14
1 Citar esta comunicação: Rocha, A.P. & Salema, H. (2012). Formar o professor-investigador em contextos de dispersão. Promover a transferibilidade de destrezas organizacionais para competências de desenvolvimento curricular. In Albano Estrela (et. al), Revisitar os estudos curriculares. Onde estamos e para onde vamos? Livro do Colóquio, Lisboa: Instituto de Educação. COMUNICAÇÃO: FORMAR O PROFESSOR-INVESTIGADOR EM CONTEXTOS DE DISPERSÃO. PROMOVER A TRANSFERIBILIDADE DE DESTREZAS ORGANIZACIONAIS PARA COMPETENCIAS DE DESENVOLVIMENTO CURRICULAR. Índice Resumo ............................................................................................................................................2 Introdução ........................................................................................................................................4 I - Compreender as mudanças: Formar o professor- investigador em contextos de dispersão ...................................................................................................................................5 II- Investigação-ação: Promover atitudes reflexivas críticas e a transferibilidade de destrezas organizacionais para competências de desenvolvimento curricular ...................................................................................................................................9 Obras Citadas .................................................................................................................................13

Formar Prof Investigador.aprocha

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Formar Prof Investigador.aprocha

1

Citar esta comunicação: Rocha, A.P. & Salema, H. (2012). Formar o professor-investigador em contextos de dispersão. Promover a transferibilidade de destrezas organizacionais para competências de desenvolvimento curricular. In Albano Estrela (et. al), Revisitar os estudos curriculares. Onde estamos e para onde vamos? Livro do Colóquio, Lisboa: Instituto de Educação.

COMUNICAÇÃO:

“FORMAR O PROFESSOR-INVESTIGADOR EM CONTEXTOS DE

DISPERSÃO. PROMOVER A TRANSFERIBILIDADE DE DESTREZAS

ORGANIZACIONAIS PARA COMPETENCIAS DE DESENVOLVIMENTO

CURRICULAR”.

Í ndice

Resumo ............................................................................................................................................2

Introdução ........................................................................................................................................4

I - Compreender as mudanças: Formar o professor- investigador em contextos de

dispersão ...................................................................................................................................5

II- Investigação-ação: Promover atitudes reflexivas críticas e a transferibilidade

de destrezas organizacionais para competências de desenvolvimento

curricular ...................................................................................................................................9

Obras Citadas .................................................................................................................................13

Page 2: Formar Prof Investigador.aprocha

2

Resumo

A presente comunicação inscreve-se na temática do currículo e formação de professores

destacando a relevância da emancipação dos docentes nas suas competências de

desenvolvimento curricular por via da construção da reflexão metacognitiva e crítica. O

estudo, anteriormente divulgado no XI Congresso da Sociedade Portuguesa de Ciências

da Educação (2011)1, tem prosseguido segundo uma metodologia de investigação que

se inclui num paradigma qualitativo interpretativo. Consiste num projeto de uma tese de

doutoramento em fase exploratória que se prende com a investigação das facetas da

dispersão, caraterística da atividade profissional dos professores. A nossa proposta

compreende um plano de formação em investigação-ação que promova a autonomia do

professor e a atenuação dos efeitos da sua atividade fragmentada em trabalho

colaborativo. Parte-se da premissa que uma metodologia de investigação-ação aplicada

ao exercício da prática profissional poderá estimular uma atitude reflexiva crítica (na

linha do que Stephen Brookfield, 1995, entende como critical reflection), e favorecer a

autonomia emancipatória dos professores. Na presente comunicação iremos refletir,

recorrendo a Andy Hargreaves (1998) e (2003), sobre as mudanças na sociedade do

conhecimento que trouxeram acrescidas exigências de competências curriculares aos

professores. Consideramos que estas têm vindo a gerar situações agravadas de dispersão

da atividade docente, constituindo, igualmente, uma oportunidade para desvelar meios

de impulsionar o desenvolvimento profissional. Neste sentido pretendemos

compreender como poderá um programa de formação, em investigação-ação, permitir a

transferibilidade de destrezas organizacionais, nele adquiridas, para competências de

desenvolvimento curricular. Trata-se de uma proposta que poderá promover a eficácia

dos professores, tornando-os mais resilientes, e contribuir para o êxito da sua relação

com a escola e com a mudança da sua própria identidade profissional.

