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ALCAR - Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia 4º Encontro do Núcleo Gaúcho de História da Mídia São Borja, RS - 14 e 15 de maio de 2012
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Imprensa e nacionalismo: discutindo o print capitalism e suas possibilidades de
análise para a história da América Latina1
Murillo Dias Winter2
Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, Rio Grande do Sul
RESUMO
O presente trabalho busca discutir historiograficamente a obra de Benedict
Anderson, intitulada Comunidades Imaginadas, principalmente, no que tange a
América, a imprensa e, essencialmente, a sua idéia de print capitalism, com suas
decorrentes projeções no continente americano. Dessa forma, a imprensa terá dupla
função de análise: ao mesmo tempo em que a apresentaremos como uma fonte histórica
com características singulares e uma história definida, também será fruto de discussão
na perspectiva de B. Anderson, como um elemento essencial para o desenvolvimento do
nacionalismo.
PALAVRAS-CHAVE: América Latina; Imprensa; Nação; Nacionalismo; Print
capitalism.
A questão nacional é um dos fenômenos políticos mais difíceis de explicar e que
menos possui consenso de análise entre os intelectuais. Existem apenas algumas
concepções compartilhadas pela maioria dos estudiosos, uma é de a nação fazer parte de
nosso léxico e de nossa sociedade há pelo menos dois séculos, outra é a da
artificialidade da nação. Como define Anthony D. Smith: “A nação é uma categoria
inventada; não se enraíza na natureza ou na história’’3 (SMITH, 2008, p.187). Dentro das
formulações mais tradicionais no estudo da América Latina e na emergência de suas
nações pós-coloniais é ainda mais problemático. Vários pesquisadores se debruçaram
sobre o tema, sendo que uma das obras mais destacadas é a de Benedict Anderson,
intitulada Comunidades Imaginadas4. Nossa intenção é discutir a obra, principalmente,
1Trabalho apresentado no 4º Encontro do Núcleo Gaúcho de História da Mídia – ALCAR RS 2Licenciado e mestrando em História pela Universidade de Passo Fundo (UPF), bolsista da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). E-mail: [email protected] 3SMITH, Anthony D. O nacionalismo e os historiadores. In: BALAKRISHNAN, Gopal (org.) Um mapa da questão
nacional. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008. P.187 4A obra foi publicada pela primeira vez no Brasil com o título Nação e consciência nacional, São Paulo: Ática, 1989.
Nosso foco de análise, mesmo se utilizando de elementos publicados pela primeira vez em Nação e consciência
nacional, é a segunda publicação da obra, intitulada no Brasil Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a
difusão do nacionalismo, São Paulo: Cia das letras, 2008. Onde o autor reformula algumas das idéias apresentadas
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no que tange a América, a imprensa e, essencialmente, a sua idéia de print capitalism,
com suas decorrentes projeções no continente americano.
A imprensa - principalmente a imprensa periódica – tomará aqui uma dupla
função de análise: ao mesmo tempo em que se projetará como uma fonte histórica com
características singulares e uma história definida, também será fruto de discussão na
perspectiva de B. Anderson, como um elemento essencial para o desenvolvimento do
nacionalismo, permitindo a imprensa (d)escrever a nação e assim construí-la
‘’imaginariamente’’, idéia apresentada com suas decorrentes críticas historiográficas.
A imprensa periódica surge no século XVII na Europa, chega à América – de
colonização inglesa e espanhola - apenas no século seguinte, ainda defasada em relação
à produção das metrópoles, que impunham sistemas de vigilância ao conteúdo dos
impressos que circulavam no continente americano. A experiência brasileira não foi
destoante do restante do continente: sua imprensa periódica passou a ter circulação mais
sistemática com a chegada da família Real ao Brasil em 1808 e a instalação da
tipografia da Impressão Régia. Vale ressaltar que o periodismo e a imprensa possuíam
uma noção diferente da associada aos dias atuais, como afirma Marco Morel:
O que então se conhecia por imprensa periódica é bem diferente do que hoje se
compreende como tal, inclusive em seu suporte físico: apesar de algumas
iniciativas estáveis, havia grande número de títulos efêmeros. Mesmo
demandando alguns recursos financeiros, não era preciso ser muito rico para
fazer circular um jornal, que tinha formato pequeno e poucas páginas com
anúncios escassos. Tanto um jornal governista quanto um oposicionista tinha
um alcance, em princípio, semelhante.5 (MOREL, 2008, p.26).
