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Hermenêutica

Hermeneutica Unidade I

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Hermenêutica

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Professor conteudista: Alexandre Sanches Cunha

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SumárioHermenêuticaUnidade I

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................................12 CONCEITO ..............................................................................................................................................................23 EVOLUÇÃO HISTÓRICA .....................................................................................................................................3

3.1 Grécia Antiga ............................................................................................................................................33.2 A hermenêutica na Roma Antiga .....................................................................................................5

4 OS GLOSADORES E COMENTADORES ........................................................................................................75 A ERA MODERNA ...............................................................................................................................................86 DISTINÇÃO DOS TERMOS “HERMENÊUTICA” E “INTERPRETAÇÃO” ............................................. 127 FUNÇÕES DA INTERPRETAÇÃO .................................................................................................................. 138 CLASSIFICAÇÃO ................................................................................................................................................ 14

Unidade II

9 INTEGRAÇÃO DAS LEIS ................................................................................................................................. 179.1 Analogia ................................................................................................................................................... 17

9.1.1 Analogia legis ........................................................................................................................................... 199.1.2 Analogia juris ............................................................................................................................................ 19

9.2 Equidade .................................................................................................................................................. 219.3 Princípios gerais do direito ............................................................................................................... 23

9.3.1 A função criativa ..................................................................................................................................... 249.3.2 A função interpretativa ........................................................................................................................ 249.3.3 A função integradora ............................................................................................................................ 24

9.4 Costumes ................................................................................................................................................. 2410 ESCOLAS ........................................................................................................................................................... 26

10.1 A escola da exegese .......................................................................................................................... 2610.2 A escola histórica ............................................................................................................................... 2710.3 A escola dos pandectistas .............................................................................................................. 2810.4 Escola da livre pesquisa do direito .............................................................................................. 29

11 HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL ........................................................................................................ 29

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1 INTRODUÇÃO

Vale lembrar que, para o jurista, têm relativa importância as normas de atuação. Estas normas armazenam um consenso alcançado dentre os doutrinadores. É certo relembrar que a “tradição” tem um peso considerável no que tange a este tema.

Por meio da ciência hermenêutica, o Direito procura, entre outras coisas, reconstruir a gênese das normas. Um dos grandes fenômenos das normas jurídicas é que estas sofreram reelaborações. As normas jurídicas devem ser entendidas a partir da história da razão jurídica e não podemos esquecer, igualmente, que o conteúdo significativo prático dos princípios supremos varia, se bem que a mudança não afeta a sua formulação.

A hermenêutica, aplicada ao direito, esforça–se por conseguir um uso crítico e elaborado das fontes. É bem verdade que está assente, dentre os doutrinadores, que não existe apenas uma formulação tradicional e ininterrupta, que deve ser aceita sem discussões, mas sim uma pluralidade de tradições que aparecem com peso diferente.

Assim, conhecê–las, bem como seus mecanismos, revela extrema importância para a ciência do Direito.

Convém destacar, a título de elucidação, que o magistrado, durante a sua atuação para encontrar a solução do conflito existente no mundo dos fatos, aplica a norma jurídica, mas para isso deve buscar o sentido das normas1.

1Disponível em: <http://www.panoptica.org/dezembro2006pdf/2HermenuticaConstitucional.pdf>. Acesso em: 16 fev. 2011.

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Como afirma Tércio Sampaio Ferraz Júnior (2001), “a determinação do sentido das normas, o correto entendimento do significado dos seus textos e intenções, tendo em vista a decibilidade de conflitos, constitui a tarefa da dogmática hermenêutica”2.

Lembramos ao aluno, contudo, que estas aulas terão, obviamente (em virtude do próprio dinamismo do Direito), um enfoque crítico.

2 CONCEITO

No âmbito da etimologia, temos um conceito básico do que vem a ser hermeneuta, que pode ser elencado no seguinte modo:

• a palavra vem do grego herméneutês ou (intérprete).

Como se trata de interpretação, encontramos certo subjetivismo (que, talvez, em termos epistemológicos, pode ser inconveniente para a ciência). Deste modo, a “intenção” do intérprete pode encontrar–se “contaminada” pela sua posição no mundo, ou seja: sua formação histórica, artística, econômica, filosófica, religiosa etc. Notamos, então que a raiz, a essência do seu trabalho está justamente localizada onde se situa o pesquisador (inserido no mundo).

