Huberto Rohden - Minhas vivências no Egito, na Palestina e na Índia

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    HUBERTO ROHDEN

    MINHAS VIVNCIASNA PALESTINA,NO EGITO E NA NDIA

    MENSAGEMO Centro de Auto-Realizao Alvorada e aALVORADA Editora e Livraria,cumprindo sua finalidade de orientar e educar, desejam contactar compessoas interessadas em Cosmo-meditao, Auto-conhecimento eAuto-realizao. Escrevam-nos pedindo material informativo.

    CAPAVictor GrozIMPRESSO E ACABAMENTOPlanimpress Grfica e Editora Ltda.DISTRIBUIO S LIVRARIASCatavento Distribuidora de Livros S.A.R. Cons. Ramalho, 928 - Tel.: 289-0811 (PBX) - So Paulo - SPEDITORAOALVORADA Editora e Livraria Ltda.Caixa Postal 9897Telefones: 864-9535, 864-1665 e 229-2519

    CEP01254-So Paulo-SPATENDEMOS PELO REEMBOLSO POSTAL

    AdvertnciaA substituio da tradicional palavra latina crear pelo neologismomoderno criar aceitvel em nvel de cultura primria, porque favorecea alfabetizao e dispensa esforo mental- mas no aceitvel em nvel de cultura superior, porque deturpa opensamento.Crear a manifestao da Essncia em forma de existncia - criar atransio de umaexistncia para outra existncia.O Poder Infinito .o creador do Universo - um fazendeiro " criador de

    gado".

    H entre os homens gnios creadores, embora no sejam talvez criadoreS.A conhecida lei de Lavoisier diz que "na natureza nada se crea e nada seaniquila, tudo se transforma", esta lei est certa se grafarmos, "nadase cres", mas se escrevermos "nada se cria", ela resulta totalmentefalsa.Por isto, preferimos a verdade e clareza dopensamento a quaisquer convenes acadmicas.

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    VIDA E OBRA DE

    HUBERTO ROHDENDADOS BSICOSNasceu em Tubaro, Santa Catarina,Brasil. Fez estudos no Rio Grande doSul. Formou-se em Cincias, Filosofia eTeologia em Universidades da Europa - Innsbruck (Austri a), Valkenburg(Holanda) e Npoles (Itlia).De regresso ao Brasil, trabalhou como professor, conferencista eescritor. Publicou mais de 60 (sessent a) obras sobre cincia, filosofiae religio, editadas pela Editora Vozes (Petrpolis) , Unio Cultural

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    (So Paulo), Editora Globo (Porto Alegr gre), Livraria Freitas Bastos (Riode Janeiro), Fundao Alvorada e outras editoras. Vrios livros deHuberto Rohden foram traduzidos em outras lnguas, inclusive oEsperanto; alguns existem em Brailie, para institutos de cegos.

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    Rohden no est filiado a nenhuma igreja, seita ou partido poltico.Fundou e dirige o movimento mundial "AL VORADA ", com sede em So Paulo.De 1945 a 1946 teve uma Bolsa de Estudos para Pesquisas Cient(ficas, naUniversidade de Princeton, New Jersey (Estados Unidos), onde conviveucom Albert Einstein e lanou os alicerces para o movimento de c2mbitomundial da "Filosofia Univrsica", tomando por base do pensamento e davida humana a constituio do prprio Universo, evidenciando a afinidadeentre Matemtica, Metafi'sica e Mstica.Em 1946, Huberto Rohden foi convidado pela "American University", deWashington, D. C., para reger as ctedras de Filosofia Universal e deReligies Comparadas, cargo esse que exerceu durante cinco anos.Durante a ltima Guerra Mundial foi convidado pelo "Bureau of Inter-American Affairs", de Washington, para fazer parte do corpo de tradutoresdas notcias de guerra, do ingls para o portugus. Ainda na "Am'ericanUniversity", de Washington, fundou o "Brazilian Center", centro culturalbrasileiro, com ofim de manter intercmbio cultural entre o Brasil e os,Estados Unidos, sendo ento seu presidente honorrio o senhor Nereu

    Ramos.8

    Na capital dos Estados Unidos, Rohaden frequentou, durante trs anos, oGolden Lotus Temple, onde foi iniciado em Kriya Yoga por SwamiPremananda, diretor hindu desse ashram.

    Pelo fim da sua permanncia nos Estados Unidos, Huberto Rohden foiconvidado para fazer parte do corpo docente da nova UniversidadeInternacional "International Christian University" (ICU), de Metaka,Japo, afim de reger as ctedras de Filosofia Universal e ReligiesComparadas; mas, devido guerra na Coria, a Universidade japonesa no

    foi inaugurada, e Rohden regressou ao Brasil. Em So Paulo foi nomeadoprofessor de filosofia na Universidade Mackenzje, cargo do qual notomou posse.

    Em 1952,fundou em So Paulo a Instituio Cultural e Beneficente"Alvorada", que mantm cursos permanentes, em So Paulo, Rio de Janeiroe Goinia, sobre Filosofia Univrsica e Filosofia do Evangelho, e dirigeCasas de Retiro Espiritual (ashrams) em diversos Estados do Brasil.

    Em 1969, Huberto Rohden empreendeu viagens de estudo e experinciaespiritual pela Palestina, Egito, ndia e Nepal, realizando diversasconferncias com grupos de yoguis na ndia.

    Em 1976, Rohden foi chamado a Portugal

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    para fazer conferncias sobre auto-conhecimento eauto-realizao. Em Lisboa fundou um setor do Centro de Auto-Realizao"Alvorada".

    A zero hora do dia 7 de outubro de 1981, aps longainternao em uma clnica naturista de So Paulo, aos 87 anos, o

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    professor Huberto Rohden partiu deste mundo e do convvio de seus amigose discpulos.

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    Preldio

    Em 1969, fui visitar trs continentes doglobo: Europa, sia, frica.Por qu?Em busca da verdade? procura de homens diferentes dos nossos?No! Os homens so fundamentalmente osmesmos, em toda parte.Enquanto viajava pelos mundos, dava ordem aos mundos para viajarematravs de mim, que me mostrassem o mesmo homem j conhecido emperspectivas vrias.Nunca o homem se conhece to bem a si mesmo como quando recebe o impactode homens alheios. A alteridade dos outros cataliza e intensifica em nsa identidade prpria. Cristaliza o nosso auto conhecimento.

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    Alemes, suos, gregos, israelitas, rabes, egpcios, hindus, nepalesese outros povos que encontrei - que poderiam eles dizer-me de novo?

    Religies crists de vrios matizes, crenas hebrias e cultosmaometanos, filosofias hermticas, mistrios helnicos, metafsicasbrahmanes e msticas budistas; templos, igrejas, mesquitas, pagodes -nada de novo me disseram, mas tornaram mais consciente em mim aquilo queeu j era e sabia.Nesses espelhos vi o que sem espelho no poderia ver: o meu prpriosemblante refletido neles, atitude de minha alma, o carter do meu Euindividual.Europa, sia, frica - eu viajei atravs de vs, externamente - mas vsviajastes atravs de mim, internamente. Contemplei as vossas quantidades- e vs me revelastes a minha qualidade.E alguns homens verticalizados, que em vs viveram, deixaram as suasmisteriosas auras, os seus fascinantes eflvios em vosso ambiente

    histrico.Leitor amigo. No esperes encontrar nas seguintes pginas algo como umguia de turismo, descries de culturas alheias, vises panormicas dospases e povos que visitei.Nada disto encontrars neste livro. Direiapenas - mais a mim do que a ti - o quepessoas e povos me disseram, mais pelo seu

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    ser do que pelo seu dizer, enquanto viajavam atravs de mim. Nada direida sua onilateral totalidade - algo direi da sua unilateralparcialidade, no setor peculiar em que eles afinarem com a freqncia

    vibratria de minha alma.Certamente, no vi esses pases e povoscomo eles so - mas to-somente assim comoeu sou.E se tu, ignoto leitor, tiveres outras idias desses mesmos pases epovos, reconhece as tuas idias, embora discordantes das minhas, comoigualmente verdadeiras. Diversidade de opinio no hostilidade. Se nohouvessem opinies vrias, seria este mundo uma insu portvel monotonia.Se tudo fosse apenas UNO, no haveriaUniverso.

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    Se tudo fosse apenas VERSO, no haveria Universo.Mas h Universo porque o Uno e o Verso, embora diferentes, no socontrrios, mas harmonizados numa fascinante complementaridade:unidade na diversidade, Harmonia Csmica.Viajei pelas diversidades de fora, para sentir mais intensamente a minhaunidade de dentro - unidade na diversidade, a identidade das alteridades- o Universo em mim pelo Universo em si.

    Huberto Rohden

    Nuncao homem se conhece to bem a si mesmo como quandorecebe o impacto de homens alheios. A alteridadedos outros catalisa e intensifica em ns a identidade prpria.Cristaliza o nosso auto-conhecimento.

    Quarenta Pases em Torno de um InsetoNa tarde de 2 de agosto de 1969, noAeroporto Internacional de Viracopos, em So Paulo, o jato da"Lufthansa" levantava majestoso vo.Depois de 40 minutos, pousou no aeroportodo Galeo, Rio de Janeiro. Ao anoitecerdecolou rumo nordeste.

    Durante 9 horas sobrevoamos o Oceano Atlntico, enquanto os passageirosdormiam tranqilamente, a uns 10.000 metros de altitude, viajando com avelocidade de 9.300 quilmetros por hora.Amanhecemos em Lisboa; os nossos relgios marcavam apenas 2 horas danoite. O sol, que vinha ao nosso encontro, roubou-nos 4 horas de sono.Eram 6 horas.

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    Mais algumas horas e aterrisvamos em Zurique, na Sua. Pouco depois,em Frankfurt e em Munique, na Alemanha.Nesta ltima cidade me associei a mais de3.500 apicultores e cientistas, cidados de

    40 pases dos 5 continentes do globo. Os pasesrepresentados eram os seguintes:

    AfganistoAlemanhaArgliaArgentinaAustrliaustriaBlgicaBrasilBulgriaCanad

    ChileChipreDinamarcaEspanhaFinlndiaFranaGrciaIrlandaHungriaIndia

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    InglaterraIrAIrlandaIsraelIugoslviaKniaLbano

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    MarrocosNoruegaPolniaPortugalRodsiaRumniaRssiaSuciaSuaTchecoslovquiaTunsiaTurquia.

    Por espao de uma semana inteira, de 1 a 7 de agosto, estiveram mais de

    3.000 pessoas reunidas, na vasta rea da Feira de Exposies, falando,estudando, discutindo - sobre qu

    Sobre um inseto!

    Como Um simples inseto?

    Celebrava-se o 22. Congresso Internacional da Apicultura. Oscongressistas eram apicultores ou cientistas interessados emconhecimentos mais vastos e profundos sobre esse fascinante inseto, emtorno do qual se tem escrito milhares de livros em todas as lnguas domundo.

    O nosso Brasil estava representado por uns 15 apicultores.

