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tica Profissional em Teraputica da Fala 15
Adelaide Dias
I. TICA, DEONTOLOGIA PROFISSIONAL
E TERAPUTICA DA FALA
A) AS TEORIAS TICAS
Muitas so as teorias ticas referidas na mais diferente bibliografia. Resumir
algumas delas ir providenciar uma maior relao, ao longo deste trabalho, com os
pressupostos que o orientam. Passa-se a abordar as correntes que se consideram mais
pertinentes sem que a ordem de apresentao signifique que lhes seja conferido
diferente grau de importncia. Contudo, alguns pontos de cada uma delas sero bastante
mais explorados do que outros, nomeadamente a teoria deontolgica, j que nesta que
encontramos um grande fundamento para a tica profissional. Acredita-se que ao
explorar nesta fase, estas diferentes correntes ser mais fcil justificar a reflexo terica
e o trabalho de campo inerente a esta dissertao. Assim, prope-se a descrio, de
forma sucinta, dos seguintes temas: 1) tica das Virtudes/Carcter; 2) tica
Deontolgica; 3) tica Consequencialista/Utilitarismo; 4) tica da Responsabilidade; 5)
tica do Cuidado; 6) tica da Justia (Justia Distributiva) e 7) tica
Principiolgica/dos Mnimos.
1) TICA DAS VIRTUDES/CARCTER
Teoria baseada essencialmente, na viso de Aristteles que a enquadrava no
clima social e poltico da poca. Relaciona-se com o conjunto de caractersticas ou
virtudes que um indivduo dever possuir/demonstrar para que o seu comportamento
seja considerado tico. O indivduo determina a sua linha de aco de acordo com aquilo
que esperado dele e do seu estatuto perante determinado conflito, este indivduo ir
escolher o caminho que lhe possibilite o maior nmero de caractersticas consideradas
morais pela sociedade. Assim, a aco5 baseia-se basicamente, naquilo que o agente
observa como honroso e/ou virtuoso. A questo central : Como devo viver? e a
5 Aco por aco deve entender-se um comportamento humano (quer consista num fazer externo ou interno, quer num omitir ou permitir), sempre que o agente ou os agentes lhe associem um sentido objectivo. (Weber, 2005, pg.21).
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resposta encontra-se no desenvolvimento contnuo de virtudes baseado na experincia e
que proporciona, a longo prazo, a prosperidade. A prosperidade aqui considerada um
sinnimo de felicidade, o objectivo ltimo de qualquer agente moral e tico. A virtude
corresponderia a um padro de comportamento ou sentimento: uma tendncia para
agir de certa maneira e desejo de sentir certas coisas em certas situaes. () implica
um juzo inteligente sobre a resposta apropriada situao em que nos encontramos.
(Boto, 2000). Nesta pequena definio encontramos praticamente todos os conceitos
relevantes que servem de base a esta teoria (Boto, 2000; Warburton, 1998):
Virtude conceito que abraa a prtica no sentido de que se desenvolve com
a experincia de cada um e pela observao (imitao) de outros mais
virtuosos e/ou experientes. considerada uma disposio de carcter e
requer raciocnio, julgamento, ponderao, entre outras caractersticas,
correspondendo a uma razo recta relativa s questes de conduta
desenvolvida pelo hbito de praticar o comportamento considerado
adequado. A virtude estaria presente como predisposio no ser humano e
seria cumprida medida que o homem cumpriria a sua trajectria de vida.
Justo Meio tendncia considerada mais prudente e sbia que exige
conscincia e discernimento para alm de uma predisposio para a
moderao.
Discernimento competncia que requer clculo e deliberao e que se
encontra presente em todos os comportamentos virtuosos que surgem perante
situaes que podero ser variveis e independentes de princpios estticos.
Para Aristteles (s.d.), o discernimento depende de caractersticas intrnsecas
que dotam as pessoas do poder para saber distinguir entre o que melhor
para si mesmas e para os outros. Contudo, tal algo desenvolvido ao longo
da vida e atravs da experincia pessoal de cada um, referindo-se no s aos
casos universais, mas tambm s questes particulares que vo moldando a
forma de reflectir do indivduo.
Equidade os julgamentos bons so aqueles considerados como equitativos.
Ao referir o discernimento como uma competncia da idade adulta confere-
-se automaticamente a este a noo de equidade tambm, sendo que esta
comum entre as pessoas boas na sua conduta nas relaes com outras
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pessoas.
Amizade conceito relacionado com as questes da afeio, da emoo e da
convivncia, segundo Aristteles: as pessoas amveis convivem com as
demais da maneira certa, mas com vista ao que honroso e conveniente
que elas visam a no causar desgostos ou a contribuir para o prazer. ([s.d.]
Warburton, 1998, p. 85).
As crticas a esta teoria relacionam-se essencialmente com: ser difcil traar os
padres de comportamento, de desejo e de sentimento que so tidos como virtude; as
listas de virtudes propostas pelos autores que as defendem podem constituir nada mais do
que a sua viso pessoal sobre o seu (pr)conceito de virtude e no existir comprovativo
da existncia de uma natureza humana/predisposio natural para desenvolver padres
considerados como adequados (Warburton, 1998).
2) TICA DEONTOLGICA
Quando nos referimos a tica profissional, denota-se a clara influncia das
teorias ticas de carcter deontolgico e cuja expresso mxima se revelou em Kant e na
sua filosofia direccionada para o conceito de dever aplicado realidade do ser humano
enquanto ser racional, livre e igual entre os demais. Independentemente de existirem
possveis lacunas e pontos questionveis na fundamentao Kantiana, inegvel a sua
poderosa influncia sobre todas as questes relacionadas com a formalizao do
pensamento tico. Ao formalizar, Kant transforma a tica numa cincia prtica,
direccionada para a resoluo efectiva de dilemas, problemticas e questes humanas.
([1785] Quintela, 1995, pg.10). Esta teoria foca o tipo de aco e a conduta adoptada
mais do que as suas consequncias. Kant estabelece que uma conduta tica se baseia em
princpios orientadores e regras morais de valor superior cujo seguimento uma
obrigatoriedade e um dever perante o qual o indivduo apenas responde naturalmente,
usando-o para resolver os seus dilemas ticos.
