeno do que o estimado classicamente por Drude de um factor da ordem de kBT/EF, e que a estimativa de Sommerfeld para v2 mais elevada do que o valor clssico de um factor da ordem de EF/kBT, possvel reescrever a lei de Wiedermann-Franz, eliminando : A lei de Wiedermann-Franz continua a verificar-se, sob a forma:

2 kB = 3 e

( )2 T

(2.37)

Verifica-se que obtemos o valor obtido fortuitamente por Drude, devido compensao de duas correces da ordem de EF/kBT.

2. OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA 32 _______________________________________________________________________________________ O poder termoelctrico, pode agora ser derivado introduzindo o calor especfico de Sommerfeld: S=2 6 e

(kE T )B F

(2.38)

O valor obtido mais pequeno do que a estimativa de Drude de um factor da ordem de kBT/EF, cerca de 0.01 temperatura ambiente. De notar que as alteraes feitas pelo modelo de Sommerfeld ao modelo clssico de Drude apenas afectam as grandezas em cujo clculo entrava a forma da distribuio das velocidades. No caso de mantermos a aproximao de tempos de relaxao independentes da temperatura, as estimativas de Drude para a condutividade a.c, d.c., coeficiente de Hall, magnetorresistncia no sofrem alterao com a introduo da distribuio de Fermi-Dirac. 2.1.3. Estados Excitados do Gs de Fermi Representao do nmero de ocupao No modelo do gs de Fermi, no qual se ignoram todas as interaces, nomeadamente as interaces electroelectro e electro-io, podemos resolver a equao de Schrdinger (eq. 2.3) para um electro, obtendo-se as solues k(r) (eq. 2.4). Como vimos, o estado fundamental do gs de Fermi, de N electres, obtm-se preenchendo todos os nveis, com dois electres cada, at ao nvel de Fermi, EF, Fig. 2.8.a1. Os vrios estados excitados obtm-se removendo electres de estados abaixo do nvel de Fermi e colocandoos em estados acima do nvel de Fermi, como se mostra na Fig. 2.8.a2. Em vez de nos preocuparmos com todos os electres do sistema, que num caso real sero da ordem de 1020, incluindo os que foram transferidos, podemos preocupar-nos apenas com aqueles que foram transferidos, e com os estados vazios que eles deixaram. No caso em que desprezamos todas as interaces, este ponto de vista perfeitamente correcto. Aos estados que ficaram vazios chamamos buracos. Baseados neste ponto de vista, podemos construir um formalismo, a que chamamos, para j, descrio ou representao electroburaco ou do nmero de ocupao. A Fig. 2.8.b mostra, em esquema, como poderemos representar o estado fundamental e um estado excitado. Nessa representao, o estado fundamental a ausncia de partculas ou vcuo de Fermi, e o estado excitado, representado na Fig. 2.8.b2, tem um electro e um buraco, ou um par electro-buraco. Os electres s existem acima do nvel de Fermi, e correspondem a estados excitados. Os buracos s existem abaixo do nvel de Fermi. Deste modo s temos que ter em conta as mudanas relativamente ao estado fundamental. Interpretamos o buraco como uma quase-partcula, cujas propriedades sero caracterizadas em detalhe mais adiante.#k #k !E

$k $k "

EF

EF#k"

EF

EF#k"

a1 ) Estado fundamental

a2 ) Estado excitado !E=E k-E k "

b1 ) Estado fundamental (vcuo )

b2 ) Estado excitado !E=$ k+|$ k " |

a) Representao normal

b) Representao electro-buraco

Fig. 2.8. a) Representao normal do estado fundamental e de um estado excitado do gs de Fermi. b) Representao segundo a descrio do nmero de ocupao.