Assim, na relação com o mundo (ou o com o fenômeno jurídico, por exemplo), o pesquisador estabelece um encontro com o outro, com falas e discursos singulares, por meio da tradução da experiência do outro, num encontro de subjetividades.

Nas várias formas de compreensão (interpretação) do mundo, de nós próprios e do outro, passa–se por um conjunto de significados embutidos na cultura, na língua, no “não dito” e na pluralidade de elementos que necessitam de interpretações. Essa questão de interpretação se coloca como um problema, ainda

2Disponível em: <http://www.ebah.com.br/hermeneutica-constitucional-pdf-a46624.html>. Acesso em: 16 fev. 2011.

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mais quando buscamos fazer “ciência”. Ademais, até porque a interpretação e a crítica são princípios centrais da hermenêutica e o subjetivismo pode ser nocivo.

Mas cabe ainda aprofundarmos este conceito:

Observamos então, que o nome dado à ciência que estuda e confecciona o repertório de enunciados a serem respeitados pela técnica interpretativa é “hermenêutica” (isto vale tanto no âmbito religioso, filosófico bem como no campo do Direito).

Assim, como vimos na introdução, a interpretação tem o caráter concreto, seguindo uma via preestabelecida, em caráter abstrato, pela hermenêutica 3.

Convém, então, diante desses conceitos, aprofundá–los ainda mais fazendo uma distinção – que para efeitos de rigor – merecem ser distinguidos.

3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

3.1 Grécia Antiga

Curioso é que, no início, a hermenêutica estava muito ligada à Retórica. Se observarmos a Grécia Antiga, a hermenêutica era vista primordialmente sob um caráter linguístico, voltada para a transmissão de uma mensagem. Tratava–se de anunciar, esclarecer, traduzir algo que não estava claro. Portanto, não se trata de uma “ciência hermenêutica”, mas de simples técnica (o aluno deve levar em consideração que o termo “técnica” para os gregos possuía um conceito importante. A técnica estava a serviço da ciência).

Para o filósofo grego Platão, a hermenêutica consistia numa técnica que ficava em segundo plano, já que as palavras nunca poderiam nos dar um conhecimento verdadeiro sobre o

3Disponível em: <http://moisesbaje.blogspot.com/2009/01/hermeneutica.html?zx=3659b61026041fd1>. Acesso em: 26 jan. 2011.

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mundo, (pois somente a ideia – pensamento – poderia alcançar a verdade, entender e conhecer o real). Neste prisma, do mesmo modo que o artesão copia a obra de um artista, o intérprete faz uma imitação da ideia através da “palavra”.

A hermenêutica, em Platão, não produz efetivamente o “saber”, (trata–se de uma repetição), assim, nunca poderia ajudar o homem a alcançar aquilo que ele coloca como meta de sua vida, o conhecimento do bem. Platão nos deixou um legado importante traduzido em forma de “diálogos”.

Em um de seus diálogos, nomeadamente em “Crátilos”, constatamos não apenas a origem do “verbo”, mas também a palavra aplicada à convenção social. Observamos que estas (as palavras) pertencem ao mundo sensível e não estão, de modo algum, interligadas com as “coisas em si”, existentes no mundo das ideias, sustentadas pelo filósofo. Esta é a razão por que a hermenêutica não estaria relacionada ao processo do conhecimento das coisas propriamente ditas (situadas no “mundo das ideias”).

Aristóteles, discípulo de Platão, e professor de Alexandre o Grande, desenvolve um pensamento diferente do mestre. Convém lembrar que Aristóteles, embora discípulo de Platão, seguiu caminho de pensamento totalmente diverso de seu Mestre.

Em sua obra Peri Hermenéias (acerca da interpretação), o filósofo (Aristóteles) exibe um estudo sobre os conceitos e proposições que apresentam uma característica de verdade. Assim, segundo o filósofo, uma proposição só será efetivamente “verdadeira” se corresponder à realidade.