A clara influncia de Rosseau sobre Kant observa-se num dos fundamentos
essenciais para compreender a tica deontolgica e todos os aspectos que dela brotam. A
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natureza (oculta) humana, observada por Rosseau, permite em Kant encontrar na
conscincia moral o seu carcter autnomo e primitivo, distinguindo-a e separando-a das
questes do preconceito que anteriormente a esta se aplicavam. Para estes autores, a
conscincia que se eleva sobre determinado acto livre de manipulaes sendo na sua
essncia, algo capaz de transcender a realidade existente. Assim, encontra-se uma tica
formal no dirigida para o objecto ou para as leis imediatas que regem a aco especfica
sobre estes, mas antes para leis que se direccionem apenas para a mxima das aces
(Quintela, 1995, pg.10). Acrescentando ainda, a clara separao entre o que um fim e o
que um meio formal que cumpre determinado objectivo. Nasce em Kant, o
levantamento crtico das condies universais de possibilidade do conhecimento em
geral, tambm no horizonte do questionamento acerca do dever-se, sobre a pergunta
essencialmente, prtica e humana de O que devo fazer? nascendo assim o
imperativo categrico6 (Quintela, 1995, pg.10):
Age apenas segundo aquela mxima que possas ao mesmo tempo desejar
que se torne lei universal. (Kant, [1785] apud Quintela, 1995, pg.59).
Acrescentando a este um outro que corresponderia a:
Age de tal maneira que uses a humanidade, na tua pessoa ou na pessoa de
outrem, sempre e simultaneamente como um fim e nunca simplesmente como
um meio (Kant, [1785] apud Quintela 1995, pg.66).
O impacto de ambos os imperativos forte em todas as profisses e os C.D. que
as regem. A noo de dever e de aco inerente ao mesmo encontra-se presente, passo a
passo, em qualquer parmetro que caracteriza a tica profissional de determinado grupo.
Os conceitos mencionados apenas tero lgica se assumirmos que cada indivduo um
agente livre e racional capaz de tomar decises reflectidas e propulsionadas para o bem,
sendo que o bem o resultado de uma aco originada numa vontade autnoma que se
determina e se identifica com a lei que reflecte a mxima das aces. O impacto destes
pressupostos aqui de grande relevncia. Embora se denotem outras influncias que
mais tarde iro ser referidas, a tica profissional baseia-se na sua expresso mais pura
6 Imperativo Categrico ...declara a aco subjectivamente necessria em si mesma, sem relao a um qualquer objectivo, isto , sem qualquer outro fim... (Quintela, 1995, pg.14).
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numa viso Kantiana. Cabral (s.d.) define deontologia como o conjunto de deveres
exigidos aos profissionais, uma tica de obrigaes para consigo prprio e para com a
comunidade, () todas as profisses implicam uma tica, pois todas se relacionam
directa ou indirectamente com os outros seres humanos., exaltando mais uma vez a
questo do dever. Mas como transmitir tais noes? No sero elas expresso de
cidadania e solidariedade? Resta-nos a dimenso axiolgica, os valores, j que segundo
Kant, o homem se revela pouco dotado de capacidade de se auto-elevar na sua fora
interior e direccionar-se para uma eficcia em concreto do comportamento
desejado/correcto. Encontram-se subjacentes a esta teoria as diversas condies
Kantianas que caracterizam um comportamento como tico em toda a sua teoria: ser
considerado universal; respeitar cada ser como um indivduo racional, livre e aceite pelo
todo de forma a que, caso se invertessem os papeis, as partes continuariam de acordo
(Mercier, 2003). No existe interesse em medir consequncias ou actuar de acordo com
estas, mas antes em agir de forma intencionalmente dirigida para o bem, seguindo
normas universais ou actuando de acordo com o considerado correcto ou universalmente
aplicvel. A maioria dos C.D. reflectem exactamente este aspecto, ou seja, no existem
formas de medir consequncias, sendo apenas possvel propr linhas orientadoras
motivadas para o bem dos envolvidos no acto profissional, considerando este ltimo
como universalmente correcto.
Embora desde j se deva reconhecer a devida importncia desta teoria sobre a
performance e a reflexo tica das profisses, esta revela-se insuficiente para a resoluo
de diversas questes mais especficas que muitas vezes so as que caracterizam as
problemticas sentidas pelos profissionais no seu dia-a-dia profissional. Na realidade, um
bem considerado universalmente correcto na prtica um conceito de complexa
aplicabilidade. Os agentes ticos so to diversos e vivem em to diversificada natureza
que as suas respostas e os seus sentimentos so actualmente, to distintos quanto
imensos.
As exigncias actuais ultrapassam em muito a tendncia humana de agir para o
bem e as necessidades do ser humano tornaram-se ambguas quer em direco, quer em
motivao.
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3) TICA CONSEQUENCIALISTA/UTILITARISMO
A tica Utilitarista uma vertente baseada em conceitos especficos de utilidade,
isto , para os autores que a defendem, nenhuma atitude ou aco tica destituda da
noo de consequncia. Assim, o raciocino tico baseia-se, essencialmente, nas
consequncias que determinada aco trar sobre os envolvidos. Nesta teoria,
encontramos o conceito de o mximo para o mximo de indivduos, sendo que a
melhor aco ser aquela que trouxer o mximo de benefcio para o mximo de pessoas
(Galvo, 2005).
Para Mill (1859), autor mais consagrado nesta viso, a procura da felicidade do
agente, assim como a dos outros que podero ser afectados pela sua conduta, o
principal objectivo. Advogando a igualdade, o padro ltimo da moralidade
corresponder promoo imparcial da felicidade em que a utilidade o princpio maior
desta ltima. Acrescenta ainda que um indivduo actua da melhor forma se e apenas se
esse acto corresponder melhor possibilidade dentro das existentes considerando
qualquer aco abaixo deste patamar como errada (Jacobson, 2003).
O Utilitarismo baseia-se em dois aspectos essenciais: o Empirismo e o
Associacionismo. O primeiro, suporta a noo de que todo o conhecimento se baseia na
evidncia, rejeitando a existncia de conhecimento priori. O segundo conceito,
descreve como as nossas ideias estabelecem entre si relaes segundo leis gerais de
associao que justificam o comportamento humano. Mill identifica-se claramente com
uma metatica, isto , baseada na anlise da tica e na deduo de princpios reguladores
atravs de uma base emprica.
