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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE (UFF) INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA CENTRO DE ESTUDOS GERAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA (PPGH) MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL IMPRENSA ESPÍRITA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: PROPAGANDA, DOUTRINA E JORNALISMO (1880 1950). MARCO AURÉLIO GOMES DE OLIVEIRA Niterói 2014

IMPRENSA ESPÍRITA NA CIDADE DO RIO DE … · 1. Imprensa. 2. Espiritismo; ... 1.5 – O D.I.P e o ... para a monografia de conclusão de curso1,quando tive acesso ao acervo de recortes

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE (UFF)

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

CENTRO DE ESTUDOS GERAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA (PPGH)

MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL

IMPRENSA ESPÍRITA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO:

PROPAGANDA, DOUTRINA E JORNALISMO – (1880 – 1950).

MARCO AURÉLIO GOMES DE OLIVEIRA

Niterói

2014

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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

O48 Oliveira, Marco Aurélio Gomes de.

Imprensa espírita na cidade do Rio de Janeiro: propaganda, doutrina

e jornalismo – (1880-1950) / Marco Aurélio Gomes de Oliveira. –

2014.

256 f.

Orientador: Laura Antunes Maciel.

Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal

Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento

de História, 2014.

Bibliografia: f. 244-256.

1. Imprensa. 2. Espiritismo; aspecto histórico. 3. Rio de Janeiro

(RJ). I. Maciel, Laura Antunes. II. Universidade Federal Fluminense.

Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. III. Título.

CDD 079.8153

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE (UFF)

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

CENTRO DE ESTUDOS GERAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA (PPGH)

MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL

MARCO AURÉLIO GOMES DE OLIVEIRA

IMPRENSA ESPÍRITA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO:

PROPAGANDA, DOUTRINA E JORNALISMO – (1880 – 1950).

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em História, do Instituto

de Ciências Humanas e Filosofia, da

Universidade Federal Fluminense, para a

obtenção do título de Mestreem História.

Área de concentração: História Social.

Orientadora: Prof .ª Dr. ª Laura Antunes Maciel

Niterói

2014

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MARCO AURÉLIO GOMES DE OLIVEIRA

IMPRENSA ESPÍRITA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO:

PROPAGANDA, DOUTRINA E JORNALISMO – (1880 – 1950).

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em História, do Instituto

de Ciências Humanas e Filosofia, da

Universidade Federal Fluminense, para a

obtenção do título de Mestre em História.

Área de concentração: História Social.

Banca Examinadora:

_______________________________________ Orientadora: Prof.ª Dr. ª Laura Antunes Maciel

Universidade Federal Fluminense

_______________________________________

Prof.ª Dr.ª JunieleRabelo de Almeida

Universidade Federal Fluminense

_______________________________________

Prof.ª Dr.ª MariaLetíciaCorrêa

Universidade Estadual do Rio de Janeiro

_______________________________________

Prof.ª Dr.ª Heloisa de Faria Cruz

PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo (suplente)

_______________________________________

Prof.ª Dr.ª Magali GouveiaEngel

Universidade Federal Fluminense

(suplente)

Niterói

2014

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À minhafilhaJovita.

“Solo sé que siempre serás mi linda wawita”.

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Dar-se-ia maior desenvolvimento à Revista, quer

aumentando-se-lhe o número de páginas, quer

tornando-se-lhe mais frequente a publicação.

Agregar-se-lhe-ia um redator remunerado.

Uma publicidade em larga escala, feita nos

jornais de maior circulação, levaria ao mundo

inteiro, até às localidades mais distantes, o

conhecimento das ideias espíritas, despertaria o

desejo de aprofundá-las e, multiplicando-lhes os

adeptos, imporia silêncio aos detratores, que logo

teriam de ceder, diante do ascendente da opinião

geral.

Allan Kardec – Obras Póstumas

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço a Deus e aos Bons Espíritos pela oportunidade de realizar

esse trabalho. Sem o concurso do Alto, ele não seria realizável.

À professora Laura Antunes Maciel pela orientação cuidadosa, dedicada e competente,

que sugeriu caminhos e acenou possibilidades que enriqueceram o trabalho.

À Magali Engel e à JunieleRabêlo de Almeida pelo estímulo fraternal e as sugestões

durante a Qualificação.

Ao Conselho Espírita do Estado do Rio de Janeiro, na figura da senhora Maria Lucia,

da secretaria da instituição, pelo envio, através de email, da relação de instituições espíritas da

cidade do Rio de Janeiro. Agradeço, ainda uma vez, a oportunidade de ter pesquisado no

acervo da instituição durante o ano de 2009, na época da Graduação em História pela UFF,

quando reuni importante material que foi importante para a atual pesquisa.

À Federação Espírita Brasileira, pela permissão de pesquisar em seu acervo, na época

localizado no bairro de São Cristóvão, Rio de Janeiro, o que foi fundamental para o presente

trabalho. Agradeço, particularmente à Clara Betânia de Souza, do Setor de Documentos

Patrimoniais do Livro desta entidade federativa, pela atenciosidade e disponibilidade em

auxiliar-me, até, por email.

Aos seguranças, recepcionistas e servidores públicos da Biblioteca Nacional, pela

atençãoe boa disposição de auxiliar os pesquisadores, mesmo em períodos mais difíceis da

instituição, como o compreendido entre Maio de 2012 e parte do segundo semestre de 2013

quando trabalhavam num calor terrível por causa do ar condicionado quebrado.

Aos amigos que me ajudaram com os bons pensamentos, palavras de estímulo e que se

interessaram pelo andamento da pesquisa.

A todos os atores históricos que foram mencionados, neste trabalho, o meu respeito.

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IMPRENSA ESPÍRITA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO:

PROPAGANDA, DOUTRINA E JORNALISMO – (1880 – 1950).

RESUMO

A dissertação investiga a atuação de espíritas na imprensa, através da criação e manutenção de

periódicos, por meio da publicação de artigos em série ou via manutenção de colunas fixas

nos grandes jornais diários na cidade do Rio de Janeiro, entre 1880 e 1950. A pesquisa

evidencia o envolvimento de indivíduos, grupos e instituições espíritas em diferentes projetos

editoriais criados por espíritas, a disputa travada pela preferência dos adeptos do Espiritismo,

procurando avaliar seus objetivos, articulações e alianças, assim como as motivações para a

atuação espírita na imprensa.Analisa, também, suas expectativas e concepções de imprensa,

bem como procura desvendar as tensões em torno da ocupação de cargos em periódicos e

entidades representativas. A partir da imprensa, reconstitui diferentes concepções sobre a

Doutrina Espírita, defendidas e vividas pelos sujeitos sociais naquele momento histórico,

recuperando embates e conflitos que marcaram a busca pela hegemonia de uma leitura do

Espiritismo. Por fim, explora desdobramentos da atuação de espíritas no jornalismo,

principalmente a tentativa de organização de seus jornalistas e a reorientação nos projetos

editorias e gráficos.

Palavras-chave: Imprensa. Espiritismo. História. Instituições Espíritas. Rio de Janeiro.

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IMPRENSA ESPÍRITA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO:

PROPAGANDA, DOUTRINA E JORNALISMO – (1880 – 1950).

ABSTRACT

The dissertation investigates the role of Spiritualists in the press, through the creation and

maintenance of journals, through the publication of articles in series or via maintenance of

fixed columns in the major daily newspapers in the city of Rio de Janeiro, between 1880 and

1950. The research showsthe involvement of individuals, groups and institutions in different

spiritualists editorial projects created by spiritualists, the dispute waged by supporters

preference of Spiritualism, try to evaluate your goals, joints and alliances, as well as the

motivations for the spiritual activity in the press. It also analyzes your expectations and

conceptions of the press, and attempts to uncover the tensions surrounding the occupation of

positions in journals and representative bodies. From the press, reconstitutes different

conceptions of the Doctrine, advocated and practiced by the social subjects of that historical

moment, recovering clashes and conflicts that marked the quest for hegemony from a reading

of Spiritualism. Finally, the performance explores ramifications of Spiritualists in journalism,

especially the attempt to organize and reorientation of its journalists in editorial and graphic

designs.

Keywords: Press. Spiritualism.History.Spiritist Institutions.Rio de Janeiro.

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SUMÁRIO

Introdução…………………………………………………………..………………………...11

Capítulo 1 – Imprensade Espíritas para todos………….……………………………………28

1.1 – Centros Espíritas produzindo periódicos: propaganda e combate ….………………… 32

1.2 – Em busca da “coesão espírita” por meio da imprensa……….…….…….…………….45

1.3 – Periódicos espíritas que se pretendiam “independentes” ……………………………... 69

1.4 – Formas de financiamento da imprensa espírita ……………………………………….. 87

1.5 – O D.I.P e o cerceamento da liberdade de expressão de espíritas ………..………….102

Capítulo 2 – Espíritas e Espiritismo na imprensa diária carioca ……….…………………. 106

2.1 – Colunas e seções espíritas nos diários cariocas …………...………………...………. 106

2.2 – Ser jornalista espírita……………………………………...…………………………. 125

2.3 – A FEB e osjornaisdiários….………………………………………….……..……….127

2.4 – Condições, termos e expectativas dos jornaisdiários…………………………….…. 131

2.5 – Críticas de espíritas a imprensadiária……………...………………………………... 144

2.6 – Outrasimpressões sobre os espíritas na imprensadiária ……………………………. 167

Capítulo 3 – Da imprensa para o livro: novos horizontes para a divulgação doutrinária.. 180

3.1 – O Primeiro Congresso Brasileiro de Jornalistas Espíritas …………………………. 180

3.2 – Da Livraria à “Cidade do Livro”: o projeto editorial da FEB ……………………… 192

3.3 – Uma sociedade anônima e espírita: Gráfica Mundo Espírita S. A. ………………… 214

3.4 – Vestígios de outros projetos editoriais: a Editora Espírita Limitada e a SELK …….. 235

Conclusão……………………………………………………………………………………238

Fontes…………………………………………………………………………..……………244

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11

Introdução

Interessei-me pelas atividades dos espíritas na imprensa a partir de minha pesquisa

para a monografia de conclusão de curso1,quando tive acesso ao acervo de recortes de jornais

mantidos pelo Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança, de Botafogo, e pelo Conselho

Espírita do Estado do Rio de Janeiro (CEERJ). A maioria destes recortes tratava dos episódios

de perseguições a espíritas, comentava portarias policiais que impunham restrições à suas

atividades e de como os adeptos do Espiritismo se posicionaram diante dessas realidades.

Causou-me surpresa porque na condição de adepto do Espiritismo, desconhecia a atuação de

espíritasna imprensa diária. Tinha conhecimento, apenas, da produção contemporânea de

algumas revistas doutrinárias, das quais era leitor, uma vez que eram (e ainda são)

comercializadas na sede da Federação Espírita Brasileira – caso do Reformador –, bem como

em bancas de jornais,como a Revista Cristã de Espiritismo e Visão Espírita2. Assim, ocorreu-

me que investigar a produção de jornais e revistas espíritas assim como a militância pela

divulgação e propaganda da doutrina nos jornais diários poderia ser uma possibilidade de

pesquisa futura.

Refletindo sobre minha aproximação com essa temática, verifico que ela se deu,

fundamentalmente, em razão de minha militância espírita e tem a ver com minhas

expectativas e visões sobre a imprensa. Ao tratar da imprensa, parto do entendimento de que

esta é produzida por indivíduos e grupos com interesses específicos e heterogêneos que

procuram intervir na realidade material através de sua produção intelectual, defendendo

projetos, modos de vida e posicionando-se de maneira contrária a outros projetos existentes.

Compreendo-a, assim, como

linguagem constitutiva do social, que detém uma historicidade e peculiaridades próprias e

requer ser trabalhada e compreendida como tal, desvendando, a cada momento, as relações

imprensa/sociedade, e os movimentos de constituição e instituição do social que esta relação

propõe. 3

Situo o presente trabalho na perspectiva da História Social, de acordo com o

entendimento de Vieira, Peixoto e Khoury, do qual compartilho, tentando superar as

compartimentações teóricas que procuram classificar a experiência humana, rotulando-a de

1 OLIVEIRA, Marco Aurélio Gomes. “Livres”, porém perseguidos: O cotidiano das relações entre espíritas e a

Polícia na cidade do Rio de Janeiro (1930-1950). Rio de Janeiro, UFF, 2010. 2 Esta eu não consegui apurar se continua em circulação.

3 CRUZ, Heloisa de Faria. PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. “Na Oficina do Historiador: conversas sobre

história e imprensa.” Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do

Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: Educ, 2007, p. 260.

Grifos meus.

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política, econômica ou cultural, como se alguém, numa bela manhã, despertasse resolvido a

viver, naquele dia, apenas uma experiência política, isenta de contato com questões

econômicas ou culturais. Lamentavelmente para os classificadores, isso não é possível.

Concordo com E. P. Thompson quando afirma que “o passado humano não é um agregado

de histórias separadas, mas uma soma unitária do comportamento humano, cada aspecto do

qual se relaciona com outros de determinadas maneiras, tal como os atores individuais se

relacionavam de certas maneiras” 4. Ainda segundo Vieira, Peixoto e Khoury, defendo que

se deva

Pensar a história como toda experiência humana entendida sempre como experiência de classe

que é de luta, e valorizar a natureza política dessa luta, significa considerar então que a história

real é constituída por homens reais, vivendo relações de dominação e subordinação em todas

as dimensões do social, daí resultando processos de dominação e resistência. 5

Compreendo, enfim, a História dentro desta totalidade de relações humanas.

Interessam-me os rastros dos homens reais, de carne, osso (e Espírito), que viveram

experiências reais, que tinham arroubos de coragem,mas que sentiram, também, grande medo.

Que mudaram de opiniões diante de pressões ou que defenderam seus pontos de vista a todo

custo, em situações de conflitos de valores ou interesses que, em última análise, são conflitos

de classes, como nos diz E. P. Thompson6. Pessoas quechoraram, que se preocuparam, que

riram e que se sentiram felizes. Pessoas contraditórias, porque inacabadas, como dizia-nos

Paulo Freire.7 Como nós o somos.

O trabalho não seguiu nenhuma regra ortodoxa, nenhuma modelo pronto de como se

fazer pesquisa. Ele nasceu de uma investigação, de um fio que se puxa, buscando-se, à medida

que se revelam indícios e evidências, procurar caminhos e alternativas que dessem conta das

questões novas que foram surgindo. Não me lancei a campo com hipóteses pré-definidas. Fui

com indagações, com questionamentos. Penso que as hipóteses engessam possibilidades e

desdobramentos possíveis da pesquisa. Domesticam-na, segundo nossos critérios de avaliação

e de visão de mundo, além do risco de fazer supor que os eventos passaram-se segundo

nossos pontos de vista, fazendo uma história como gostaríamos que ela tivesse se dado.

Concordo com E. P. Thompson quando diz que “a história real revelar-se-á somente depois

4 THOMPSON, E. P. A Miséria da Teoria. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981, p. 50.

5 VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo; PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha; KHOURY, Maria Aun. A

Pesquisa em História. São Paulo: Editora Ática, 2002, p. 17. 6“(...) toda contradição é um conflito de valor, tanto quanto um conflito de interesses; que em cada

“necessidade” há um afeto, ou “vontade”, a caminho de se transformar num “dever” (e vice-versa); que toda

luta de classes é ao mesmo tempo uma luta acerca de valores”. THOMPSON, E. P. A Miséria da Teoria, op.

cit., p. 189 e 190. 7 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970, p. 42. Disponível em:

http://portal.mda.gov.br/portal/saf/arquivos/view/ater/livros/Pedagogia_do_Oprimido.pdfÚltimo acesso em 8 de

Fevereiro de 2014.

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de pesquisa árdua e não irá aparecer ao estalar de dedos esquemáticos.”8 Compartilho com

Carlo Ginzburg a “aguda consciência de que todas as fases que marcam a pesquisa são

construídas, e não dadas”.9

A pesquisa sobre a atuação de espíritas através da imprensa requereu esforço e

dedicação para reconhecer experiências sociais pouco visíveis e que deixaram registros

materiais reduzidos e fragmentados. Busquei reconstituir a experiência estudada sem me

prender em esquemas prévios que a condicionariam ou conceitos que funcionariam como

“chaves universais” que servem para tudo,compartilhando a opinião de Adalberto Marson

quando afirma que se deve “investigar como este objeto foi produzido, tentando reconstituir

sua razão de ser ou aparecer a nós segundo sua própria natureza, ao invés de determiná-lo

em classificações e compartimentos fragmentados...” 10

.Ou seja, analisar o objeto em seus

próprios termos e não através de pressupostos do próprio pesquisador. Por fim, tentei

recuperar e refletir também sobre projetos e visões de imprensa e do Espiritismo que não se

tornaram hegemônicas, “porque nada nos garante que o que triunfou foi sempre o melhor, o

que conduzia na direção do futuro desejável”11

. Pensar sobre os projetos dos espíritas em

disputa naquele momento pode oferecer materiais para reflexões aos adeptos da doutrina, nos

dias de hoje, quanto às formas de atuação e intervenção no mundo, além de contribuir para a

historiografia que se interessa pelo seu passado.

O Espiritismo é compreendido hoje como a doutrina que Allan Kardec organizou na

França, no século XIX, a partir dos ensinos dados pelos Espíritos Superiores, presentes na sua

produção literária12

. Entretanto, no período analisado, alguns atores sociais atuantes em

entidades espíritas compreendiam que a Umbanda era uma das formas de expressão do

Espiritismo, assim como outros julgavam que o aspecto mais importante da doutrina fosse

seus fundamentos religiosos, enquanto outros defendiam seu caráter científico. Essas

diferentes visões foram analisadas no trabalho porque se apresentaram no cenário histórico e

estavam disputando espaço naquele momento. Compreendo que a Doutrina Espírita tem sido

8 THOMPSON, E. P. “Folclore, antropologia e história social”. In: E. P. Thompson. As peculiaridades dos

ingleses e outros artigos. Campinas: Editora da Unicamp, 2001, p. 135. 9 GINZBURG, Carlo. "Micro-história: duas ou três coisas que sei a respeito". In: O Fio e os Rastros.

Verdadeiro, Falso, Fictício. São Paulo: Cia das Letras, 2007, p. 275.

10 MARSON, Adalberto. “Reflexões sobre o procedimento histórico”. In: SILVA, Marcos A. (org.).

Repensando a História. Rio de Janeiro: Editora Marco Zero. 1984. pg. 49. 11

FONTANA, Josef. História, análise do passado e projeto social. Bauru: EDUSC, 1998, P. 266. 12

“O Livro dos Espíritos” (1857), “O que é o Espiritismo” (1859), “O Livro dos Médiuns” (1861), “O

Evangelho Segundo o Espiritismo” (1864), “O Céu e o Inferno” (1865), “A Gênese” (1868) e as publicações da

Revista Espírita (1858 a 1869). “Obras Póstumas” (1890), conjunto de escritos não publicados em vida, guardam

informações interessantes acerca do início dos contatos de Allan Kardec com os fenômenos mediúnicos, bem

como projetos e perspectivas para a doutrina.

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14

vivida pela maior parte dos espíritas, presentemente, como religião. Allan Kardec, na Revista

Espírita de Dezembro de 1868, aborda a questão, defendendo esse ponto de vista.

Se assim é, dir-se-á, o Espiritismo é, pois, uma religião? Pois bem, sim! Sem dúvida, senhores;

no sentido filosófico, o Espiritismo é uma religião, e disto nos glorificamos, porque é a

doutrina que fundamenta os laços da fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre

uma simples convenção, mas sobre as bases mais sólidas: as próprias leis da Natureza. Por

que, pois, declaramos que o Espiritismo não é uma religião? Pela razão de que não há senão

uma palavra para expressar duas ideias diferentes, e que, na opinião geral, a palavra religião

é inseparável da de culto; que ela desperta, exclusivamente, uma ideia de forma, e que o

Espiritismo não a tem. Se o Espiritismo se dissesse religião, o público não veria nele senão

uma nova edição, uma variante, querendo-se, dos princípios absolutos em matéria de fé; uma

casta sacerdotal com um cortejo de hierarquias, de cerimônias e de privilégios; não o

separaria das ideias de misticismo, e dos abusos contra os quais a opinião é frequentemente

levantada. 13

Acredito que a reserva que ele mantinha quanto à utilização do termo “religião” se

devia ao fato de que a palavrajá estava associada à ideia de rituais, cerimônias, sacerdotes,

presentes nas religiões tradicionais. O Espiritismo seria, para Allan Kardec, a ideia de

“religião em si”, porque daria fundamento à fraternidade humana a partir das leis da natureza,

cujo entendimento foi ampliado pela Doutrina com a revelação a respeito da realidade da

existência do Espírito e as consequências morais de nossas ações, enquanto encarnados, “no

outro lado da vida”. Concordo com o escritor espírita Sérgio Aleixo quando diz que“o

espiritismo é ciência e filosofia e religião, e não ciência, filosofia e moral. Ora! Essa moral é

a moral de Jesus e é uma moral tipicamente religiosa”14

. Não conheço, presentemente, na

cidade do Rio de Janeiro, alguma instituição espírita que defenda uma compreensão diferente

da doutrina. Porém, em fóruns de discussões nas redes sociais da internet é possível encontrar

espíritas que não considerem o Espiritismo uma religião. O NEFCA (Núcleo Espírita de

Filosofia e Ciência Aplicada), instituição de Juiz de Fora, Minas Gerais, compartilha dessa

opinião15

.

A pesquisa objetiva analisar as formas de atuação dos espíritas na imprensa. Quanto

aos materiais utilizados no trabalho e caracterizados como “imprensa espírita”, propus

reconhecer a produção periódica produzida e mantida por espíritas, individual ou

coletivamente, seja aquela vinculada e/ou órgão oficial de Centros Espíritas para registrarem

suas atividades, visões da doutrina e mensagens mediúnicas, seja aquela produzida pelas

entidades federativas, bem como as iniciativas de diferentes sujeitos e instituições sem

vínculos institucionais com o Espiritismo. Procurei não deixar de fora as iniciativas de menor

13

KARDEC, Allan. “O Espiritismo é uma religião?”. Revista Espírita. Paris, Dezembro 1868, p. 5. Grifos meus. 14

ALEIXO, Sérgio F. O Espiritismo é, sim, uma religião e possui até um credo. Disponível em:

http://ensaiosdahoraextrema.blogspot.com.br/2011/10/o-espiritismo-e-sim-uma-religiao.html Último acesso em

8 de Fevereiro de 2014. 15

NEFCA. Perguntas mais frequentes. Disponível em: http://www.nefca.org.br/faq Último acesso em 8 de

Fevereiro de 2014. Clicar na pergunta nº. 17.

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15

expressão e alcance social porque isso significaria privilegiar aquelas que venceram ou,

mesmo, que duraram mais tempo e tiveram maior projeção social, por conta às vezes dos

recursos financeiros de que dispunham. Além disso, seria ocultar o desejo daqueles que

encabeçaram os projetos menos representativos para divulgar suas opiniões para um público

que variava de tamanho, além de escamotear tensões e disputas em torno da participação

espírita por meio da imprensa. Afinal, se a quantidade de jornais e colunas espíritas é

significativa, é evidência de que vários daqueles que se colocaram como propagandistas da

doutrina julgavam que algo faltava ser dito no cenário social.

A pesquisa teve início com a investigação das colunas espíritas existentes em jornais

diários da cidade do Rio de Janeiro a partir dos “rastros” que identifiquei na pesquisa anterior

sobre a repressão policial às atividades dos espíritas. Partindo daqueles recortes de jornais,

bem como da leitura de alguns livros de Leopoldo Machado16

e Amadeu Santos17

,

pertencentes ao acervo do Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor, de Benfica, comecei a

mapear os jornais que mantiveram colunas espíritas. Procurava identificar os nomes de

espíritas que se atiraram ao periodismo tanto o nascido dos vínculos institucionais espíritas

quanto aquele que ganhou visibilidade nas páginas dos grandes jornais diários.Buscava

entender o que levou alguns adeptos desta doutrina a utilizarem a imprensa, procurando saber

quais as suas visões – positivas ou não – e suas expectativas com relação a ela e, também, ao

Espiritismo. Entretanto, nas colunas espíritas em jornais diários, seus responsáveis refletiram

pouco a respeito das visões de imprensa, o que fez com que os limites da pesquisa fossem

ampliados para alcançar os jornais e revistas criados e mantidos por espíritas no Rio de

Janeiro. Pretendia, no primeiro momento, apenas apurar como se organizou essa imprensa

espírita na cidade, identificando seus periódicos, sua periodicidade, quem os produzia e de

que maneira o que os espíritas escreviam e publicavam repercutia na imprensa diária.

O mergulho nos jornais e revistas feitos por espíritas mostrou maiores possibilidades

para o entendimento de suas opiniões e expectativas a respeito da imprensa, além de revelar

os modos de operação diferentes na imprensa diária e na doutrinária, já que muitas vezes

evitaram conflitos e polêmicas nos grandes jornais leigos. Assim, a imprensa produzida por

espíritas que, inicialmente, teria caráter secundário na investigação, passou a ser analisada

16

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Leopoldo Machado. Disponível em:

http://www.febnet.org.br/ba/file/Pesquisa/Textos/Leopoldo%20Machado.pdf Último acesso em 9 de Setembro

de 2013. Escritor e polemista espírita. Os livros são: Sensacional Polêmica (1938), Pigmeus contra Gigantes

(1940), Doutrina Inglória (1941). 17

Comerciário e industrial. SANTOS, Amadeu. Doutrina e Crítica. Rio de Janeiro. Confeccionado nas officinas

de Reformador, 1943, p. 7.

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concomitante à produção das colunas nos jornais diários. Articular essas duas formas de

atuação na e pela imprensa revelou, também, as questões e disputas que envolveram projetos

editoriais de espíritas, como o da Federação Espírita Brasileira, da Gráfica Mundo Espírita S.

A., da Editora Espírita Limitada e a SELK – Sociedade Editora (ou de Expansão) dos livros

de Allan Kardec18

.

Ao mapear a atuação de espíritas por meio da imprensa, observei que as primeiras

iniciativas da militância doutrinária na imprensa diária surgiram com os artigos de Bezerra de

Menezes em O Paiz, no ano de 1887, esforço que teve continuidade em outros dois jornais –

Jornal do Brasil e Gazeta de Notícias – até 1897. Por sua vez, o jornal Correio da Manhã

facultou suas páginas aos espíritas dois anos depois de fundado, em 1903.Além disso, no final

do século XIX oito periódicos espíritas eram editados na cidade do Rio de Janeiro19

, e um

deles, o Reformador, da Federação Espírita Brasileira, manteve-seaté os dias de hoje. Some-se

a isso o fato de que, ao observar-se o movimento de criação de jornais e revistas espíritas,

dentro das grandes limitações colocadas pelas fontes, pode-se notar que ele se dá

concomitante ao processo de expansão das empresas jornalísticas e ao crescimento do número

de espíritas pela cidade. Na década de 1910, o Correio da Manhã apontava o aumento no

interesse do público leitor pelo Espiritismo em razão dos progressos alcançados pela doutrina.

A mesma constatação, feita por outros jornais diários nas décadas de 1920 e 1930, justificou

ocrescimento do número de colunas espíritas em suas páginas.

A leitura da relaçãoCasas Espíritas do Rio de Janeiro, organizada pelo Conselho

Espírita do Estado do Rio de Janeiro (antiga Liga Espírita do Brasil), com os Centros Espíritas

adesos, oferece pistas para dimensionarmos a expansão da Doutrina Espírita na cidade.20

É

certo que não contempla todos os Centros, muito menos aqueles que já encerraram suas

atividades, uma vez que trata apenas daqueles que ainda funcionam. No entanto, pode servir-

nos como amostragem dos Centros fundados no passado e que ainda existem em

funcionamento: daqueles criados ao final do século XIX, sobrevivem quatro Centros

Espíritas; dos Centros fundados na primeira década do século XX, sobrevivem outros quatro;

das iniciativas da década seguinte (1910), mantiveram-se sete Centros Espíritas. Entre as

18

Não há certeza quanto ao nome correto. 19

Revista Espírita (1875), O Espiritismo (1881), Revista da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade

(1881), O Renovador (1882), O Reformador (1883), A Nova Era (1890), O Regenerador (1890) e Religião

Espírita (1897). Destes apenas A Nova Era não está disponível na Biblioteca Nacional. Os demais estão

microfilmados. 20

CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Casas Espíritas do Rio de Janeiro. Recebido

por email em 13 de Janeiro de 2014. Essa relação consta no site do CEERJ. Clicar em “Instituições Espíritas”,

escolher cidade e bairro. Disponível em: http://www.ceerj.org.br/ Último acesso em 15 de Fevereiro de 2014.

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décadas de 1920 e 1940, teriam sido fundados 97 Centros Espíritas, sendo que na década de

1920 foram abertos 30 e na de 1940 foram 41 Centros. Portanto, há um crescimento

significativo no número de entidades criadas da década de 1910 para a de 1920. É importante

ressaltar que estamos falando de um período (1920 a 1950) marcado por intensa repressão as

atividades dos espíritas, que implicava em prisões de médiuns sob a acusação de exercício

ilegal da medicina21

, bem como o fechamento de instituições por ordens da Polícia22

, como

também em razão de Portarias Policiais que criavam sérios embaraços para o funcionamento

de Centros Espíritas23

.Apesar dessas dificuldades, que possivelmente devem ter

desestimulado alguns, o movimento de fundação de Centros Espírita intensificou-se e se

espalhou na cidade neste momento.Não por acaso, esse período de expansão do Espiritismo

pela cidade coincide com a maior inserção de espíritas na imprensa diária.E o investimento

que eles fazem na criação de periódicos doutrinários se dá concomitante à origem e

desenvolvimento dos jornais diários que lhes ofereceram espaço.

Portanto, a cronologia inicial definida para a pesquisa, a partir dos anos 1880,

procurou abranger um período de expansão e consolidação da Doutrina Espírita na cidade,

bem como as formas diversas de praticá-la e divulgá-la, além de possibilitar acompanhar as

disputas em torno da preferência dos espíritas na imprensa doutrinária. Quanto ao limite

temporal da pesquisa, 1950, ele foi definido em função de várias questões. Em primeiro lugar,

o definhamento de várias iniciativas do periodismo espírita assim como das colunas mantidas

por espíritas no interior dos jornais diários, de que é exemplo a do Correio da Manhã, de

todas a mais duradoura e que terminou com a morte de seu responsável, Frederico Fígner, em

1947. Por outro lado, o final da década de 1940 trouxe, também, mudanças significativas na

composição e direção das gráficas espíritas, outra frente de atuação das entidades espírita

investigadas neste trabalho. Estes movimentos, que indicam uma progressiva supressão ou

silenciamento das divergências entre pontos de vistas doutrinários e das disputas pelo apoio

financeiro entre os espíritas, foram intensificados a partir de 1949, com o acordo de

unificação entre a Liga Espírita do Brasil e a Federação Espírita Brasileira, que redefiniu os

papéis e abrangência territorial das federativas, passando a primeira ao âmbito do então

21

Prisões do médium Inácio Bittencourt em 30 de Abril de 1937 e da médium Izabel Pimentel de Castro, em 5

de Julho de 1943. E estamos falando dos casos que repercutiram na imprensa. Quantos não tiveram essa

projeção? OLIVEIRA, Marco Aurélio Gomes. “Livres”, porém perseguidos, op. cit., p. 47 e 48. No capítulo 1

consta que Inácio Bittencourt também recebeu uma multa da Saúde Pública em 1921. 22

Em Outubro de 1937 e Abril de 1941. Idem, p. 57 e 64. 23

Em Abril de 1941, Setembro de 1942 e Outubro de 1943. Idem, p. 64, 71 e 79.

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Distrito Federal e a segunda continuando de caráter nacional. Logo depois desse acordo, a

revista da Liga Espírita do Brasil encerrou suas atividades em 1952.

Para a pesquisa, utilizei principalmente o acervo de Periódicos da Biblioteca Nacional,

onde é possível encontrar vários títulos de jornais e revistas espíritas, bem como os jornais

diários, muitos deles digitalizados e disponíveis na internet pelo portal da Hemeroteca Digital

da instituição. Desse acervo de periódicos espíritas disponíveis para a pesquisa, foram

consultados 13 títulos: Aurora, Brasil Espírita, A Fraternidade, A Fraternisação, Mundo

Espírita, Novo Horizonte, Revista Espírita do Brasil, O Sidereo, Tribuna Espírita, União

Espíritae A Verdade.Quanto aos periódicos espíritas digitalizados temos o Reformador, de

1883 até 1908 e o jornal Humildade. Dentre os jornais diários foram pesquisadosA

Batalha,Correio da Manhã,Diário Carioca,Diário da Noite, Diário de Notícias, A Época,

Gazeta de Notícias, O Imparcial, A Manhã, A Noite, O Paiz, A Nota e A Pátria, os dois

últimos não digitalizados. No acervo da Federação Espírita Brasileira, localizado no bairro de

São Cristóvão, tive acesso ao Reformador, órgão desta entidade federativa onde publicavam

anualmente os Relatórios de Atividades da instituição, bem como a seus estatutos de 1917,

1925, 1933, 1944 e 1950.Infelizmente, o acervo não está mais disponível para a pesquisa uma

vez que foi transferido para a sede da FEB em Brasília, por causa da desativação do Parque

Gráfico da federativa.Reformadorencontra-se digitalizado, também, no site da FEB, a partir

de 1955 até 2012.

Além desses periódicos, pesquisei também o Diário Oficial da União para ter acesso

aos Estatutos da Gráfica Mundo Espírita S. A., bem como suas atas de constituição – com a

relação de associados – e as de assembleias gerais, que permitiram acompanhar o início de

sua trajetória. Consultei, ainda, o relatório As forças religiosas no Brasil, do ponto de vista de

suas influências políticas e econômicas, do acervo Filinto Müller preservado no CPDOC da

Fundação Getúlio Vargas, para identificar e quantificar as instituições vinculadas à Federação

Espírita Brasileira.

No acervo do Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor pesquisei, ainda, os livros de atas

de reuniões de diretoria de 1938 a 1953, assim como o Relatório da Diretoria apresentado á

Assembléia Geral, reunida em Sessão Solene no dia 1º de Setembro de 1939. Do CEERJ,

lancei mão do Livro de Registro das Associações Agregadas à Liga Espírita do Brasil, de

1942, a fim de identificar se os Centros Espíritas que fui localizando ao longo da pesquisa

pertenciam ao seu quadro de instituições adesas. Além disso, foram úteis à pesquisa algumas

Cartas de Agregação de Centros Espíritas à Liga Espírita do Brasil, uma vez que guardavam

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os estatutos das instituições que possibilitaram analisar o investimento que faziam na

divulgação da Doutrina Espírita. No Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança,

deBotafogo, consultei a pasta de recortes de jornais e o livro de atas de reuniões de sua

diretoria.

A internet constituiu-se uma fonte muito útil para esta pesquisa. Foram importantes os

sites governamentais que traziam a legislação analisada no trabalho. Além disso, a grande

quantidade de sites e blogs mantidos por espíritas ajudaram a identificar alguns personagens e

instituições, além de ter acesso a livros espíritas digitalizados, como o do Centro Espírita

Léon Denis, de Bento Ribeiro. Nos sites da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional e do

CPDOC da Fundação Getúlio Vargas foi possível encontrar informações a respeito de quase

todos os jornais diários utilizados na pesquisa.

Um problema enfrentado na pesquisa é a deterioração das coleções de periódicos

existentes nas instituições. Apesar do Catálogo de Periódicos Raros da Biblioteca Nacional

fazer referência à existência do periódico A Revelação, com cinco fascículos, de 15 de Agosto

até 15 de Dezembro de 1917, que seria órgão da União Espírita Suburbana, não foi possível

ter acesso ao periódico, que consta como desaparecido. Quanto ao periódico Aperfeiçoador

que, de acordo com o catálogo, seria órgão do Centro Spirita Luz, Caridade e Fé, contando

com apenas um exemplar de 1910, informaram-me apenas que ele estaria fora de consulta.

Desta coleção de periódicos raros, acessei apenas o jornal União Espírita. Não tentei acessar

outros, portanto não sei declarar a situação em que se encontram.

A consulta aos jornais diários não foi menos acidentada. Não tive acesso ao jornal

Vanguarda, que manteve em suas páginas uma coluna espírita, inicialmente porque o acervo

encontrava-se no prédio anexo da Biblioteca Nacional, na Praça Mauá, indisponível para a

pesquisa e, posteriormente porque o exemplar que desejava encontrava-se em mau estado de

conservação. Como a Biblioteca Nacional impõe limitações ao número de fotografias que

seus usuários podem realizar do acervo, resolvi, penalizado, deixar de pesquisar este

periódico, pelas dificuldades que se impunham, bem como pelo reduzido tempo de uma

pesquisa de Mestrado. A possibilidade do usuário fotografar o acervo de periódicos faria com

que os pesquisadores ganhassem um tempo precioso, não precisando transcrever,

manualmente, as informações que necessitassem. Penso que a administração da Fundação

Biblioteca Nacional poderia rever o procedimento, uma vez que, disponibilizando centenas de

periódicos digitalizados pela internet, permite aos usuários, copiarem as telas com as imagens

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20

dos periódicos com a tecla “print screen” do teclado, o que, em última análise, funciona como

fotografia do acervo.

A existência de coleções incompletas foi outro embaraço para a pesquisa. Mundo

Espírita, fundado em 1932, está disponível na Biblioteca Nacional apenas a partir de 1945. A

coleção de Aurora, fundado em 1912, inicia em 1919 e vai até 1933, sendo que

provavelmente o jornal seguiu sendo publicado, pelo menos, até o final da década de 1940.

Houve um momento em que os dois foram dirigidos pelo mesmo homem, num período

conturbado para o primeiro jornal. Teria sido interessante acompanhar simultaneamente os

desdobramentos das atividades de ambos, bem como os investimentos de esforços e recursos

feitos em cada um deles. Mundo Espírita encontra-se digitalizado na sede da Federação

Espírita do Paraná, porém, não está disponível na internet. Reformador, da Federação Espírita

Brasileira, encontra-se digitalizado e online, mas só para o período de 1955 até 2012.

É possível que algumas instituições espíritas tenham, sob sua guarda, jornais ou

revistas. O pesquisador espírita Clóvis Ramos, por exemplo, serviu-se do acervo de

periódicos do Centro Espírita Fé, Esperança e Caridade, de Nova Iguaçu, para a escrita de seu

livro sobre a imprensa espírita. Segundo ele, o acervo ia ser jogado fora “se um desses

“acasos” não nos tivessem levado àquele Centro para receber, como um prêmio, o estragado

e ainda útil acervo, e enviá-lo a lugar seguro” 24

, mas, infelizmente, ele não diz qual foi o

destino. No Conselho Espírita do Estado do Rio de Janeiro e no Centro Espírita Amor,

Caridade e Esperança, de Botafogo, havia pastas de recortes de jornais, o que também poderia

ser encontrado em outras instituições espíritas, mas os limites de tempo inviabilizaram este

longo caminho de pesquisa.

Nesta pesquisa, a imprensa serviu de fonte de informações históricas para a

investigação da participação de espíritas na imprensa, seja a diária, seja a doutrinária, mas ela

é também objeto de análise. Através da imprensa espírita, é possível refletir sobre as

instituições espíritas não mais existentes, como a Faculdade Brasileira de Estudos Psíquicos,

ou mesmo aquelas cujas atividades modificaram-se, como a Liga Espírita do Brasil, entidade

de caráter federativo, concorrente da Federação Espírita Brasileira, hoje Conselho Espírita do

Estado do Rio de Janeiro, adeso à federativa com a qual disputara anteriormente. Disputas e

polêmicas entre espíritas, assim como contra adversários externos à doutrina, também se

fazem presentes nas páginas dos periódicos, leigos ou doutrinários. A realização de eventos,

24

RAMOS, Clóvis. A imprensa espírita no Brasil 1869 – 1978. Juiz de Fora: Instituto Maria, 1979, p. 10.

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21

seja uma assembleia geral de um Centro Espírita, seja um Congresso, também ganhavam

espaço nos periódicos e nas colunas espíritas dos jornais diários. Dessa forma, a imprensa

pode ser fonte importante para a produção de conhecimento em História sobre os espíritas e

suas atividades ao longo do tempo.

A historiografia sobre o Espiritismo é significativa. A temáticainteressou a vários

ramos do conhecimento, tais como a História, a Antropologia, a Sociologia e a Ciência da

Religião. No interior dessa produção, destaca-se pelo pioneirismo, o livro Da Elite ao Povo:

Advento e Expansão do Espiritismo no Rio de Janeiro, da historiadora Sylvia F. Damazio, de

1994. Ela analisa como se deu a inserção do Espiritismo na sociedade, defendendo que se

firmaram distintas correntes, uma de origem europeia, que procurava afastar-se dos

sincretismos populares, baseada no estudo da doutrina e na prática da caridade, e um

“Espiritismo popular”, que incorporaria as práticas dos curandeiros, além do catolicismo, no

que diz respeito ao culto dos santos. Os debates travados na sociedade com médicos em

função da prática da mediunidade receitista e os momentos em que alguns destes médiuns são

criminalizados pelo exercício ilegal da medicina estão presentes em seu trabalho. Defende que

se estes tiveram inserção importante na sociedade isto se deu em função das dificuldades de

parcelas da população em conseguir atendimento público de saúde, além de manterem “vivas

as tradições de tratamentos populares alternativos: das benzeduras à homeopatia, do

curandeirismo aos passes” 25

.

O trabalho do cientista social Emerson Giumbelli, O cuidado dos mortos – Uma

história da condenação e legitimação do Espiritismo, de 1997, originalmente sua dissertação

de Mestrado em Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, objetiva analisar

os diferentes discursos a respeito do Espiritismo entre 1890 e 1950. Para tanto, buscou cobrir

as formulações de médicos, juristas, jornalistas, estatais, nos seus aparatos judiciais (policiais,

procuradores, juízes) e assistenciais (saúde pública e assistência social). Exclui, de seu estudo,

os discursos emitidos por agentes religiosos (católicos ou protestantes), uma vez que

considera que os ataques e acusações ao Espiritismo feitos por outras designações religiosas

foram reduzidos, se comparados com os produzidos em outros momentos. Segundo ele, os

religiosos incorporavam argumentos de outros campos do saber, notadamente, do científico

(médico e psicológico). Procura atentar, também, para a natureza das intervenções às quais

estavam associados os discursos, sendo a mais concreta delas as ações repressivas, a partir da

criminalização das práticas espíritas. Contempla, também, “a eficácia de determinadas

25

DAMÁZIO, Sylvia F.. Da Elite ao Povo: Advento e Expansão do Espiritismo no Rio de Janeiro. Rio de

Janeiro: Bertrand. 1994. pg. 154.

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22

acusações, segundo o lugar do qual elas partem, os sujeitos a que se dirigem, os recursos que

mobilizam e os termos em que se fazem” 26

. Outro objetivo de seu trabalho é acompanhar a

trajetória da Federação Espírita Brasileira entre sua origem e 1950, enfocando suas atividades

e seus discursos.

Dentre as fontes utilizadas estão os processos crimes instaurados com base nos artigos

156, 157 e 158 do Código Penal de 1890, fazendo levantamento quantitativo e analisando

também, através deles, os aparatos estatais envolvidos e os rituais do processo. Também

busca os processos envolvendo pessoas ligadas à Federação Espírita Brasileira, além de

utilizar reportagens e notícias de jornais diários, livros de juristas e médicos e o Reformador,

órgão da Federação Espírita Brasileira. O autor chegou às informações dos jornais por vias

indiretas, através de outras fontes que faziam referências a eles, mas não fez um levantamento

específico sobre um ou mais periódicos. Seu trabalho, no entanto, apontou-me jornais onde os

espíritas tinham colunas fixas como o Correio da Manhã e A Vanguarda, bem como outros

que tinham postura bastante crítica com relação à suas atividades, casos de A Noite e Diário

da Noite.

A tese de doutorado em História de Flamarion Laba Costa, defendida na Universidade

Federal do Paraná, intitulada Demônios e Anjos (o embate entre espíritas e católicos na

República brasileira até a década de 60 do século XX) 27

, de 2001, parte da análise dos

discursos produzidos entre as partes no período, especificamente o embate entre os dirigentes

e profitentes de ambos os lados, objetivando espaço e poder na sociedade, mencionando os

primeiros atritos entre eles desde a chegada do Espiritismo no Brasil, cuja trajetória que ele

procura refazer. Para o autor, o acirramento do confronto teria acompanhado as

transformações políticas e socioeconômicas ocorridas a partir do fim do século XIX. Justifica

sua periodização mencionando que antes dessa época teria havido colaboração mútua entre

Igreja Católica e o Estado, já que se tratava da religião oficial. Na década de 60 do século XX,

com o Concílio Vaticano II, surgira uma nova maneira mais pacífica, através do ecumenismo.

As fontes utilizadas por ele incluem as revistas católicas, pastorais, livros de autores católicos

e espíritas, além de periódicos espíritas como Mundo Espírita e Reformador. Através do

trabalho deste autor, tive acesso à parte do programa de Mundo Espírita, que ele menciona

brevemente.

26

GIUMBELLI, Emerson. O Cuidado dos mortos: Uma história da condenação e legitimação do Espiritismo.

Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. 1997, p. 39. 27

COSTA, Flamarion Laba. Demônios e Anjos (o embate entre espíritas e católicos na República brasileira até

a década de 60 do século XX). Tese de Doutorado em História. Paraná: UFPR. 2001.

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23

O trabalho de Angélica Aparecida Silva de Almeida, intitulado Uma Fábrica de

Loucos: Psiquiatria x Espiritismo no Brasil (1900 – 1950) 28

, tese de doutorado em História

defendida na UNICAMP, em 2007, trata dos debates gerados pelos conflitos entre psiquiatras

e espíritas. Situa seu trabalho na História Cultural e propõe-se a investigar o processo de

construção da representação da mediunidade enquanto loucura. Trabalha com a hipótese de

que o discurso da Psiquiatria surgira como uma das estratégias pela busca de hegemonia na

ciência ligada às questões mentais, disputando, assim, espaço no campo científico. Assume a

intenção de não reconstituir a história da Psiquiatria ou do Espiritismo no Brasil, e sim

resgatar a dimensão do conflito entre ambos.

Procura fornecer o contexto, descrevendo o processo inicial de busca de consolidação

dos dois oponentes no Brasil. Para ela, a maior parte dos autores que tratam do Espiritismo

detém-se no seu surgimento na França, na sua chegada ao Brasil e sua disseminação, além do

conflito com os médicos, em função de suas práticas de cura serem tomadas como exercício

ilegal da medicina. O conflito que analisa, no seu entender, teria recebido tratamento

secundário por parte dos autores. Utilizou, como fontes, jornais diários, Estatutos da Liga

Brasileira de Hygiene Mental e livros de psiquiatras e espíritas da época.

A dissertação de Mestrado em História de Sinuê Neckel Miguel, da Universidade

Estadual de Campinas, intitulada Movimento Espírita Universitário (MUE): Religião e

política no Espiritismo brasileiro (1967 – 1974), de 2012, aborda a experiência de

universitários que atuaram de forma política e intelectual visando à elaboração de uma agenda

crítica e socialista no movimento espírita. Pretende “compreender a emergência e o ocaso de

uma tendência dentro do movimento religioso espírita que propunha uma forma de

socialismo cristão, de revisão de aspectos doutrinários e de críticas às formas hierarquizadas

de organização então vigentes” 29

. Segundo ele, o Espiritismo sempre teve relação com a

política, tanto pelas articulações estabelecidas com os poderes públicos quanto pela discussão

de ideias relacionadas às questões sociais. Recorda a obra do filósofo espírita francês, León

Denis, Socialismo e Espiritismo, que fora contemporâneo de Allan Kardec, bem como a

existência de espíritas vinculados à esquerda política. Para o autor, poucos trabalhos

aprofundaram o estudo sobre as relações entre espíritas e a política.

28

ALMEIDA, Angélica Aparecida Silva. Uma Fábrica de Loucos: Psiquiatria x Espiritismo no Brasil (1900 –

1950). Tese de Doutorado em História. São Paulo: UNICAMP. 2007. 29

MIGUEL, Sinuê Neckel. Movimento Espírita Universitário (MUE): Religião e política no Espiritismo

brasileiro (1967 – 1974). Dissertação de Mestrado em História. Campinas: Unicamp, 2012, p. 1.

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24

O autor pretende verificar as influências que a cultura universitária dos anos 1960 e o

contexto político-social mais amplo exerceram nos jovens que constituíram esse movimento.

Deseja caracterizar esse movimento, sondando as possíveis diferenças entre seus

constituintes. Está interessado, também, nas opiniões do movimento espírita sobre a atuação

destes universitários. Coloca este movimento político em relação com outros movimentos

religiosos que tiveram atuação política naquele momento. Por fim, pretende resgatar os

impactos deste movimento no âmbito de atuação dos espíritas.