Uma vez que um buraco no estado ko corresponde realmente remoo de um electro do sistema, a criao do buraco corresponde remoo de uma energia ko. A energia do buraco portanto negativa:

2. OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA 33 _______________________________________________________________________________________

ko = - koMas para criar o buraco tenho de despender ko tenho que gastar essa energia para remover o electro. A forma da funo de onda do buraco , no entanto, a mesma que a da funo de onda do electro que foi removido. Em termos do espao dos kk, no estado fundamental do gs de Fermi, todos os estados esto preenchidos at kF. Por outras palavras, a esfera de Fermi est completamente cheia com electres. Devido simetria esfrica, o gs de Fermi no estado fundamental, tem momento resultante nulo,

b

k = 0 . De

facto, uma vez

que a energia proporcional a k2, cada nvel de energia tem degenerescncia 2, correspondendo aos valores k e -k. O spin total do gs de Fermi, no estado fundamental, tambm nulo, uma vez que para cada valor de k existem dois estados de spin, ms = +1/2 e ms = -1/2, ou, de um modo mais geral, e -. Se fornecermos energia e momento ao sistema, obtm-se estados excitados. Alguns electres so transferidos para fora da esfera de Fermi, Fig. 2.9. Se o estado inicial de um electro que transferido for ko e o estado final for k, o momento necessrio para que se d a transio k = (k-ko). O momento fornecido ao sistema pode ser tambm obtido pela soma do momento do electro no estado final, k, com o momento do buraco, -ko.kF kF-k o k

Estado fundamental

Estado excitado

Fig.2.9. No estado excitado, alguns electres saem para fora da esfera de Fermi

Como vimos atrs, podemos, ento, considerar o estado fundamental do gs de Fermi como o estado designado por vcuo , ignorando nesta descrio todos os electres da esfera de Fermi totalmente preenchida. Uma excitao resulta na criao de um electro fora da esfera de Fermi e de um buraco (estado no ocupado) dentro da esfera de Fermi. Este buraco pode ser considerado uma quase-partcula. O balano energtico do processo de excitao conduz-nos a um formalismo apropriado descrio deste conceito. A energia de excitao dada porE = E E0 = E(k)nk k

k < kF

E(k)

E(k) =

2 k2 2m

(2.39)

em que nk toma os valores 0 se o estado no ficar ocupado e o valor 1 se o estado for ocupado o nmero de ocupao . Daqui resulta que no contamos estados vazios (ocupados por buracos). k o ndice associado ao momento ou vector de onda (ou nmero de onda) e o spin. A primeira parcela da direita a soma das energias de todos os estados ocupados dentro e fora da esfera de Fermi. A segunda parcela corresponde a Eo, que o valor da energia da esfera de Fermi completamente cheia, ou seja, a energia do estado fundamental ou vcuo. fcil verificar que, atravs de um rearranjo da expresso acima, se obtm E como a soma das energias dos electres acima do nvel de Fermi e dos buracos abaixo do nvel de Fermi. O balano do momento p d-nos, analogamente,

2. OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA 34 _______________________________________________________________________________________

P = k nk = k nk +

k= 1 e - i k . r V j=N v(r-rj)

v(r-rj)

(N=n de tomos no cristal)

(2.86)

eik . r d

(V=volume do cristal, d=d3r)

(2.87)

j=1 Trocando a ordem do somatrio pelo integral e multiplicando e dividindo cada termo por ei( k ' - k ) . r j e se considerarmos ainda que o volume do cristal o nmero de clulas, Nc, vezes o volume da clula, Vc, (V=NcVc), vem . Um electro de Bloch representado por uma onda plana modulada pela periodicidade da rede.

|k >

Condies Fronteiras de Born-von Karman Comecemos por examinar quais so os valores de k permitidos. Imaginemos uma rede cristalina unidimensional com N clulas primitivas (p. ex. uma cadeia linear de tomos) de parmetro de rede a (Fig.2.40). Suponhamos que, num dado instante, o movimento de um electro, nessa reede, descrito por uma funo do tipo

6 7

F. Bloch, Z. Physik, 52, 555 (1928). O ndice n aparece, porque para um dado k, h muitas solues da equao de Schrdinger, como veremos

2. OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA f(x) = fo ei( k . x ) (fo = amplitude da onda; = comprimento de onda =1 a x=0 2 3

64

_______________________________________________________________________________________ (2.95) 2 ) kN x=Na x

0 -!/a

k !/a

Fig. 2.40. Rede cristalina unidimensional com N clulas primitivas (um tomo por clula) e onda que se propaga nessa rede. direita est representada a primeira zona de Brillouin, cujos limites so os planos que cortam o eixo kx a - / a e / a .