Vale dizer que a comunicação representa precisamente a realidade. Deste modo, outra pessoa também poderá reproduzir na sua mente o que foi descrito.

Como já foi abordado anteriormente, ao contrário de Platão, o seu discípulo, Aristóteles, elabora a relação entre o “conceito”

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e a “realidade” (pois entendia que o processo de conhecer ocorre através de abstrações partindo daquilo que é adquirido por meio da experiência sensível – diferente de Platão que o insere num “mundo ideal”).

Contudo, vale destacar que a hermenêutica de Aristóteles não investiga propriamente a “verdade” ou a “falsidade” de um determinado juízo. Preocupa–se apenas com a “adequabilidade” entre a linguagem e o pensamento. Neste prisma, constata–se que a hermenêutica é uma derivação da lógica (ramo da Filosofia), tendo um papel precipuamente explicativo (observe–se, aqui, que a técnica “está a serviço” da ciência).

Assim, as teorias filosóficas gregas (da Antiguidade Clássica), embora não estejam vinculadas diretamente ao Direito, tiveram influência marcante sobre os jurisconsultos romanos do alto império (exemplo: Aristóteles influenciou de modo muito intenso Cícero; e o papel deste último para o Direito Romano é extremo) os quais, sublinhe–se, eram estudiosos de Platão e, sobretudo, de Aristóteles.

3.2 A hermenêutica na Roma Antiga

Primeiramente, cumpre observar que os romanos foram muito influenciados pelos gregos. Conquistaram os gregos através das armas, mas foram subjugados pela sua cultura.

Neste aspecto, os jurisconsultos romanos, influenciados pelos pensadores gregos que avassalaram Roma antiga (dentre eles, o principal foi Aristóteles) construíram, a partir do velho conceito de hermenêutica existente, a interpretatio (interpretação), ou seja: ampliaram a técnica interpretativa advinda da Grécia.

Deste modo, através do estudo e visão dos “juris prudentes”, temos uma nítida evolução da mera aplicação da hermenêutica para a efetiva “criação” do Direito.

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Assim, a interpretatio adquire um papel importante tanto no aspecto teórico bem como no âmbito prático: no primeiro, consiste na interpretação do texto, no segundo, na criação da lei (lex). Neste ponto, observamos que a hermenêutica ganha um novo papel: não tem apenas a função de interpretar a lei, mas agora, dentro deste prisma prático, através da criação da lex, influenciar efetivamente a vida dos cidadãos de Roma.

O Direito é dinâmico e pode ser visto por vários pontos de vista. Assim, alguns tratadistas consideram a hermenêutica grega o berço da hermenêutica. Outros vão atribuir este papel à “interpretatio” romana como o nascedouro do método interpretativo. Uma coisa é fato: mesmo que a hermenêutica tenha efetivamente nascido na Grécia Antiga, a “interpretatio” romana iniciou uma técnica que é utilizada até os dias atuais.

A interpretatio romana estabeleceu também métodos de interpretação que são usados até os dias atuais (tais como a interpretação analógica, que busca traduzir o que está implícito na lei; o método gramatical, que busca a palavra no corpo da lei; o método lógico conjugado com o método histórico, que vincula a lei atual com as leis anteriores; o método teleológico, que persegue a finalidade do legislador ao elaborar a lei; e também o método lógico, que busca o liame entre as leis e o sentido da lei – estudaremos este tema com mais profundidade adiante).

Surge então a aequitas (a equidade). Este conceito, desenvolvido por Aristóteles, constitui o ponto máximo da interpretação. Propõe o filósofo que esta fosse um Norte para aquele que efetua o árduo trabalho interpretativo. Observamos que os romanos, principalmente depois de Cícero – que carrega em sua obra todo o pensamento de Aristóteles – usaram esse conceito, dada a sua concepção e ideal do Direito e de Justiça.

A “equidade” para Aristóteles basicamente consistia em saber que a lei tem caráter geral. Isso dificulta sua aplicação ou torna

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sua aplicação até injusta. Daí, a equidade: consiste na retificação da lei naquilo que se revela injusta ou de difícil aplicação.