A discussão política era o grande objetivo da imprensa – compreendendo
panfletos, periódicos, diários e revistas - no período das independências na América
Latina. Para Paula Alonso “decir que esta prensa era política, de opnión o partidária
sería una redundancia. Aunque informara,ésa distaba de ser su meta”. No decorrer do
século XIX a imprensa continuou sendo um dos mais importantes instrumentos para se
fazer política, muitas expectativas e discussões variadas tinham na imprensa periódica o
seu espaço de divulgação. Novamente, Paula Alonso destaca:
anteriormente principalmente sobre a América Latina, outro ponto é a tradução de print capitalism que toma outro
sentido, mais próximo da publicação original em inglês. 5MOREL, Marco. Os primeiros passos da palavra escrita. In: História da imprensa no Brasil. MARTINS, Ana
Luiza. LUCA, Tania Regina de, (org.). São Paulo: Editora Contexto, 2008. p. 26.
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la prensa también se convirtió en una de las principales varas con las que se
médio el grado de libertad de un gobierno y el nivel de “civilización” de una
sociedad, siendo computada, junto con cifras de población, alfabetización,
etcétera, em los primeros censos nacionales6.(ALONSO,2004,p.8)
Dada toda a transformação ao longo dos anos, pouco se encontra na imprensa
atual daquelas primeiras gerações de publicações na América. Enquanto os periódicos
atuais se dedicam a fornecer informações do mundo todo, inseridos no mercado global e
supostamente mantem os seus editoriais sob o signo da imparcialidade, nos oitocentos
se destacavam‘’aquellos diários de corta vida, pequena tirada, de linguaje violento y
apasionado, producidos por quienes hacían política, ademas, com la pluma’’.
(ALONSO, 2004, p.8). Características que se aliam a proposição de Benedict Anderson
ao expor que a imprensa, ao organizar atitudes individuais, oferece aos indivíduos a
oportunidade de compartilhar uma mesma experiência mesmo sem conhecimento
mútuo. Dessa forma, a imprensa periódica se constitui como instrumento importante
para a formação e afirmação de pertencimento político e principalmente nacional em
relação ao contexto de superação do Antigo Regime, marcado pela instabilidade social e
política, a imprensa periódica é uma das principais ferramentas a disposição da
população – mesmo que apenas a letrada – ainda não habituada à critica política e a
arregimentação de opiniões que constituíam esse espaço de debate. Em suma, o que é
proposto é a importância que imprensa toma na reorganização de sociabilidades e de
culturas políticas no inicio do século XIX, sob a égide do nacionalismo7.
IMAGINANDO AS COMUNIDADES: O PRINT CAPITALISM E SUA
FUNDAMENTAÇÃO
Antes de discutir o papel da imprensa e a teoria de Benedict Anderson, se faz
necessário apresentar brevemente o que o autor define como nação: ‘’ uma comunidade
política imaginada – e imaginada como sendo intrinsecamente limitada e, ao mesmo
tempo, soberana8 ’’ (ANDERSON, 2009, p.32). É imaginada porque mesmo os
6ALONSO, Paula (compiladora). Construcciones impresas: panfletos, diarios y revistas em la formación de los
Estados nacionales en América Latina, 1820-1920. México: Fondo de Cultura Económica, 2004..P.8. 7 ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional, São Paulo: Ática, 1989. Cap. 1 e Cap. 2. 8 ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo, São
Paulo: Cia das letras, 2008. P. 32.