Usou como fontes alguns periódicos espíritas, tais como A Fagulha, Presença,

Espírito Universitário (produzidos pelo MUE), além de outros. Trabalha, também, com fontes

orais, realizando entrevistas temáticas, procurando saber o que os entrevistados têm a dizer a

respeito do MUE e que os escolheu a partir da relevância que teria diagnosticado a partir da

leitura de outras fontes, além das indicações recebidas por aqueles que participaram do

movimento. Entrevistou, também, pessoas contrárias ao movimento que estuda.

Obras memorialísticas, produzidas por espíritas, também foram consultadas e foram

fundamentais para a pesquisa.O livro “A imprensa espírita no Brasil: 1869 – 1978”, do

pesquisador e escritor espírita Clóvis Ramos foi, sem dúvida, o de maior interesse para este

trabalho. Foi lançado na abertura do VII Congresso Brasileiro de Jornalistas e Escritores

Espíritas, realizado no Rio de Janeiro entre 15 e 18 de Novembro de 1979, um evento

organizado pela Associação Brasileira de Jornalistas e Escritores Espíritas (ABRAJEE)30

e

patrocinado pela Federação Espírita Brasileira. A obra não seria uma história da imprensa

espírita nacional ou uma coletânea que reunisse artigos publicados em “velhos jornais

esquecidos, dados biográficos dos jornalistas espíritas que mais se evidenciaram no passado.

É, ainda, um simples catálogo”31

. Nela, seu autor reúne dados sobre 640 periódicos espíritas

publicados em todo o Brasil, desde boletins de Centros e Mocidades Espíritas, até jornais e

revistas de iniciativas “independentes” – não vinculadas a nenhuma instituição – até

periódicos de entidades federativas, editados ou não até o período da publicação do livro. Na

introdução de seu livro, afirma que se fazia necessário um levantamento desse tipo, que

funcionaria como um “balanço para se ver a situação de lucro do Espiritismo (...) pelo que

significa essa amostra da atividade intelectual de tantos votados a um jornalismo sadio, de

renovação”32

. O trabalho de pesquisa reúne informações como: nome do periódico, cidade,

30

Não encontrei informações sobre a ABRAJEE atualmente. No entanto, a ABRADE (Associação Brasileira de

Divulgadores do Espiritismo) diz guardar afinidade de propósitos com ela. ABRADE. “Abrade”. Disponível em:

http://www.abrade.com.br/site/index.php?pag=empresa Último acesso em 3 de Março de 2014. 31

RAMOS, Clóvis. A imprensa espírita no Brasil 1869 – 1978, op. cit., p. 3 e 4. 32

Idem, p. 4.

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25

responsável pela publicação, periodicidade e ano. Entretanto, várias vezes estas informações

estão incompletas e incorretas33

, além de não mencionar se colheu os dados diretamente dos

periódicos ou de outras publicações. O autor faz questão de registrar que o levantamento de

jornais e revistas espíritas que fez é incompleto, não abarcando a totalidade deles. Além

disso,ressalta o fato de não ter citado os

jornais mantidos por umbandistas, que se constituem num movimento próprio, respeitável,

organizados em Federações e Confederações – religião que aceita o fenômeno espírita, a

reencarnação, mas não se pode confundir com o Espiritismo difundido por Allan Kardec, de

base científica e filosófica.34

Alguns dos periódicos que menciona teriam sido resgatados por ele do iminente

descarte pelo Centro Espírita Fé, Esperança e Caridade, de Nova Iguaçu. Outras informações

a respeito dos periódicos foram levantadas a partir de artigos do Reformador. Menciona

outras iniciativas de espíritas que fizeram levantamentos a respeito da imprensa espírita em

outros periódicos e cidades, mas não dá a entender que os tenha utilizado para seu trabalho.

Por fim, Clóvis Ramos deseja que seu trabalho “seja útil aos pesquisadores de amanhã!”35

,

assim como um estímulo àqueles que viam na imprensa espírita uma possibilidade de serviços

pela causa da divulgação doutrinária. Seu livro tem valor, na medida em que cataloga

asinformações a respeito da imprensa produzida por espíritas, oferecendo pistas de pessoas,

instituições e periódicos para o pesquisador espírita ou acadêmico.

O livro “Grandes Espíritas do Brasil”, do pesquisador espírita Zeus Wantuil, filho de

um ex-presidente da Federação Espírita Brasileira, faz pequenas biografias de alguns dos

espíritas que são considerados “grandes” por esta federativa. Escrito em 1969, trataria apenas

daqueles que já estivessem “desencarnados”. Teria utilizado “um sem número de biógrafos,

alguns anônimos” 36

, porém Zeus Wantuil solicitou à federativa não mencionar os

colaboradores. Segundo ele, algumas biografias seriam a soma das contribuições de vários

autores. Sugere-se, na introdução, que tenha se utilizado de periódicos para a execução do

trabalho. Apesar de não declinar quais periódicos utilizou-se, é possível identificar nas

biografias de Luiz Olímpio Guillon Ribeiro (ex-presidente da Federação Espírita Brasileira) e

Frederico Fígner, que usou as publicações do Reformador na ocasião da morte de ambos,

respectivamente em 1943 e 1947. Na introdução é dito, ainda, que outros espíritas poderiam

33

Como é o caso quando aborda o jornal Mundo Espírita. Segundo ele, a Gráfica Mundo Espírita S. A. teria sido

fundada em 1947, passando, já nesse ano, por sérias dificuldades financeiras. A gráfica é fundada no final de

1942 e, como teremos oportunidade de analisar no capítulo 3, tem problemas financeiros desde o início de suas

atividades. Idem, p. 112. 34

Idem, p. 9. 35

Idem, p. 10. 36

A EDITORA. In: WANTUIL, Zeus. Grandes Espíritas do Brasil. Rio de Janeiro: FEB, 2002, p. 9.

Page 26: IMPRENSA ESPÍRITA NA CIDADE DO RIO DE … · 1. Imprensa. 2. Espiritismo; ... 1.5 – O D.I.P e o ... para a monografia de conclusão de curso1,quando tive acesso ao acervo de recortes

26

figurar na obra, mas que não era possível aumentar o número de páginas. Por isso, projetavam

outra coletânea que, até agora, não foi publicada. Numa biografia de “grandes homens”, seus

feitos “menores” e suas fraquezas são minimizados.

O livro “Memórias pitorescas de meu pai”, escrito por Carlos de Brito Imbassahy, traz

informações biográficas sobre Carlos Imbassahy, desde momentos de sua juventude, os

primeiros passos na Doutrina Espírita e lances de sua militância doutrinária. No capítulo

“Doutrina, desilusões, ingratidões e alegrias”, o autor dá conta da decepção de seu pai com a

Federação Espírita Brasileira, mas é econômico nos detalhes. Segundo ele, “o resto do que

ocorreu, não escrevo aqui, pois sei que não agradaria à memória de meu pai” 37

. O livro não

aprofunda embates e polêmicas entre espíritas. À semelhança do livro de Zeus Wantuil, a obra

pretende destacar a personalidade do biografado.

Reuni os materiais e questões da pesquisa em três capítulos. No primeiro capítulo,

“Imprensa de Espíritas para todos”, analiso parte da imprensa produzida por espíritas na

cidade do Rio de Janeiro, entre 1880 e 1950. Procuro identificar os indivíduos e grupos que se

organizavam para a produção desses periódicose se eles possuíam vínculos com instituições

espíritas ou se eram iniciativas independentes. Busquei verificar suas visões e expectativas

quanto à utilização da imprensa como instrumento doutrinário, as formas de financiamento

utilizadas para manter os jornais e revistas, procurando desvendar as relações sociais que

permeavam os interesses e proximidades de anunciantes e responsáveis pelas publicações.

Além disso, abordo os debates sobre a participação política de espíritas e, também, algumas

concepções debatidas sobre a Doutrina Espíritacomo, também, as disputas no âmbito das duas

entidades federativas existentes, a Federação Espírita Brasileira e a Liga Espírita do Brasil

pela ocupação de cargos de direção nesta imprensa.Analiso as dificuldades criadas pelo D.I.P.

- Departamento de Imprensa e Propaganda para o funcionamento e atuação dos periódicos

espíritas, bem como a provável censura de conteúdo que podem ter sofrido.

No segundo capítulo, “Espíritas e Espiritismo na imprensa diária carioca”, abordo

as colunas espíritas mantidas nos jornais diários cariocas. Procuro identificar os espíritas

responsáveis por sua criação e manutenção seus vínculos institucionais com Centros Espíritas

e/ou entidades federativas, bem como as atividades profissionais que alguns deles

desempenharam na imprensa diária ou mesmo seus esforços para a fundação de jornais.

37

IMBASSAHY, Carlos de Brito. Memórias pitorescas de meu pai. São Paulo: Casa Editora O Clarim, 1974, p.

171.

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27

Analiso, também, as definições de alguns espíritas sobre o que era “ser jornalista”, bem como

os limites e impedimentos de suas atividades na imprensa diária.

Outro conjunto de questões abordadas neste capítulo são as disputas entre os espíritas

para ocuparem as páginas da grande imprensa e as críticas que elaboraram e difundiram

contra os seus adversários. Acompanho as condições e expectativas dos jornais diários quanto

à participação de espíritas em suas páginas, analiso visões da imprensa diária a favor e contra

a Doutrina Espírita, assim como os esforços no interior dos diários para definir os conteúdos a

serem abordados por espíritas em suas colunas e periódicos.

No terceiro capítulo, “Da imprensa para o livro: novos horizontes para a

divulgação doutrinária”abordo experiências nascidas do periodismo espírita e que

resultaram na promoção do Primeiro Congresso de Jornalistas Espíritas, realizado em 1939,

analisando suas propostas e teses, quais seus objetivos, suas deliberações e eventuais

desdobramentos. Também neste capítulo, acompanho a criação e reformulação de gráficas e

editoras mantidas por grupos espíritas, analisando as justificativas, os esforços de seus

diretores para a captação de recursos financeiros a fim de subsidiar os empreendimentos e as

mudanças em suas direções.

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28

Capítulo 1 – Imprensa de Espíritas para todos

Neste capítulo, pretendo apresentar a criação e os caminhos de alguns

periódicosmantidos por Centros Espíritas que pretendiam projetar sua produção na imprensa

aos demais espíritas, por aqueles que possuíam objetivos menos audaciosos, limitando seu

público alvo aos seus associados e pelas entidades federativas que funcionaram na cidade do

Rio de Janeiro – a FEB e a Liga Espírita do Brasil – que investiram na imprensa a fim de

estenderem o círculo de sua influência sobre os demais espíritas da Capital e do país.

Iniciativas na imprensa doutrinária que se pretendiam independentes de Centros Espíritas ou

federativas, ainda que invocassem o socorro material de terceiros ao seu empreendimento,

também disputaram a preferência dos espíritas.

Entre os grupos editores desses periódicos analisados existiam, sem dúvida, diferentes

expectativas com relação ao que se poderia alcançar através da militância na imprensa. Por

isso, procuro acompanhar algumas estratégias adotadas por grupos de espíritas para criar e

manter seus periódicos em circulação, bem como as mudanças de rumos ao longo dos anos –

alterações de proprietários ou de objetivos –, além daquelas iniciativas que não chegaram a

ser viabilizadas. Alguns destes periódicos ainda sobrevivem e circulam, modificados, no

presente, enquanto outros – a maioria dos que foram analisados – ficaram pelo caminho, não

resistindo por mais de uma década.

Os espíritas investiram na imprensa, seja por meio da organização e manutenção de

jornais e revistas, seja através da participação em colunas sobre Espiritismo em jornais

diários, porque tinham (e tem, presentemente) na leitura e na escrita instrumentos

privilegiados para a divulgação doutrinária. Os Centros Espíritas, de maneira geral, traziam

consignados em seus Estatutos que pautariam suas atividades de estudo e prática da Doutrina

Espírita de acordo “com a orientação contida nas obras codificadas por Allan Kardec”1. Dos

livros pretendiam retirar os seus temas de estudos e o roteiro de suas atividades doutrinárias.

Procuravam, também, formar leitores e para tanto estimulavam o hábito da leitura como

estratégia para formar bons espíritas. Em 1939, os diretores do Grupo de Caridade Deus, Luz

e Amor, então situado em Santa Teresa, mencionam, num relatório apresentado à Assembleia

Geral, que

aBiblioteca possue numerosas obras catalogadas e a remessa de livros tem aumentado

consideravelmente, não só com a(s) ofertas feitas como também pelos adquiridos. Entretanto,

perdôem-nos os senhores associados a franqueza em disêr (sic), que, lamentamos

profundamente a pouca importância que da sua parte é dada a esta seção. As consultas foram

1 CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Estatutos do Grupo Espírita Antonio de

Pádua. Art. 1, letra “a”. Rio de Janeiro, 1942.

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29

em número tão reduzido que não nos atrevemos a cital-o. Estamos vivamente empenhados na

difusão dos conhecimentos da doutrina através do livro, e, assim, muito satisfeitos ficaríamos

se os nossos consócios procurassem, doravante, aumentar as suas luses, dedicando uma parte

do seu tempo á leitura dos autores espíritas, o que muito lucro poderá trasêr (sic).2

Analisando alguns estatutos de Centros Espíritas constatamos que o Grupo de

Caridade Deus, Luz e Amor não estava sozinho no investimento na formação de biblioteca

espírita. O Centro Família Espírita (Fé) e o Novo Centro Espírita Antonio dos Pobres, ambos

localizados no Centro do Rio de Janeiro no início da década de 1940, tinham, entre seus

diretores, a figura do bibliotecário, que deveria“ter a seu cargo todo o serviço de biblioteca e

promover sua expansão por todos os meios ao seu alcance”3. Os estatutos do Centro Espírita

Caminhemos com Humildade, de Nilópolis, distrito de Nova Iguaçu, demonstram que essas

bibliotecas não seriam compostas apenas por livros. Receberiam, também, “revistas e jornais

de instrução popular, relativos á Doutrina Espírita”4. Os espíritas do Grupo de Caridade

Deus, Luz e Amor, demonstrando grandesexpectativas quanto à utilização do acervo de sua

biblioteca, postulavam que através da leitura – de livros, mas que poderia ser de periódicos

espíritas também –,seus frequentadores ganhariam em discernimento, ou “luzes”, o que se

converteria, para eles, em benefícios.

Os espíritas procuraram gozar, como quaisquer cidadãos, do direito à “livre a

manifestação de pensamento pela imprensa” definido pela Constituição de 1891 e se

lançaram, de múltiplas formas, ao exercício do jornalismo5. E parece-me que não foram

poucas as instituições espíritas que puseram mãos à obra, produzindo seus próprios

periódicos. Em 1º de Maio de 1925 a Federação Espírita Brasileira, daqui por diante FEB,

apresentava, no seu órgão oficial, Reformador, o regulamento do Registro Geral das

Sociedades Espíritas. Dentre as informações solicitadas, deveriam declarar

8.º se mantém algum órgão de publicidade;

9.º no caso affirmativo, qual o nome deste, sua tiragem, seu formato, se de jornal ou revista; se

a sua publicação é semanal, quinzenal ou mensal; data em que começou a ser publicado; 6

2 GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR. Relatório da Diretoria apresentado á Assembléia Geral,

reunida em Sessão Solene no dia 1º de Setembro de 1939. Rio de Janeiro, 1º de Setembro de 1939. Grifos meus. 3 CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Estatutos do Novo Centro Espírita Antonio

dos Pobres, art. 11°. Rio de Janeiro, 1937 e CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE

JANEIRO.Estatutos do Centro Família Espírita (Fé), art. 1°. Rio de Janeiro, 1940. 4 CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Estatutos do Centro Espírita Caminhemos

com Humildade, art. 2º, item “c”. Nova Iguaçu, 1941. 5 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de

Fevereiro de 1891. Art. 72, Parágrafo 12. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao91.htm Último acesso em 28 de Novembro de

2013. 6 “Registro Geral das Sociedades Espíritas”. Reformador. Rio de Janeiro, 1º de Maio de 1925, p. 210. Grifos

meus.

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30

Em 1947, 22 anos depois, no Regulamento de adesão das sociedades espíritas à FEB7,

podemos ler o mesmo texto. A Liga Espírita do Brasil, em Outubro de 1940, pelo seu órgão

oficial, a Revista Espírita do Brasil, lança um questionário aos Centros Espíritas,

juridicamente constituídos ou não, para consultar se possuem periódicos, exatamente nos

mesmos moldes da FEB. Se duas entidades de caráter federativo, nos seus esforços de

aproximação com os Centros Espíritas, a fim de conhecê-los melhor, perguntam sobre a

possibilidade de publicarem algum periódico, é porque a iniciativa não era incomum. Além

disso, a manutenção desse item nos regulamentos constitue evidência de que mesmo aqueles

que tinham maior projeção social no meio espírita, como os diretores das federativas que

circulavam e mantinham contatos com vários espíritas na Capital e no país, não tinham

conhecimento da totalidade dos periódicos espíritas então existentes. A renovação do

questionamento quanto à manutenção de periódicos por Centros Espíritas, formulado pela

FEB num período de mais de 20 anos, também demonstra que o interesse pela e a de

participação na imprensa eram difundidos no seio dos espíritas. Os dirigentes desta federativa

contavam que, dentre aquelas instituições que a ela se vinculassem, algumas mantivessem

periódicos. E não nos restrinjamos, apenas, àqueles Centros ligados às federativas, uma vez

que o questionamento da Liga Espírita do Brasil é mais amplo, tentando abarcar,

possivelmente, as demais instituições espíritas não vinculadas a ela, contando, mesmo, com o

alcance de seu periódico para alcança-las. Aliás, é bom frisar que na cidade do Rio de Janeiro,

a Liga Espírita do Brasil contava com maior representatividade junto aos Centros, e que o

número de instituições espíritas não vinculadas às duas federativas era muito maior do que a

soma daquelas ligadas a elas. 8 E para além dos Centros Espíritas, havia ainda as iniciativas

que se pretendiam independentes, porque não mantinham vínculos ou relação de dependência

direta de nenhuma instituição espírita. As evidências documentais reunidas na pesquisa

confirmam o valor atribuído à imprensa por grupos espíritas, formalmente constituídos ou

não.

7 FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Organização Federativa do Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 1947,

pg. 10. 8 OLIVEIRA, Marco Aurélio Gomes. “Livres”, porém perseguidos: O cotidiano das relações entre espíritas e a

Polícia na cidade do Rio de Janeiro (1930-1950). 2010, 126f, Monografia,Rio de Janeiro, UFF, 2010, p. 23.

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31

Periódicos Espíritas na cidade do Rio de Janeiro

Fonte: Periódicos espíritas consultado.

Periódico Instituição Responsável Local Formato Nº. de páginas Tiragem Periodicidade Duração Preço

O Sidereo Centro Espírita José de Abreu Pres.: Manoel Pereira da Silva; Secr.:

Ignacio Miranda Filho.

Engenho

de Dentro Revista 8 400/1919 Mensal

12/1919 –

12/1922

Distribuição gratuita entre

sócios.

A Verdade Centro Espírita Bezerra de Menezes Dir.: João J. Baptista; Secr.: Leão Horta;

Redator: Emydio Graça. Estácio Revista 12 Mais de 5.000

Quinzenal. Mensal

a partir de Abril de

1923

1918 –

8/1924

Assinatura anual: 10$000;

Avulso: $500.

Novo Horizonte Cabana de Lysis Dir.: Barros Fournier; Ger.: Julio Gaertner;

Redator: F. L. de Azevedo Silva. Centro Revista 26 Não consta Mensal

1932 –

12/1991

Assinatura anual: 10$000;

Avulso: 1$000.

Humildade Grupo Espírita Humildade e Fé Não consta. Centro Jornal 4 Não consta Mensal 12/1906 –

6/1907

Assinatura anual: 2$000.

Mantido por sócios do

Centro Espírita, que

contribuíam com 1$000.

Tribuna

Espírita Não tinha vínculos com Centros Espíritas

Gustavo Macedo/Grupo de Espíritas

Militantes; Ger. José Ferreira. Inácio

Bittencourt.

Centro Jornal 4 Não consta Quinzenal 7/1907 –

7/1909 (?)

Gratuito até 09/1907;

Avulso: $100. Assinatura

anual: 2$000; Os

assinantes de Humildade

recebiam.

A

Fraternisação Congresso Espírita Caridade e Instrucção Ernesto Mattoso

Todos os

Santos Jornal 4 Não consta Mensal

5/1902 –

8/1902 (?) Gratuito.

Aurora

Círculo Espírita Cáritas; Centro Espírita

de Valença; União Espírita Suburbana;

Associação Espírita Beneficente e

Instructiva de Cachoeiro do Itapemerim;

Federação Espírita do Estado do Rio. Até

09/1920.

Inácio Bittencourt Botafogo Jornal 4 4.000/1919;

40.000/1928. Quinzenal

1912 –

1949 (?)

Assinatura anual:

5$000/1919; 10$000/1933

Reformador Federação Espírita Brasileira (de 1884 em

diante).

Augusto Elias da Silva (1883). Direção e

redação sob responsabilidade do

Presidente da FEB, que nomeava redator-

secretário e redator-chefe.

Centro

Jornal (até

1902).

Depois,

Revista.

4 (até 1902). Depois, vai

aumentando. 38 em 1929 (o

máximo que encontrei). No

final da década de 1940,

24.

Até 1902: 400;

De 6/1949 a

7/1950: 20.000

Quinzenal (até

1938). Depois,

mensal.

1883 até

os dias

atuais

Assinatura anual: 10$000;

Número avulso: 1$000.

(Em Março de 1939)

Revista Espírita

do Brasil Liga Espírita do Brasil

Ger.: João Torres;

Redator: Jonathas Botelho;

Secr.: João Carlos Moreira Guimarães

Centro Revista 28 (Em 1929). 16 (Em

1952). Não consta Mensal

1929 –

12/1952

Assinatura anual: 10$000

Assinatura por seis meses:

5$000

Avulso: 1$000

(Em Março de 1929)

Mundo Espírita 4º Momento: Federação Espírita do

Paraná.

1º Momento: Henrique Andrade, João

Torres, João de Souza e Benedicto de

Souza; 2º Momento: Henrique Andrade e

Secretário: Deolindo Amorim; 3º

Momento: Lins de Vasconcellos;

Centro Jornal 4 4.000/1942

12.000/1949

Semanal. Com Lins

de Vasconcellos,

quinzenal.

4/1932 até

o presente

Assinatura anual: Cr$:

20,00; Avulso: Cr$: 0,50 /

1945

União Espírita Não tinha vínculos com Centros Espíritas. Domingos Machado e diversos redatores Centro Jornal 4 Não consta Semanal 8/1905 –

8/1906 (?)

Assinatura anual: 9$000;

Assinatura 6 meses:

5$000; Avulso: $100

Brasil Espírita Não tinha vínculos com Centros Espíritas. Jarbas Ramos (Diretor proprietário) São

Cristóvão Revista 30

Declara ter grande

tiragem, mas não

menciona qual

Mensal 1925 –

11/1930

Assinatura anual: 6$000;

Assinatura semestre:

4$000;

Avulso: $500

A Fraternidade Não tinha vínculos com Centros Espíritas. Dir.: Emílio de Souza Lima; Secr. Arthur

Marques da Silva Madureira Revista 8 Não consta Mensal

6/1916 –

7/1916 (?)

Assinatura anual: 5$000;

Avulso: $200

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32

1.1 – Centros Espíritas produzindo periódicos:propaganda e combate

Os Centros Espíritas da cidade colocaram mãos à obra e lançaram-se à imprensa, com

empreendimentos que variaram de tamanho, objetivos e pretensões. No primeiro número da

revista O Sidereo, de Dezembro de 1919, consta que com o surgimento dela “Está assim

cumprido o dispositivo do estatuto que determina a criação de um jornal.”1 Ainda segundo

eles, “Este facto, bastante simples na vida commum das associações, tem para nós uma

significação especial.2 A decisão de fazer circular um periódico entre os associados foi

pensada coletivamente pelos mesmos e aprovada pela maioria, na reunião onde foi votado o

estatuto. Chama ainda atenção para a avaliação de que seria comum, na vida das instituições,

a existência de um periódico e de mantê-lo com recursos de seus associados. É possível supor

que os estatutos de Centros Espíritas pudessem ser copiados de outras instituições, com

acréscimos e pequenas adaptações, de acordo com as realidades institucionais específicas.

Assim, não seria difícil imaginar que outros Centros manifestassem, neste documento, o

desejo de criarem seus periódicos.

Ainda que presumissem que outros Centros pudessem ter seus órgãos oficiais, o

Centro Espírita José de Abreu, localizado no Engenho de Dentro,“põe as columnas desta

revista á disposição das associações espíritas que não possuírem órgão, para a publicação

das communicações que receberem e entenderem ser divulgadas” 3. Interessa-se pelas

mensagens mediúnicas obtidas em outros Centros e faculta espaço para a divulgação destas,

mas o mesmo não acontece com o noticiário das instituições, quem sabe por receios de

perderem frequentadores para elas.

Apresentando-se ao público de sua instituição, dizia que

Não é o Sidereo um jornal de combate onde se venham anninhar discussões e luctas mas

consentâneas com outras espheras de ação. É, antes, uma revista simples e modesta para

divulgar entre os sócios do centro tudo quanto ahi se tem feito e se (ilegível) fazer. Dar

publicidade a todos os actos da vida do Centro e identificar os seus associados com o já longo

trabalho empreendido e realisado, e por assim dizer o programa desta revista. Indicar as fontes

onde transparece a belleza da doutrina; despertar entre os associados o gosto pela leitura, com

a reproducção de trechos escolhidos de várias obras; offerecer um campo onde possam

modestamente ensaiar os que se preparam no estudo da doutrina, - eis um dos lados de sua

tarefa.Mas, o que sobreleva da missão dessa revista, e que é sem dúvida a única causa de sua

existência, é trazer aos nossos olhos ávidos de luz, a sublimidade que transparece e se irradia

das muitas comunicações com que nos têm bondosamente cumulado os Irmãos do Além4.

1 “O Sidereo”. O Sidereo. Rio de Janeiro, Dezembro de 1919, p.1. O Sidereo, revista do Centro Espírita José de

Abreu, tinha sua redação na sede do Centro, na Rua Dr. Bulhões nº. 140, no Engenho de Dentro. Era impresso na

Oficina Gráfica d‟ O Social, na Rua do Lavradio nº. 60, Centro. Tinha, como responsáveis, o Presidente Manoel

Pereira da Silva e o Secretário Ignacio Miranda Filho. A revista foi publicada de Dezembro de 1919 a Dezembro

de 1922. 2 Idem.

3 “Aos Grupos e Associações Espíritas”. O Sidereo. Rio de Janeiro, Dezembro de 1919, p. 2.

4 “O Sidereo”. O Sidereo, op. cit., p. 1. Grifos meus.

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33

Além de divulgar as realizações e a vida institucional do Centro Espírita, buscavam

também estimular a leitura de obras espíritas, oferecendo trechos de algumas, como a preparar

seus leitores a voos mais altos nos estudos da Doutrina. Afirmavam fugir às polêmicas

doutrinárias com espíritas ou não, porque o “combate” deveria ser reservado a outros espaços,

quem sabe, periódicos com maior circulação que o deles. Por último, os espíritas de O Sidereo

buscavam, através da imprensa, dar publicidade às comunicações mediúnicas que recebiam no

Centro. Mandar publicar um livro de coletâneas de mensagens espirituais certamente seria

mais oneroso para o Centro, além do que essa escolha implicaria em realizar uma seleção

delas, a fim de que a obra não se tornasse por demais extensa. Divulgando-as mensalmente

teriam condições de colocar maior número de mensagens em circulação, além de garantir-lhes

a preservação.

Tel-as comnosco, em nossa casa; lêl-as nos momentos de folga; estudal-as nas horas de

meditação; ter registrada a causa dos acontecimentos que nos rodeiam, e a sua marcha; ter sob

nossos olhos um remédio e um conselho em cada um dos momentos difficeis de nossa vida –

era a nossa maior aspiração5.

A revista permitiria aos leitores, em diferentes momentos de sua existência, reler as

mensagens mediúnicas, consultá-las nos momentos de descanso entre as atividades cotidianas

ou mesmo naqueles destinados à meditação. A publicação seria preservada no âmbito dos

lares de seus associados e, também, na Biblioteca Nacional, para onde os integrantes do

Centro Espírita José de Abreu tiveram o cuidado de remeter exemplares.

Em 1922, a revista A Verdade, do Centro Espírita Bezerra de Menezes, no Estácio,

declarava contar com 5.000 assinantes6. Não localizei nenhuma instituição que contasse com

número tão alto de associados ou frequentadores no período. É possível que espíritas,

frequentadores de outros Centros, também assinassem o periódico. Este Centro Espírita

contava, entre suas atividades, com o receituário mediúnico, prática muito disseminada

naquele momento 7. É possível que a instituição estimulasse as pessoas que buscavam seu

5 “O Sidereo”. O Sidereo, op. cit., p. 1. Grifos meus.

6 “Mais uma Etapa vencida pela “A Verdade”. Salve 7 de Setembro de 1922”. A Verdade. Rio de Janeiro, 7 de

Setembro de 1922, p. 1. A Verdade, revista do Centro Espírita Bezerra de Menezes, tinha sua redação na Rua

Colina nº. 35, no Estácio, na própria sede do Centro Espírita. Era impressa na Tipografia Lincoln, na Rua

General Câmara 292, Centro. Tinha, como diretor, João J. Baptista, Secretário Leão Horta e o Redator era

Emydio Graça, fundador e presidente do Centro. A revista foi publicada de 1918 até Agosto de 1924. No Diário

Oficial da União de 14 de Abril de 1912 encontrei uma referência a um capitão chamado Leão Horta Fernandes

quando referia-se ao 1º Batalhão de Artilharia de Posição. Como não se trata de um nome comum, penso que

pode ser o Secretário da revista. “Actos do Poder Executivo. Ministério da Justiça e Negócios Interiores”. Diário

Oficial da União, 14 de Abril de 1912, p. 4780. 7 GIUMBELLI, Emerson. O Cuidado dos mortos, op. cit.,p. 295 e 296. Entre 1908 e 1923 o número de consultas

ao receituário mediúnico é superior a 200 mil. Segundo o autor, o período de menor movimento na federativa foi

o ano de 1902, com aproximadamente 20.500 receitas escritas. É possível que a alta procura pelo serviço

ocorresse também no Centro Espírita Bezerra de Menezes, não sendo, necessariamente espíritas os que lançavam

mão do recurso.

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serviço de receituário mediúnico a assinar a revista, o quepode explicar o volume de

assinaturas. Deveria ser comercializada nos dias de reuniões quando as pessoas procuravam

este serviço e,talvez isso explique a opção de transformar, neste mesmo ano,“o órgão que até

então era de caráter Noticioso Critico Literário, em Revista Espírita” 8. Pelo visto, o órgão

até então não possuía caráter espírita porque justificam a mudança alegando a

necessidade de ser ampliada com maior intensidade, as causas, e ensinamentos que se

prendem ao bem estar de nossos irmãos, e em virtude da crise porque passa o povo desprovido

da verdadeira Fé e dos ensinamentos de Jesus, havendo, mesmo, correntes que se chocam nos

sentimentos, embora altruístas, na defesa da Sciencia Espírita (...). 9

Para eles, a propaganda espírita que vinha sendo feita, até então, não estaria sendo

suficiente para dar conta das necessidades do povo carente de ensinamentos cristãos, sendo

necessário ampliá-la. Reconhecem, por outro lado, que naquele momento já existiriam

correntes de opiniões conflitantes dentro do Espiritismo, apesar dos alegados sentimentos

nobres que lhes mobilizariam na defesa doutrinária. A pluralidade de iniciativas na

propaganda espírita pela imprensa e o número de periódicos espíritas criados no Rio de

Janeiro constituem evidências dessas divergências. Pude perceber que os espíritas

responsáveis por A Verdade se referiam ao Espiritismo preferencialmente como Ciência, sem

que isso os levasse a combater a ideia de religião. Era comum na revista uma coluna intitulada

“Ensinamentos e Instrucções Philosophicas sobre a Sciencia Espírita pelo Espírito de Bezerra

de Menezes” 10

onde, através de mensagens atribuídas a este espírito, eram tratados diferentes

temas que não tinham relação direta com a ciência, como a questão do suicídio. Em 30 de

Abril de 1923 transcrevem um artigo do filósofo espírita francês Léon Denis onde ele afirma

que “por essa conciliação do sentimento e da razão o Espiritismo se torna a religião

scientifica do futuro” 11

. Na mesma edição, em um artigo chamado “Dez razões que

demonstram a completa verdade do Espiritismo”, é possível ler que o Espiritismo seria

religião e o verdadeiro cristianismo, além de apoiar-se na ciência. “Possuindo o Espiritismo a

verdade religiosa e a verdade scientifica, possue “ipso facto” a verdade moral”12

. Acredito

que a busca por apresentar o Espiritismo como uma ciência tenha a ver com o incômodo

quanto à utilização que alguns espíritas pudessem fazer dos rituais ou práticas ligados ao

8 GRAÇA, Emydio. “A Verdade”. A Verdade. Rio de Janeiro, 31 de Julho de 1922, p. 1.

9 Idem. Grifos meus.

10 “Ensinamentos e Instrucções Philosophicas sobre a Sciencia Espírita pelo Espírito de Bezerra de Menezes”. A

Verdade. Rio de Janeiro, 7 de Setembro de 1922, p. 11. 11

DENIS, Léon. “O Psychismo, religião scientifica”. A Verdade. Rio de Janeiro, 30 de Abril de 1923, p. 13. Não

mencionam onde o artigo foi publicado originalmente, apenas que foi traduzido por Leopoldo Cirne, ex-

presidente da FEB. Sobre Léon Denis, ver: O CONSOLADOR. Leon Denis. Disponível em:

http://www.oconsolador.com.br/linkfixo/biografias/leondenis.html Último acesso em 3 de Fevereiro de 2014. 12

“Dez razões que demonstram a completa verdade do Espiritismo”. A Verdade. Rio de Janeiro, 30 de Abril de

1923, p. 12.

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Catolicismo. São frequentes as criticas a casamentos e batizados feitos por espíritas, bem

como a utilização de nomes de santos católicos para os Centros Espíritas:

Uma das razões poderosas que militam contra a actuação efficiente das aggremiações espíritas

é o regimen de mysticismo religioso nellas estabelecido, contra o claro e insophismavel

principio da doutrina. E mais grave ainda se torna esse regimen, com a adopção de

preconceitos e crendices da religião (r)omana de cujas taras, os indivíduos não se libertaram

imprimindo as indelevelmente nas associações que fundam: “de um espiritismo católico

romano”! 13

Através de A Verdade, também, abriam espaço para “assumptos outros que possam

concorrer ou auxiliar a orientação dos nossos leitores e que publicados nas nossas columnas

não tenham o propósito de contrariar a quem quer que seja (...)”14

. Estendia, um pouco mais,

o leque de possibilidades de sua publicação, permitindo-se agregar outras contribuições

externas ao Espiritismo, no entanto, sem a intenção explícita de polemizar, ainda que pelas

suas páginas tratassem de assuntos políticos na coluna “Palestras Militares” assinada por

“Cobre-mira” 15

. Nela é possível ler sobre a “continência” (o “cumprimento” dos militares), a

disciplina e a questão do poder naval na América do Sul.

Os objetivos da revista Novo Horizonte, editada no Centro da cidade, foram

apresentados pelo seu redator e eram parecidos com os de O Sidereo.

A publicação que hoje encetamos é uma collectanea de opportunos e interessatissemos estudos

philosophicos e scientificos, proferidos em palestras literárias por espíritos desencarnados,

alguns dos quaes ainda hontem habitantes deste mundo sublunar em que vivemos, e outros ha

seculos e millenios dele emancipados, mas nem por isso extranhos á nossa vida hodierna (...).

Trata-se aqui apenas de diffundir em beneficio social a preleção inapreciavel dos nossos

irmãos do espaço, entidades solicitas ao appelo de Lysus de Crótona, o anjo tutelar, protector e

guia de nosso grupo espírita (...). 16

Dessa forma, pretendiam divulgar as mensagens mediúnicas recebidas em sua

instituição, uma vez que reconheciam nelas valor que poderiam trazer benefícios sociais à

coletividade humana. Não por acaso, também tiveram a preocupação de remeter exemplares à

Biblioteca Nacional. No entanto, diferente de O Sidereo, que evitava o combate, fazem

questão de deixar claro que não ignorariam os ataques que eventualmente sofressem. “Mas,

13

FACHUNCE. “Propaganda criteriosa”. A Verdade. Rio de Janeiro, 15 de Fevereiro de 1923, p. 5. 14

“O nosso anniversario”. A Verdade. Rio de Janeiro, 7 de Setembro de 1922, p. 17. 15

Não obtive informações a respeito do autor, mas pode tratar-se de um pseudônimo utilizado pelo Secretário da

revista, Leão Horta, que seria capitão, o que explica a temática militar. 16

SILVA, F. L. de Azevedo. “Nosso desígnio”. Novo Horizonte. Rio de Janeiro, Janeiro de 1932, p. 1. Grifos

meus. Novo Horizonte era uma revista da Cabana de Lysis, que funcionava no bairro do Rocha, na casa do

Coronel Barros Fournier, que também era o Diretor do periódico. A revista tinha sua redação e administração na

Rua do Ouvidor nº. 160, 4º andar, no Centro. Tinha, como gerente, o Tenente-coronel Julio Gaertner e Redator

F. L. de Azevedo Silva. Foi publicada inicialmente em 1932. Parece que a Biblioteca Nacional tem a coleção

deste periódico incompleta. De 1933 a 1937, não consta no acervo. Na coleção de 1938, encontramos a revista

no ano nº. VII. A coleção de 1940 também não está no acervo. Em 1941, a revista aparece no ano nº. X. Depois

disso, estão disponíveis as de 1953 a 1959. Então, salta para 1967, estando disponível deste ano até 1991.

Verifiquei as três primeiras coleções disponíveis (1932, 1938 e 1941). De acordo com o Catálogo da Biblioteca

Nacional, até 1941 a publicação é mensal. Em 1953, quando passa a ser editada pelo Centro Espírita Canage, é

trimestral. A partir de 1967, anual até 1991.

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porque não attentamos contra o credo alheio, não deixaremos sem reparo o gesto daquelle

que nos atire a primeira pedra, certos estamos de que o exercício da caridade é um direito,

não sendo a ninguém permittido turbal-o” 17

. Afiançam que não tomariam a iniciativa da

crítica aos outros credos, mas não silenciariam ante aos ataques que os adversários lançassem

à Doutrina Espírita.

Um pequeno cartão verde, no meio do exemplar de Novo Horizonte de Fevereiro de

1932 preservado na Biblioteca Nacional dizia que a revista era vendida nos pontos de jornais,

o que logo teria mudado, uma vez que em Julho do mesmo ano, uma nota avisava que seria

vendida apenas na livraria da FEB18

. Os responsáveis pela revista lançaram mão de uma

tática, comum na imprensa comercial, para captar assinaturas que não localizei em outros

periódicos espíritas.

As pessoas a quem tivemos o prazer de enviar esta revista, no caso de acceitarem a assignatura

da mesma, rogamos o obsequio de nos rametterem a sua importância por vale postal ou de

qualquer modo, o que desde já agradecemos desvanecidamente. Aos que não a quiserem

assignar, rogamos ao menos a gentileza de um simples cartão postal nos avisando disso, caso

não prefiram devolver-nos a própria revista. 19

Enviavam as edições contando que os potenciais leitores, se gostassem do conteúdo,

tivessem a possibilidade de assiná-la. Já é possível perceber que o meio preferencial de

comercialização dela era este. Mas e quem não estivesse interessado pela assinatura? Como

frear as atividades cotidianas para desembaraçar-se do recebimento da revista, sem a ter

solicitado? O cartão postal poderia sinalizar o desinteresse, mas e a revista? O que fazer com

ela? Devolver não poderia passar por deselegância entre os espíritas? Parece que o recurso

utilizado por Barros Fournier acabava criando embaraços na devolução da revista, forçando

sua assinatura. É provável que enviassem para instituições espíritas onde os dirigentes, se

interessados, poderiam, até, divulga-la aos seus associados e frequentadores, potencializando

as adesões.

Em Maio de 1907, os espíritas responsáveis pela publicação do jornal Humildade,

órgão de propaganda do Espiritismo instalado no Centro da cidade, solicitam ajuda “dos

nossos irmãos em crença, que quando possam e segundo as suas forças, nos auxiliem quer

com assignaturas, quer com qualquer quantia, para a sua manutenção” 20

, uma vez que o

Grupo Humildade e Fé, que o mantinha, teve seus trabalhos suspensos, o que afastou do

17

Idem, p. 2. 18

“Expediente – Assignaturas”. Novo Horizonte. Rio de Janeiro, Julho de 1932, p. 12. 19

“Expediente – Assignaturas”. Novo Horizonte. Rio de Janeiro, Fevereiro de 1932, p. 9. Grifos meus. 20

“Um apello”. Humildade. Rio de Janeiro, Maio de 1907, capa. O primeiro número disponível na Biblioteca

Nacional é Dezembro de 1906. Humildade era o jornal do Grupo Humildade e Fé. Não constam os nomes dos

responsáveis pela sua publicação. Sua redação funcionava na Rua Uruguaiana nº. 136, loja, Centro. O jornal

circulou de Dezembro de 1906 a Junho de 1907.

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jornal as receitas obtidas através das mensalidades dos sócios. O jornal se abre às doações e o

apelo surte efeito. No mês seguinte, noticiam acriação de uma Caixa Mantenedora e o

aumento do número de assinantes. Além disso, “a par dos que o tomaram por assinatura,

veio um nosso confrade e também companheiro de trabalho, concorrer com a quantia de

cinco mil réis mensais”21

. Em Julho do mesmo ano, já aparece como Tribuna Espírita, jornal

de combate e propaganda, tendo como gerente José Ferreira. Entusiasmaram-se com o

atendimento ao apelo que fizeram no mês anterior, uma vez que modificam a periodicidade do

jornal – passou a ser quinzenal e com pretensões ampliadas.

Temos a intenção de distribuil-o em larga escala e gratuitamente, entre os confrades, e, aos

que não o sendo, tem comntudo, para com a nossa doutrina sentimentos de pronunciada

sympathia. A sua publicação é devida a contribuição voluntária, de um grupo de espíritas

militantes, que mensalmente se cotizam para garantir as despesas com as duas edições

mensaes. Marcamos o preço de dois mil reis para as assignaturas, mas esta quantia por exígua,

longe esta de ser importancia razoavel para a manutenção de uma folha quinzenal. 22

Os recursos que obtiveram, oriundos da cotização do grupo de espíritas militantes que

lhes auxiliaram nas atividades de imprensa, fizeram com que tivessem a confiança em ampliar

a periodicidade do jornal. Certamente aumentaram sua tiragem para atenderem ao desejo de

distribuição gratuita do periódico em larga escala, tentando alcançar espíritas e

simpatizantes.No primeiro aniversário do jornal ressaltam que ele contava“com vida própria

e independente de qualquer Centro que mantivesse a sua publicação” 23

, e também informam

que os assinantes de Humildade receberiam Tribuna Espírita. Na mesma edição, pode-se ler o

seguinte aviso de seu gerente:

Por permissão do prezado confrade Leopoldo Cirne digno presidente da Federação Espírita

Brasileira, faremos bimensalmente naquella benemérita sociedade, distribuição do nosso jornal,

nas primeiras sextas-feiras depois dos dias 1 e 15 de cada mez. A distribuição será feita após a

sessão pública. 24

Mantiveram o preço anterior de assinaturas, fazendo notar que ele seria insuficiente

para a manutenção de um jornal quinzenal. No entanto, a despeito da pretensão de ser

distribuído gratuitamente, não dispensaram os valores que poderiam receber com a assinatura,

por modestos que fossem. E conseguem autorização para distribui-lo até na FEB no final de

suas reuniões públicas, duas vezes ao mês, o que amplificaria a visibilidade e alcance do

periódico. Entretanto, a pretensão não resistiu às dificuldades e a partir de 15 de Outubro de

21

“Caixa mantenedora”. Humildade. Rio de Janeiro, Junho de 1907, capa. 22

“O nosso papel”. Tribuna Espírita. Rio de Janeiro, 15 de Julho de 1907, capa. Grifos meus. O jornal Tribuna

Espírita não estava vinculado a nenhum Centro Espírita. Funcionou na Rua Uruguaiana nº. 136, loja, no mesmo

endereço onde funcionou Humildade. Era dirigido por Gustavo Macedo e financiado por um grupo de espíritas

militantes. Tinha como gerente José Ferreira. Começou a circular em Julho de 1907. Na Biblioteca Nacional

estão disponíveis exemplares até Julho de 1909. 23

“Nosso anniversário”. Tribuna Espírita. Rio de Janeiro, 1º de Julho de 1908, capa. 24

“O nosso papel”. Tribuna Espírita, op. cit..

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1907, passam a vendê-lo por 100 reis. O idealismo dos espíritas conseguiu suportar o custo da

distribuição gratuita de Tribuna Espírita por apenas três meses.

No primeiro número com o novo nome, em 15 de Julho de 1907, Tribuna Espírita

apresenta-se ao público dizendo que “não é exclusivista: é um jornal de combate e

propaganda, visando principalmente o ataque a superstição, ao fanatismo religioso, ao

dogma e ao clientelismo dissolvente”25

. A referência ao dogma sugere-nos que poderia estar

referindo-se aos católicos porque hegemônicos na sociedade daquele momento. Suas práticas

religiosas eram consideradas, pelos espíritas, como supersticiosas. Zeus Wantuil, escritor e

pesquisador espírita, diz que este jornal foi dirigido Inácio Bittencourt durante “algum

tempo” 26

, tendo, igualmente, presidido o Centro Espírita que se responsabilizou pelo início

da publicação enquanto chamava-se Humildade. Ele também já deveria ter boas relações com

os espíritas da FEB, uma vez que entre 1915 e 1916 fora seu vice-presidente desta instituição

e pode ter sido um dos responsáveis pela distribuição do jornal na porta da federativa. No

entanto, em 1º de Março de 1908, declaram, nas páginas de Tribuna Espírita, que o jornal era

dirigido por Gustavo Macedo27

, que teria “temperamento nimiamente combativo” 28

e, por

causa disso, orientava o jornal de acordo com suas ideias. Posteriormente assumido por seu

gerente José Ferreira, teve sua orientação modificada, “não mais atacando directamente

individualidades nem religiões, crente que, a que fôr verdadeira se imporá por si mesma”29

.

A partir de 1º de Fevereiro de 1908, Tribuna Espírita passou a intitular-se “jornal de estudo e

propaganda”, não mais “jornal de combate e propaganda”. Dessa forma, Inácio Bittencourt

pode ter dirigido o jornal depois da passagem de José Ferreira, uma vez que também

colaborou com artigos e recursos financeiros para a Caixa Mantenedora. Aqueles que

combatem despertam inimizades e são, por sua vez, combatidos pelos que não se identificam

com seus pontos de vista, ainda que participantes das mesmas entidades. A crítica que

pudessem direcionar ao Catolicismo no período em que o jornal era de combate pode ter

provocado desconforto em alguns espíritas que não concordassem com a prática, como

também àqueles que, se dizendo espíritas ou apenas simpatizantes da Doutrina, ainda

olhassem com veneração e simpatia pelas práticas da religião romana e que se

25

“O nosso papel”. Tribuna Espírita, op. cit.. 26

Wantuil, Zeus. Grandes Espíritas do Brasil, op. cit., p. 385. 27

No Blog “Aron, um espírita” consta que Gustavo Macedo publicou uma série de artigos em Reformador, da

FEB, que foi iniciada em 15 de Abril de 1905 com o título “Profissão de Fé”. No primeiro artigo, sugere que foi

católico, vestindo o hábito franciscano, antes de tornar-se espírita. Não consta a data final da publicação.

MACEDO, Gustavo. “01/41 „Profissão de Fé‟ por Gustavo Macedo”. Disponível em:http://aron-um-

espirita.blogspot.com.br/2010/12/profissao-de-fe.htmlÚltimo acesso em 26 de Fevereiro de 2014. 28

“Nova Orientação”.Tribuna Espírita. Rio de Janeiro, 1º de Março de 1908, capa. 29

Idem.

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escandalizassem com as críticas feitas a ela. Deixando de posicionar-se de forma combativa,

poderiam atrair esse segmento de simpatizantes, ainda que tivessem que deixar de lado a

crítica a essa credo, ao compará-lo com o Espiritismo.

Em 5 de Junho de 1902, o jornal A Fraternisação, localizado em Todos os Santos,

apresenta-se como resultado e expressão de “um grupo de espíritas cultivadores da doutrina

espírita no que ella tem de mais bello e grandioso pelo lado puramente religioso (...)” 30

. No

início de suas atividades lançaram sua estratégia editorial. “Se ella for bem acolhida, a

gratidão nos aconselhará a dar maior desenvolvimento a este periódico, tanto na tiragem

quanto na composição: ella começa por apparecer mensalmente no dia cinco de cada mez

com a humildade própria de quem só aspira o bem pelo bem (...)”31

. Fazem um experimento,

para sentirem a acolhida do público que pretendiam alcançar. Contavam com adesões, na

forma de ajuda financeira para o empreendimento, caso obtivessem o sucesso que esperavam.