A funo f(x) est sujeita s condies aos limites de Born-von Karman - condies de ciclicidade ou seja

eik . xpelo que

=

eik . ( x + N a )

(2.96) k= 2 m , Na

e i kNa

= 1 , o que implica que kNa seja um mltiplo de 2, i. e. kNa =2m, ou

sendo m um nmero inteiro (positivo ou negativo e incluindo zero) 8. O maior comprimento de onda compatvel com esta rede ser = Na, sendo portanto o vector de onda de menor mdulo no nulo9, 2 k= (i.e.m=1) . Por outro lado, os valores de | m | >N/2 so redundantes10, pelo que os valores de k ficam Na circunscritos ao intervalo [- , + ]. Ora este intervalo nem mais nem menos do que a primeira zona de a a N N Brillouin a uma dimenso. Os valores de m so nmeros inteiros (zero includo) no intervalo [ , ]. 2 2 Quer isto dizer que os vectores de onda se circunscrevem primeira zona de Brillouin e que os seus 2 m m 2 ^ valores so da forma k = ou k = g (g1= x ). Na N 1 , a Esta ideia pode generalizar-se ao caso de uma rede cristalina tridimensional, pelo que se pode concluir que os vectores de onda independentes, numa rede cristalina tridimensional, se circunscrevem primeira zona de Brillouin e so da forma

8

Atendendo a que k o vector de onda, interessa considerar valores de k negativos os quais representam ondas que se deslocam no sentido negativo do eixo dos xx.9

Se k=0, a amplitude da onda seria constante em qualquer posio no cristal.

10

O intervalo [- , + ] cobre todos os valores independentes da funo f(x). Se tomarmos como valor mximo do 2 m Na argumento de f(x), o valor k'x = , e atendendo a que k = , vem para o valor mximo de m, m'= . Podemos Na 2x N escrever x em termos de a, sob a forma x=x'a, pelo que m'= . Se atendermos a que m' tem que ser inteiro, o maior 2x' N valor de m' corresponder a x'=1 se N fr par, sendo ento o maior valor de m possvel, m'= . Como num cristal real N 2 um nmero grande (pelo menos da ordem de 108, num cristal real a uma dimenso), irrelevante se N par ou mpar, pois o maior valor possvel de m, m', ser sempre aproximadamente igual a N . 2

2. OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA

65

_______________________________________________________________________________________ k= m1 m2 m3 g + g + g N1 1 N2 2 N3 3 (2.97)

sendo g1 , g2 , g3 os vectores base da rede recproca e m 1 , m 2 , m 3 so nmeros inteiros (zero includo) no N N intervalo [ , ]. A primeira zona de Brillouin (ou simplesmente zona de Brillouin) conter N estados 2 2 (N=nmero de clulas primitivas), cada um dos quais ocupar um volume no espao recproco k=3k= 1 1 1 1 g .( g x g )= g .(g xg ) N1 1 N2 2 N3 3 N 1 2 3 . g1.( g2 x g3) o volume da clula primitiva do espao recproco. Atendendo definio de v-se que k = Teorema de Bloch Enunciado: As solues no degeneradas da equao de Schrdinger (2.92), nk( r ) , e as combinaes lineares adequadas das solues degeneradas so simultaneamente funes prprias do operador T (que representa as translaes da rede) com valores prprios ei(k.T). Por outras palavras, os estados prprios do Hamiltoniano H = (2)3 V ; (V=volume do cristal) (2.98) g1, g2, g3,

- 2m

2

2 + V(r) em que V(r+T)=V(r)

para todos os T pertencentes a uma rede de Bravais, podem ser escolhidos sob a forma do produto de uma onda plana por uma funo com a periodicidade da rede: nk( r ) = u n k (r) ei(k.r) u n k (r+T) = u n k (r) Note-se que as expresses (2.99) e (2.100), implicam que T . n k (r) = n k (r+T) = ei(k.T). n k (r) de acordo com o enunciado anterior. (2.101) (2.99) (2.100)

Demonstrao:Para cada translao T de uma rede de Bravais, define-se um operador linear e hermitiano T, que ao actuar sobre uma funo qualquer f(r), transforma o seu argumento em r+T , i.e.: Tf(r) = f(r+T ) Uma vez que o hamiltoniano, H, tem a periodicidade da rede de Bravais, teremos T H (r) = H(r+T ) (r+T) = H(r) (r+T) = H T(r) , pelo que TH = HT (2.103) (2.102)