4 OS GLOSADORES E COMENTADORES

O amplo documento jurídico compilado na época de Justiniano, que representou o ápice da produção jurídica romana (e início da atual), encontrava–se esparso, reduzido a um conjunto de fragmentos. Começou–se, então, um trabalho de compilação destes textos esparsos, para serem reunidos num único compêndio, que passou a se denominar “Corpus Juris Civilis”.

Durante este período (aqui se faz importante situarmo–nos na História), não havia um Direito sistêmico e científico. Este se encontrava esparso em todo o território europeu (temos como exemplo as tribos inglesas). Nesta época, prevalecia a tradição oral.

Nesse mesmo período, surgem os “glosadores”. Trouxeram um novo método de interpretação e estudo baseado no Corpus Juris Civilis. Este diploma tinha uma estrutura avançada para a época sistemática, levando–se em conta a época científica. Há, então, um redescobrimento do Direito Romano.

As glosas consistiam em interpretações feitas pelos juristas da época ao Corpus Juris Civilis. Inicialmente, foi a tradução de um trabalho de interpretação literal ou gramatical do Corpus Juris Civilis.

Observe–se que as glosas consistiam também num esforço de entender as entrelinhas do Corpus Juris Civilis. Isto tinha a finalidade de melhor elucidar os dispositivos legais, (temos aqui exemplo de integração de norma).

Note–se que este estudo tinha uma finalidade importante: a de ajudar os aplicadores e estudiosos do Direito na sua aplicação e integração.

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É precisamente nessa época que são produzidos, compilados e ampliados os conhecidos “brocardos jurídicos” (utilizados ainda hoje). Estes refletem a tradição, a forma costumeira e repetitiva da interpretação das leis.

5 A ERA MODERNA

Inicialmente, abordaremos o método hermenêutico de Schleiermacher.

Este pensador é classificado, dentro da Filosofia, como “histórico–crítico”. Sua abordagem metodológica nasceu no final do século XVII, perdendo força apenas no século XX. Para alguns, o método de Schleiermacher teria raízes na Filosofia das Luzes (basta ver que se iniciou no final do século XVII).

Este pensador acreditava que um determinado texto era fruto do homem inserido no mundo. Isto que dizer que o hermeneuta deveria, forçosamente, buscar no autor do texto a essência deste. Óbvio que os homens estão inseridos no mundo de modo diverso, daí, não só as diferenças, mas também a necessidade de se compreender o autor. Esta empatia facilitaria o trabalho do intérprete, pois estaria mais perto do pensamento do autor.

Assim, a compreensão de determinado dispositivo podia ir além daquilo que se pretendia compreender do pensamento de um determinado autor. Alguns defendiam a necessidade de experimentar o que teria vivenciado ou experimentado o autor que se estuda. Surge, então, a ideia daquilo que se denominou de “hermenêutica psicológica”.

Schleiermacher destacava que um texto possui um sentido próprio e único Isto seria devido à experiência do autor, ou seja: tradução do homem que é inserido no mundo e reflete essa ligação na produção científica, (na sua visão/interpretação

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do Direito, por exemplo). O intérprete tem a função de buscar essa “marca” de cada autor (note–se que essa “marca” reflete a perspectiva cultural, social, econômica, filosófica e artística de cada autor).

Vale destacar que Schleiermacher é considerado um dos pilares da hermenêutica moderna. Outros nomes importantes seriam Rudolf K. Bultmann, Karl Barth, Hans–Georg Gadamer (este último, estudaremos adiante).

Foi Schleiermacher quem tornou popular o liberalismo teológico. Wilhelm Dilthey (1833–1911), biógrafo de Schleiermacher continuou seu legado (notadamente no campo da Hermenêutica) e ajudou seu mestre a tornar acessível o liberalismo teológico.

Com o filósofo alemão Dilthey, a hermenêutica assume um arcabouço epistemológico com a finalidade de lidar com fatores humanos.

Como vimos, o diploma em que o intérprete se debruça reflete a realidade humana (o homem inserido no mundo), ou seja: sua perspectiva histórica, filosófica, cultural, econômica, artística etc. Observando–se estes aspectos, fundamentalmente sua inserção histórica, o intérprete busca o Norte que levou o autor à elaboração de determinado texto, seu sentido real.