Mas a possibilidade do fracasso estava em pauta também. “(...) se pelo contrário as azas da fé

que nos faz erguer vôo tão arrojado, nos patentear a fraqueza de que ainda nos achamos

possuídos e tombarmos de tão assombrosa altura, nem por isso se julgará enfraquecida a

nossa fé (...)” 32

. Curiosamente, os espíritas ligados a este projeto, de antemão, assumem que

se o empreendimento fracassasse seria culpa deles, como que isentando o potencial público e

a Doutrina Espírita por eventual desinteresse que o periódico viesse a ter.

O jornal tinha duplo objetivo:

Emprehendendo o congraçamento da família espírita, infelizmente tão dividida, não nos

inspirou esse tentamen o desejo de tutelar quem quer que seja. (...) crentes das verdades

sublimes que ella contem trazidas diariamente pelos mensageiros de Deus, reconhecendo a

necessidade de methodisar as normas dos diferentes grupos que d‟ella parecem tratar no

exercício dessa doutrina, sem unidade de harmonia de concepções e prática de seus deveres

(...) 33

.

Os espíritas organizados em torno desse jornal atribuem a desunião dos espíritas à

pluralidade de metodologias aplicadas às suas reuniões. E, implícita a essa necessidade de

30

“Mais uma vez”. A Fraternisação. Rio de Janeiro, 5 de Maio de 1902, capa. A Fraternisação é um jornal.

Apresentado como órgão do Congresso Espírita Caridade e Instrução, não é possível esclarecer se esta entidade

era um Centro Espírita ou um encontro de espíritas reunidos em um Congresso. Segundo Clóvis Ramos,

pesquisador e escritor espírita, o jornal teria sido fundado por Ernesto Mattoso, que seria responsável, também,

pela criação do Grupo Agostinho e da Associação Cáritas. Os espíritas que aderem a esta iniciativa de imprensa

poderiam ser destes Centros. As correspondências para o jornal deveriam ser remetidas para ele, à Rua Amélia

nº. 40, em Todos os Santos, endereço que poderia ser da redação do jornal, de sua residência ou de alguma

instituição espírita. O jornal era impresso na Tipografia Besnard Frères, na Rua do Hospício nº. 138. O impresso

de A Fraternisação estava em precário estado de conservação eparecia misturado com outras partes do próprio

jornal. O único microfilmado é de Maio de 1902. No catálogo da Biblioteca Nacional consta até Agosto de 1902.

RAMOS, Clóvis. A imprensa espírita no Brasil, op. cit., p. 75. 31

“Mais uma vez”. A Fraternisação, op. cit.. 32

Idem. 33

Idem. Grifos meus.

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40

organização, reconheciam que ela poderia “enxugar” práticas que não tivessem relação com a

concepção de Espiritismo que agasalhavam, uma vez que se refere a Centros que, segundo

eles, parecem tratar da doutrina. O fato de ser gratuito, certamente, tem relação com seu

objetivo, já que poderia facilitar o acesso às instituições e aos espíritas, a fim de que estes,

padronizando seus trabalhos, se reconhecessem pelas semelhanças e, por consequência,

houvesse maior unidade doutrinária entre todos.

Dentre os órgãos vinculados à Centros Espíritas, as pretensões de O Sidereo são mais

modestas que as de A Verdade, Humildade, A Fraternisação e Novo Horizonte, uma vez que

propunha-se a circular, apenas, entre os sócios do Centro Espírita José de Abreu, que o

mantinha, além de ser o único que não tinha assinantes. A Verdade, do Centro Espírita

Bezerra de Menezes, seria, a princípio, aquele com maior tiragem, uma vez que declaravam

possuir 5.000 assinantes. Nos outros três, não foi possível encontrar informações que dessem

conta da tiragem ou do número de assinantes.

Dos cinco periódicos mantidos por Centros Espíritas, dois modificam a orientação que

imprimiam às suas atividades. A Verdade declara que deixou de ser um órgão noticioso e

crítico literário para tornar-se revista espírita. Que tipo de noticiário deveria trazer antes? O

institucional ou do movimento espírita da época? Ou se preocuparia com o noticiário geral

que pudesse ter alguma relação com a Doutrina Espírita? A crítica literária poderia não

restringir-se, especificamente, às obras espíritas, tratando, mesmo, das que, sem serem

espíritas, pudessem contribuir com informações e esclarecimentos para estes34

. Humildade

começa com objetivos menos audaciosos. Inicialmente apenas como “órgão de propaganda”

vinculado a um Centro Espírita e com tiragem mensal. Após o êxito dos apelos dirigidos aos

leitores em busca de doadores para financiarem suas atividades, transforma-se em Tribuna

Espírita e passa a circular duas vezes ao mês, com tiragem ampliada, além de atuar como

“órgão de combate e propaganda”, de Julho de 1907 a Fevereiro de 1908, tornando-se, depois,

“jornal de estudo e propaganda”.

No acervo de periódicos da Biblioteca Nacional, foi possível encontrar Aurora, um

jornal espírita que se apresentava como órgão oficial de cinco instituições espíritas. Teria sido

fundado em Valença. Como se trata do órgão oficial de um Centro Espírita da região, isso é

34

Esse momento anterior de A Verdade não pode ser acessado na Biblioteca Nacional uma vez que os números

disponíveis no acervo vão de Julho de 1922 até Agosto de 1924, sendo que a publicação teria começado em

1918.

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41

bem provável35

. Na edição de 1º de Maio de 1920 lemos que “com o presente número, inicia

o nosso modesto orgam de propaganda, o seu oitavo anno de existência no convívio da

imprensa Espírita (...)” 36

. Aurora autodefine a atuação de espíritas na produção de jornais e

revistas como “imprensa espírita”. Ao referir-se ao jornal que dirigia, no aniversário de 1932,

Inácio Bittencourt diz que

estapartícula mínima da propaganda Espírita, dirigida embora por um ignorante, um iletrado,

desconhecedor das sutilezas da Imprensa, e dos conhecimentos que a moderna

intelectualidade exige para todos quantos ao seu meio ingressam, não foram obstáculos

insuperáveis para a nossa ação nesse meio, nem pedras de escândalo para a Doutrina que ela

representa. Como explicarão os profanos este mistério? 37

Apesar das limitações que reconhece ter pela falta de instrução, bem como pelo

desconhecimento das peculiaridades da imprensa, tanto de sua organização material quanto de

sua produção intelectual, o barbeiro Inácio Bittencourt atira-se à tarefa. Não deve ter sido

diferente com alguns daqueles que se envolveram na produção de periódicos para seus

Centros Espíritas. No entanto, apesar dos eventuais problemas que essas limitações coloquem,

rememora as chamas do Pentecostes38

que alcançaram os apóstolos de Jesus para dizer que o

Cristo procurava os servos mais humildes para sua tarefa. Teria sido uma

(...) pequenina sentelha desse divino fogo que iluminou nosso batél, permitindo o Senhor haver

atingido á etapa da sua maioridade que hoje se inicia. Sirva o fato de lição aos orgulhosos e de

estimulo aos humildes. Foi no terreno dessa humildade que AURORA implantou o seu modo

de proceder, agindo sempre nesse terreno, e não se arrependeu até hoje. 39

35

WEGUELIN, João Marcos. Inácio Bittencourt, o apóstolo da caridade. Disponível em:

http://bvespirita.com/In%C3%A1cio%20Bittencourt%20-

%20O%20Ap%C3%B3stolo%20da%20Caridade%20(CELD).pdf Último acesso em 29 de Novembro de 2013. 36

“Anniversário”. Aurora. Rio de Janeiro, 1º de Maio de 1920, capa. Aurora era um jornal que representava, até

Setembro de 1920, cinco instituições espíritas: o Círculo Espírita Cáritas, o Centro Espírita de Valença, a União

Espírita Suburbana, a Associação Espírita Beneficente e Instructiva de Cachoeiro do Itapemirim e a Federação

Espírita do Estado do Rio. Sob a responsabilidade de Inácio Bittencourt, sua redação funcionava na Rua

Voluntários da Pátria nº. 18, em Botafogo. O jornal começou a circular em 1912. Em Maio de 1949, encontro a

última referência a respeito dele numa carta do médium mineiro Francisco Cândido Xavier à Antonio Wantuil de

Freitas, então presidente da FEB, que comento no capítulo 3. Clóvis Ramos diz que depois da morte de Inácio

Bittencourt, que ocorrera em Fevereiro de 1943, o jornal Aurora foi dirigido pelo advogado Henrique Andrade,

fundador do jornal Mundo Espírita. Em 20 de Janeiro de 1948, num relatório dele aos acionistas da Gráfica

Mundo Espírita S. A.publicado no Diário Oficial, lemos que nela imprimiam-se a própria Revista Espírita do

Brasil, além de Mundo Espírita e Aurora. Sobre a direção de Henrique Andrade ver: RAMOS, Clóvis. A

Imprensa Espírita no Brasil, op. cit., P. 25. Falaremos do jornal Mundo Espírita mais adiante e da Gráfica

Mundo Espírita S. A. no capítulo 3. Sobre a impressão de Aurora na Gráfica Mundo Espírita S. A. ver: “Gráfica

Mundo Espírita S. A.. Relatório”. Diário Oficial da União, 23 de Janeiro de 1948, Seção 1, p. 1069.

Na Biblioteca Nacional, a coleção de Aurora vai de Janeiro de 1919 até Dezembro de 1932. 37

BITTENCOURT, Inácio. “Mais um ano!” Aurora. Rio de Janeiro, 1º de Maio de 1932, capa. Grifos meus. 38

“Quando chegou o dia de Pentecostes, todos eles estavam reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu

um barulho como o sopro de um forte vendaval, e se encheu a casa onde eles se encontravam. Apareceram

então umas como línguas de fogo, que se espalharam e foram pousar sobre cada um deles. Todos ficaram

repletos do Espírito Santo, e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia que

falassem”. Atos dos Apóstolos, 2, 1-4. BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada. Tradução de Ivo Storniolo e

Euclides Martins Balancin. São Paulo: Edições Paulinas, 1990, p. 1391. 39

BITTENCOURT, Inácio. “Mais um ano!” Aurora, op. cit..

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42

Secundado pelos bons espíritos, que o teriaminspirado, Inácio Bittencourt afirma que

fez seu jornal completar mais um ano de vida. Sinaliza uma crítica aos que

consideravaorgulhosos, provavelmente àqueles que se acreditassem mais preparadosdo que

ele para a tarefa da imprensa espírita. Em 1919, Aurora funcionava na Rua Voluntário da

Pátria nº. 18, em Botafogo. Uma reportagem do Correio da Manhã, feita dois anos depois,

aponta que no endereço eram realizadas outras atividades. A entrevista tratou da multa que

Inácio Bittencourt recebeu do Departamento Nacional de Saúde Pública pelo exercício da

“mediunidade receitista”40

. Segundo o repórter

Durante muito tempo conversou conosco, sentado em frente a sua secretaria, no gabinete de

trabalho da casa que habita, à rua Voluntários da Pátria, n. 18. É naquelle edifício que

funciona o Círculo Espírita “Cárita”, associação de caridade, como indica o seu nome,

fundado pelo nosso entrevistado. 41

Assim, no mesmo endereço, funcionavam o Centro Espírita que fundara e

possivelmente presidia, a redação do jornal e a sua residência. Vimos que A Verdade e O

Sidereo também funcionavam em suas sedes e que a Cabana de Lysis funcionava na

residência de Barros Fournier. Não era incomum que residências servissem ao funcionamento

de Centros Espíritas, já que os núcleos familiares foram importantes para a propagação do

Espiritismo no país42

. Seria razoável supor, então, que outros periódicos espíritas pudessem

ter sua redação na residência de seus redatores, muitas vezes fundadores de Centros Espíritas.

É provável que Inácio Bittencout fizesse seu jornal sozinho.Aurora, que representou

instituições de lugares diferentes e distantes mesmo, a partir de 3 de Outubro de

1920,apresenta-se apenas como “Orgam doutrinário de propaganda espírita”43

. Na edição de

1º de Maio de 1919, consta que, “nascido em uma pequena cidade do interior, a lei da

necessidade obrigou a sua transferência para o seio desta grande capital (...)”44

, o que pode

ter acontecido em função da dificuldade na captação de recursos para manter o periódico no

interior do Estado do Rio de Janeiro.

Pude notar que Aurora aumentou, significativamente, sua tiragem. Alcindo Terra,

falando sobre a União Espírita Suburbana em Fevereiro de 1928, ao referir-se às atividades de

40

“Médiuns receitistas: têm a especialidade de servirem mais facilmente de interpretes aos Espíritos para as

prescrições médicas. Importa não os confundir com os médiuns curadores, visto que absolutamente não fazem

mais do que transmitir o pensamento do Espírito, sem exercerem por si mesmos influência alguma. Muito

comuns”. KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 1996, p. 239. 41

“A sciência official e o espiritismo. “A primeira, que póde até matar, veda ao segundo curar”. Uma entrevista

com o “médium” perseguido, Inácio Bittencourt”. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 3 de Março de 1921, p. 3.

Grifos meus. 42

DAMÁZIO, Sylvia. Da Elite ao povo, op. cit., p. 152. 43

Aurora. Rio de Janeiro, 3 de Outubro de 1920, capa. 44

“Anniversario”. Aurora. Rio de Janeiro, 1º de Maio de 1919, capa.

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43

Inácio Bittencourt nas páginas de Aurora, diz que este periódico era “o quinzenário espírita

de maior tiragem em toda essa vastidão sul-americana”45

.

Tiragem de Aurora: 1919 a 1928 Período Tiragem

Janeiro de 1919 4.000

Outubro de 1919 5.000

Fevereiro de 1920 10.000

Janeiro de 1921 20.000

Janeiro de 1928 40.000

Fonte: Aurora (1919 – 1928).

Num período de menos de dois anos – de Outubro de 1919 a Janeiro de 1921 – Aurora

quadruplica sua tiragem. Sete anos depois dobra o número de exemplares impressos. Em

cinco anos, de 1928 a 1933, o jornal estabilizara sua tiragem.No início de 1928, era impresso

na tipografia do jornal A Noite e em Setembro do mesmo ano passa a ser feito nas Oficinas de

Obras de O Globo. Pode ser que oficinas menores não suportassem a demanda de Aurora.

Infelizmente, não foi possível acompanhar o crescimento de sua tiragem e do número de

páginas após 1933 porque a coleção de exemplares disponíveis na Biblioteca Nacional não

cobre esse período.

Aurora, de Inácio Bittencourt, pretendia alcançar um público que não seria habituado a

grandes voos filosóficos. Entendia que

ao modesto e inculto operário não se lhe póde offertar problemas de alta philosophia que elle

não comprehende, mas se lhe deve facultar moral, clara e simples que elle possa assimilar: eis

o desejo que nos anima, o nosso fim a colimar. Tel-o-emos conseguido? Que responda por nos

os nossos leitores, que respondam por nós quantos, de toda a parte nos solicitam assignaturas,

que responda por nós a tiragem sempre em aumento. 46

Assim, na opinião do responsável pelo jornal espírita que teria alcançado maior

tiragem, deveriam existir periódicos espíritas que aprofundassem mais as questões filosóficas

e que, ao fazê-lo, não contemplariam as pessoas mais simples, que não tiveram acesso à

educação de qualidade o que, certamente, seria o caso da maior parte da população e também

dos leitores que Aurora pretendia atingir. Para estes, seria necessário recorrer à linguagem

45

TERRA, Alcindo. “Uma página de saudade”. Aurora. Rio de Janeiro, 1º de Fevereiro de 1928, p. 2. Não

localizei informações sobre o autor.Em 1919, de acordo com Zeus Wantuil, Inácio Bittencourt teria presidido a

União Espírita Suburbana. Este Centro, que ao que parece localizava-se no Méier, possuíra um órgão mensal

chamado A Revelação. Encontrei-o no catálogo de periódicos raros da Biblioteca Nacional em cinco fascículos,

de 15 de Agosto até 15 de Dezembro de 1917. Ainda segundo este catálogo, teria como Diretor Manoel

Fernandes Figueira, que fora um dos fundadores da FEB, como Secretário Antonio Lima, que teria sido um dos

tradutores dos livros de Kardec publicados também pela FEB e José de Almeida Fortuna como Gerente. A

Redação funcionara na Rua Dias da Cruz nº. 177, no Méier. Infelizmente o periódico não estava disponível para

consultas. WANTUIL, Zeus. Grandes Espíritas do Brasil, op. cit., p. 385. Sobre Manoel Fernandes Figueira,

ver: FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Esboço Histórico da Federação Espírita Brazileira. Rio de

Janeiro: FEB, 1912, p. 8. Sobre Antonio Lima, ver: FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Antonio Lima.

Disponível em: http://www.febeditora.com.br/blog/sobre-autores/antonio-lima Último acesso em 4 de Setembro

de 2013. 46

“Anniversario”. Aurora. Rio de Janeiro, 1º de Maio de 1920, capa.

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44

simples e ideias morais fundamentalmente claras. Atribui também a isso a razão do sucesso

do jornal, uma vez que dirigir-se aos mais simples estaria atraindo mais leitores. Para Aurora,

“a grande ciência do Espiritismo não se encontra na demonstração dos fatos, mas no

conhecimento e prática das verdades” 47

, sinalizando que relatos de fatos espíritas não seria o

bastante, sendo necessário um conhecimento que fosse operacional para a prática cotidiana, o

que poderia ser alcançado pela “moral clara e simples” que as gentes pudessem compreender.

Essa preocupação em falar para os leitores menos instruídos, disseminando aí o Espiritismo,

não era nova e se fez manifesta no jornal Tribuna Espírita uma década antes. “Elle destina-se

a vulgarização da nossa doutrina pelas classes populares, tendo em vista sempre o ensino

moral e religioso de accôrdo com os ensinos dados pelo nosso amado mestre Allan

Kardec”48

. Em cinco anos – entre esta publicação de Tribuna Espírita e o início de Aurora –,

o Espiritismo, na concepção do responsável por Aurora, não penetrara, como desejava, o seio

das classes populares, fazendo-se necessária nova carga de esforços. Ao colocar-se com esta

tarefa, busca um público que, no seu ponto de vista, não teria sido acolhido pelas outras

publicações do gênero.

Aurora, também, buscava colocar-se com autonomia no cenário espírita, isso apesar de

seu responsável ter sido diretor da FEB. “Com o caráter de independência que nos

caracterisa não aspirámos o agradar a estes ou aquelles, mas a dizer o que sentimos, a

dirigirmo-nos como a nossa capacidade e comprehensão imagina que está certo” 49

. Não é

casual que Inácio Bittencourt tenha centrado esforços em seu periódico, ao invés do

Reformador, órgão oficial da entidade federativa da qual foi diretor. Ao sentir a necessidade

de expressar-se, doutrinariamente, de acordo com o seu entendimento do Espiritismo, o que

incluía dirigir-se aos mais simples, não se sentiu representado pela revista mensal da FEB,

criando, assim, seu próprio canal de comunicação através do qual pudessem convergir outros

espíritas que lhe compartilhassem a opinião. Não se assume como a voz autorizada da

doutrina e não define sua produção como “a opinião da Doutrina Espírita”, mas sim como a

que sua capacidade e entendimento do assunto podem oferecer. Devia sofrer críticas “desses

ou daqueles”, aos quais não pretendia agradar. De que natureza seriam essas críticas? Pode ter

sido acusado de simplório, por exemplo, por espíritas “mais cultos”, já que Zeus Wantuil,

47

“Mais um ano!” Aurora, op. cit.. 48

“O nosso papel”. Tribuna Espírita, op. cit.. 49

“Anniversario”. Aurora. Rio de Janeiro, 1º de Maio de 1919, capa.

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45

biógrafo de espíritas da FEB, avaliou em 1969, cinquenta anos depois, que ele escrevia com

simplicidade50

.

Dos periódicos espíritas analisados, Aurora é o que conseguiu imprimir e distribuir

maior tiragem. Acredito que o vocabulário mais simples dos artigos, expressando o desejo de

atingir um público alvo menos instruído, além de centrar-se em questões morais, possa ter

contribuído para o sucesso do jornal.O crescimento do jornal certamente está relacionado

também ao fato de ter se tornado conhecido em diferentes regiões da cidade do Rio de Janeiro

(Centro Espírita Cáritas, de Botafogo e União Espírita Suburbana, do Méier), no interior do

Estado (Centro Espírita de Valença e a Federação Espírita do Estado do Rio de Janeiro, de

Niterói) e no Estado do Espírito Santo (Associação Espírita Beneficente e Instructiva de

Cachoeiro do Itapemirim)51

.

1.2 – Em busca da “coesão espírita” por meio da imprensa

As entidades espíritas de natureza federativa também possuíam seus periódicos. Em

Janeiro de 1883, o fotógrafo Augusto Elias da Silva idealiza e funda Reformador com

recursos pessoais e “situando a redação e oficinas em seu atelier fotográfico à então rua da

Carioca nº. 120 (ex-São Francisco de Assis), segundo andar (...) onde também residia com

sua família”52

. Em 1906 o jornal União Espírita, referindo-se ao fundador do periódico, diz

que ele “creou o Renovador, que foi, após alguns números, substituído pelo Reformador

(...)”53

. Depois que a edição vinha da tipografia, “era dobrada e subscritada pelo nosso

rememorado irmão e pessoas de sua família” 54

. Ou seja, Reformador era produzido na casa

do seu fundador, que contava com seus familiares para ajudá-lo na tarefa55

.

Os responsáveis pela publicação do jornal União Espíritatalvez estivessem enganados

quanto ao fato de Augusto Elias da Silva ter criado O Renovador. Entretanto, algumas pistas

parecem indicar que ele mantinha alguma relação com o jornal. Por exemplo, em uma

50

WANTUIL, Zeus. Grandes Espíritas do Brasil, op. cit., p. 385. A primeira edição desta obra é de 1969. 51

INSTITUTO ESPÍRITA BEZERRA DE MENEZES. Histórico. Disponível em:

http://iebm.org.br/?pg=historico Último acesso em 31 de Maio de 2014. 52

WANTUIL, Zeus. Grandes Espíritas do Brasil, op. cit., p. 174. Reformador, revista da FEB, é de

responsabilidade de seu presidente, que nomeia o redator. Criado em 1883, circula até hoje. 53

“Gratidão”. União Espírita. Rio de Janeiro, 3 de Fevereiro de 1906, capa. 54

Idem. 55

Foi aúnica referência que encontrei quanto a um possível outro nome, anterior a Reformador, do periódico que

posteriormente seria órgão da FEB. Apenas o primeiro exemplar do jornal O Renovador, de 28 de Agosto de

1882, está disponível na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Um de seus responsáveis seria Sá Lúz, de

quem não obtive informações. O jornal possuía quatro páginas e era impresso na Typ. Cosmopolita de A. G. do

Valle, situada na Rua Senhor dos Passos nº. 40, no Centro. Não deixam clara a periodicidade da publicação. “O

Renovador, em quatro palavras, quer – o Bem da Pátria, a felicidade das Nações, a tranquilidade dos Povos e o

amor reinando na Terra”. “O Renovador”. O Renovador. Rio de Janeiro, 28 de Agosto de 1882, capa.

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46

declaração publicada no Reformador de 1º de Março de 1883, Sá Lúz, assinando pela

Redação do jornal O Renovador, comunica aos seus assinantes

que tendo apparecido na arena jornalística o Reformador e devendo convergir todas as forças

para este jornal fica suspensa a publicação daquelle órgão, e rogamos aos que pagaram

adiantadamente um semestre o favor de nos comunicar se querem ser reembolsados ou que lhes

seja enviado em substituição este novo propagandista. 56

Os assinantes deveriam remeter a resposta para a redação do Reformador. Dessa

forma, os responsáveis pela publicação de O Renovador cerram fileiras em torno do jornal

recém-criado por Augusto Elias da Silva, com o qual se identificaram a ponto de suspender as

atividades do periódico que mantinham, muito provavelmente por enxergarem nele maiores

possibilidades de sobrevivência em razão da maior disponibilidade de recursos – Reformador

contava com anunciantes em sua última página, o que não havia em O Renovador –, bem

como por identidade de visão doutrinária.

Reformador, enquanto esteve sob a responsabilidade de Augusto Elias da Silva,

reservou um espaço chamado “Secção Eclectica” em suas páginas para artigos de

“corporações scientificas, philosophicas e litterarias, ás quaes se remetterá gratuitamente

este jornal se communicarem que desejam possuil-o e colecíonal-o” 57

. Os autores que

enviassem textos à redação do periódico poderiam ser dispensados do valor cobrado para

publicação, caso fossem reconhecidos, pelo Reformador, como de interesse geral. Circulando

por estes ambientes, o periódico poderia despertar o interesse de novos leitores, o que teria

chances de converter em novas assinaturas.Somem-se a isso as potenciais receitas que obteria

pela cobrança de publicação de artigos cujo preço era calculado em torno de $100 por linha.

Além disso, Augusto Elias da Silva reservava a seção “Spiritismo” para “as Sociedades e

Grupos Spiritas que funccionam no Brasil, nas mesmas condicções da offerta feita ás outras

corporações”58

. Desta forma, os espíritas do país que soubessem de sua existência e tivessem

acesso ao periódico teriam espaço em suas páginas, remunerado ou não, para publicar seus

artigos. Entretanto, ambas as seções não foram muito utilizadas pelos adeptos do Espiritismo

ou pelas corporações59

.

De acordo com Zeus Wantuil, em 23 de Dezembro de 1883, Augusto Elias da Silva,

reunido em sua casa com seus colaboradores mais diretos, manifestaram o desejo de fundar

56

“Declarações. Renovador”. Reformador. Rio de Janeiro, 1º de Março de 1883, p. 4. Grifos meus. 57

A REDACÇÃO. “Secção Eclectica”. Reformador. Rio de Janeiro, 21 de Janeiro de 1883, p. 3. 58

A REDACÇÃO. “Spiritismo”. Reformador. Rio de Janeiro, 1º de Fevereiro de 1883, p. 2. 59

As “Secção Eclectica” e “Spiritismo” contaram com poucos artigos. A primeira publicou a respeito da

transformação da ortografia, sobre debates doutrinários realizados com católicos e reflexões filosóficas. Por fim,

pela segunda quinzena de Maio de 1883, passou a publicar trechos do livro “O que é o Espiritismo”, de Allan

Kardec, o que já vinha sendo feito em outro espaço do periódico. A segunda seção aparece apenas duas vezes em

1883.

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47

uma instituição espírita. O Reformador de 1º de Janeiro de 1884 teria anunciado que se

achava em vias de organização a Federação Espírita Brasileira. No dia seguinte, teriam eleito

a primeira diretoria da nova instituição, onde ele figura como tesoureiro. Uma semana depois,

“consignando-se em ata, por proposta de F. A. Xavier, um voto de agradecimento ao

proprietário do “Reformador”, pela cessão desse periódico à Federação Espírita Brasileira

(...)”60

. Os leitores de Reformadortomariam ciência do feito em 15 de Janeiro de 1884:

“Apresentando-se hoje uma Sociedade bem constituída, à frente do movimento propagador das

sublimes doutrinas do Cristianismo verdadeiro, entendemos do nosso dever entregar a direção

da redação do “Reformador” a esses vigorosos trabalhadores que, dispondo de vastos

recursos intelectuais e materiais, são um penhor de prosperidade para o modesto órgão que tão

imperfeitamente temos dirigido.” 61

.

O periódico que começara com recursos próprios de seu fundador, com o apoio de sua

família em sua elaboração, é cedido à nascente FEB, que contava com maior número de

pessoas e, por consequência, maior quantidade de recurso materiais para tocarem o

empreendimento.“Durante vinte anos, até dezembro de 1902, foi impresso na feição de

jornal” 62

. A partir de 1903, passa ao formato de revista e torna-se mensal no ano de 1938.

Sua tiragem inicial era de 400 exemplares, sendo que destes, 100 eram remetidos a Lisboa,

Portugal63

. A mesma tiragem de O Sidereo, do Centro Espírita José de Abreu.

O Reformador, de acordo com a FEB, seria omais antigo periódico espírita da

imprensa brasileira em circulação presentemente, e isso de forma ininterrupta64

. Em todo o

mundo, tratar-se-ia do quinto mais antigo. No entanto, segundo o pesquisador Mauro

Quintella, Reformador deixou de circular no último trimestre de 1893, em função de

dificuldades internas (desuniões entre os espíritas, ao que parece) e externas (perseguições

sofridas já em função da criminalização do Espiritismo pelo Código Penal de 1890)65

. No

livro publicado por sua diretoria em 1912, consta que o ambiente político durante o governo

de Marechal Floriano seria agitado e carregado de ameaças,o que teria “contaminado” a

própria FEB. O número de frequentadores reduziu-se, o que atribuem à diminuição pelo gosto

dos estudos da Doutrina Espírita. Os estados de ânimo teriam se agitado ainda mais com a

revolta na Marinha e os próprios espíritas estariam divididos pelas opiniões políticas em

60

WANTUIL, Zeus. Grandes Espíritas do Brasil, op. cit., p. 180. 61

SILVA, Augusto Elias. Reformador. Rio de Janeiro, 15 de Janeiro de 1884. Citado por Wantuil, Zeus.

Grandes Espíritas do Brasil, op. cit., p. 180. Grifos meus. 62

“Carimbo do Centenário”. Reformador. Rio de Janeiro, Janeiro de 1983, p. 29. 63

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Esboço Histórico da Federação Espírita Brazileira, op. cit., p. 9 e

10. 64

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Revista Reformador. Disponível em:

http://www.febnet.org.br/blog/geral/conheca-a-feb/revista-reformador/ Último acesso em 29 de Agosto de 2013. 65

QUINTELLA, Mauro. “As primeiras casas federativas”. In: História do Espiritismo no Brasil. Disponível em:

http://pt.scribd.com/doc/180103376/Mauro-Quintella-Historia-do-Espiritismo-no-Brasil Último acesso em 30 de

Novembro de 2013.

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48

disputa naquele momento. “Foi então completa a deserção, de nada valendo a assiduidade de

um ou dois directores que, unicamente por dever, conservavam abertas a séde e alli

compareciam, mas nem sequer logravam a publicação do órgão, suspenso enquanto a

borrasca não passou” 66

. A longevidade do periódico, sobrevivendo às dificuldades de

manutenção e aos desafios à própria sobrevivência institucional da federativa, sugere aos

atuais espíritas da FEB, num reordenamento da memória institucional, que a publicação

sempre foi robusta e que ela não viveu momentos difíceis, o que não corresponde à pesquisa

realizada.

Tiragem e distribuição do Reformador entre 1902 e 1950

Mês/Ano Tiragem Assinantes

Gratuitos p/

Instituições

espíritas

Bibliotecas,

livrarias e

redações

Sócios Coleções

Até 1902 400 - - - - -

7/1933 a

6/1934 - 1.643

5.000 no

período (sem

especificar

para quem)

- - -

7/1934 a

6/1935 5.000 1.182 949 255 1.020 -

7/1935 a

6/1936 6.000 2.515 1.229 304 1.421 531

7/1938 a

6/1939 10.000 2.597 2.510 2.238 1.800 610

6/1945 a

7/1946 10.000 - - - - -

6/1949 a

7/1950 20.000 - - - - -

Fontes: “Esboço Histórico da Federação Espírita Brasileira” (1912), Relatório do gerente do

Reformador (1934) e Relatórios da presidência da FEB (1936, 1939, 1946 e 1950).

Reformador se aproxima, aqui, daqueles periódicos de distribuição gratuita, quais

sejam,O Sidereo, A Fraternisação e Humildade/Tribuna Espírita, sendo que tem mais

semelhanças com este último que, mesmo gratuito, contaria com assinantes para subsidiar

parcialmente sua elaboração. Assim, a maior parte das revistas da FEB era distribuída

gratuitamente. Não se tratava de um erro de estratégia, pelo contrário, parecia ser um dos

objetivos mesmo. Em Agosto de 1948, podemos ler no Relatório de atividades da FEB:

Se cada sócio se comprometesse a arranjar um ou mais assinantes para o nosso órgão, em

pouco teríamos os recursos que nos possibilitariam a remessa gratuita da revista a maior

número de pessoas, preferentemente àquelas que ainda se encontram distanciadas dos

princípios básicos da Doutrina. 67

66

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Esboço Histórico da Federação Espírita Brazileira, op. cit., p. 13 e

14. 67

FREITAS, AntonioWantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente à Assembléia Deliberativa, na sua

reunião ordinária de 1948, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do seu patrimônio moral e matéria, durante

o ano social de 1 de Julho de 1947 a 30 de Junho de 1948”. Reformador. Rio de Janeiro, Agosto de 1948, p. 194.

Grifos meus.

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49

Os responsáveis pelo Reformador desejavam fazer com que os pagamentos obtidos

através dos assinantes bancassem a distribuição gratuita. A distribuição a bibliotecas,

livrarias, redações objetivava alcançar aqueles que não eram espíritas com um duplo fim:

divulgavam a Doutrina e o trabalho da FEB, com isso, captando associados. E o

direcionamento às redações visavaa reprodução de algum artigo da revista num periódico de

maior circulação, potencializando sua visibilidade junto ao público leitor. Nota-se que no final

da década de 1930 o investimento que a FEB fez para alcançar estes espaços públicos de

leitura (bibliotecas e periódicos) se dá num momento onde os espíritas estão sendo assediados

pela Polícia. Para Guillon Ribeiro, presidente da federativa, a ordem da Comissão Executora

do Estado de Guerra para o fechamento da FEB e dos demais Centros Espíritas da capital em

Outubro de 1937 indicava que “o verdadeiro alvo era o Espiritismo” 68

. O mesmo período

apresenta, também, expressivo aumento na distribuição do periódico para instituições

espíritas. Quanto a isso, visava atrair Centros Espíritas para sua esfera de influência e oferecer

seus préstimos quando estes fossem colocados em dificuldades. Não por acaso, em Outubro

de 1938 a FEB noticia, pelo Reformador, a reorganização de sua Assistência Judiciária,

destinada àqueles que, “carentes de meios materiais, solicitam da Federação que lhes

sustente os direitos ou defenda a liberdade” 69

.

Reformador contava com agentes para sua distribuição em diversas regiões do país.

Em 1923, os Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Bahia possuíam

representantes de Reformador em mais de dez cidades. Maranhão, Pernambuco, Espírito

Santo, Mato Grosso tinham cinco ou mais. Amazonas, Pará, Piauí, Ceará, Rio Grande do

Norte, Paraíba, Sergipe, Paraná e Goiás contavam um ou dois70

. Nestas regiões, com exceção

de Goiás, Piauí e Amazonas, havia instituições filiadas a FEB em Janeiro de 192971

.

Provavelmente, os representantes da revista seriam espíritas radicados nestas regiões.

68

RIBEIRO, Luiz Olímpio Guillon. “Relatório apresentado, pelo seu presidente, à Assembléia Deliberativa, na

sua reunião ordinária de 1938, sobre os trabalhos da instituição e as contas da sua administração, durante o ano

social de 1º de Julho de 1937 a 30 de Junho do ano seguinte”. Reformador. Rio de Janeiro, Setembro de 1938, p.

298. A FEB foi fechada na noite de 27 de Outubro de 1937, sendo reaberta menos de 72 horas depois. Três dias

depois, vários jornais da capital noticiaram a suspensão das atividades dos Centros Espíritas, com exceção da

FEB e outras três ligadas a ela. “Em defesa da ordem”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 30 de Outubro de

1937, p. 4. 69

“Assistência Judiciária da Federação”. Reformador. Rio de Janeiro, Outubro de 1938, p. 345. 70

“„Reformador‟:relação das localidades em que temos Agentes”. Reformador. Rio de Janeiro, 1923. Não foi

possível precisar a página e o mês da publicação porque o volume de 1923, disponível na Biblioteca Nacional,

traz os anúncios na parte final e sem numeração de página. 71

“Relação das Sociedades directamente adhesas á Federação Espírita Brasileira até esta data”. Reformador. Rio

de Janeiro, 1º de Janeiro de 1929, p. 35.

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O número de assinantes era sujeito a grandes flutuações. No período de um ano –

1933/1934 para 1934/1935 – há uma queda brusca, enquanto que no período seguinte –

1935/1936 – a quantidade de assinantes aumenta mais que o dobro do período anterior. No

entanto, não era um número elevado, considerando-se a projeção social que a FEB já

dispunha, no momento, bem como pela quantidade de representantes em outras regiões do

país. Era um número modesto mesmo a nível regional (Distrito Federal). Reformador ficaria

atrás de A Verdade, revista de um Centro Espírita que contaria com 5.000 assinantes, bem

como de Aurora que como não era vendida avulso, deveria contar com aproximadamente

40.000 assinantes, número que apresentava como de sua tiragem.

Quanto à direção e redação de Reformador, o Estatuto de 1917, no seu artigo 55,

define como competência do presidente:

§ 1º. O Presidente escolherá um redactor-secretário e poderá nomear um redactor-chefe,

quando não possa se dedicar ao mister da redacção e auxiliares de redacção que julgar precisos.

§ 2º. O redactor-secretário terá a seu cargo, além das secções que o agradem, o exame dos

escriptos a publicar e a sua distribuição, ouvindo previamente o Director, quando necessário, e

velando para que seja mantida no orgam official a orientação doutrinaria da sociedade. 72

O redator-secretário zelaria, então, pela orientação doutrinária da FEB nas páginas de

Reformador. Em 1925, a gerência do periódico já consta como cargona diretoria da FEB,

cujas atividades não eram remuneradas. Ao gerente caberia cuidar das finanças da revista, de

sua venda e expedição aos assinantes dentro do prazo, além da prestação de contas anual,

apontando sugestões que considerasse necessárias para o bom funcionamento da publicação.

Deveria, também, apresentar anualmente a demonstração de receitas e despesas da revista,

“acompanhada dos esclarecimentos que julgue convenientes e daindicação das providências

que entenda necessárias”73. O agora diretor-gerente poderia nomear, “com approvação da

Directoria, que também lhe marcará os respectivos vencimentos, um ou mais empregados

remunerados, que ficarão immediatamente subordinados ao mesmo diretor” 74

. As atividades

dos funcionários remunerados estariam a cargo do gerente da revista, que os utilizaria para

auxiliarem-no em suas responsabilidades. Anteriormente, suas responsabilidades estavam

confiadas ao Administrador da Livraria e oficinas75

. Assim, o gerente de Reformador ficaria

com as questões de trato material, burocráticas, enquanto que o presidente da FEB se

72

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Estatutos da Federação Espírita Brasileira. Rio de Janeiro, 1917,

art. 55, parágrafos. 1 e 2, p. 24 e 25. 73

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Estatutos da Federação Espírita Brasileira. Rio de Janeiro, 1925,

art. 47, parágrafos. 1 a 4, p. 22. 74

Idem, art. 57, p. 23. 75

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Estatutos da Federação Espírita Brasileira. Rio de Janeiro, 1917,

art. 48, parágrafo. 4, p. 23.

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responsabilizaria pelos conteúdos da publicação. Até 1999, a direção de Reformador ainda faz

parte das atribuições do presidente76

.

Em 1º de Setembro de 1929, encontramos um apelo da gerência da revista aos leitores,

a fim de que estes ajudem no aumento da circulação dela, “angariando-lhe, quando nada, um

assignante novo, e tereis juntado a essa obra grandiosa o vosso esforço efficiente e

proporcionando ao vosso próprio Espírito as maiores e melhores alegrias íntimas, as que nos

traz a prática do bem, pela disseminação da verdade (...)” 77

. O gerente da revista, J. Vaz de

Carvalho, em Relatório de 1931, reconhece suas limitações para a condução do

empreendimento. Segundo ele,

Para elevar a circulação do nosso jornal ao nível desejado por todos nós (...) deveria ter à sua

frente, desempenhando o mistér a mim confiado, um irmão conhecedor de todo o seu manejo,

perfeito no “metier” e com illustração bastante. A visita por esse irmão, aos Centros, onde se

prega o Evangelho, organisando palestras e conferências, seria muito mais útil e de grande

proveito á divulgação do “Reformador”, despertando o interesse, até agora, um tanto

adormecido, e a necessidade imprescindível de augmentar a sua tiragem, para melhor

cumprirmos o nosso dever de propagandistas e divulgadores dos ensinamentos da Nova

Revelação. 78

Na opinião do então gerente, seria importante para a divulgação da revista que

travassem contato, mais direto, com as instituições espíritas através de visitas a elas, o que

demonstra que a revista não era conhecida por todos os espíritas. A visita funcionaria como

uma espécie de “apresentação” do periódico, ocasião que poderia ser revestida de alguma

solenidade, pela organização do evento que propôs, onde possivelmente o visitante seria o

palestrante/conferencista. Reconheciam que a circulação da revista estava além do que

consideravam o ideal. O aumento do interesse nela subsidiaria o aumento da tiragem. J. Vaz

de Carvalho, à semelhança de Inácio Bittencourt, não se reconhece capacitado para a tarefa

que tinha em mãos. Modéstia ou autojustificativa para os problemas que não conseguiam

solucionar em suas publicações?

As mudanças de cargos na direção doReformador nem sempre foram harmoniosas.

Em 1º de Fevereiro de 192379

, o novo Secretário do periódico é o advogado Carlos

Imbassahy, ocupando o cargo de Amaral Ornellas, que o iniciara no Espiritismo e que

falecera em 5 de Janeiro daquele ano80

. Carlos Imbassahy tinha experiência na imprensa, uma

76

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Estatutos da Federação Espírita Brasileira. Brasília, 1999, art. 45,

inciso I. p. 7. 77

“Apello”. Reformador. Rio de Janeiro, 1º de Setembro de 1929, p. 511. 78

CARVALHO, J. Vaz. “Relatório do Gerente do „Reformador‟”. Reformador. Rio de Janeiro, 1º de Março de

1931, p. 156. Grifos meus. 79

“Novo Secretário do „Reformador‟”. Reformador. Rio de Janeiro, 1º de Fevereiro de 1923, p. 53. 80

Poeta, dramaturgo e jornalista. “Gustavo Adolfo do Amaral Ornellas”. Disponível em:

http://www.bvespirita.com/Biografia%20-%20Gustavo%20Adolfo%20do%20Amaral%20Ornellas.pdf Último

acesso em 9 de Setembro de 2013. Sobre as relações de Carlos Imbassahy com Amaral Ornellas, ver:

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vez que foi redator da Revista de Estrada de Ferro81

. Permanecera em Reformador até

Dezembro de 1943, dois meses depois da morte de Luís Olímpio Guillon Ribeiro então

presidente da FEB82

. Em Janeiro de 1944, fora substituído por Indalício Mendes que teria sido

um dos fundadores do Diário de Notícias83

. Mas... O que teria motivado a saída de Carlos

Imbassahy de Reformador? Carlos de Brito Imbassahy, seu filho, diz que na reunião que teria

decidido o sucessor de Guillon Ribeiro, foi eleito “um trabalhador mais jovem, rígido nos

princípios, não abrindo mão da fidelidade aos dogmas “roustanguistas”os quais tinham que

ser seguidos”84

. Carlos Imbassahy, que não aceitava esses “dogmas roustanguistas” “foi

afastado de todas as funções que exercia e, praticamente, banido do seu convívio” 85

, o que

teria acontecido também com outros espíritas, “vultos tradicionais do movimento espírita

brasileiro, como Manoel Quintão, Leopoldo Machado e muitos outros, foram afastados da

F.E.B”86

.

O eleito é o farmacêutico Antonio Wantuil de Freitas87

, que presidirá a FEB por vinte

e sete anos, até 1970. Indalício Mendes, que assumiu a vaga de Carlos Imbassahy, é tido

como estudioso da obra de Jean Baptiste Roustaing88

. Depois do episódio, não encontrei mais

artigos de Carlos Imbassahy em Reformador. Se sairam publicados, o foram em número

muitíssimo menor que anteriormente, quando era bastante comum encontrar artigos seus, o

mesmo ocorrendo com Leopoldo Machado 89

, que divergia de Antonio Wantuil de Freitas. Ao

IMBASSAHY, Carlos de Brito. Memórias pitorescas de meu pai. São Paulo: Casa Editora O Clarim, 1974, p.

70. 81

Idem, p. 109. 82

WANTUIL, Zeus. Grandes Espíritas do Brasil, op. cit., p. 373. Luís Olímpio Guillon Ribeiro foi presidente da

FEB de 1920 a 1921 e de 1930 até o ano de sua morte, em 1943. 83

Seria responsável, no Diário de Notícias, por uma coluna esportiva chamada “Para ler no bonde”. CASA DE

RECUPERAÇÃO E BENEFÍCIOS DR. BEZERRA DE MENEZES. Indalício Mendes. Disponível em:

http://www.espirito.org.br/portal/biografias/indalicio-mendes.html Último acesso em 9 de Setembro de 2013.Em

24 de Dezembro de 1930, seu nome aparece na coluna “No lar e na sociedade” sendo descrito como “caro

companheiro de redacção”. “No lar e na sociedade”. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 24 de Dezembro de

1930, 2ª edição, p. 3. 84

IMBASSAHY, Carlos de Brito; ROCHA, Alberto de Souza. Uma visita aos arquivos implacáveis de

Imbassahy. Rio de Janeiro: CELD, 2002, p. 153. 85

Idem. 86

IMBASSAHY, Carlos de Brito. Memórias pitorescas de meu pai, op. cit., p. 172. 87

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Biografia de Antonio Wantuil de Freitas. Disponível em:

http://www.febnet.org.br/ba/file/Pesquisa/Textos/Biografia%20de%20Ant%C3%B4nio%20Wantuil%20de%20F

reitas.pdf Último acesso em 9 de Setembro de 2013. 88

CASA DE RECUPERAÇÃO E BENEFÍCIOS DR. BEZERRA DE MENEZES. Indalício Mendes, op. cit.. 89

Leopoldo Machado era jornalista, escritor, polemista, professor, poeta, compositor e orador. FEDERAÇÃO

ESPÍRITA BRASILEIRA. Leopoldo Machado. Disponível em:

http://www.febnet.org.br/ba/file/Pesquisa/Textos/Leopoldo%20Machado.pdf Último acesso em 9 de Setembro

de 2013.

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referir-se à sua participação no Conselho Federativo Nacional90

, órgão criado a partir do Pacto

Áureo91

, diz que esta se dera em função do determinismo, “talvez para aprendermos um

pouco de tolerância e mansidão com Lins de Vasconcellos, e arrancarmos, de uma vez, e

mais depressa, as farpas que andamos, por força de pontos de vista contrariados, espetando

na sensibilidade de Vinícius e Wantuil”92

. Falando, ainda, do Pacto Áureo, diz que

Não morremos de amores por dirigentes da FEB. Nem eles, também, por nós, sem que haja –

nem para eles, nem para nós – a menor quebra do que somos, do que valemos.(...)Sem

confundirmos a Instituição com os dirigentes, e temos até divergido de diretores seus, sem

prejuízo para nós e para eles, de vez que nós passamos e a Federação Espírita Brasileira não

deve passar e não passará...Foi por isso, naturalmente, que, vivendo afastado, há tempos de seu

programa e de sua ação, não deixamos de ser seu sócio, nem nunca consentirmos que o Centro

Espírita que dirigimos por muitos anos, lhe deixasse de ser filiado (...) 93

.

O afastamento ocorrera e as mágoas permaneceram, ainda que não tenha havido uma

ruptura total. As razões, Leopoldo Machado não alega claramente. Fala apenas, de maneira

genérica, em “divergências” que o afastaram da instituição, que bem podem ser aquelas que

teriam afastado Carlos Imbassahy. Sobre a questão da natureza do corpo de Jesus, proposta

por Roustaing, Leopoldo Machado disse que “é um assunto que não me interessou, que

continua sem interessar-me. Gosto de um Espiritismo construtivo e arregimentador. E a

questão da corporeidade do Cristo é desarregimentadora e destrutiva”94

. Se a aceitação da

tese de Roustaing sobre a natureza do corpo de Jesustornara-se, para aqueles homens que

detinham responsabilidades de comando na FEB, condição necessária para a participação nos

trabalhos institucionais, ela pode, sim, ter sido usada por eles para constranger e afastar alguns

quadros da FEB que não compactuavam com ela95

.

A FEB também pontuou suas expectativas com relação à imprensa. O Reformador

deveria expressar e traduzir “o pensamento da Federação”,buscando “sempre conservar

90

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. O que é o CFN?. Disponível em:

http://www.febnet.org.br/blog/geral/movimento-espirita/o-que-e-o-cfn/ Último acesso em 9 de Setembro de

2013. 91

O Pacto Áureo foi o acordo feito entre espíritas da FEB e da Liga Espírita do Brasil que redefiniu os papeis

das duas entidades federativas. Na ocasião, foi criado, em novas bases, o Conselho Federativo Nacional da FEB

e a Liga Espírita do Brasil passou a chamar-se Liga Espírita do Distrito Federal, responsabilizando-se pelos

Centros espíritas da cidade do Rio de Janeiro, enquanto à FEB caberia o papel de única federativa dos espíritas.