Alm disso, a aplicao sucessiva de duas translaes no depende da ordem pela qual so aplicadas, uma vez que para qualquer (r) T T ( r ) = TT (r) = (r+T+T') e portanto (2.104)

2. OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA

66

_______________________________________________________________________________________ T T = TT (2.105)

Isto significa que o hamiltoniano H e os operadores T para todas as translaes da rede de Bravais, constituem um conjunto de operadores que comutam, e em consequncia, os estados prprios do hamiltoniano podem ser escolhidos de modo a serem simultaneamente estados prprios de todas as translaes. H (r) = E (r) T (r) = c(T) (r) (2.106) (2.107)

sendo c ( T ) os valores prprios de T, os quais esto relacionados uns com os outros, porque a condio ( 2 . 1 0 5 ) , por um lado, implica TT ( r ) = c ( T ) T ( r ) = c ( T ) c ( T') ( r ) e por outro lado, de acordo com ( 2 . 1 0 4 ) TT ( r ) = c ( T+T') ( r ) concluindo-se que os valores prprios dos operadores translao satisfazem a condio c ( T+T') = c ( T ) . c ( T') Se agora considerarmos uma rede de Bravais cbica, por exemplo, e uma translao, T ( r ) = ( r + n a ) = c n (a) ( r ) (2.110) T = na, teremos (2.111) (2.109) (2.108)

Se aplicarmos uma translao T=N1a , em que N1 seja o nmero total de clulas primitivas do cristal na direco de a, podemos satisfazer a condio aos limites, de Born-von Karman (condio de ciclicidade), se fizermos T ( r ) = ( r + N1 a) = c N1 ( a ) ( r ) = ( r ) pelo que c N1 ( a ) = 1 , ou sendo m1 inteiro. Se fizermos k= 2 m1 , ento os valores prprios dos operadores T so da forma a N1 c(a ) = N1 1 que da forma c(a ) = e 2i m1/N1 (2.112)

c(T) =

ei( k . T )

(2.113)

Note-se que 2/a o mdulo do vector base da rede recproca, g1, pelo que podemos escrever para a componente segundo a k= m1 g . N1 1 (2.114)

Generalizando para uma rede tridimensional qualquer, temos:

T (r) = (r + T) = ei ( k.T ) (r)com k= m1 m2 m3 g + g + g N1 1 N2 2 N3 3

(2.115)

(2.116)

2. OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA

67

_______________________________________________________________________________________ que equivalente ao enunciado do teorema de Bloch (expresso 2.101). Recorde-se que g1, g2, g3 so os vectores base da rede recproca; N1, N2, N3, o nmero de clulas primitivas segundo os trs eixos a, b, c, N N respectivamente; e m1, m2, m3 so nmeros inteiros do intervalo [, ]. 2 2 Demonstrao alternativa do teorema de Bloch: Se estivermos em presena de um potencial peridico, V(r)=V(r+T), possvel expandir o potencial em srie de Fourier, em termos dos vectores da rede recproca, V(r)= VG G em que VG = 1 Vc

ei( G . r )

(2.117)

V(r) e - i (G.r) d rclula

(2.118)

Uma vez que a energia potencial pode ser escolhida a menos de uma constante, podemos impr :

dr V(r) =0. celula Uma funo que satisfaz as condies fronteiras de Born-von Karman pode ser da forma (r) = cq e i q . r q (2.119)

* onde q satisfazem as propriedades de k (2.97). Para V(r) ser real, V- G =V . Vamos tambm assumir G * V(r)=V(-r), ou seja, simetria de inverso. Esta condio implica que V - G = VG = V ou seja, que G VG real. Substituindo (r) e V(r) na equao de Schrdinger, obtemos para o termo de enegia cintica 2 p2 2 (r) = (r) = 2m 2m e para o termo de energia potencial V=

q

2 2 q cq e i q . r 2m

(2.120)

( VG eiG . r ) ( cq e i q . r ) = Gq VG cq ei( G + q ) . r = G qVG cq'-G ei q ' . r (2.121)

=

Gq

Este ltimo passo foi dado fazendo q'=G+q. Mudando os ndices da soma q' para q e G para G' e fazendo (H-E)=0, obtemos

q

eiq.r

2 {( 2m q2 - E) cq + G VG' cq-G'} = 0

(2.122)

2. OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA

68

_______________________________________________________________________________________ Multiplicando por

e-i q.rVolume

, integrando em r sobre o volume do cristal, e substituindo q=k-G, de

modo que k esteja na primeira zona de Brillouin, e G o vector de onda apropriado para isso acontecer, obtemos, trocando os ndices G' e G'-G [ 2m (k-G) 2 - E ]ck-G + VG'-G ck-G' = 0 G 2 (2.123)

Esta a equao de Schrdinger no espao dos momentos para um sistema peridico. importante notar que esta equao envolve apenas k-G e no k-k, isto , temos uma equao separada para cada k na primeira zona de Brillouin, i.e., no total N equaes a resolver, uma para cada valor de k. interessante notar que, sabendo que k depende apenas de k, k-G, etc., i.e., outras frequncias especiais esto misturadas, mas apenas algumas em particular, ento podemos reescrever k = ck-G ei(k-G ) . r G ou seja k = (2.124)

eik.r G

ck-G e-iG . r =

eik.r uk(r)

(2.125)

em que uk(r) = uk(r+T) = ck-G e-iG . r . G que a forma de Bloch.

Em concluso, o teorema de Bloch mostra que os estados de um electro numa rede cristalina finita, podem ser descritos por funes de onda da forma nk( r ) = u n k (r) ei(k.r) Funes de Bloch (2.126)

em que u n k (r) tem a periodicidade da rede e k da forma k= m1 m2 m3 g1 + g2 + g N1 N2 N3 3 (2.127)

O nmero de estados k independentes igual ao nmero de clulas primitivas e esto todos contidos na primeira zona de Brillouin. Consideraes sobre o teorema de Bloch: 1. O teorema de Bloch introduz um vector de onda k, que tem um papel semelhante no problema de um electro num potencial peridico, ao do vector de onda do electro livre, da teoria de Sommerfeld. Note-se que embora o vector de onda de um electro livre seja simplesmente p/ , ( p = mv), no caso de estados definidos por funes de Bloch (electro num potencial peridico), k no proporcional a p. Isso deve-se ao facto de que os valores prprios do hamiltoniano no so simultaneamente valores prprios do operador

2. OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA momento. De facto, o operador momento, p= , actuando sobre k d :

69

_______________________________________________________________________________________

i

i

nk =

i

[ ei(k.r) u nk (r ) ]= k nk + ei(k.r)

i

u nk (r )

(2.128)

que no , em geral, apenas o produto de uma constante por nk, isto , nk no um estado prprio do operador momento. No entanto, em muitos aspectos k uma extenso natural de p para o caso de um potencial peridico. conhecido pelo nome de momento cristalino da partcula, para evidenciar essa semelhana, mas no devemos ser levados a concluir que k um momento (mv). S se pode ter uma compreenso do significado dinmico do vector de onda k quando se considera a resposta de electres de Bloch a campos magnticos aplicados. Por agora, k deve encarar-se como um nmero quntico caracterstico da simetria translacional de um potencial peridico. 2. O vector de onda k pode sempre confinar-se primeira zona de Brillouin, porque qualquer k' que no pertena primeira zona de Brillouin pode ser escrito sob a forma k'= k + G , em que G um vector da rede i( G . T ) = 1 para qualquer vector da rede recproca e k fica na primeira zona de Brillouin. Uma vez que e recproca, se a forma de Bloch vlida para k', tambm o ser para k. 3. O ndice n aparece no teorema de Bloch porque para um dado k h muitas solues da equao de Schrdinger. De facto, se tomarmos ( r ) = u (r) ei(k.r) (2.129)

em que k fixo e u(r) tem a periodicidade da rede de Bravais, e substituirmos na equao de Schrdinger, verificamos que u(r) determinado pela equao de valores prprios Hk u k (r) = 2

[ ( 1 + k )2 2m i

+ V(r) u k (r) = Ek u k (r)

]