Palavras-chave: Dispersão; Formação de professores; Reflexão crítica;

Investigação-ação; Competências de desenvolvimento curricular.

1 Rocha, A.P. & Salema, H. (2011). Dispersão da Atividade Docente. O poder do professor crítico

reflexivo num contexto formativo colaborativo. In Reis, C. S., Neves, F. S. (coord.). (2011). Guia para o XI

Congresso da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação (pp. 74-75). Guarda: Instituto Politécnico da

Guarda.

Page 3: Formar Prof Investigador.aprocha

3

“FORMER L’ENSEIGNANT-CHERCHEUR EN CONTEXTES DE

DISPERSION. PROMOUVOIR LE TRANSFERT DE COMPETENCES

ORGANISATIONNELLES POUR DES COMPETENCES DE DEVELOPPEMENT

CURRICULAIRE”.

Résumé

Cette communication s'inscrit dans le cadre du thème du programme d'études et de

formation des enseignants en soulignant l'importance de l'autonomisation des enseignants

dans leurs compétences de développement du curriculum à travers la construction de la

réflexion métacognitive et critique. L'étude, publiée lors du XIème

Congrès de la Société

Portugaise de Sciences de l'Éducation (2011), suit une méthodologie de recherche qui

s‟inclut dans un paradigme qualitatif interprétatif. Cette étude consiste à un projet d´une

thèse de doctorat à un stade exploratoire qui traite de mieux connaître les facettes de la

dispersion, fréquente dans l'activité professionnelle des enseignants. Notre proposition

comprend un plan de recherche-action de formation qui promeuve l'autonomie des

enseignants et l‟atténuation des effets de leur activité fragmentée dans le travail

collaboratif. Il commence avec la prémisse qu´une méthodologie de recherche-action

appliquée à l'exercice de la pratique professionnelle puisse stimuler une attitude critique

réfléchie (selon ce que Stephen Brookfield, 1995, comprend comme critical reflection), et

favoriser l'autonomie émancipatrice des enseignants. Dans cette communication, nous

réfléchirons, nous secourant d´ Andy Hargreaves (1998) e (2003), sur les changements dans

la société du savoir qui ont accru des exigences au niveau des compétences des enseignants.

Nous pensons que ces exigences ont aggravées certaines situations de dispersion de

l'enseignement, étant également une occasion pour dévoiler des moyens de stimuler le

développement professionnel. Notre objectif est de comprendre comment un programme de

formation en recherche-action peut permettre la transférabilité des compétences

organisationnelles, y acquises, pour des compétences de développement curriculaire. Il

s‟agit d‟une proposition qui pourra renforcer l'efficacité des enseignants, en les rendant plus

résistants, et contribuer à la réussite de leur relation avec l'école et avec le changement de

leur propre identité professionnelle.

Mots-clés : dispersion, la formation des enseignants, la réflexion critique, la recherche-

action, le développement des compétences des programmes

Page 4: Formar Prof Investigador.aprocha

4

Introdução

A atividade profissional dos professores tem vindo a modificar-se ao ritmo das

mudanças que têm ocorrido na sociedade. Exige-se mais da escola, colocam-se altas

expectativas quanto ao seu desempenho, assim como a burocratização e “funcionarização”

dos docentes caracterizam crescentemente o trabalho que se desenvolve no ambiente

educativo. A redução da autonomia do professor parece ser proporcional a um maior

envolvimento da comunidade nos processos decisórios, tal como a perda da sua identidade

profissional por via de, de entre outros fatores, uma crescente fragmentação do trabalho.

Nesta conjuntura, urge compreender como podem os docentes enfrentar as situações

desafiadoras que esta complexidade contextual lhes lança e como podem emancipar-se nas

suas competências de desenvolvimento curricular por via da construção da reflexão

metacognitiva e crítica.

A primeira parte desta comunicação irá abordar as mudanças na sociedade do

conhecimento - com recurso à visão de Andy Hargreaves (1998) e (2003) sobre esta

questão - as quais introduziram orientações curriculares que a literatura considera estar a

constranger os professores e a desafiá-los a desenvolver competências cada vez mais

diversificadas. Cremos que essas mudanças têm gerado o agravamento da dispersão da

atividade docente, de modo que apresentaremos a formação do docente como uma

oportunidade para desconstruir o que oculta a mudança e a sobrecarga que esta impõe. A

reflexão crítica surge, assim, como um meio para impulsionar o desenvolvimento

profissional. Para esta análise iremos socorrer-nos de Stephen Brookfield (1995).