    O que para mim havia de mais interessante no eram, propriamente, aseruditas conferncias, mas sim o contato pessoal com homens de 40pases, cada um com suas experincias

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    individuais. Conversei muito com escandinavos, russos, hindus,rabes, hngaros e alguns sul-americanos.Ofereci ao Congresso trs presentes: Minha novela cientfico-popularsobre as abelhas, entitulada "Isis"; um vidro de mel do meu apirioperto de Jundia, So Paulo; e um "arranha- cu" de uns 50 cm de altura,

    composto de 30 andares, atravessados por um corredor central e munido deduas vlvulas de ventilao, arranha-cu construdo por vespasbrasileiras do Estado de Gois.Durante todo o Congresso no se falou na famigerada "abelha africana",porque ela no existe na Europa. Como todos sabem, desde 1956, aadamsonii se tornou um problema srio no Brasil, e, ultimamente, em todaa Amrica do Sul. Algumas dezenas de rainhas africanas, foramintroduzidas em nosso pas por um cientista, com o fim de melhorar anossa apicultura nacional. Enquanto elas estavam controladas, tudocorria bem; mas, quando, pela imprudncia de um funcionrio, foram

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    soltas e invadiram So Paulo, o Brasil, e, por fim, toda a AmricaMeridional, alastrou-se o grande problema, uma vez que a ferocidadedessa abelha no menor que a sua produtividade.Felizmente, hoje, mais de 20 anos depois, a abelha africana j estprestando bons servios, suposto que o apicultor saiba entender-se comela.

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    A Europa, embora ligada frica atravs do Oriente Mdio, nunca sofreudessa invaso- por que no At hoje ningum soube dar-me resposta satisfatria a essapergunta. Nem mesmo na sia, to prxima da frica, existe a apis mellifera adamsonii, ao menos no em sua forma agressiva, como entre ns.No meu livro "Isis" dei o motivo da ferocidade da abelha africana, que apis mellif era,como a chamada europia.Perguntei a umas dezenas de apicultores quanto mel produzia, na mdia,uma colmeia, por espao de um ano; quase nenhum apicultor colhiaanualmente mais de 10 quilos de mel, por colmeia; as abelhas strabalham durante 5 ou 6 meses, ou menos, porque, nos restantes mesesno havia flores e a temperatura era imprpria.No Brasil, onde existe apicultura racional, podemos colher anualmente20-50 quilos de mel por colmeia, e as nossas abelhas trabalham 12 meses

    por ano. O Brasil seria o pas ideal para apicultura - e, no entanto, insignificante a nossa produo de mel.Na Alemanha os apicultores tm de alimentar as suas abelhas durante olongo inverno e, alm disto, abafar as colmeias a fim de manter calorsuficiente no interior. E, no entanto, enorme o entusiasmo e o amorcom que eles se dedicam apicultura, visando mais ao prazer do que aolucro. Pois, no mesmo fascinante

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    poder saborear um produto puro e sadio que, pouco antes, eram gotinhasde nctar no clice das flores?Geralmente, o consumidor europeu gosta de saborear o mel quando em

    estado cristalizado - ao passo que muito brasileiro torce o nariz quandov mel aucarado e desconfia que seja falsificado, uma vez que tantosvendedores misturam o mel com melado de engenho, glicose, ou outrosingredientes. Conheo apicultores que fervem o seu mel a fim de evitar acristalizao, destruindo assim muitos dos elementos nutritivos. Novejo nenhuma necessidade para esse procedimento. Sou apicultor hdiversos decnios e sei que possvel conservar o mel tal qual saiu dosfavos, em perfeito estado de liquidez.

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    Em Israel

    Terminado o 2. Congresso Internacionalem Munique, retomei o avio e voei diretamente, em pouco mais de trshoras, por sobre os Alpes e o Mar Mediterrneo, rumo a Tel-Aviv, Estadode Israel.No longo trajeto terrestre entre o aeroporto e a cidade de Tel-Aviv aJerusalm, encontrei-me, no txi, com um rabino judeu, que mecontemplava silencioso e pensativo. Por fim, me disse vagarosamentecoisas bem estranhas sobre mim mesmo, mas que no posso consignar emletra de forma. Ia a Bang-kock, o da ao Vietnam, a fim de participar deum congresso poltico de pacificao na desastrosa guerra entre o

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    Vietnam e os Estados Unidos.No tardou que entrssemos em guas deprofunda Filosofia Csmica, atingindo, por

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    vezes, as fmbrias da mstica. E, como o rabino ia em carter depacificador potencial entre povos beligerantes, falei-lhe de um homemque, h quase 2000 anos, disse: "Bem-aventurados os pacificadores,porque eles sero chamados filhos de Deus".O meu ouvinte se abespinhou um pouco ao saber que eu considerava oNazareno como o maior gnio espiritual da humanidade, quando ele punhaMoiss acima de tudo. Mas, no fim de quase meia hora de palestrafilosfico-mstica, parece que se convenceu tacitamente da verdade dasminhas afirmaes. Despediu-se de mim carinhosamente, prometendo envidartodos os esforos para aplainar os caminhos da paz entre os homens deboa vontade, de c e de l. Ao despedir-se de mim, em Jerusalm,perguntou se eu estaria disposto a lecionar Filosofia Csmica naUniversidade Hebraica de Jerusalm. Respondi-lhe que aceitaria o convitese algum poder competente me convidasse para esse cargo.Nada mais ouvi do rabino.Em 1969, havia apenas dois decnios que Israel, aps quase 2000 anos dedisperso pelo mundo inteiro, voltara a ser um Estado independente. E emdois decnios conseguiu Israel realizar um autntico milagre:

    transformou o antigo deserto rido num magnfico pomar e em vastoscampos de agricultura. Mquinas gigantescas tiravam gua das profundezasdo solo e lanavam chuvas artificiais grande distncia, preparando aterra para o plantio.

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    Vastos laranjais exportam seus produtos para diversos pases europeus.Os kibutzim, ou cooperativas agrcolas,so maravilhas de organizao de agriculturaracional.No encontrei um mendigo nem um desempregado em Israel; todostrabalham e tm com que viver. No tempo da genial Golda Meir o pas foi

    cortado de estradas asfaltadas de ponta a ponta.Israel um pas cercado em parte de repblicas rabes, que continuam nasua pobreza tradicional. Os filhos de Agar, embora tenham por ascendenteo mesmo pai Abraho, parecem no ter o esprito de iniciativa como osfilhos de Sarah.Durante a minha curta permanncia em Israel, meditei muito sobre oestranho enigma:por que que os judeus, que no formam nem nunca formaram 1% (um porcento) da humanidade total, tm cerca de 50% (cinqenta por cento) dosgrandes gnios em todos os ramos da cultura humana ? Dizem uns que essagenialidade lhes vem dos seus terrveis sofrimentos:mais de quatro sculos escravizados pelos faras do Egito; quase umsculo exilados na Assria; quase outro sculo na Babilnia; desde o

    primeiro sculo da Era Crist at pouco, errando pelo mundo inteiro, semptria nem lar...Se o sofrimento fosse um despertador de genialidade, porque que ospovos africanos, com milnios de sofrimento e escravizao, noproduziram grandes gnios, ao menos no nos tempos atuais

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    Temos de associar ao sofrimento outro fator: uma grande disciplina eauto-fidelidade. O israelita brasileiro no Brasil, alemo na Alemanha,

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    russo na Rssia, etc. - mas no deixa de ser judeu de alma em qualquerparte do mundo.

    Israel est rodeado de harns nos pases rabes, mas no existe um nicoharm em Israel. O esprito de famlia unida, a fidelidade conjugalfazem parte do carter do judeu genuno, tanto na antiga poligamiamosaica, como na monogamia atual. Parece que a disciplina sexualfavorece a genialidade cerebral; que vigora uma secreta simbiose entresexo e crebro.

    29Nos Rastros do Nazareno

    Jerusalm, Belm, Nazar, Tabor, Poo de Jac, Betnia, Getsmane,Glgota- que estranhas reminiscncias nos evoca cada uma destas palavras... Anossa alma associa coisas belas e beatficas a estas palavras sagradas,que estamos habituados a ler e ouvir desde a nossa infncia, no lar, naescola, na igreja, por toda a parte.Vagarosamente, ineditativamente, andei saboreando e sofrendo cada umdestes lugares, que, decnios atrs, descrevi no meu livro "JesusNazareno", mas sem os ter visto com os olhos do corpo.Tenho a impresso de que esses lugaressagrados viajam mais atravs de mim do que

    eu atravs deles.31

    E todos eles envoltos num ambiente paradoxal; pois a Terra Santa daPalestina, onde o Cristo, na forma humana de Jesus, viveu algunsdecnios, no pertence aos cristos - pertence hoje aos israelitas, queno reconhecem Jesus como o Messias prometido; e pertenceu por muitossculos aos muulmanos, que vem em Jesus apenas um venervel profeta.Mas, apesar dos pesares, esses lugares esto sacralmente imantados erecebem anualmente a visita de milhares de cristos de todos os pasesdo globo terrestre. H, na Palestina, numerosas igrejas crists,conventos, mosteiros, ermidas de discpulos do Nazareno - coptos,

    ortodoxos, romanos, evanglicos - no importa o nome.Em Jerusalm, fiz a via-dolorosa, desde o Pretrio da flagelao at aoCalvrio da crucificao, lendo ou relembrando em cada etapa o que osevangelistas nos deixaram escrito sobre esses estranhos acontecimentos,e saboreando in loco o seu eterno contedo. Muitos dos estgios da viasacra esto assinalados com placas ou tabuletas comemorativas: primeiraqueda debaixo da cruz, segunda queda, encontro com Vernica, com Simode Cirene, etc.No princpio da via crucis est a "Casa de Vernica". um pequenorecinto meio subterrneo, que recebe luz s por uma grade de ferro aonvel da rua. Dentro do recinto h uns bancos toscos fixos nas paredes.Pedi permisso s irms francesas, ao lado da "Casa de Vernica", parapoder fazer a minha meditao nesse recinto sagrado, que, durante quase

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    20 sculos, tem sido visitado por pessoas sedentas de espiritualidade.Entrei - e no tive mais vontade de sair. As auras ou vibraes msticasdeixadas por milhares de pessoas que aqui oraram e meditaram, seapoderam do visitante e o permeiam e imantizam a tal ponto que todo omundo externo desaparece e todos os pensamentos se diluem, permanecendoto-somente a conscincia, ou seja, a alma isolada em total vacuidade domundo material. Deixar a vida terrestre nesse recinto sagrado no seria

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    morrer, mas viver mais intensamente em outras regies.Com Maria e Marta e Lzaro estive em Betnia, na "Casa da Graa"... Nadavi de Lzaro, nada ouvi de Marta - s me abismei no silncio de Maria,porque estava presente o Mestre - e que discpulo poderia falar napresena do Mestre ?... No falei - calei-me.Quem falava era ele, s ele - e minha alma ouvia em silncio... Depois,quando o Mestre no estava mais, perguntei a Maria porque ela, Marta eLzaro, to amigos do Nazareno, no apareceram no Calvrio nem na manhda ressurreio, como os outros discpulos. Maria no falou; entregou-meem silncio um rolo de pergaminho, parte dos livros sacros dos Essnios.Minha alma sintonizou com a alma de Maria, e cheguei a saber do porquda ausncia do trio de Betnia: eles, como Essnios altamente iniciados,no acreditavam em morte real. Tambm, como poderia haver essa coisaabsurda chamada "morte", quando a Vida est onipresente? E que lugarteria a ausncia da vida (morte) na onipresena da Vida? Onde estaria

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    a treva na plenitude da Luz e?... Alis, l estava Lzaro como provaviva da no-existncia da morte.

    Um dia, a meio caminho do Mar Morto, a polcia de Israel me interceptoua passagem; tive de voltar sem ter visto as guas betuminosas desse lagoestranho, a centenas de metros abaixo do nvel do Mediterrneo. que

    avies israelenses estavam bombardeando as bases rabes do outro lado doMar Morto.