(2.130)

com a condio u k (r) = u k (r+T) Devido s condies de periocidade, podemos encarar (2.130) como uma equao de valores prprios hermitiana, relativa a uma nica clula primitiva do cristal. Uma vez que esta equao se refere a um volume finito fixo, de esperar um conjunto infinito de solues com valores prprios de Ek discretos11 , que se identificam com o ndice n. Note-se que em termos da equao de valores prprios (2.130), o vector de onda k aparece apenas como um parmetro no hamiltoniano Hk. Espera-se portanto que, para um dado k, cada um dos nveis de energia Ek varie continuamente com k. Deste modo, chega-se a uma descrio dos nveis de energia para um electro num potencial peridico, em termos de uma famlia de funes contnuas En(k). O facto de que as condies aos limites de Born-von Karman impem valores discretos a k, da forma k= m 1 g1 N1 + m 2 g2 m 3 g3 + N2 N3 com m1,2,3 = inteiro (N1 N1 ,....0,.... , etc.) 2 2

no influencia a continuidade de En(k) como uma funo contnua de uma varivel contnua k, pois a

11

Tal como a equao de valores prprios de uma partcula livre numa caixa de dimenses finitas tem um conjunto de nveis de energia discretos.

2. OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA

70

_______________________________________________________________________________________ equao de valores prprios (2.130) no faz referncia ao tamanho do cristal e bem definida para qualquer valor de k. Deve notar-se tambm que o conjunto dos k se torna denso no espao dos k, no limite de um cristal infinito12. 4. Embora o conjunto completo de nveis de energia possa ser descrito em termos de k restrito clula primitiva do espao recproco (zona de Brillouin), por vezes til considerar k estendido a todo o espao recproco, sendo essa descrio, no entanto, redundante. Uma vez que o conjunto de todas as funes de onda e nveis de energia sero idnticos para dois valores de k que difiram um do outro por um vector G (translao do espaco recproco), podemos atribuir o ndice n aos vrios nveis, de tal modo que, para um dado n, as funes prprias e os valores prprios so funes peridicas de k no espao recproco: Se em (2.123), substituirmos k por k+Go, obtemos [2m (k+Go-G) 2 - E]ck+Go-G + VG'-G ck+Go-G' = 0 G Se agora substituirmos G-Go por G, obtemos [ 2m (k-G) 2 - E ]ck-G + VG'+Go-G ck+Go-G' = 0 G 2 (2.132) (2.131)

Deslocando V e c de Go no altera o somatrio. Obtemos a mesma equao. Deste modo, temos apenas N solues distintas, i.e., N k's distintos. O teorema de Bloch ilustra esta afirmao: k+G(r+T) =

ei(k+G).T k+G(r) = eik.T k+G(r)

(2.133)

k+G(r) transforma-se do mesmo modo que k(r), ou seja, no so distintos! Do mesmo modo, se k(r)=k+G(r), ento Ek=Ek+G.

n,k+G (r) = n,k (r)En,k+G = En,k

(2.134)

Chega-se assim a uma descrio dos nveis de energia de um electro num potencial peridico em termos de uma famlia de funes contnuas En,k ou En(k). A informao contida nestas funes denominada como estrutura de bandas do slido. Para cada valor de n, o conjunto dos nveis especificados por En(k) chama-se banda de energia. A energia de cada estado, Enk, pode ser, em princpio, calculada pela expresso Enk = . (2.135)

Na Fig. 2.41.a) representam-se E1,k, E1,k+G, E1,k-G e E2,k, segundo o esquema da zona estendida (todos os valores de k). Pode verificar-se que En,k+G =En,k. Em b) faz-se a reduo primeira zona de Brillouin. Uma vez que E(k)=E(-k), podemos representar a banda s para valores de k positivos.

12

Um cristal real tem da ordem de 1023 tomos, o que para este efeito como se fosse infinito.

2. OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA

71

_______________________________________________________________________________________

Fig. 2.41. Representao das bandas de energia de um cristal. As diferentes bandas de energia, En(k) podem ser identificadas pelo ndice n. a) Representao de En(k) segundo o esquema da zona estendida ao longo de kx. Na Fig representam-se E1,k, E1,k+G, E1,k-G e E2,k. Pode verificar-se que En,k+G =En,k. b) Reduo primeira zona de Brillouin. Uma vez que E(k)=E(-k), podemos representar a banda s para valores de k positivos.