Mill (1859) define Utilitarismo como:
Eu refiro-me teoria tica em que a conduta correcta externa e
objectivamente, em qualquer circunstncia, corresponde conduta que tende a
produzir o mximo possvel de felicidade ao maior nmero de todos aqueles
cujos interesses so afectados. () a felicidade que forma o princpio do
utilitarismo acerca do que a conduta certa, no a felicidade do agente em si,
mas a de todos os implicados. (apud Jacobson, 2003, pg.8).
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Embora existam fortes opositores a esta teoria, quer pelo expresso hedonismo7,
quer pela aparente dificuldade de convivncia com o princpio da justia (ainda que tal
seja claramente refutado por Mill), na realidade o Utilitarismo advoga algo que ser
dificilmente contrariado o mximo de bem para o mximo de envolvidos.
No apresentando como objectivo explorar as (in)congruncias da teoria de Mill,
passa-se a apresentar alguns dos pressupostos que se consideram de extrema relevncia.
Este autor apresenta-se como um forte estudioso das cincias morais, mas tambm das
sociais. A sua obra baseia-se em diversos princpios, entre os quais os trs que se seguem
e que se revelam em praticamente qualquer actuao tica actual:
Princpio da Igualdade para um utilitarista a procura pela felicidade
dever incluir no s a sua prpria felicidade, como tambm a daqueles
que potencialmente podero ver-se afectados pela sua conduta, sendo que o
interesse de um agente no ter mais importncia do que a inteno dos
demais envolvidos. E assim sendo, o padro ltimo da moralidade
corresponder procura imparcial da felicidade.
Principio da Utilidade referido por Jacobson (2003) como axiolgico e
no moral, j que toda a felicidade intrinsecamente boa e vivida como um
standard de conduta para a aco boa/errada. As consequncias
correspondero ao nico padro fundamental da tica, sendo que o nosso e
nico objectivo ser maximizar o bem:
o acto moralmente certo (ou obrigatrio) sempre aquele que,
avaliadas as coisas de uma forma estritamente imparcial, dar origem melhor
situao ou ao maior bem. (Galvo, 2005, pg. 19).
7Hedonismo - conceito que defende que o bem-estar ir consistir unicamente no prazer e/ou na ausncia da dor. O indivduo viver a sua vida unicamente em funo de atingir a experincia que aprazvel ou no dolorosa. Apontam-se dois tipos de hedonismo: o total e o mdio. No primeiro, acredita-se que o bem-estar depende unicamente da experincia que d prazer e que esta boa unicamente devido ao efeito que provoca. No hedonismo mdio reconhece-se que para alm do prazer directo que uma qualquer experincia possa provocar, existem outros valores que podero conduzir uma vida boa ou ao bem-estar, tais como: o conhecimento, a virtude, a autonomia ou a amizade. Para Mill, ao contrrio da viso de um outro utilitarista conceituado Bentham (1749-1832) - h que ter em conta no s a quantidade de prazer no que diz respeito a intensidade/durao, mas tambm a sua qualidade. Reala ainda que os prazeres superiores ou os valores superiores, podero muitas vezes superar os prazeres inferiores, admitindo assim uma escala de preferncias. Para Mill h que distinguir o til do agradvel ou ornamental de forma a que o hedonismo no se aproprie de caractersticas imprprias a um ser humano digno (Galvo, 2005; Jacobson, 2003).
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Princpio da Liberdade Mill (1871) aponta-o como:
o nico fim para o qual os seres humanos esto autorizados a
interferir, individual ou colectivamente, na liberdade de aco de qualquer
individuo a sua prpria proteco. (Galvo, 2005, pg.12).
Embora levante algumas questes, j que h quem considere que em situaes
especficas a teoria parece contradizer o princpio que advoga, no deixar de ser um
marco acentuado de claro respeito pela dignidade do ser humano e uma exaltao de um
dos princpios mais relevantes e tambm mais dificilmente atingveis no decorrer de toda
a histria da humanidade a liberdade. Esta ainda hoje continua a ser alvo de atentados
consecutivos e de claro desrespeito quer por naes, quer por indivduos enquanto
agentes isolados.
Contudo, este no um consequencialismo incuo de standards prprios. A
teoria reconhece a utilidade como um standard, mas recusa estabelecer formas
especficas de a atingir e/ou aplicar (Jacobson, 2003). Para Urmson, a teoria de Mill
assenta em dois pressupostos especficos:
Uma aco correcta/certa/boa aquela que se encontrar de acordo
com as regras morais tambm consideradas correctas, sendo que a aco ser
considerada incorrecta/m/desadequada se transgredir essas mesmas regras.
Uma regra moral correcta se promover o bem ltimo que corresponde
felicidade geral/bem-estar geral. ([1953] apud Galvo, 2005, pg.20).
Crisp ([1997] apud Jacobson, 2003) sugere uma combinao entre uma teoria
directa e maximizadora do correcto com uma teoria hedonista do bom, isto , este autor
associa a possibilidade de os actos poderem derivar de dois tipos distintos de
pensamento: um moral crtico e um intuitivo, em que o ltimo dependeria das
disposies emocionais e das regras comuns de aceitao geral. Tal, implica uma ligeira
associao ao categrico de Kant de dever mximo dependente de algo superior
vontade humana, algo de nvel superior que afecta a nossa vontade priori. Como j
sugerido por Hare (1981) e Crisp (1997) mencionados por Jacobson (2003), o
pensamento assentar no nvel intuitivo e no nvel crtico. Preferencialmente, o indivduo
ir actuar segundo o primeiro e de acordo com as intuies morais que foram sendo
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sugeridas, isto , experienciadas como provocadoras de bem-estar, chamando a tal
princpios secundrios da moralidade comum. O nvel de pensamento crtico iria assistir
em possveis situaes de conflito entre os deveres gerados pela moralidade comum,
assim como iria aperfeioar a reviso dos princpios considerados secundrios.
Acrescentando-se ainda que o indivduo verdadeiramente tico s o seria se realmente
fosse educado a tal, realando a importncia para a educao na actuao tica. Com tal,
pretende-se afirmar que na busca pela felicidade e em comunidade, a educao dever
ser reconduzida no sentido de provocar/motivar os mais diversos elementos busca do
bem-estar comum e assisti-los na construo do seu carcter moral. Para Jacobson (2003)
esta uma teoria virtuosa no que toca aos seus princpios pedaggicos e enfatiza a
importncia da noo de sano8 interna e sano externa. A primeira corresponder ao
dever sentido intrinsecamente pelo indivduo, ou seja, a sua conscincia. A segunda
depender directamente de terceiros implicando conceitos de efeito grupal, salientando a
importncia do contexto social e do impacto da aceitao/reprovao deste perante
determinada aco. Mill apresenta uma teoria que no negligencia o grupo, para este
autor o bem-estar implica automaticamente o bem-estar global e a educao de todos
nesse sentido, permitindo que todos observem o bem final, a felicidade, como um bem
geral.