Na segunda parte iremos tentar compreender como poderá um programa de formação,

com recurso à investigação-ação, permitir a transferibilidade de destrezas organizacionais,

nele adquiridas, para competências de desenvolvimento curricular, pela promoção de

atitudes reflexivas críticas.

A temática desta comunicação centra-se, por conseguinte, no modo como o docente

poderá ser ajudado a desenvolver uma autonomia, e atuação crítica e emancipatória,

atenuadora dos efeitos da sua atividade fragmentada.

Page 5: Formar Prof Investigador.aprocha

5

I - Compreender as mudanças: Formar o professor- investigador em contextos de dispersão

O professor da nossa era é um profissional altamente qualificado a exercer a sua

atividade no seio de uma sociedade em progressiva mutação. Vive a sua profissionalidade

numa constante adaptação à modernidade e à proliferação de papéis que lhe são exigidos. É

também um mediador dos conhecimentos, valores e experiências de vida individuais e

coletivas que os alunos transportam consigo para o ambiente escolar. Sobre ele recaem

inúmeras expectativas, mas, igualmente, o escrutínio constante da sua ação.

Hargreaves (2003) apresenta-nos um retrato do contexto em que os professores

executam a sua missão e como se espera que sejam capazes de “build learning

communities, create the knowledge society, and develop the capacities for innovation,

flexibility and commitment to change that are essential to economic prosperity.” (p. 9).

Numa obra anterior o autor já referia como os professores sofrem as pressões da pós-

modernidade e se submetem às inovações, as quais geram sentimentos de sobrecarga. Este

autor alerta como as mudanças têm por trás “transformações ainda mais profundas nas

próprias raízes do trabalho dos professores, as quais incidem sobre o próprio ensino e

afetam o modo como este é definido e socialmente organizado.” (1998, p. 6) Hargreaves

reconhece como a pós-modernidade pode levar a um fortalecimento pessoal. Porém, a

constante mudança de papéis e funções pode, igualmente originar crises nas relações

interpessoais e, a compressão do tempo e espaço, conduzir a uma sobrecarga de inovações e

intensificação do trabalho docente.

No contexto especificamente educativo, as mudanças, provocadas por estratégias

políticas e administrativas, surgem, como alerta Hargreaves, de modo coersivo, por

constrangimento e artifício, na presunção de que os níveis de exigência educativa são

reduzidos e o abandono escolar se deve à ineficiência, carência de competência e

conhecimentos dos docentes. Os projetos de reforma educativa incluem, por isso,

orientações curriculares obrigatórias - estanques à autonomia do professor - e um controlo

apertado do que é ensinado, de modo a “assegurar a mudança por via do instinto de

Page 6: Formar Prof Investigador.aprocha

6

sobrevivência dos professores, na sua luta pela proteção das suas escolas e pela preservação

dos seus empregos.” (1998, p. 13)

A conjuntura de deterioração e “funcionarização” do trabalho docente - este cada vez

mais rotineiro e intensificado, burocrático, dispersivo, desqualificado, expurgado de poder

decisório para exercer juízos - é descrita por Hargreaves como “artificialismo retórico, uma

estratégia para levar os docentes a colaborar de boa vontade na sua própria exploração, à

medida que lhes vai sendo exigido cada vez mais esforço.” (1998, p. 132)

Por outro lado, verifica-se um afastamento daquilo que é útil às turmas, já que uma

grande percentagem do tempo dos professores é dedicada a outras áreas de trabalho, em

colegialidade artificial e mandatada, resultando numa multiplicação de reuniões e tarefas

administrativas, em teias burocráticas, as quais não parecem ser sinónimo de maior

qualidade do desempenho profissional ou dar um contributo relevante para o

desenvolvimento das suas competências curriculares.