5. Pode demonstrar-se que, em geral, um electro num nvel especificado pelo ndice de banda n e vector de onda k tem uma velocidade mdia dada por vn(k) = 1 E (k) k n (2.136)

Para chegar a este resultado, consideremos uma funo de onda de Bloch ( r ) = u (r) ei(k.r). Para descrever o movimento de um electro, o melhor construir um grupo de ondas, com distribuio Gaussiana de k na vizinhana de ko 2 2 ( r ) = u k (r)eik.re-(k-ko) =eiko.r u k (r)ei(k-ko).re-(k-ko) k k (2.137)

Para obter a dependncia de ( r ) no tempo, multiplica-se pelo factor de fase apropriado, e-i/.E(k)t, que resulta da equao de Schrdinger dependente do tempo (ou e-i(k)t, uma vez que E(k)=(k) ), Se expandirmos E(k) =E(ko) + ( r ) = dE(k) (k-ko) +..., vem dk u k (r) e-(k-ko)2 i (k-ko).[r- 1 dE(k) t ] e

ei [ko.r -E(ko)t/ ] k

dk

(2.138)

( r ) = ei [ko.r -E(ko)t/ ] u k (r) e-(k-ko) k 1 dE em que vg = dk v=

2 i (k-ko).[r- vg t ] e

(2.139)

=

(k) k

a velocidade de grupo: (2.140)

1 dE dk

=1

k E(k)

Esta uma concluso notvel. Mostra que h estados estacionrios (independentes do tempo) para um electro num potencial peridico, nos quais a partcula se move indefinidamente sem alterao da sua velocidade mdia, apesar da interao da partcula com a rede "fixa" de tomos. Esta concluso est em

2. OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA

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_______________________________________________________________________________________ desacordo com a ideia de Drude de que as colises (responsveis pela resistncia elctrica) eram simplesmente colises dos electres com os ies estticos. As implicaes de (2.136) so de importncia fundamental como veremos quando estudarmos as propriedades de transporte que dependem sobretudo da dinmica da rede cristalina. De um modo muito aproximado, podemos sugerir uma lei de Newton para um electro num cristal, se considerarmos um electro sujeito a uma fora exterior, por exemplo, a resultante de um campo elctrico, E: dE Fext= -e E. A variao de energia aps um intervalo de tempo t E=Fext.v t . Escrevendo E= k dk e usando (2.136), vem E=v.k, ou seja k= Fext= dk dt Fext t , e, finalmente, (2.141)

Embora derivada de um modo no rigoroso, (2.141) uma expresso de aplicao geral. Colises. Processos Normais e Processos "Umklapp" No estudo das propriedades dos slidos, como por exemplo a condutividade elctrica e a condutividade trmica, importante considerar processos colisionais envolvendo duas ou mais partculas (fones no caso da condutividade trmica e electres e fones no caso da condutividade elctrica). Em todos estes processos colisionais se considera que a energia total e o momento cristalino total se conservam. Atendendo a que todos os valores do momento cristalino k podem ser especificados na primeira zona de Brillouin, pode surgir uma dificuldade aparente no caso de colises entre duas partculas cujo momento cristalino resultante saia fora da zona de Brillouin . Essa dificuldade apenas aparente, na medida em que cada valor de k bem determinado e consequentemente qualquer resultante. A estes processos chamam-se processos "umklapp" (dobrados ou revirados, em alemo). Nos processos normais ser k1+k2 = k3. Nos processos "umklapp", k1+k2 = k3+G, sendo G um vector da rede recproca. Em todos os processos, normais ou "umklapp", a energia deve ser conservada (E1 + E2 = E3, ou 1 + 2 = 3). Note-se que o momento cristalino k tambm se conserva, embora no caso dos processos "umklapp" a distino entre k3 e k3+G seja redundante.ky k1 kx k2 k3 k2 k3 G k1 + k 2 k1 kx ky

Processo Normal

Processo "Umklapp"

Fig.2.42. Processos de coliso entre duas partculas (fono-fono, electro-fono, etc) numa rede bidimensional quadrada. O quadrado sombreado representa a primeira zona de Brillouin. No processo normal, o momento resultante cai dentro da primeira zona de Brillouin. Em processos envolvendo partcualas de energia elevada, o momento resultante pode sair da primeira zona de Brillouin. A estes processos chamam-se processos "umklapp" (dobrados ou revirados, do alemo). Nos processos normais, k1+k2 = k3. Nos processos "umklapp", k1+k2 = k3+G, sendo G um vector translao do espao recproco. Em todos os processos, normais ou "umklapp", a energia deve ser conservada (E1 + E2 = E3, ou 1 + 2 = 3). Note-se que o momento cristalino k tambm se conserva, embora no caso dos processos "umklapp" a distino entre k3 e k3+G seja redundante.