Ver: QUINTELLA, Mauro. “A FEB e a Liga Espírita do Brasil”. In: História do Espiritismo no Brasil, op.cit. 92

MACHADO, Leopoldo. In: RAMOS, Clóvis. Leopoldo Machado – Ideias e ideais. Rio de Janeiro: CELD,

1995, P. 57. 93

Idem, p. 60. 94

Idem, p. 43. 95

Os espíritas envolvidos nos dois lados da polêmica da natureza do corpo de Jesus disputaram a adesão de

Carlos Imbassahy. Segundo Luciano dos Anjos, articulista da FEB, ele seria “rustenista”. Segundo o escritor

espírita Nazareno Tourinho, não seria. Ver: ANJOS, Luciano. “Carlos Imbassahy e Roustaing”. Reformador. Rio

de Janeiro, Maio de 1972, p. 105, 106, 107 e 119. Disponível em:

http://www.sistemas.febnet.org.br/acervo/revistas/1972/WebSearch/page.php?pagina=105 Último acesso em 9

de Setembro de 2013, e TOURINHO, Nazareno. Carlos Imbassahy – o homem e a obra. São Paulo: FEESP,

1994, P. 30.

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puras as tradições que constituem o cerne da Casa de Ismael (...)” 96

.Ao associarem o

periódico à “preservação das tradições”, a FEB alimenta a autoimagem de uma instituição

segura e firme em seus propósitos, imune às flutuações e mudanças características de

instituições dirigidas por seres humanos contraditórios e inseridos num meio social também

em contínua transformação. A estabilidade anunciada pretende oferecer segurança àqueles

que a procurassem (espíritas individualmente ou Centros Espíritas), estimulando que se

vinculassem a ela. Aqueles que se expressassem pelas páginas do Reformador estariam

amplificando as opiniões da FEB, ao passo que os espíritas que, eventualmente, deixassem de

aí escrever, não mais a representariam. O “pensamento da Federação” poderia ser, muito bem,

os de seus diretores em situação de poder, no momento.

Reformador, na medida de suas forças, propunha que os espíritas se abstivessem da

política, o que não deixa de ser um posicionamento político. Assim, em 16 de Fevereiro de

1926, comentando a inclusão do espírita Alberto Silvares97

numa chapa pela disputa de uma

vaga no Conselho Municipal, dizem que “no estado actual do nosso mundo, de modo geral,

e, particularmente, do meio social, essa função é difficil, senão impossível de se conciliar

com uma consciência evangélica”98

. Para os espíritas da FEB, não seria possível conciliar a

condição de cristão-espírita com a eventual carreira política, isso por conta dos perigos da

vida política, uma vez que são “tão dissolutos e tão dissolventes os costumes da parceira

política e tão precária a contingência humana, que preferíamos não ver no feito envolvido um

servo do Christo, em espírito e verdade”99

. É como se presumissem uma queda em erro fatal

daqueles espíritas que resolvessem ingressar na vida política, repetindo velhos erros e vícios

dos maus políticos. Em Novembro de 1946, o articulista Roberto Macedo vinte anos depois

das palavras do Reformador, reforça essa maneira de pensar. Segundo ele,

Se neutralidade de opinião não existe entre cristãos conscientes do seu direito de pensar, a

neutralidade de ação talvez constitua no momento o mais saudável dever para o confrade

propenso à política. Pode ele concorrer para a vitória de sua parcialidade – pelo voto, como

arma cívica, - pela prece, como arma divina. A intervenção espontânea no campo da luta, fora

dos muros da Doutrina, convém evitar, sempre que possível. 100

Para o autor, falando pela FEB naquele momento, se não existem formas de se evitar a

liberdade de pensamento entre seres conscientes, portadores de razão, estes mesmos seres

96

“Duas efemérides”. Reformador. Rio de Janeiro, Janeiro de 1945, p. 23. 97

Alberto Silvares foi eleito numa eleição tumultuada, onde teriam desaparecido com três carteiras eleitorais, o

que o teria desfavorecido, inicialmente. Encontradas, confirmaram sua eleição. “Influências da Semana Santa...

A Ressureição na política municipal – As sessões no Conselho deixarão de ser elétricas? – E os relógios que não

funccionam? – O parecer Salles Filho e a Mesa do Conselho”. A Manhã. Rio de Janeiro, 7 de Abril de 1926, p. 2. 98

“O Espiritismo e a política”. Reformador. Rio de Janeiro, 16 de Fevereiro de 1926, p. 78. 99

Idem. 100

MACEDO, Roberto. “A nossa política”. Reformador. Rio de Janeiro, Novembro de 1946, p. 256. Grifos

meus. Não obtive informações sobre o autor.

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deveriam abdicar do direito de agir. É como se devessem esforçar-se por não colocar, no

campo da vida prática, no mundo de relações, aquilo que acreditassem, em matéria de

política. Para ele, havia uma divisão entre aquilo que pensamos e a forma como agimos.

Parece que o autor não concebia, como possível, que discurso moral e prática política fossem

sincronizáveis e que os espíritas que tivessem envolvimento com o assunto fossem perder-se

para o mal fatalmente.Assim, para se resguardarem moralmente, deveriam restringir sua

participação política ao voto, uma “arma cívica”, segundo Roberto Macedo, porém longe de

ser o único instrumento de luta política eficaz.

Apesar dos espíritas da FEB desestimularem a participação política, emitiram

posicionamentos políticos frente a temas de seu interesse através do Reformador. Em 1931,

apoiando os esforços da Coligação Nacional Pro Estado Leigo, em razão do Decreto nº.

19.941 de 30 de Abril de 1931 do ministro Francisco Campos101

que instituiu o ensino

religioso no país, consignaram, nas páginas de sua revista, que enviariam“ao Chefe da Nação

um apelo sobre a questão posta em fóco por aquelle decreto”102

. No mesmo ano, noticiampor

duas vezes a criação de comitês locais da coligação em diferentes regiões do país que

somariam à luta contra o ensino religioso103

. Quando a liberdade religiosa esteve em jogo e os

espíritas da FEB a viram ameaçada, desceram à arena política para se posicionar em favor da

liberdade de consciência. Em suma, a FEB estimulava a não participação política alegando

que os adeptos do Espiritismo estariam expostos a perigos se assim o fizessem, mas por outro

lado, atuou politicamente, desmobilizando os espíritas quando lhe convinha e, ao mesmo

tempo, mobilizando-os quando julgou oportuno. Trata-se, na verdade do desejo de dirigir os

espíritas e suas entidades na atuação na vida pública. O Regulamento de Adesão das

Sociedades Espíritas à FEB, de 1947, prescrevia os deveres que os Centros Espíritas ligados a

ela deveriam seguir:

Ouvir sempre a Federação, antes de tomar a iniciativa de representar aos poderes públicos

sobre qualquer assunto, ou a de promover representações coletivas sobre questões a que se

possa atribuir caráter político, assim como sobre quaisquer outras de que possam resultar

complicações ou vexames, que a bem do prestígio da Doutrina devam ser evitados. 104

A FEB, então, pretendia dar seu aval às iniciativas de natureza política das instituições

que a ela estivessem ligadas, desde que elas cerrassem fileiras em torno das mesmas questões.

101

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Decreto nº. 19.941 de 30 de Abril de 1931. Disponível em:

http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19941-30-abril-1931-518529-

publicacaooriginal-1-pe.html Último acesso em 2 de Novembro de 2013. 102

RIBEIRO, Guillon. “Pela liberdade de consciência”. Reformador. Rio de Janeiro, 16 de Maio de 1931, p. 275. 103

“Pela liberdade de consciência”. Reformador. Rio de Janeiro, 1º de Junho de 1931, p. 306 e 307 e “Pela

liberdade de consciência”. Reformador. Rio de Janeiro, 1º de Julho de 1931, p. 373. 104

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Organização Federativa do Espiritismo, op. cit., p. 17. Grifos

meus.

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Estas deveriam submeter à federativa suas petições aos poderes públicos e suas ideias de

representações coletivas em questões que poderiam ser consideradas políticas. Se por um lado

semelhante medida pudesse resguardar a FEB de eventuais efeitos negativos derivados de

iniciativas dos Centros Espíritos a ela adesos, por outro evidencia desconfiança na capacidade

dos dirigentes destes Centros em assumir posicionamentos políticos públicos.

Em 16 de Outubro de 1926, publica-se no Reformador um suplemento com a resenha

dos trabalhos da primeira reunião do seu Conselho Federativo, realizado naquele mesmo ano.

Na terceira sessão deste, o representante do Centro Espírita Paz, Luz e Amor, de Cataguases,

Minas Gerais, apresenta uma tese sobre a multiplicidade de jornais espíritas. De acordo com

ela,

A multiplicidade de pequenos jornaes e revistas editados pelas Sociedades espíritas como

órgão de propaganda, jamais produzem o resultado almejado, pela estreiteza da sua

circulação. Por esse motivo, pensamos convir que o Conselho faça sentir às Sociedades

adhesas a conveniência de evitarem a publicação de novos periódicos e a supressão daquelles

que a tiragem seja muito reduzida, conservando tão somente a dos mais antigos e importantes.

Desta forma, poderemos congregar os nossos esforços em torno da Federação E. Brasileira,

proporcionando-lhe os meios ao nosso alcance de ampliar o Reformador, ou lhe facilitando a

publicação de um jornal espírita diário, quando ella julgar opportuno e viável esse

emprehendimento. A publicação de um órgão official de maior amplitude, debaixo da direcção

da F.E.B., sobre ser uma ideia de grande alcance para o Espiritismo no Brasil, terá ainda a

vantagem, muito importante também, de obstar a publicação de trabalhos medíocres que

muitas vezes expõe a doutrina ao ridículo. 105

Os espíritas de Cataguases consideravam excessivo o número de periódicos espíritas.

Para eles também era comum que as instituições da região tivessem o seu jornal ou sua revista

específica, como órgão de propaganda. A circulação limitada destes, à semelhança de O

Sidereo, provavelmente restrita a seus sócios e frequentadores, era encarada como um

problema. Colocam, então, ao Conselho Federativo, a proposta de que as entidades vinculadas

à FEB evitassem a publicação de novos periódicos, bem como o fim dos que tivessem tiragem

reduzida. Sentir-se-iam, acaso, os espíritas que ficassem sem seus periódicos, representados

pelos que então existiam? Não seria, mesmo, o fato de não se reconhecerem nos jornais e

revistas então em circulação que faria com que fizessem o investimento na imprensa? Os

periódicos espíritas já existentes, dentre os quais o Reformador, dariam o espaço que esses

outros espíritas desejavam, a fim de divulgarem suas atividades doutrinárias ou suas opiniões

a respeito da doutrina? E o que os autores da proposta entendiam como “circulação

reduzida”? O autor pretendia, então, que fosse dado à FEB o direito de decidir pela vida ou

morte dos periódicos das associações adesas? Seria razoável supor que, com a medida,

105

“Conselho Federativo: Resenha dos trabalhos da sua primeira reunião em 1926”. Suplemento. Reformador.

Rio de Janeiro, 16 de Outubro de 1926, p. 11. Grifos meus.

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pudessem investir contra os jornais com os quais discordassem da opinião, recomendando-

lhes a extinção sob o pretexto da baixa circulação que tivessem.

Por fim, o representante do Centro Espírita de Cataguases parece considerar que,

dentre aquelas instituições que mantinham órgãos de imprensa e que seriam adesas à FEB, a

qualidade doutrinária, de acordo com seus critérios, deixaria a desejar. O órgão oficial de

maior amplitude, no seu entendimento, criaria impedimentos à publicações consideradas por

ele como medíocres e que poderiam expor a doutrina ao ridículo público. De que maneira isso

aconteceria? Por asfixia dos jornais ou revistas “menores”, que deixariam de circular em

detrimento do periódico com potencialidade ampliada da FEB? Ou por se verem

“desmascarados” ou “contraditos”, em seus posicionamentos doutrinários quando contrários

aos da FEB e dos Centros que se organizariam em torno dela? Note-se, também, que a

proposta formulada pelos espíritas de Cataguases pelo periódico de maior amplitude orientado

pela FEB estava aberta: poderia ser o Reformador, com possibilidades ampliadas (maior

tiragem e/ou menor periodicidade, tornando-se semanal, quem sabe?) ou mesmo a publicação

de um jornal diário quando a federativa se organizasse para tanto.

O parecer da 3ª Comissão, da qual participava Arthur Rosenburg, Gerente do

Reformador naquela ocasião, que avaliou a tese sobre os problemas em torno da

multiplicidade de jornais, concorda com a proposta do Centro Espírita de Cataguases.

O Conselho Federativo chama a attenção das Sociedades adhesas para a conveniência que

haveria não só em a não publicação de novos periódicos espíritas, como ainda em a cessação

da dos que tenham tiragens muito reduzidas, afim de poderem ellas conjugar seus esforços no

sentido de ampliar o tamanho e a circulação do Reformador, que lhes servirá então a todas de

órgão, ou no de facilitar à F.E.B. a publicação de um diário espírita, cuja necessidade já se faz

bastante sensível, sobretudo como meio de remediar-se aos máos effeitos de tantos artigos e

publicações abstrusos que, sobre o Espiritismo, os jornais cotidianos inserem constantemente. 106

A FEB, assim, abraça a ideia, ainda que não a definindo de maneira precisa, uma vez

que também estavam, naquele momento, divididos entre a ampliação de Reformador ou o

investimento num jornal diário. Parece, então, que esta seria a razão do afastamento da FEB

do projeto “Nosso Jornal” 107

, já que a entidade federativa não teria o protagonismo da ação,

106

Idem, p. 16. Grifos meus. A comissão era composta por Alfredo Felix da Silva, Manoel Bento Conde, Urbano

Xavier, Arthur Rosenburg e Pedro Rodrigues Bastos. Urbano Xavier era dentista, médium e conferencista. Ver:

FEDERAÇÃO ESPÍRITA DO PARANÁ. Urbano de Assis Xavier. Disponível em:

http://www.feparana.com.br/biografia.php?cod_biog=272 Último acesso em 1º de Fevereiro de 2014. Sobre a

diretoria da FEB eleita em Fevereiro de 1925, ver: FERREIRA, Luiz Barreto Alves. “Relatório do Presidente,

apresentado à Assembléia Deliberativa na reunião ordinária de 1926, sobre os trabalhos da Sociedade e contas da

Administração durante o anno de 1925”. Reformador. Rio de Janeiro, 1º de Março de 1926, p. 105. Sobre a

composição das comissões, ver: “Conselho Federativo: Resenha dos trabalhos da sua primeira reunião em 1926”.

Reformador. Suplemento, op. cit., p. 4 e 5. 107

Que veremos mais adiante.

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como não teve, na ocasião, o da iniciativa. Teria sido a ideia (do jornal diário ou da ampliação

do Reformador) discutida em reuniões de sua diretoria em alguns momentos?108

Se os

representantes do Centro Espírita de Cataguases falam a respeito de “trabalhos medíocres”

que exporiam a doutrina ao ridículo, sugerindo tratar-se de periódicos espíritas, o parecer da

Comissão que analisou sua proposta faz outro alvo: os artigos e publicações que surgiam nos

jornais diários, muitos dos quais de qualidade duvidosa, no entendimento deles. No fim, um

periódico com possibilidades ampliadas (o Reformador ou o jornal diário)orientado pela FEB

teria duplo efeito. Esperava-se, com ele, captar os esforços dos espíritas em seu benefício

material, mediante recursos para coloca-lo nas ruas. Ao convergirem recursos à iniciativa da

FEB, jornais de menor fôlego financeiro e, quem sabe, com “problemas doutrinários”

poderiam ver-se exangues. Por último, com muito mais vigor, lançar-se-iam a um público

maior, dialogando e debatendo com ele, inclusive com a produção de outros espíritas em

outros periódicos.

Mas a ideia não prosperou. Em 16 de Setembro de 1929, três anos depois da reunião

do Conselho Federativo da FEB, num editorial do Reformador, provavelmente Manuel

Quintão, então diretor da revista, faz um rápido balanço sobre as teses discutidas na ocasião.

Muitas delas teriam sido implementadas com êxito. No entanto, “outras, em que pesem as

credenciaes de legitimidade que as recommendam, permanecem embryonárias e, talvez,

menos sympáthicas ao gosto do proselitismo, ou, melhor falando: incomprehendidas em seu

alcance superior”109

. Este seria o caso da tese do Centro Espírita de Cataguases a respeito da

multiplicidade de jornais espíritas. Fora discutida numa reunião do Conselho Federativo, entre

pares, era de se esperar que àquilo que foi estabelecido fosse cumprido. Parecia-lhe que “certa

maneira de fazer proselitismo”, dos Centros Espíritas que se fizeram representar na reunião

em 1926, estariam prejudicando medidas ali deliberadas, medidas estas com alcance superior,

portanto mais abrangentes. O interesse específico estaria comprometendo o benefício mais

geral. Ainda segundo ele, aquele parecer, que fora votado sem discussão, poderia figurar

como um atentado a liberdade de expressão. Quem o percebesse assim, a seu ver, estaria

incorrendo em erro, uma vez que não estaria analisando os problemas que a teriam originado.

E quais seriam esses problemas? A que visaria a proposta?

O que se cogita é de publicações ephemeras, dessas que quando bem lançadas, produzem

dispersão de energias e deixam, com o seu desapparecimento, a impressão de creaturas nati-

108

É uma possibilidade que, no momento, não pude verificar, uma vez que as atas da presidência, no primeiro

semestre de 2013, não estavam mais no parque gráfico da instituição, localizado no bairro de São Cristóvão, no

Rio de Janeiro e sim na sede de Brasília. 109

“Doutrina e publicismo”. Reformador. Rio de Janeiro, 16 de Setembro de 1929, p. 533.

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mortas, a darem ao mundo leigo a triste idea da nossa capacidade realisadora. Mais, ainda,

cogita-se de prevenir a formação de emprehendimentos isolados, sem o critério dos

programmas definidos e, o que peior é: com o descritério das exhibições pessoaes, por

sustentarem pontos de vista singulares, ou mesmo vehiculando um ecletismo heteróclito e

perigoso. Heteróclito, sim, porque constituído de idéas mal assimiladas, sem tonalidades

philosophicas definidas, mixto de Occultismo, Magia, Catholicismo, etc.; e perigoso, porque

filtrado em almas simples, abertas a todas as sugestões, desapercebidas, em summa, de senso

crítico para separar o joio do trigo. 110

Dispersão de energias porque não convergentes com as expectativas dos espíritas

vinculados à FEB. A despeito, aliás, de ter sido aprovada sem discussões, a tese não obteve

acolhida, mesmo entre aqueles que participaram da reunião do Conselho Federativo, uma vez

que este não deliberaria para Centros Espíritas que lhes não fossem vinculados. Em outras

palavras: a proposta falhou em seu próprio ninho, onde se esperava que prosperasse. Os

Centros participantes – até mesmo aqueles que pudessem, no intervalo de três anos terem

aderido à FEB – se acataram as outras deliberações, recusaram-se a trabalhar por esta. Neste

aspecto, a entidade federativa não conseguiu evitar, em seus próprios termos, a “dispersão de

energias”. Se mantiveramperiódicos, não se preocuparam com a impressão que causariam ao

público, leigo ou não, caso tivessem que lhes interromper atividades.

Ainda no entendimento da FEB, os ditos empreendimentos isolados, muitas vezes sem

programas definidos, poderiam dar espaço a exibições pessoais, de vaidosos, que pudessem,

mesmo, formular uma leitura particular, específica, do Espiritismo, introduzindo nele práticas

que fossem estranhas à doutrina. Assim, as pessoas mais simples – das classes menos

favorecidas, quem sabe? – poderiam ser conquistadas para essa “leitura pessoal” e exótica do

Espiritismo, já que elas, “desprovidas do senso crítico”, poderiam, possivelmente, enamorar-

se por práticas religiosas mais “materiais”, ligadas à ritualística de outros segmentos

religiosos, com as quais se identificassem, de fato. Afinal, a maior parte da população era,

como hoje, católica, o que não lhes era impedimento para assimilarem para si e lançassem

mão, quando julgassem necessário, da magia ou do ocultismo das benzedeiras, das

curandeiras, como muitos populares devem ter recorrido ao Espiritismo diante de doenças

sem terem aderido, necessariamente, a ele111

. Os homens da FEB colocam-se, dessa forma,

como “pastores” que tem a capacidade de conduzir ovelhas ingênuas. Senhores da verdade,

pretendiam-se condutores das massas, selecionando os assuntos e interpretações com os quais

elas devem ou não ter contato. “E o melhor, e talvez único, meio de o conseguirmos é

110

Idem, p. 534. Grifos meus. 111

A historiadora Sylvia F. Damazio afirma que a clientela dos médiuns receitistas, aqueles que influenciados

pelos Espíritos prescreviam medicamentos homeopáticos, era heterogênea, “incluindo desde gente pobre, que

costumava recorrer aos curandeiros, até pessoas de destaque na vida nacional”. DAMAZIO, Sylvia F. Da elite

ao povo, op. cit., p. 90.

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prestigiarmos os órgãos de tradição firmada na fidelidade aos princípios, acima de todas e

quaisquer circumstâncias emergentes e intercorrentes de ordem temporal”112

. A tradição

consolida-se no tempo, de acordo com a repetição ou a regularidade. No caso da FEB,

postulando-se fiel aos princípios espíritas, acima de qualquer coisa. Coloca-se, em última

análise, como guardiã da verdade possível, alcançável pela doutrina. Pretendiam que a sua

tradição lhes emprestasse credibilidade.

É provável que semelhante raciocínio, exposto neste artigo, possa ter figurado como

antipático aos espíritas vinculados à Liga Espírita do Brasil, uma vez que neste mesmo ano –

1929 – inauguram a Revista Espírita do Brasil. Projetada durante o Congresso Constituinte

Espírita Nacional113

em 31 de Março de 1926, que deu origem à própria Liga Espírita do

Brasil, a revista começou a circular apenas em Janeiro de 1929. Em Junho do mesmo ano,

podemos ler um Relatório de João Torres, vice-presidente da entidade federativa em exercício

no cargo de presidente, à Assembleia Espírita do Brasil, reunião onde se faziam presentes

diretores e representantes de Centros Espíritas e da Liga Espírita do Brasil. Nele o autor

informa que juntamente com dois representantes da Liga Espírita do Distrito Federal,

constituíram uma “Sociedade por cotas Revista Espírita do Brasil” 114

a fim de tomarem um

112

“Doutrina e publicismo”. Reformador, op. cit., p. 533. 113

Em 1925, durante uma Reforma Constitucional do governo Arthur Bernardes, um deputado católico chamado

Plínio Marques propôs as chamadas “emendas religiosas” que estabeleciam o ensino religioso e o Catolicismo

como a religião oficial do país. Segmentos espíritas procuraram mobilizar pessoas contra essa medida. Notando

o sucesso da mobilização, passaram a debater os problemas da unificação dos espíritas. A partir disto,

organizaram um Congresso Constituinte Espírita Nacional onde desejavam criar uma nova entidade federativa de

caráter nacional, o que deu origem à Liga Espírita do Brasil. Sobre as emendas, ver: BICA, Alessandro

Carvalho; TAMBARA, Elomar. O ensino religioso em Pelotas na perspectiva do jornal Estandarte Cristão

(1925 – 1935). Disponível em: http://sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe3/Documentos/Individ/Eixo4/228.pdf

Último acesso em 4 de Dezembro de 2013. Sobre a Liga Espírita do Brasil, ver: QUINTELLA, Mauro. “A FEB

e a Liga Espírita do Brasil”. In: História do Espiritismo no Brasil. Op. Cit. 114

TORRES, João. “Relatório apresentado a Assembléia Espírita do Brasil em 1º de Maio de 1929”. In: “Liga

Espírita do Brasil”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Junho de 1929, p. 151. Além de João Torres,

participaram José Martins Barcellos e Estevam Ferreira Magalhães, respectivamente vice-presidente e primeiro

secretários da Liga Espírita do Distrito Federal. Não obtive informações a respeito de José Martins Barcellos.

Sobre Estevam Ferreira Magalhães, teria fundado o Centro Espírita Paz, no Andaraí. Disponível em:

http://www.autoresespiritasclassicos.com/Biografias%20Espiritas/Letras/Biografias%20Esp%C3%ADritas%20

Gr%C3%A1tis-----Letra%20E.htm Último acesso em 26 de Fevereiro de 2014. A Revista Espírita do Brasil,

órgão da Liga Espírita do Brasil, tinha sua redação e gerência na Rua do Mercado nº. 22, 3º andar, na própria

sede da federativa, no Centro. Era impressa na Tipografia Benedicto de Souza, na Rua do Carmos nº. 43, Centro.

Seu Diretor-gerente era o Comandante João Torres, o Secretário era João Carlos Moreira Guimarães, que

trabalhou como auxiliar na Biblioteca Nacional. Entre o final de 1919 e o início de 1920, teria concluído o curso

de Biblioteconomia, com perspectivas de, com isso, alcançar o cargo de chefe de seção. O Redator-chefe era

Jonathas Botelho, que em 1914 teria dirigido a Gazeta da Manhã, de Niterói, além de ter sido redator do

periódico espírita de Niterói chamado O Farol e pertencer à Academia Fluminense de Letras. Com início em

1929, a revista circulou até Dezembro de 1952. Sobre João Torres, ver: CORREIO ESPÍRITA. Programas

Espíritas Radiofônicos. Disponível em:

http://www.correioespirita.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=879:programas-

esp%C3%ADritas-radiof%C3%B4nicos&catid=95&Itemid=831 Último acesso em 2 de Setembro de 2013.

Sobre João Carlos Moreira Guimarães, ver: “O curso de Bibliotheconomia da Biblioteca Nacional”. Correio da

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empréstimo de 4:500$000 “para levar a efeito a publicação da Revista Espírita do Brasil, o

que effectivamente conseguimos realizar”115

. Esperavam que dentro de um ano pudessem

transferir a propriedade da revista à entidade federativa, dissolvendo a sociedade. “Para esse

fim, com a abertura de assignaturas, que iniciamos no mez de Março, começamos a resgatar

as “cotas”, as recebendo em paga das assignaturas por um anno”116

. A iniciativa teria sido

autorizada pelos espíritas envolvidos com as atividades da entidade federativa. João Torres

assinalou, ainda, que a revista foi bem aceita pelo público, “o que nos autoriza a declarar-vos

garantida a sua vida” 117

. Em Junho de 1930, João Torres e Estevam Ferreira Magalhães

transferem a propriedade da revista para a Liga Espírita do Brasil. Os demais cotistas

deveriam procurar o Conselho Diretor da entidade federativa para resgatarem o investimento

que fizeram através de indenização ou por assinaturas da revista118

. A Liga Espírita do Brasil

não detinha recursos suficientes para colocar em circulação seu periódico, o que só conseguiu

realizar quase três anos depois de sua fundação através da captação de ajuda financeira

externa, através da sociedade por cotas e de empréstimo.

A Revista Espírita do Brasil era comercializada em algumas instituições espíritas,

provavelmente adesas à Liga, bem como em alguns pontos de venda de jornais da Avenida

Rio Branco, no Largo de São Francisco, no Largo da Carioca, na Rua 1º de Março, na Estação

da Central e na ponte das barcas em Niterói119

.

No início de 1948, a Revista Espírita do Brasil estava sendo impressa na Gráfica

Mundo Espírita S. A.. Em 1951, agora órgão da Liga Espírita do Distrito Federal (antiga Liga

Espírita do Brasil), sua publicação está irregular. Começa a circular com atraso e com número

de meses agrupados, ou seja, dois ou três meses na mesma publicação, sem que aumentassem

o número de páginas, que nos últimos números disponíveis na Biblioteca Nacional – a de

Outubro a Dezembro de 1952 –, era de dezesseis. Na revista referente aos meses de Setembro

a Dezembro de 1951, que circulou apenas em Março de 1952, informam que deixaram de

cobrar a assinatura de 1951-52 por conta da irregularidade do ano. Dizem que a última gráfica

que imprimira a revista atrasou a entrega dela alegando acúmulo de serviços, apesar de terem

Manhã. Rio de Janeiro, 10 de Janeiro de 1920, p. 2. Sobre Jonathas Botelho, ver: Nota sem título. “Assumiu a

direcção da “Gazeta da Manhã”, de Nictheroy, o nosso collega de imprensa Jonathas Botelho”. A Época. Rio de

Janeiro, 11 de Setembro de 1914, p. 3, e “O Anniversario da Academia F. de Letras”. O Imparcial. Rio de

Janeiro, 14 de Julho de 1922, p. 2. 115

TORRES, João. “Relatório apresentado a Assembléia Espírita do Brasil em 1º de Maio de 1929”. In: “Liga

Espírita do Brasil”. Revista Espírita do Brasil, op. cit., p. 151. 116

Idem, p. 152. 117

Idem, p. 151. 118

“Sociedade por quotas „Revista Espírita do Brasil‟”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Junho de

1930, p. 167. 119

Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Março de 1929, verso da contracapa.

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pago a impressão com pontualidade. Por isso, teriam optado por trocar de oficina120

. De

Janeiro de 1951 a Setembro de 1952 trocaram de gráfica três vezes. A última a que se

referiram foi a Empresa Jornalística “O Noticiário”, na Avenida Mem de Sá nº. 317, no

Centro. Na última publicação disponível na Biblioteca Nacional, a de Outubro a Dezembro de

1952, não consta onde fora impressa.

A definição dos papéis a assumir na Liga Espírita do Brasil não foi harmoniosa. O

jornal A Manhã acompanhou as disputas em torno da Revista Espírita do Brasil.

Circularam hontem na Constituinte algumas chapas tendentes a afastar da Secretaria o Sr.

Nóbrega da Cunha, para que lhe seja entregue a direcção da “Revista Espírita do Brasil”.

Como orientação aos delegados que vão votar hoje, esclarecemos o seguinte: em combinações

posteriores, ficou resolvido que o Sr. Leal de Souza será o director daquella revista. O Sr. Leal

de Souza já aceitou o convite. A secretaria caberá, então, a Nobrega da Cunha e a chapa

victoriosa é a seguinte: presidente, Farnese; 1º vice, Jarbas; 2º vice, Ourique; 1º secretário,

Nobrega; 2º, Arthur Fonseca; 1º thesoureiro, Damasio, 2º, D. Guiomar Ramos. 121

O Conselho eleito realmente foi este mesmo, como se pode ler na Revista Espírita do

Brasil de Janeiro de 1929, mas penso que já não dá para dizer que foi conjunta e

calorosamente aclamado, como a publicação sugere122

. A matéria de A Manhã indica que os

congressistas pensaram em mais de uma alternativa para a composição do primeiro Conselho

da Liga e a direção de sua revista oficial.

Segundo o psicólogo e educador Marcus Vinícius da Cunha, Carlos Alberto Nóbrega

da Cunha foi “jornalista representante da Associação Brasileira de Imprensa e da

Associação dos Artistas Brasileiros” 123

. Além disso, em artigos da Revista Espírita do Brasil

e do Diário Carioca é apresentado, também, como professor124

. Leal de Souza, no entanto,

também era conhecido jornalista naquele momento. Participante do Congresso Constituinte

Espírita, sua presença parece estimada por alguns. Em 21 de Fevereiro de 1926, em A Manhã,

fazem questão de assinalar que “a Commissão Preparadora, ficou contente de ser delegações

de Centros de diversas procedências, recaírem em confrades espíritas, de nomeada, que

120

“Revista Espírita do Brasil”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Setembro a Dezembro de 1951, p. 10. 121

“Constituinte Espírita Nacional. Será eleito hoje o primeiro Conselho Espírita do Brasil”. A Manhã, 11 de

Abril de 1926, p. 9. 122

“Liga Espírita do Brasil”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Janeiro de 1929, p. 4. 123

CUNHA, Marcus Vinícius. O Manifesto dos pioneiros de 1932 e a cultura universitária brasileira.

Disponível em:

http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe4/coordenadas/eixo06/Coordenada%20por%20Jose%20Carlos%20

Sousa%20Araujo/Marcus%20Vinicius%20da%20Cunha%20-%20Texto.pdfÚltimo acesso em 4 de Dezembro de

2013. Teria sido também um dos orientadores do jornal Diário de Notícias, fundado em 1930. FERREIRA,

Marieta de Morais. Diário de Notícias. Disponível

em:http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspxÚltimo acesso em 22 de Abril de 2014. 124

“Aos Espíritas”. Diário Carioca, 10 de Julho de 1931, p. 11 e “Liga Espírita do Brasil”. Revista Espírita do

Brasil. Rio de Janeiro, Janeiro de 1929, p. 3. Em 13 de Abril de 1926, é apresentado por A Manhã como

representante de A Vanguarda na recepção a Maurício de Lacerda. “Maurício de Lacerda no Estado do Rio”. A

Manhã. Rio de Janeiro, 13 de Abril de 1926, p. 7.

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gosam de alta estima na sociedade brasileira – assim no jornalismo, e em seus livros

espíritas – Leal de Souza (...)”125

. Segundo seu biógrafo Diamantino Fernandes Trindade, ele

fora “poeta, ensaísta, crítico literário, conferencista, jornalista, tabelião e, sobretudo foi o

primeiro escritor da Umbanda” 126

. Em 31 de Dezembro de 1923, publica nas páginas de A

Noite um extenso inquérito intitulado “No Mundo dos Espíritos”, onde relata suas visitas a

diversas instituições espíritas e espiritualistas na cidade do Rio de Janeiro. Ainda segundo seu

biógrafo, em A Noite ele desempenhara as funções de repórter e secretário da redação127

. No

início da década de 1930 trabalhou no Diário de Notícias e ao final desta década estava em A

Nota128

. Leal de Souza pode ter sido um facilitador para a impressão de Aurora na tipografia

de A Noite, no início de 1928.

Por que a intenção de afastar alguém que parecia tão qualificado para a direção de uma

revista? Porque Leal de Souza estava vinculado à Umbanda e grupos contrários a qualquer

representatividade de elementos desta nos quadros da Liga Espírita do Brasil criaram

obstáculos à sua atividade. No entanto, Nóbrega da Cunha, que fora cogitado para ficar à

frente da revista, teria participado do 1º Congresso Afro-Brasileiro em Novembro de 1934129

.

Poderia ser um indício de que tinha simpatiae interesse pelas práticas das religiões afro-

brasileiras, uma vez que propôs ao Congresso “a fundação do Instituto de Estudos Afro-

Brasileiros, com séde no Rio”130

. Em 20 de Dezembro de 1932, Leal de Souza, em Diário de

Notícias, responde a um artigo de João Torres, então presidente131

do Conselho da Liga

Espírita do Brasil, publicado em Vanguarda. João Torres teria declarado que a Tenda de N. S.

125

“Constituinte Espírita”. A Manhã. Rio de Janeiro, 21 de Fevereiro de 1926, p. 6. 126

TRINDADE, Diamantino Fernandes. Antonio Eliezer Leal de Souza, o primeiro escritor da umbanda.

Limeira, SP: Editora do Conhecimento, 2009, p. 7. 127

Idem, p. 42. 128

Segundo seu biógrafo, Leal de Souza transferiu-se para o Diário de Notícias emSetembro de 1931. Ver:

TRINDADE, Diamantino Fernandes. Antonio Eliezer Leal de Souza, op. cit., p. 49. Entre Agosto e Setembro de

1939, está disputando judicialmente a propriedade de A Nota com o jornalista Geraldo Rocha. Em 1940,

Leopoldo Machado, professor, jornalista, escritor e polemista espírita diz que A Nota já estaria fora de

circulação. MACHADO, Leopoldo. Pigmeus contra gigantes. Rio de Janeiro, Imp. Of. “Reformador”, 1940, p.

6. 129

LAMPADÁRIO ESPÍRITA. O Preconceito em Ulisses Pernambucano. Disponível em:

http://www.lampadarioespirita.com/noticias.asp?ID_Noticia=347&ID_AreaNoticia_Noticia=7 Último acesso em

2 de Setembro de 2013. De acordo com o historiador Arilson dos Santos Gomes, o 1º Congresso Afro-Brasileiro

foi organizado e proposto por Gilberto Freyre. Realizado no Teatro Santa Isabel, “entre as suas atividades foram

debatidos a história da importação e da escravidão africana, os problemas de aculturação do negro e as

variações antropométricas raciais e discussões sobre o livro Casa Grande e Senzala”. GOMES, Arilson dos

Santos. Congressos em debates: Primeiro Congresso Nacional do Negro realizado na cidade de Porto Alegre no

ano de 1958: organização, programação, participantes e temas. Disponível em: http://eeh2008.anpuh-

rs.org.br/resources/content/anais/1214577013_ARQUIVO_NOVO_ARILSON_anpuhrs_2008.pdf Último acesso

em 23 de Abril de 2014. 130

“Congresso Afro-Brasileiro”. A Noite. Rio de Janeiro, 15 de Novembro de 1934, p. 6. 131

“Resumo Histórico da Liga Espírita do Brasil 1926 - 1945”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Maio

de 1945, p. 5.

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Conceição, instituição de que participava Leal de Souza, não pertenceria ao “espiritismo

cristão kardecista”132

. Leal de Souza, em seu artigo, diz que

Há muitos annos, os meus escriptos e as minhas conferências demonstram que pertenço à

Linha Branca de Umbanda, sem confundil-a com o partido de vossa propriedade. Há dois

mezes diariamente affirmo e reaffirmo isso, nas colunas do DIÁRIO DE NOTÍCIAS. (...)

Quando se fundou essa instituição, eu já pertencia á Linha Branca de Umbanda, e como seu

representante no Congresso ou Constituinte Espírita, fui eleito relator do parecer que,

approvado, creou esse(sic) Liga. Ainda mais, fui designado, pelo mesmo Congresso, para ser o

diretor da “Revista Espírita do Brasil”, não o tendo sido, por que o sr. João Torres houve por

bem violar, em benefício de sua vaidade, o decreto da assembleia espírita.Ora, se para o

Congresso que creou a Liga, um representante da Linha Branca de Umbanda tinha competência

e autoridade para dirigir o órgão doutrinário dos centros unificados, era porque aquelle ramo

do espiritismo não estava banido do programma da Liga. 133

Assim, a militância de Leal de Souza na Umbanda já era conhecida publicamente, não

o impedindo, mesmo, de ocupar papel relevante na condução dos trabalhos do Congresso

Constituinte Espírita que originou a Liga Espírita do Brasil. Ainda segundo ele, quando fala

da constituição do primeiro Conselho de administração da entidade, ao referir-se a Nobrega

da Cunha, seu 1º secretário, diz que se tratava de um representante do “Espiritismo de linha”

134. Dessa forma, não me parece que o fato de ser umbandista tenha sido encarado pela

maioria dos congressistas como impedimento para o jornalista Leal de Souza assumir a

revistada federativa em formação. Aliás, em sendo assim, se a alternativa apresentada àquele

momento tivesse prosperado – a indicação de Nóbrega da Cunha –, teríamos de qualquer

forma na condução dela alguém que tivesse simpatia pela religião afro-brasileira.

Leal de Souza tem sua versão para a mudança de postura de João Torres, que o teria

levado a violar o decreto da assembleia que definiu os papéis na nascente Liga Espírita do

Brasil. Segundo ele, Zélio Moraes, presidente do Centro que João Torres teria dito não ser

“espírita kardecista”, informou-lhe que

Aquelle comandante lhe pedira para alcançar, de mim e dos outros chefes de nossas Tendas,

procurações, dando-lhe representação junto á futura Assembléa Constituinte da República,

para defender a liberdade de consciência, em nome dos centros espíritas. Não concordei, não

accedi, e desde então a minha Tenda, que o sr. João Torres queria representar junto aos

poderes públicos, decahiu no conceito do mesmo sr. João Torres. 135

Assim, Leal de Souza acusa João Torres de retaliação pelo fato de não concordar que

ele representasse sua Tenda junto aos poderes públicos. Insinua que, com a medida, João

Torres captaria poder político, junto às esferas do poder público como, principalmente, junto

132

SOUZA, Leal. “O Kardecismo da Liga Espírita”. Diário de Notícias, 20 de Dezembro de 1932, segunda

secção, capa. Esse artigo é parte de uma série chamada “O Espiritismo, a Magia e as Sete linhas de Umbanda”,

publicada por Leal de Souza quase que diariamente, de 10 de Novembro de 1932 a 10 de Janeiro de 1933, num

total de 55 artigos. Tornou-se livro em 1933. Ver: TRINDADE, Diamantino Fernandes. Antonio Eliezer Leal de

Souza, op. cit., p. 53. 133

Idem. Grifos meus. 134

Idem. Grifos meus. 135

Idem. Grifos meus.

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às instituições espíritas e umbandistas. Deixa em aberto, também, que isso poderia ocorrer

com outras instituições que lhe tivessem recusado a procuração para representá-los, o que até

justificaria eventuais palavras mais duras, de condenação, de João Torres, às práticas dos

umbandistas. Para supostamente representar os umbandistas, estaria pronto. Diante da recusa

destes, a crítica pública, pela imprensa.

A revista só vem a público em 1929, quase três anos após a constituição da Liga

Espírita do Brasil. E quem é seu diretor-gerente? Nem Leal de Souza, que em 1932 aparece

ressentido com o que lhe ocorrera na entidade, nem Nobrega da Cunha, jornalista que possuía

credenciais para tanto. Nenhum dos dois que teriam relações com a Umbanda assumem-na. É

João Torres que, provavelmente articulara melhor com outros elementos que não

simpatizassem muito com os adeptos das religiões afro-brasileiras, para conseguir o posto.

Além disso, a condição de incorporador da sociedade por cotas que obteve o empréstimo

necessário para colocar a Revista Espírita do Brasil em circulação facultava-lhe poderes para

influenciar na linha editorial dela, colocando-a sob seu controle mais próximo por mais de um

ano. Certamente isso facilitaria o afastamento de adversários dos seus pontos de vista. Os três

elementos que compunham a direção do periódico no seu primeiro ano, ao que parece, não

tinham vínculos estranhos ao Espiritismo. O Redator-Chefe, Jonathas Botelho, nos últimos

meses do ano de 1934 era presidente da Federação Espírita do Estado do Rio de Janeiro136

. J.

C. Moreira Guimarães, Secretário da publicação, aparece vinculado anos mais tarde ao

programa de Rádio “Hora Espírita Radiofônica” junto a espíritas da FEB137

. Quanto a João

Torres, podemos depreender seu posicionamento quanto às práticas da Umbanda através da

ausência desta nas páginas da revista, bem como em artigos, ao que parece, assinados por ele

como “J. T.”, onde procura apontar o que é e o que não é o Espiritismo138

. Aliás, foi isso que

motivou a resposta pública de Leal de Souza. A disputa em torno dos cargos da revista é

reveladora da importância que revestiam para alguns espíritas e umbandistas vinculados à

Liga Espírita do Brasil, uma vez que definiriam linha editorial e conteúdo de sua publicação.

A Revista Espírita do Brasil, à semelhança de O Sidereo, A Verdade e Aurora,

manteve sua redação na sede da instituição que representava. E tratava-se da revista de uma

entidade federativa que foi, pelo que parece, melhor estruturada que Reformador, da FEB, que

surgiu na casa de seu fundador sendo, posteriormente, transferida para a federativa. A

136

INSTITUTO ESPÍRITA BEZERRA DE MENEZES. Campanha Amigos da Creche do Instituto Dr. March.

Disponível em: http://www.iebm.org.br/?pg=instituto-dr-march Último acesso em 2 de Setembro de 2013. 137

CORREIO ESPÍRITA. Programas Espíritas Radiofônicos, op. cit.. 138

Ver, por exemplo: T.,J. “Perguntas, respostas e conselhos”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro,

Setembro de 1929, p. 245.

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importância dos cargos diretivos das revistas das duas federativas provocou disputas e

divisões entre os espíritas que militavam nelas, levando alguns destes – os que foram

derrotados na disputa – a se afastarem destas instituições, de maneira radical e absoluta, como

Leal de Souza, ou de forma mais moderada, como Leopoldo Machado e Carlos Imbassahy. A

maior projeção social das federativas também facilitou a recuperação destas tensões, uma vez

que mereceram o trabalho memorialístico do filho de Carlos Imbassahy bem como o interesse

dos jornais A Manhã – que acompanhou a organização da Liga Espírita do Brasil – e do jornal

Diário de Notícias, abrindo espaço para Leal de Souza dar sua versão dos fatos.

Na Revista Espírita do Brasil não é possível verificar o número de assinantes, bem

como avaliar as receitas obtidas com eles e com anúncios, diferente de Reformador, que

trouxe, por algum tempo, estas informações. Não consta, também, que a revista da Liga

Espírita do Brasil fosse distribuída gratuitamente por Centros Espíritas, bibliotecas e livrarias.

No entanto, como a revista da FEB, devia ser encaminhada às redações de jornais, para ser

comentada e, por consequência, divulgada. Em 1º de Janeiro de 1929, A Manhã acusa ter o

primeiro número da revista, que segundo o jornal teria “excellente feição material” 139

.

A Revista Espírita do Brasil entendia de forma ampla o espectro de interesses do

Espiritismo.

Nessa acção, objectivando, sobretudo, dar uma certa uniformidade aos estudos da doutrina e

prática do Espiritismo, a Revista Espírita do Brasil, ao mesmo tempo espalhando os

ensinamentos do Christo de Deus, apreciará e discutirá os factos de toda ordem da vida de

relação, tanto político-administrativos, social-artísticos, como moral-religiosos, visto como,

sendo, como é, o Espiritismo uma doutrina de aperfeiçoamento em toda a sua extensão, por

certo, espalhando os seus ensinamentos, descrevendo ou assentando os seus moldes de estudo e

de prática, teremos indubitavelmente de intervir nos problemas vários da vida, apreciando

todos os factos, todos os acontecimentos, onde quer que se verifiquem.140

O órgão buscava influenciar na uniformização dos estudos e das práticas do

Espiritismo, esforço que vinha sendo empregado, também, nas reuniões chamadas

“semanaes” promovidas pela Liga Espírita do Brasil. Esse esforço pela normatização é

semelhante ao de A Fratenisação, como vimos acima.Ambos desejavam que as instituições

espíritas se pautassem pelos métodos estabelecidos nas obras de Allan Kardec, uma vez que

os espíritas ligados a esta federativa, em visitações que realizavam a Centros Espíritas, viriam

observando “práticas em completo deturpamento da pureza da doutrina”141

. Para os

dirigentes da Liga Espírita do Brasil, os espíritas destes Centros vinham incorporando às suas

139

“Imprensa Carioca: Revista Espírita do Brasil”. A Manhã. Rio de Janeiro, 1º de Janeiro de 1929, p. 9. 140

“Nosso Programma”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Janeiro de 1929, p. 1 e 2. Grifos meus. 141

“Sessões Espíritas”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Julho de 1929, p. 186.

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práticas doutrinárias elementos rituais e doutrinários de outras religiões, daí o desconforto

acusado, resultantes de outras leituras do Espiritismo que divergiam das de Allan Kardec.

Propunham-se, também, abarcar uma gama maior de assuntos, inclusive políticos,

tentando enxerga-los através de sua maneira específica, de acordo com os ensinamentos da

Doutrina Espírita. Se o Espiritismo objetivava, fundamentalmente, o aperfeiçoamento do ser

humano, parecia natural, para eles, que se interessassem pela vida das instituições humanas,

apreciando-lhes o modo de agir e as consequências de suas ações.Sem deixar de frisar que

tomariam como um de seus referenciais os ensinamentos de Jesus Cristo, não se deteriam,

apenas, nas questões doutrinárias. Os espíritas da Liga Espírita do Brasil enfatizam, também,

que a revista

Será também um órgão combativo, da mesma sorte que será doutrinário, sem contudo ser

aggressivo; deste modo a acção da política religiosa, qualquer que seja a sua fonte, será

combatida por meios esclarecedores, notadamente quando houver ostensiva aggressão ou

ridículo que, a cada passo, os espíritas são víctimas. 142

O órgão mensal da entidade federativa posiciona-se em defesa dos espíritas, cujos

interesses poderiam ser prejudicados em função da “ação política religiosa” que, a despeito de

ter sido apresentada de forma genérica no seu programa de atuação, tratar-se-ia daquela que

os católicos pudessem operar. Sempre que interpretassem como ofensiva às ações do grupo

religioso hegemônico na sociedade naquele momento, tomariam as páginas da revista para

combater, uma vez que entendiam que os ataques desferidos contra os espíritas e sua Doutrina

seriam comuns e mereceriam contestações. A resposta à altura, atacando questões doutrinárias

fundamentais dos católicos, colocando-as em relação à visão espírita sobre o assunto, visaria

vencer, pelo argumento, o opositor, ou, pelo menos, desestimula-lo a novas investidas contra

o Espiritismo e os espíritas143

. Escrito no início do ano de 1929, o tema ainda estaria candente

entre os espíritas, já que se tratava do órgão de uma entidade cujo nascimento é ligado,

fundamentalmente, à defesa dos interesses dos espíritas que se sentiam ameaçados pelas

“emendas religiosas” à Constituição de 1891 – que visariam instituir o ensino religioso –,

propostas pelo deputado católico Plínio Marques em 1925144

. Estes observavam como

ameaçadoras as movimentações dos interessados na implementação da mudança, que ocorreu,

oficialmente, com o Decreto nº. 19.941 de 30 de Abril de 1931145

.