Dilthey evidencia um postulado merecedor de análise: para ele, nossa experiência nos torna hábeis a imaginar outra experiência – parecida com a nossa, mas exterior a nós... – e efetivamente compreendê–la. Isto é devido à nossa experiência vivencial. Assim, temos a aptidão de nos colocarmos no papel do outro e imaginar – e, talvez, sentir! – sua vida interior, seus dramas, aflições, ambições etc. Isto facilita a compreensão da relação de um determinado texto/autor.

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Heidegger

Este é talvez um dos filósofos mais importantes do século XX. Heidegger opera duas rupturas em relação à concepção de hermenêutica desenvolvida por Dilthey:

1. Heidegger sustenta que a hermenêutica não vem inserida dentro de um contexto de uma determinada teoria do conhecimento (epistemologia ou gnoseologia). Esta não é a problemática exclusivamente das ciências humanas. Em Heidegger, diverso de Dilthey, sua filosofia não busca submeter aquilo que é típico e característico das ciências humanas a serviço dos postulados das ciências naturais. Para o filósofo alemão, a compreensão não é mais entendida como “o ato cognitivo de um sujeito descomprometido com o mundo”, mas antes como uma “dimensão essencial da existência”. Assim, compreender é um modo de estar antes de ser um método científico.

2. Heidegger sustenta que compreender um dispositivo já não depende necessariamente do autor (do outro, do alter). Observamos que o filósofo atribui menor valor a essa questão do papel do outro. Está muito mais interessado na questão do intérprete e sua efetiva relação com o mundo em que está inserido. Heidegger evidencia que compreender constitui um momento que, em primeira análise, antecede a dicotomia sujeito e objeto. Busca-se mais a questão do ser–no–mundo do homem. A hermenêutica de Heidegger está, antes de mais nada, orientada para o mundo do eu4, a minha inserção (intérprete) no mundo.

Gadamer

Primeiramente, cumpre destacar que o pensamento hermenêutico de Gadamer vem complementar o pensamento

4Vale lembrar ao aluno que Heidegger é um filósofo que possui termos muito próprios de sua Filosofia (geralmente utiliza-se do grego clássico ou alemão). Assim, a tradução, às vezes, é imperfeita ou limitada.

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do filósofo alemão Heidegger. Ambos vão dar ênfase à questão da linguística no procedimento interpretativo.

Tal como Heidegger, Gadamer destaca que determinado texto nunca será compreendido apenas com a intenção dada pelo seu autor. Isso faz sentido, pois um texto, mesmo após a morte do seu autor, ainda produz, ainda gera significado. Quando ultrapassa uma geração, novos significados são atribuídos a um texto. Vale destacar que muitos destes significados que futuramente se atribuirão a determinado texto, talvez nem tenham sido cogitados ab origine por seu autor.

Observe–se que isto cria certa subjetividade no texto. Isso gera certo dinamismo no que tange à sua interpretação, com isto não temos um significado certo, preciso, mas sim diferente e subjetivo (claro que dentro das normas permitidas pelo Direito). Isso faz com que o texto seja dinâmico. A interpretação deste texto deve ser situada dentro de um contexto histórico em que é efetuada. Sendo assim, o intérprete tem uma vantagem e uma desvantagem. A vantagem é que o texto nunca morre, estará sempre apto, sujeito a uma nova interpretação. A desvantagem consiste na impossibilidade do autor compreender o texto tal como ele é (o texto em si, utilizando–se aqui um tempero platônico).

Gadamer ressalta que toda interpretação de determinada obra vai traduzir um diálogo entre o momento em que foi escrita pelo autor (passado) e o momento em que se interpreta (presente ou futuro). Isso não deixará a hermenêutica estática (como as ciências exatas, por exemplo), mas vai dotar a hermenêutica de dinamismo, movimento, ou seja: dialética.

Gadamer descreve o processo histórico como movimento, dinamismo, ou seja: um intercâmbio entre passado e futuro. À Hermenêutica, fica reservado o papel de procurar dirimir alguns impasses que porventura venham a impedir esse dinamismo, esse diálogo.