Encontrando ou no pontos de difcil convergncia ou aplicao nesta vertente,
principalmente no que toca negligncia bvia perante o papel das relaes sociais,
dificilmente se consegue tambm negligenciar os seus pressupostos. Ainda que tente ser
claramente oposta aos deontologistas, poder-se- encontrar pontos em comum,
principalmente no que toca s questes essenciais. Considera-se que trazer luz
conceitos cruciais como a igualdade e a avaliao de consequncias no deixa de ser
extremamente valioso. Desejemos tal ou no, a conduta de uma profisso baseia-se na
sua experincia ao longo do perodo que compe a sua histria. Essa experincia e o
sentido de utilidade que ela provoca numa sociedade , em ltima anlise, o que conduz
ao seu crescimento e o seu reconhecimento perante a sociedade. Ainda que o conceito de
utilidade possa aqui no estar directamente relacionado com o de Mill no seu sentido
mais lato e talvez hedonista, na realidade a busca do bem-estar global no deixa de ser o
8 Sano neste contexto refere-se fonte de prazeres e dores que motiva efectivamente as pessoas para agir. (Galvo, 2005, pg.26).
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objectivo de uma actividade profissional, a sua busca pela felicidade enquanto grupo
profissionalizado. E esta conduta considerada como boa incentivada, transmitida e
cultivada de gerao profissional em gerao profissional. A cultura que alimenta o
crescimento de uma profisso desenvolve-se pela regra moral geral, cultura global da
sociedade que a acolhe, experincia que vai recolhendo a longo prazo, relao entre os
pares e passagem de testemunho para as suas geraes futuras.
Ainda que possamos recusar um consequencialismo drstico, considera-se-se que
dificilmente o consigamos anular das nossas convices, at porque o hedonismo parcial
no deixa de ser uma caracterstica muito humana. Tal como j previamente sugerido,
educar para o futuro e no sentido do bem-estar global ser o grande segredo. Eis que
surge ento um dos parmetros que se considerou de extrema relevncia num Cdigo
Deontolgico: a sua funo educativa num contexto restrito profissionais e futuros
profissionais, e num contexto mais alargado comunidade e outros elementos
envolvidos, tais como instituies ou organizaes. E ainda que por falsa modstia
tentemos anular a ideia de sano da nossa conduta, na realidade ela e ser sempre uma
fonte de impulso na aco humana como anulao/evitamento de situaes de
desconforto/dor/vergonha perante o grupo de identificao mais imediato (Galvo,
2005). Observa-se em Mill uma forte componente realista da natureza humana tal como a
conhecemos que dificilmente deixaramos de tomar nota neste trabalho.
4) TICA DA RESPONSABILIDADE
Teoria baseada no conceito da responsabilidade, conceito este que fundamenta
toda a actuao tica. Para os autores que a defendem, se actuarmos com a devida
responsabilidade perante o prximo e perante o ambiente, resolveremos grande parte dos
nossos dilemas actuais, assim como preveniremos possveis dilemas. uma teoria virada
para a educao dos indivduos baseada totalmente na responsabilizao dos mesmos
perante o presente e o futuro.
Hans Jonas prope uma teoria mais recente e adaptada a algumas questes que
para Kant ou outros autores seriam impensveis devido dimenso histrico-temporal
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em que se encontravam. O avano drstico da tecnologia, nomeadamente no que se
aplica sade, determina a necessidade de reflectir de outra forma. As novas tecnologias
actuam sobre a humanidade de uma forma extremamente incisiva, rpida e
profundamente modificadora de determinados aspectos que se consideravam como
inerentes natureza da espcie humana e como tal, algo difcil de modificar ou contornar
pelos prprios seres humanos. Embora o presente trabalho no se proponha a analisar
este aspecto em especfico, considera-se relevante descobrir em Jonas aquilo que nos
assiste na compreenso da tica profissional no contexto actual. Este autor afirma que
nos encontramos numa era de deformao ideolgica da modernidade em que ocorre a
necessidade extrema de:
Alargamento do conceito de dever, rejeitando a restrio ao agente em si,
alargando a perspectiva no s em relao aos outros, mas em relao aos que
esto para vir, quer em essncia, quer em condies de
subsistncia/sobrevivncia/vivncia no mundo actual e no mundo futuro.
(1994, pg.39).
Passa-se assim para uma dimenso pblica, acrescendo e exaltando o princpio da
responsabilidade e obrigando o agente a deixar a sua individualidade remetendo-se
tambm para a dimenso colectiva do agir. Para Jonas, as teorias ticas mais antigas no
nos equipam com o know how suficiente de forma a adequar a nossa aco a uma
interveno altamente modificadora ao nvel bioqumico e electrnico. O autor chama
ainda a ateno para o esvaziamento tico, sendo que a cincia moderna desgastou a
ideia de norma no sendo actualmente possvel dizer temos que fazer agora
necessrio explicar porque temos esse dever e essa obrigao.
Esta teoria acentua uma viso de vida em comum sob o conceito da
responsabilidade reconhecendo que esta no se encontra unicamente subjugada ao
conceito de vontade individual. Para Jonas no basta querer ou ter vontade, h que existir
uma fora que impele para a aco e que este denomina de responsabilidade. Um dever
subjugado a uma lei calculada pela comunidade e s suas necessidades actuais e futuras.
Utpica ou no, a linha de orientao de Jonas contempla o ser humano como um ser
pertencente a uma espcie, uma comunidade, cultura e ambiente, mas tambm como ser
individual racional e emotivo.
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Considera-se que muitas das suas preocupaes, assim como as suas propostas, se
encontram subjacentes a inmeros Cdigos Deontolgicos, nomeadamente os
direccionados para a rea da sade/educao. A sua preocupao clara para com a
humanidade actual, mas tambm com a futura, esclarece que nos dias actuais, o homem
no deixa de ser inimigo de si prprio e que a educao a resposta para que tal factor se
anule ou atenue (Jonas, 1994).