142

“Nosso Programma”. Revista Espírita do Brasil, op. cit., grifos meus. 143

O que poderia ser feito, por exemplo, confrontando-se a crença na ressureição da carne, católica, parte do

credo católico, com a da reencarnação, defendida pelos espíritas como mais de acordo com a justiça de Deus. 144

QUINTELLA, Mauro. “A FEB e a Liga Espírita do Brasil”. In: História do Espiritismo no Brasil, op. cit.. 145

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Decreto nº. 19.941 de 30 de Abril de 1931. Disponível em:

http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19941-30-abril-1931-518529-

publicacaooriginal-1-pe.html Último acesso em 2 de Novembro de 2013.

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Os espíritas da Liga Espírita do Brasil engajaram-se em iniciativas políticas contra o

ensino religioso, a principal delas a Coligação Pró Estado Leigo, cedendo, inclusive, sua sede

para o funcionamento desta e noticiando seu funcionamento e atividades em seu órgão

mensal. Segundo Eusinio Lavigne, na Revista Espírita do Brasil de Junho de 1947,

Ninguém, sem contradizer-se, pode ser apolítico, porque o homem é sociável e, pois, deve

interessar-se pela Ordem Social, cuja segurança muito depende dos processos da Política. A

neutralidade, como sintoma de comodismo, não agrada à doutrina espírita, que nos obriga a

trabalhar pelo progresso humano, uma vez que a existência humana é uma estação necessária

da imortalidade do espírito. 146

O autor postula que a neutralidade é sintoma de comodismo, o que não seria

condizente com os ensinamentos da Doutrina Espírita, que propunha que as pessoas trabalhem

para o progresso humano, esforço necessário para a evolução espiritual. Os espíritas, a seu

ver, deveriam interessar-se pela Política na medida em que a ordem social dependia dela para

manter-se com segurança. Seus esforços de participação política ajudariam a manter as

instituições em funcionamento. Escreve isso pouco mais de dois anos depois do final da

ditadura de Getúlio Vargas, tempos de restrições às liberdades. E estes espíritas levaram isso

muito a sério. Mundo Espírita de 7 de Dezembro de 1946 num artigo intitulado

“Movimentam-se os espíritas”, demonstra a articulação de espíritas da Liga Espírita do Brasil

com a Coligação Pró Estado Leigo com vistas às eleições para vereadores que se

avizinhavam. Esta entidade, em que Lins de Vasconcellos foi eleito presidente em Agosto de

1946147

, teria recomendado a votação nas chapas de partidos em cujos programas constasse a

defesa do Estado Laico. Dentre eles, ressaltavam o Partido Republicano Democrático, que

apresentaria em breve seus candidatos, sendo que dentre eles “se destacam alguns espíritas

de incontestável merecimento, grandes simpatias e capazes de bem desempenharem o

mandato que lhes for confiado, se eleitos”148

. O então presidente do Conselho da Liga

Espírita do Brasil, Aurino Barbosa Souto recomenda, pelas páginas do mesmo jornal, em 14

de Dezembro de 1946, que os espíritas prestigiem os esforços da Coligação Pró Estado Leigo,

“votando e aconselhando votar nos partidos cujos programas estejam em harmonia com os

princípios defendidos pela Coligação, e que reúnam em suas chapas, maior número de

146

LAVIGNE, Eusignio. “Espiritismo e Política”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Junho de 1947, p.

3. Grifos meus. Sobre o autor, ver: PEREIRA NETO, Carlos. Eusinio Lavigne, um ilheusense. Disponível em:

http://ilheuscomamor.wordpress.com/2011/06/09/eusinio-lavigne-um-ilheusense/ Último acesso em 31 de

Janeiro de 2014. 147

“Reinicia suas atividades a Coligação Nacional Pró Estado Leigo”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 17 de

Agosto de 1946, p. 3. 148

“Movimentam-se os espíritas”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 7 de Dezembro de 1946, capa.

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candidatos espiritistas” 149

. E quais foram os candidatos espíritas? Concorreram para o cargo

de vereador Henrique Andrade (do Mundo Espírita e ex-presidente da Liga Espírita do

Brasil), Mário Costa (Centro Espírita Christóphilos e responsável pela coluna “Vida

Espiritual” na Gazeta de Notícias), o próprio Lins de Vasconcellos (FEB, Liga Espírita do

Brasil e, posteriormente, responsável por Mundo Espírita) 150

, o médico Cadmo Brandão151

e

Olívio Novaes, que seria um homem de imprensa e um dos fundadores da Rádio Piratininga,

de São Paulo, uma “emissora espírita” 152

. Nenhum deles foi eleito, no entanto, acreditaram na

atuação político-partidária como forma de intervenção social e investiram nisso. E dos cinco

candidatos, quatro desempenhavam atividades na imprensa, sendo que Henrique Andrade,

Mário Costa e Lins de Vasconcellos no jornalismo espírita.

1.3 – Periódicos espíritas que se pretendiam “independentes”

Além dos periódicos diretamente vinculados a Centros Espíritas ou federativas,

existiram outras iniciativas que não se apresentavam como órgãos de instituições espíritas,

ainda que solicitassem a participação dos demais espíritas nestes empreendimentos. Em 25 de

Junho de 1931, na coluna “No Mundo Espírita” do Diário Carioca pode-se ler uma nota

interessante. Intitulada “Nosso Jornal” 153

, informava que até o dia 15 de Julho haveria uma

reunião de espíritas que estariam aderindo, de boa vontade, ao desejo de criar-se um jornal

comum, dos espíritas, por isso, o nome da nota. Em 4 de Julho decidem a data definitiva: a

reunião seria realizada num domingo, dia 12 de Julho daquele ano, no salão da União Espírita

Trabalhadores de Jesus154

, na Rua do Riachuelo nº. 119, no Centro, gentilmente cedido pela

diretoria da instituição155

. Aproveitam a ocasião e abrem o convite a todos os interessados,

espíritas ou não, que desejassem associar-se ao empreendimento. Mas... Quem seriam esses

espíritas? Quem cedeu o espaço aderiu de alguma maneira à causa. Este Centro espírita não

149

SOUTO, Aurino Barbosa. “A Liga Espírita do Brasil e as próximas eleições para Vereador”. Mundo Espírita.

Rio de Janeiro, 14 de Dezembro de 1946, p. 4. 150

“O resultado”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 8 de Fevereiro de 1947, capa. 151

Durante as exigências da Portaria Policial nº 8363 por atestados médicos dos médiuns participantes em

reuniões mediúnicas, ele colaborou com o Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança, de Botafogo, o que lhe

rendeu o título de sócio honorário da instituição. Ver: OLIVEIRA, Marco Aurélio Gomes. “Livres”, porém

perseguidos, op. cit., p. 74. Sobre vida e a candidatura de Brandão da Rocha, ver: “Dr. Cadmo de Moura

Brandão”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 9 de Novembro de 1946, p. 2. 152

Foi o único que não pertencia ao Partido Republicano Democrático e sim ao Partido Social Progressista. “Ele

não é um desconhecido. Labuta há muitos anos no comércio, na imprensa, aqui e em São Paulo. Foi um dos

grandes trabalhadores e propagandistas da Rádio Piratininga – a Emissora dos Espíritas. Ele pode não ser

conhecido nas altas camadas sociais, mas o é – do povo”. VALENTE, Aurélio. “Apresentando um candidato”.

Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 16 de Novembro de 1946, p. 2. 153

“Nosso Jornal”. Diário Carioca. Rio de Janeiro, 25 de Junho de 1931, p. 7. 154

Trata-se de um Centro Espírita. 155

“Reunião Pro-Nosso Jornal”. Diário Carioca. Rio de Janeiro, 4 de Julho de 1931, p. 8.

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70

consta no Livro de Registro das Associações Agregadas à Liga Espírita do Brasil156

, não

sendo, portanto, adeso a esta entidade federativa. Também não o era à Federação Espírita

Brasileira157

. Em Março de 1929, era presidido pelo advogado Henrique Andrade que, anos

mais tarde, presidiria a Liga Espírita do Brasil. É possível, então, presumir que ele já tivesse

relações com esta entidade federativa em 1931, ainda que o Centro Espírita que presidia não

tivesse adeso a ela158

.

Dois dias antes da reunião marcada, ou seja, 10 de Julho de 1931, pela coluna espírita

de Diário Carioca, lemos que o objetivo daqueles espíritas era a fundação de um jornal diário.

No chamamento à reunião, a história de um fracasso anterior.

Depois de fracassadas diversas iniciativas a esse respeito, por falta absoluta de união dos

espíritas, depois que o illustre confrade professor Nóbrega da Cunha, viu em pouco tempo ruir

todo o seu grande trabalho, obrigando-se a uma retirada das lidas espíritas, pelo

desapparecimento do seu jornal “O Mundo Espírita”. Compete-nos, agora, ajudarmos ao

querido confrade Antonio Compans a quem está confiada esta missão por demais laboriosa,

porém mais do que nobilitante, amparando-o com a nossa presença, com o nosso sincero apoio,

sustentando-o nesse trabalho formidável, despertando todas as energias latentes, para que

assim se torne realidade uma das nossas velhas aspirações: - Um jornal espírita diário (...)159

.

O desejo de manter um jornal diário já passara, naquela época, pela mente de alguns

espíritas, que teriam fracassado em suas tentativas em virtude da desunião, muito

provavelmente porque não aderiram, como seria de desejar, aos projetos derrotados. Nóbrega

da Cunha, agora tomado como espírita pelos que se propunham a concretizar este projeto,

como vimos, fora cotado por alguns participantes do Congresso Constituinte Espírita que

originou a Liga Espírita do Brasil para assumir a Revista Espírita do Brasil, o que não

ocorrera. Será que seu desejo pela criação de um jornal tem haver com o fato de não assumir a

revista da federativa, buscando espaço, quem sabe, para dar representatividade a um espectro

mais amplo de Centros, nem sempre tão “espíritas” para o gosto da turma da Liga Espírita do

Brasil? É uma possibilidade. Sobre Antonio Compans, não obtive muitas informações, a não

ser que fora o responsável pela coluna “No Mundo Espírita” de Diário Carioca em algum

momento entre Março de 1934 até Abril de 1936160

. Parece que fora o idealizador do projeto

156

CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Livro de Registro das Associações

Agregadas à Liga Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, 1942. 157

CPDOC-FGV. Arquivo pessoal Filinto Müller. Serviço de Inquéritos Políticos e Sociais. As forças religiosas

no Brasil, do ponto de vista de suas influências políticas e econômicas. Relação dos Centros Espíritas filiados à

FEB. Rio de Janeiro, 1938. 158

Na edição de Março de 1929 da Revista Espírita do Brasil, encontramos o anúncio da abertura das aulas da

Escola Vianna de Carvalho, fundada em Dezembro do ano anterior por este Centro que, à época, era presidido

pelo advogado Henrique Andrade. “Escola Vianna de Carvalho”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro,

Março de 1929, p. 71. 159

“Aos Espíritas”. Diário Carioca, op. cit., grifos meus. 160

CHRISTOVÃO, Daniel. “Duas palavras”. Diário Carioca, 18 de Abril de 1936, p. 15.

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que ganhou adesões, provavelmente, a partir de conversas informais com outros espíritas, bem

como através da repercussão nas páginas do Diário Carioca.

Em 15 de Julho de 1931, ainda no Diário Carioca, podemos encontrar um resumo da

reunião anunciada. Fizeram-se presentes representantes de algumas instituições espíritas, a

saber: o Centro Estudantes do Evangelho, o Centro Amor e Luz, a Tenda de Caridade, o

Centro Jesus Maria José, o C. Caridade Ismael , o C. Fé e Caridade. Compareceram também o

Capitão Aristóteles de Farias Castro e Souza Moraes representando o Anuário Espírita do

Brasil 161

. Não foi citado ninguém representando as entidades federativas. Nenhum dos

Centros ali presentes era adeso a FEB. No entanto, os dois últimos que mencionei eram

adesos à Liga Espírita do Brasil. O C. Fé e Caridade era considerado no seu livro de registro

de instituições adesas um fundador. Consta nele, como seu presidente, João Pinto de Souza162

,

presente a esta reunião também. Na reunião, formaram três comissões, duas divididas por

regiões. Uma do que chamaram “zona suburbana”, com cinco integrantes e a outra da “zona

urbana” com sete, dentre os quais Henrique Andrade. A terceira teria a responsabilidade de

organizar a sociedade anônima do jornal 163

.

Em 26 de Julho de 1931, 11 dias depois, tornam a reunir-se, agora na sede do Centro

Fernandes Figueira, no Méier. Na oportunidade, deliberaram que “na impossibilidade de

fundação immediata da Sociedade Anonyma de Crédito Limitado, por falta da porcentagem

de 40%, como capital inicial para o seu funcionamento, de accordo com os preceitos da lei,

funda-se uma sociedade com a denominação Pró-“Nosso Jornal”164

. Apesar de chamarem

atenção para a presença de grande número de pessoas à reunião, os recursos necessários ao

empreendimento faltaram ao encontro, não sendo possível a criação da sociedade anônima.

Aproveitam, no entanto, a ocasião e elegem uma primeira diretoria: Presidente, Francisco

Nogueira, presidente também do Centro Espírita Luiz Gonzaga e vice-presidente do Centro

Espírita Estudantes da Verdade; Vice-presidente, Augusto Santos, apresentado como “velho

propagandista da doutrina espírita”165

; Secretário, Tenente Souza Moraes, redator do

Anuário Espírita do Brasil; Tesoureiro, João de Carvalho Pedrosa, presidente da Tenda

161

O Capitão Aristóteles de Farias Castro foi eleito bibliotecário da Liga Espírita do Brasil em Março de 1931.

“Registro Espírita. Conselho da Liga Espírita do Brasil”. A Batalha. Rio de Janeiro, 3 de Março de 1931, p. 5. 162

CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Livro de Registro das Associações

Agregadas à Liga Espírita do Brasil, op. cit., p. 6. Existem duas instituições com o nome “Jesus Maria José”

neste livro. Uma do Engenho Novo, o Grupo Espírita Jesus Maria José (p. 11) e a outra da Mangueira, a

Associação Espírita Jesus Maria José (p. 73). Algum destes dois poderia ser o que tivera representante presente à

reunião? 163

“Nosso Jornal”. Diário Carioca. Rio de Janeiro, 15 de Julho de 1931, p. 9. 164

“Sociedade Espírita pró „Nosso Jornal‟”. Diário Carioca. Rio de Janeiro, 29 de Julho de 1931, p. 11. 165

Idem.

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Espírita de Caridade; Comissão de Finanças composta por Mauro de Oliveira, Mario Fonseca

e Joaquim Collares Rocha. Escolheram, por fim, cinco pessoas para entrarem em

entendimentos com os diretores dos Centros Espíritas da capital, acredito que para captar

recursos, dentre os quais Souza Moraes e João Pinto de Souza. A ideia de criação de uma

sociedade para captar recursos para o jornal deve ter sido inspirada na experiência da Liga

Espírita do Brasil para concretizar a Revista Espírita do Brasil.

Apesar de no dia 10 de Julho de 1931 lermos, nas páginas do Diário Carioca, que o

responsável pela coluna espírita atribuiu a iniciativa de “Nosso Jornal” a Antonio Compans,

ele não figura em parte alguma com responsabilidades, nem é mais mencionado. Desistira do

empreendimento? Chama a atenção, também, para as adesões que a ideia vai recebendo. A

segunda reunião fora realizada numa instituição vinculada à FEB166

. O presidente da nova

sociedade, que pretendia fundar o jornal diário, também presidia um Centro filiado à FEB.

Como é possível começar a perceber, o projeto captou a atenção de espíritas cujas instituições

tinham vínculos com a FEB e com a Liga Espírita do Brasil. Os homens envolvidos na

imprensa espírita trabalham em diversas frentes, seja nas suas próprias instituições, seja na

própria imprensa. Neste momento, aliás, é Souza Moraes, redator do Anuário Espírita do

Brasil, quem está recebendo toda correspondência e adesões ao projeto, na Rua Pedro

Domingues nº. 97, na Piedade.

Em 1º de Agosto de 1931 informam, através da coluna “No Mundo Espírita” do

Diário Carioca que pretendem colocar em circulação o jornal diário, com doze páginas, no

mês de Outubro daquele ano167

. Não queriam nascer pequenos. O jornal diário que lhes

oferecia espaço para divulgarem o empreendimento oscilava entre oito e doze páginas. No dia

11 do mesmo mês, em nova reunião que fizeram, agora no Centro Espírita Antonio de Pádua,

adeso à FEB, na Rua Senador Pompeu nº. 160, no Centro, informam que já estão com tudo

preparado para a fundação da sociedade anônima, nos termos da lei. Poucos dias depois, no

dia 19 de Agosto de 1931, relata-se que estão recebendo grande número de adesões. No

entanto, ainda guardavam maiores expectativas.

Esperamos, ainda, que os dirigentes de todas as associações espíritas da capital e dos Estados

concorram também com o seu contingente de boa vontade moral e material. Assim, chamamos

a attenção com especial consideração á Federação Espírita Brasileira e á Liga Espírita do

Brasil, para que se dirijam ao secretário, dizendo algo, a respeito.168

166

CPDOC-FGV. Arquivo pessoal Filinto Müller. Serviço de Inquéritos Políticos e Sociais. As forças religiosas

no Brasil, do ponto de vista de suas influências políticas e econômicas. Relação dos Centros Espíritas filiados à

FEB. Rio de Janeiro, 1938. 167

“Nosso Jornal”. Diário Carioca. Rio de Janeiro, 1º de Agosto de 1931, p. 11. 168

“Nosso Jornal”. Diário Carioca. Rio de Janeiro, 19 de Agosto de 1931, p. 10. Grifos meus.

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Apesar das adesões, sentem necessidade de maior ajuda por parte dos espíritas.

Reclamam apoio moral e material. Lembre-se que o jornal não surgira antes por falta de

recursos. Os responsáveis pelo empreendimento chamam as entidades federativas a se

manifestarem, uma vez que até aquele momento, mantiveram silêncio. Espíritas de

instituições vinculadas às duas entidades representativas estavam aderindo. Por que não a

FEB e a Liga Espírita do Brasil? Por que já tinham seus órgãos oficiais? Receio de perderem

o protagonismo da ação? Afinal, os espíritas de Cataguases propuseram, na reunião do

Conselho Federativo da FEB em 1926, que os espíritas cerrassem fileiras em torno da

ampliação do Reformador ou na criação de um jornal diário para esta federativa, no que ela

prontamente concordou. Anos depois, em 1929, a FEB cobrou dos espíritas através de seu

presidente Manoel Quintão a não adesão ao projeto de imprensa em torno dela. Esta foi a

última referência que encontrei com relação a Nosso Jornal. Depois disso, o que teria

ocorrido? Saíra do papel?

Acredito que a gestação de Nosso Jornal resultara em outro filho. Praticamente seis

meses depois da última referência a ele, no dia 18 de Fevereiro de 1932 lemos no Diário

Carioca:

Uma empresa jornalística, fundada pelos srs. Comandante João Torres, dr. Henrique de

Andrade, tenente João de Souza e o industrial sr. Benedicto de Souza, proprietário das officinas

gráphicas da rua do Carmo n. 43 vae reiniciar a publicação do semanário “Mundo Espírita”,

jornal fundado e publicado em 1926, pelo jornalista Nóbrega da Cunha. 169

O tenente João de Souza é o redator de Anuário Espírita do Brasil, acima chamado de

Souza Moraes170

e que estivera à frente, nos últimos tempos, do projeto de criação do Nosso

Jornal. Henrique de Andrade aderira ao movimento na primeira hora, provavelmente quando

a diretoria da instituição que presidia oferece sua sede para a primeira reunião envolvendo os

interessados na criação do jornal espírita diário. João Torres, naquele momento, era o

presidente da Liga Espírita do Brasil. E não deve ser casual que a empresa jornalística tenha a

participação do industrial Benedicto de Souza, proprietário da gráfica onde era impressa, na

época, a Revista Espírita do Brasil, órgão da entidade federativa presidida por João Torres. O

apelo de seis meses antes surtira efeito. E novamente remetem ao projeto frustrado de

Nóbrega da Cunha, porém, agora para revivê-lo. Parece razoável supor que o nome da coluna

169

“Mundo Espírita”. Diário Carioca. Rio de Janeiro, 18 de Fevereiro de 1932, p. 7. Grifos meus. O jornal

Mundo Espírita, fundado por João Torres, Henrique de Andrade, João de Souza e Benedicto de Souza inicia suas

atividades em Abril de 1932 na Rua do Ouvidor nº. 15, 4º andar. Deve ter sido impressa, inicialmente, na

Tipografia de Benedicto de Souza. O jornal circula até o presente sob a responsabilidade da Federação Espírita

do Paraná no formato impresso e na internet. FEDERAÇÃO ESPÍRITA DO PARANÁ. Mundo Espírita.

Disponível em: http://www.mundoespirita.com.br/ Último acesso em 6 de Setembro de 2013. 170

“Junta Comercial – Sessão de 5 de Maio de 1932. Contratos”. Correio da Manhã, 7 de Maio de 1932, p. 12.

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espírita publicada no Diário Carioca – “No Mundo Espírita” – faça referência a esse projeto

que, em 1926 não vingara por, dentre outras razões que os contemporâneos não apontaram

claramente, “falta absoluta de união dos espíritas”171

. Em 5 de Maio de 1932, registram o

contrato na Junta Comercial como Empresa Jornalística Mundo Espírita Limitada. Situava-se

à Rua do Ouvidor nº. 15, 2º andar. Tinha, como capital, 6:400$000172

.

Surgiram dificuldades financeiras e de relacionamento e elas foram rememoradas

porLins de Vasconcellos173

, em 21 de Fevereiro de 1948, ao assumir o jornal e sua gráfica,

comparando a iniciativa de Henrique Andrade, João Torres, João de Souza e Benedicto de

Souza em fundar Mundo Espíritaao fracasso do projeto de Nóbrega da Cunha em 1926.

Parece que a experiência deixou marcas nos que se interessavam pelos trabalhos da imprensa

espírita, afinal, 26 anos depois, ainda preservaram a memória de sua iniciativa na disputa da

preferência dos espíritas na imprensa. Mas este fracasso não frearia o desejo dos iniciadores

de Mundo Espírita.

A lição do insucesso não intimidou aqueles companheiros. Infelizmente, logo depois, Torres e

Moraes saíram da direção tríplice, ficando Andrade à frente do semanário, numa luta

aspérrima de todos os dias, disputando a preferência do meio espírita em que já estavam

radicados o “Reformador”, “Aurora” e a “Revista Espírita do Brasil”. Manifestei, então,

minha opinião, tentando evitar dispersividade, dano e malogro com o seu inevitável cortejo de

desilusões. Andrade, porém, insistiu e persistiu durante anos, sustentando uma batalha difícil,

pontilhada de amarguras e temeridades, sem querer jamais modificar a saída do jornal, de

semanal para quinzenal ou mensal (...). 174

A leitura que Lins de Vasconcellos faz do início de Mundo Espírita é a de que o jornal

desce a campo para disputar a preferência do meio espírita, num universo de periódicos já

estabelecidos. Não estaria, ali, para agregar, somar valor às outras iniciativas. Outro jornal

onde já existiam três periódicos espíritas seria, em sua opinião, um desperdício de forças, de

Henrique Andrade e dos que aderissem a seu projeto, que poderiam estar sendo convergidas

para algum dos periódicos então existentes. Estaria preocupado, também, com a imagem de

desunião que os espíritas poderiam passar para o restante da sociedade por conta das múltiplas

iniciativas na imprensa? É possível, ainda que isso não solucionasse os conflitos que faziam

com que os espíritas tivessem duas entidades federativas, que boa parte dos Centros Espíritas

não estivessem adesos a elas, que preferissem investir nos periódicos específicos de seus

próprios Centros e iniciativas na imprensa mais independentes.

171

“Aos Espíritas”. Diário Carioca, op. cit.. 172

“Junta Comercial – Sessão de 5 de Maio de 1932. Contratos”. Correio da Manhã, op. cit.. 173

Sobre o empresário Lins de Vasconcellos, ver: LOBO, Ney. Lins de Vasconcellos: o diplomata da unificação

e o paladino do estado leigo. Curitiba: Edição Federação Espírita do Paraná, 1997. 174

LOPES, Arthur Lins de Vasconcellos. “Início de nova etapa”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 21 de

Fevereiro de 1948, capa.

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Lins de Vasconcellos, que dizia ter assumido a “responsabilidade de dirigir

temporariamente” 175

o Mundo Espírita, dá a entender que, pouco tempo depois, João Torres

e Souza Moraes afastam-se do empreendimento, que continuou apenas com Henrique

Andrade. O que teria motivado o afastamento? Em 17 de Abril de 1951, Nelson Kerensky,

escrevendo sobre o aniversário de Mundo Espírita elabora sua versão. Segundo ele, “em

1934, em virtude de discordância quanto à orientação doutrinária até então seguida por

Henrique Andrade, dissolveu-se a sociedade, assumindo ele todo o ativo e passivo”176

. A

sociedade entre os três manteve-se, então, por dois anos. De que natureza seriam essas

divergências doutrinárias? É difícil apurar a orientação doutrinária seguida pelo jornal sem

consulta-lo. Na Biblioteca Nacional, não estão disponíveis os exemplares de 1932 a 1944177

.

Tenho um palpite de um fato que, se não foi determinante, pode ter contribuído para o

afastamento entre as partes. Henrique Andrade não aderiu à obrade Roustaing onde estavam

consignadas as polêmicas teses a respeito da natureza fluídica do corpo de Jesus. Segundo ele,

essa obra teria causado, pelas discussões que provocou, muitos rompimentos de amizades.

Assim,

ciente de tudo isso, e não desejando concorrer para uma possível revivescência da luta, jamais

consenti que pelas colunas de “Mundo Espírita”, semanário de minha exclusiva orientação

doutrinária, se discutisse a questão do “corpo fluídico de Jesus”, ou se ventilasse a questão

Roustaing.178

Se ele inicialmente fechou as portas para a discussão desta obra, deve ter sido

demandado por aqueles que gostariam de debatê-la ou, ao menos, tentar colocar panos

quentes sobre o assunto. Posteriormente, em Fevereiro de 1943, ele mergulha na polêmica.

João Torres seria favorável? Em 6 de Fevereiro de 1930, na coluna “Vários Cultos” de Gazeta

de Notícias, no espaço dedicado ao Espiritismo, ele não ataca a questão de frente. Acha que a

discussão deveria ser adiada, a fim de que os interessados no assunto tivessem tempo de

aprofundar suas pesquisas em torno da questão. Diz possuir sua visão particular a respeito

175

Idem. 176

KERENSKY, Nelson. “Aniversário”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 17 de Abril de 1951, p. 4. 177

A pesquisa nestes é possível apenas na Federação Espírita do Paraná no acervo digitalizado da instituição, a

não ser que exista alguma instituição espírita, no Rio de Janeiro ou não, que porventura tenha preservado alguns

exemplares. Alameda Cabral, 300, Centro. Curitiba – Paraná. 178

ANDRADE, Henrique. “Explicação necessária”. A Bem da Verdade. Rio de Janeiro: Edição Própria.

Composta e impressa na Gráfica Mundo Espírita S. A., 1946, p. XIII. O livro é uma crítica à obra de Roustaing,

surgido a partir de uma série de artigos publicados em Mundo Espírita. Segundo seu autor, o programa Hora

Espírita Radiofônica, que vinha mantendo-se neutro, passou a veicular propaganda dessa obra, por iniciativa de

Ismael Gomes Braga, da FEB e que escrevia no órgão da Liga Espírita do Brasil, o que fez com que Henrique

Andrade se posicionasse contra pelas páginas de seu jornal em Fevereiro de 1943. Frederico Fígner entra na

polêmica com uma carta aberta publicada no jornal Vanguarda. Em resposta a ele, Henrique Andrade escreve os

artigos.

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dotema, mas estaria fechado à discussão do problema179

. Parecia, no entanto, simpático à tese

nas páginas do órgão da Liga Espírita do Brasil. Na Revista Espírita do Brasil de Junho de

1929, órgão que gerenciava na ocasião em que presidia aquela federativa, num texto assinado

“J. T.” que bem podemos presumir ser de autoria de João Torres, lemos que ele considerava

que aspectos dessa obra pudessem ser aproveitados.

A obra de Roustaing – nem a acceitando em substituição á de Kardec (como também

acreditamos que ninguém o fez ainda) nem a combatendo, temol-a, como a de todos os

auctores espíritas, como elemento subsidiário á obra do mestre invicto codificador do

Espiritismo. Acceitamos Roustaing, pois, naquillo que, na qualidade de um dos nossos

apóstolos, nos offerta de bom e útil; quanto ao mais, não condemnamos nem discutimos. 180

Quanto à polêmica questão da natureza do corpo de Jesus, ele inclina-se a “crer que a

sua condição physica, o seu corpo, teria sido matéria outra, não grosseira como a da nossa

espécie, facilmente se permittindo desassociar vibratoriamente por sua vontade própria” 181

.

Ou seja, o corpo de Jesus seria capaz de “desmanchar-se”, tornar-se “invisível”, de acordo

com sua vontade. A atitude pública da Liga Espírita do Brasil, então presidida por João

Torres, frente à obra, oscila entre a conciliação entre as partes divergentes com vistas a

posteriores desenvolvimentos da reflexão e a simpatia, que aparece mais discreta. Reforça o

aproveitamento de partes dela, ainda que não explicite quais e não se proponha a combater

àquilo que eventualmente discorde. A opção de Henrique Andrade teria sido, de fato, pelo

silêncio total nas páginas de Mundo Espírita, frente à obra de Roustaing? João Torres teria

desejado mostrar, nas páginas de Mundo Espírita, esta simpatia, que não é declaradamente

aberta em Gazeta de Notícias, mas o é na Revista Espírita do Brasil? E qual seria a opinião do

terceiro sócio, João de Souza Moraes? Henrique Andrade comenta o assunto doze anos depois

do rompimento com seus sócios. Teria “reorganizado” sua memória ao escrever que não

permitia a discussão da obra ou já naquele momento posicionou-se, publicamente, contrário a

ela?

No início de suas atividades, Mundo Espírita, como a maior parte dos periódicos

espíritas, raramente usava fotos182

. Em Janeiro de 1945 contava, como Secretário, Deolindo

Amorim que, em Junho do mesmo ano, era Secretário da Liga Espírita do Brasil183

. É possível

179

TORRES, João. “A natureza do corpo de Christo”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 2 de Fevereiro de

1930, p. 4. 180

“Allan Kardec e Roustaing”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Junho de 1929, p. 170. Grifos meus. 181

TORRES, João. “Conselhos, perguntas e respostas”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Março de

1929, p. 85. 182

FEDERAÇÃO ESPÍRITA DO PARANÁ. “Mundo Espírita chega aos 80 anos”. Mundo Espírita. Curitiba,

Abril 2012. Disponível em: http://www.mundoespirita.com.br/?materia=mundo-espirita-chega-aos-80-anos

Último acesso em 6 de Setembro de 2013. A partir de 1945 – disponíveis na Biblioteca Nacional – notei que

Mundo Espírita usava fotos. A Revista Espírita do Brasil e o Reformador também. 183

“Liga Espírita do Brasil”. Reformador. Rio de Janeiro, Junho 1945, p. 143.

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perceber a relação mais próxima com esta entidade federativa que com a FEB. Mundo

Espírita, também à semelhança do Reformador, contava com representantes em vários

Estados, a saber: São Paulo, Pernambuco, Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do

Norte, Bahia, Alagoas e Espírito Santo.

Em Abril de 1949, na gestão de Lins de Vasconcellos, aumentam a tiragem para

12.000 exemplares sem que o número de assinantes tenha aumentado tanto, “pela

conveniência de tornar o Espiritismo sistematicamente conhecido em todos os distritos

judiciários, sedes de municípios, agências de correios, etc. de todo o território nacional”184

.

Contariam, neste momento, com esforços maiores dos seus representantes nos Estados? A

tiragem estabiliza-se neste número pelo menos até Junho de 1950.

O jornal Mundo Espírita, resultado dos esforços envolvidos no projeto do jornal

espírita diário chamado Nosso Jornal, contou com a participação de espíritas cujos Centros

tinham ligação com as entidades federativas existentes. Dirigido, na maior parte do período,

por um ex-presidente da Liga Espírita do Brasil, contou ainda, no seu secretariado com

Deolindo Amorim, que exercia a mesma função nesta federativa. Lins de Vasconcellos é um

caso mais emblemático, porque desempenhou funções nas duas federativas, o que pode ter

ocorrido até quando assumiu a direção do jornal, em Fevereiro de 1948. Em Novembro de

1946 lemos no Mundo Espírita que ele seria vice-presidente da Liga Espírita do Brasil e na

FEB seria membro do Conselho Fiscal185

.

Apesar de militar nas duas federativas, Lins de Vasconcellos não escondia sua

preferência pela FEB, em detrimento da Liga Espírita do Brasil. Escrevendo sobre a

realização de congressos e a união das entidades federativas numa sequência de artigos

publicados no Mundo Espírita, resolve fazer uma análise delas. A FEB, para ele, era a “Casa

Máter do Espiritismo no Brasil”, que desenvolveria “ação cuidadosa” na assistência social,

além de “consagrar-se” na difusão do Espiritismo, “pela tribuna, pela imprensa e pelo livro,

principalmente pelo livro em que conseguiu ultrapassar tudo quanto foi feito no resto do

mundo (...)” 186

. Nela, teriam militado homens que são considerados uma “plêiade gloriosa

de obreiros do Senhor que, sem alarde, embasou o edifício indestrutível que aí se encontra,

184

LOPES, Arthur Lins de Vasconcellos. “Maio um ano”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 4 de Abril de 1949,

capa. Grifos meus. 185

“O caso da projetada fusão entre a Liga Espírita do Brasil e a Federação Espírita Brasileira”. Mundo Espírita.

Rio de Janeiro, 2 de Novembro de 1946, p. 4. 186

LOPES, Arthur Lins de Vasconcellos. “Unidade – Unificação – União! III”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro,

5 de Junho de 1948, capa.

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dispensa elogios” 187

. Segundo ele, vice-presidente da Liga Espírita do Brasil, “se a F.E.B.

não uniu os espíritas, como pensamos que o fez, os que vierem dificilmente o farão” 188

.

Assim, a FEB teria, a seu ver, uma atuação destacada, contando em seus quadros com homens

que eram verdadeiros emissários dos Espíritos Superiores, o que faria com que a obra que a

federativa realizasse fosse indestrutível, portanto, não contaminada por erros e paixões

humanas. Para ele, somente a FEB poderia unir os espíritas, nenhuma outra instituição teria

capacidade para tanto.

Quando Lins de Vasconcellos se refere à Liga Espírita do Brasil os termos são outros.

Os seus componentes seriam bem mais humanizados. A instituição teria uma vida ativa, ainda

que pontuada por dificuldades, muitas das quais criadas por pessoas com sentimentos pouco

claros e “impulsos violentos. É da terra. Somos humanos” 189

. Apesar disso, teria feito boa

obra de propaganda. À Liga Espírita do Brasil estariam ligados homens comuns, de paixões,

não os “emissários do céu” que Lins de Vasconcellos parece enxergar nos homens da FEB.

Em 1948, como jornal não diretamente vinculado a nenhuma instituição espírita,

Mundo Espírita tem tiragem semelhante à que teve a revista A Verdade, do Centro Espírita

Bezerra de Menezes, sendo que contava com representantes nos demais estados da Federação.

Os seus 12.000 exemplares em 1949 o tornam o terceiro jornal espírita do Rio de Janeiro com

maior tiragem, daqueles que pude identificar, ficando atrás de Aurora com seus 40.000

exemplares no início da década de 1930 e do Reformador, que alcançou 20.000 entre o

primeiro semestre de 1949 e o segundo semestre de 1950.

No início da década de 1930, Mundo Espírita, de Henrique Andrade, também se

posicionava de maneira combativa na defesa do Espiritismo, sem constituir-se, segundo a

apresentação de seu programa, em força política partidária. O jornal acompanharia

Cautelosamente a vida político-social da Nação, pugnando pela representação ostensiva da

família espírita – que já hoje se eleva a cerca de 6 milhões de almas, no Congresso Nacional, a

fim de evitar que a absorvente política religiosa jesuítica que já se organiza embora

veladamente, em força política partidária, possa anular a nossa maior conquista nos fastos da

nossa história política: a liberdade de pensamento e a liberdade de cultos consubstanciados no

art. 72 e seus §§ da Constituição Republicana de 1891.190

Henrique Andrade, que tentou a vida político-partidária, acreditava na necessidade de

fiscalizar a atuação política dos congressistas, buscando evitar que nela se intrometessem

187

Idem. 188

Idem. 189

LOPES, Arthur Lins de Vasconcellos. “Unidade – Unificação – União! IV”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro,

12 de Junho de 1948, capa. 190

“Nosso Programa”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 4 de Abril de 1932, p. 1. Citado por COSTA, Flamarion

Laba. Demônios e Anjos (o embate entre espíritas e católicos na República brasileira até a década de 60 do

século XX). Tese de Doutorado em História. Paraná: UFPR, 2001, p. 117 e 118. Grifos meus.

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interesses do Catolicismo que colidissem com os das forças religiosas minoritárias. Entendia

que a organização político-eleitoral de interesses religiosos hegemônicos poderia colocar em

risco a liberdade de pensamento e a de cultos. Tentativas, por parte dos católicos, de

implementar o ensino religioso no Brasil já fora objeto de críticas dos espíritas em outros

momentos, como no contexto da fundação da Liga Espírita do Brasil, em 1926. Como

Tribuna Espírita fizera anos antes, tinha em foco, também, a atuação dos católicos, somente

que também no campo político. A apresentação de Mundo Espírita feita nas páginas de

Aurora faz lembrar o programa da revista da Liga Espírita do Brasil.

É um matutino semanário de propaganda e defesa do Espiritismo, que se entregará

concomitantemente aos estudos scientifico-philosophico, moral-religiosos e psycologico-

sociaes; igualmente estudará dentro dos princípios sãos doutrinários, os problemas político-

administrativos e econômico-financeiros. 191

Muito provável que os termos utilizados na nota do jornal de Inácio Bittencourt

fossem dos responsáveis por Mundo Espírita. Comparado ao programa do órgão da entidade

federativa, ainda acrescentam um elemento de interesse, ausente na Revista Espírita do

Brasil: as questões econômico-financeiras. Dois periódicos espíritas contemporâneos,

contando, em seu início, com uma pessoa com vida institucional nos dois – João Torres –

além de Henrique Andrade que, se não participava, especificamente, da revista, estava

inserido na federativa que, em 1933, presidiria.

Os idealizadores do jornal diário espírita chamado “Nosso Jornal” também

formularam suas expectativas quanto ao papel que ele desempenharia socialmente. Segundo

eles,

Com a leitura constante do nosso jornal, podemos facilmente avaliar o grande erro das

práticas obscurantistas da santa inquisição, dos téctricos actos de fé, commemorados com

fogueiras humanas; podemos facilmente desvencilharmo-nos dos rigores da intolerância

catholica, compreendendo bem o nosso papel de espíritas sensatos, estudiosos, impávidos e

cohesos (...).192

Identificavam, também, nos ensinamentos católicos, o inimigo a combater. Pretendiam

instrumentalizar os leitores a fim de que estes pudessem avaliar a conduta da Igreja Católica

nos momentos onde sua História tingiu-se de sangue humano. Buscariam fazer com que os

espíritas compreendessem o papel que desempenhavam no mundo, com sensatez, vinculados

ao estudo doutrinário que lhes ofereceriam as ferramentas necessárias para livrarem-se dos

argumentos contrários à Doutrina Espírita, formulados pelos adeptos do Catolicismo. Agora,

pretendiam, também, que o conhecimento espírita soldasse as relações que os praticantes da

doutrina deveriam estabelecer entre si, o que não deixa de ser um diagnóstico do momento de

191

“Mundo Espírita”. Aurora. Rio de Janeiro, 1º de Abril de 1932, p. 3. 192

“Aos Espíritas”. Diário Carioca. Rio de Janeiro, 10 de Julho de 1931, p. 11. Grifos meus.

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desunião em que viviam. O foco na atuação dos católicos é parecido com aquele que os

espíritas que se organizaram em torno de Mundo Espírita mantiveram, sendo que Henrique

Andrade participou da gestação fracassada de “Nosso Jornal”.

União Espírita, localizado no Centro da cidade, foi outro periódico espírita de

circulação semanal que não era formalmente vinculado a nenhuma instituição espírita.

Contava com acionistas e tinha em Joaquim Alves Fontes Martins a pessoa autorizada a

receber as “entradas das acções, como também dos annuncios e assignaturas”193

.

Apresentava-se como “folha semanal, artística, litterária e commercial, advogando

principalmente os interesses da doutrina que professa (...)”194

.

Os responsáveis pela publicação entusiasmaram-se com o início de suas atividades:

Foi recebido o nosso jornal tanto pelos confrades como também por avultado número de

descrentes. Felizmente a tiragem da 1ª edição está quasi esgotada, pois só nos resta cem

exemplares; e note-se, não corremos todos os centros; primeiro porque faltou-nos o tempo,

segundo porque uma andorinha só não faz verão; (...) 195

União Espírita teria atingido espíritas e leigos. Pode-se perceber que, para divulgar o

periódico, alguém – seu gerente, quem sabe? – percorreu instituições espíritas, não

alcançando todas no espaço de uma semana, entre uma publicação e outra. A despeito de

contar com acionistas, ou seja, com pessoas que aderem ao projeto, apenas uma pessoa teria

se lançado à tarefa das visitações aos Centros Espíritas. E se lhe faltou tempo para fazê-lo é

que o responsável pela tarefa tinha outros assuntos a tratar, dentre os quais uma vida pessoal

com todas as suas demandas materiais de subsistência. Além disso, em se tratando de um

jornal semanal, gastaria tempo na elaboração do mesmo, bem como na captação de recursos

via anunciantes. A visita a outras instituições, para divulgação de seus jornais, também foi

feita, como vimos acima, pelos espíritas responsáveis por Tribuna Espírita, que o distribuíam

na porta da FEB.

Em sua apresentação, União Espíritaexplicita suas intenções e identifica um

adversário,fazendo questão de aponta-lo.

(...) advogando principalmente os interesses da doutrina que professa e procurando trabalhar

com o máximo afinco não só para a disseminação do Espiritismo no Brazil, como ainda para o

vinculamento da grande família espírita tão veementemente ultrajada pelo jornalismo adverso

todas as vezes que della se ocupa ou a ella se refere. Assim, pois, não é de extranhar a

193

“Expediente”. União Espírita. Rio de Janeiro, 19 de Agosto de 1905, capa. União Espírita era um jornal, sob

a responsabilidade de Domingos Machado e outros redatores não identificados. Sua redação provisória era na

Av. Passos nº. 24, Centro e era impresso na Tipografia Franco, na mesma avenida, no nº. 49. O primeiro número

saiu em Agosto de 1905. O último disponível na Biblioteca Nacional é de Agosto de 1906. Encontrado numa

miscelânea de jornais que faziam parte do acervo paralelo de Plinio Doyle. 194

“Apresentação”. União Espírita. Rio de Janeiro, 19 de Agosto de 1905, capa. 195

Idem. Grifos meus.

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apparição da “União Espírita” traduzindo, se bem que palidamente, os intuitos desta doutrina e

procurando ser um de seus baluartes contra os ataques de seus adversários. 196

Espíritas, então, assumiam tarefas na imprensa objetivando defender o Espiritismo,

também, dos ataques desferidos pela imprensa considerada adversária – porque existia a

favorável – quando se ocupava de tratar dos espíritas ou do Espiritismo. Ao colocarem-se essa

tarefa, julgavam que os ataques que a doutrina sofria, naquele momento, tinham relativa

intensidade, causavam prejuízos, requerendo defesa por parte dos espíritas. Escrevendo aos

acionistas do periódico, afirmam que a criação de União Espírita se deu “não porque

tenhamos a precisa competência para intento tão altaneiro, mas porque acreditamos que

fazia-se mister uma resistência, mínima que fosse, aos constantes ataques e diatribes dos

nossos adversários”197

.Os espíritas envolvidos na criação e manutenção deste jornal

identificam um hiato na defesa da doutrina frente aos ataques que ela sofria de seus

adversários pela imprensa e, diante disso, organizam União Espírita para preencher essa

lacuna. Como Inácio Bittencourt em Aurora e como o gerente do Reformador J. Vaz de

Carvalho em 1931, os responsáveis por União Espírita admitem que não reuniam

competência para a condução do periódico.O esforço por unir a “família espírita” também é

indicado, à semelhança de A Fraternisação. Os espíritas do início do século XX

consideravam as diferenças nas visões de doutrina e práticas dos seguidores problemas a

serem superados. Postula que trabalhará pela disseminação da Doutrina Espírita, bem como

advogaria seus interesses, o que, em última análise, pode representar aquilo que esse grupo de

espíritas considerava bom ou não para ela.

Outra iniciativa que não se declara vinculada especificamente a alguma instituição

espírita foi a revista Brasil Espírita, de São Cristóvão, sob a responsabilidade de Jarbas

Ramos. O nome do responsável pela publicação nos é familiar. O primeiro Conselho eleito da

Liga Espírita do Brasil, que mencionei acima, tinha como seu primeiro vice-presidente um

Jarbas. E era o mesmo. Em Janeiro de 1929, na Revista Espírita do Brasil pode-se ler que

“Jarbas Ramos e Arthur Fonseca, respectivamente 1º vice-presidente e 2º secretário,

divergindo de início dos termos do “7º princípio” constitucional, resignaram os respectivos

cargos, sem mesmo terem tomado posse” 198

. Pode-se ler, ainda, que ele fizera parte do grupo

que preparara a realização do Congresso Constituinte Espírita Nacional. Não consegui apurar

qual teria sido este “7º princípio”. Bom, mas esta foi a versão dos homens da Liga Espírita do

Brasil, através de seu órgão mensal.

196

“Apresentação”. União Espírita, op. cit., grifos meus. 197

“Aos nossos acionistas”. União Espírita. Rio de Janeiro, 26 de Agosto de 1905, capa. 198

“Liga Espírita do Brasil”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Janeiro de 1929, p. 3.

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Leal de Souza, que participara, também, do evento, tem sua versão para o afastamento

de Jarbas Ramos da Liga Espírita do Brasil. Em Diário de Notícias, no dia 20 de Dezembro

de 1932, respondendo publicamente ao presidente desta instituição, João Torres, dá a sua

leitura dos fatos.

Chegamos, agora, ao primeiro capítulo triste da Liga Espírita. Por occasião da eleição de sua

primeira directoria, indivíduos que cobiçavam o posto indicado, pela justiça e pela

necessidade, ao sr. Jarbas Ramos, sahiram a cabalar pelos hotéis onde se hospedavam os

representantes dos centros estaduaes, aguardavam os outros nas proximidades do local onde

se reuniria o congresso, deslisavam pelos corredores, espalhando que o candidato a vice-

presidencia era um kardecista intolerante capaz de inutilizar a obra da constituinte, afastando

da liga os centros do espiritismo de linha. Sob esse pretexto, embora o sr. Jarbas, caso quisesse

lutar, dispuzesse da maioria absoluta dos votos, não só se substituiu, atropeladamente à última

hora, a sua pela candidatura do sr. João Torres, como até se evitou que a illustre victima dessa

cavilação fizesse o elogio de Allan Kardec! Afastado o sr. Jarbas Ramos, erguido em seu lugar

o sr. João Torres, a intolerância kardecista deixou de ser um perigo e desappareceu a

necessidade de manter, na Liga, o espiritismo de linha. 199

A vice-presidência da Liga em constituição estaria sendo disputada. Articulações

estariam sendo feitas. Pesaria sobre Jarbas Ramos a acusação de intolerante, com relação aos

Centros que hoje conhecemos como de Umbanda, chamados então de “espiritismo de linha”.

