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FORMAÇÃO CONTINUADA DOS EDUCADORES DO CAMPO: A PARTIR DAS EXPERIÊNCIAS DA ESCOLA CAMPONESA MUNICIPAL CHICO MENDES Francielle de Camargo Ghellere1 Maria Edi da Silva Camilo2 Resumo Este artigo representa a síntese de um projeto que vem sendo realizando no Município de Querência do Norte/PR, especificamente na Escola Camponesa Municipal Chico Mendes e Colégio Estadual Centrão, no assentamento Pontal do Tigre, organizado pelo MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Este estudo, parte da formação continuada de professores do/no campo e seus reflexos nas práticas pedagógicas, tendo como referência os pressupostos metodológicos da pesquisa bibliográfica, fundamentado no materialismo histórico e na dialética. O objetivo desse trabalho é fazer um contraponto dentro do seguinte questionamento: como se dá a formação continuada dos educadores do campo? Qual a sua trajetória e contexto? As categorias de análises serão alicerçadas por referenciais teóricos consubstanciados em clássicos da educação social e por documentos/produções científicas sobre as políticas públicas para Educação do Campo, e a realidade a partir da formação continuada de professores realizada na Escola Camponesa Municipal Chico Mendes. Compreende-se que a formação de educadores é uma temática contemporânea, sendo debatida no cenário nacional com as propostas salvadoras de programas de governos que atendem de forma imediata os fracassos apresentados nas análises da educação. Para os movimentos sociais, a formação de educadores é vista como uma prática emancipatória, por meio da discussão das experiências que são transformadas em fonte de saber, nesse sentido, os movimentos sociais reconhecem a necessidade de um projeto permanente de Formação Continuada. Palavras-chave: Educação do/no Campo; Formação de professores; Políticas Públicas. INTRODUÇÃO O ponto de partida para a discussão que será descrita nesse trabalho, é que a educação é um fenômeno social, portanto, não há como discutirmos a temática Educação do Campo: formação de educadores, sem compreendermos de qual educação se trata e em qual contexto ela se faz. Compreende-se para tanto, que a Educação dita “formal’, não está neutra nas relações e contradições da sociedade capitalista. Nesse sentido, a Educação do Campo envolve “os assalariados rurais temporários, posseiros, meeiros, arrendatários, acampados, assentados, reassentados, atingidos por 1 Mestranda no Programa de Pós Graduação em Educação na Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected] (045 9927-9781). 2 Mestranda no Programa de Pós Graduação em Educação na Universidade Estadual de Maringá. Militante do MST. Educadora da Escola Rural Municipal Chico Mendes. E-mail: [email protected] (044 9994-9282).

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  • FORMAO CONTINUADA DOS EDUCADORES DO CAMPO: A PARTIR DAS

    EXPERINCIAS DA ESCOLA CAMPONESA MUNICIPAL CHICO MENDES

    Francielle de Camargo Ghellere1

    Maria Edi da Silva Camilo

    2

    Resumo Este artigo representa a sntese de um projeto que vem sendo realizando no Municpio de Querncia do Norte/PR, especificamente na Escola Camponesa Municipal Chico Mendes e Colgio Estadual Centro, no assentamento Pontal do Tigre, organizado pelo MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Este estudo, parte da formao continuada de professores do/no campo e seus reflexos nas prticas pedaggicas, tendo como referncia os pressupostos metodolgicos da pesquisa bibliogrfica, fundamentado no materialismo histrico e na dialtica. O objetivo desse trabalho fazer um contraponto dentro do seguinte questionamento: como se d a formao continuada dos educadores do campo? Qual a sua trajetria e contexto? As categorias de anlises sero aliceradas por referenciais tericos consubstanciados em clssicos da educao social e por documentos/produes cientficas sobre as polticas pblicas para Educao do Campo, e a realidade a partir da formao continuada de professores realizada na Escola Camponesa Municipal Chico Mendes. Compreende-se que a formao de educadores uma temtica contempornea, sendo debatida no cenrio nacional com as propostas salvadoras de programas de governos que atendem de forma imediata os fracassos apresentados nas anlises da educao. Para os movimentos sociais, a formao de educadores vista como uma prtica emancipatria, por meio da discusso das experincias que so transformadas em fonte de saber, nesse sentido, os movimentos sociais reconhecem a necessidade de um projeto permanente de Formao Continuada.