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Dentro da Filosofia (e do Direito), nenhuma doutrina escapa às críticas. Isso aconteceu com Gadamer. Alguns o acusaram de ser tradicionalista ou antimodernista. Gadamer responde que mesmo a tradição está em constante movimento, ela não é estática. Apegar–se à tradição seria uma acomodação e, ao mesmo tempo, perigoso porque também é incerta devido a seu dinamismo. A História, para ele, seria fruto dessa dialética, desse diálogo entre passado, presente e futuro (a título de curiosidade, temos essa questão dialética também no pensamento marxista).

6 DISTINÇÃO DOS TERMOS “HERMENÊUTICA” E “INTERPRETAÇÃO”

Uma das finalidades da epistemologia consiste no efetivo conhecimento das palavras de determinada ciência. Assim, dentro do rigor epistemológico, devemos ter a cautela de que as expressões “hermenêutica jurídica” e “interpretação jurídica” não trazem no seu corpo o mesmo sentido.

A doutrina, buscando o rigor metodológico, dá sentido diverso aos termos em comento. Na doutrina brasileira, os autores fazem a distinção dessas expressões do seguinte modo: “interpretação” traduz uma noção ligada à técnica; já a hermenêutica está ligada ao conceito de ciência. Daí obtermos a tradicional definição de hermenêutica como a “ciência de interpretação” das leis jurídicas.

A partir do momento em que o intérprete tem o contato com o texto jurídico, inicia–se a interpretação. Assim, o hermeneuta buscará, através de métodos específicos e consagrados pelo Direito, integrar ou buscar o conteúdo real de um determinado dispositivo jurídico.

A professora Maria Helena Diniz, em sua obra Compêndio de Introdução à Ciência do Direito (1999), caminha num sentido semelhante quando afirma tratar–se a hermenêutica da “teoria científica da arte de interpretar”5.

5Disponível em: <http://www.ebah.com.br/hermeneutica-constitucional-pdf-a46624.html>. Acesso em: 16 fev. 2011.

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Ou seja: hermenêutica é o conjunto de princípios e normas que norteiam a interpretação6.

Como na doutrina (tanto brasileira como estrangeira), não temos uma definição pacífica do que efetivamente constitui a hermenêutica (se esta é ou não ciência). O Ministro Eros Grau afirma que a interpretação das leis é, na verdade, uma “prudência” (no sentido de “sapiência”), isto é: um saber prático.

7 FUNÇÕES DA INTERPRETAÇÃO

Como já foi abordado, o Direito é dinâmico. Assim, não existe unanimidade na doutrina (seja brasileira ou estrangeira), em relação à definição das funções da interpretação das normas jurídicas. Para a professora Maria Helena Diniz em seu livro, Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, as funções da interpretação são as seguintes:

a) a de conferir a aplicabilidade da norma jurídica às relações sociais que lhe deram origem;

b) a de estender o sentido da norma a relações novas, inusitadas, ao tempo de sua criação;

c) a de temperar o alcance do preceito normativo para fazê–lo corresponder às necessidades reais e atuais que a sociedade exige, ou seja: aos fins sociais e aos valores reinantes que se propõe a garantir7.

O Ministro de nossa Suprema Corte, Eros Grau – ele mesmo intérprete de nossa Charta – por seu turno, destaca (dentro daquele espírito prático acima descrito) que o hermeneuta não pode, ao se debruçar sobre um texto, desconsiderar sua efetiva aplicação prática. Para esse Ministro, o único intérprete garantido por lei seria o Juiz que integra ou interpreta uma norma dentro de sua sentença.

6Disponível em: <http://www.panoptica.org/dezembro2006pdf/2HermenuticaConstitucional.pdf>. Acesso em: 16 fev. 2011.

7Ibidem.