    A Terra Santa , de fato, um constante campo de batalha desde a criaodo Estado de Israel. Israel, ao que parece, est disposto a recuperartoda a rea da antiga "terra da promisso", que foi de seusantepassados. Esta f religiosa-nacional lhe d irresistvel entusiasmoe iniciativa. Acresce que Israel luta com as armas mais modernas eeficientes e possui timos chefes militares, sobretudo na aeronutica,ao passo que os pases rabes so desunidos, mal dirigidos, semdisciplina, e no possuem o entusiasmo ou fanatismo espiritual- nacionaldos israelitas.

    Numa dessas tardes, em Jerusalm, fui acompanhar um silencioso rabino,que, de barba preta, envolto na sua austera indumentria negra e com umchapu alto na cabea, se dirigia

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    ao histrico "muro das lamentaes", uma grande muralha que se estendepor detrs da mesquita de Omar, mesquita que, pouco depois da minhavisita, foi incendiada. H quase 2000 anos que os judeus, sobretudo seuschefes religiosos, fazem a sua lamentao diante deste muro.Entregaram-me um bonezinho de papel preto, que coloquei na cabea, a fimde poder falar com Deus, no meio dos que invocam Yahveh para que mande oMessias e restabelea as glrias de David e Salomo. Quando se v nas

    ruas de Jerusalm um homem srio, silencioso, que no fala com ningum,com duas trancinhas de cabelo encaracolado de cada lado da cabea, ento certo que a est um tpico rabino, que vai ao muro das lamentaes,para chorar e para mentalizar o Messias de Israel. Os lamentadores, oshomens do lado esquerdo, as mulheres do lado direito, esto em p, a unsdois passos da muralha, muitos com um livrinho na mo, do qual recitamtextos com voz chorosa e montona, balanando ligeiramente e tocando, devez em quando, o muro com a cabea.Pergunto a mim mesmo se esses brados, quase bimilenares, no seriamcapazes de produzir o Messias que eles esperam... Acho possvel que uma

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    vibrao constante, altamente potencializada, acabe por sematerializar. No que Moiss materializou mentalmente o AnjoExterminadr, que matou os primognitos dos egpcios...?

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    Em Nazar fui visitar a casa de Maria, onde "o Verbo se fez carne". Comestranheza ouvi que a anunciao referida por Lucas se deu numa espciede gruta ou poro da casa, onde Maria estava em meditao (talvez emxtase ou samadh i), no meio de sacos de cereais e outros mantimentos.Por cima dessa gruta h um painel representando a visita do anjo Gabriel Virgem. Pela primeira vez vi o anjo representado sem asas; a figurade um jovem humano, de mos erguidas, em atitude de dar algo a algum.Do outro lado est Maria, com as mos baixas e palmas voltadas paracima, em estado de receber aquilo que o jovem lhe d. Entre o jovemdoador e a jovem receptora paira o smbolo radiante do Esprito Santo, o"poder do alto", como que uma ponte de luz entre o doador e arecebedora.

    Contemplei longamente esse smbolo mstico e lembrei-me do captulo domeu livro "Setas na Encruzilhada", onde fiz ver que Jos o paimetafsico de Jesus. Mateus e Lucas negam explicitamente a paternidadefsica de Jos, mas o fato de traarem longas genealogias dosascendentes de Jesus - Mateus desde Abrao, Lucas desde Ado - insinua

    que existe uma ligao real de paternidade entre Jos e Jesus; docontrrio, essas genealogias no teriam sentido algum. Fiz ver, nocitado livro, que existe essa paternidade metafsica - real, embora nomaterial - e em Nazar vi, pela primeira vez, representadaartisticamente, a minha concepo. O autor desse painel deve ter sido umgrande intuitivo, ao representar o

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    Gabriel, isto , o varo (gabr i) de Deus (El) na forma de um jovemhumano, e no de uma entidade anglica.Por via de regra, como explanei no citado livro, e melhor ainda no livro"A Nova Humanidade", a concepo comum se faz via espermatozide-vulo;

    mas, em casos excepcionais, ela, possvel via verbo-vulo. O radical de"verbo" e de "vibrao" o mesmo. Certa vibrao, astral ou espiritual,pode causar fecundao, mesmo que na zona do consciente no haja ecodesse acontecimento.H um grande contraste entre a bela Galilia e a rida Judia. Tomei umbanho gostoso no lago de Tiberades, chamado tambm o "mar daGalilia". E bem merece o nome de mar; dificilmente se vislumbra o outrolitoral, de to largo que . Nunca vi tanto peixe como neste lago. Sendoque o nosso restaurante, onde nos serviram o "peixe de So Pedro",ficava beira do lago, jogvamos restos de comida s guas - e logoenorme cardume de peixes se precipitava sobre o alimento. Devia mesmoser gostoso ser pescador, como foram muitos dos discpulos de Jesus.Para lembrana levei umas pedras lisas e

    rolias do fundo do lago de Jesus e de seus primeiros discpulos.

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    Atravessando a Samaria, cheguei ao histrico poo de Jac, onde Jesuspediu gua samaritana e Lhe falou da "gua viva". Bem dizia asamaritana gue "o poo fundo", pois tem nada menos de 45 metros.Relembrando o episdio do Evangelho, lancei o balde, preso a uma corda,s guas e bebi da mesma gua que Jesus bebeu, h quase vinte sculos. Elevei comigo uma garrafa dessa gua, que de sabor muito agradvel.

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    No longe da fica o Tabor, com o seu cume arredondado, onde o Mestre setransfigurou, entre Moiss e Elias. Fiz uma longa meditao, ou melhor,sintonizao crstica, e quase tive vontade de dizer com Pedro: "Que bomque estarmos aqui!"Quando o Mestre desceu do Tabor, refere o Evangelho ,encontrou ao sopdo monte muito povo e nove dos seus discpulos, tentando expulsar umvampiro obsessor, que maltratava um menino; mas no conseguiram nada.Jesus, em face de tamanha falta de f, rompeu nestas palavras estranhas:" gerao incrdula e perversa! at quando estarei convosco? atquando vos suportarei "...So palavras de quem caiu do cu paradentro do inferno.Toda a vez que o homem regressa do mundo divino do xtase da luz e recaiao mundo humano das trevas, tem vontade de repetir estas palavras doMestre. Depois duma hora de intensa sintonizao

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    espiritual, a gente, no princpio, no compreende mais o mundodos homens - desses- homens que se tm em conta de muito sensatos. A quevem toda essa palhaada, essa ridcula comdia? Por que essa loucacorreria de norte a sul, de leste a oeste? Por que toda essa desenfreadacaa a dinheiro e prazeres? Por que toda essa gritaria de energmenoscivilizados? Por que sempre ganhar e gastar - para depois morrer, no

    marco zero? Que sentido tem a vida desses sonhadores de sonhos ecaadores de sombras?

    "At quando estarei convosco? at quando vos suportarei?"... O homemregressando dos cus de Deus para os infernos dos homens e dos demnios,se sente desambientado, estranho nesta terra.

    No monte das bem-aventuranas. Aqui sobre uma destasverdes colinas de Kurun Hattin, no longe do lago da Galilia, foipromulgada, h quase vinte sculos, a Carta Magna do Reino de Deus sobrea face da terra, o chamado Sermo da Montanha.

    Dele disse Mahatma Gandhi: "Se todos os livros sacros da humanidade se

    perdessem e se salvasse to-somente o Sermo da Montanha, nada estariaperdido"

    Nele viu o libertador da ndia confirmado o seu conceito de ahimsa(no-violnci a) e sua satyagraha (apego verdade) - e com estas

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    duas armas secretas libertou Gandhi o seu pas, sem derramar uma gota desangue, fato nico na histria da humanidade.Armas secretas?No! alma em lugar de arma. O ego humanoconsidera a arma como smbolo de fora - mas o Eu divino no homem sabe

    que arma sinal de fraqueza, e alma sinnimo de fora.Sentei-me sobre uma pedra, abri o NovoTestamento, Evangelho segundo Mateus, e livagarosamente, para mim mesmo:"Bem-aventurados os pobres pelo esprito- porque deles o reino dos cus.Bem-aventurados os tristes - porque elessero consolados.Bem-aventurados os mansos - porque eles

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    possuiro a terra.Bem-aventurados os que tm fome e sededa justia - porque eles sero saciados.Bem-aventurados os misericordiosos - porque eles alcanaromisericrdia.Bem-aventurados os puros de corao - porque eles vero a Deus.Bem-aventurados os pacificadores - porque eles sero chamados filhos deDeus.Bem-aventurados os que sofrem perseguio por causa da justia - porquedeles oreino dos cus.Bem-aventurados sois vs quando vos injuriarem e perseguirem ecaluniosamente disserem de vs todo o mal, por minha causa -

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    alegrai-vos e exultai, porque grande a vossa recompensa nos cus."Fechei o livro, fechei os olhos, eclipsei o pensamento - e fiqueisomente com a alma aberta e consciente... E ouvi no silncio de minhaalma o silncio do esprito de Deus.Vi o Mestre sentado sobre uma das colinas de Kurun Hattin... Ao redordele seus discpulos... Mais alm, pelas fraldas das colinas, avariegada multido dos outros ouvintes, "vindos da Galilia, da Decpolee de Jerusalm"...

    Havia no ar matutino um qu de indizvel sacralidade, como se fosse amadrugada virgem do mundo, aljofrada ainda do orvalho do Gnesis - fiatlucc.Abismei-me em profunda meditao...Quando voltei a mim, olhei em derredor - mas o Mestre no estava mais.Desci das colinas e fui seguindo rumo ao litoral florido do lago deTiberades. Cheguei a Mgdala (Migdla, dizem eles l). beira do caminho passei por um monumento rstico, em forma de torre;disseram-me que ali estivera a casa de Maria Magdalena, essa ardentediscpula do Nazareno, a quem foram perdoados os seus muitos pecadosporque muito amou...Ainda nesse mesmo dia, senteime sobre as runas da sinagogade Cafarnaum,

    lendo o captulo 6 do Evangelho de Joo, sobre

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    "o po vivo que desceu do cu". Da sinagoga do tempo de Jesus restampoucas colunas redondas, umas em p, outras no cho. Ao lado das runash uma igreja nova.No h no Evangelho passagem mais enigmtica do que este captulo 6 doEvangelho de Joo. As igrejas dogmticas entendem que Jesus prometeu, emais tarde, na santa ceia, realizou um processo misterioso, que ostelogos chamam "transubstanciao". As igrejas evanglicas, em geral,acham que se trata apenas de um belo simbolismo, mas que no houvenenhuma transformao do po e do vinho no corpo e sangue de Jesus.

    Entretanto, as palavras do Nazareno no favorecem nem esta nem aquelaopinio. "As palavras que vos digo so esprito e so vida - a carne denada vale". "Isto vos pedra de tropeo e que direis quando virdes oFilho do Homem subir aonde estava antes V"Estas ltimas palavras do a chave para a soluo do mistrio. Osouvintes entendiam por "corpo" ou "carne" uma matria fsica, umafacticidade material de carne, sangue, osso, nervos, epiderme, etc.;Jesus, porm, no entendia por "corpo" e "sangue" essas materialidades,mas sim a realidade do seu corpo, que no material. No existe nenhumcorpo material, nem corpo astral, nem corpo etrico - s existe o corpo

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    real. Ningum pode ver e tanger o corpo real, que no objeto depercepo sensorial, nem mesmo de anlise intelectual - o corpo real objeto de intuio espiritual. O que, no dia da ascenso, subiu salturas, at

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    se subtrair viso dos expectadores, era o corpo real de Jesus, que aosolhos de seus discpulos parecia ser material.Segundo a nossa cincia nuclear de hoje no existe matria como matria,nem existem os 92 elementos da qumica - existe to-somente a LuzCsmica, absolutamente invisvel e intangvel. Esta Luz a nicarealidade fsica, ao passo que os elementos so apenas manifestaesparciais, facticidades transitrias dessa nica realidade permanente.Todas as coisas do Universo so lucignitas, e todas podem serlucificadas.Jesus, em Cafarnaum, faz ver aos cpticos que a realidade do po sertransformada na realidade do seu corpo - mas a materialidade(facticidade) do po no ser transformada na materialidade(facticidade) do seu corpo. H uma transubstanciao real, mas no umatransubstanciao material.Alis, que efeito produziu nos discpulos do Nazareno a ingesto do poe do vinho consagrados ? Se efeito houve, foi totalmente negativo:Judas, assim que deglutiu o bocado de po, consumou a planejada traio,

    e depois se suicidou. Pedro nega trs vezes seu mestre. E todos, exceo de um s, fugiram covardemente, no momento do perigo - belosneo-comungantes... Tristes neo-sacerdotes...