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membros das menores nações nunca irão conhecer ou estabelecerão contato com todos
os outros habitantes, todos têm consciência que estão em comunhão entre eles. A nação
é limitada, porque mesmo a maior das nações possui limites e fronteiras estabelecidas,
onde do outro lado existe uma nação vizinha. Nenhuma dessas nações projeta que um
dia todo o mundo faça parte de uma mesma nação sem fronteiras. Define-se a nação
como soberana em conseqüência do surgimento do conceito durante o Iluminismo e a
Revolução (ainda não francesa) que desestabilizavam os reinos dinásticos de ordem
divina. Em contraposição aos projetos ontológicos religiosos, as nações se entendem
livres. A garantia dessa liberdade é o Estado Soberano. E, por fim, ela é imaginada
como uma comunidade porque independente das desigualdades das relações que possam
existir dentro da comunidade, ela é sempre concebida horizontalmente. Como o autor
lembra: ‘’no fundo, foi essa fraternidade que tornou possível, nestes dois últimos
séculos, tantos milhões de pessoas tenham-se não tanto a matar, mas, sobretudo a
morrer por essas criações imaginarias limitadas9’’ (ANDERSON, 2009, p.34).
A oportunidade de imaginar a nação com base nos conceitos apresentados
anteriormente só acontece historicamente em um contexto específico e com ferramentas
também especificas. Esse momento surge quando as três concepções culturais
dominantes sobre o imaginário do homem começam a perder força. “A primeira delas é
a idéia de que uma determinada língua escrita oferecia um acesso privilegiado à verdade
ontológica, justamente por ser uma parte indissociável dessa verdade10
” (ANDERSON,
2009, p.69). Foi essa idéia, baseada no latim, que gerou as grandes comunidades
religiosas que ultrapassavam os limites continentais e podiam projetar-se em um mundo
totalmente dominado. A segunda, o pensamento de que a sociedade se organiza em
volta e em função dos monarcas, estes, superiores aos seus súditos, pois governam em
decorrência de uma herança divina. A terceira concepção se relaciona com o tempo,
essencialmente o que Walter Benjamin define como “tempos messiânicos”, onde a
temporalidade do homem e do mundo se confundem, sendo praticamente as mesmas.
Passado e futuro são praticamente iguais, pois acontecem no presente, idéia que vai
sendo substituída pelo que também Benjamin batiza agora de “tempo vazio e
homogêneo’’, onde a simultaneidade é marcada pela consciência de tempos entre o
relógio e o calendário.
9ANDERSON, Benedict. Op. Cit.. P. 34. 10ANDERSON, Benedict. Op. Cit.. P. 69.
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O enfraquecimento, que aconteceu mutuamente, dessas três concepções permitiu
o desenvolvimento de novas maneiras de unir tempo, espaço e poder, a partir de duas
ferramentas: o capitalismo e a imprensa. Dessa forma, “o que tornou possível imaginar
as novas comunidades, num sentido positivo,
foi uma interação mais ou menos casual, porem explosiva, entre um modo de
produção e de relações de produções (o capitalismo), uma tecnologia de
comunicação (a imprensa) e a fatalidade da diversidade lingüista
humana’’11
(ANDERSON, 2009, p.78).
Como resultado da interação do capitalismo e da imprensa, juntamente com o
desenvolvimento cientifico e as transformações sociais:
“O elemento que talvez mais catalisou e fez frutificar essa busca foi o
capitalismo editorial [ print capitalism], que permitiu que as pessoas, em
números sempre maiores, viessem a pensar sobre si mesmas e a se relacionar
com as demais de maneiras radicalmente novas12
” (ANDERSON, 2009,
p.70).