Ao que parece, segundo Leal de Souza, incomodado com a articulação, afastara-se da direção

para a qual seria eleito, segundo os acordos estabelecidos. João Torres assumiria seu lugar,

formalmente, apenas na primeira Assembleia Espírita do Brasil, realizada em 1º de Maio de

1927200

. Ainda segundo ele, Jarbas Ramos havia sido escolhido por “possuir os

conhecimentos indispensáveis para harmonizar os centros das várias modalidades

espíritas”201

. Não teria o perfil de alguém intolerante. É possível entender, também, a suposta

facilidade na desistência de Jarbas Ramos pelo cargo de vice-presidente por outro lado. Na

reunião de 8 de Abril de 1926 no Instituto Nacional de Música, que recebia os participantes

do Congresso Constituinte, Jarbas Ramos, terminando um pronunciamento sobre as formas de

sustento material da instituição que se pretendia criar, teria declarado que “irrevogavelmente

não acceitaria nenhum cargo na futura Liga Espírita do Brasil”202

. A versão de Leal de

Souza pode ser uma tentativa de explicar, de dar sentido, à recusa de Jarbas Ramos. Talvez

ele não estivesse tão interessado, assim, em participar do conselho diretor.

Mas... Por que sua passagem pela Liga Espírita do Brasil me chamou atenção, ao

mencionar o Brasil Espírita? É que o periódico é contemporâneo da fundação desta entidade.

Se em Maio de 1930 o periódico estava em seu quinto ano de existência, teria surgido, pela

199

SOUZA, Leal. “O Kardecismo da Liga Espírita”. Diário de Notícias, op. cit., grifos meus. O Espiritismo de

linha, para Leal de Souza, seria a Umbanda. 200

“Liga Espírita do Brasil”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Janeiro de 1929, p. 4. 201

SOUZA, Leal. “O Kardecismo da Liga Espírita”. Diário de Notícias, op. cit.. 202

“Discutindo uma constituinte espírita para o Brasil”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 8 de Abril de 1926,

p. 3.

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primeira vez, em Maio de 1925. A Constituinte Espírita vinha sendo discutida já neste ano.

Em Novembro deste ano seus organizadores convidam, para tomar parte nela, a FEB203

. Teria

o seu fundador repercutido os trabalhos preparatórios da entidade federativa que ajudara a

criar? Jarbas Ramos não está ligado, apenas, à Liga Espírita do Brasil. Na capa de

Reformador, órgão da FEB, do dia 1º de Outubro de 1914204

lemosseu nome como Gerente

desta publicação, naquele momento. Seria responsável pela administração material do

periódico. Se participou da elaboração da Liga Espírita do Brasil, que teria caráter semelhante

ao da FEB, é porque não deveria mais reconhecer, nesta, a capacidade de desempenhar a

tarefa de unir os espíritas.

Seu periódico, agora no formato de revista, estaria retomando suas atividades. “Com

este número, o “Brasil Espírita” tem a sua publicação reiniciada, depois de uma interrupção

que, a nosso pezar, se prolongou, talvez demasiadamente, mercê de inevitáveis óbices”205

.

Quanto tempo ficara parado? O que teria causado sua interrupção? Avaliando o quinto ano de

existência, assinando “Redacção”, possivelmente Jarbas Ramos aponta que

Luctando contra um sem número de factores adversos, de ordem material e moral; contando

com a indifferença egoística dos commodistas, tendo, ainda, de supportar com estoicismo, uma

gratuita animosidade dos “soi disants” mestres, pontífices do espiritismo no Brasil, o nosso

jornal pobre de valor material, mas rico de sinceridade, vae, felizmente, trilhando o caminho

prefixado, áspero, íngreme, mas que nos levará ao fim collimado. As vezes, nessa caminhada,

faltam as forças materiais. 206

Os recursos materiais não eram fartos e a falta deles fez com que o periódico

interrompesse sua circulação.É possível que ao referir-se aos “comodistas” esteja pensando

naqueles que não tenham aderido à sua causa, seja mediante auxílio material, seja mesmo pela

compra ou assinatura de sua revista. Critica, também, aqueles que se comportariam como

“vozes autorizadas” do Espiritismo, a quem chama de “pontífices”. Sua crítica poderia ser

direcionada à FEB, entidade que já contara com seu esforço e de onde, provavelmente se

desligara para cerrar fileiras em torno da Constituinte Espírita de 1926, ou mesmo à própria

Liga Espírita do Brasil.

203

“Constituinte Espírita Nacional”. Reformador. Rio de Janeiro, 1º de Dezembro de 1925, p. 496. 204

Reformador. Rio de Janeiro, 1º de Outubro de 1914, capa. 205

“Para a frente”. Brasil Espírita. Rio de Janeiro, 31 de Março de 1930, p. 1. A revista Brasil Espírita, de

propriedade de Jarbas Ramos, funcionava na Rua Gottemburgo nº. 24, em São Cristóvão, no mesmo endereço da

Alliança Kardecista, também presidida por ele. Era impresso na Graphica Moderna, situada na Av. Mem de Sá

nº. 252, Centro. Teria começado a circular em 1925, sendo que na Biblioteca Nacional estão disponíveis os

volumes de Abril de 1930 (dois no mesmo mês, um deles trazendo três números, provavelmente os

correspondentes aos meses de Janeiro a Março daquele ano) até Novembro de 1930 (junto com o mês de

Outubro). “Alliança Kardecista. Extracto dos Estatutos”. Diário Oficial da União, 12 de Fevereiro de 1925, p.

4182. 206

REDACÇÃO. “Mais uma etapa...” Brasil Espírita. Rio de Janeiro, 31 de Maio de 1930, p. 5. Grifos meus.

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Diferente de A Fraternisação, que vimos acima mais ligado ao aspecto religioso do

Espiritismo, Brasil Espírita mostrava-se

contrário ao mysticismo improductivo: á religiosidade inexpressiva e rotineira, cujas raízes

mergulham, fundo, no commodismo; aos preconceitos de qualquer natureza, por consideral-os

factores preponderantes de hypocrisia, de insinceridade, - não satisfaz a todos os paladares.

Não importa! 207

Percebe-se que seu foco não é a questão religiosa, que considera negativa, capaz de

congelar possibilidades, uma vez que poderia levar à acomodação do religioso pelo simples

atendimento ao protocolo formal de rituais e práticas. Aqui se trata de um incômodo bem

próximo àquele manifesto pela revista A Verdade quanto à questão da religiosidade que

poderia gerar o misticismo que, por fim, levaria a práticas estranhas à doutrina. E a quais

preconceitos referia-se? Jarbas Ramos estava ciente que sua visão da doutrina, possivelmente

compartilhada por alguns que não temos condições de precisar ou quantificar, naquele

momento, não era de aceitação fácil. Via problemas na vivência da doutrina enquanto

religião, poispara ele,

ao envez de essencialmente religioso, o Espiritismo é essencialmente scientífico. Este, o nosso

ponto de vista. Esta, a opinião dos espíritas estudiosos de todo o mundo (...). O Espiritismo não

é christão. E o affirmamos, mao grado a celeuma que essa affirmação possa gerar.208

Assim, sugere que os que tomavam a Doutrina Espírita como religião estariam

equivocados por conta da ignorância, da falta de estudos doutrinários. Em 31 de Agosto de

1930 transcrevem uma carta publicada em Verdade e Luz, de São Paulo, porque “na mesma

está defendido o nosso ponto de vista contrário ao espiritismo religião”209

. O autor desta

carta, não identificado, diz ainda que o Espiritismo não seria cristão porque possuía caráter

cosmopolita e universalista. Como se propunha a investigar a verdade, deveria afastar-se dos

prejuízos (que não menciona quais) das ciências e religiões oficiais, iluminando-as com suas

luzes.

Cremos, pois, que se a religião A fôr preferida pelo Espiritismo em detrimento da religião B,

será sempre amesquinhar, deprimir, humilhar e apoucar essa grande doutrina philosophica,

moralista e regeneradora que se chama Espiritismo. Por isso dizeis bem: - “O Espiritismo não

tem credo religioso”. O Espiritismo, sendo Universalista, Cosmopolita, só assim poderá ser o

verdadeiro ESPIRITISMO. 210

Assim, se os espíritas fizessem do Espiritismo uma religião, estariam criando uma

fronteira que o separaria de todas as demais religiões e rivalizaria com elas. Não se assumindo

enquanto tal, poderia influencia-las, ao invés de copiar delas suas práticas e rituais que não

eram bem vistos pelos espíritas que não apreciavam as aproximações com o Catolicismo e as

207

“Para a frente”. Brasil Espírita, op. cit.. 208

“Um erro”. Brasil Espírita. Rio de Janeiro, 30 de Junho de 1930, p. 4. Grifos meus. 209

“O Espiritismo não é religião”. Brasil Espírita. Rio de Janeiro, 31 de Agosto de 1930, p. 8. 210

DE UM CONSTANTE LEITOR DE “VERDADE E LUZ”. “O Espíritismo não é religião”. Brasil Espírita,

op. cit., p. 9.

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demais religiões. “Dentro do Espiritismo, em época talvez não muito remota, caberão todas

as religiões. Em nenhuma dellas elle caberia” 211

. Para eles, o Espiritismo seria então,

essencialmente científico e ao mesmo tempo uma doutrina filosófica e moralista que não

poderia ser reduzido a uma religião.

Um artigo sobre a Liga Espírita do Brasil publicado em Janeiro de 1929 na Revista

Espírita do Brasil, órgão oficial desta federativa, diz que o Conselho diretor da instituição, em

reuniões com dirigentes de Centros Espíritas chamadas “semanaes”, que objetivavam a

unidade de estudos e práticas espíritas, “vae cautelosamente mostrando as necessidades e

utilidades dos estudos e da prática integral do Espiritismo no seu tríplice aspecto scientifico-

philosophico-religioso, segundo as capacidades intelectuaes e conhecimentos de cada um”

212. No Reformador de 1º de Julho de 1936, órgão da FEB, lemos que se a ideia de religião

fosse associada a ritualismos e cerimoniais, o Espiritismo não seria religião. Mas se

religião é o laço que une a creatura ao seu Creador; se religião é um conjuncto de

conhecimentos dados pelos Enviados de Deus ao homem para que por elles se encaminhe, se

melhore, dest‟arte se aproximando do Sêr Supremo, então o Espiritismo é religião e a maior de

todas.213

As duas federativas consideravam a Doutrina Espírita como religião. Esta

provavelmente é uma das razões do afastamento de Jarbas Ramos das duas federativas, uma

vez que ele divergia de ambas nesta questão. Dos periódicos que analisei, foi o único que

defendeu o rompimento entre o Espiritismo e a ideia de religião. Dessa forma, não devia ser

uma visão preponderante ou que contasse com amplo apoio entre seus contemporâneos. Por

isso, a autonomia buscada e a consciência de que não agradaria a muitos.

Brasil Espírita, de Jarbas Ramos, também tentava pautar-se pela independência.

E, assim, collocando acima de tudo o interesse de encontrar a Verdade, onde quer que ella se

encontre, seguimos, sem hesitações, o nosso caminho, sem nos preocuparmos com a

indifferença de uns, a hypocrisia de alguns e a inexpressiva ironia de outros, amparados, tão

somente, pelas vibrações de harmonia dos nosso Guias Espirituaes (...) e pela solidariedade dos

bem intencionados, daquelles que, como nós, se norteiam pelos magníficos ensinamentos da

Doutrina Espírita, codificada pelo grande Mestre Allan Kardec. 214

E temos aqui um homem que pertencera aos quadros da FEB que, por divergências de

opiniões, de pontos de vista doutrinários, afastara-se desta instituição e aderira ao projeto da

Liga Espírita do Brasil, onde também não permaneceu. Brasil Espírita afirma não se importar

se suas opiniões incomodam – e pelo visto sabiam que incomodava – bastando, aos espíritas

ligados à revista de Jarbas Ramos, as boas vibrações dos seus guias espirituais e a

211

“Um erro”. Brasil Espírita, op. cit.. 212

“Liga Espírita do Brasil”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Janeiro de 1929, p. 4. 213

CARVALHO JUNIOR, Manoel M. “A acção clericalista”. Reformador. Rio de Janeiro, 1º de Julho de 1936,

p. 241. Grifos meus. 214

REDACÇÃO. “Mais uma etapa...” Brasil Espírita. Rio de Janeiro, 31 de Maio de 1930, p. 5. Grifos meus.

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solidariedade dos que consideram bem intencionados, que seriam aqueles que compartiam

seus pontos de vista a respeito da Doutrina Espírita. Buscariam “a verdade” de forma

autônoma, independente de quem quer que fosse e onde ela estivesse, além de desejarem

expressar, pela revista, os caminhos e conquistas dessa busca. Não por acaso declaram que “o

nosso programma pode ser resumido em uma palavra: estudo. O nosso objectivo é um: o

aperfeiçoamento”215

.Aurora, como vimos, também não se mostrou interessado em agradar

com suas opiniões. Vale mencionar que tanto Aurora quanto Brasil Espíritatinham, em seus

responsáveis, pessoas que haviam passado pela FEB e encontravam-se em iniciativas de

imprensa espírita independentes dela.

A Fraternidade, editada em Madureira, é outra revista espírita independente,

apresentada como órgão de propaganda espírita não vinculada a instituições e que descia à

arena, mas afirmava colocar-se em posição de defesa.

Ao nos apresentar ao respeitável público, temos a dizer: que a nossa modesta penna só será

traçada para a defeza dos nossos ideaes e convicções que julgamos inabaláveis. Defender a

Sciência Espírita dentro da verdade; defender com convicção, mas dentro das normas do

respeito e da sinceridade que nos merecem os nossos poucos adversários da crença. 216

Defende-se quem é atacado. Ou usava o argumento de defesa como retórica para

atacar. Pela imprensa, não foram poucas vezes em que espíritas polemizaram com médicos e

católicos na defesa de seus ideais, isso quando não tinham problemas com a Polícia, que

também não foram poucos. E porque não dizer que alguns destes médicos ou policiais seriam

católicos? Não seria por acaso que “alguns dos psiquiatras mais críticos do Espiritismo e

teóricos da “loucura espírita” foram exatamente os que defendiam os benefícios do

catolicismo”?217

Os espíritas vinculados a esta revista pretendiam defender seus pontos de

vista sem descerem ao terreno do desrespeito, provavelmente não personalizando o debate. À

semelhança de Brasil Espírita, entende o Espiritismo como ciência. No entanto, difere da

revista de Jarbas Ramos porque acredita que seja possível conciliar a ideia de que a Doutrina

Espírita era, ao mesmo tempo, ciência e religião. Em 1º de Junho de 1916 citam as palavras

do abade Thers, em uma das Sessões da Sociedade Espírita Experimental da França, “que não

nos furtamos ao prazer de registrar: “o Espiritismo também pode ser praticado como

religião.” É a luz que se vem fazendo, graças a misericórdia de Jesus” 218

.

215

Idem. 216

“A Fraternidade”. A Fraternidade. Rio de Janeiro, 1º de Junho de 1916, p. 1. Grifos meus. A Fraternidade é

uma revista dirigida por Emílio de Souza Lima, tinha como Secretário Arthur Marques. Sua redação provisória

situava-se na Travessa Portella nº. 28, na Estação de Madureira. Vindo a público em 1º de Junho de 1916, na

Biblioteca Nacional encontram-se disponíveis apenas dois números, este e o do mês de Julho de 1916. 217

ALMEIDA, Angélica Aparecida da Silva. “Uma fábrica de loucos”, op. cit., p. 114. 218

“Noticiário”. A Fraternidade. Rio de Janeiro, 1º de Junho de 1916, p. 6.

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Como foi possível perceber, estes periódicos não eram tão independentes assim uma

vez que, para subsistirem, contavam com os recursos materiais de entidades e grupos

espíritas, seja através de doações, seja como acionistas, alguns dos quais poderiam influenciar

nos rumos da publicação em função da quantidade de ações adquiridas. “Nosso Jornal”, o

embrião de Mundo Espírita, que se pretendia diário, reuniu Centros Espíritas e indivíduos em

torno de seu projeto, que não prosperou como esperavam. Entretanto, apesar da dependência

de auxílio externo, o fato de virem à público e lutarem pela sobrevivência de seu periódico é

sintomático do desejo de se expressar e de buscar canais onde pudessem divulgar suas leituras

da Doutrina Espírita, provavelmente porque muitos deles não encontrariam espaço em outros

periódicos. Quanto aos integrantes da Liga Espírita do Brasil que participam de Mundo

Espírita – Henrique Andrade, João Torres e Benedicto de Souza – talvez a explicação seja a

busca por um veículo de comunicações diferente daquele da federativa (um jornal) com

periodicidade menor (semanal) que a Revista Espírita do Brasil (revista e mensal), onde

poderiam se posicionar com mais liberdade, a respeito de temas que inibidos ou

desvalorizados pela revista da federativa. Jarbas Ramos, da revista Brasil Espírita, é outro que

assinala o desejo de expressar sua visão do Espiritismo, uma vez que não ao não considerar a

Doutrina enquanto religião divergia das federativas. Logo, manter um periódico criava

oportunidade para propagar sua opinião que poderia encontrar eco entre outros espíritas. Por

fim, União Espírita justifica sua existência alegando a necessidade de criar uma resistência

mínima aos ataques que o Espiritismo sofria pela imprensa, como a dizer que essa defesa

estaria sendo negligenciada ou mal conduzida pelos periódicos então existentes.

1.4 – Formas de financiamento da imprensa espírita

Dos periódicos espíritas mencionados, Humilde, órgão do Grupo Humildade e Fé e A

Fraternisação, do Congresso Espírita Caridade e Instrucção são os únicos periódicos que não

apresentam anúncios em suas páginas. Até Março de 1908, Tribuna Espírita, que fazia

propaganda apenas da Livraria da FEB, abre suas páginas a outros anunciantes.

Todos os periódicos contavam, entre seus anunciantes, com farmácias homeopáticas,

sendo que Brasil Espírita anunciava, apenas, a farmácia de Jarbas Ramos, responsável por sua

publicação. É compreensível, uma vez que os medicamentos prescritos na atividade do

receituário mediúnico são da Homeopatia. Certo dia, no primeiro semestre de 2013, passava

de ônibus na Rua Voluntários da Pátria, em Botafogo. Lembrei-me que Inácio Bittencourt

desenvolvera suas atividades doutrinárias naquela rua. Recordava-me do segundo endereço (o

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n.º 20 da rua). Quando passei em frente, eis que me deparo com uma farmácia chamada

“Pharmácia Nobrega”, que teria sido fundada em 1910. Fundada não quer dizer que estivesse

sempre ali. Poderia, muito bem, ter funcionado em outro endereço. Entre os anúncios de

Aurora, jornal sob a responsabilidade de Inácio Bittencourt, encontro, com enorme

regularidade em 1919, sempre na última página (nº. 4) um do Laboratório Homeopático

Araujo Nóbrega & Companhia. Endereço? O mesmo da farmácia que vi, quando passava de

ônibus. O jornal fazia propaganda, também, do Laboratório Wantuil, com a primeira

publicação em 16 de Janeiro de 1933219

. Seus medicamentos eram anunciados há mais tempo

aí, uma vez que em 2 de Fevereiro de 1932 já é possível encontrar referências sobre eles220

. O

nome do laboratório é familiar? Sim, em 18 de Dezembro de 1939, era majoritariamente de

Antonio Wantuil de Freitas que, em 1943 tornara-se presidente da FEB221

. Dos periódicos

espíritas, Aurora era o que possuía maior tiragem. Seus anunciantes devem ter levado isso em

conta, certamente. Além disso, Antonio Wantuil de Freitas, já vinculado à entidade que

presidiria anos depois, anuncia num jornal de um ex-diretor da instituição, Inácio Bittencourt.

No verso da capa de Brasil Espírita, de Jarbas Ramos, podemos encontrar anúncios do

medicamento “Bryonilla”, que serviria para doenças do trato respiratório, bem como de

alguns outros. Consta, como fabricante deles, Jarbas Ramos & Cia, laboratório situado à Rua

Figueira de Mello nº. 372, em São Cristóvão, que funcionava, também, como farmácia. Era o

mesmo bairro da redação e administração de seu periódico. Quem sabe, até, de sua residência,

como já vimos em outros casos.

Emydio Graça, editor de A Verdade, órgão do Centro Espírita Bezerra de Menezes,

que também presidia, preparava um medicamento chamado “Japuassú” que serviria para

doenças de pele e que teria sido aprovado pela Saúde Pública, sendo vendido em todas as

farmácias. E parece que preparava outros. Em 16 de Julho de 1925, na seção livre de Correio

da Manhã, encontramos um artigo de José Rodrigues da Silva acusando-o de charlatanismo.

“Há tempos, tive conhecimento que no aludido Centro havia sido posto à venda, mais um

producto denominado “Vinho Indiano”, além de muitos que por lá existem fabricados pelo

senhor Emydio Graça (...)”222

. O acusador apresentava-se como espírita convicto e pretendia

219

“Laboratório Wantuil”. Aurora. Rio de Janeiro, 16 de Janeiro de 1933, p. 4. 220

“Drágeas Wantuil”. Aurora. Rio de Janeiro, 1º de Fevereiro de 1932, p. 4. 221

“Ata da Assembleia Geral de Constituição e Instalação, realizada em 18 de Dezembro de 1939”. Diário

Oficial da União, 2 de Maio de 1940, Seção I, p. 7918. Segundo sua biografia , ele teria começado seus estudos

espíritas em 1932, tornando-se sócio remido desta entidade federativa no mesmo ano.Sobre Antonio Wantuil de

Freitas, ver: FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Biografia de Antonio Wantuil de Freitas, op. cit.. 222

SILVA, José Rodrigues. “Explorando o Espiritismo. Um charlatão prejudicando a população”. Correio da

Manhã. Rio de Janeiro, 16 de Julho de 1925, p. 8.

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levar a público uma série de fatos desabonadores que ocorreriam na instituição presidida pelo

redator de A Verdade. Além de prepará-los, comercializaria seus medicamentos, prescritos,

estes, por ele mesmo ou por algum outro médium da instituição no receituário mediúnico.

Seria verdade? É possível. E pode ser que outras instituições espíritas tivessem semelhante

prática223

.

Além de farmácias e laboratórios homeopáticos, é possível encontrar, nas páginas dos

diversos periódicos espíritas da cidade que abriam suas páginas para anunciantes,

propagandas de Sapateiros, Lojas de ferragens, Armarinhos, Lojas de Tecidos, Perfumarias,

Dentistas, Restaurantes, Cafés, Papelaria, Livraria da FEB, Advogados, Médicos, Professor de

piano, Padarias, Açougues, Cinemas, Fábrica de conservas alimentícias (goiabada,

marmelada, etc.), Fábrica de materiais de couro, de venda de uniformes do Exército e

Material Cirúrgico. Isso demonstra que com exceção dos espíritas ligados à Humildade e àA

Fratenisação, todos os demais periódicos utilizaram-se do recurso da imprensa empresarial

para financiarem parcialmente suas atividades na imprensa e que os comerciantes que

anunciavam aí não tinham receios de vincularem seus produtos/marcas e serviços ao

Espiritismo.

Além de Tribuna Espírita, o jornal União Espírita, iniciativa independente, não

vinculada formalmente a nenhum Centro Espírita e a revista Novo Horizonte, editada pela

Cabana de Lysis, receberam anúncios da Livraria da FEB. Barros Fournier, o diretor da

revista, escreveu algumas vezes para Reformador entre 1929 e 1932224

. Em União Espírita

haveria alguém com algum tipo de vínculo com a entidade federativa? É uma possibilidade,

mas não é uma garantia. Em Aurora, de Inácio Bittencourt, ex-diretor da FEB, não encontrei

anúncios da livraria dela.

Os espíritas responsáveis pela publicação de União Espírita, ao que parece, não

tinham restrições quanto ao Carnaval, como vários outros espíritas, inclusive os da FEB, que

223

Durante minha pesquisa sobre a repressão policial às atividades dos espíritas e que resultou em minha

monografia de final de curso, visitei o Centro Espírita Bezerra de Menezes, que fora presidido por Emydio

Graça. Perguntei à sua então presidente se poderia ter acesso aos livros de Atas das reuniões da diretoria e de

Assembleias Gerais. Ela negou. Disse-me que eu poderia ler algumas informações (não falou quais) que

fizessem com que eu acreditasse que os fatos tivessem se passado num determinado sentido (não disse qual)

enquanto que eles, da instituição, sabiam que eles encaminharam-se para outros. Os intérpretes autorizados do

passado do Centro Espírita eram eles. Como se pode deduzir, não pesquisei na instituição. Será que era esse

passado que pretendiam esconder? A instituição, atualmente, tem profundo respeito por seu fundador, como se

pode ver pelo seu site . Algo que pudesse desabonar, de alguma forma, sua conduta, ou pelo menos coloca-la sob

suspeita, poderia ser lido naqueles livros de Atas? 224

Conforme é possível verificar na pesquisa ao acervo parcialmente digitalizado de Reformador em:

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Acervo digital. Disponível em:

http://www.sistemas.febnet.org.br/acervo/index.php/reformador/pesquisa_submit Último acesso em 7 de

Dezembro de 2013.

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consideravam a festa repleta de consequências espirituais negativas para seus participantes.

Nas páginas deste jornal, é possível encontrar anúncio de pintura de estandartes e confecções

carnavalescas. A Fraternidade anunciava, anos depois, a cerveja Fidalga como “a melhor”. A

melhor da cidade, do país ou para os espíritas? Em Janeiro de 1938 é possível encontrar

anúncio da fábrica de cerveja “Leão” e em Outubro do mesmo ano o da cerveja Nova Aliança

nas páginas da Revista Espírita do Brasil.

Os anúncios eram parte importante na captação de receitas para os periódicos espíritas.

Podemos ler em União Espírita de Agosto de 1905 um apelo por eles. “Os nossos confrades

negociantes que nos auxiliem com alguns annuncios afim de facilitar a parte econômica que é

a vitalidade de um jornal”225

. Este jornal reservava sua última página exclusivamente para os

anunciantes. Buscavam sensibilizar os espíritas que tivessem negócios, a participarem,

também, como anúncios, que consideravam fundamentais para o funcionamento do periódico.

Mundo Espírita, quase 42 anos depois, também está inquieto por captar anunciantes.

O novo orientador de MUNDO ESPÍRITA na sua secção comercial está estudando todas as

possibilidades de não aumentar o preço da anuidade vigente, o que só não se dará se tiver ele

uma boa acolhida por parte dos confrades que se utilizam da imprensa para anunciar os

produtos com que negociam. Não desejando, em absoluto, criar qualquer dificuldade ao nosso

novo amigo que nos vai ajudar comercialmente a fim de que os seus esforços não sejam

anulados, avisamos aos nossos confrades e leitores que doravante somente mediante

remuneração previamente estipulada publicamos reportagens especiais ou noticiário

destacado. 226

Mundo Espírita, então, já tinha em vista até cobrar por reportagens especiais ou

noticiário destacado, o que não vi em outros periódicos espíritas, porém constituía-se em

prática comum no jornalismo empresarial. Nos números deste jornal que consultei, até Abril

de 1951, encontrei pouquíssimos anúncios, mesmo no período de maior tiragem. Na Revista

Espírita do Brasil notei, também, uma quantidade pequena de anunciantes. O apelo aos

negociantes espíritas não era infundado. Além do comerciante Frederico Fígner e do

farmacêutico Antonio Wantuil de Freitas, que anunciaram seus produtos e serviços na

imprensa espírita, outros devem ter feito. Quantos dos que anunciaram seriam espíritas? E

outra: já tive oportunidade de apontar que não eram poucos, ao menos no Grupo de Caridade

Deus, Luz e Amor, então situado na Praça XV, a quantidade de médiuns descritos como

“„comerciários‟, „comerciantes‟ ou, simplesmente, „comércio‟” 227

. Isso para falarmos dos

mais engajados na causa, que já tomavam parte nos trabalhos das instituições. Se pudéssemos

contar com os simpatizantes da doutrina ou mesmo com pessoas que eram apenas

225

“O nosso jornal”. União Espírita, op. cit.. 226

“Aos nossos leitores e assinantes”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 26 de Julho de 1947, capa. Grifos meus. 227

OLIVEIRA, Marco Aurélio Gomes. “Livres”, porém perseguidos, op. cit., p. 20.

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frequentadores, declaradamente espíritas, a quantidade poderia ser aumentada. É claro que se

deve levar em conta que a instituição situava-se na região central da cidade, onde as

atividades econômicas eram em maior número que nas demais regiões. O Centro da cidade,

aliás, entre 1930 e 1950, era o local onde havia a maior quantidade de Centros Espíritas

vinculados à Liga Espírita do Brasil228

, nove, no total. Ora, sabendo-se que a quantidade de

Centros adesos às instituições federativas era inferior a quantidade de Centros existentes na

cidade, presume-se que o número de Centros Espíritas, de fato, no Centro da cidade fosse

superior.

Levando-se em conta a baixa arrecadação com Reformador, a FEB pensou

alternativas. No seu Estatuto de 1933, os associados da entidade federativa fizeram constar

que

Art. 58. Constará a receita do Reformador: de uma percentagem sobre as mensalidades dos

sócios, percentagem que a Directoria fixará quando der cumprimento ao art. 38 § 5.º; do que

renderem as assignaturas, os annuncios, a venda avulsa e a das coleções annuaes; dos

donativos que lhe forem feitos; e de uma contribuição mensal, que a Livraria fará, da

importância que, de accordo com os lucros por ella obtidos, também for fixada pela

Directoria.

Paragrapho único: A percentagem de que trata o artigo precedente será supprimida, desde que,

para cobrirem as despezas da revista, bastem a sua receita própria e a contribuição da Livraria. 229

Reformador, que não seria autossuficiente, contaria com recursos financeiros de outras

fontes da FEB. De acordo com o 5º parágrafo do Art. 38, mencionado acima, a Diretoria da

FEB deveria fixar a porcentagem destinada ao seu periódico atentando para a organização do

movimento de despesas e receitas do ano anterior. Esperava-se que fosse um valor flutuante,

de acordo com a necessidade apresentada no momento. Além disso, contavam com doações

destinadas exclusivamente a isso. Essas disposições já estavam presentes no Estatuto de

1925230

, porém não no de 1917. É possível que tenha havido um movimento espontâneo de

doações financeiras da parte de associados da FEB, semelhante ao que vimos no caso do

Grupo Espírita Humildade e Fé com o jornal Humildade, que o Estatuto normatizou, para

efeitos legais e de prestações de contas. Pode-se notar, também, que não seria incomum a

Livraria oferecer lucros que pudessem ter partes direcionadas à revista. No Relatório de

228

Idem, p. 24. 229

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Estatutos da Federação Espírita Brasileira. Rio de Janeiro, 1933,

art. 58, p. 25. 230

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Estatutos da Federação Espírita Brasileira. Rio de Janeiro, 1925,

art. 58, p. 24.

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atividades da FEB apresentado em 1950, consta que Reformador seria deficitário desde sua

fundação231

.

Financiamento do Reformador

Ano Assinaturas Agentes Subvenções Anunciantes Vendas avulsas/de

coleções

1929 7:206$700 7:488$000 12:000$000 10:674$000 382$600

7/1936 a

6/1937 8:287$000 14:692$000

9:600$000 (Livraria) e

7:200$000 (FEB).

16:800$000 no total.

10:442$000 1:354$300

Fonte: Relatórios dos gerentes do Reformador (1930 e 1937).

Pode-se perceber que o Reformador arrecadou um pouco mais com assinantes,

conseguiu quase dobrar os valores recebidos através dos Agentes,mas com anúncios

arrecadarammenos. É possível perceber um importante crescimento nas vendas avulsas e de

coleções, que aumentaram quase quatro vezes mais. A ajuda “externa” à revista cresceu

significativamente no período. Apesar disso, os aumentos verificados na receita não fizeram

frente ao crescimento das despesas, fazendo-se necessário uma correção de 50% no valor das

subvenções recebidas pelo periódico oriundas da Livraria e dos cofres da FEB.

Mundo Espírita recebia donativos e registrava os recebimentos em suas páginas em

uma coluna intitulada “Amigos de Mundo Espírita”.

Satisfazendo o desejo de “Uma espírita”, manifestado em carta que nos dirigiu, tornamos

permanente esta coluna, para nela registrarmos os donativos que os amigos de MUNDO

ESPÍRITA nos enviarem e que serão destinados, exclusivamente, à aquisição de papel para que

MUNDO ESPÍRITA continue a circular SEMANALMENTE (...)”232

.

As doações recebidas em Agosto de 1946 vão sendo revertidas para a manutenção da

tiragem semanal do jornal.

Financiamento de Mundo Espírita Ano Assinatura Vendas avulsas Donativos Anúncios

1944 Cr$: 23.810,00 Cr$: 28.797,20 Cr$: 2.942,00 -

1947 Cr$: 26.583,30 Cr$: 21.855,20 Cr$: 6.520,00 Cr$: 4.003,20

Fonte: Diário Oficial da União (1946 e 1948).

Mundo Espírita arrecadou mais com as vendas avulsas em 1944, num período que não

podia contar com as receitas de anunciantes porque, assim como todos os periódicos espíritas,

foi registrado pelo Departamento de Imprensa e Propaganda, como folheto de propaganda

religiosa. No entanto, durante este período de asfixia financeira, recebe menos donativos que

em 1947, quando já podia contar com essa receita. Para que tenhamos algum parâmetro para

avaliação, ainda que limitado, tomemos o salário mínimo de Dezembro de 1943, Cr$:

231

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente à Assembléia Deliberativa, na sua

reunião ordinária de 1950, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do seu patrimônio moral e matéria, durante

o ano-social de 1 de Julho de 1949 a 30 de Junho de 1950”. Reformador, op. cit.. 232

“Amigos de „Mundo Espírita‟”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 17 de Agosto de 1946, p. 2.

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360,00233

. Em donativos, Mundo Espírita recebeu pouco mais de 8 salários mínimos e, nas

vendas avulsas, quase obteve o valor de 80 salários mínimos. Por outro lado, em 1947, o

volume arrecado com assinaturas é superior ao de 1944, assim como os valores obtidos

através de donativos que superaram a arrecadação em anúncios.

A carência de recursos financeiros era rotineira para aqueles que detinham

responsabilidades com periódicos e gráficas espíritas. A Verdade, órgão do Centro Espírita

Bezerra de Menezes, em 31 de Julho de 1922, chama a atenção para a brevidade da vida de

alguns jornais espíritas em função desse problema.

Ninguém ignora o quanto tem luctado os jornaes espíritas para se livrarem do mal das sete

semanas devido a abstenção dos proprios confrades; o que não se dá nos Estados Unidos, na

França e na Inglaterra onde existem revistas espíritas lidas por uma população de mais de 3/12

milhões de leitores, no que muito se orgulham aquelles nossos coirmãos. Quantos não

luctaram em nosso meio os jornaes “União Espírita”, “Tribuna Espírita”, “Verdade e Luz”

(de S. Paulo) e outros para se livrarem deste mal que produzido pela indolência dos adeptos

do espiritismo, desola e entristece as mais fortes iniciativas. 234

O “mal das setes semanas” seria decorrente da falta de iniciativa dos espíritas em

apoiar financeiramente os jornais doutrinários nascentes, o que faria com que apresentassem

problemas logo no começo de suas atividades. Tribuna Espírita e União Espírita teriam

perecido em função da indolência dos espíritas, que não os socorreram com seus recursos.

Esse mal não ocorreria em outros países que possuíam publicações espíritas, o que seria

motivo de satisfação para os adeptos da Doutrina aí residentes. Henrique Andrade, nascido em

1889 e militante da imprensa espírita, pode acompanhar o surgimento e o ocaso de vários

jornais espíritas, bem como as transformações ocorridas neles235

. Num artigo sobre o

aniversário de Mundo Espírita em 4 de Abril de 1947 afirmou que “nêsses 15 anos surgiram

e desapareceram vários periódicos de feição doutrinária, outros se acham reduzidos no seu

tamanho, outros ainda, se transformaram em revistas de circulação mensal”236

. Dos

periódicos que analisamos, alguns deles, inclusive o Reformador, da FEB, alteraram sua

periodicidade e formato. Em 1º de Dezembro de 1907, Tribuna Espírita reclama que “têm

falhado os soccorros para a caixa mantenedora” 237

. Os espíritas agiriam, neste caso, com

apatia. “As emprezas jornalísticas fracassam constantemente. Raro é o jornal que consegue

233

MOREIRA, Elmo Nélio. Valores do Salário Mínimo desde sua instituição até os dias de hoje. Disponível

em: http://www.gazetadeitauna.com.br/valores_do_salario_minimo_desde_.htm Último acesso em 6 de

Setembro de 2013. 234

“Espíritas Á Postos. A Verdade „Revista Espírita‟”. A Verdade. Rio de Janeiro, 31 de Julho de 1922, p. 5 e 6.

Grifos meus. 235

O FRANCO PALADINO. Tributo a Henrique Andrade. Disponível em:

http://www.ofrancopaladino.pro.br/mat212.htm Último acesso em 30 de Janeiro de 2014. 236

ANDRADE, Henrique. “15 anos”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 4 de Abril de 1947, capa. 237

“Para não morrermos”. Tribuna Espírita. Rio de Janeiro, 1º de Dezembro de 1907, capa.

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completar um anno de vida. Os exemplos são ás dúzias”238

. Referia-se, aos jornais, de

maneira geral, ou especificamente, aos periódicos espíritas? Em todo caso, eram eles que

reclamavam ajuda, naquele momento. A iniciativa de um deles – Tribuna Espírita – foi

rememorada em 1922 pelos espíritas de A Verdade como exemplo de um jornal que pereceu

por causa da falta de recursos materiais.

Em 16 de Julho de 1949, quase 27 anos depois do artigo publicado em A Verdade,

Lins de Vasconcellos, escrevendo em Mundo Espírita, arrisca algumas explicações para o

recorrente insucesso dos periódicos espíritas. Primeiro transcreve uma carta de um

colaborador que não se identifica e depois a comenta. Segundo o autor anônimo, “é opinião

unânime entre os confrades que a imprensa espírita, embora seus assinaláveis progressos,

vive ainda em sua primeira infância no Brasil; mas convenhamos, já vai durando muito

tempo essa infância”239

. Apesar dos progressos alcançados e de muita gente já ter

desenvolvido atividades na imprensa, o trabalho realizado não seria suficiente. Era de se

estranhar semelhante estado, uma vez que “os espíritas contam com percentagem mínima de

analfabetos e que hão de compreender o valor da imprensa como instrumento de cultura, de

divulgação e de propaganda”240

. Somado a isso, o fato da doutrina basear-se no “debate e no

livre exame”241

seria incompatível com a imprensa espírita nos moldes em que ela se

desenvolvia naquele momento.

E como exigir de uma imprensa abandonada pelos crentes, crivadas de dívidas e dificuldades,

o papel relevante que lhe cabe no setor educacional da obra espírita? São, justamente, as

dificuldades materiais o obstáculo que atrasa, desanima e anemia a nossa imprensa como

instrumento de cultura. 242

A carência de recursos castraria as possibilidades da imprensa espírita. A atividade

desses periódicos doutrinários seria cercada de dissabores provocados por dívidas e dos

problemas que dela decorrem. Mas por que semelhante postura dos espíritas? Segundo Lins

de Vasconcellos,

o que há é uma inconcebível displicência e descaso pela circulação do jornal, de qualquer

jornal profano ou doutrinário. Cada centro poderia fazer muito, mas as preocupações com o

mediunismo e assistência social, o amparo aos pobres, absorvem tudo, levando muitos a não

tratarem com a devida atenção a propaganda sistemática da Doutrina. Desvio de rumo.

Talvez. E daí a propagação do baixo espiritismo, dando margem ao charlatanismo e à

exploração por parte de pessoas inescrupulosas. Cuidamos dos corpos e abandonamos os

espíritos encarnados aos pais da ignorância, o que é um erro de lamentáveis consequências. 243

238

Idem. 239

ANÔNIMO. Citador por LOPES, Arthur Lins de Vasconcellos. “Imprensa Espírita”. Mundo Espírita. Rio de

Janeiro, 16 de Julho de 1949, capa. 240

Idem. 241

Idem. 242

Idem. 243

LOPES, Arthur Lins de Vasconcellos. “Imprensa Espírita”. Mundo Espírita, op. cit.. Grifos meus.

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Os espíritas não teriam atentado, ainda, para a importância das atividades da imprensa

e para a propaganda doutrinária. Enxergariam nela uma atividade possível, dentre outras, a

serem realizadas, tais como as de assistência social e as da prática mediúnica. Essas outras

atividades captariam os recursos financeiros que seriam imprescindíveis para os trabalhos de

divulgação da imprensa espírita. Para o autor, a falta de propaganda doutrinária eficiente

geraria ignorância a respeito do que seria o Espiritismo e faria com que o dito “baixo

espiritismo” se propagasse, oferecendo margens à exploração financeira da mediunidade. Em

outras palavras: se os espíritas lessem os periódicos, ferramentas da propaganda doutrinária

como os livros espíritas, se instrumentariam, fazendo com que soubessem discernir o que

seria ou não a Doutrina Espírita – ou saberiam separar o joio do trigo, como preferiram os

dirigentes das entidades federativas – para que não adotassem práticas estranhas ao

Espiritismo. Afinal, caso isso ocorresse, o nome da doutrina ficaria exposto às críticas por

parte de seus adversários, em função dessas práticas consideradas equivocadas. Henrique

Andrade, poucos anos antes, diz que isso se dava por causa da “incompreensão da maioria

dos espíritas, que ainda ignoram o que seja um jornal; o que representa a imprensa espírita

no desenvolvimento e expansão do pensamento humano”244

. Indiferença e falta de

compreensão que causavam sérias dificuldades materiais às atividades de imprensa dos

espíritas, era o diagnóstico daqueles que laboravam neste trabalho. Lins de Vasconcellos

falava que os adeptos do Espiritismo deveriam compreender “o sacrifício heroico que fazem

os que estão à frente de dezenas de revistas e jornais espíritas que circulam no Brasil,

lutando para levar o pensamento esclarecedor a todos os que estão subjugados pela

ignorância”245

. No caso dele, o sacrifício teria custado uma boa quantia de seu próprio bolso.

Antonio Wantuil de Freitas, ao comentar os esforços que os espíritas da FEB empreendiam

para baratear o preço dos livros, bem como a necessidade de doações para a expansão do

trabalho, afirma que “a maioria dos nossos confrades só compreende a caridade-dinheiro,

alimento, pão material, desconhecendo a caridade maior, a que leva o pão espiritual, a que

transforma as criaturas (...)”246

.

Não estou seguro de que entre os espíritas a percentagem de analfabetos fosse mínima,

como disse o anônimo colaborador de Mundo Espírita que teve espaço através de Lins de

244

ANDRADE, Henrique. “15 anos”. Mundo Espírita, op. cit.. 245

LOPES, Arthur Lins de Vasconcellos. “16º aniversário de „Mundo Espírita‟”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro,

4 de Abril de 1948, capa. 246

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente à Assembléia Deliberativa, na sua

reunião ordinária de 1949, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do seu patrimônio moral e material,

durante o ano-social de 1º de Julho de 1948 a 30 de Junho de 1949”. Reformador, Setembro de 1949, p. 214.

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Vasconcellos. Entre os médiuns do Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor, então localizado na

Praça XV e os do Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança, de Botafogo, consta que a

maioria das mulheres seria de trabalhadoras domésticas. “Costureiras, motoristas, lavadeiras,

pintores, serventes e até lavradores também participaram como médiuns nestes Centros

Espíritas”247

. Penso que nem todos estes fossem alfabetizados, uma vez que eram pobres e o

acesso à Educação deve ter sido dificultado em função das lutas materiais pela sobrevivência.

Entretanto, como demonstrou a historiadora Laura Antunes Maciel, o hábito da leitura estava

presente “entre parcelas da sociedade até então distantes da cultura letrada, a medida que

edições baratas tornaram os livros – e também os jornais e revistas – produtos cada vez mais

acessíveis”248

.

Despesas envolvendo os custos de impressão dos periódicos também se constituíram

obstáculos à militância dos espíritas na imprensa. Em 3 de Outubro de 1920, Aurora avisava

aos seus anunciantes que aumentaria o valor de sua assinatura, “obrigados pela necessidade

premente consequência fatal deste momento histórico em que tudo quanto é artigo de

typographia se elevou a preços fabulosos e nunca imaginados”249

. Pouco tempo depois, em

31 de Julho de 1922, A Verdade também notifica seus assinantes. “Em virtude do elevado

preço do papel e impressão, somos obrigados a elevar o preço das assignaturas” 250

. No

Relatório de atividades da FEB apresentado em 1931, Guillon Ribeiro diz que não foi possível

aumentar a tiragem do Reformador, como pretendiam. Dentre as causas, teria contribuído

a circumstancia de ter o órgão da Federação o formato de revista, o que encarece grandemente

o trabalho typographico; de ser impresso em papel superior que, embora importado em

condições favoráveis, sae por preço bastante elevado; de exigir capa, que determina uma

despesa especial, etc.. 251

Entre o segundo semestre de 1937 e o primeiro de 1938, o preço do papel provocou

mudanças na FEB. Guillon Ribeiro informa que diante da “brusca e violenta elevação do

preço do papel que importamos” 252

a periodicidade do Reformador seria alterada: de

quinzenal passaria a mensal. Esperavam normalizar a periodicidade da revista tão logo as

condições de preço do papel importado melhorassem. Entretanto, mantiveram-na até os dias

247

OLIVEIRA, Marco Aurélio Gomes. “Livres”, porém perseguidos, op. cit., p. 20. 248

MACIEL, Laura Antunes. “Cultura letrada, intelectuais e memórias populares”. In: ENGEL, Magali Gouveia;

CORRÊA, Maria Letícia e SANTOS, Ricardo (Orgs.). Os intelectuais e a cidade: séculos XIX e XX. Rio de

Janeiro, Contra Capa, 2012, p.54. 249

“Aos nossos assignantes”. Aurora. Rio de Janeiro, 3 de Outubro de 1920, p. 3. 250

GRAÇA, Emydio. “A Verdade”. A Verdade, op. cit.. 251

RIBEIRO, Luiz Olímpio Guillon. “Relatório do Presidente, apresentado á Assembléia Deliberativa, na sua

reunião ordinária de 1931, sobre os trabalhos da Sociedade e contas da Administração durante o anno de 1930”.

Reformador. Rio de Janeiro, 1º de Março de 1931, p. 138. 252

RIBEIRO, Guillon. “Relatório apresentado, pelo seu presidente, á Assembléia Deliberativa, na sua reunião

ordinária de 1938, sobre os trabalhos da instituição e as contas da sua administração, durante o ano social de 1º

de Julho de 1937 a 30 de Junho do ano seguinte”. Reformador, op. cit., p. 292.

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presentes. Ainda segundo o presidente da federativa, “ainda mais violenta foi a elevação do

preço do papel nacional, cuja aquisição, sem embargo de ser inferior áquele em qualidade,

tornaria muito mais onerosa as edições da revista” 253

. Imaginem o impacto dessas altas de

preço em periódicos mantidos por espíritas com menos recursos materiais! Nem todos

poderiam importar papel mais barato e os que não o fizeram tiveram que submeter-se aos

altos preços nacionais. O preço do papel é objeto de apreciação numa Assembleia

Deliberativa da FEB em 1944.

Inúmeras são as dificuldades materiais que se têm apresentado à publicação do Reformador. O

papel de que atualmente usamos, adquirível a 80 centavos o quilo, antes da guerra, custa-nos

hoje seis e meio cruzeiros; a tinta e todos os demais materiais da indústria gráfica subiram

vertiginosamente;254

Em 4 de Abril de 1945, Mundo Espírita queixa-se de que durante o período da

ditadura de Getúlio Vargas havia restrições e controle estatal sobre o papel utilizado na

confecção dos periódicos. “Privado por imposição governamental de usar papel próprio para

imprensa, de custo modicíssimo, dada a isenção fiscal; privado, ainda, de publicar anúncios

ou qualquer matéria paga, maior se tornou a luta, pela sua manutenção” 255

. Teria sido

privado da utilização desse tipo de papel porque foi considerado “folheto de propaganda

religiosa” pelo D.I.P. entre o final de 1940 e o início de 1941? Em todo caso, o que implicaria

para um periódico espírita ser registrado dessa forma? O que a nova lei de imprensa disporia

sobre isso?

O Decreto-Lei 2.232, de 20 de Junho de 1940, que autorizava o Departamento de

Imprensa e Propaganda a ratificar convênios de editores, consta, em seu artigo 4º que o

D. I. P., ouvido o Conselho Nacional de Imprensa, fará a classificação dos orgãos de

publicação, em diários, periódicos, revistas, boletins e folhetos de propaganda, com a

especificação de seus respectivos característicos e conforme suas finalidades, propriedades e

atividades no sentido dos interesses nacionais, associativos ou de objetivos comerciais.256

Interesses “nacionais” que causaram embaraços aos periódicos espíritas. Em 22 de

Março de 1941, Gazeta de Notícias trouxe uma notícia reveladora do alcance da medida e o

peso que ela teria nas publicações mantidas pelos espíritas. Sob o revelador título “Sómente as

empresas jornalísticas podem ter publicidade remunerada”, que cita, dentre outros, o

Reformador, da FEB, explica a medida do governo federal.