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    S mais tarde, no Pentecostes, que eles comungaram em esprito e emverdade, no a materialidade de Jesus, mas a realidade do Cristo..."As palavras que vos digo so esprito eso vida"...Somente em nossos dias, em que a fsica se torna cada vez maismetafsica, possvel criar uma base para a compreenso das palavrasque Jesus proferiu na sinagoga de Cafarnaum.

    Estes e outros pensamentos me invadiram, quando estava sentado sobre asrunas da sinagoga de Cafarnaum, onde o maior dos metafsicos-msticosproferiu verdades tais que uma humanidade de experincia primria nopde ainda compreender. Somente na Universidade Csmica do Cristo serodevidamente compreendidas estas grandes revelaes.Falar bom - calar melhor.Pensar necessrio - intuir suficiente.Enquanto o homem apenas ego-pensante est soletrando o abc na escolaprimria da sua pobre personalidade. S quando for cosmo- pensado queingressa na Universidade da sua individualidade espiritual. E quando, umdia, depois de ser ego-pensante e cosmo-pensado, for cosmo-pensante,ento compreender plenamente o que o Cristo quis dizer com asmisteriosas palavras sobre o "po vivo que desceu do cu".

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    Palmilhando a EstradaJerusalm-Emas

    Num desses dias, em Jerusalm, fiz dopassado o presente, e revivi o que foivivido 20 sculos atrs.Era o ano 33, dia 9 de .abril, primeiro dia

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    da semana pelas 4 horas da tarde.Dois homens vinham de Jerusalm e se dirigiam rumo oeste, em demandaduma aldeia por nome Emas, distante da capital uns 12 quilmetros.Era na tarde da primeira Pscoa - mas na alma desses dois era aindaQuaresma, luto e tristeza. Havia uns trs anos que os dois tinham vindode Emas a Jerusalm. Cheios de entusiasmo e expectativa, tinham seguidoa trajetria de um profeta que viera de Nazar da Galilia. Esse homemfalava como nunca ningum falara, focalizando sempre "o remo de

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    Deus", que, como ele dizia, estava dentro de cada homem como tesourooculto e devia ser manifestado.Os dois no faziam parte do crculo ntimo dos doze companheirospermanentes do profeta nazareno, mas eram do nmero dos 70 que,freqentemente escutavam a estranha mensagem do Galileu.Mas agora, trs anos depois... Agora, l se fora o sonho dourado deles,que acabara em lgubre pesadelo e tremenda decepo... O grande profetafra morto, condenado ao ignominioso suplcio da crucificao, porexigncia dos chefes espirituais da sinagoga de Israel, que consideravamo Nazareno como falso Messias...Pela manh desse terceiro dia aps a morte do profeta restava ainda umtnue vislumbre de esperana aos dois, porque ele prometera"ressuscitar"; e eles haviam esperado, entre esperanas e dvidas, esse

    incrvel acontecimento. Mas agora ia terminar o terceiro dia- e nada de ressurreio. Apagou-se na alma dos dois a derradeiracentelha de f e de esperana no Nazareno; mas o seu amor sobrevivia aonaufrgio universal...Sim, os dois continuavam a amar o estranho profeta, e nunca deixariam deam-lo. Com a alma cheia de amor e vazia de f e esperana, regressavameles a seus lares. Apressadamente deixavam Jerusalm, cenrio de tantasesperanas e de tanto desespero.J iam a meio caminho entre Jerusalm eEmas, conversando em voz baixa sobre os ltimos

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    acontecimentos relacionados com o profeta de Nazar.Nisto ouviram passos de algum que vinhade trs e seguia o mesmo caminho.Calaram-se os dois e retardaram o passo, para deixar passar de largo oviandante e continuarem depois a ruminar os seus dolorosos cismares.Quando estamos com a alma em chaga viva, sofridos de ns mesmos, nogostamos de falar com estranhos, no queremos saber de ningum que possaprofanar o sacrrio do nosso sofrimento. Queremos solido e silncio...Mas o estranho que vinha de trs, em vez de passar adiante, como os doisesperavam, tambm retardou o passo e emparelhou com eles. E sem mais nemmenos tentou invadir o santurio das dolncias deles, perguntando:- Que conversas so essas que entretendes entre vs e por que andais to

    tristes?Os dois no responderam. Estavam intimamente revoltados com essasem-cerimnia do desconhecido. Mas, como este insistisse com perguntas equeria saber o porqu das suas tristezas, um dos dois, por nome Clefas,quebrou o silncio, perguntando:- Como? Ser que tu s o nico forasteiro em Jerusalm e ignoras o quel aconteceu ?- Que foi que aconteceu ? - perguntou o estranho.Os dois se viram obrigados a lhe dar explicao; do contrrio, nuncamais se veriam livres

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    dele.

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    - Aquilo, de Jesus de Nazar - respondeu Lucas, ladeando a questo, semvontade de entrar em pormenores. "Aquilo" uma palavrinha neutra,inofensiva, eufemstica: mas est em lugar de algo muito amargo edoloroso. Est em lugar de "a morte trgica do profeta de Nazar".Quando estamos assim, intimamente chagados, evitamos instintivamentepr o dedo na ferida aberta, mencionando diretamente o motivo da nossatristeza; preferimos usar de circunlquios vagos que no reabram achaga..."Aquilo de Jesus de Nazar"...Depois de longa pausa e em face da expectativa do estranho, Lucas seanima finalmente adizer mais explicitamente:- Ele era um grande profeta, poderoso em palavras e em obras, peranteDeus e todoo povo... esta a primeira e mais concisa biografia que temos de Jesus: era umprofeta, um arauto de Deus; tudo que dizia e fazia revelava poder; eisto perante Deus e perante todo o povo...Mas o estranho insiste em querer saber mais a respeito desse Jesus deNazar. Ao que Clefas resolve narrar com mais detalhes a tragdia do

    Glgota. Mas o que ele diz, segundo o texto evanglico, um verdadeirocipoal de anacolutos, fragmentos de frases, reticncias e lacunas, queso um retrato fiel do estado psquico em que se encontrava o narrador.Quando estamos assim, interiormente abalados, pensamos e sentimos tointensamente que, no raro, nos esquecemos de verbalizar o que sentimos

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    - como se os outros pudessem ver e ouvir os nossos pensamentos noexteriorizados...- Mas - prosseguiu o narrador - os nossos magistrados e sacerdotesentregaram o Nazareno pena de morte.Calou-se. Aqui deve ter vindo uma longa pausa, durante a qual os trs

    andavam em silncio pela estrada Jerusalm-Emas, enquanto as sombrasdos escuros e esguios ciprestes que margeavam o caminho alongavam cadavez mais as suas sombras, contribuindo para a melancolia geral.- Ns espervamos - prosseguiu Lucas- que ele fosse o libertador de Israel...Nova pausa e reticncia.- Mas, agora j o terceiro dia...No percebem que nada disto d sentido lgico para uma pessoa nodevidamente enfronhada no assunto. O narrador omite diversos fatosintermedirios, sem os quais o resto no tem sentido. Deveria terexplicado ao desconhecido que o Nazareno prometera ressuscitar aoterceiro dia, e que isto no acontecera. Tudo isto omitido, masintensamente pensado - e sofrido.

    - verdade - interveio o outro, tambm sem estabelecer concatenaoentre a seqncia dos acontecimentos. - Algumas mulheres do nosso meioforam ao sepulcro, de madrugada, e disseram ter visto uns anjos, quediziam que ele vivia; mas a ele mesmo no viram...Pouco a pouco, como se v, os dois peregrinos falam com mais desembaraoe fervor,

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    desabafando a sua mgoa perante um ouvinte atento e interessado. As

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    cinzas que cobriam ligeiramente a brasa viva do seu amor soprada porestas palavras, e a fagulha est para romper em vvida chama...

    to dolorosamente suave recordar momentos felizes.

    O estranho j lhes era menos estranho... Quem participa das nossasmgoas no maisum estranho.

    De repente, o desconhecido parou diante deles e os fez parar tambm;encarou-os bemde frente e disse:

    - homens sem critrio e tardos de corao!...

    Os dois estremeceram como se fossem arrancados subitamente de um sono.Que atrevido, esse desconhecido! Em vez de lhes dar condolncias pelosseus sofrimentos, os censura asperamente, tachando-os de homens semcritrio e vagarosos de corao, para compreenderem tudo que osprofetas tinham dito do Nazareno.

    - No devia ento o Cristo sofrer tudo isto e assim entrar na suaglria?

    Com este repentino trovo acabaram os dois de despertar totalmente.Sentiam em si algo como um renascer de esperanas... Algo como se aplantinha murcha de sua alma erguesse a cabecinha ao cair de um orvalhorefrigerante... Como O Nazareno devia sofrer tudo que sofreu? E tudoisto fora predito?... O fato de ter sido morto no era ento umargumento

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    contra a sua misso divina, mas antes uma prova a favor ?... Se Moiss eos profetas predisseram tudo isto, ainda h esperanas... No est tudoperdido...Em meditativo silncio andaram. os dois

    saboreando o ressurgimento das suas esperanas...Nisto chegou o trio a uma bifurcao do caminho, O estranho fez menode enveredar por um atalho, despedindo-se dos dois. Estes, porm, oseguraram pelo brao e o puxaram para seu caminho, dizendo:- Fica conosco, porque o dia declinou e j vai anoitecendo...No princpio no o queriam ver em sua companhia; mas agora no queremmais ficar sem ele. Quando algum nos consola em nossas mgoas e nos dnovas esperanas, amigo querido. Esperavam passar boa parte da noitecom ele, falando do profeta de Nazar.O estranho no pde seno aceitar o convite feito com tamanha veemncia.E foi com eles a Ernas.J era noite, quando l chegaram. Em casa de Clef as tomaram frugalrefeio, na varanda. O estranho foi convidado para ocupar a cabeceira

    da mesa, e, na qualidade de hspede querido, lhe competia "partir o po"e distribui-lo aos companheiros.Neste momento, abriram-se-lhes os olhos daalma e eles o reconheceram como sendo o prprio Jesus, redivivo...E, neste mesmo momento, ele desapareceu.

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    Os dois se entreolharam, estupefatos, e disseram: No nos ardia ocorao no peito, quando nos falava dos profetas?... Mas, os nossos

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    olhos estavam tolhidos.

    Ainda nesta mesma noite, os dois regressaram a Jerusalm. No levaramduas horas, como antes; mas voltaram de corrida, empolgados pela alegriae pelo entusiasmo.

    Chegados a Jerusalm, se dirigiram imediatamente ao Cenculo, onde osdemais discpulosdo Nazareno estavam reunidos, e bradaram:

    - Vimos o Senhor, e ele nos disse isto eisto

    - Ns tambm o vimos aqui! - exclamaram os outros.