Dentro do print capitalism foram o romance e o jornal os primeiros a ocupar o
espaço deixado pelas antigas concepções de mundo e que permitiram pensar a nação
nesse novo contexto, ‘’pois essas formas proporcionaram meios técnicos para ‘’re-
presentar’’ o tipo de comunidade imaginada correspondente à nação13
’’ (ANDERSON,
2009, p.55). O romance permite pela sua forma de narrativa apresentar a simultaneidade
necessária para a criação de um ‘’tempo vazio e homogêneo’’, forma de narrativa e de
representação temporal análoga a idéia de nação, visto que no romance as ações
acontecem sincronicamente e no mesmo espaço, executadas por indivíduos que não tem
consciência da existência do outro. A nação é concebida como uma comunidade sólida
que percorre constantemente a história, sem os seus membros ter necessariamente
conhecimento mútuo. O jornal, como Benedict Anderson afirma, possui seu caráter
profundamente ficcional, pois a arbitrariedade na escolha, na posição e na edição das
manchetes e noticias, que na maioria das vezes não possuem nem uma forma aparente
de ligação, demonstra seu vínculo imaginário. Vínculo estabelecido de duas formas:
cronológica, afinal os fatos coincidem na mesma data do jornal e a segunda - mais
11 ANDERSON, Benedict. Op. Cit.. P. 78. 12 ANDERSON, Benedict. Op. Cit.. P. 70. 13 ANDERSON, Benedict. Op. Cit.. P. 55.
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ampla - em relação ao mercado: o jornal é compreendido por Benedict Anderson como
“forma extrema” de livro, ou seja, uma mercadoria industrial com produção em série e
grande vendagem, acrescenta-se ao jornal uma obsolescência diária, como parte dos
produtos modernos de origem capitalista.
Em relação à fatalidade da linguagem humana, seu papel é decisivo, visto que
mesmo com a grande importância que o print capitalism tomou na formação dos
Estados nacionais modernos ele possui limites, apenas superados com sua relação,
mesmo que acidental, com a linguagem. A língua impõe barreiras, haja vista, que não
falamos o mesmo idioma em todo o território mundial, entretanto esse nunca foi um
problema tão grande até a criação de leitores específicos em função da associação entre
o capitalismo e a imprensa. Na Europa e no mundo, a variedade de línguas era tão
grande que se o print capitalism tivesse que se adequar a cada idioma falado em cada
território provavelmente não seria tão forte e tão decisivo, pois seria uma força
minúscula divida em diversos territórios e idiomas. Nada foi tão importante pra criar ou
reordenar línguas nativas próximas do que o capitalismo, que criava línguas impressas,
que tecnologicamente - através da imprensa - podiam se disseminar e conquistar
grandes mercados. Dessa forma, as línguas impressas foram fundamentais pra base da
consciência nacional. Afinal, elas possibilitaram a criação de uma forma de
comunicação abaixo do latim, ou seja, acessível à grande parte da população e acima
das linguagens locais restritas. Em longo prazo as línguas impressas contribuíram para
um elemento fundamental da idéia de nação: o seu suposto passado imemorial, pois
fixaram a língua a uma comunidade imaginada, ao mesmo tempo em que a língua pode
ser compreendida por milhares de pessoas e não por outras, ela cria uma forma de
identificação e comunhão tipicamente nacional, onde não se busca a origem,
relacionada sempre a um passado inacessível. E por fim, o print capitalism e a
linguagem puderam criar formas de idiomas mais próximas da língua imprensa e mais
distante das administrativas, assim estabelecendo as formas finais das línguas nacionais.
O que se buscou apresentar até aqui, ficará mais claro na escrita de bem mais
qualidade do próprio criador da tese do print capitalism, Benedict Anderson:
“A convergência do capitalismo e da tecnologia de imprensa sobre a fatal
diversidade da linguagem humana criou a possibilidade de uma nova forma e
comunidade imaginada, a qual, em sua morfologia básica, montou um cenário
para a nação moderna. A extensão potencial dessas comunidades era
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intrinsecamente limitada, e, ao mesmo tempo, não mantinha senão a mais
fortuita relação comas as fronteiras políticas existentes14
” (ANDERSON,
2009, p.82)
Por fim, o que se buscou aqui foi apresentar as principais argumentações de
Benedict Anderson sobre a origem e a difusão do nacionalismo. Em suma o autor
apresenta a tese de o capitalismo associado à imprensa foi de fundamental importância
nesse processo. Tese, apesar de conhecida e reconhecida por inúmeros estudiosos, não
deixa de receber críticas, em relação a sua validade de reflexão sobre os Estados
Nacionais europeus, mas principalmente latino-americanos.