253

Idem. 254

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente á Assembléia Deliberativa, na sua

reunião ordinária de 1944, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do seu patrimônio moral e material,

durante o ano social de 1º de Julho de 1943 a 30 de Junho de 1944”. Reformador. Rio de Janeiro, Agosto de

1944, p. 193. 255

“Treze anos vencidos!”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 4 de Abril de 1945, capa. 256

SENADO FEDERAL. Decreto-Lei nº. 2.232, de 20 de Junho de 1940. Disponível em:

http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=21097&norma=36265 Último acesso em 17

de Janeiro de 2014. Grifos meus.

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(...) estão registrados no DIP, como boletins, as publicações adiante designadas, as quaes, não

sendo de empresas jornalísticas, mas sim órgãos de associações, civis e de classe, grêmios,

syndicatos, clubs, etc., não poderão fazer exploração de publicidade remunerada. Sobre esses

boletins, consagrados às associações ou instituições de que são órgãos, officiou o Sr. Director

Geral do D.I.P. ao Sr. Director Geral dos Correios e Telegraphos pedindo providências no

sentido de evitar sejam distribuídos, sempre que infringirem áquella classificação legal. A

actividade commercial é assegurada apenas aos legítimos órgãos da Imprensa, que exercem

funcção de caracter público e pertençam a empresas jornalísticas. 257

Os periódicos espíritas passaram a receber a classificação de folheto de propaganda

religiosa, apesar da referência a “boletins”. Os anúncios, prática da imprensa comercial que

ajudou a manter jornais e revistas espíritas, lhes foram vetados pelo governo federal. Afinal,

se só empresas jornalísticas podiam ter propaganda remunerada, é possível supor que a

utilização de papel para a imprensa também ficasse restrita a elas. Chama atenção, também, o

investimento do DIP em notificar o serviço de Correios, que acabaria virando um braço desse

departamento, exercendo fiscalização em cima das publicações. De fato, o Decreto-Lei nº.

2.016, de 14 de Fevereiro de 1940 tratava da fiscalização do papel destinado à imprensa. De

acordo com seu artigo 2º,

As sociedades, firmas ou indivíduos responsáveis pela exploração da indústria do jornal ou de

revistas, de natureza exclusivamente publicitária, nela não se incluindo os orgãos de classe ou

de propaganda de laboratórios, sociedades comerciais, industriais ou agrícolas, companhias de

seguros de terrenos, etc., para que possam funcionar no País e gozar dos favores da restituição

dos direitos e demais taxas aduaneiras depositados pelo papel que empregarem (...).258

Ou seja, Mundo Espírita, e provavelmente os demais periódicos espíritas da cidade,

não poderiam contar com as isenções fiscais oferecidas àqueles que utilizassem o papel

“próprio para a imprensa” porque, na condição de Folheto de Propaganda Religiosa, não

estavam, dentro do entendimento do D.I.P., inseridos no universo da exploração da imprensa

de natureza publicitária. Não eram considerados “empresas jornalísticas”. Por isso, estavam

submetidos à carga de impostos e tarifas pela aquisição do papel que utilizavam na confecção

de seus periódicos. A medida do governo federal pesou, sem dúvidas, não somente para os

periódicos espíritas, mas para todos os órgãos de classe, de sociedades comerciais e

industriais. Nelson Kerensky, em 17 de Abril de 1952, entendia que a medida do governo

federal “era a forma indireta de fazer calar a voz da imprensa espiritista para a satisfação

dos desejos do clero, que via crescer dia a dia o valor do Espiritismo, graças à propaganda

vinculada por „Mundo Espírita‟” 259

. Os espíritas, mais de dez anos depois, atribuem ao clero

257

“Sómente as empresas jornalísticas podem ter publicidade remunerada”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro,

22 de Março de 1941, p. 14. Grifos meus. 258

SENADO FEDERAL. “Decreto-Lei nº. 2.016, de 14 de Fevereiro de 1940”. Disponível em:

http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaNormas.action?numero=2016&tipo_norma=DEL&data=19400214&lin

k=s Último acesso em 17 de Março de 2014. Grifos meus. 259

KERENSKY, Nelson. “Aniversário de Mundo Espírita”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 17 de Abril de 1951,

p. 4.

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católico as medidas adotadas pela Ditadura de Getúlio Vargas que afetaram os periódicos

espíritas. E, de fato, foi um duro golpe para eles, porque os asfixiou financeiramente,

cortando-lhes as receitas que obtinham via anunciantes.

A Revista Espírita do Brasil, em Outubro de 1940, avisa que teria que “restringir,

tanto quanto possível a matéria de colaboração e o noticiário, limitando-nos á publicação de

artigos ou notícias menos extensas e que tratem de temas rigorosamente espíritas” 260

. Em

Fevereiro de 1941, os responsáveis pela revista da Liga Espírita do Brasil reforçam que não

podiam publicar anúncios e nem comercializar a publicação em bancas de jornais. “Estamos,

como logo se deduz, em sérias dificuldades para mantermos a publicação regular deste órgão

(...). A medida tomada pelo DIP prejudicou sensivelmente a vida desta Revista, causando-nos

grande embaraços financeiros”261

. O Reformador notifica seus leitores em Fevereiro de 1941

que não pode mais “fazer venda avulsa de números das suas edições, nem inserir em suas

páginas publicações remuneradas, nem tampouco ter assinantes” 262

. E essas medidas

restritivas impostas pelo governo federal ocorreram “precisamente quando o preço do papel

nacional, já bastante elevado, entrara a elevar-se ainda mais, por efeito da guerra” 263

. A

FEB que, no final da década de 1930 importava o papel que utilizava na publicação do

Reformador, faz a opção – ou se vê forçada a fazer – pelo papel nacional, que também não era

barato. Impossibilitados de terem anunciantes e de venderem suas edições, a asfixia financeira

fez com que os espíritas encolhessem seus periódicos, selecionando o que publicariam ou não.

Em Agosto de 1942, os espíritas da FEB destacam que o órgão oficial contava artigos de

qualidade para serem publicados, porém, não conseguiam dar vasão a eles.

Obstam a isso duas circunstâncias capitais: de um lado, a de só circular uma vez por mês a

revista de que falamos, determinando esse facto que a colaboração que lhe é enviada se

acumule no intervalo das suas edições; de outro lado, a impossibilidade de se lhe aumentar o

número de páginas, em virtude da escassez do papel e do preço elevadíssimo por que é

obtido.264

A periodicidade da revista, que foi reduzida em 1938 em função do preço do papel que

naquela ocasião já era considerado alto pelos espíritas da FEB, é apontada por eles como uma

260

“O registro desse órgão no C.N.I.”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Outubro de 1940, p. 16. Não

entendo muito de papel, mas enquanto pesquisava o acervo desta revista na Biblioteca Nacional, notei que de

1940 para 1941 o papel utilizado nela piorou muito. Antes, era liso, como estamos acostumados com as revistas

dos dias de hoje. A partir de 1941, tornou-se áspero e dava a impressão de ser mais frágil. 261

“Aos nossos amigos e confrades”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Fevereiro de 1941, p. 27. 262

“Aviso”. Reformador. Rio de Janeiro, Fevereiro de 1941, p. 35. 263

RIBEIRO, Guillon. “Relatório apresentado pelo seu presidente á Assembléia Deliberativa, na sua reunião

ordinária de 1941, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do seu patrimônio moral e material, durante o ano

social de 1º de Julho de 1940 a 30 de Junho de 1941”. Reformador. Rio de Janeiro, Setembro de 1941, p. 244. 264

RIBEIRO, Luiz Olímpio Guillon. “Relatório apresentado pelo seu presidente á Assembléia Deliberativa, na

sua reunião ordinária de 1942, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do seu patrimônio moral e material,

durante o ano social de 1º de Julho de 1941 a 30 de Junho de 1942”. Reformador. Rio de Janeiro, Agosto de

1942, p. 193. Grifos meus.

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das razões para a eventual demora na publicação de artigos que recebiam. Além dela, mais

uma vez, a questão do custo do papel se impõe como uma das razões pelas mudanças

verificadas no periódico. Os artigos demoravam a ser publicados e algumas seções do

Reformador eram suprimidas, uma vez que “interessavam senão a limitadíssimo número de

sócios” 265

. Em 1945 assinalam que estas seções que deixaram de ser publicadas eram

“puramente sociais” 266

, o que deve ter prejudicado o noticiário de eventos promovidos por

espíritas. Os efeitos, que como se percebe, foram semelhantes na Revista Espírita do Brasil e

no Reformador, podem ser estendidos aos demais periódicos espíritas existentes naquele

momento.

Os espíritas não se detiveram e frente ao cerceamento colocado pelo D.I.P., criaram

estratégias para contornarem-nos, esforços que parecem valer-se de brechas e senões do

dispositivo legal. Na edição de Fevereiro de 1941, os espíritas da FEB apresentam sua “Caixa

de Propaganda”. O sistema era simples.

Bastará para isso que mantenham as contribuições com que auxiliavam a propaganda do

Espiritismo-cristão, através do Reformador, enviando-as, porém, não mais em pagamento de

assinaturas, visto que (...) elas se acham canceladas, e sim a título de contribuição para a

Caixa de Propaganda, que a Diretoria da Federação acaba de crear, afim de servir

especialmente á publicação do mesmo Reformador e dos folhetos de distribuição gratuita. 267

Bastava continuarem a pagar o valor destinado às assinaturas para a Caixa de

Propaganda, mudando apenas a rubrica do valor recebido. Aqueles que assim o fizessem

seriam “equiparados aos sócios inscritos da Federação para gozarem dos direitos que estes

gozam (...) dentre os quais se destaca o de receberem todos os números do Boletim Mensal

„Reformador‟”268

. E a medida adotada para contornar o problema da impossibilidade de

comercialização surtiu efeito maior que o esperado, gerando otimismo entre os espíritas da

FEB. Antonio Wantuil de Freitas, naquele momento gerente do Reformador, informava em

seu relatório que, comparando-se os valores obtidos através de assinaturas no ano social

anterior – 1º de Julho de 1939 a 30 de Junho de 1940 – com o que ele apresentava em 1941,

com os valores alcançados pela Caixa de Propaganda, obteve-se um aumento de 5$217:800,

“que certamente se elevará a muito mais, no exercício que se está iniciando. É esta uma

previsão que legitimamente se funda na confortadora aceitação que vai tendo a Caixa de

265

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente à Assembléia Deliberativa, na sua

reunião ordinária de 1946, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do seu patrimônio moral e matéria, durante

o ano social de 1º de Julho de 1945 a 30 de Junho de 1946”. Reformador, op. cit., p. 195. 266

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente á Assembléia Deliberativa, na sua

reunião ordinária de 1945, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do seu patrimônio moral e material,

durante o ano social de 1º de Julho de 1944 a 30 de Junho de 1945”. Reformador.Rio de Janeiro, Agosto de

1945, p. 195. 267

“Caixa de Propaganda”. Reformador. Rio de Janeiro, Fevereiro de 1941, p. 35. Grifos meus em itálico. 268

Anúncio de pé de página do Reformador. Reformador. Fevereiro de 1941, p. 36.

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Propaganda (...)”269

. O momento crítico fez com que os espíritas simpáticos à federativa

ajudassem-na em seus esforços de manutenção de seu periódico. A Liga Espírita do Brasil

adotou medida semelhante para manter a Revista Espírita do Brasil. Os espíritas simpáticos à

esta federativa poderiam inscrever-se como cooperadores da revista ou cooperadores da Liga.

Quem o fizesse receberia “uma assinatura gratuita” 270

do órgão mensal.

Em Agosto de 1946 o Reformador volta a apresentar preço de capa e de assinaturas.

Durante o período, anuncia, apenas, as obras que editava e comercializava em sua Livraria.

Em Janeiro de 1947, a Revista Espírita do Brasil, que não trazia informações de preço em sua

capa, noticia o aumento do seu preço avulso e das assinaturas271

. Seus anúncios voltam a ser

publicados em Novembro de 1946. Mundo Espírita, em 1944, era vendido, tinha assinantes,

mas não publicava anúncios. O que Henrique Andrade teria feito, uma vez que seu jornal

também era tomado como Folheto de Propaganda Religiosa e, em tese, não poderia ser

comercializado? Será que o fato de ser um jornal de propriedade de uma gráfica possibilitou

essa abertura? Algo pode ter mudado entre o início de 1941 e 1944 permitindo que Mundo

Espírita e eventualmente outros periódicos pudessem contar com estas fontes de renda.

Reformador, a Revista Espírita do Brasil e possivelmente outros periódicos espíritas

então existentes, em última análise, continuaram contando com os recursos de seus assinantes,

considerados agora como “cooperadores” ou “contribuintes” de Caixas de Propaganda. A

medida, pelo visto, foi tolerada pelas autoridades estatais que regulavam as atividades de

imprensa na cidade. Essa possibilidade deixada pelo governo federal pode ter sido proposital

ou negociada pelos responsáveis pelas publicações que não eram enquadradas pelo D.I.P.

como empresas jornalísticas com fins comerciais. Entretanto, as restrições ao papel utilizado

costumeiramente pela imprensa; a impossibilidade de serem vendidos de forma avulsa, em

pontos de venda que poderiam ser, no caso dos periódicos espíritas, livrarias, bancas de

jornais ou sedes de instituições espíritas, e a proibição de publicarem anúncios em suas

páginas, sem dúvida foram duros golpes para os espíritas que mantinham publicações de

periódicos.

1.5 – O D.I.P e o cerceamentoda liberdade de expressão de espíritas

269

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório do Gerente do Reformador”. Reformador, Rio de Janeiro, Setembro

de 1941, p. 267. 270

“Aos nossos amigos e confrades”. Revista Espírita do Brasil, op. cit.. 271

A nota informa que há 10 anos mantinham os mesmos preços de número avulso e assinatura. Como não

existia, ao menos formalmente, a comercialização da revista, os valores apurados deviam ser oriundo dos

“cooperadores da Liga” ou “cooperadores da revista”. “Aumento inevitável – Aviso”. Revista Espírita do Brasil.

Rio de Janeiro, Janeiro de 1947, p. 16.

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Os espíritas não vivenciaram, apenas, dificuldades materiais para manterem seus

periódicos. Antonio Wantuil de Freitas, usando um de seus pseudônimos, rememora outra

limitação colocada pela ditadura de Getúlio Vargas aos espíritas. “O período da ditadura

getulesca, então aliado da Igreja, se notabilizou por fechar Centros Espíritas e por proibir

que os nossos jornais gozassem da mesma liberdade crítica concedida à imprensa católica”

272. O então presidente da FEB queixava-se que, aos espíritas, não era concedida a mesma

liberdade que aos adeptos da religião hegemônica no momento. Parece-me que mesmo os

espíritas que participavam da imprensa diária eram inibidos ou sentiam-se intimidados a

enfrentarem determinados temas naquele período. Frederico Fígner, na coluna “Chronica

Espírita” do Correio da Manhã, em 1921, criticando os cientistas e intelectuais que eram

contrários ao Espiritismo, usou de ironia para falar a respeito de Carlos Chagas, que àquela

época era responsável pelo Departamento Nacional de Saúde Pública. Naquele ano, esse

departamento multou a Federação Espírita Brasileira e o médium Inácio Bittencourt, em

função de suas práticas do receituário mediúnico273

.

Destas mesmas columnas já propuz ao dr. Carlos Chagas, único que de alguma forma tem o

direito ao título de scientista – ainda que a moléstia proveniente da picada do barbeiro fosse

conhecida antes delle nascer – mas, como ia dizendo, propuz daqui mesmo que fosse nomeada

uma commissão neutra, para acompanhar o tratamento espírita em doentes que fossem por nós

apresentados, mas ele ficou na moita. Se é um scientista, por que não acceitou?274

O Diretor do Departamento de Saúde Pública é desqualificado. Sua inovação não seria

tão nova assim... Além disso, faltar-lhe-ia espírito científico, uma vez que recusou – ou se

omitiu – diante do desafio colocado por Frederico Fígner. A Federação Espírita Brasileira, em

sua própria coluna, no mesmo jornal, também debateu a perseguição da Saúde Pública.

Destaco que o Correio da Manhã ficou ao lado dos espíritas nesta questão. O dispositivo legal

que enquadrou a federativa e o médium era considerado pelo periódico como o “famigerado

regulamento da Saúde Pública”275

. Entretanto, em 1937, quando Inácio Bittencourt é,

novamente, enquadrado pelo mesmo motivo, os escritos da FEB e de Frederico Fígner

silenciaram. Durante o período ditatorial de Getúlio Vargas, o fechamento de Centros

Espíritas e o enquadramento de médiuns pela Polícia eram tratadas de forma discreta pelos

espíritas da FEB e da Liga Espírita do Brasil. O Reformador trazia informações a respeito da

272

FREITAS, Antonio Wantuil (I. Pequeno). “O Código Penal”. Reformador. Rio de Janeiro, Novembro de

1948, p. 267. 273

Sobre a multa aplicada à FEB, ver: “A perseguição ao espiritismo”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 13 de

Fevereiro de 1921, p. 5. Sobre a multa aplicada à Inácio Bittencourt, ver: A sciência official e o espiritismo. “A

primeira, que póde até matar, veda ao segundo curar”. Uma entrevista com o “médium” perseguido, Inácio

Bittencourt”. Correio da Manhã, op. cit.. 274

FÍGNER, Frederico. “Chronica Espírita”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 30 de Outubro de 1921, p. 4.

Grifos meus. 275

“A perseguição ao espiritismo”. Correio da Manhã, op. cit..

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repressão nos relatórios de atividades da federativa, em reflexões críticas sobre o Código

Penal, em artigos onde comentavam brevemente o fechamento de instituições por causa das

Portarias Policiais. A Revista Espírita do Brasil procurava, em suas páginas, traçar

orientações aos espíritas de como proceder diante das exigências formuladas pelas

autoridades. Em Dezembro de 1942, no calor das medidas impostas pela Portaria Policial

8.363 que colocava inumeráveis exigências para o funcionamento de Centros Espíritas na

Capital, o Reformador transcreve um artigo de Frederico Fígner, publicado em sua coluna no

Correio da Manhã. Comparando os médiuns espíritas aos apóstolos de Jesus, que realizavam

curas, assim conclui:

Não sei com que intuito se tem procurado, e procura-se cercear a prática dessa caridade cristã

que a tantas creaturas tem felicitado em todo o território brasileiro. O Sr. presidente da

República que tão sábias providências tem sabido tomar para favorecer os desprotegidos da

sorte, os necessitados do socorro, a classe que trabalha, que luta para crear a sua prole,

certamente não teve ainda ocasião de se inteirar do que se passa com referência á religião

espírita e ás dificuldades que se antepõem á sua livre prática. Apelamos, pois, para S. Excia.,

para que nos seja dada a mesma liberdade de que gozam todas as outras religiões no nosso país.

Que nos seja concedida a liberdade de “dar de graça o que de graça e por acréscimo, Nosso

Senhor Jesus Cristo nos outorga”. 276

Note-se que o tom utilizado no artigo dirigido à autoridade máxima difere daquele que

lançou mão para referir-se ao Diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública em 1921.

Aqui, dirigia-se a um ditador, num regime de exceção onde existe, apenas, um verniz de

legalidade. Tentando isentar Getúlio Vargas de responsabilidades – os espíritas estariam

sendo impedidos de exercerem suas atividades sem que o presidente soubesse – apela para a

ligação que o presidente tentava estabelecer com os pobres. A queixa formulada é discreta e

vem suavizada. Para uma entidade como a FEB que desestimulava a participação política,

seus artigos, ainda que brandos, neste momento mais crítico por causa de uma ditadura, são

um esforço de intervenção política no cenário social. Ou seja, nos assuntos onde tinha

interesse, posicionava-se politicamente.

Em resumo, atuaram por meio da imprensa da cidade do Rio de Janeiro entidades

espíritas federativas (Reformador e Revista Espírita do Brasil); Centros Espíritas,

individualmente com seus jornais de circulação interna (O Sidereo) ou mesmo com pretensões

a alcançar um público maior (Humildade/Tribuna Espírita, Novo Horizonte, A Verdade e A

Fraternisação); grupos de Centros Espíritas representados por um único jornal (Aurora) e

grupos de indivíduosespíritas em iniciativas independentes, não vinculados a qualquer

instituição (União Espírita, Mundo Espírita e A Fraternidade). Brasil Espírita não se

276

FÍGNER, Frederico. “Será crime a caridade?”. Reformador. Rio de Janeiro, Dezembro de 1942, p. 200.

Grifos meus. Sobre a Portaria Policial 8.363, ver: OLIVEIRA, Marco Aurélio Gomes. “Livres”, porém

perseguido, op. cit., p. 71.

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declarava ligado a nenhuma instituição espírita, ainda que sua redação funcionasse na sede da

Alliança Kardecista.

As tiragens variaram conforme os públicos que se pretendia atingir. O fato de ser

órgão oficial de alguma instituição espírita poderia influir no tamanho da tiragem. De 400

exemplares de O Sidereo, de distribuição gratuita para os sócios do Centro Espírita José de

Abreu, que visava divulgar mensagens mediúnicas através de suas páginas, até os 40.000

exemplares alcançados por Aurora até Dezembro de 1933, jornal que representou quatro

Centros Espíritas e a Federação Espírita do Estado do Rio de Janeiro até 1920 e que se

apresentava como órgão de propaganda. Um jornal que temos notícias de sua publicação até

Maio de 1949. Teria aumentado?

A maioria deles contava, dentre as fontes de renda, com assinaturas e anúncios,

possivelmente vários destes de espíritas que possuíam negócios. Um deles

(Humildade/Tribuna Espírita), também possuía uma Caixa Mantenedora. Mundo Espírita,

Reformador e Revista Espírita do Brasil lançaram mão deste recurso num momento delicado

de suas trajetórias. União Espírita contou, para constituir-se, com recursos dos seus

acionistas. Apenas O Sidereo e A Fraternisação eram de distribuição gratuita.

Quanto ao preço de venda dos exemplares, as revistas mais caras – Novo Horizonte,

Reformador, Revista Espírita do Brasil(entre 1929 e 1932) – custavam 1$000 e a mais barata,

A Fraternidade (em 1916) custava $200, sendo que possuía, apenas, oito páginas. A revista

Brasil Espírita de Jarbas Ramos, por sua vez, possuía 30 páginas (atrás apenas do Reformador

que chegou a 38 páginas) e custava $500 em 1930. Dentre os jornais, Tribuna Espírita e

União Espírita, ambos com quatro páginas, custavam $100 na década de 1900, valores que

coincidem com os dos jornais feitos por trabalhadores entre o final do século XIX e as

primeiras décadas do século XX277

. Entretanto, quando comparamos o preço de suas

assinaturas anuais, verificamos que União Espírita (9$000) custava 4,5 vezes a mais que

Tribuna Espírita (2$000), que contava com uma Caixa Mantenedora para subsidiar sua

publicação e diminuiria o preço final. Além disso, outras razões para esses contrastes no preço

são as diferentes periodicidades.

A maioria dos periódicos era mensal. Reformador, Aurora e Tribuna Espírita eram

quinzenais. Mundo Espírita e União Espírita eram semanais. Mas a periodicidade mudava.

Reformador da sua fundação em Janeiro de 1883 até 1937 era quinzenal. A partir do ano

277

MACIEL, Laura Antunes. “Imprensa de trabalhadores, feita por trabalhadores, para trabalhadores?”. História

& Perspectivas. Uberlândia, Julho a Dezembro de 2008, p. 131.

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seguinte, torna-se mensal. Mundo Espírita começa semanal em 1932. Passa a quinzenal em

Fevereiro de 1948 e, em 1951, mensal. Jornal diário? Não tiveram. Passou pelas mentes, mas

não ganhou concretude no mundo real.

Os jornais espíritas trocavam de mãos. Reformador, que começara com Augusto Elias

da Silva quem sabe como Renovador, cede-o à recém-criada FEB. Aurora, de Inácio

Bittencourt, pode ter surgido em outra região do Estado do Rio de Janeiro, tendo interrompido

suas atividades que foram reiniciadas por ele. Quando morre, em 1943, é assumido por

Henrique Andrade. Este, por sua vez, detinha Mundo Espírita, que teria sido um projeto

fracassado de Nóbrega da Cunha. Em Fevereiro de 1948, Lins de Vasconcellos assume o

jornal que, depois de sua morte, fica sob a responsabilidade da Federação Espírita do Paraná.

Quando não trocam de mãos, trocam de nomes, como é o caso de Humildade que se tornou

Tribuna Espírita.

Os periódicos analisados não representam a totalidade da imprensa espírita em

circulação na cidade do Rio de Janeiro durante o período abarcado pela pesquisa. O interesse

demonstrado pela Liga Espírita do Brasil e pela FEB em saber se os Centros Espíritas

possuíam periódicos na década de 1920 é indicativo de que o número dos jornais e revistas

que sobreviveram, na atualidade, preservados na Biblioteca Nacional, é muito inferior àquele

que circulava durante o período. Apesar disso, aqueles que tivemos em mãos permitem-nos

perceber que a maioria destes periódicosera produzida na região Central da cidade, assim

como vários jornais da “imprensa miúda”, feita por diferentes segmentos de trabalhadores278

.

Apenas um jornal – Aurora – era de um bairro da Zona Sulenquanto três periódicos – O

Sidereo, A Fraternisação e A Fraternidade – eram produzidos em diferentes bairros da Zona

Norte. Analisando o Livro de Registro das Associações Agregadas à Liga Espírita do Brasil,

de 1942, verificamos que a maior parte dos Centros Espíritas da cidade do Rio de Janeiro

localizava-se na Zona Norte. Porém, especificamente o bairro que contava com a maioria

deles era o Centro da cidade279

. Não causa surpresa, uma vez que vários periódicos tinham

suas redações funcionando em Centros Espíritas, até a revista Brasil Espírita, que se pretendia

independente.

278

MACIEL, Laura Antunes. “Imprensa, História e Memória: da unidade do passado às outras histórias”.

Revista Patrimônio e Memória. Assis, Cedap, Dezembro de 2009, p. 70. 279

OLIVEIRA, Marco Aurélio Gomes. “Livres”, porém perseguidos, op. cit., p. 24.

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Capítulo 2 – Espíritas e Espiritismo na imprensa diária carioca

2.1 - Colunas e seções espíritas nos diários cariocas

Os espíritas abriram espaço nos jornais diários da cidade do Rio de Janeiro desde o

final do século XIX com uma série de artigos de Bezerra de Menezes. Segundo Zeus Wantuil,

com o pseudônimo de Max, ele escreveu “de 23 de Outubro de 1887 a 24 de Dezembro de

1894” 1 em O Paiz. Continuou sua série no Jornal do Brasil de 7 de Janeiro a 25 de

Novembro de 1895, terminando-a naGazeta de Notícias de 1º de Dezembro de 1895 a 15 de

Outubro de 18972. Em seu artigo inaugural em O Paiz, Max afirma que naquela secção

pretendia continuar “a obra começada de exporem-se ao público a theoria spirita e as provas

experimentaes de sua verdade”3. Segundo Emerson Giumbelli, em 1881 havia uma

instituição chamada União Espírita do Brasil que objetivava “formar agremiações pelas

diversas províncias, além de oferecer serviços de assinatura de periódicos estrangeiros” 4.

Além disso, buscava reunir pessoas dispostas a “custear a publicação semanal de artigos

doutrinais em um jornal de grande circulação” 5, o que se concretizou através dos artigos de

Bezerra de Menezes. Assim, durante 10 anos, um grupo de espíritas pagou pela publicação de

artigos em três jornais diários da capital federal. Em 1938, Antonio Wantuil de Freitas

assinando como “Mínimus”, então gerente de Reformador, assim se referiu à atuação destes

na imprensa.

1 WANTUIL, Zeus. Grandes Espíritas do Brasil, op. cit., p. 237.

2O Jornal do Brasil foi fundado em 9 de Abril de 1891 por Rodolfo de Souza Dantas e Joaquim Nabuco e, desde

31 de Agosto de 2010, passou a existir apenas na internet. Teria sido criado por “um grupo de monarquistas

insatisfeitos com a situação política do Brasil recém-republicano” e, em seus primeiros meses, teria feito

oposição moderada ao novo regime político. Mudou de mãos algumas vezes. Em 15 de Novembro de 1894, sob

a responsabilidade da firma Mendes & Cia, tornou-se situacionista, local e tentou mostrar-se mais popular.

Quando Bezerra de Menezes inicia sua coluna o jornal não reservava espaço para outras religiões e, apenas em

1910, criou uma seção religiosa destinada ao Catolicismo. HEMEROTECA DIGITAL BRASILEIRA. Jornal do

Brasil. Disponível em: http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/jornal-do-brasilÚltimo acesso em 22 de Abril de

2014. 3 CAVALCANTI, Adolfo Bezerra de Menezes (Max). “Secção livre. O spiritismo”. O Paiz. Rio de Janeiro, 23

de Outubro de 1887, p. 4.O Paiz, propriedade de João José dos Reis Júnior, o conde de São Salvador de

Matozinhos, circulou de 1º de Outubro de 1884 a 18 de Novembro de 1934. Teve, como primeiro redator-chefe

Rui Barbosa, posteriormente substituído por Quintino Bocaiúva e alcançou tiragem de 60 mil exemplares. De

orientação republicana e situacionista teve sua sede destruída durante o golpe de 1930, teve suas atividades

interrompidas até 22 de Novembro de 1933, encerrando suas atividades no ano seguinte. Quando Bezerra de

Menezes começa a escrever em suas páginas O Paiz não contava com coluna ou seção destinada a religiões. Na

sua penúltima edição (17 de Novembro de 1934) trazia uma seção intitulada “Religião” com espaço para temas

católicos. Hemeroteca Digital Brasileira. O Paiz. Disponível em:http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/o-

paizÚltimo acesso em 22 de Abril de 2014. 4 GIUMBELLI, Emerson. O cuidado dos mortos, op. cit., p. 64.

5 Idem.

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Há no Brasil seguramente uns 80 jornais espíritas e uma infinidade de outros que mantém em

suas colunas secções de Espiritismo. Entre estes últimos, deparam-se-nos grandes diários que

publicam, gratuitamente, o noticiário do movimento espírita do Brasil6.

Aqui já encontramos uma mudança. Muitos jornais espíritas circulando pelo país e

vários outros, que o então gerente do Reformador não quantifica, abrindo suas páginas para

seções de Espiritismo, e isso gratuitamente, diferente do que ocorreu no final do século XIX

com o grupo de espíritas do qual participava Bezerra de Menezes.

O Correio da Manhãfoi, dos jornais diários da cidade do Rio de Janeiro, aquele que

ofereceu maior espaço para os espíritas, tanto em duração quanto emnúmero de colunas7.Em

16 de Novembro de 1903, com pouco mais de dois anos do início de atividades do jornal,

encontramos um artigo intitulado “Espiritismo”, assinado por Olegário Tavares. A única

informação que consegui apurar dele foi que anos depois, em Setembro de 1911, era

presidente do Centro Espírita Antonio de Pádua8, um nome bastante comum para instituições

espíritas. Estendeu-se o artigo como uma série, numerado em algarismos romanos

(Espiritismo I, II, III, etc.). Entre o final de Fevereiro e o início de Março de 1904, deixou de

sair por falta de espaço no jornal que, naquela época possuía apenas seis páginas, das quais a

metade era de anúncios. Até Abril de 1905, artigos com este título são assinados por ele.

Posteriormente, Frederico Fígner, Antonio Lima, Vianna de Carvalho, José Tosta e Oscar D‟

Argonnel começam a escrever a respeito do assunto, mas de maneira não sistematizada ou

formalizada em uma coluna específica, o quese estende até Outubro de 1916.Entretanto, de 1º

de Maio a 12 de Julho de 1914, Antonio Lima foi responsável por uma seção que era para ser

diária, mas foi publicada de forma intermitente, que se chamava “Espiritismo – Theoria e

Factos”. Nela, publicou relatos de fatos mediúnicos, noticiário de Centros Espíritas e

mensagens mediúnicas.

6 FREITAS, Antonio Wantuil (Mínimus). Ciência, Religião e Fanatismo. Rio de Janeiro: FEB, 1938, p. 139.

7O Correio da Manhã, de Edmundo Bittencourt, foi fundado em 15 de Junho de 1901 e circulou até 8 de Julho

de 1974. É considerado um jornal “combativo e de opinião” que se declarava defensor dos direitos do povo e

encampava campanhas contra o aumento dos preços das passagens dos bondes, contra os jogos de azar,

denunciava funcionários públicos. Embora admitindo colaboradores de variadas tendências políticas, inclusive

Evaristo de Morais, que escrevia sobre questões trabalhistas e em apoio ás causas dos mais pobres, o Correio da

Manhã não era considerado um jornal neutro. LEAL, Carlos Eduardo. Correio da Manhã. Disponível

em:http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspxÚltimo acesso em 22 de Abril de 2014. Em 25 de

Junho de 1917, quando tem início a coluna “Chronica Espírita”, o jornal mantinha também uma seção destinada

ao Catolicismo intitulada “Notas Religiosas”. O CPDOC da Fundação Getúlio Vargas disponibiliza verbetes

sobre vários jornais. O usuário deve cadastrar-se no site para ter acesso gratuito. Agradeço à historiadora

JunieleRabêlo de Almeida, da Universidade Federal Fluminense, pela informação. 8 “Últimas notícias e telegramas”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 21 de Setembro de 1911, p. 6.

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Frederico Fígner e Antonio Lima tinham vínculos com a FEB. Oscar D‟ Argonnel

escreveu em Reformador. José Tosta9, que fora do Centro Espírita Fraternidade, do bairro de

Marechal Hermes, militou na imprensa espírita como representante de O Clarim e da Revista

Internacional de Espiritismo, escrevendo neles, ambos órgãos de Cairbar Schutel10

publicados

na cidade de Matão, em São Paulo. Além disso, publicara colunas espíritas na Gazeta de

Notícias (que veremos adiante) e O Jornal (que não consegui pesquisar) e teria lecionado

Esperanto na FEB11

. Vianna de Carvalho12

era um militar que se notabilizara pela oratória

espírita. Segundo Zeus Wantuil, frequentara várias instituições espíritas, dentre as quais a

própria FEB, onde fazia conferências e publicava em Reformador. Quando viajava em

serviço, escrevia sobre o Espiritismo para jornais locais. De 24 de Novembro de 1912 até 7 de

Janeiro de 1914, por exemplo, o Correio da Manhã facultou-lhe uma coluna chamada

“Questões espíritas”. Não era muito regular. Durante 1913, havia no jornal apenas suas

colunas sobre o tema.

Em 26 de Junho de 1917 começa, nas páginas de Correio da Manhã, “Chronica

Espírita”. A primeira delas é assinada por Caírbar Schutel. Vários nomes ligados à FEB e

alguns à imprensa espírita escrevem nela: Inácio Bittencourt, novamente Vianna de Carvalho,

Manoel Quintão, Ewerton Quadros, Carlos Imbassahy e Frederico Fígner, assinando seu

primeiro nome abreviado, “Fred Fígner”. Este último assume a responsabilidade da coluna,

onde a esmagadora maioria dos artigos são dele. As colaborações dos demais se dão nos

momentos iniciais. Frederico Fígner leva a coluna até sua morte, no dia 19 de Janeiro de

1947, quando sai publicada a última. Quase trinta anos ininterruptos de militância pelas

páginas desse jornal diário.

Segundo Amadeu Santos, comerciante e industrial, Frederico Fígner, era

Comerciante, jornalista, escritor. Conhecedor de vários idiomas, possue vasta cultura

espiritualista. Devido a simpatia que usufrue e ao conceito em que é tido nos meios

jornalísticos conseguiu manter num grande órgão de publicidade, o Correio da Manhã, uma

secção constante de Espiritismo, que vem dirigindo há muitos anos.Tem tido, assim, o

Espiritismo, um jornal diário, e graças á sua pena, um respiradouro por onde se é propagada a

doutrina evangélica e as verdades codificadas por Allan Kardec. 13

9 NÚCLEO ESPÍRITA VERBO DE LUZ. José Tosta. Disponível em:

http://nucleoespiritaverbodeluz.blogspot.com.br/2010/04/jose-machado-tosta.html Último acesso em 15 de

Setembro de 2013. 10

Sobre Caírbar Schutel ver: Wantuil, Zeus. Grandes Espíritas do Brasil, op. cit., p. 254. 11

BÍBLIA DO CAMINHO – TESTAMENTO XAVIERIANO. Nótulas da Editora. Disponível em:

http://ocaminho.com.br/ocaminho/TXavieriano/Livros/Vlt/VltAnexo.htm Último acesso em 28 de Setembro de

2013. 12

Wantuil, Zeus. Grandes Espíritas do Brasil, op. cit., p. 595. 13

ANÔNIMO. “Frederico Fíger”. In: SANTOS, Amadeu. Doutrina e Crítica. Rio de Janeiro: Confeccionado nas

officinas do Reformador, 1943, p. 123. Grifos meus. O livro reúne alguns artigos em torno de uma polêmica que

o autor travou com um religioso católico. Convidou, na ocasião, alguns espíritas para opinarem sobre a questão.

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O cronista anônimo atribui, então, às relações de Frederico Fígner possivelmente com

os diretores de Correio da Manhã o espaço que conseguira desde 1917. Anos depois, em

Junho de 1949, pelas páginas de Reformador lemos o anúncio da publicação de “Crônicas

Espíritas”, seleção de escritos dele pelas páginas deste jornal. “Amigo do Dr. Edmundo

Bittencourt, saudoso diretor do Correio da Manhã, nesse jornal eram publicadas

semanalmente as crônicas do velho Fígner (...)” 14

. As colunas de Frederico Fígner não

tinham periodicidade definida. Nos seus últimos anos saíram, mesmo, quinzenais. Isso deve

ter relação com a idade avançada do seu autor na década de 1940, uma vez que morreu com

80 anos em 1947. Quanto ao relacionamento com Edmundo Bittencourt, ele deve ter sido

facilitado pela condição social abastada de Frederico Fígner, proprietário da Casa Edison15

,

que comercializava equipamentos de som, máquinas de escrever e discos. Em 7 de Julho de

1901, na página seis do diário de Edmundo Bittencourt que funcionava há menos de um mês,

existe um anúncio enorme de sua empresa16

. No primeiro ano de funcionamento, os anúncios

eram sempre grandes, com bom destaque na página, sempre na parte superior. Não quero

determinar, categoricamente, que Frederico Fígner ou os outros espíritas que escreviam neste

jornal conseguiram o espaço por causa de seus anúncios da Casa Edison. Mas é lícito supor

que as relações comerciais entre anunciantes e jornais podem ter feito nascer outros laços

também. Podem ter favorecido, facilitado mesmo, uma vez que eram da mesma classe social.

Em 28 de Novembro de 1917 encontramos no Correio da Manhã um artigo intitulado

“Federação Espírita Brasileira”.

O Correio da Manhã visitou, “sponte sua”, a Federação Espírita Brasileira, em sua sede á

Avenida Passos. Informou-se dos serviços que presta á humanidade a mais antiga Associação

espírita do Brasil, especialmente os da secção denominada “Assistência aos Necessitados”, que

socorre, diariamente, centenas de pessoas sem retribuição de espécie alguma, sem distincção de

crenças religiosas, de nacionalidades e posição social. (...) Há alguns annos o ex-redator desta

folha, o sr. A. Amaral, então seu correspondente em Londres, dizia: “... Já é uma verdade

conquistada e que se impõe a todos que examinam os factos, sem preconceitos e sem restrições

sectárias, a absoluta inanidade da philosophia material e a certeza da supremacia do Espírito

sobre a Matéria.”De longa data vem o Correio da Manhã franqueando as suas columnas, com

largo espírito de tolerância, a publicações referentes aos factos e teorias do Espiritismo. Depois

da visita a que aludimos, o Correio, de accôrdo com as suas tradições, pôz, generosamente, ao

dispor da Federação uma columna neste grande diário. 17

A partir de então, o Correio da Manhã passa a publicar a coluna “Federação Espírita

Brasileira”. De acordo com o Estatuto da FEB de 3 de Dezembro de 1917, o mais antigo que

A apresentação de cada autor, dentre os quais Frederico Fígner, teria sido feita por alguém que solicitou

anonimato. 14

“Crônicas Espíritas”. Reformador. Rio de Janeiro, Junho de 1949, p. 138. 15

DICIONÁRIO MPB. Casa Edison. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/casa-edison/dados-

artisticos Último acesso em 14 de Setembro de 2013. 16

“Casa Edison”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 7 de Junho de 1901, p. 6. 17

“Federação Espírita Brasileira”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 28 de Novembro de 1917, p. 4.

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possuo, a Assistência aos Necessitados contaria com doze membros, além de alguns

auxiliares. Seria responsável pelo serviço do receituário mediúnico, bem como da farmácia

homeopática que doaria os remédios prescritos às pessoas. Distribuíam, também, alimentos e

roupas aos necessitados. Possuíam, também, um serviço de assistência moral e espiritual que

pretendia levar ensinamentos morais e conforto a quem necessitasse18

. Os estatutos analisados

apenas fazem referência à manutenção do Reformador como órgão oficial quando mencionam

a propaganda pela palavra escrita. Não explicitam a vontade de participar de outros

periódicos, mesmo os diários.

O ex-redator a que se referem deixara o cargo, ocupado até 18 de novembro de 1917,

há pouco tempo. Pelo que se pode notar, deveria ter alguma simpatia pelas ideias espíritas, o

que não deixa de ser, para os espíritas que ocupavam estas páginas, mais um aliado. E em

função da visita, os espíritas da FEB conseguem uma coluna num jornal diário. Zeus Wantuil

diz que essa visita fora realizada pelo próprio Edmundo Bittencourt acompanhado de

Aristides Spínola, presidente da FEB. Entusiasmado com o que viu, ofereceu o espaço19

.

Ainda segundo o autor, Spínola foi político, jornalista, advogado e um dos fundadores

doJornal do Brasil em 189120

, o que pode ter facilitado o acesso dos espíritas da União

Espírita do Brasil em suas páginas em 1895. Era, portanto, um homem de imprensa também.

Os rostos conhecidos, dos homens de imprensa que se reconhecem, que podem ter mantido

contatos profissionais e estabelecido relações de amizades, devem ter favorecido, também, a

obtenção da coluna.

Os textos publicados na coluna, em geral, não eram assinados, não sendo possível

identificar seu responsável. Parece, mesmo, que não havia. A segunda coluna do artigo acima

está apagado no microfilme da Biblioteca Nacional, o mesmo ocorrendo com a versão

digitalizada. No entanto, dá para arriscar algumas deduções. Segundo o autor, a FEB

Reconhece as difficuldades (da) tarefa. Espera poder vem(cer) mediante o concurso de

com(frades) dedicados que, seguindo a (ilegível) orientação doutrinária da Fe(dera)ção, virão

collaborar nesta (co)llumna. A forma será vária, con(forme) as aptidões e o estylo dos

(in)teressados collaboradores, mas (os) artigos serão publicados sob (a res)ponsabilidade da

Federação (Espí)rita Brasileira. 21

Esperavam o concurso de espíritas interessados em participar. Imagino que, pensando

nos espíritas da própria FEB que desenvolviam atividades na imprensa espírita e atuavam,

18

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Estatutos da Federação Espírita Brasileira. Rio de Janeiro, 1917,

artigos 69 a 82, p. 27 a 32. 19

WANTUIL, Zeus. Grandes Espíritas do Brasil, op. cit., p. 167. 20

Idem, p. 166. 21

“Federação Espírita Brasileira”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 28 de Novembro de 1917, p. 4. Grifos

meus.

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doutrinariamente, na leiga, tentassem deixar as margens abertas, não precisando, exatamente,

o conteúdo que desejavam na coluna. Isso, evidentemente, passando pelos filtros da entidade,

que decidiria o que seria ou não publicado. Poderia ser o do próprio Aristides Spíndola que,

naquele momento a presidia, reproduzindo, dessa forma, a lógica de operação do Reformador,

“cuja direcção e redacção competem ao Presidente” 22

. Encontrei artigos de Leopoldo

Cirne, que presidira a entidade, de Vianna de Carvalho e alguns assinados com abreviaturas,

W. P., que não consigo identificar e M. Q., que pode ser Manoel Quintão. A coluna estende-

se, de maneira irregular, até 30 de Novembro de 1923, quando publicam a última.

Outra coluna espírita presente nas páginas de Correio da Manhã chamava-se “Notas

Espíritas”, assinada por Hermes Jurema. Começou em 21 de Novembro de 1921 e terminou

em 1º de Outubro de 1923 com quatorze publicações no total. Sobre o responsável pela

coluna, apenas consegui apurar que foi sócio da FEB, já que através da coluna da federativa

no Correio da Manhã do dia 19 de Maio de 1922 é noticiado o seu ingresso no quadro

associativo da instituição 23

. A última delas foi assinada por Guiomar A. F. Ramos que, como

vimos acima, em Abril de 1926, viria a ser eleita 2ª tesoureira da Liga Espírita do Brasil.

O Correio da Manhã contou, ainda, com a coluna “„Correio‟ Espírita”. A coluna

começa em 10 de Junho de 1936. Segundo o Reformador de 1º de Julho de 1936,

Saltam-nos da penna estas observações a propósito do facto, que nos cumpria noticiar e com

summo prazer noticiamos, de haver o “Correio da Manhã”, um dos nossos periódicos de

maior circulação e prestígio, não obstante já ter de há muito as suas páginas frequentemente

abrilhantadas pelas “Chronicas Espíritas”, do nosso estimado e incansável companheiro

Frederico Fígner, aberto, por iniciativa espontânea de sua direcção, uma secção espírita

diária, de caráter sobretudo noticioso, para registro cotidiano do movimento espírita nesta

capital e, tanto quanto possível, de todos os pontos do paiz. Offerecida, de início, por

intermédio daquelle companheiro, a um dos dirigentes da Federação, como nenhum destes, no

momento, pudesse aceitar o encargo, principalmente por se tratar de uma secção diária, foi

lembrado e indicado o nome do nosso distincto confrade Luiz Autuori, a quem sobram

inteligência e critério doutrinário, para se desobrigar da incumbência, como o vae fazendo, com

brilho e consciência da sua responsabilidade. 24

A iniciativa teria sido espontânea do jornal. Mantiveram, assim, durante o período de

sua existência, duas colunas espíritas simultâneas, ambas de pessoas ligadas à FEB, uma de

caráter doutrinário, mais antiga, e a nova que se ocuparia do noticiário do movimento espírita.

Frederico Fígner foi o intermediário, já que possuía trânsito entre os diretores do periódico.

Diante da recusa dos membros da diretoria da instituição, em função da carga de serviços que

a manutenção da coluna – que se pretendia diária – implicaria, declinam o convite, mas

indicam alguém de confiança, que segundo eles teria inteligência e critério doutrinário para

22

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Estatutos da Federação Espírita Brasileira. Rio de Janeiro, 1917,

p. 24, artigo 55. 23

“Federação Espírita Brasileira”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 19 de Maio de 1922, p. 4. 24

“O Espiritismo na imprensa”. Reformador. Rio de Janeiro, 1º de Julho de 1936, p. 243. Grifos meus.

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tanto. Luiz Autuori, no ano anterior ao que assumiu a coluna (1935), publicou um livro

intitulado “Kardec ou Roustaing?” 25

. Favorável às teses de Roustaing?