Os professores revelam-se conscientes de que o seu trabalho tem vindo a alterar-se e que

as suas obrigações são cada vez mais difusas, o que lhes tem também causado uma

acentuada saturação, como refletem diversos estudos - sobre o stress, burnout e mau estar

ou (in)satisfação dos docentes - desenvolvidos principalmente na área da psicologia e por

vezes divulgados na comunicação social. Compreendem que as competências que devem

dominar sofreram uma ampliação decorrente das mudanças ocorridas na sociedade do

conhecimento, assim como das novas literacias a que esta obriga. Os saberes que sentem

como necessários já não se restringem exclusivamente aos conteúdos disciplinares que

ministram. De entre os vários autores que poderíamos aqui citar Shulman (1986),

Perrenoud (2001), Tardiff (2002) e Feiman-Nemser (2005), apontaram os saberes docentes

essenciais ao desempenho profissional do professor. Os seus estudos permitem-nos

perceber os traços comuns apresentados e, essencialmente, a pluralidade de conhecimentos

que são identificados. Perrenoud, por sua vez, menciona a existência de um referencial que

identifica cerca de cinquenta competências cruciais na profissão do educador destacando

dez grandes famílias de competências. (2001)

Com efeito, espera-se, como descreve Hargreaves, que os professores dominem um

conhecimento abrangente, sejam catalisadores da sociedade de conhecimento e, por

Page 7: Formar Prof Investigador.aprocha

7

conseguinte, sejam capazes de construir um profissionalismo especial, assim aumentando

as suas competências de desenvolvimento curricular. Não as do tipo Julie Andrews: “«these

are few of my favorite things» - in which teachers could teach anything they liked.”, mas,

através das quais possam “Promote deep cognitive learning; Learn to teach in ways they

were not taught; Commit to continuous professional learning; Work and learn in collegial

teams; Treat parents as partners in learning; Develop and draw on collective intelligence;

Build a capacity for change and risk; and Foster trust in processes.” (2003, pp. 23-24)

Consideramos que a conjuntura socioprofissional em que trabalham os professores tem,

consequentemente, gerado situações agravadas de dispersão da atividade docente,

constituindo, apesar de todos os constrangimentos e limites, uma oportunidade para

desvelar meios de impulsionar o crescimento profissional. Á formação docente cabe um

papel relevante, no sentido que pode dar um contributo fulcral para a metacognição e,

igualmente, para uma postura e prática reflexiva crítica que seja a base de uma análise

metódica e regular. Ela deverá também colocar a experiência e inúmeros saberes dos

professores ao serviço da construção da sua profissionalidade proporcionando estratégias

que permitam a transferibilidade de destrezas adquiridas para contextos diversos.

A formação, como crê Perrenoud “pode ajudar cada um a construir seu julgamento

devido a um treinamento que explicite, de forma simultânea, a situação, as alternativas e os

desafios.” Por outro lado, “As posturas e competências reflexivas não garantem nada;

contudo ajudam a analisar dilemas, a construir escolhas e a assumi-las.” (2002, p. 56) A

reflexão pode “transformar o mal-estar, as revoltas e os desânimos em problemas, os quais

podem ser apresentados e talvez resolvidos com método.” (p. 57)

A promoção da reflexão crítica é, portanto, reconhecidamente de valorizar, na medida

em que prepara os docentes para que, no seio da sua atividade dispersiva, exigente e por

vezes até degradada, desenvolvam perspicácia sobre os problemas, sejam estimulados na

sua sensatez, abandonem certezas, pareceres egocêntricos e a sensação de que têm de

carregar todas as responsabilidades e assumir todas as culpas. A formação poderá preparar

“as pessoas, de certa maneira, para se tornarem «seu próprio supervisor», seu próprio

interlocutor, ao mesmo tempo benevolente e exigente” (Perrenoud, 2002, p. 60)

Page 8: Formar Prof Investigador.aprocha

8

As evidências recolhidas pela investigação têm comprovado o poder da reflexão sobre a

prática. Esta tem sido sobejamente reconhecida por vários investigadores, dos quais

destacamos, como incontornáveis, Dewey (1933); Schön, (1983), Kemmis, (1985),

Zeichner (1993) e, no contexto português, Alarcão (1996). A nós interessa-nos,

particularmente, o ponto de vista que Brookfield (1995) apresenta, no intuito de formar o

professor-investigador em contextos de dispersão, para que se torne crítico quanto a esta.