    E fundiram-se duas grandes alegrias nessa tarde da primeira Pscoa...No dia 9 de abril do ano 33.

    Relembrei meditativamente tudo isto no dia 14 de agosto de 1969. Os meusolhos fsicos no viram o Nazareno nem os dois discpulos dele, quando aQuaresma se lhes convertera subitamente em Pscoa.

    Mas eu vi os trs, e os vejo ainda, quando se dissipam as barreirasfictcias de tempo e

    espao...No sculo passado, uma vidente na Alemanha, Ana Catarina Emmerich,acompanhava

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    Jesus em todos os seus caminhos, sem sair da sua terra.Ainda h poucos anos, outra vidente, Teresa Neumann, de Konnersreuth,presenciava penodicamente todos os acontecimentos da vida, morte eressurreio do divino Mestre.Quando a nossa conscincia ultrapassa o vu ilusrio das facticidades, eentra na luz verdadeira da Realidade, nada passado e futuro - tudo

    presente; tudo aqui e agora.No foi h quase 2000 anos, em terras longnquas, que se deram estesepisdios; aquie agora que eles esto acontecendo."Quando sairemos deste mundo de facticidades ilusrias"?"Quando entraremos no mundo da Realidade verdadeira"?"Entrar"? no! j estamos neste mundo - mas estamos neleinconscientemente. Quando conscientizarmos a Realidade, que agora nos inconsciente, ento haver um novo cu e uma nova terra, e o reino deDeus ser proclamado sobre a face da terra...

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    Por Entre os Rochedosdo Lbano

    Em Beirute fomos convidados por umeremita a passarmos com ele um dia em seu ashram - que no existe. Oque existe naquelas montanhas secas e rochosas, perto de Beirute, soumas pedras enormes, formando cavernas naturais, abrigos rsticos, ondeum eremita idoso, Mikhail Naimy costuma passar longos perodos desilncio e solido. Por entre esses rochedos escreveu ele o livroenigmtico "Mirdad", ultimamente publicado em portugus. Ali conversava

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    ele com Khalil Gibran, autor de livros misteriosos como "O profeta", "OFilho do Homem", e outros.Combinamos - ele, eu e mais um companheiro de viagem - passarmos 12horas completas nessa selvtica Tebaida. Infelizmente, no dia marcadopara o nosso Retiro, Naimy se viu

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    impedido de nos acompanhar, porque tinha de ir ao enterro de uma pessoade sua parentela. "Deixa os mortos enterrar os seus mortos", pensava eucomigo; mas ele no pensava assim... Entretanto, teve a gentileza de nosmandar levar, ao amanhecer, at Joca das cavernas, e l nos deixou,prometendo vir buscar-nos ao anoitecer.Meu companheiro e eu subimos a p, lentamente, cautelosamente, atravsde um mundo de espinhos e abrolhos, saltando de pedra em pedra, atatingirmos a zona dos grandes rochedos, alguns dos quais formavamespcie de casas que ofereciam suficiente abrigo contra o sol e a chuva.Chuvas, alis, no h nessa zona, a no ser durante certos meses do ano.Cada um de ns levava consigo uma garrafad'gua, po e uvas. Cada um escolheu a suacaverna e separamo-nos para o resto do dia.Ficamos 12 horas a ss conosco mesmos e com Deus, em p, sentados oudeitados, na mais profunda solido, interrompida apenas pelo chiar deumas cigarras e os pios de uns passarinhos.

    Construmos, em So Paulo, um ashrarn. Fizemos o possvel para darconforto, sem confortismo. Mas, mesmo o conforto que proporcionamos aosque quiserem fazer o seu Retiro, coletivo ou individual, me d sempre umtal ou qual remorso de conscincia. Na antiga Tebaida do Egito, nosdesertos da Palestina, nas florestas da ndia, nas cavernas do Himalaia,no havia 1% do conforto que ns estamos dando em nossos lugares deRetiro Espiritual.

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    Os rochedos do Lbano, onde passamos um dia, me pareciam ser o nicolugar digno para entrar em comunho com Deus. No havia o menor vestgio

    de civilizao humana. Nenhum turista jamais profanara esses santuriosda natureza. As auras eram virgens e purssimas, como no dia do Gnesis.

    O silncio e a solido so poderososcatalizadores espirituais. Sotambm fatores catrticos, que purificam todas as impurezas do nossoego. O ego vive no barulho e do barulho - e morre no silncio. Quandoalta ao homem-ego o seu querido barulho dirio, comea ele a agonizarlentamente, e, se no encontra zonas barulhentas, acaba por morrer,afogado no Oceano Pacfico do silncio, como peixe fora da gua, comoave fora do ar...

    E, depois da morte do ego, nasce o Eu divino, que ama o silncio como oprprio

    Deus, que eterno e infinito Silncio.

    Nos meus livros "Escalando o Himalaia" e "A Voz do Silncio", escrevidiversos captulos sobre o silncio. Goldsmith, no seu livro "A Arte deCurar pelo Esprito", menciona o silncio como fator predisponente paracurar enfermidades de toda espcie. Parece que existe at umasilncio-terapia. No se trata, naturalmente, do simples fato objetivodo silncio, mas duma atitude subjetiva de silenciosidade. Trata-e dosilncio-presena, e no do silncioausncia. Do silncio-plenitude, eno do silncio-vacuidade.

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    Anos atrs, quando eu fazia as minhas viagens semanais So Paulo-Rio, denibus,

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    a fim de dar aulas nessa ltima cidade, assisti uma vez, no nibus, conversa de um casalzinho, do outro lado do estreito corredor, falando 7horas e tanto, do incio ao fim da longa jornada, falando, falando semdizer nada.Falar me parece ser uma espcie de febrecerebral, ou uma comicho bucal; quanto maisa gente se ca mais coceira d.Falar o melhor modo para no ter pensamentos, ou, pelo menos, para nodeixar crescer e desenvolver um nico pensamento decente. Quem muitofala pouco pensa. como se algum passasse constantemente a enxada pelocho, raspando, raspando, e cortando qualquer plantinha que, porventura,quisesse brotar. Nada ter tempo para brotar e crescer.Falar afugenta o pensamento.Pensar afugenta a intuio.S quem no fala nem pensa, mas se conserva plenamente vgil, essereceber intuio,inspirao, revelao.As grandes inspiraes so filhas do silncio verbal e mental.

    Compreendo porque Einstein andava quasesempre silencioso, e evitava quanto possvelfazer e receber visitas.Quando o homem se habitua ao silncio auscultativo, entra ele na"comunho dos santos" e verifica que o Universo todo um desertopovoado, uma vacuidade sonora...Perguntaram ao grande Herclito defeso o que ele aprendera em tantos decnios

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    de filosofia; respondeu: "Aprendi a falar comigo mesmo". Isto , falarsem palavras, em esprito e em verdade.

    Por vezes, tenho de passar pelas ruas desta ruidosa Paulicia,acompanhado de pessoas das minhas relaes. Uma dessas pessoas, quandoeu no falo durante um ou dois minutos, pergunta-me se estou zangado; sepasso cinco minutos em silncio, pergunta se estou doente, e estdisposta para me levar ao mdico.

    esta a estranha filosofia do homem-ego:para ele, falar sade, calar doena. Deus, que infinito silnciodeve, estar mesmo muito doente.

    A arte de calar dinamicamente to grande que nenhum homem-ego aaprende.

    Quem nunca mergulhou profundamente no silncio-plenitude s pode falarvacuidades, talvez brilhantes vacuidades, como bolhas de sabo.

    Um dia, no Stio Nirvana, estava eu plafitando umas estacas deastrapias e outros arbustos de flores melferas, para o nosso apirio.

    Estava bem sozinho, e cosmo-pensado.

    E eis que uma voz de dentro me disse, em grande silncio

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    Quando o homem fala, Deus se cala.

    Quando o homem se cala, Deus fala.

    E repetiu muitas vezes estas palavras sem som, enquanto eu continuava atrabalhar. O

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    melhor tempo para ouvir a voz csmica quando fao algum trabalhofsico que no exige muito pensamento; assim, o campo est livre para ainvaso do alm do grande alm de dentro.

    Por fim, a voz perguntou:

    Que ser calado?

    Eu quis responder, por conta do meu ego, que estar calado no falar,nem pensar, nem querer nada; fazer esse trplice silncio, como tenhodito nos meus livros e nas minhas aulas de filosofia univrsica. Mas avoz inaudvel me antecipou a resposta, com uma nova pergunta, tambm semsom:

    Sabes o que o calado de um navio?

    O calado de um navio? respondi, sem falar. O calado de um navio amedida do seu afundamento na gua; quanto mais carregado est o navio,mais calado tem, mais afunda na

    gua...

    Por algum tempo, mergulhei num grandevcuo...

    Depois a voz csmica, falando de dentro e sem som, me fez ver que calar

    quer dizer afundar-se no Infinito, no Eterno, no imenso Oceano daRealidade, na Divindade. S quando o homem est assim, afundado em Deus, que ele est realmente calado. E, para que o homem tenha esse caladode profundeza, deve ele estar devidamente carregado de espiritualidade.O homem no-espiritual superficial, sem calado suficiente, flutuando eboiando na superfcie das coisas ilusrias do ego...

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    Assim dizia a voz silenciosa de dentro.

    E assim minha alma ouviu em silncio, quando cosmo-pensada...

    Depois comecei a pensar, por minha conta, coisas como estas: Isto caloufundo... os soldados avanaram de baioneta calada... E verifiquei quecalar quer dizer abaixar, aprofundar.

    E perguntei a mim mesmo: Onde foram os portugueses buscar esta palavra:calar? quando em latim no existe, mas tacere?

    E lembrei-me de outras palavras portuguesas que no vm do latim, comonada, que em snscrito quer dizer Infinito; e desmaiar, que quer -dizerperder a noo da maya, palavra snscrita para natureza.

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    E lembrei-me dos livros sacros, que dizem:Cala-te - e sabers que eu sou Deus...

    E mergulhei nas profundezas do Oceano Pacfico da Divindade, unindo omeu silnciohumano ao silncio de Deus...

    Ao entardecer, samos das nossas cavernas rochosas e descemos a rampa domorro, ao caminho, onde, em breve, apareceu o carro, que nos ia levar devolta a Bikfaia, parte montanhosa de Beirute, onde estavamos hospedados.Sentamo-nos to leves, to puros, to etreos, e no tnhamos o menordesejo de deixar o nosso divino nirvana, para voltarmos ao humanosansara.

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    Nos Tmulos dos Faras

    Aimpresso que tive ao sobrevoarmoso deita do Nilo rumo ao Cairo, foi desoladora. O Egito me parecia umimenso deserto de areia e de pedras, entremeados de alguns bosques detamareiras.Perto da capital se estende o deserto de Gizeh, onde trs grandes

    pirmides emergem do areal, guardadas pela enigmtica esfinge, que comolhos vcuos, plenos de eternidade, contempla os desertos em derredor.Ningum sabe dizer ao certo o que significam esses gigantescosmonumentos de pedra. Quando, por quem e por que foram construdas aspirmides? A mais alta mede quase 150 metros.E essas cmaras morturias emseu interior? E esses corredores, estreitos e escuros,

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    que do para as cmaras?

    Nessas cmaras jaziam, outrora, as

    mmias, que se acham agora no museu do Cairo, ,e alhures. As cmarasparecem irradiar, at hoje, algo eqidistante de matria e de esprito.

    Ser que existe uma radioatividade astral ?