    Palavras-chave: Educao do/no Campo; Formao de professores; Polticas Pblicas.

    INTRODUO

    O ponto de partida para a discusso que ser descrita nesse trabalho, que a educao

    um fenmeno social, portanto, no h como discutirmos a temtica Educao do Campo:

    formao de educadores, sem compreendermos de qual educao se trata e em qual contexto

    ela se faz. Compreende-se para tanto, que a Educao dita formal, no est neutra nas

    relaes e contradies da sociedade capitalista.

    Nesse sentido, a Educao do Campo envolve os assalariados rurais temporrios,

    posseiros, meeiros, arrendatrios, acampados, assentados, reassentados, atingidos por 1 Mestranda no Programa de Ps Graduao em Educao na Universidade Estadual de Maring. E-mail: [email protected] (045 9927-9781). 2 Mestranda no Programa de Ps Graduao em Educao na Universidade Estadual de Maring. Militante do MST. Educadora da Escola Rural Municipal Chico Mendes. E-mail: [email protected] (044 9994-9282).

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    barragens, agricultores familiares, vileiros rurais, povos da floresta, indgenas, ilhus,

    quilombolas, pescadores e ribeirinhos. (CARVALHO, p. 185, 2012). Sendo assim, a

    discusso ser fundamentada a partir desses sujeitos histricos da realidade brasileira.

    A Escola Camponesa Municipal Chico Mendes, atende os sujeitos do campo, e iniciou

    suas atividades na Escola nucleada em fevereiro de 1996, com a autorizao cedida pela

    Secretaria de Estado da Educao (SEED) atravs da resoluo 4.706/95.

    Diante da nuclearizao da escola, surge o fortalecimento da comunidade escolar e

    aumenta a demanda por uma escola pblica e de qualidade. So institucionalizados os

    organismos de representao da comunidade como a APM (Associao de Pais e Mestre).

    Nessa trajetria, o municpio passa a assumir a escola atravs de concurso pblico,

    trazendo professores que no faziam parte do quadro de educadores do Movimento dos

    Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no respeitando, portanto, a especificidade

    educacional do Movimento. Com essa atitude do municpio, houve um grande fortalecimento

    das bases do MST, e aleatoriamente os educadores que foram demitidos da escola passaram a

    assumir salas de aulas atravs de dirias e contratos temporrios que possibilitou a volta dos

    educadores na escola.

    Nesse processo de luta e constante transformao da sociedade, compreendemos que a

    formao do professor envolve um processo contnuo, para atender s necessidades de um

    mundo em constante mudana, exige-se do professor preparo para ensinar conceitos

    cientficos e auxiliar os alunos a desenvolverem uma viso crtica da sociedade, para tanto,

    muitas vezes o professor se v perdido nesse processo social.

    Segundo Martins (2008), a maior parte do professorado que atuava nos anos iniciais

    do Ensino Fundamental, tinham sua formao apenas a nvel mdio, sendo que esse fato

    continua sendo legal ainda nos dias de hoje, como nos mostra a pesquisa realizada pelo Inep

    Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas, realizada em 2005. No que diz respeito formao

    de professores com ensino superior, h um grande nmero de docentes formados em

    licenciatura curta ou a distncia.

    Ao analisar a zona rural, a quantidade de professores sem ensino superior ainda

    maior. Nesse sentido, o processo histrico nos mostra que a formulao e a execuo de

    polticas pblicas tm deslegitimado a educao do campo, ou seja, a formulao de

    polticas educativas e pblicas, em geral, pensa na cidade e nos cidados urbanos como o

    prottipo de sujeitos de direitos (ARROYO, 2007, p. 158).

    Compreende-se que em meio a tantos desafios enfrentados na educao, dialogar sobre

    a formao de professores para a educao no e do campo de extrema importncia, uma vez

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    que a temtica envolve questes complexas e prope reflexes que se pautam nos documentos

    oficiais, nesse sentido, necessrio pensar a educao do campo, que esteve por muito tempo

    margem das polticas educacionais, uma vez que se acreditava que a educao para os

    trabalhadores do campo era desnecessria, ou seja, escrever, ler, refletir, argumentar no tinha

    serventia.