Nesta teoria apela-se s diferenas no homem de hoje e no homem de ontem,
afirmando a necessidade em visualiz-lo como um agente que se redimensionou em
relao natureza. Para este autor, as teorias anteriores que formalizavam os princpios
inerentes s aces consideradas ticas, deixaram de ser suficientes na nova relao
homem-natureza. Estas realam muito mais as problemticas que surgem da relao
agente entre agentes, negligenciando o meio ambiente e a questo temporal. As
formalizaes anteriores contemplavam a problemtica tica como algo presente e a
decorrer no momento actual e nunca com um impacto futurista no sentido em que uma
aco poderia prejudicar algum e determinado processo de desenvolvimento num futuro
prximo ou longnquo. Evoca-se a necessidade de sentir a responsabilidade para com o
outro e para com a natureza fazendo-o no mbito actual, assim como no mbito futuro.
Para este autor, na aco dever existir uma preocupao para com a continuidade da
espcie humana tal como ela , humana. Tal, apenas ser possvel atravs de dois
conceitos essenciais que se interligam e que isolados jamais faro sentido ou sero
aplicveis: responsabilidade9 e educao (Jonas, 1994). Responsabilidade esta criada no
seio da comunidade/plis, educada como ponto de partida para a aco verdadeiramente
tica e transmitida de agente para agente como algo seu e que o caracteriza, como algo
necessrio ao seu futuro e ao futuro daqueles que respeita e daquilo que o rodeia
(ibidem). Jonas acrescenta ento ao imperativo de Kant:
9 Responsabilidade segundo Levinas - sob o ponto de vista filosfico tradicional, a responsabilidade se constitui como decorrente da liberdade. A noo de responsabilidade baseada na noo de escolha livre. Uma aco livre na medida em que se responde por ela. Em princpio, se o ser humano livre, ento cabe a ele assumir as consequncias dos seus actos. De contrrio, no haveria como ser moralmente responsvel pelo seu agir. Se as decises fossem tomadas ao acaso, sob o ponto de vista tico, poltico e, tambm, jurdico, haveria a ausncia de responsabilidade, nunca haveria culpados. A liberdade de escolha condio de possibilidade para que o sujeito seja responsvel pela sua aco ou omisso. Cabe a cada um responder, diante de si mesmo e diante dos outros, pelo que faz ou pelo que deveria fazer e no fez. Nesse sentido, a responsabilidade exige fundamentalmente a conscincia dos actos praticados, a capacidade de entendimento adequado aos princpios ticos. Sob o ponto de vista tico, o sujeito responsvel quando capaz de se auto-determinar, quando quer e sabe, isto , quando tem conscincia. ([1988] apud Kuiava, 2006, pg. 56).
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Age de maneira tal que os efeitos de tua aco sejam compatveis com a
permanncia de autntica vida humana sobre a terra; ou: age de maneira tal que
os efeitos de tua aco no sejam destrutivos da possibilidade de autntica vida
humana futura na terra. Ou, no ponhas em perigo as condies da
continuidade indefinida da humanidade na terra; ou: inclui na tua opo
presente, como objecto tambm de teu querer, a futura integridade do homem.
(apud Cascais, 1994, pg.13).
Trata-se assim de um convite a cada ser humano para ampliar os horizontes da
tica e da poltica assistindo construco de um mundo mais humano para todos
(Kuiava, 2006).
Justificar a liberdade no demonstr-la, mas torn-la justa, afirmaria tambm
Levinas ([1988] apud Kuiava, 2006) na sua obra Totalidade e Infinito, ao que Kuiava
acrescenta:
O eu perante o outro infinitamente responsvel. O eu incumbido da
responsabilidade, com exclusividade, e a qual no pode humanamente recusar.
O eu , na medida em que responsvel por outrem. Ele pode substituir a
todos, mas ningum pode substitu-lo. Essa a sua identidade inalienvel de
sujeito. Desse modo, pode afirmar-se que a responsabilidade individua o eu,
pois ningum pode assumir no seu lugar essa condio. (2006, pg.59).
Exige-se ainda de todo e qualquer profissional que saiba lidar conscientemente
com as consequncias dos seus actos profissionais. Nesse sentido, ser responsvel ser
capaz de prever os efeitos do prprio comportamento e quando este for considerado
errado ou at negativo, saber corrigi-lo com base na previso realizada previamente de
forma consciente e reflectida (Kuiava, 2006). Assim, os conceitos j referidos noutras
teorias, ganham nova dimenso na tica da Responsabilidade. A solidariedade, a
fraternidade e a tomada de conscincia para a vulnerabilidade da natureza revelam aqui a
rejeio de uma tica antropocntrica determinada pelos direitos e deveres do homem
como ser nico no mundo em que vivemos. Cr-se que nesta teoria encontramos um
fundamento essencial para a tica profissional: o da educao aliada ao da
solidariedade/fraternidade. Sem estes, dificilmente as profisses evoluem ou se
modificam de acordo com os melhores interesses da mesma. No existindo uma
educao tica e uma noo de responsabilidade mtua, dificilmente ocorre o
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crescimento. Independentemente destes factores, h que tambm considerar a crescente
necessidade de observar o mundo de hoje, mas tambm o de amanh. A nossa
responsabilidade dever ento contemplar quer enquanto grupo, quer sob a forma de
Cdigo Deontolgico, o futuro da profisso.
5) TICA DO CUIDADO
Teoria contempornea que resgatou a centralidade dos sentimentos, a
importncia da ternura, da compaixo e do cuidado perante o outro, realando a
importncia da vulnerabilidade e de como esta influencia a aco de quem cuida. Para
Keller (1996) ao tentar reflectir sobre a teoria de Carol Gilligan (1982), a tica do
Cuidado centraliza-se sobre as relaes entre quem cuida e entre quem cuidado.
Emerge aqui uma tica que questiona as concepes vigentes, valorizando os
actos, as motivaes e o carcter dos envolvidos. Aborda diversas dimenses, tais como:
a abordagem contextual, a conexo humana, os relacionamentos comunitrios e o mbito
privado. Refora ainda o papel das emoes (sentimentos) e coloca a nfase no gnero
feminino como elemento crucial e caracterizador no cuidado dos outros. O gnero
feminino relevante, j que se aponta que as mulheres tero um percurso de
desenvolvimento moral diferente dos homens, sendo estas mais direccionadas para o
conceito de cuidado (Keller, 1996).