    Pedi a meu companheiro que me deixasse sozinho numa dessas cmarasmorturias, a fim de auscultar, atravs de 4000 anos, algo da presenados que aqui viveram e morreram. Se tempo e espao fossem coisas reais,seria absurda essa tentativa; mas ns sabemos que a Realidade todaaqui e agora, embora as facticidades sejam distanciadas por tempo eespao. Quem consegue conscientizar devidamente a Realidade, transformaem propnqua simultaneidade as mais longnquas sucessividades. Assimcomo, numa roda girante, todas as periferias sucessivas so

    simultneas no centro imvel do eixo, assim esto o passado e o futuroatomizados no eterno e imvel presente. Todos os Versos esto presentesno Uno do Universo.

    No necessrio ver, ouvir, tanger, pensar - basta intuir e sercosmo-pensado - e tudo que aconteceu milnios atrs est acontecendoaqui e agora.

    Estava eu com vontade de passar uma noite, sozinho, numa dessas cmarasmorturias das pirmides, como fez Paul Brunton; mas no sabia se estava

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    devidamente encouraado com armas espirituais para resistir possvelofensiva do mundo astral, que parece ser extremamente denso nessesrecintos milenares.

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    Essas cmaras parecem saturadas de energia astral, ou que outro nometenha. O silncio profundo e prolongado potencializa grandemente anossa sensibilidade. Quando todos os rudos externos - materiais,mentais e emocionais - morrem, ento o silncio comea a falar. E doseio do silncio nasce uma voz cuja plenitude plenifica a nossavacuidade. Se o homem cultivasse devidamente essa arte suprema dosilncio dinmico, do silncio-presena, chegaria a saber de coisas quenem pensamentos nem palavras lhe podem revelar...Os antigos egpcios sabiam, certamente, que o corpo astral dos seus reispermanecia ao redor do corpo material e podia, um dia, servir de pontepara a revivificao dele.Em princpios do nosso sculo, uma expedio britnica, aps decnios detrabalhos infrutferos, conseguiu localizar o tmulo do jovem faraTut-Ank-Hamon, filho de Akhenaton 1 e Nefertiti. Foi encontrado no Valedos Reis, perto de Luxor, cidade distante, Nilo acima. Tut-Ank-Hamon,embora filho de um casal monotesta, foi educado pelos sacerdotespolitestas de Hamon; mas, em sua adolescncia, comeava a manifestarpendores monotestas - e os poderosos politestas de Hamon o

    envenenaram, entre 18 e 19 anos de idade e mandaram enterr-lo ondeningum pudesse descobrir-lhe o cadver. Os cientistas britnicos quedescobriram a mmia procuraram verificar a causa mortis do fara.Constataram o sinal de uma picada de inseto na face da mmia, que seacha agora no museu do Cairo, onde a contemplei demoradamente.

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    Pouco depois, diversos dos membros da expedio morrerammisteriosamente, e na face de cada um deles havia o mesmo vestgio deuma picada de inseto. Ser que os sacerdotes magos de Hamon criaram uminseto astral que deu ferroada mortfera a Tut-Ank-Hamon ? E serpossvel que, cerca de 3.500 anos mais tarde, esse mesmo veneno astral

    ainda tenha produzido efeito nos que fizeram surgir luz do dia umcadver que, na inteno dos politestas, devia ficar em eternas trevasde total esquecimento?Entrei no vasto recinto subterrneo onde o corpo de Tut-Ank-Hamonrepousou trs milnios e meio. O efeito do veneno dos sacerdotespolitestas parece agora extinto.Quem l con ateno a descrio da "Arca da Aliana" de Moiss, no livrodo xodo, acaba por se convencer de que esse santurio porttil era umapilha eltrica, construda segundo todos o requisitos da cincia, com.plos positivos e negativos. Os egpcios sabiam algo de eletricidade,embora no soubessem utiliz -l ainda tecnicamente. Nem ignoravamradioatividade, de que se serviam para proteger os corpos de seus reis.Diante das trs grandes pirmides de Keops, Mykerinos e Chefren, h um

    gigantesco palco ao ar livre. Algumas vezes por semana se representanesse local o teatro "Som e Luz" espcie de drama histrico, faladoalternadamente em rabe, ingls, francs e alemo, entre 20 e 22 horas.Assisti exibio em alemo.tores e as atrizes so todos invisveis. S se lhes ouve a voz, dasprofundezas da noite

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    estrelada em pleno deserto, voz ampliada por potentes alto-falantes,

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    enquanto gigantescos holofotes projetam luz em diversas cores sobre aspirmides e a esfinge. Quem fala so os faras, as pirmides, a esfinge,o prprio deserto, as trevas da noite e as guas do Nilo, que contam aepopia de um povo estranho e nico na face da terra.

    H quem atribua a origem das pirmides e da esfinge aos Atlantes, empocas pr-histricas.

    A lendria Atlantis, ou Atlntida, sumiu, mas ao norte da frica ficou omonte Atlas, e entre a Europa-frica e a Amrica se estendeo Oceano Atlntico, reminiscncia, talvez, de um continentedesaparecido.

    No Cairo comprei efgies metlicas de Tut-Ank-Hamon e da lindaNefertiti; em Luxor adquiri um busto, em basalto preto, de Hat-shep-sut,talvez a misteriosa "filha do fara", que, segundo a Bblia, foi a meadotiva de Moiss, mas, segundo uma mensagem psicografada, foi a meverdadeira do grande legislador de Israel.

    O Egito est repleto de reminiscncias de Hat-shep-sut. Existem at asrunas de um templo construdo por ordem dela.

    emocionante a lenda que envolve o nome dessa princesa. Escultora, iaela, de vez em quando, ao atelier de Itamar, jovem escultor hebreu. E,

    enamorada das esculturas do escravo hebreu, acabou por se enamorartambm do fascinante escultor. Mas, como princesa egpcia, no podiajamais pensar em casar com um

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    escravo. O prncipe egpcio que, segundo as leis da corte, devia ser ofuturo marido de Hat -shep-sut suspeitou das simpatias da jovem para comItamar, e matou o hebreu. Tempos depois, a princesa deu luz um filhodela com Itamar; camuflou jeitosamente a origem da criana escondendo-anos canaviais do Nilo e, encontrando-a "casualmente", numa manh em quetomava o seu banho de natao no grande rio, levou-a para casa, educou-ano palcio real, "em toda a sabedoria dos egpcios", e lhe deu o nome

    "Moshe" (Moiss ou Moshe), que quer dizer "filho". O sufixo "moses" ou"mes" aparece no nome de diversos faras, e significa "filho". Seriaincompreensvel que a princesa tivesse educado e instrudo com tantocarinho um escravo hebreu que no fosse seu prprio filho. Aos 40 anos,segundo a lenda, chegou Moiss a saber que era filho verdadeiro daprincesa, a qual, na hora da morte, lhe desvendou o segredo. Moiss quissaber quem era seu pai. E, ouvindo que seu pai hebreu fora

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    assassinado por um prncipe egpcio, jurou vingana ao Egito inteiro.Matou um feitor egpcio, e teve de fugir do pas. Foi para as estepes dalongnqua Arbia, onde passou 40 anos, como pastor dos rebanhos do sheik

    Tetro, com cuja filha mais velha se casou. Durante esse longo perodoaperfeioou-se na magia egpcia, que aprendera de sua me, e aos 80 anos"ainda em plena juventude", teve ordem divina de regressar ao Egito elibertar o seu povo da escravido. Lanou nove pragas, que foramneutralizadas pelos magos do fara; mas na dcima praga, a morte dosprimognitos, no encontrou rival entre os seus conterrneos, e libertouo povo hebreu, conduzindo-o, por mais 40 anos, rumo Terra daPromisso. Nas alturas do monte Nebo, fronteira a Canaan, Moissdesaparece misteriosamente, aos 120 anos, "ainda em plena juventude".Morreu !? Desmaterializou-se !? Astralizou-se !? Ningum sabe de que so

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    capazes esses magos. Cerca de 1.500 anos mais tarde, reaparece nasalturas do Tabor, ao lado de Jesus transfigurado - Moiss em corpo real,embora no-material, falando com Jesus "sobre a morte prxima dele". Masque quer dizer "morte" para homens dessa natureza!?...

    Quem contempla esses milhes de gigantescos blocos de pedra - uma daspirmides tem trs milhes desses blocos - que os nossos mais modernosguindastes no conseguiriam suspender; e quem examina a preciso com que

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    eles foram colocados uns sobre os outros, sem deixar o menor interstcio- pergunta a si mesmo: Como conseguiram os egpcios transportar esuspender esses blocos enormes?Sei que h diversas hipteses, mas nenhuma delas satisfaz.Foram encontradas inscries hieroglficas contendo algumas pginassobre a "desponderao" da matria, bem como sobre a desintegraomolecular da mesma. Parece que os sacerdotes e magos do Egito conheciamo ef eito de certos sons que neutralizavam a gravidade da matria edissolviam a sua coeso molecular. Os iniciados nesses mistriosaplicavam essa vibrao a um bloco de matria, e este perdia a suagravidade, podendo ser suspendido s alturas at por uma criana. Depoisdessa "desponderao", a matria se "reponderava" voltando a seu pesonormal.

    Josu, sucessor de Moiss, herdara do grande mago esse segredo. Segundoa Bblia, fez desmoronar as muralhas da fortaleza de Jeric, produzindocertas vibraes areas por meio de instrumentos musicais, queculminaram na msica do "hino do jubileu", e reduziram a simples areiaas muralhas da fortaleza.Que sabemos ns desses segredos da natureza e desse poder mental dohomem?

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    Yoga e os Eremitas Cristos

    Quando se fala em yoga e yoguis, logo se pensa na ndia. E, no entanto,

    o Ocidente teve sculos de grandes yoguis - sobretudo na Tebaida do Egito.

    Visitei as cidades e runas de Luxor e Karnak, e a aldeia de Abu, Niloacima, e rememorei os tempos gloriosos em que todas as regiescircunvizinhas eram habitadas por eremitas cristos. Viviam em silncioe solido nas cavernas dos desertos da Tebaida, no longe de Tebas,capital do Egito Superior. Haviam desertado da corrupo do ImprioRomano, irremediavelmente votado ao extermnio, e viviam a ss com Deuse sua alma, preparando-se para uma vida futura. Tomavam a srio, aop-da-letra, as palavras do divino Mestre:"Quem no renunciar a tudo que tem no pode

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    ser meu discpulo". Todos eles praticavam a mstica - talvez omisticismo - que, desde tempos antigos, prevalecia na ndia, no Tibete,sobretudo nas montanhas do Himalaia, povoadas de mahatmas, maharishis eyoguis de toda a espcie. Esses super-homens, quer da sia, quer dafrica, procuravam realizar o seu Eu espiritual, esquecidos quasetotalmente do seu ego humano. Se eram desertores e escapistas da vidaterrestre, no deixavam de ser homens de imensa boa vontade. Quando,hoje em dia, falamos de msticos e ascetas, muita gente torce o nariz,com ares de superioridade, como se j tivessem superado esses perodos

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    de "fanatismo", como muitos chamam o entusiasmo espiritual. Muitos dosnossos profanos se julgam homens csmicos; acham que no abusam dos bensterrenos, e por isto no os precisam recusar, mas j sabem us-loscorretamente. Quando ouo essas tiradas dos supostos homens csmicos,logo desconfio da sua cosmicidade, e uma voz me segreda "eles so osmais profanos dos profanos, mas ignoram a sua prpria profanidade, eacham que j ultrapassaram a mstica"

    Eu, por mim, conheo um nico homem realmente csmico, que haviaultrapassado tanto o plano dos profanos como o dos msticos, pelo menosnos ltimos anos de sua vida terrestre. Mesmo Joo Batista era ainda donmero dos msticos e ascetas. Quem nunca passou pela mstica no podeser csmico - e onde esto os nossos msticos, os ascetas, os campeesda renncia?