REPENSANDO AS COMUNIDADES: ELEMENTOS PARA UMA REVISÃO
CRÍTICA DO PRINT CAPITALISM
Pensar sobre a origem e difusão do nacionalismo obriga a ter como ponto de
partida o final do século XVIII, momento em que a sociedade - mesmo com o processo
de dissolução do Antigo Regime – ainda se organiza de forma estamental e hierárquica.
As decisões políticas eram vividas e executadas por uma mínima parcela da população,
as elites políticas eram detentoras também do domínio cultural da sociedade, a
educação, essencialmente, tinha duas vias de acesso: o poder financeiro e/ou a vida
religiosa, embora a educação pela via religiosa também fosse privilégio de uma pequena
camada de clérigos. Inserida neste contexto e pensando de forma global a tese de
Benedict Anderson enfrenta a sua primeira contestação, visto que:
“Ela é capaz de explicar como novos tipos de idéias sobre as comunidades (e
sobre o modo como estas devem ser organizadas) podem desenvolver-se em
certas elites culturais. Mas não consegue explicar por que essas idéias
despertariam alguma reação nos que estão no poder ou em amplas camadas da
população. Com efeito, é possível localizar vários exemplos de elites que
desenvolveram essas idéias e construíram novos complexos “mitológico-
simbolícos”, mas estes continuaram marginalizados em relação à política e à
sociedade15
(BREUILLY, p.169).”
14ANDERSON, Benedict. Op. Cit.. P. 82. 15BREUILLY, John. Abordagens do nacionalismo. In: BALAKRISHNAN, Gopal (org.) Um mapa da questão
nacional. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008. P.169.
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A tese de B. Anderson é baseada em uma abordagem que busca explicar o
desenvolvimento de novas ideias políticas. Entretanto, para alguns revisores, não
consegue explicar como essas ideias poderiam gerar o desenvolvimento de movimentos
políticos ou sentimentos sociais, afinal, estes precisariam de uma adesão maciça da
população e de outros elementos que amalgamariam o sentimento nacional, haja vista,
que o processo de deixar o campo das ideias para se tornar um movimento político é a
parte mais difícil do processo de difusão do nacionalismo e onde a participação social
deve ser mais abrangente e coesa. A partir dessa contestação, podemos incluir
elementos não considerados por Benedict Anderson como fundamentais para o
desenvolvimento do print capitalism: a sociedade industrial, a educação em massa e a
produção cultural fora da elite.
O desenvolvimento de uma sociedade industrial é dos argumentos mais claros,
tendo em vista que é fundamental para o surgimento, afirmação e desenvolvimento de
uma economia capitalista, gerando as bases e os mercados para a sociedade de consumo
capitalista. Já a educação em massa como forma de difusão do nacionalismo, em alguns
aspectos se desenvolve de forma mais velada, entretanto, não são raros os exemplos de
como a educação foi usada na afirmação de doutrinas, de disciplina e no contexto de
surgimento dos Estados Nacionais, como ferramenta de consolidação de uma linguagem
nacional padronizada16
, exemplo ligado à produção cultural fora das elites, onde a
língua falada e escrita é a vernácula e não o latim, também unindo a grande população
em torno de uma comunidade imagina superior.