    A realidade da educao do/no campo um campo aberto de investigao, uma vez

    que h grandes ndices de analfabetismo, desvalorizao do magistrio, falta de professores

    capacitados e que tenham realmente ligao com o meio rural e conhecimento da realidade

    campesina. Compreende-se para tanto, que dialogar sobre a formao de professores que

    atuam ou iro atuar em escolas pblicas rurais, nos possibilitar conhecer e compreender suas

    reais condies de trabalho, bem como suas concepes, dificuldades e necessidades.

    2. Formao continuada de educadores do campo

    A formao de educadores uma temtica contempornea em debate nas academias

    e, a formao de educadores do campo vem sendo debatida no cenrio nacional com as

    propostas salvadoras de programas de governos que atendem de forma imediata os fracassos

    apresentados nas anlises da educao.

    Para os movimentos sociais, a formao de educadores vista como uma prtica

    emancipatria por meio da discusso das experincias que so transformadas em fonte de

    saber e, reconhecem a necessidade de um projeto permanente de formao continuada. Essa

    perspectiva vincula-se a um projeto democrtico, mas uma democracia comprometida com o

    ser humano. Nesse sentido, Mszros afirma que a educao continuada, deve ser um

    constituinte necessrio dos princpios reguladores de uma sociedade para alm do capital.

    inseparvel da prtica significativa da autogesto (MSZROS, 2005, p. 75).

    Compreende-se, para tanto, que a formao de educadores, envolve estratgias

    terico-metodolgicas que contribuam para uma formao que venha a atender as

    necessidades da Educao do/no Campo.

    O estudo da formao dos educadores nos parece imprescindvel enquanto teoria e

    no caso dos educadores das escolas do campo faz-se necessrio por contribuir com o

    desenvolvimento do conhecimento.

    Uma das nossas bases ao pensar e afirmar a demanda de formao dos educadores o

    decreto n 7.352, de 4 de novembro de 2010. No Art. 5, inciso 2, temos a formao como

    uma questo garantida em suas demandas locais.

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    2 A formao de professores poder ser feita concomitantemente atuao profissional, de acordo com metodologias adequadas, inclusive a pedagogia da alternncia, e sem prejuzo de outras que atendam s especificidades da educao do campo, e por meio de atividades de ensino, pesquisa e extenso.

    Quando falamos em formao de educadores inclumos os sujeitos que desenvolvem o

    ato educativo para alm dos espaos escolares. Esse dilogo esta constitudo no espao de

    formao, processando-se

    [...] como algo dinmico, que vai alm dos componentes tcnicos e operativos normalmente impostos aos professores pelas autoridades competentes, que no levam em conta a dimenso coletiva do trabalho docente e as situaes reais enfrentadas por esses profissionais em suas prticas cotidianas. medida que a formao se articula com os demais aspectos da atuao dos professores contexto social, tica, condies de trabalho, carreira, salrio, jornada, avaliao profissional , permite considerar a docncia como uma profisso dinmica em constante desenvolvimento, propiciando a gestao de uma nova cultura profissional. Porm, se essa articulao no ocorre, as novas possibilidades formativas, pensadas para responder ao dinmico processo de mudanas sociais e educacionais, acabaro apenas por adicionar mais atribuies sobrecarga que lhes imposta na atualidade (ALMEIDA, 2006, p. 179).

    A autora aponta para a necessidade de dinamizar os processos de formao

    articulando-os com o universo mais amplo da vida desses sujeitos, ou seja, preciso

    considerar que essa formao se amplia para alm da escola, possibilitando a compreenso do

    processo social onde est inserida.

    A formao continuada e especfica para os educadores das escolas de assentamento

    uma das demandas do setor de educao do MST e explicitamente clara no Decreto

    presidencial acima citado.