Brookfield considera a reflexão crítica como intrinsecamente ideológica e moralmente

fundamentada. Diz o autor que, refletir criticamente, levará à capacidade de focalizar: “on

the hunting of assumptions of power and hegemony.” (1995, p. 28) Este investigador

descreve a reflexão crítica como o procedimento utilizado para desvelar pressupostos, o que

requer um processo em três fases interrelacionadas: “1. Discovering the assumptions that

guide our decisions, actions and choices; 2. Checking the accuracy of these assumptions by

exploring as many different perspectives, viewpoints and sources as possible; 3. Taking

informed decisions that are based on these researched assumptions.” (2006, p. 11)

Na concretização da sua missão, o professor pode assumir, em termos teóricos, o papel

de transmissor ou técnico do currículo, na medida em que desenvolverá tarefas prescritas

bem delimitadas. Poderá, desejavelmente, ir mais além e ser o intérprete ou agente

curricular. Nesta perspetiva o professor terá um papel intuitivo, prático, reflexivo, e será um

protagonista criativo que adequará o currículo à sua realidade educativa. É nesta conceção

de ensino que surge a necessidade do professor se envolver em investigação que o auxilie a

lidar com os problemas desmoralizantes e a dispersão da sua atividade. Torna-se, por isso,

indispensável a análise rotineira da prática, a sua avaliação e reformulação constantes. Para

Brookfield “A critically reflective stance toward our teaching helps us avoid these traps of

demoralization and self-laceration.” (1995, p. 2)

Com efeito, a vantagem de uma reflexão ser crítica decorre da relevância que deve ser

atribuída à emancipação dos docentes, nas suas competências de desenvolvimento

curricular, e à construção da sua reflexão metacognitiva. E, decorre ainda, da circunstância

de trazer mais-valias de outra índole: “It might not win us easy promotion or bring us lots

of friends, but it does enormously increase the chance that we will survive in the classroom

with enough energy and sense of purpose to have some real effect on those we teach.”

(1995, p. 2)

Page 9: Formar Prof Investigador.aprocha

9

Vejamos de seguida a valorização que deverá ser atribuída à promoção de atitudes

reflexivas críticas.

II- Investigação-ação: Promover atitudes reflexivas críticas e a transferibilidade de destrezas organizacionais para

competências de desenvolvimento curricular

No quadro das Ciências da Educação os professores tendem a considerar a investigação

educativa, que parte dos meios académicos, como frequentemente descontextualizada da

sua realidade, considerando não existir aproximação entre a visão do investigador e a sua

própria perspetiva do mundo educativo. Por outro lado, percepcionam o trabalho

investigativo académico como imbuído de poder, privilégio, voz e estatuto, frequentemente

realizado num dado período, o qual é encerrado com o retorno do investigador ao seio

universitário (Zeichner, 1995).

O método da investigação-ação veio contrariar o paradigma sobranceiro e distanciado

que é tradicionalmente apontado à investigação, caracterizando-se pelo facto de, ao ser

realizado pelo próprio professor, estimular a sua autonomia e discernimento profissional

relativamente às ideias que o orientam na concretização de um processo investigativo

focalizado na sua atividade.

Um programa de formação, com recurso à investigação-ação, adequa-se à prática

quotidiana do professor por permitir centrar-se nas suas preocupações e interesses, aguçar a

capacidade crítica e ultrapassar o fosso entre o foco de investigação e o interesse do próprio

professor-investigador. Todavia, como poderá contribuir para a transferibilidade de

destrezas organizacionais, nele adquiridas, para competências de desenvolvimento

curricular? Cremos que a resposta poderá residir no que descrevemos a seguir.

Page 10: Formar Prof Investigador.aprocha

10

O carácter flexível, do modo de estudo em que a investigação-ação se realiza, o qual tem

em vista a obtenção de resultados práticos, não parte de premissas teóricas, mas da

consciência quanto à existência de um problema. Esta metodologia é a ideal para o docente

que visa desenvolver a sua capacidade reflexiva crítica e potenciar a sua profissionalidade

no sentido de uma emancipação. Para Elliott a investigação-ação liga a autoavaliação ao

desenvolvimento profissional, pois constitui um processo reflexivo que pode levar à

mudança de práticas e teorias. Estas são validadas pelas práticas, não dependendo, a