A capacidade de agir eticamente aqui entendida como uma virtude activa que
requer dois sentimentos: o primeiro o sentimento natural de cuidado e o segundo ocorre
em resposta lembrana do primeiro, j que cada pessoa traz consigo uma memria dos
momentos nos quais cuidou ou foi cuidada (Zoboli, 2004)
Boff define cuidado como:
Cuidado significa, ento, desvelo, solicitude, diligncia, zelo,
ateno, bom trato... estamos diante de uma atitude fundamental, de um modo
de ser mediante o qual a pessoa sai de si e centra-se no outro com desvelo e
solicitude () Cuidar das coisas implica ter intimidade, senti-las dentro,
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acolh-las, respeit-las, dar-lhes sossego e repouso. Cuidar entrar em sintonia
com, auscultar-lhes o ritmo e afinar-se com ele. A razo analtico-instrumental
abre caminho para a razo cordial, o sprit de finesse, o esprito de
delicadeza, o sentimento profundo. A centralidade no mais ocupada pelo
logos, razo, mas pelo pathos, sentimento ([s.d.] apud Freire, s.d.).
Ento para o telogo Boff (s.d.), existem trs conceitos essenciais a adicionar
ao de responsabilidade percutido por Jonas:
1. Cuidado ou cuidamos do que restou da natureza e regeneramos o
que temos devastado ou ento o nosso tipo de sociedade ter os dias
contados. Ademais filosoficamente o cuidado a pr-condio para que
surja qualquer ser e o norteador antecipado de toda aco.
2. Compaixo no no sentido de sentir pena, mas pleno no conceito de
harmonia perante o outro e de acompanhamento ao longo da sua vida. O
conceito de cuidado surge sempre associado ao de compaixo, sendo que
esta observada como um acto de respeito perante o outro e nunca de
dominao. A compaixo revela envolvimento com o outro e com as suas
necessidades, sendo ainda um fenmeno de co-responsabilizao dentro
de um caminho que supostamente percorrido a dois.
3. Cooperao conceito que se encontra subjacente seguinte definio:
todos os seres so interdependentes e se ajudam uns aos outros para
co-evoluir, sem excluir os mais fracos.
Esta teoria exige redimensionar o papel do agente numa perspectiva das teias de
relaes que acabam por definir os envolvidos. Numa viso mais abrangente, aborda o
cuidado numa perspectiva de no-maleficncia e de respeito pela vulnerabilidade
iminente no outro. Os actos de cuidado so vistos como algo previamente revestido de
uma atitude prpria em que o bem do outro considerado o bem do agente. geralmente
observado como uma teoria narrativa, contextual e particularista. Isto , defende que a
aco certa a desenvolver com aquela pessoa em particular e naquela teia de relaes
pode no ser considerada como boa em casos semelhantes. Defende ainda que as nossas
obrigaes maiores so para aqueles que nos so mais prximos e para os que se
encontram mais vulnerveis. Para alm destes factores, considera o acto de comunicar
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como essencial, j que a comunicao vista como uma forma de trocar experincias
providenciando que as relaes de cuidado se iniciem e desenvolvam com base na
confiana. Para alm deste factor, comunicar revela-se a nica forma de conhecer as
necessidades do outro, sendo a nvel pragmtico de extrema relevncia para a resoluo
de crises e estabelecimento de compromissos perante situaes complexas e exigentes.
Os actos de cuidado sero aqueles que permitem estabelecer os compromissos morais do
cuidado: no fazer mal, responder perante a vulnerabilidade e manter relaes de carinho
(Keller, 1996).
Rollo May acrescenta:
Nossa situao a seguinte: na actual confuso de episdios
racionalistas e tcnicos perdemos de vista e nos despreocupamos do ser
humano; precisamos agora voltar humildemente ao simples cuidado... o mito
do cuidado e creio, muitas vezes, somente ele que nos permite resistir ao
cinismo e apatia que so as doenas psicolgicas do nosso tempo. ([s.d.]
apud Boff, s.d.)
Esta teoria frequentemente referida nos cuidados de enfermagem em que o
cuidado do outro definitivamente uma vertente forte e acentuada. Contudo e em
qualquer profisso da sade/educao, h que visualizar o outro como algum
teoricamente mais vulnervel quer no seu estado de sade, quer no grau de conhecimento
que possui em relao ao profissional que o acompanha. Inerente a qualquer profisso
deste gnero, est subjacente o ideal de prestao de servios enquanto sinnimo de zelo
e de compaixo. Eventualmente, poder no ser a teoria mais completa, contudo leva-nos
a actuar e reflectir de uma forma dirigida para o bem-estar e para os direitos dos
utentes/educandos de quem cuidamos.
6) TICA DA JUSTIA (JUSTIA DISTRIBUTIVA)
Teoria baseada em princpios normativos que se designam a orientar a
distribuio dos benefcios e dos custos, referentes actividade econmica de uma
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sociedade, de forma igual para todos os seus membros10. Esta viso encontra-se
visivelmente direccionada para a poltica social da poca sendo o seu autor mais
aclamado John Rawls (1971). Este defendia princpios morais que governariam a estrutura
bsica de uma sociedade justa baseada no conceito de contracto social. Este conceito
encontra-se amplamente discutido pelos mais diversos autores (Scrates, Locke,
Rosseau, entre outros), contudo e na viso de Rawls corresponde ao acordo existente
entre indivduos que partem de uma posio inicial hipottica em que, em nome
prprio ou em nome de outrem, exigem e exercem os princpios de justia que
desejariam para si e para todos na sociedade em geral, sendo esta uma posio de
igualdade entre agentes morais. Contudo, mencionada uma contingncia para que o
exerccio destes princpios ocorra a da ignorncia entre as partes perante determinadas
questes. Considera-se que apenas ignorando situaes que se relacionem com religio,
raa, entre outras, se poder enfrentar os agentes como iguais. S desta forma, se
considera que a justia verdadeira ser alcanada dentro de um verdadeiro acordo social
entre iguais e dentro de parmetros de equidade estabelecidos priori (Montuschi, s.d.).
Embora Rawls (1971) considerasse que o ser-humano movido pelo interesse
pessoal e egosmo individual (lembrando aqui a noo de hedonismo definida por Mill),
na realidade prope que por trs desta primeira abordagem, o agente da aco ir actuar
segundo padres de benevolncia tendo sempre em mente o bem de cada pessoa na
sociedade que partilha. Tal, justifica-se pela questo de que ao actuar em prol de outros e
ao desconhecer as caractersticas destes, estar a definir comportamentos e a actuar em
funo de si prprio sem preconceito adicional. Dentro das restries impostas pela
ignorncia referida, haver ento espao para que o princpio da justia, visto como um
princpio de equidade, possa actuar segundo a seguinte principiologia:
Primeiro princpio: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo
sistema total de liberdades bsicas iguais que seja compatvel com um sistema
semelhante de liberdade para todos.