    A formao de educadores das escolas do campo uma demanda investigada pela

    academia e nos eventos dos movimentos sociais do campo que demandam formao

    permanente considerando a realidade. De acordo com documentos do setor de educao do

    MST, necessrio,

    Retomar realizao mais sistemtica de atividades de formao de educadores, para envolver o conjunto de educadores que atuam nas escolas, com formas diferenciadas e adequadas s necessidades e s condies de cada local: podem ser oficinas pedaggicas entre escolas prximas ou em cada escola, podem ser encontros regionais ou estaduais de educadores, pode ser a participao de educadores em atividades do conjunto do Movimento que tragam subsdios para o trabalho na escola, tais como os seminrios sobre soberania alimentar, as jornadas de agroecologia, os debates sobre projeto de assentamento. (O MST e a Escola, 2008)

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    Tratando-se de formao especfica para educadores das escolas do campo, em

    especial as escolas de assentamento, outra preocupao o papel que esses cursos tero, no

    caso das formaes formais, como especializao, por exemplo. Potencializar o papel dos cursos sobre a prtica das escolas passa pela compreenso de que estas tenses e disputas que tm acontecido em relao ao seu desenho poltico-organizativo-pedaggico no se referem apenas ao curso ou turma especfica em foco, mas vo bem alm: est em questo principalmente o destino da formao de militantes do Movimento, mas tambm est em disputa uma concepo de escola que ser incorporada no imaginrio de militantes, dirigentes, e de parte de nossa base social, o que pode fazer diferena em mdio prazo no que vai acontecer nas escolas dos assentamentos, acampamentos, nos centros de formao. (O MST e a Escola, 2008)

    Assim, o estudo da formao continuada de professores que trabalham em escolas do

    campo indicativo de anlise por trabalharem diretamente com um pblico campesino que

    vivenciam experincias e conhecimento sociopoltico diferenciado, alm de uma formao

    voltada exclusivamente para o mundo do trabalho e alcance do sucesso individual, como

    afirma Melo (2000, p. 252), valores postos na sociedade moderna do neoliberalismo. Em

    consonncia com a anlise da autora, a formao dos educadores do campo vai alm das

    orientaes do modelo neoliberal de educao. Busca tambm a autonomia escolar [...], a

    descentralizao do poder [...], a incluso de todos os segmentos da comunidade escolar (p.

    253), alm do envolvimento e participao dos conselhos e, democratizao da gesto e do

    ensino.

    Tomando como base os documentos oficiais, nos remetemos Constituio da

    Repblica Federativa do Brasil de 1988, a qual nos d subsdios suficientes para enfatizarmos

    a seguinte questo: todos os brasileiros tm direito a uma educao pblica gratuita e de

    qualidade. No entanto, a trajetria histrica nos mostra que esse ideal nem sempre foi

    possvel, principalmente no que diz respeito ao atendimento escolar s pessoas do meio rural.

    Segundo o parecer CEE/CEB N. 1011/10, a primeira situao da chamada Educao

    Rural se d em um contexto de negao da existncia de um campo de vida, culturas e

    saberes no meio rural, uma vez que essa situao se refere a lgica mercadolgica de

    produo do agronegcio (produo voltada a comercializao e a industrializao a qual

    envolve a cadeia produtiva agrcola e pecuria). A segunda situao se refere ao momento em

    que movimentos sociais de base popular passam a questionar as polticas pblicas

    educacionais praticadas pelo Estado. E a terceira situao, j num momento histrico mais

    atual, se refere concepo da Educao do Campo como proposta contrria Educao

    Rural.

  • 6

    3. Educao no/do Campo

    Ao analisarmos a trajetria da Educao brasileira, podemos constatar que a mesma

    esteve presente em todas as Constituies, porm, muitos autores (LEITE, 1999; ARROYO,

    2007; SOUZA, 2006), argumentam que a especificidade da educao do campo foi por muitos

    anos deixada de lado pelo Estado.

    Somente a partir de 1910 que a sociedade brasileira despertou para a educao

    rural, (LEITE, 1999, p. 28), devido ao momento histrico que a sociedade vivia.