„verdade‟ que trazem, de testes científicos, mas da sua utilidade, ao ajudar a agir de modo

mais inteligente e capaz. (1991, p. 45)

Em contextos de dispersão da atividade do professor, quando se pretende combater a

culpa, a armadilha da desmoralização – assim como práticas de dominação e autoridade

repressivas - a promoção de atitudes reflexivas críticas é essencial, tal como Kemmis

explicita “to discover how criteria have come to be accepted, to analyse their historical and

social formation, and to organize social action towards emancipation.” É também crucial

porque “it serves the ends of society by identifying how our thought and action have been

distorted by ideology and redirecting our thought and action to overcome these

distortions.” (1985, p. 146)

Por outro lado, a transferibilidade de destrezas organizacionais adquiridas num programa

de formação em investigação-ação poderá ocorrer se incluir características que favoreçam

essa transferência. Socorrendo-nos da obra de Fogarty, Perkins & Barell, percebemos que

poderá suceder com maior probabilidade e eficiência se as experiências de aprendizagem

encorajarem “to be thoughtful – to seek generalizations, to look for opportunities to apply

prior knowledge, to monitor their thinking, and ponder their strategies for approaching

problems and tasks.” (1992, p. xvi)

A proposta de trabalho que iremos desenvolver no âmbito do nosso estudo pretende

conduzir a uma maior autonomia do professor e à atenuação dos efeitos da sua atividade

fragmentada. Entendemos que a promoção de atitudes reflexivas críticas, por via da

implementação de um programa de formação em investigação-ação, poderá ser,

efetivamente, impulsionadora da transferibilidade de destrezas organizacionais para

Page 11: Formar Prof Investigador.aprocha

11

competências de desenvolvimento curricular, caso se concretize em ambientes profissionais

colaborativos não artificiais.

Nesta asserção estamos em linha com o parecer de Hargreaves (1998). Um modelo que

estimule a colaboração entre professores é orientado para o desenvolvimento, porque essas

relações se prolongam no tempo e têm reflexos na melhoria da prática profissional. Num

paradigma com estas características os professores colaboram entre si, por sua própria

iniciativa, estabelecendo em conjunto, enquanto grupo social, as tarefas e suas finalidades.

As relações de trabalho não são de constrangimento ou coação.

Embora Hargreaves também alerte para o modo como a colaboração profissional

aparentemente se tornou um metaparadigma - no intuito de nela se integrar a ação, a

cultura, a organização, a planificação, o desenvolvimento, e até a investigação no ensino - a

colegialidade apresenta benefícios, sobretudo se não for artificial. Ainda que se tenha

tornado uma estratégia utilizada pelo sistema para levar os professores a lidar com a

mudança e que possa, até, ser conformista, comodista e balcanizada, as suas virtudes

potenciais, associadas à reflexão crítica que a investigação-ação pode promover, são

inegáveis como confirmam diversos investigadores já referidos no âmbito desta

comunicação.

Em tempo de contínuas mudanças e agravamento da dispersão da atividade docente

formar o professor-investigador pode ser uma via para desconstruir a sobrecarga que aquela

impõe e as questões ideológicas que a enformam. Confira-se o que Kemmis refere sobre a

necessidade de estarmos conscientes deste facto: “The systematic and self-conscious

development of self-reflection through emancipatory action research may provide an

antidote to the ensnarement of people in the privatized, scientific, alienating ideology of

our time.” (1985, p. 162) Importa também ouvir o professor e valorizar o que já sabe.

A fim de contrariar aquilo que Day (2001) designa como “As razões subjacentes ao

declínio moral, da autoconfiança e da auto-eficácia dos professores” - as quais decorrem

das “mudanças operadas nas condições de trabalho ocupacionais e organizacionais que

resultaram na universal consequência da intensificação do trabalho nas escolas” no seio da

vida escolar e familiar “bem como na redução da confiança no juízo discricionário dos

professores” (p.117) - há que fomentar a experiência e know-how dos profissionais.

Page 12: Formar Prof Investigador.aprocha

12

Por outro lado, a investigação não poderá surgir como um fardo de algo que se

acrescenta ao quotidiano dos professores e que acarreta a aprendizagem de novas

capacidades técnicas ou saberes académicos. Daí a necessidade de um estudo, em

investigação-ação, assentar em competências já adquiridas pelo professor, ser económico,

acessível e compatível com as responsabilidades e dispersão de atividades já existentes.