Segundo princpio: as desigualdades econmicas e sociais devem ser
distribudas por forma que, simultaneamente: a) redundem nos maiores
benefcios possveis para os menos beneficiados, de forma a que seja
10 Sobre as correntes da Justia Distributiva mais representativas nas democracias liberais ver Rego, G.; Nunes, C.; Melo, H.; Nunes, R. Distributive justice and the introduction of generic medicines. Health care analysis. Vol. 10, 2002, pg.221-229.
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compatvel com o princpio da poupana justa; b) sejam a consequncia do
exerccio de cargos e funes abertos a todos em circunstncias de igualdade
equitativa de oportunidades. (Rawls, 1971, p.239).
Para este autor, a justia apenas existe se equitativa, isto , se fundamentada na
igualdade dentro de regras de prioridade para o acesso e para a distribuio de recursos.
Este autor apresenta os dois princpios por ordem lexical, seguindo uma noo de
prioridade tentando tornar evidente a importncia relativa entre os diferentes elementos
que os constituem. Esta prioridade refere-se a:
Primeira regra da prioridade (prioridade da liberdade) sugere que as
liberdades bsicas apenas podero ser subjugadas em benefcio da prpria
liberdade e em duas situaes especficas: quando a sua restrio significar
o fortalecimento do sistema global de liberdade partilhado em sociedade e
quando a um indivduo se atribui por determinada caracterstica, uma
liberdade menor.
Segunda regra da prioridade (prioridade da justia sobre a eficincia e o
bem-estar) o princpio da justia ultrapassa os da eficincia e da
maximizao de benefcios e o princpio da igualdade equitativa de
oportunidades supera o princpio da diferena (Lamont e Favor, 2007;
Rawls, 1971).
7) TICA PRINCIPIOLGICA/DOS MNIMOS
A tica Principiolgica baseia-se em princpios mnimos de actuao
considerados universais nos quais os indivduos se baseiam e balanceiam de forma a
tomar decises e actuar perante um dilema tico. Os princpios pretendem ser apenas um
guia condutor na reflexo perante esse mesmo dilema e balizam as aces dentro daquilo
que se considera essencial na exaltao da dignidade humana. O balancear entre os
mesmos ir, nesta viso, permitir uma resposta final mais adequada. Assim, poder-se-
aqui relembrar o conceito de tica dos mnimos que defende que embora existam
mnimos acordados como exemplos de aco, estes devero sempre ser apenas linhas de
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orientao e nunca substitutos ou justificadores da aco em si. Isto , h sempre um
espao de manobra para a reflexo pessoal, para o contexto especfico do conflito e para
o livre arbtrio dos envolvidos. Tal recorda-nos os deveres prima facie que correspondem
a uma obrigao que se deve cumprir, a menos que ela entre em conflito, numa situao
particular, com um outro dever de igual ou maior porte. Um dever prima facie
obrigatrio, salvo quando for sobrepujado por outras obrigaes morais simultneas11. A
tal, Ross acrescenta:
"There is nothing arbitrary about this prima facie duties. Each rests
on a definite circumstance which cannot seriously be held to be without moral
significance." ([1930] apud Takala, 2007).
Beauchamp e Childress (1994) propem os seguintes princpios universais:
1) Respeito pela Autonomia referente ao direito que cada pessoa ter sua
autodeterminao e governo, sendo que sem conferir dignidade ao ser
humano e consequentemente, o direito sua liberdade enquanto ser
social, este princpio seria injustificvel.
2) Beneficncia princpio derivado da tica hipocrtica e que exalta a
defesa do bem-estar do indivduo, isto , implica actuar de acordo com
aquilo que se cr ser o melhor interesse de algum, podendo ser
observado numa vertente clnica ou numa vertente pessoal no que toca a
valores e cultura.
3) No-maleficncia retrata o imperativo de no causar dano ao indivduo,
seja intencionalmente ou de forma negligente.
4) Justia caracteriza-se pela preocupao na justa distribuio de recursos
e acesso aos servios existentes entre os diferentes indivduos que
formam determinada sociedade (Beauchamp e Childress, 1994; Antunes,
1998; Kornblau e Starling, 2000).
11 Segundo Ross (1930), os deveres prima facie podiam ser categorizados como: 1) Deveres para com os outros baseados em aces prvias - Fidelidade; Reparao e Gratido; 2) Deveres para com os outros no baseados em aces prvias - Beneficncia e No Maleficncia e 3) Deveres para com o prprio/Auto-desenvolvimento (Goldim, s.d.; Takala, 2007).
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Neste contexto Rui Nunes refere que :
Estes princpios de tica biomdica defendidos por Tom Beauchamp
e James Childress, tambm designados por principiologia de Georgetown
(Universidade onde se encontra sediado o Kennedy Institute of Ethics),
estariam a meia distncia entre a teoria tica fundamental corpo integrado de
regras e de princpios e regras de conduta, que, por definio, so restringidas
a determinados contextos e de alcance forosamente mais limitado. Porm, a
aplicao destes princpios tem gerado alguma controvrsia dado que, quando
em presena de dilemas ticos complexos, de difcil resoluo, vrios
princpios entram em conflito, prevalecendo aquele que seja interiorizado pelo
agente com capacidade de deciso. De facto, em decises crticas, a maioria das
pessoas tem uma tendncia natural para no se orientar especificamente por
nenhum destes princpios, como reflexo de uma postura moral sujeita a alguma
flutuao, por vezes mesmo, a certo grau de inconsistncia. O factor decisivo
na resoluo de um dilema tico concreto, poder ser o grau de virtude da
conscincia individual do agente. A aplicao prtica dos princpios ticos
subjacentes est dependente, em larga medida, da presena ou no das referidas
virtudes (2002, pg.13).