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    Albert Schweitzer escreveu: "O Cristianismo uma afirmao do mundo -que passoupela negao do mundo"Mahatma Gandhi disse: "Homem, renuncia ao mundo, entrega-o a Deus - edepois recebe-o de volta, purificado, das mos de Deus".E o prprio Cristo disse a seus seguidores:"Quem quiser ganhar a sua vida perd-la- - mas quem perder a sua vida

    por minha causa, ganha-l-"Todos os mestres espirituais da humanidade insistem na necessidade damstica, da ascese; se algum deles atingiu as alturas da vivnciacsmica, atingiu-as atravs da experincia mstica e asctica.Despossuir-se de tudo - para o poder possuir; morrer - para vivercorretamente; no ter nada - para ser tudo... este o caminho que todosos mestres da humanidade ensinam.Mas os nossos liberais de hoje se julgam to superiores a todos osmestres que falam com desprezo desses "atrasados" que ainda no sabemusar sem abusar, e por isto tm de recusar.

    Pobres analfabetos da espiritualidade! Ignoram a sua prpria ignorncia- e se julgam sbios... Consideram sua doena como sade - e zombam dos

    convalescentes...Perlustrei esses lugares sagrados, agora desertos, e relembrei os nomesde tantos eremitas e cenobitas, alis uns poucos desses muitos que aliviviam, mas quase todos desconhecidos posteridade. Aqui meditavafulano... Ali vivia sicrano em perptua contemplao de Deus... Maisalm, se mortificava beltrano...

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    Mais tarde, alguns desses eremitas solitrios se reuniram em grupos, esurgiram os primeiros cenobitas, que viviam em mosteiros e comunidades.

    Escreveram-se muitos livros em torno da vida de alguns desses santos

    desertores; mas, como quase todos eles viviam no anonimato, poucosabemos deles. Calavam-se diante dos homens e s falavam com Deus. Osilncio a linguagem de Deus e dos homens espirituais - o barulho ados egos profanos.

    Os trapistas de hoje so um eco desses eremitas silenciosos da Tebaida.Um deles, Thomas Merton, ultimamente se tornou clebre sem querer,porque escreveu livros maravilhosos, que correm mundo, alguns deles atvertidos em portugus. Infelizmente, morreu em plena atividade, vtimade um acidente, na ndia, onde visitava uns yoguis hindus e fazia

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    meditao com eles.

    De alguns desses eremitas da Tebaida se contam coisas estranhas, se nohistoricamente verdadeiras, certamente verdadeiras como caractersticaespiritual deles.

    Um dia, o eremita A. disse ao eremita B., seu vizinho,isto:

    - Sabes, irmo, que l fora h guerra

    - Guerra? - replicou o outro. - Que ?

    - Bem... - retrucou o primeiro - guerra... guerra. . uma coisa muitofeia, queno se deve fazer.

    - Mas, afinalde contas, que guerra?

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    - No sei explicar... Mas vamos brincar de guerra, para compreenderes oque . Olha aqui, eu tenho um livro; tu no tens livro algum. Eu digo:

    Este livro meu! Tu respondes:No! Este livro meu! Eu grito: Este livro meu! Assim comea aguerra. Vamos brincar de guerra: Este livro meu!...

    - Responde!

    - Responder, o qu?...

    - Grita: Este livro meu!

    - Como? Se esse livro teu, ento no meu...

    - Ora, ora... Tu no tens vocao para guerra...J acabaste com a guerra antes de comear... Os homens l fora no fazem assim. Brigam emfim, por causa de coisas que no so nem de um nem de outro.

    - verdade, ns no temos jeito paraguerra...- Tambm no temos nada por que brigar...Pacincia... No podemos sequer brincar de guerra...

    De Santo Anto da Tebaida se conta o seguinte: Um dia, algum de foralhe ofereceu um lindo cacho de uvas. O eremita asctico namorou a uva,cheirou-a, mas no comeu um baguinho sequer. Alis, esses homens

    passavam dias inteiros sem comer nada. Alguns s comiam uma vez porsemana. Eram todos vegetarianos absolutos. Achavam que a atividade

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    estomacal no era bem compatvel com a atividade espiritual.Mahatma Gandhi, em nossos dias, parece ter pensado do mesmo modo. Oravae jejuava, e por isto conseguia tudo pelo poder da alma, sem o poder dasarmas. Mas, os profanos e analfabetos da Verdade acham que poder arma:canho, metralhadora, bomba atmica - assim pensam e assim agem

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    precisamente porque so analfabetos nas coisas da alma. Quem no conhecea alma tem de usar arma - quem conhece a alma no usa arma. E, aindapor cima, muitos dos que so formados na insipincia das armas e ignorama sapincia da alma, tm a sacrlega audcia de se dizerem discpulos doCristo.

    Mas, voltemos a Santo Anto, que recebeu um lindo cacho de uvas e omandou a um eremita vizinho, na outra caverna. Diz a histria que, aoentardecer desse dia, o cacho de uvas, depois de fazer o rodzio todopela vasta Tebaida, oltou a Santo Anto, intato. Nenhum dos monges quisdeliciar-se com a sua ingesto, com medo de favorecer algo como gula, deque todos os egos so devotados amigos.

    Santo Anto ergueu as mos ao cu e disse:Graas a Deus, que ainda h verdadeiros monges na face da terra...

    Se o homem praticasse concentrao mental, ou at contemplaoespiritual, verificaria que o maior poder reside precisamente no mundomental e espiritual. Mas esse podr s se revela aos poucos, aps longosperodos de focalizao

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    intensamente consciente. H homens entre ns que conseguem fazer

    uma hora de focalizao consciente, ou cosmo-consciente; outros, unspoucos, se mantm por um dia, ou at por alguns dias, nesse ambiente dapotncia csmica, imaterial. Mas tudo isto no passa de abc de escolaprimria. Os grandes universitrios do verdadeiro poder espiritual, dopoder creador, permanecem na zona desse poder durante 30 a 40 diasconsecutivos. E, para intensificar essa concentrao, se abstm, totalou quase totalmente, de alimentao, porque sabem que a atividadeestomacal perturba a focalizao espiritual.Moiss, Elias, Jesus, com 40 dias e noites de silncio e solido, noalto de montanhas ou no fundo de desertos, faziam jorrar de dentro desua alma fontes de poderes tais que eclipsavam todas as foras fsicas.

    Antigamente, no havia locais especiais para exercer essa concentrao

    mental-espiritual; os eremitas e yoguis se recolhiam a qualquer deserto,montanha ou floresta; no necessitavam de cama nem cozinha, no tinhamluz artificial nem gua encanada. Quando o poder do esprito mximo,as necessidades materiais o mnimas.

    Nos ltimos tempos, a elite da humanidade voltou a sentir a necessidadede Tebaidas, Sinais, Himalaias, desertos, solides; porm dotados dealgum conforto, embora sem confortismo. Estamos oferecendo a estahumanidade algumas Tebaidas e alguns Himalaias razoavelmenteconfortveis. No podemos crear homens idneos; s podemos criarambientes convidativos.

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    A idoneidade vem de outra regio, vem do livre-arbtrio de cadaum. Nem o melhor lugar garante concentrao ao homem comodista, incapazde esforo pessoal. A tendncia da maior parte dos homens chamados"espiritualistas" de simples turismo devocional. Muitas Tebaidas e osHimalaias de hoje degeneraram em clubes esportivos e centros sociais.Outros substituram o magno problema da auto-realizao por atividadesfilantrpicas, vestindo os nus e enchendo estmagos vazios, deslembradosdo que o Mestre disse: "Pobres sempre os tendes convosco, e lhes podeisfazer bem quando quiserdes - a mim, porm, nem sempre me tendes"

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    Em face disto, tivemos de elaborar rigoroso regimento interno para osnossos ashrams.

    shram, Tebaida, Himalaia, Sinai, no so apenas lugares de RetiroEspiritual, retirados da vida social urbana; devem ser verdadeirasmetnoias, palavra usada pelo texto grego do Evangelho para"transmentalizao": um modo de pensar e viver para alm da mente dapersonalidade egocntrica. Metnoia converso. Quando o homem est,por assim dizer, de costas voltadas para a suprema Realidade (Deus), ede rosto voltado para as coisas do mundo; est "avertido"; mas, quandod meia volta, voltatido o rosto conscientemente para a Realidade, ento um "convertido". Passou da iluso para a verdade. No "remendo novoem roupa velha", como todo o ego virtuoso continua a ser; o convertidodespojou-se do homem velho, revestiu-se do homem novo e fez-setotalmente "nova creatura em Cristo".

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    Toda a Fsica,para ser agradvel,necessita de um fundode Metafsica.

    deveras estranho, e mesmo trgico, que o lugar do antigo Egito ondeesteve, durante sculos, a Tebaida crist, no se encontre um vestgiodo seu glorioso passado. Os Himalaias continuam a ser o el-dorado dosyoguis - mas a Tebaida deixou de ser espiritual. Os atuais habitantesso rabes, muulmanos, maometanos, geralmente indolentes, sinteressados nas coisas mais rasteiras do velho ego. Pouco sabem demeditao. Perderam at a magia mental de seus antepassados. Dinheiro,sexo e divertimentos - e nada mais, como a maioria dos chamados cristosdo ocidente. Parece que a lei do menor esforo impera to despoticamenteno plano mental como no mundo material. O grosso da humanidade, emqualquer continente, quer apenas tornar mais agradvel a vida do "velhoego;" pouqussimos procuram superar a horizontal por uma vertical. Imperao continuismo comodista - quando nascer um novo incio? Quando surgir

    uma nova vivncia em lugar da vida velha?Regressei das regies da antiga Tebaida crist mais do que nuncaconvencido da imperiosa necessidade duma intensa interiorizao do homemmesmo em proveito da verdadeira felicidade aqui na terra.Toda a Fsica, para ser agradvel, necessita de um fundo de Metafsica.O gozo fsico, sem um fundo de esprito metafsico, acaba, cedo outarde, no seu contrrio - num tdio insuportvel...

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    Minha Decepo em Arunchala

    Do Cairo voei, durante a noite, para

    Bombay, uma das grandes cidades dandia Ocidental. Da, cruzando toda a ndia,para Madras, no litoral oriental.Madras - por qu ?Nada me interessava esta velha cidade indiana, onde os portugueses, dotempo de Vascoda Gama, deixaram tantos vestgios.O que muitssimo me interessava era um lugarejo que no figura em nenhummapa geogrfico da ndia - Arunchala. Felizmente, levava eu na mala umexemplar da revista "The Mountain Path", publicada em Tiruvannamalai,

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    cidadezinha no longe de Arunchala. Muitos brasileiros conhecem estenome, que se tornou quase sagrado, porque em Arunchala viveu, nessesltimos decnios, um dos maiores

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    iniciados da ndia moderna - Bhagavan Ramana, chamado geralmenteMaharishi, ou Maharshi, quer dizer, o "Grande Vidente". Dois escritorescontemporneos, Mouni Sadhu e Paul Brunton, tornaram conhecido no mundointeiro esse grande mstico. Sobretudo o livro de Mouni Sadhu "Dias deGrande Paz", escrito em ingls e traduzido em diversas lnguas,inclusive em portugus, imortalizou esse grande iluminado.Estranhamente, em Madras ningum sabia da existncia de Ramana Maharshi,nem do lugarejo onde ele viveu mais de meio sculo. "Santo de casa nofaz milagre."Finalmente, consegui saber que existia uma linha de nibus paraTiruvannamalai (que os nativos pronunciam Trimalei, ou coisa parecida).E l vou eu, durante diversas horas fatigantes, num nibus primitivo,que me deixou em Tiruvannamalai. Ali aluguei uma carrocinha de duasrodas puxada por um cavalinho magro, e consegui chegar a Arunchala.Excetuando o ashrarn e algumas casas vizinhas, Arunchala tem aspecto deuma favela, com casas de barro coberta de sap ou folha de palmeira.Consta de uma nica rua comprida, sujssima e cheia de mendigos, comoquase todas as cidades da ndia.