Em relação à América Latina e a imprensa periódica de circulação no continente,
os argumentos apresentados anteriormente tomam uma condição passível de crítica
ainda maior. A América Latina – como na maioria das regiões pós-coloniais – estava
em um contexto distinto do apresentado na tese de Benedict Anderson. Em primeiro
lugar, a economia ainda viva os reflexos dos séculos de dominação colonial, existia
apenas um capitalismo incipiente com comércio de pouca circulação, um
desenvolvimento industrial praticamente nulo e um mercado consumidor bastante
restrito, visto que a maioria da população era composta no caso do Brasil por escravos
16Em relação à educação como forma de consolidação dos Estados Nacionais. Ver: La petite patrie enclose dans la
grande: regionalismo e identidade nacional na França durante a Terceira República (1870-1940). In: Revista
Estudos Históricos, Vol. 8, No. 15 (1995).
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e, no restante da América Hispânica, por nativos - excluídos do desenvolvimento
econômico e das decisões políticas locais. Contexto político e econômico refletido na
imprensa, como um público leitor menor, a circulação da imprensa reduzida e com
menor penetração na sociedade.
O menor público leitor na América Latina reflete uma organização social
decorrente da administração colonial. A população letrada era ainda mais reduzida do
que a Européia no período, as universidades na América Hispânica, apesar de existirem
desde o século XVI, atendiam uma pequena parcela da população e seguia as bases de
ensino religiosas que evitavam a reflexão e por decorrência a contestação política. A
falta de população letrada, além de reduzir o leitor, reduzia os possíveis donos e
redatores de jornais – embora seja necessário ressaltar o período de formação dos
Estados Nacionais na América Latina foi de grande e variada produção periódica. Outro
fator determinante na circulação dos periódicos é a falta de espaços de sociabilidade,
mesmo que a população iletrada tivesse acesso ao conteúdo dos jornais através de
leituras coletivas, em cafés, praças, clubes, butiques, etc. como apresentam muitos
autores, esses espaços no continente latino-americano eram bastante reduzidos, a
maioria da população vivia no meio rural, onde a circulação de ideias estava ainda mais
reduzida. Os núcleos urbanos passam a se desenvolver com mais vigor a partir do final
do século XIX, argumentos sintetizados muito bem no texto de Jorge Myers:
“Sin embargo, como ha sugerido un creciente número de críticos de aquella
hipótesis de Anderson, la situación histórica latinoamericana exige
reinterpretar el caráter preciso de esa influencia, cuyo alcance em sociedades
mayoritariamente analfabetas y com um espacio público ínfimamente
desarrollado no pudo ser el mismo que em sociedades como la estadunidense o
las europeas del norte, en las que tanto un público lector extenso y socialmente
complejo como una densa red de instituciones y práticas que daban cuerpo a la
sociedad civil ya estaban firmemente consolidados al momento de producirse la
ruptura revolucionaria17
(MYERS, p.41)”.
Outra característica passível de crítica da teoria de Anderson, que Jorge Myers
chama atenção, é a de que o Estado surgiu anteriormente à nação na América Latina, as
redes de instituições e o aparato burocrático foram desenvolvidos juntamente e em
17
MYERS, Jorge. Identidades porteñas: El discurso ilustrado em torno de la nación y el rol de la prensa: el Argos de
Buenos Aires, 1821-1825. In: ALONSO, Paula (compiladora). Construcciones impresas: panfletos, diarios y revistas
em la formación de los Estados nacionales en América Latina, 1820-1920. México: Fondo de Cultura Económica,
2004..P.8
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função de uma ideia nacional, dentro de um projeto de Estado já constituído. Dessa
forma, a produção periódica, a imprensa, se constituiu muito mais como uma arma em
um espaço de disputa de idéias, de afirmação de identidades sobrepostas, em um
período carregado de vários antagonismos e de aceleração dos estilos de vida, do que
como um veículo de “imaginação” comunitária, como defende Benedict Anderson
dentro das funções do print capitalism.