No nosso entender, aquilo que de mais importante poderá trazer um projeto em

investigação-ação será a promoção da voz do docente e o contributo para que encontre o

sentido para a sua vida profissional. O maior desafio para um professor que implemente o

seu próprio processo investigativo, talvez seja o de contrariar todos os constrangimentos,

sem sucumbir às exigências e expectativas, e sentir que o seu envolvimento emocional e

cognitivo vale a pena.

Concluímos partilhando as palavras de dois autores de referência. No entender de Day,

com quem concordamos, “São os tipos e a qualidade das oportunidades de formação e

desenvolvimento, ao longo das suas carreiras, e a cultura onde trabalham que irão

influenciar a promoção dos valores da aprendizagem permanente e a sua capacidade de

ajudar os alunos «a aprender a aprender» de forma positiva.” (2001, p. 319) Para se

conseguir isto há que recorrer ao paradigma reflexivo como “emblema da

profissionalização, entendida como um poder dos professores sobre o seu trabalho e sua

organização, um poder não usurpado pela fragilidade das práticas, mas abertamente

assumido, com as correspondentes responsabilidades.” (Perrenoud, 2002, p. 216) Também

entendemos assim, uma vez que “Os professores são potencialmente o trunfo primordial

para a realização da visão de uma sociedade de aprendizagem.” (Day, 2001, p. 319)

Page 13: Formar Prof Investigador.aprocha

13

OBRAS CITADAS

Alarcão, I. (1996). Reflexão crítica sobre o pensamento de D. Schön e os programas de

formação de professores. In I. A. (org.), Formação reflexiva de professores:

Estratégias de supervisão (pp. 9-39). Porto: Porto Editora.

Brookfield, S. (2006). Developing critical thinkers. Obtido em 22 de Novembro de 2011,

de Dr. Stephen D. Brookfield:

http://www.stephenbrookfield.com/Dr._Stephen_D._Brookfield/Workshop_Materia

ls_files/Critical_Thinking_materials.pdf

Brookfield, S. D. (1995). Becoming a critically reflective teacher. San Francisco: Jossey-

Bass Publishers.

Day, C. (2001). Desenvolvimento profissional de professores. Os desafios da aprendizagem

permanente. Porto: Porto Editora.

Dewey, J. (1933). How we think. London: Heath.

Elliott, J. (1991). Action research for educational change. Milton Keynes: Open University

Press.

Feiman-Nemser, S., & Remillard, J. (2005). Perspectives on learning to teach. Obtido em

11 de Novembro de 2011, de http://ncrtl.msu.edu/:

http://ncrtl.msu.edu/http/ipapers/html/pdf/ip953.pdf

Fogarty, R., Perkins, D., & Barell, J. (1992). How to teach for transfer. Illinois: The

Mindful School.

Hargreaves, A. (1998). Os Professores em tempos de mudança. Alfragide: McGraw-Hill.

Hargreaves, A. (2003). Teaching in the knowledge society. Education in the age of

insecurity. New York: Teachers College Press.

Kemmis, S. (1985). Action research and the politics of reflection. In R. K. D. Boud,

Reflection: Turning experience into learning (pp. 139-163). London: Kogan Page.

Perrenoud, P. (2001). Dez novas competências para uma nova profissão. Obtido em 20 de

Novembro de 2011, de http://www.unige.ch/:

http://www.unige.ch/fapse/SSE/teachers/perrenoud/php_main/php_2001/2001_23.h

tml

Perrenoud, P. (2002). A prática reflexiva no ofício de professor: Profissionalização e razão

pedagógica. Porto Alegre: Artmed.

Schön, D. (1983). The reflective practitioner. London: Basic Books.

Shulman, L. S. (Feb de 1986). Those who understand: knowledge growth in teaching.

Educational Researcher 15 (2), pp. 4-14.

Tardif, M. (2002). Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes.

Zeichner, K. (1993). A formação reflexiva de professores: Ideias e práticas. Lisboa: Educa.

Zeichner, K. (1995). Beyond the divide of teacher research and academic research.

Teachers and teaching: Theory and practice 1 (2), pp. 153-172.

Page 14: Formar Prof Investigador.aprocha

14