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8 CLASSIFICAÇÃO

Podemos classificar, com fins didáticos, em apertada síntese, dentro do seguinte esquema:

a) quanto à origem:

1. autêntica ou legislativa: ocorre quando surge do próprio poder que a elaborou o ato cujo sentido e alcance ela declara. Alguns autores acreditam ser ela obrigatória, devendo ser observada pelas autoridades. Outros autores sustentam que esta interpretação fere o princípio de Montesquieu, ou seja: ao Congresso incumbe fazer normas, ao aplicador (Executivo) impor as mesmas e ao Judiciário interpretá–las (embora Montesquieu também desse uma liberdade de interpretação ao Executivo);

2. doutrinária: esta interpretação é realizada nos moldes de regras, ou seja, cientificamente pelos doutrinadores consagrados pelo Direito, pelos professores de Direito e autores renomados e reconhecidos pelo meio acadêmico e pelo meio jurídico. Encontramos essa interpretação, a título de exemplo, nos manuais de Direito;

3. judicial ou jurisprudencial: esta modalidade é fruto das decisões prolatadas pela justiça, exemplo: uma súmula de um tribunal;

4. administrativa: é a modalidade em que a fonte elaboradora é a própria administração pública (através de seus múltiplos órgãos, por meio de pareceres, portarias, despachos, decisões etc.);

b) quanto ao método:

1. literal ou gramatical: traduz a interpretação voltada à investigação das “palavras que compõem a lei”. Busca–se o “sentido literal do texto da lei” partindo–se da análise gramatical dos vocábulos que a constituem;

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2. lógico ou racional: traduz a aplicação da lógica formal aos dispositivos da nova lei que o hermeneuta deseja interpretar. Está ligada ao “espírito da lei”. Revela–se num processo lógico e analítico;

3. sistemático: consiste na interpretação da lei considerando–a como parte integrante de um todo, nomeadamente, do sistema jurídico. Isso significa que nenhum dispositivo será interpretado isoladamente. Será sempre analisado, sempre relacionado, com os demais integrantes “do todo” (do sistema jurídico);

4. histórico: busca–se, com este método interpretativo, os precedentes legislativos, o verdadeiro sentido da lei a ser interpretada (dentro de seu contexto histórico). As novas leis que daí resultam revelam certo aperfeiçoamento quando comparadas com as leis anteriores. Observa–se aqui tanto o sentido bem como o conteúdo histórico;

5. sociológico: este método interpretativo reveste a lei de um sentido de “atualidade” (maior adequação à realidade/necessidade social). O surgimento da sociologia jurídica impulsionou este método, compensando as distorções que os outros métodos normalmente carregam consigo;

6. teleológico: através deste método, procura–se fazer uma interligação entre a lei, sua causa e sua finalidade. Busca–se aqui a “finalidade” que a lei (ou o legislador, ao elaborá–la) queria alcançar, ou seja: a “mente” do legislador.

Vejamos, então, alguns casos práticos dentro da jurisprudência:

a) Conflito negativo de competência – Distribuição por dependência – Admissibilidade – Demanda originária já definitivamente extinta sem julgamento de mérito – Repetição pura da demanda visando submeter a outro

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juízo a mesma pretensão – Hipótese que, por interpretação teleológica, se amolda ao artigo 253, inciso II, do CPC. Competência do Juízo Suscitante (1673130800 – SP – TJSP – 28/10/2008)8.

b) Equiparação salarial – Conceito de mesma localidade – Art. 461 da CLT. Por “mesma localidade” não há que se considerar sempre e necessariamente como mesmo município ou cidade, ainda que em uma interpretação literal ou gramatical. Localidade não é sinônimo de município ou cidade. Embora, como regra, seja dentro destes limites que deva se impor a igualação salarial.

Mas não viola o art. 461 da CLT expressamente quando, reconhecendo–se as mesmas condições de vida, as mesmas condições socioeconômicas existentes em cidades ou municípios limítrofes da mesma região geoeconômica ou da mesma região metropolitana, reconhece–se o direito à equiparação salarial entre empregados que trabalham em cada um deles. Embargos não conhecidos (RO 15107/1996–000–03–de Seção de Dissídios Individuais – Subseção I, 28 de maio de 2001)9.

8Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/topicos/297091/interpretacao-teleologica>. Acesso em: 27 jan. 2011.

9Disponível em: <http://www.ebah.com.br/trab-oj-252-sbdi-1-do-tst-equiparacao-salarial-doc-doc-a1863.html>. Acesso em: 27 jan. 2011.

Leitura sugerida: Hermenêutica aplicada ao direito, de Carlos Maximiliano.