Mais tarde, Kemp e Rendtorff (1998) sugerem com um outro princpio de
particular importncia na rea da sade e da educao, o do respeito pela vulnerabilidade
(Antunes, 1998). Este refere-se ao conceito que protege os indivduos que, por diversas
razes, se encontram mais fragilizados, sensveis ou dbeis em relao aos demais,
podendo tal colocar em causa a sua integridade. A sua compreenso e aplicao
encontra-se extremamente ligada aos princpios da autonomia e da beneficncia, sendo
um balanceamento entre ambos uma tarefa nem sempre simples. Esta uma perspectiva
que sugere o equilbrio entre os diferentes princpios, sendo este um acto reflexivo que
ir produzir uma resposta ao dilema tico. referido como mais um problema da teoria a
sua dificuldade em aplicar-se a casos reais e especficos.
A UNESCO (2005) apresenta ainda mais dois princpios que se reportam a
preocupao da com a humanidade e preocupao para com a biosfera, realando a
importncia da responsabilidade para com as geraes futuras, defendendo o patrimnio
a que corresponde a Humanidade e realando o nosso dever para com a biosfera e os seus
constituintes como mxima de actuao tica.
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Sidgwick (1907) e a ttulo de resumo, acrescenta aquilo que ele define como os
trs mtodos12 preferenciais nos quais se baseiam as mais diversas teorias ticas. Ento,
este autor prope: o egosmo hedonista, o egosmo universal e o intuicionismo. Os trs
diferem no que diz respeito concepo daquilo que poder ser considerado como bom
ou correcto, ou seja, daquilo que alvo da tomada de deciso tica, atingir o bem. No
primeiro mtodo referido o egosmo hedonista a felicidade privada de cada pessoa
passa a ser o bem supremo. Este ltimo visto como aquele que trar o mximo de
prazer e o mnimo de dor/desprazer ao indivduo. As aces so boas, leia-se ticas, na
medida em que provocam o prazer e inibem/previnem a dor. Contudo, esta perspectiva
no se trata de uma abordagem ligeira baseada num egocentrismo puro. Para os autores
que a defendem, o egosmo hedonista visa a busca do que para estes, em ltima
anlise, a pretenso mxima para qualquer pessoa, a felicidade e como tal, a busca pela
mesma apenas pode ser considerado como algo de bom. No segundo o egosmo
universal o maior bem visto como aquele que trar o mximo de prazer e o mnimo
de dor/desprazer ao maior nmero de indivduos. O objectivo corresponde felicidade
tal como no egosmo hedonista, contudo neste caso a felicidade ideal a de todos os
indivduos e no apenas a individual. No ltimo caso o intuicionismo afirma-se que
a virtude moral ou a perfeio so o bem mais pretendido. A conduta apropriada ser
a que se define por princpios e regras que podero ser conhecidas intuitivamente,
mesmo que as suas consequncias no tenham ainda sido determinadas. Uma aco
pode ser julgada como correcta com base no seu motivo ou qualidade intrnsecos e
independentemente do efeito que produz. Estes motivos podero ainda ser considerados
como instintivos e baseados na intuio intelectual. Neste mtodo encontramos
referncias ao ideal definido por Kant na sua teoria deontolgica (Sidgwick, 1907;
Galvo, 2005).
Para Beauchamp & Childress ([1994] apud Goldim, 2002) pode-se ainda
acrescentar os seguintes modelos:
a) Modelo Dedutivista (Principiologia) neste modelo encontramos
princpios que entram em associao entre si, balanceando-se e
12 O mtodo de anlise da aco tica segundo Sidgwick corresponde a: procedimentos racionais que nos permitem determinar o que devemos voluntariamente fazer (ou o que correcto que faamos) numa situao particular. (Sidgwick, 1907).
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estabelecendo relaes causais e de prioridade a partir das quais se estipula
uma aco ou tomada de deciso.
b) Modelo Indutivista (Casustica) o principal elemento deste modelo a
determinao de casos paradigmticos a partir dos quais so feitas
analogias e comparaes com novos casos e aos quais se encontre
associado determinado tipo de dilemas. A grande contribuio deste
modelo a de permitir exemplificar com casos reais e prticos situaes
que anteriormente apenas poderiam ser explicadas/resolvidas de uma
forma terica. A casustica tambm trouxe discusso a importncia da
analogia e do julgamento prtico. Permite o uso de princpios abstractos,
tais como os deveres morais, aplicando-os dentro de um conjunto de factos
ou casos especficos. Recorrendo a casos anteriores, tenta entender como
certos princpios actuam e se aplicam naquele caso especfico e qual(is)
melhor serve(m) o dilema actual. (Kornblau e Starling, 2000). Rawls
(1971) props a utilizao de um equilbrio reflexivo na abordagem de
situaes reais onde tanto os princpios, quanto os casos paradigmticos
deveriam ser utilizados no raciocnio sobre a sua possvel justificao ou
soluo. Tal sugere claramente uma aproximao ao indutivismo
mencionado por Mill ([1859] apud Galvo, 2005). Este ltimo defende que
o conhecimento dos princpios morais e a anlise da sua bondade recai
sobre uma base puramente emprica, sendo que ser atravs da experincia
anterior que saberemos adequar determinada aco.
c) Modelo Coerentista este modelo prope a utilizao conjunta dos
modelos anteriormente referidos. uma proposta de integrao entre os
mtodos dedutivos e indutivos que surgiu na aplicao prtica da biotica.
Neste modelo no h uma prioridade entre as duas abordagens que se
integram (Goldim, 2002).
Basicamente, poderemos encontrar duas grandes formas de reflexo e
pensamento: uma de carcter mais indutivo e uma outra de carcter mais dedutivo.
Uma tica indutiva ir basear-se na tomada de deciso totalmente assente na
intuio. O senso moral de cada um justifica a sua aco, isto a crena de que algo que
fazemos o correcto justificar essa mesma aco, permitindo assim seguir as nossas
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convices, embora negando as convices contraditrias de outros ou a necessidade de
convergir com estas.
Um mtodo dedutivo/associativo ir providenciar uma abordagem baseada em
relaes entre elementos que atravs de operaes de causalidade permitem uma
deciso final, sendo que esta ser mais associativa e baseada em factos empricos.
Provavelmente a tica profissional ir identificar-se mais com a ltima j que
esta se baseia na casustica e no estudo especializado de casos particulares, deduzindo
assim solues para novas situaes. Contudo, no podemos esquecer que embora os
casos especficos nos tragam luz sobre algumas experincias actuais, na realidade todos
os mtodos supramencionados afectam a nossa conduta e a elaborao dos documentos
normativos de uma profisso.