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    Era inteno minha ficar aqui alguns dias, na esperana de fazer umRetiro Espiritual com alguns dos mestres, que cuidava encontrar. MasRarnana Maharshi tinha morrido havia quase dois decnios, e seussupostos discpulos no davam impresso de espiritualidade.

    Ao meio-dia tomei o meu almoo numa sala ladrilhada, sentado no cho,diante duma folha de bananeira, sobre a qual o servente jogou umpunhado de arroz que arrancou com a mo de uma panela; jogou-o com tantafora que parte espirrou para os lados e foi cair ao redor do prato, nocho poeirento; mas o servente teve a habilidade de catar o arroz

    disperso e recoloc-lo na folha de bananeira, que me servia de prato.Depois veio outro servente com uma panela de feijo; com uma conchatirou do contedo e deitou sobre o arroz; depois disto, coroando tudo,um grande punhado de pimenta malagueta.

    Misturei tudo com os dedos - no h vestgio de talheres - e tenteiintroduzir na boca essa substncia meio lquida. Operao difcil para ohomem ocidental! Olhei para meus comensais hindus e verifiquei queeles faziam dos quatro dedos uma espcie de colher e assim conseguiamintroduzir na boca o alimento, sem muito derramamento. Alis, tambm nohavia perigo de eles sujarem a roupa, porque a maior parte s veste umatanga primitiva ou um calo. Alguns deles usam uma espcie de camisolabranca alm da tanga.

    Fiquei com a boca em fogo, com a sobrecarga de pimenta vermelha. Pedigua paraapagar o incndio e veio uma caneca de lato

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    com gua morna; pois no existe geladeira no ashram e a ndia um pastropical.

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    O meu companheiro brasileiro se portou heroicamente, engulindo - emboracom esforo e caretas - o seu almoo.Espervamos algumas frutas para a sobremesa, mas nada disto apareceu.Felizmente, eu trazia na mala algumas bananas, que salvaram a situao.Ao anoitecer nos mostraram a casa dos hspedes. Havia no quarto umavelha cama de madeira com um colcho de capim meio podre e um lenolque, pelo aspecto, j devia ter tido uso freqente por longa data.Joguei fora o lenol e me deitei sobre o colcho esfarelado. Meucompanheiro se deitou no cho e dormimos - tanto quanto as aranhas,baratas e mosquitos o permitiram.Numa dependncia da casa havia um cmodo com uma espcie de fossa nocho, uma lata com gua e uma caneca, para tomar banho. Como no haviatoalha, enxuguei-me com uma pea da minha roupa interna, usando outracomo fronha; pois no ousava deitar a cabea diretamente sobre o capimpodre.Esqueci-me de dizer que, ao anoitecer, assistira ao cntico dos Vedas,com flores e incenso. Este ritual se repete cada manh e cada noite. Fizo possvel para me concentrar, mas nada consegui. Dois macacostravessos, durante todo esse culto religioso, faziam as suas acrobaciasno santurio, trepando pelas cortinas, pulando sobre o altar etc. direita e esquerda do altar havia esttuas de pedra representando

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    vacas e elefantes. Durante o ritual foram engrinaldados essesanimais sagrados, incensados e besuntados de ghee (manteigaderretida).Na manh seguinte, fui visitar a casinha ocupada, por algum tempo, porMouni Sadhu, o autor do livro "Dias de Grande Paz"; vi tambm a de PauloBrunton, que, por algum tempo, foi discpulo imediato de RamanaMaharshi.Entretanto, a minha decepo e dissabores foram compensados pela longameditao que fiz, juntamente com meu colega, na salinha reservada ondeo santo fazia as suas concentraes, ou melhor, a sua sintonizaocsmica. Sentado no cho - pois no havia mveis - defronte ao canap,perto do grande retrato do mstico, abismei-me no oceano do Infinito.Mergulhei totalmente nesse mar invisvel... Senti-me empolgado pelos

    misteriosos fluidos que, mesmo agora, quase dois decnios depois dapartida de Maharshi, ainda esto no ar e fluem de todos os objetos - dosoalho, das paredes, do teto - e se apoderam das pessoas sintonizadaspor essas auras...Mas, nesse mesmo dia tive mais uma grande decepo e consolidei-me navelha convico de que a maior tragdia para um grande mestre o fatode ter discpulos aps a morte. Levaram-me ao quartinho onde o grandeVidente tinha dado o ltimo suspiro - ou, como dizem eles, onde entrouno rnahasamadhi. L estavam livros e manuscritos dele. Na parede haviaum nicho, com algumas bananas, pedaos de coco e outras frutas. Em faceda minha estranheza e pergunta, explicaram-me que esses alimentos

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    l estavam, e eram constantemente renovados, porque a alma dele poderiater vontade de se alimentar... Coitado do Mestre to mal compreendidopor seus chamados discpulos!... Quero crer, todavia, que haja outrosdiscpulos de Ramana Maharshi, mesmo em Arurichala, que estivessem maissintonizados com o esprito dele. Nesse mesmo dia me encontrei comArthur Osborne e sua esposa, ingleses, editores da mencionada revista"The Mountain Path", que um amigo me manda regularmente de Arunchala ecujo contedo um retrato fiel do santo.

  • 7/30/2019 Huberto Rohden - Minhas vivncias no Egito, na Palestina e na ndia

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    No mesmo dia deixei Arunchala e regressei para Madras.

    Tomei o avio da "Indian Airlines" e voei para Calcut, capital doEstado de Bengal. Da por diante viajei sozinho, porque meu companheiro,decepcionado, se separou de mim.Viajar sozinho por essas regies desconhecidas pode parecer triste amuita gente social. Eu, porm, me sentia muito bem. Parece mesmo que souessencialmente eremita solitrio e que a vida na sociedade apenas ummal necessrio. Quando estou desacompanhado me sinto em tima companhia,mais em sintonia com a alma do Universo.

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    Com os Yoguis deSevayatan

    Levava comigo uma carta do meu antigoguru indiano, de Washington, Swarni Premananda, endereada a SwamiSatyananda, chefe do ashram de Sevayatan, no Bengal ocidental. EmCalcut, capital desse Estado, tomei o trem, que, em algumas horas, medeixou na estao ferroviria de lhargram. Mas, da para Sevayatan nohavia conduo regular, a no ser uns veculos particulares que eu nunca

    vira: umas grandes bicicletas - alis monocidos - ligados a uma pequenacarruagem com dois assentos. O ciclista montava nessa roda e pedalavavalentemente, movendo o veculo. Assim cheguei, dentro de meia hora,atravs de vastas plancies, a uma espcie de fazenda, que o povodenominava The School (a escola).

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    L chegando, indaguei por Swarni Satyarianda e fui levado a uma casinhamodesta, em cujo interior encontrei um homem de uns 80 anos, sentadosobre uma cama simples, pois estava doente e se sentia muito fraco. Seucorpo era cor de cera e to magro que me parecia transparente.Entreguei-lhe a carta de Swami Premananda e ele me tratou com extrema

    bondade, uma bondade simples e benfazeja, embora sempre com aquelaserena longinqidadeque prpria de homens que j vivem no mundo da pura espiritualidade ese ocupam com este mundo apenas por convenincia para com seussemelhantes. No h nenhuma necessidade que esses homens falem ou faamalguma coisa - o seu simples e poderoso ser vale mil vezes mais do quequalquer dizer ou fazer. Pode a gente ficar na presena delesindefinidamente e sentir-se bem e cada vez melhor, esquecendo-se detodas as facticidades das circunstncias e s consciente da realidade dasubstncia.Conversamos longamente em absoluto silncio...Silncio algo como msica... No atua pelo que diz, mas sim pelo que... A msica uma linguagem internacional, como o silncio...

    Fiquei quase cinco dias nesse ashram, onde residiam numerosos monges,yoguis, swamis, alguns dos quais tambm eram professores de escolassecundrias e colgios do governo, na redondeza. Deram-me um quartoprprio, com cama e mesa e outros mveis, quase moda ocidental. Nocheguei a saber como os monges

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    vivem entre si. Ser que comem e dormem no cho, como em Arunchala Aquih um conforto razovel, sem confortismo nem confortite, que so a

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    desgraa de muita gente do inundo ocidental. Falo de experinciaprpria. Quando, h anos, loteei o meu antigo stio, em So Paulo, econvidei alunos da ALVORADA para fazerem os seus bangals, pararesidncia rural ou fim-de-semana, tive enorme decepo. Quase todosresolveram transportar para o campo um pedacinho da cidade, com todas assuas misrias civilizadas - rdio, televiso, jornais, revistas, visitastagarelas e todas as consagradas sujeiras das nossas cidades. Quase todoseles so hoje sitiados em vez de sitiantes, sitiados, em permanente"estado de stio"... E, pior de tudo, adoram esse estado de stio, essaidolatrada tirania do confortismo mrbido e da confortite mortfera...Nada disto encontrei em Sevayatan. Encontrei um conforto razovel,eqidistante do desconforto de Arunchala e do confortismo de muitagente ocidental. Todas as grandes naes da histria morreram deconfortite...Toda manh, Swami Satyananda, sentado na cama, e eu num tamborete, ao pdele, fazamos longa meditao. Ele, de olhos imveis, largamenteabertos, fazia lembrar a esfinge do Egito... Parecia uma esttua demrmore, sem respirao perceptvel. Creio que a alma ou o Eu dele noestava mais l; s o invlucro corpreo estava presente, vazio, sem umsinal de vida... S depois de muito tempo a realidade espiritual doSwami regressava de regies longinquas e reanimava aquela roupagem

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    inerte. Ah! se esses homens pudessem falar das suas experinciascsmicas!... Mas... aqui o calar vale mais do que o falar... Ditosindizveis no podem ser ditos... . O que se pode dizer, ou mesmo pensar,no a verdade... como um fogo pintado numa tela, que no fogovivo... O mais perfeito fogo pintado no ilumina nem aquece.

    Durante o prolongado sa,nadhi de swami Satyananda, todo o recinto seenchia de um estranho magnetismo, que envolvia e permeava tudo. Eu nosentia mais o meu prprio corpo nem o tamborete em que estava sentado.Tinha a impresso de flutuar livremente no espao, desmaterializado,astralizado, todo centrado na minha conscincia Eu, alheio a todas asiluses do ego perifrico.

    Num dos ltimos captulos do meu livro "Entre Dois Mundos", com o ttulo"Nos Mistrios do LSD", tentei descrever as experincias produzidas pelocido lisrgico. Mas o que experimentei em Sevayatari, na presena deswami Satyananda em samadhi, era bem diferente, por ser uma vivncianatural e no uma tcnica artificialmente provocada por umas gotinhas deinjeo material.

    Somente quando o yogui regressava das suas longnquas viagens csmicas ereocupava o invlucro do seu corpo material, que cessava o ambienteimantado do cubculo, e eu tornava a ter conscincia do meu corpo. Masno meu consc