    Podemos destacar as Leis de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, onde a LDBN

    n 4024/61, deixou a educao rural a cargo dos municpios, porm com a Lei n 5692/71, no

    houve avanos para a educao rural. Nesse sentido, podemos tambm destacar a LDBN

    9394/96, onde h o reconhecimento da diversidade do campo.

    No final dos anos de 1990, podemos constatar vrios espaos pblicos debatendo

    sobre a educao do campo, a exemplo do I Encontro de Educadores e Educadoras da

    Reforma Agrria (I Enera), em 1997, organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais

    Sem Terra (MST), com apoio da Universidade de Braslia (UnB) e do Fundo das Naes

    Unidas para a Infncia (Unicef), dentre outras entidades (PARANA, 2005). Estes encontros

    sempre foram apoiados por Organizaes No Governamentais (ONGs), organismos ligados a

    Igreja Catlica (CNBB) e organizaes multilaterais (OMs).

    As organizaes e os movimentos sociais, mesmo que informalmente, sempre tiveram

    uma atuao importante na formao/educao dos camponeses realizando cursos, estudos,

    congressos, movimentos, formao poltica sistemtica, mas s mais tarde, juntamente com o

    debate nacional, que se inicia o debate sobre a educao dos camponeses como direito, ou

    seja como poltica pblica.

    A educao do campo nasce atravs da mobilizao e presso dos movimentos sociais,

    por uma poltica educacional, para o campo. Foi o campo, com suas contradies, sua

    dimenso histrica, que produziu a Educao do Campo. Segundo Duarte (2000, p. 19), o

    que a escola reflete de forma contraditria a prpria contradio da sociedade, e

    continua, precisamos conhecer a histria para poder transformar a realidade.

    A educao do campo no questionada pela sociedade em geral, mas por uma

    parcela da sociedade. Os movimentos sociais reivindicam uma educao voltada para as

    pessoas do campo, por isso dizem que esto reescrevendo a cultura do campo, que por muito

    tempo ficou esquecida. A partir dos anos 90, os povos organizados do campo, especialmente o

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    MST,conseguem agendar na esfera pblica a questo da educao do campo como uma

    questo de interesse nacional ou, pelo menos, se fazem ouvir como sujeitos de direito.

    Ressalta-se que, at 1998, no se tinha construdo o nome de educao do campo. At

    a presente data, se falava em educao rural3

    . Dessa forma, a educao rural tinha o propsito

    de: conter a migrao das pessoas do campo para a cidade; estava servio dos interesses

    econmicos e polticos da elite burguesa; instrumento de reproduo para o capital, de

    dominao e de explorao; e uma forma de levar a modernizao e a industrializao para o

    campo (LEITE, 1999).

    4. A Pedagogia do MST4

    Diante da Pesquisa Nacional da Educao na Reforma Agrria (PNERA), feita pelo

    Ministrio da Educao em conjunto com o INCRA (2005), foi realizado um levantamento

    sobre a situao educacional em 6.338 assentamentos existentes no Brasil no final de 2004.

    Vivem nesses assentamentos 523 mil famlias, num total de 2,5 milhes de pessoas. O

    total de escolas: 8.679. Nossa estimativa de que 25% deste total diz respeito reas

    vinculadas ao MST. A pesquisa geral demonstrou que: de 0 a 3 anos h 155 mil crianas e

    apenas 4% so atendidas pela educao infantil; de 4 a 6 anos so 165 mil crianas e 47%

    freqentam a escola; de 7 a 10 anos h 285 mil crianas e 95,7% freqentam a escola; de 11 a

    14 anos h 302 mil pessoas e 94% freqentam a escola; de 15 a 17 anos so 203 mil pessoas e

    apenas 77% esto na escola; j acima de 18 anos so 1.431 mil pessoas, sendo 23%

    analfabetas e 42% que s foram at a 4 srie.

    Em relao infra-estrutura das escolas, a situao precria. Apenas 60% das escolas

    tm luz eltrica; telefone pblico s 16%; correio 6%; biblioteca 56%; computador 10%. No

    por acaso que 45% dos entrevistados pela pesquisa, colocaram como prioridade:

    construir/ampliar e melhorar as instalaes das escolas nos assentamentos.