O encontro acidental entre a língua e o print capitalism foi fundamental criar pra
as bases da consciência nacional através das línguas impressas, segundo a tese de
Benedict Anderson. A divisão das línguas nacionais acompanhava e correspondia às
divisões políticas dos Estados Nacionais, exemplo que, com a exceção do Brasil, não
possui aplicação e possibilidade de análise na América Latina, afinal, as divisões
políticas da América Espanhola não seguem esta lógica. Todos os Estados Nacionais
não representam divisões baseadas na linguagem, pelo fato evidente de todos eles
possuírem a mesma língua oficial, o espanhol. As divisões também não seguem uma
ordem de separação colonial, herdada das fronteiras estabelecidas pela Espanha, visto
que não correspondem também as divisões dos Vice-Reinos americanos. O que se busca
argumentar é que a divisão administrativa não possui relação com a língua, e a alguma
forma de administração que possua alguma herança cultural, e sim através de interesses
econômicos e de políticas internas das elites, mais presentes e mais fortes do que o print
capitalism e suas associações com a linguagem na América Latina.
Por fim, como o print capitalism não deve ser renegado completamente, e muito
menos rejeitar a sua existência e seu desenvolvimento na América Latina, devemos
pensá-lo de forma mais ampla, questionando em que momento podemos falar de um
print capitalism na América Latina. Acredito que no século XX, com o Estado
Nacional em um processo de consolidação muito maior na região, podemos encontrar
muitos desses elementos teorizados por Benedict Anderson, mas não sozinhos visto que
esse desenvolvimento tomou rumos mais complexos e também se deu por outras vias,
com a presença muito maior do Estado e seu aparato burocrático. No Brasil é possível
exemplificar esse processo no século passado, através de outros dois veículos de
comunicação: durante os anos de 1930 com a popularização do rádio, que foi um grande
instrumento de “imaginação” comunitária e a partir dos anos 1960 com a Rede Globo
atingindo praticamente todo o território brasileiro.
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CONCLUSÃO
O artigo buscou apresentar uma das principais e mais polêmicas teses sobre uma
questão que quanto mais estudada, menos consenso e repostas definitivas apresenta aos
estudiosos da área. O que Benedict Anderson apresenta como o print capitalism é uma
dessas respostas, possuindo muitos elementos positivos, questionando argumentações e
posições que durante muito tempo foram hegemônicas no meio acadêmico. Sua tese
ainda é – e possivelmente continuará sendo – uma importante ferramenta para
compreensão da cultura política atual e de um conceito que sem ser explicado torna os
dois últimos séculos da nossa história desconexos: a nação e seus derivados.
Não se buscou invalidar o print capitalism ou negá-lo por total na
América Latina, apenas foram apresentados alguns elementos que são distintos na
história de nossa região e que o nível globalizante das ideias de Benedict Anderson não
puderam responder de forma satisfatória a quem se volta aos estudos dos nossos
problemas. Dessa forma, se buscou apresentar algumas possibilidades de análise que
possam responder melhor aos questionamentos impostos sobre a formação e difusão dos
Estados Nacionais na América Latina. Não se pode negar ou diminuir a importância que
a imprensa toma nesse processo, principalmente em um período que as respostas obtidas
anteriormente não tem mais validade e os questionamentos sobre o futuro são
recorrentes nas páginas dos jornais. Entretanto, é necessário questionar os pensamentos
hegemônicos e pensar a América Latina de forma diferenciada, não aceitando todas as
posições pré-moldadas e adaptáveis a qualquer contexto.
REFERÊNCIAS
ALONSO, Paula (compiladora). Construcciones impresas: panfletos, diarios y revistas em la
formación de los Estados nacionales en América Latina, 1820-1920. México: Fondo de
Cultura Económica, 2004.
ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional, São Paulo: Ática, 1989.
ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do
nacionalismo, São Paulo: Cia das letras, 2008.
BALAKRISHNAN, Gopal (org.) Um mapa da questão nacional. Rio de Janeiro: Contraponto,
2008.
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MARTINS, Ana Luiza. LUCA, Tania Regina de, (org.). História da imprensa no Brasil.. São
Paulo: Editora Contexto, 2008