2. OS ESTADOS E AS FUNES DE ONDA

73

_______________________________________________________________________________________ Comparao entre estados de Bloch e estados no modelo de Sommerfeld Na Tab. 2.2. faz-se um resumo comparativo dos estados de Bloch com os estados no modelo de Sommerfeld.

Tab. 2.2. Comparao entre estados de Bloch e estados no modelo de SommerfeldSommerfeld (electro livre) nos qunticos: k (k o momento, mv) Gama de nmeros qunticos k estende-se a todo o espao recproco consistente com as condies aos limites de Born-von Karman 2k2 2m Bloch (electro num potencial peridico) n,k (k o momento cristalino e n o indice de banda) - para cada n, k estende-se a todos os vectores de onda na zona de Brillouin - n pertence a um conjunto infinito de nmeros inteiros. para um dado indice de banda, n, En(k) no tem uma forma explcita simples. A nica propriedae geral a periodicidade na rede recproca En(k+G)=En(k) A velocidade mdia de um electro num estado com vector de onda k : vn(k) = 1 E (k) k n

Energia E(k) =

E = 1/2 m v 2

Velocidade mdia de um electro

A velocidade mdia de um electro num estado com vector de onda k : v= p k = m m

E = 1/2 m v 2 Funo de onda A funo de onda de um electro num estado k : k = |k> = V-1/2 e i (k.r) (V= volume do cristal) A funo de onda de um electro com ndice de banda n e vector de onda k da forma: nk = |k>= un k (r) e i (k.r) em que a funo un k no tem uma forma explicita simples. A nica propriedade geral a periodicidade na rede directa un k (r+T) = un k (r)

2.2.5. Ondas quase planas (potencial, V(r)0, fraco) O modelo do gs de Fermi pode ser consideravelmente melhorado introduzindo um potencial peridico fraco da forma. V(r) = v ( r - r j ) j (2.142)

que pode incluir repulses e escambo e mesmo outras interaces e recorrendo a um mtodo variacional. O ndice j corresponde a cada tomo do cristal. A aproximao do electro livre introduzida anteriormente e utilizada para desenvolver os modelos de Drude e Sommerfeld, agora levantada. O resto do sub-captulo consiste em estimar como que os estados electrnicos so calculados na presena dum potencial peridico da rede. Pode tomar-se a funo de onda monoelectrnica como uma combinao linear de ondas planas:

(r) = ak kk

(2.143)

e substitui-se (2.143) na equao de valores prprios

- 2m

2

2 (r) + V(r) (r) = E (r)

Multiplicando esquerda pelos vrios 2m

+k

ak

Atendendo a que

- 2m

2

2k2 2 | k >= |k> 2m

e

< k ' | k > = k'k

e fazendo Vk'k = < k ' | V(r)| k >, vem k' (2m 2 2

- E) a k ' + a k Vk'k = 0k

Sistema de N equaes, uma para cada k'.

(2.144)

Vimos j que, devido simetria translacional da rede, possvel escreverN

1 < k ' | V(r)|k>= N

j=1

e-i(k.r j ) . 1 e - i [ k.( r - r j ) ] v ( r - r j ) d V c

(2.145)

Note-se que o primeiro factor de Vk'k o factor de estrutura geomtrico1, Shkl, e que, |2 E(k) = Eo(k) + + o o k E (k) - E (k') (2.148)

em que Eo(k)=2k2/2m. Uma vez que V(r) tem a periodicidade da rede cristalina, os seus elementos de matriz so nulos a no ser que k-k seja igual a um vector da rede recproca, G. Vem ento E(k) = Eo(k) + Vo +

G0

| V G |2 Eo(k) - Eo(k-G)

(2.149)

em que VG a componente de Fourier de V(r) para o vector da rede recproca G. Para esta expanso ser vlida, as duas condies seguintes devem ser satisfeitas: (i) as componentes de Fourier V G devem tender para zero medida que G aumenta; (ii) no deve haver degenerescncia (que de facto h) do tipo Eo(k)=Eo(k-G) entre estados no perturbados que so misturados pela perturbao. Concentremo-nos por enquanto sobre a condio (ii) (a qual equivalente a escrever k=k-G, e que nos diz que a e