    A Coordenao Nacional reafirmou o compromisso de retomar a luta por escolas e

    pela ampliao dos nveis e modalidades de ensino, bem como pela melhoria das condies de

    infra-estrutura e dos recursos didticos (Livros, bibliotecas, laboratrios). Discutiu-se a

    3 Para alguns autores a Educao Rural, esteve sempre a servio de outros interesses, e nunca da classe interessada, a do campo. Isso se confirma nas leis e nos programas implantados no campo. Dessa maneira, o Ruralismo Pedaggico em 1910/20, passando pelo Estado Novo (1930/45) e pela redemocratizao da educao rural, atravs do programa extenso rural de 1945/64; das leis 4.024 e 5.692; e no perodo militar a escola servia de suporte para uma sociedade desigual (LEITE, 1999, p 27-53). 4 As informaes desse texto esto contidas em Cartilha de estudo: A organicidade e o Planejamento construindo coletivamente n07 set 2005.

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    criao de uma frente de massa em cada assentamento para mobilizar as famlias para as lutas

    por educao, assim como a incluso sistemtica destas questes nas pautas de lutas do

    Movimento.

    Embora a pesquisa mostre dados muito gerais sobre pedagogia, e sabemos que h

    vrias escolas nos assentamentos e acampamentos do MST que desenvolvem prticas

    pedaggicas avanadas, a realidade da maioria das escolas ainda indica um baixo nvel de

    qualidade pedaggica. Dentre os motivos esto: a baixa escolaridade e a formao insuficiente

    das educadoras e educadores, a rotatividade dos professores, j que para muitos professores da

    cidade dar aula nos assentamentos visto como um castigo, os salrios baixos, os contedos

    deslocados da realidade, o fato das comunidades no ocuparem a escola com sua pedagogia.

    Para enfrentar esta situao precisamos qualificar as educadoras e os educadores, para

    que as escolas do campo tambm sejam lugar onde se faz cincia e tecnologia, a partir de um

    contexto global entre campo e cidade.

    5. Formao de Educadores na Escola Camponesa Municipal Chico Mendes: alguns

    apontamentos

    Os cursos de formao continuada so realizados na Escola Camponesa Municipal

    Chico Mendes, e acontecem por meio do Programa de Extenso da Universidade Estadual do

    Oeste do Paran (UNIOESTE - Campus Foz do Iguau), perante o projeto de formao de

    professores do Colgio Estadual Centro em parceria com a Universidade Estadual do Centro-

    Oeste (UNICENTRO) e do projeto de Especializao em Educao do Campo, em parceria

    entre Universidade Estadual do Paran (UNESPAR Campus de Paranava) e o Setor de

    Educao do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Sendo que o professor

    Dr. Jos Martins5

    A formao continuada dos educadores uma iniciativa do MST, no entanto a

    prefeitura Municipal de Querncia do Norte contribui com recursos financeiros.

    tem contribudo na Formao Continuada de educadores, a partir de seu

    conhecimento terico/prtico das escolas do campo.

    5 Fernando Jos Martins, possui graduao em Pedagogia - Orientao Educacional pela Faculdade Estadual de Cincias e Letras de Campo Mouro (2000), especializao em Superviso, Orientao e Gesto Escolar pela Faculdade Estadual de Cincias e Letras de Campo Mouro (2001), mestrado em Educao pela Universidade Federal do Paran (2004) e doutorado em Educao pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2009). Atualmente professor titular da Universidade Estadual do Oeste do Paran. Tem experincia na rea de Educao. Atuando principalmente nos seguintes temas: Ocupao da Escola, MST, Participao Popular.

  • 9

    Podemos ressaltar que a forma de contratao do Municpio, dificulta que alguns

    educadores permaneam por um grande perodo neste estabelecimento de ensino, por no

    fazerem parte do Quadro Prprio do Magistrio, e principalmente por no conhecerem a

    realidade social do Movimento. Podemos ressaltar que esse rodzio de educadores e a

    precarizao dos contratos dificulta a qualidade do ensino ofertado na escola. Pois muitos

    educadores assumem de fato a proposta e fazem acontecer a educao que fora estruturada e

    construda, partindo dos princpios da educao do campo e da formao do sujeito Sem

    Terra, mas isto no consenso entre os educadores.

    Tendo em vista as contradies presentes na escola e as tentativas em consolidar um

    grupo de Educadores que buscam a construo do conhecimento comprometidos com a

    transformao escolar, no somente no discurso mas na prtica, vale ressaltar o compromisso

    que as universidades estaduais e federais devem ter com as escolas pblicas.

    O programa de formao continuada iniciou durante o ano letivo de 2003, por meio de

    uma pesquisa de mestrado que foi realizada no Assentamento Pontal do Tigre/PR, onde est

    localizado duas escolas do MST, fruto da luta pela terra nos Movimentos Sociais. Para que o

    projeto fosse iniciado foi solicitado uma vinda do professor Fernando Jos Martins a escola.

    Aps essa visita, foi sugerido alguns temas para serem trabalhados, entre eles esto os:

    seminrio, debates, palestras, troca de experincias, oficinas pedaggicas, reunies

    direcionadas como instrumento didtico, assemblia com a comunidade, avaliaes e

    planejamento. Aps a consolidao dos temas trabalhados, j conseguimos perceber

    mudanas na escola tanto no pedaggico como na identidade da escola.

    Os primeiros encontros de formao tentavam responder algumas questes, entre elas:

    qual a real funo da educao do/no Campo? Quais as ferramentas pedaggicas do educador

    do/no campo? Como deve ser construdo o processo de formao continuada das e dos

    educadores do/no campo? Que formao deve ter o educador para atuar na educao do

    campo? Os encontros de formao atuais tentam responder as necessidades de formao dos

    educadores que trabalham com a educao bsica, atendendo a populao do campo.

    Nesse percurso, mais de 150 professores receberam formao continuada. Sendo que

    no momento, est sendo trabalhado com um grupo de 30 docentes, em mdia, entre o tempo

    escola e tempo comunidade, somam-se um total de 160 h por ano. Tivemos um curso de ps-

    graduao de 4.460 h e temos no momento, mais uma especializao de 3.600 h que iniciar

    no dia 09 de junho de 2012, com o ttulo "Educao do Campo: polticas de incluso e

    movimentos sociais", em parceria com a Universidade Estadual do Paran- UNESPAR,

    campus de Paranava.

  • 10

    6. Algumas Consideraes

    Pensar em formao de professores nos remete a pensar a escola como espao

    privilegiado de formao, e como espao onde acontece trocas de experincias. Nesse sentido,

    a formao continuada precisa ser tomada como um processo constante e no pontual, estando

    sempre interligada com as atividades e as prticas profissionais que esto sendo desenvolvidas

    dentro da escola. Essa formao deve ser voltada para o coletivo a partir das necessidades do

    grupo.

    Consideramos, portanto, que a prtica do professor deve levar em conta o estudo da

    sua prpria prtica, como um dos meios constitutivos da construo de novos saberes

    profissionais. Sob esse prisma, evidencia-se a superao da dicotomia entre teoria e prtica, e

    tambm entre escola e universidade.

    O objetivo desse trabalho foi analisar os processos de formao continuada de

    professores que se encontram inseridos na Escola Camponesa Municipal Chico Mendes. Para

    tanto, foi necessrio partir do contexto educacional do campesinato, para inseri-la no processo

    da Educao, a partir de uma ampla viso de construo coletiva e humana.

    As melhores consideraes do trabalho so as caractersticas concludas, e indicadas

    de todo processo que vem sendo feito na prtica pedaggica. Boa parte dos objetivos iniciais

    foram cumpridos, a participao dos educadores massiva, os dados foram obtidos e esto em

    construo. Contudo, h novas necessidades surgindo o que gera o avano concreto da ao,

    no processo de formao continuada, e isso pressupe continuidade.

    A presente ao pressupe, portanto, indicativo de necessidades de ao pedaggica,

    pois a escola necessita em suas manifestaes, o que levar a uma srie de projetos conjuntos,

    e tambm enquanto polticas, uma vez que publicamente, vrios problemas estruturais vem a

    tona, o que contribui sobremaneira para o processo de auto-formao do coletivo escolar.

    REFERNCIAS

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