Escrevem nela Manoel Quintão, Leopoldo Machado, Antonio Lima e Ismael Gomes

Braga, articulista da Revista Espírita do Brasil, todos os quatro, vinculados à FEB. Henrique

Andrade, de Mundo Espírita, também se fez presente. Ser favorável às teses de Roustaing não

devia ser critério pré-estabelecido para escrever na coluna, porque além de Henrique Andrade,

Mário José da Costa que, em Novembro de 1935 comentou o livro de Luiz Autuori, também

participou. Avaliando o livro do responsável pela nova coluna espírita, diz que o autor não se

posicionou. Teria afirmado, apenas, que Allan Kardec não escrevera mentiras. Diante disso,

reproduz trecho de “A Gênese”, última obra deste autor francês, onde ele afirmava que Jesus

tivera corpo de carne e não fluídico, como pretendiam os defensores de Roustaing26

. A coluna

é assumida pelo advogado, historiador, escritor, jornalista, tradutor, conferencista que escrevia

para o Reformador e secretário da Revista Espírita do Brasil em 1935, Francisco Klörs

Werneck, em 31 de Dezembro de 1937 e estende-se apenas até 26 de Janeiro de 193827

. O

pesquisador espírita Clóvis Ramos relata que em 1º de Janeiro de 1937 foi fundado por Luiz

Autuori e Jayme Cisneiro, no Rio de Janeiro, um periódico chamado Correio Espírita. Será

que as atividades no novo jornal o afastaram da coluna de mesmo nome no Correio da

Manhã?28

Quando nos referimos ao projeto “Nosso Jornal” falamos um pouco da participação de

espíritas no Diário Carioca,que se deu entre 22 de Fevereiro de 1930 e 14 de Agosto de

193729

. Ela não durou sete anos e alguns meses, initerruptamente. Teve dois períodos, o

primeiro, indo de seu início até 10 de Março de 1936,praticamente diária em alguns períodos,

como o compreendido entre Março de 1930 até Agosto de 1932. Depois desse período,

aparecia as vezes muito irregular. Começa dentro de uma seção chamada “Religiões e

25

“Kardec ou Roustaing?”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 12 de Setembro de 1935, p. 8. 26

“Kardec e Roustaing”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 12 de Novembro de 1935, p. 7. O trecho que

reproduz, referindo-se a Jesus, é o seguinte: “Como homem, tinha a organização dos seres carnais; porém,

como Espírito puro, desprendido da matéria, havia de viver mais da vida espiritual, do que da vida corporal, de

cujas fraquezas não era passível”. KARDEC, Allan. A Gênese, op. cit., p. 310. 27

Em Janeiro de 1938, Francisco Klörs Werneck é o Secretário da Revista Espírita do Brasil. 28

RAMOS, Clóvis. A Imprensa Espírita no Brasil, op. cit., p. 49. 29

O Diário Carioca surgiu em 17 de Julho de 1928, fundado por José Eduardo de Macedo Soares e encerrou suas

atividades em 31 de Dezembro de 1965. Teria nascido com a finalidade de fazer oposição ao governo de

Washington Luiz. Seu fundador era egresso da Marinha, tendo passado pela política antes de dedicar-se ao

periodismo e já havia fundado, em 1912, O Imparcial. Em Dezembro de 1930 teria rompido com esse projeto

político, retomando o apoio em 1934. Quando os espíritas começam a escrever em suas páginas o jornal contava,

também, com uma coluna Católica, que trazia o noticiário de paróquias. LEAL, Carlos Eduardo. Diário Carioca.

Disponível em:http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspxÚltimo acesso em: 22 de Abril de

2014.

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Crenças” com o subtítulo “Espiritismo”. J. Collares Rocha é quem recebia as

correspondências para a coluna. Pouco tempo depois, ele fizera parte da Comissão de

Finanças do projeto do jornal espírita diário que resultou em Mundo Espírita. Não consegui

levantar informações sobre ele. Em Abril do mesmo ano, passa a chamar-se “No Mundo

Espírita”. Em 25 de Novembro de 1930 a coluna muda de mãos. “Esta secção entra agora

numa nova phase. Acha-se a testa della conhecido confrade, grande conhecedor da doutrina

e dos assumptos evangélicos, de cujos conhecimentos muito irão lucrar os nossos leitores”30

.

Mas... Quem seria? Por que não declinar o nome? O que se pode depreender do que se lê é

que pode ter sido comandada por pessoa interessada no movimento de unificação dos espíritas

em torno das entidades federativas, porque eram bem comuns os artigos de pessoas ligadas à

FEB, tais como Carlos Imbassahy, Manoel Quintão31

, Antonio Lima e Frederico Fígner. Os

representantes da Liga Espírita do Brasil também não faltavam. João Torres, Jonathas Botelho

e João Pinto de Souza32

fizeram-se presentes nestas páginas. Barros Fournier, da revista Novo

Horizonte, órgão da Cabana de Lysis, também colaborou com a coluna, assim como Souza

Moraes, do Anuário Espírita do Brasil e um dos fundadores de Mundo Espírita.

Parece-me, no entanto, que Antonio Compans33

, que teria idealizado o projeto “Nosso

Jornal”, era uma peça importante no contato com os homens da imprensa diária. Em 18 de

Abril de 1936, que era uma data importante para os espíritas34

, é retomada a participação de

deles no Diário Carioca, agora sob a responsabilidade de Daniel Christóvão. Anteriormente,

o espaço estava sob os cuidados de Antonio Compans. Ao referir-se ao antigo responsável,

diz que

Agora, porém, eis que um encontro feliz em nossa terra, com esse companheiro de ideaes, nos

proporcionou a apresentação aos mui distinctos directores do DIÁRIO CARIOCA. Dessa feliz

apresentação e da agradável palestra que mantivemos com esses illustrados cavalheiros,

guardamos as mais gratas impressões, visto tratarem-se de figuras cultas, de elevados

predicados moraes e intellectuaes e a cuja esclarecida orientação jornalística, devemos o

reinício desta secção.35

30

“Nota da Redacção”. Diário Carioca. Rio de Janeiro, 25 de Novembro de 1930, p. 10. 31

Foi presidente da FEB em 1915, 1918, 1919 e 1929. FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Manoel

Justiniano de Freitas Quintão. Disponível em:

http://www.febnet.org.br/ba/file/Pesquisa/Textos/Manuel%20Justiniano%20de%20Freitas%20Quint%C3%A3o.

pdf Último acesso em 15 de Setembro de 2013. 32

Em Janeiro de 1938 João Pinto de Souza aparece como 1º Secretário do Conselho da Liga Espírita do Brasil.

Ver: “Hora Espírita”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Janeiro 1938, p. 20. Em Abril de 1938, seu

nome figura na gerência da Revista Espírita do Brasil. 33

Em 23 de Agosto de 1936, a coluna “Correio Espírita” do Correio da Manhã noticia que ele assumira a

presidência da Tenda Espírita de Caridade. “Correio Espírita”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 23 de Agosto

de 1936, p. 14. 34

O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, foi publicado em 18 de Abril de 1857 e os espíritas, até hoje,

relembram e celebram a data. 35

CHRISTÓVÃO, Daniel. “Duas palavras”. Diário Carioca. Rio de Janeiro, 18 de Abril de 1936, p. 15.

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Antonio Compans, então, era o que detinha relações com os diretores do Diário

Carioca, a ponto de conseguir, juntamente com Daniel Christóvão, o reinício da coluna

espírita. Apesar de reiniciada por ele, a coluna segue com publicação muito irregular até seu

final em 14 de Agosto de 1937, quando publicam a última. O responsável por ela fora militar

que, anos mais tarde, participara da Segunda Guerra Mundial36

. Será que suas atividades

profissionais criaram embaraços para sua militância na imprensa? É uma possibilidade.

A Gazeta de Notícias também abriu suas páginas aos espíritas, a primeira vez com a

série de artigos de Bezerra de Menezes entre 1895 e 1897. Em 8 de Março de 1920

encontramos a coluna, “Gazeta Psychica”, assinada por Cairbar Schutel, de O Clarim e da

Revista Internacional de Espiritismo, de São Paulo. Teve breve duração e em 18 de Outubro

do mesmo ano publica sua última. Quase cinco anos depois, em 11 de Setembro de 1925,

dentro de uma seção chamada “Diversos Cultos”, que abria espaço também para os

protestantes e os teosofistas, aparece “Espiritismo” que começa quase que diária. Em 16 de

Janeiro de 1926, encontramos algumas recomendações aos articulistas espíritas que

desejavam colaborar. Seu autor parece ser o responsável pelo espaço, ou pelo menos faz uma

intervenção digna de alguém que detenha este encargo. Assinava “J. T.”. Vi-me diante de

duas possibilidades: ou seria João Torres, que viria a ser Diretor-gerente da Revista Espírita

do Brasil em 1929 e presidente da Liga Espírita do Brasil, ou José Tosta, ligado a Cairbar

Schutel na condição de representante (e articulista) de seus periódicos. Parece-me mais

razoável supor que o responsável pelo espaço seja o último. Provavelmente a indicação para o

cargo partira de Cairbar Schutel, à semelhança do que ocorreu no Diário Carioca com

Antonio Compans e Daniel Christóvão e Frederico Fígner com Luiz Autuori em Correio da

Manhã. Além de tudo, é que mais participa da coluna com artigos.

A coluna estende-se até 24 de Outubro de 1930, na última edição deste jornal naquele

ano. O movimento golpista que derrubou Washington Luís empastelou, dentre outros, o

Gazeta de Notícias37

. Apenas em 2 de Novembro de 1934 o espaço para os espíritas nas

páginas do jornal retorna, chamando-se agora “Vida Espiritual”, sob a responsabilidade de

Mário Costa, que integrava o Centro Espírita Christóphilos, agregado à Liga Espírita do

Brasil38

. Em 15 de Abril de 1938 publicam a última deste ano, que já vinha irregular, diferente

do que ocorrera entre 1935 e 1937 que era quase diária, com poucas interrupções. Em 8 de

36

O FRANCO PALADINO. Quem foi Daniel Cristóvão. Disponível em:

http://www.ofrancopaladino.pro.br/mat437.htm Último acesso em 15 de Setembro de 2013. 37

LUCA, Tania Regina. A grande imprensa no Brasil da primeira metade do século XX. Disponível em:

http://www.brasa.org/Documents/BRASA_IX/Tania-Luca.pdf Último acesso em 18 de Setembro de 2013. 38

“Espiritismo”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 4 de Abril de 1930, p.8.

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Junho de 1939, reaparece “depois de um período de férias forçadas”39

em apenas uma

publicação. Depois dessa data, não mais. Escreveram nela “M. Q.” (Manoel Quintão, da FEB,

suponho), Ignácio Bittencourt (Tribuna Espírita e Aurora) e Carlos Imbassahy, estes da FEB.

João Torres e João Pinto de Souza (ambos da Liga Espírita do Brasil) também estiveram

presentes.

Os espíritas puderam contar, também, com as páginas de A Batalha. Com início em 26

de Agosto de 1930, a coluna “Registro Espírita” não traz o nome do seu responsável. No

entanto, alguns indícios sugerem que ela podia estar sob a responsabilidade de alguém da Liga

Espírita do Brasil, particularmente João Torres. Em primeiro lugar, há muito noticiário a

respeito desta instituição federativa e seu órgão mensal, a Revista Espírita do Brasil. Em 31

de Dezembro de 1930, diante da falta de espaço para divulgarem a relação dos Centros

Espíritas que realizavam sessões no dia, recomendam a consulta “do Indicador Espírita da

“Revista Espírita do Brasil” onde encontrarão informações completas dos trabalhos

regulamentares de grande número de associações, tanto do centro como dos subúrbios da

capital”40

. Imagino que, para fazerem essa sugestão, contavam que os Centros que

anunciavam suas atividades aí fossem, em sua maioria, adesos à Liga Espírita do Brasil, uma

vez que a programação de atividades das instituições adesas a esta federativa era divulgada

nas páginas de seu órgão.

39

“Vida Espiritual”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 8 de Junho de 1939, p. 6. O jornal Gazeta de Notícias,

fundado por José Ferreira de Souza Araujo em 2 de Agosto de 1875. Inicialmente, além de seu fundador,

dirigiam-no Henrique Chaves e Emanuel Carneiro. Sua direção trocou de mãos diversas vezes no período e sua

linha editorial e posições políticas também. Se ao surgir, defendia a abolição da escravatura e a proclamação da

República, após o início do novo regime político, assumiu posição antimonarquista e defensor das elites agrárias.

Seu caráter governista teria reflexos “em sua estrutura econômica e no alto nível de sofisticação de sua

aparelhagem técnica”, sendo considerado um dos mais bem equipados do mundo. Além dos espíritas, o jornal

abriu suas páginas para católicos, protestantes, teosofistas. LEAL, Carlos Eduardo. Gazeta de Notícias.

Disponível em:http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspxÚltimo acesso em 22 de Abril de

2014. 40

“Aviso”. A Batalha. Rio de Janeiro, 31 de Dezembro de 1930, p. 7.O jornal A Batalha foi fundado por Pedro

Mota Lima em 20 de Dezembro de 1929 e, de acordo com Marieta de Morais Ferreira, teria deixado de circular

em 1940. Entretanto, na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional existe exemplar digitalizado disponível até

19 de Fevereiro de 1941. Teria sido fundado com o objetivo de apoiar a Aliança Liberal. Porém, citando o

jornalista Barreto Leite Filho, a autora do verbete diz que o jornal seria, também, ligado a um grupo do Partido

Comunista do Brasil “que defendia a união do operariado com outros setores da sociedade dentro do

movimento aliancista”. Ainda de acordo com o jornalista, o periódico teria contado com recursos financeiros de

João Pallut, um dos banqueiros do jogo do bicho no Rio de Janeiro, que teria ligações com Arthur Bernardes,

que desejaria divulgar suas propostas políticas. No decorrer de 1930, o jornal foi comprado por João Pallut. Teria

passado “a mover campanhas difamatórias e intimidatórias contra aqueles que combatiam o jogo do bicho,

denunciando o esquema repressivo da polícia contra os bicheiros”. Adquirido por Júlio Barata, depois de

Outubro de 1934, tornou-se situacionista. Durante o período em que manteve coluna espírita, não encontrei

coluna ou seção destinada ao Catolicismo ou demais religiões. FERREIRA, Marieta Morais. A Batalha.

Disponível em:http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspxÚltimo acesso em 22 de Abril de

2014.

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Outro indício que aponta para a responsabilidade da Liga Espírita do Brasil, na figura

de seu presidente João Torres é o noticiário, na coluna, de uma entrevista de Ismael Gomes

Braga a O Nordeste Mineiro, de Teófilo Otoni, sobre o Espiritismo. Em 29 de Agosto de

1930, lemos João Torres dizer que “Concluímos hoje a publicação da excellente entrevista

(...)” 41

, sugerindo, assim, ser o responsável pela transcrição desta nas páginas de A Batalha.

Em 24 de Junho de 1931, passa a chamar-se “Notas Espíritas”. Segue praticamente

diária, como em seu início. Já no ano de 1933, está muito irregular até que, em 3 de Setembro

de 1933, intitulada “Espiritismo”, A Batalha inicia uma nova coluna, agora a cargo de Lincoln

Godinho. Não consegui identificar em seu responsável qualquer ligação com instituições

espíritas, apenas que foi Taquígrafo Revisor42

. Até o final deste ano e no decorrer de 1934,

está encolhida, trazendo, muitas vezes, apenas uma nota, de alguma atividade de determinado

Centro Espírita. O ano de 1935 não está disponível na Hemeroteca Digital. Em 1º de Julho de

1936, o primeiro número disponível para o ano, consta a coluna “Pelo Culto Espírita”. Na

maior parte das vezes segue a lógica da anterior, ou seja, anuncia atividades institucionais. No

entanto, por três vezes (na primeira, terceira e quarta coluna) dirige-se, de maneira específica,

aos espíritas da cidade de Niterói a fim de que prestigiem os candidatos espíritas da Frente

Única Popular, candidatos à Câmara Municipal e a Federal43

. Assina Mario de Almeida. Seria

o fundador da Cruzada Espírita Suburbana?44

Pelo menos, é o mesmo nome, ainda que

pudesse ser à época (como hoje) bem comum. A última saiu em 5 de Fevereiro de 1938. Em

seu final, ainda me pareceu muito ligada à Liga Espírita do Brasil, uma vez que boa parte dos

Centros que anunciavam atividades aí eram adesos a esta federativa45

.

O jornal A Manhã, de Mário Rodrigues46

, em seu quarto número, abre espaço para os

espíritas em suas páginas, ainda que brevemente. O primeiro momento da coluna chamada

41

“Que é o Espiritismo (Conclusão)”. A Batalha. Rio de Janeiro, 29 de Agosto de 1930, p. 4. 42

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei nº. 40, de 10 de Abril de 1935. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1930-1949/L0040.htm Último acesso em 21 de Setembro de 2013. 43

ALMEIDA, Mario. “Aos espíritas de Nictheroy”. A Batalha. Rio de Janeiro, 1º de Julho de 1936, p. 6 e a

última: “Aos espíritas de Nictheroy”. A Batalha. Rio de Janeiro, 5 de Julho de 1936, p. 4. 44

“Cruzada Espírita Suburbana”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 25 de Junho de 1925, p. 5 e “Cruzada

Espírita Suburbana – Tinguá – Nova Iguaçu”. Disponível em: http://luzqueesclareceanossavida-

casaesp.blogspot.com.br/2010/10/cruzada-espirita-suburbana-tingua-nova.html Último acesso em 21 de

Setembro de 2013. 45

Dos dezesseis Centros espíritas que anunciaram atividades no dia 27 de Janeiro de 1938, seis eram adesos à

Liga Espírita do Brasil, a saber, o Amparo Thereza Christina, o Centro Espírita Filhos da Vinha Celeste, o

Centro Espírita Discípulos de Samuel, a Tenda Espírita Trabalhadores da Seara, o Centro Espírita Israel

Barcellos e o Centro Espírita Estrella da Luz. Ver: CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE

JANEIRO. Livro de Registro das Associações Agregadas à Liga Espírita do Brasil, op. cit., p. 3 verso, 4, 5

verso, 10, 23 e 39, respectivamente. 46

O jornal A Manhã começou a circular em 29 de Dezembro de 1925, funcionando até 17 de Dezembro de 1929.

“Crítico aguerrido, usava linguagem mordaz, panfletária, demagógica, além de bem-humorada e

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“Espiritismo” foi de 1º de Janeiro até 2 de Abril de 1926 dentro do “Noticiário Religioso”. As

muitas referências à Constituinte Espírita me fazem crer que o responsável pelo espaço

pudesse ter relações com o projeto em lançamento dos constituintes espíritas. Segundo o

artigo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, Mário Rodrigues, proprietário do jornal,

teria vindo do Correio da Manhã, onde rompera com Edmundo Bittencourt47

. Neste último,

os espíritas que ocupavam as páginas eram, hegemonicamente, da FEB. Seria, então, apenas

coincidência, que os espíritas de A Manhã estivessem ligados ao projeto que originou a Liga

Espírita do Brasil? Pode não ser casual.

A coluna não é diária e a maior parte delas neste primeiro momento não é assinada.

Encontrei apenas uma, de Aimé Luiz, a quem não consegui identificar vínculos com

instituições espíritas. O segundo período da coluna, que preservou o nome, foi um pouco mais

extenso. Iniciou-se em 6 de Dezembro de 1928 e terminou em 28 de Novembro de 1929, ou

seja, menos de um ano. O noticiário da Liga Espírita do Brasil continua intenso, bem como

anúncios de seu órgão mensal, a Revista Espírita do Brasil, o que faz com que eu continue

arriscando dizer que alguém vinculado a ela dirigia a coluna. Além disso, encontrei dois

artigos assinados. Dois de João Torres e um de Orminda Bastos, advogada, jornalista,

professora, militante feminista e espírita48

, da Revista Espírita do Brasil. Entre Maio e o

início de Novembro de 1929 está praticamente diária. Depois fica irregular.

A Pátria, jornal criado por João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho, mais

conhecido como João do Rio [morre em 1922], também abriu suas páginas aos espíritas. A

coluna “Luz e Verdade” estava, ao que parece, sob a responsabilidade do poeta, jornalista,

educador, ex-deputado estadual pelo Paraná e ex-deputado federal Leôncio Correia49

. Ao

menos era quem recebia a correspondência dedicada à coluna50

. Posteriormente, ele também

seria vinculado à Liga Espírita do Brasil, uma vez que foi eleito seu presidente para o triênio

acessível.Confrontava o autoritarismo, as oligarquias e a estrutura política da República Velha, buscando

comprometimento com causas populares”. Teria feito oposição ao governo de Washington Luiz. Mesmo com a

saída de Mário Rodrigues, no segundo semestre de 1928, o jornal continua fazendo oposição agressiva contra os

governos federal e municipal. “O jornal, em não poucos momentos, sustentava ideias comunistas ou assim

consideradas, aumentando mais ainda a insatisfação do governo”. O “Noticiário Religioso” do jornal abria

espaço para o Catolicismo, o Protestantismo e o Positivismo. HEMEROTECA DIGITAL BRASILEIRA. A

Manhã. Disponível em:http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/manh%C3%A3-1 Último acesso em 22 de Abril de

2014. 47

Idem. 48

ÁLVARES, Maria Luiza Miranda. Versões do feminismo na Amazônia brasileira: Orminda e Eneida nos

contextos nacional e internacional. Disponível em:

http://triplov.com/Venda_das_Raparigas/Luzia_Alvares/sufragismo.htm Último acesso em 25 de Setembro de

2013. 49

WANTUIL, Zeus. Grandes espíritas do Brasil, op. cit., p. 462. 50

“Luz e Verdade”. A Pátria. Rio de Janeiro, 28 de Fevereiro de 1934, p. 5.

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de 1939 a 1942 que não levou até o final, substituído por Aurino Souto51

. Teria sido

colaborador do Correio da Manhã desde a sua fundação52

. Na Revista Espírita do Brasil de

Setembro de 1943 consta que João Pinto de Souza teria dirigido uma seção chamada

“Movimento Espírita” neste jornal, sem precisar o período53

. Assim, A Pátria deve ter tido ao

menos duas colunas espíritas em momentos distintos.

Em 2 de Janeiro de 1934 Leôncio Correa está recebendo manifestações de apreço pelo

espaço, publicando carta da Tenda Espírita de Caridade. Teria começado no final de 1933? É

possível. A coluna estende-se até 13 de Novembro de 1935. Em Junho de 1932 Leôncio

Correia já ocupa as páginas do jornal, sem tratar de temas espíritas. Além dele, escreveram na

coluna Leopoldo Machado, Manoel Quintão (ambos da FEB), Lins de Vasconcelos (FEB e

Liga Espírita do Brasil), Henrique Andrade (Mundo Espírita e Liga Espírita do Brasil)54

.

João do Rio, fundador do jornal A Pátria, interessara-se pelo Espiritismo. Em 1904

escreveu uma série de reportagens para Gazeta de Notícias55

sobre a diversidade das religiões

no Rio de Janeiro onde falou respeitosamente sobre uma reunião de estudos que teria

participado na FEB. Intitulou o encontro como “O Espiritismo entre os sinceros” 56

. Com

relação ao “Baixo Espiritismo”, que em sua obra vem logo a seguir ao relato sobre os

“sinceros”, não foi muito piedoso. São tratados como “Exploradores”, classificação que

intitula o artigo. Os que escreveram sobre o Espiritismo nas páginas do jornal fundado por

51

“Presidentes da Liga Espírita do Brasil”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Maio de 1945, p. 3. 52

“Faleceu Leôncio Correia”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 20 de Junho de 1950, p. 3. 53

“João Pinto de Souza”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Setembro de 1943, p. 3. 54

O jornal A Pátria foi fundado em 14 de Setembro de 1920 por João do Rio, após desentendimentos com a

direção do jornal Gazeta de Notícias, no qual era repórter, com apoio financeiro da colônia portuguesa na cidade

do Rio de Janeiro. Inicialmente, teria se dedicado mais ao noticiário em torno da Literatura. Depois da morte de

seu fundador, passou às mãos de Francisco Valadares, ligado a Arthur Bernardes, chegando a ser nomeado Chefe

de Polícia da Capital, “o que significou um estreito envolvimento de seu jornal com o governo”. Adquirido no

decorrer de 1931 por Antenor Novais, teria modificado sua orientação, facultando espaço a seus movimentos e

reivindicações populares e, também, criticando o governo de Getúlio Vargas. Além disso, propunha-se defender

a liberdade de expressão “de todos os credos e ideologias”. A partir de 1937, passou a apoiar o governo federal,

priorizando o noticiário policial e esportivo em detrimento do político. Marieta de Morais Ferreira diz que A

Pátria fechou suas portas em 1940. De acordo com o que apurei na Biblioteca Nacional, o jornal não está

digitalizado e não tem todos os números disponíveis. Além disso, nem toda a coleção está disponível para a

pesquisa e há uma lacuna de 13 anos (julho de 1940- agosto1953). Dessa forma, não foi fácil mapear o início da

coluna espírita, que não era diária, e nem quando o jornal encerra suas atividades. No seu primeiro ano traz uma

seção chamada “Religião”, destinada ao Catolicismo. Em 1925, a Teosofia também ocupa suas páginas. Em

1930, o espaço dedicado aos católicos chama-se “Catholicismo”. Em 1935, localizei uma coluna israelita.

FERREIRA, Marieta de Morais. A Pátria. Disponível em:

http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspxÚltimo acesso em 22 de Abril de 2014. 55

BIBLIOTECA NACIONAL. As religiões no Rio. Disponível em:

http://www.bn.br/site/pages/visitavirtual/exposicoes/decadentismo/joaodorio01.htm Último acesso em 26 de

Setembro de 2013. 56

RIO, João. Religiões no Rio. Editora Nova Aguilar, 1976. Disponível em:

http://www.apoioescolar24horas.com.br/files/biblioteca/arquivos/dompub/274.%20As%20Religi%F5es%20no%

20Rio%20-Jo%E3o%20do%20Rio.pdf Último acesso em 26 de Setembro de 2013. P. 71.

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eleeram ligados às duas entidades federativas atuantes naquele momento e também não viam

com bons olhos a atuação daqueles que misturavam práticas espíritas com as de outros credos

religiosos, além de associarem estes à exploração com vistas a benefícios materiais.

Arriscaria dizer que a participação espírita nas páginas de A Pátria está relacionada,

também, às discussões em torno da questão do ensino religioso. “Luz e Verdade” surge no

período da Assembleia Nacional Constituinte, que funcionou entre Novembro de 1933 e Julho

de 193457

, quando jornal já estava sob a responsabilidade de Antenor Novais. Em outros

espaços do jornal, espíritas ou não estão falando sobre o Estado laico e educação. É possível

encontrar até em artigo a respeito do tema, transcritos de periódicos espíritas, como Mundo

Espírita. Alguns espíritas organizaram-se em torno da Coligação Pró Estado Leigo, entidade

que congregou, também, elementos de outras religiões, contra as pressões da Igreja Católica

pelo ensino religioso. A Pátria encampou a luta pela liberdade de consciência e,

provavelmente por isso, também, abriu espaço para os espíritas engajados na questão em suas

páginas. A Liga Espírita do Brasil, da qual participavam João Pinto de Souza e Leôncio

Correia , estava envolvidíssima no movimento, a ponto de ceder sua sede ao Comitê Central

Pró Estado Leigo, na Rua do Ouvidor nº. 15, 2º andar, no Centro da cidade58

.

O Diário de Notícias também abriu espaço para os espíritas em suas páginas. Em 23

de Janeiro de 1932 é publicada a primeira coluna chamada “Tribuna Espiritista”. Seis dias

depois, muda de nome a pedido de outros espíritas. Passa a chamar-se simplesmente

“Espiritismo”. Seu responsável é Souza do Prado, que escreveu para Reformador, além de ter

escrito, juntamente com Eusínio Lavigne, que foi prefeito de Ilhéus-BA59

, a obra “Os espíritas

e as questões sociais”. Ambos seriam marxistas60

. A coluna é quase diária até o fim de Abril

do mesmo ano. Em 14 de Maio, passa a ser publicada dentro da seção “Cultos e Crenças”.

Muito irregular, arrasta-se durante este ano, apenas publicando uma ou duas notas sobre

atividades de instituições. Em 23 de Novembro de 1932, sob o título “O Espiritismo, a Magia

e as Sete Linhas de Umbanda”, Leal de Souza passa a escrever artigos com grande destaque,

na primeira página da segunda seção. A coluna “Espiritismo” desaparece. Segundo

Diamantino Trindade, Leal de Souza transferira-se de A Noite para o Diário de Notícias em

57

CPDOC. Constituição de 1934. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos30-

37/Constituicao1934 Último acesso em 26 de Setembro de 2013. 58

“Foi fundado o Comitê Central Pró Estado Leigo”. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 6 de Maio de 1931, p.

3. 59

MIGUEL, Sinuê Neckel. Movimento Espírita Universitário (MUE): Religião e política no Espiritismo

brasileiro (1967 – 1974). Dissertação de Mestrado em História. Campinas: Unicamp, 2012, p. 2. 60

O FRANCO PALADINO. Os espíritas e as questões sociais. Disponível em:

http://www.ofrancopaladino.pro.br/mat475.htm Último acesso em 26 de Setembro de 2013.

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120

Setembro de 193161

. Em 22 de Dezembro de 1932, Leal de Souza publica um artigo elogioso

à atuação da FEB. Segundo ele, “A Federação Espírita Brasileira é a instituição mais

importante, e sem dúvida, a de mais autoridade, do espiritismo no Brasil” 62

. Nesta

instituição “fulgiram e ainda brilham tantas poderosas intelligencias” 63

. No espaço

orientado por Souza do Prado escreveram, dentre outros, Manuel Quintão, Guillon Ribeiro,

Frederico Fígner, Carlos Imbassahy (os quatro da FEB) e Ismael Gomes Braga (FEB e

Revista Espírita do Brasil). Vários integrantes da entidade federativa elogiada por Leal de

Souza. Acredito, então, que ele tenha algum tipo de responsabilidade na obtenção do espaço

para os espíritas nas páginas do Diário de Notícias. Vale lembrar, também, que Indalício

Mendes64

, da FEB, foi um dos fundadores do jornal, mantendo,nele, uma coluna sobre

futebol. Além dele, Nóbrega da Cunha, militante na imprensa espírita, era um dos

orientadores do jornal. Ambos devem ter influenciado,também, na abertura das páginas do

periódico aos espíritas.

Ainda no Diário de Notícias, em 4 de Outubro de 1936 surge a coluna “Assumptos

Psichicos”, sob a responsabilidade de Sylvio Roberto. Não é, propriamente, uma coluna

espírita, mas nela escreveram espíritas da FEB, como o próprio Indalício Mendes e Ismael

Gomes Braga (FEB e Revista Espírita do Brasil). Em 14 de Novembro de 1937, transcreve

um artigo do órgão mensal da Tenda Espírita Mirim chamado O Caminho, segundo o

responsável pela coluna “um dos órgãos mais brilhantes da imprensa espírita desta capital”

65. A última coluna é publicada em 16 de Abril de 1939

66.

61

TRINDADE, Diamantino Fernandes. Antonio Eliezer Leal de Souza, op. cit., p. 49. 62

SOUZA, Leal. “A Federação Espírita Brasileira e a Linha Branca de Umbanda”. Diário de Notícias. Rio de

Janeiro, 22 de Dezembro de 1932, segunda seção, capa. O Diário de Notícias foi fundado por Orlando Ribeiro

em 12 de Junho de 1930 e circulou até 1974. Contou inicialmente também com a orientação de Nóbrega da

Cunha e Figueiredo Pimentel, saídos de O Jornal. No início de suas atividades, autoproclamava-se porta voz de

um “espírito revolucionário” que, em realidade, não pretendia modificar profundamente a sociedade, e sim

reforma-la com vistas a superar métodos antiliberais vigentes. Além disso, “o jornal mostrava-se favorável à

elaboração de uma legislação trabalhista que melhorasse a situação dos operários, garantindo-lhes salário

mínimo, jornada de horas, legislação sobre os acidentes de trabalho e aposentadoria. Entretanto, o Diário de

Notícias sempre fez questão de separar a solução desses problemas sociais do bolchevismo, que combatia

violentamente e acusava ser um regime em que a liberdade era suprimida”. Opôs-se ao governo de Getúlio

Vargas e procurou resistir à intervenção do D.I.P., não abordando os assuntos que sugeriam. Em 1939 chegou a

ocupar o primeiro lugar em circulação entre os matutinos. Quando os espíritas começam a ocupar suas páginas

em Janeiro de 1932, o jornal divulgava missas em sua coluna social. FERREIRA, Marieta de Morais. Diário de

Notícias. Disponível em:http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspxÚltimo acesso em 22 de

Abril de 2014. Sobre os outros dois jornais com o mesmo nome, ver: HEMEROTECA DIGITAL BRASILEIRA.

Diário de Notícias. Disponível em:http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/di%C3%A1rio-de-

not%C3%ADciasÚltimo acesso em 22 de Abril de 2014. 63

SOUZA, Leal. “A Federação Espírita Brasileira e a Linha Branca de Umbanda”. Diário de Notícias, op. cit.. 64

CASA DE RECUPERAÇÃO E BENEFÍCIOS DR. BEZERRA DE MENEZES. Indalício Mendes, op. cit.. 65

“A tragédia da Rua Voluntários”. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 14 de Novembro de 1937, 2ª seção, p. 4. 66

A Tenda Espírita Mirim é umbandista. Em seu site, fala sobre a Umbanda e diz que esta se diversificou.

Dentre os ramos surgidos, existiria a do caboclo mirim, fundada pelo próprio (espírito) através de seu médium

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121

O jornal A Nota que, a tomar pelo acervo da Biblioteca Nacional, não deve ter tido

vida muito longa, circulando entre Setembro de 1935 e Novembro de 1939, também ofereceu

suas páginas aos espíritas. Carlos Drummond de Andrade, falando de Leal de Souza, diz que

ele foi redator deste jornal67

. No entanto, em 27 de Agosto de 1939, num memorial escrito a

Getúlio Vargas, Leal de Souza diz que o nome de Geraldo Rocha aparecia como o de

fundador do jornal por concessão sua68

. Dias antes, no início do mês, ao referir-se a apreensão

do maquinário de A Nota por decisão judicial numa disputa com Geraldo Rocha, Leal de

Souza diz que

Há um juiz que entende que as machinas adquiridas para “A NOTA” entradas no país para o

meu jornal, introduzidas nesta capital e em meu nome, mediante uma concessão do Presidente

da República a mim nominalmente feita, são de Geraldo Rocha, e manda que lh‟as entregue. O

meu dever é acatar a sua decisão, mas o meu direito é demonstrar ao povo, em ressalva da

minha honestidade, que taes machinas são realmente do meu jornal. 69

Em que pese à disputa, Leal de Souza tinha influência no jornal, como dono e/ou

redator. E em alguns momentos de sua breve existência, os espíritas escreveram nele.

Consegui identificar dois momentos, apesar de não ter conseguido acessar, por questões de

tempo, aos primeiros números do ano de 1935. Às vezes é o próprio Leal de Souza quem o

faz, referindo-se a outros espíritas, como ocorreu em Maio de 1937, quando teve ocasião de

falar de Leopoldo Machado, que lançava um livro chamado “Julga, leitor, por ti mesmo”,

onde este polemizara, publicamente, com um sacerdote católico em Nova Iguaçu, o que

mereceu cobertura de alguns jornais diários70

e sobre Inácio Bittencourt, que foi preso pela

Benjamin Gonçalves Figueiredo em 13 de Março de 1920 na cidade do Rio de Janeiro com a fundação da Tenda

Espírita Mirim. Ver: TENDA ESPÍRITA MIRIM. Home. Disponível em:

http://www.tendaespiritamirim.com.br/index.asp Último acesso em 27 de Setembro de 2013. Qual a relação de

Sylvio Roberto com a Tenda Espírita Mirim? Segundo Ney Lobo, biógrafo de Lins de Vasconcellos, Sylvio

Roberto seria presidente desta instituição. LOBO, Ney. Lins de Vasconcellos, op. cit., p. 234. 67

ANDRADE, Carlos Drummond. O observador no escritório, p. 82. Citado por: TRINDADE, Diamantino

Fernandes. Antonio Eliezer Leal de Souza, op. cit., p. 34. 68

SOUZA, Leal. “Memorial ao Chefe da Nação”. A Nota. Rio de Janeiro, 27 de Agosto de 1939, p. 2. De acordo

com Marieta de Morais Ferreira, A Nota foi fundada por Geraldo Rocha e teria funcionado, de fato, entre

Setembro de 1935 e 1939 (Novembro, provavelmente). Em função de sua oposição ao Golpe de 1930, seu

fundador exilara-se, fundando o jornal em seu retorno. Inicialmente não teria uma linha política definida,

priorizando “um noticiário popular, com ênfase nos casos policiais e acontecimentos esportivos”. No decorrer

de 1936, passou a apoiar abertamente Getúlio Vargas. De acordo com a autora, Leal de Souza era representante

do fundador do jornal e conseguiu eliminar a participação de Geraldo no jornal com a ajuda do governo. Isso

teria ocorrido porque Geraldo Rocha “foi acusado de envolvimento com grupos nazistas”. No seu período final,

marcado por uma longa disputa judicial entre ele e Leal de Souza, o jornal já estaria em periclitante situação

financeira. O litígio judicial se resolveu favoravelmente a Geraldo Rocha quando o jornal já não existia mais.

Não localizei em A Nota colunas de outros segmentos religiosos. FERREIRA, Marieta de Morais. A Nota.

Disponível em:http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspxÚltimo acesso em 22 de Abril de

2014. 69

SOUZA, Leal. “Firmes e dispostos”. A Nota. Rio de Janeiro, 4 de Agosto de 1939, p. 2. Grifos meus. 70

SOUZA, Leal. “Leopoldo Machado”. A Nota. Rio de Janeiro, 8 de Maio de 1937, p. 3.

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Polícia acusado de exercício ilegal da medicina por conta do receituário mediúnico em 30 de

Abril de 193771

.

No ano de 1937, encontrei artigos esparsos de Carlos Imbassahy, espírita vinculado à

FEB, bem como uma série de Leopoldo Machado sobre o controle de natalidade. A

irregularidade de suas publicações é explicada pelo próprio.

A A Nota, entretanto, convinham os artigos, á margem de qualquer polemica, sobre o assunto.

Por isso que nos foram, nela, franqueadas duas colunas, na sua última edição, para estudarmos

o assunto, sob todos os pontos de vista. É o que estamos fazendo, em dias incertos, por

morarmos longe do centro, na satisfação de um compromisso assumido perante a nossa

consciência mesma e para a satisfação de um veemente desejo da parte de muitíssimo

confrades, que estavam interessadíssimos na discussão... 72

A distância do Centro da cidade causava a intermitência das publicações, uma vez que

não lhe devia ser fácil deslocar-se para entregar os artigos. Em 7 de Abril de 1939 tem início

“A semana espírita”. Apenas em 22 de Junho daquele ano a coluna finalmente “vinga”, dentro

das discussões com os médicos da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro que

eram contra o programa espírita de rádio “Hora Espírita Radiofônica”. Neste momento,

escrevem nela Alexandre Dias (Reformador), Leopoldo Machado, Chrysanto de Brito, Carlos

Fernandes, Antonio Flores73

(presidente do Centro Espírita Amor e Caridade, de Belo

Horizonte, Minas Gerais) e Alípio Souza Pereira74

(que seria “chefe” do Centro Espírita São

Jorge, acho que uma instituição umbandista). A coluna não dura muito. Em 20 de Agosto de

1939, publica-se a última.

Além destes, outros jornais diários ofereceram suas páginas aos espíritas. O jornal A

Tarde, disponível impresso na Biblioteca Nacional, abriu uma coluna que foi noticiada pela

Revista Espírita do Brasil e o Reformador. A primeira, aliás, publica uma comunicação de

Leão Padilha e Brandão da Rocha que oferece pistas da relação entre as colunas e as entidades

federativas. O segundo, aliás, teria participado de programas espíritas pelo rádio em 193375

.

Apresentando o novo jornal, dizem que

A leitura desse novo órgão de imprensa carioca interessa em particular a collectividade espírita,

pois elle dedicará um largo espaço ao noticiário dos centros, ligas e associações espíritas,

71

SOUZA, Leal. “Ignácio Bittencourt”. A Nota. Rio de Janeiro, 18 de Maio de 1937, p. 6. Sobre a prisão do

médium, ver: “O médium Inácio Bittencourt autuado em flagrante por exercer a mediunidade.” Mundo Espírita.

Rio de Janeiro, 8 de Maio de 1937. Pasta de recortes localizado no Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança. 72

MACHADO, Leopoldo. Doutrina Inglória. Rio de Janeiro, Imp. Of. “Reformador”, 1941, p. 11. 73

FRATERNIDADE ESPÍRITA IRMÃO GLAUCUS. Irmão flores. Disponível em:

http://www.feig.org.br/index.php/nstituicao/nossos-mentores/124-irmao-flores Último acesso em 27 de

Setembro de 2013. 74

ACERVO TAMBOR. Os mais belos cânticos – 1961. Disponível em:

http://acervotambor.blogspot.com.br/2008/08/os-mais-belos-canticos-de-umbanda-1961.html Último acesso em

27 de Setembro de 2013. 75

MONTEIRO. Eduardo Carvalho. Subsídios para a História da Radiodifusão Espírita. Disponível em:

http://www.espirito.org.br/portal/artigos/ednilsom-comunicacao/subsidios-historia-radio-espirita.html Último

acesso em 27 de Setembro de 2013.

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publicando também reportagens, commentarios e inquéritos sobre questões que dizem respeito

á doutrina e aos factos espíritas. Esta secção nos está entregue e, para leval-a ao bom termo,

vimos solicitar a collaboração do nosso estimado irmão, rogando-lhe que nos envie nota e

informações destinadas á publicidade, assim como avisos sobre as solemnidades mais

importantes a realizar-se nesse centro. Pedimos igualmente do digno confrade que dê a maior

divulgação a essa nossa comunicação, lendo-a, se possível, em sessões públicas, para que todos

os nossos irmãos saibam que existe uma nova columna de jornal destinada exclusivamente aos

assumptos espíritas. 76

É possível supor que os demais responsáveis pelas colunas espíritas dos jornais diários

da cidade, diretamente vinculados a entidades federativas ou não, fizessem movimento

semelhante, no sentido de captarem notas e informações sobre o funcionamento de

instituições ou eventos, para publicarem em suas colunas. Aqueles jornais cujas colunas

espíritas tivessem maior número de referências a atividades da FEB ou da Liga Espírita do

Brasil poderiam ter canais de comunicação mais estreitados com estas, por questões mesmo

de afinidade doutrinária ou engajamento institucional. De quebra, ainda tinham divulgados,

nas páginas dos periódicos espíritas, os jornais onde se publicavam estas colunas, o que não

deixa de ser uma propaganda, ainda que direcionada para um público mais restrito, além de,

quase sempre, num periódico doutrinário de menor tiragem que o diário leigo. A Tarde, ao

que parece, não teve vida longa. Na Biblioteca Nacional estão disponíveis os números entre o

dia 27 de Janeiro de 1938 até 1º de Março de 1941.

Em geral, a maior parte das colunas espíritas nos jornais diários não teve longa

duração. A mais longa delas, “Chronica Espírita” de Frederico Fígner, no Correio da Manhã,

estendeu-se durante 29 anos e 7 meses. Este jornal, aliás, foi o que teve maior número de

colunas espíritas na primeira metade do século XX. Ainda no mesmo jornal, a coluna da FEB

(com seu próprio nome) durou 5 anos, tempo só alcançado pela coluna “Espiritismo” no

Gazeta de Notícias. No Diário Carioca, a coluna oscila momentos onde é publicada com

grande regularidade, quase diariamente, com outros de grande irregularidade, com intervalos

de vários dias entre uma e outra. Se levarmos em conta seu tempo total de funcionamento

seriam 7 anos e 6 meses. Em A Nota, Diário de Notícias e A Manhã, não chegou a 1 ano de

vida, ainda que o primeiro oferecesse espaço para artigos esparsos para os espíritas em 1937.

Muitos espíritas ligados à FEB e a Liga Espírita do Brasil participaram das colunas

espíritas nos jornais diários da cidade. A primeira chegou, mesmo, a ter uma coluna

exclusivamente para si no Correio da Manhã. Neste jornal, aliás, bem como em A Nota e

Diário de Notícias e Gazeta de Notícias os espíritas que detinham a responsabilidade da

coluna eram simpáticos à FEB. Não consegui identificar se Mário Costa, do Centro Espírita

Christóphilos, agregado à Liga Espírita do Brasil e que esteve à frente de “Vida Espiritual” no

76

“A Tarde”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Março de 1938, p. 68. Grifos meus.

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jornal Gazeta de Notícias tinha vínculo com alguma das entidades federativas. Em 1947,

quando se lançou candidato a vereador, esteve acompanhado de Henrique Andrade, que

também o fez77

. Este fora presidente da Liga Espírita do Brasil entre 1933 e 193678

, além de

responsável por Mundo Espírita. Ele poderia ter relações com a Liga Espírita do Brasil

também. Espíritas da FEB e da Liga Espírita do Brasil estiveram presentes, também, nas

páginas do Diário Carioca. Por fim, a Liga Espírita do Brasil se fez mais presente nas páginas

de A Manhã, A Batalha e A Pátria.

Ligações de espíritas com proprietários de jornais ou mesmo jornalistas facilitaram o

acesso deles às páginas dos diários. Os contatos de Frederico Fígner no Correio da Manhã

foram importantes para aqueles que tinham vínculos com a FEB ocuparem colunas aí. Seus

anúncios comerciais da Casa Edison poderiam ter facilitado suas relações com os diretores do

jornal. Antonio Compans, através de seus contatos com os diretores do Diário Carioca,

também criou facilidades para Daniel Christóvão assumir a colaboração espírita neste

periódico. Nóbrega da Cunha, militante da imprensa espírita e Indalício Mendes (FEB),

respectivamente orientador e um dos fundadores (além de articulista) do Diário de Notícias,

podem ter colaborado para que os espíritas escrevessem no jornal.

Leal de Souza, vinculado à Umbanda e que seria o responsável pela Revista Espírita

do Brasil, também pode ter facilitado para os espíritas o acesso tanto ao Diário de Notícias,

para o qual trabalhava durante o período da coluna espírita (“Tribuna Espírita”, depois

“Espiritismo”), quanto em A Nota, jornal em que teria sido redator ou, mesmo, proprietário.

Não por acaso, nestes dois, os que mais escreveram foram espíritas ligados à FEB, entidade

federativa que contava com o respeito e admiração dele, o que não sentia pela Liga Espírita do

Brasil que, apesar de ter ajudado a fundar, não lhe trazia boas recordações, tanto pelo episódio

da revista mensal da entidade, quanto pela crítica pública que sua instituição recebera do

então presidente da Liga Espírita do Brasil, João Torres.

Dos jornais analisados, A Pátria pode ter oferecido espaço aos espíritas por

motivações políticas, entre 1934 e 1935, a partir do engajamento de alguns destes na luta

contra a questão do ensino religioso, organizada em torno da Coligação Pró Estado Leigo.

77

“O resultado”. Mundo Espírita, op. cit.. 78

“Presidentes da Liga Espírita do Brasil”. Revista Espírita do Brasil, op. cit..

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2.2 – Ser jornalista espírita

Os espíritas que se lançavam à tarefa da imprensa deviam ter outras responsabilidades,

profissionais e pessoais, que se constituíam impedimentos à dedicação plena ao jornalismo

espírita. Leopoldo Machado, na introdução de seu livro “Pigmeus contra gigantes”, dá pistas

disso. Ao apresenta-lo ao público, diz que

O livro, que se vai lêr, é obra de puro jornalismo.E jornalismo de “amador”, ainda por cima!É

obra de quem faz jornalismo por amor á Arte e de quem faz espiritismo por amor á

Verdade.De quem faz uma e outra coisa, sem nenhuma recompensa material, á margem de sua

profissão, que a toma feita um sacerdócio: o magistério primário e secundário.Sobre ser obra

de jornalismo, sem pretensões científicas e culturais, foi escrito nas poucas folgas de uma

existência laboriosíssima. Seus capítulos são os artigos, que foram elaborados nos intervalos

de aulas, para refutação das inverdades e injustiças assacadas, sem nenhuma ciência e

consciência, contra a Doutrina Espírita. 79

“Jornalismo de amador”! Assim define Leopoldo Machado sua prática jornalística.

Não o faz por remuneração, até porque a considerava atrelada à sua atividade doutrinária,

tendo em vista o “Dai gratuitamente o que gratuitamente recebestes” que dá título a um

capítulo de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec80

. Sua atividade

profissional é outra: é professor primário e secundário e diz aproveitar as brechas de tempo

que dispunha no seu cotidiano para aventurar-se no periodismo com a produção de seus

artigos. Arnaldo S. Thiago81

, que traduziu livros do astrônomo francês e espírita Camille

Flammarion para a FEB, assim se apresenta:

Nasci jornalista e não errei a profissão que exerço há 35 anos com absoluto desinteresse de

remuneração. “Jornalista amador”, como se diz hoje oficialmente, mas nem por isso menos

profissional, no verdadeiro sentido etimológico do termo. Ora, para o jornalista, o maior prazer

consiste em dar á publicidade tudo que lhe chega ao conhecimento. O sestro profissional, no

jornalismo de indústria, produz males terríveis na sociedade, com o tornar conhecido tudo o

que a alma humana tem de abominável e de abjéto. Desse grave delito jornalístico jamais tive

nem terei de me penitenciar, porquanto nunca me ocupei em dissecar as monstruosidades, as

aberrações teratológicas do espírito humano. Procurei sempre, para tornar público, o que tem

ele de melhor, mais nobre, mais luminoso – porque pude ver sempre no jornalismo um veículo

poderoso das boas normas educativas e não essa cloaca abominável em que não raro se tem ele

convertido, para receber os mais desprezíveis detritos da sociedade, em suas manifestações

contrárias ao sentido ascendente da vida. 82

Leopoldo Machado e Arnaldo São Thiago nos dão a tônica de como alguns espíritas –

ao menos os vinculados à FEB – compreendiam a prática jornalística espírita. Se não eram

remunerados, nem por isso consideravam-se menos sérios e dedicados no que faziam. E

usaram a imprensa para defender a Doutrina Espírita dos ataques que recebiam de seus

adversários, além de divulgarem-na. Arnaldo São Thiago aponta, através do periódico da

79

MACHADO, Leopoldo. Pigmeus contra gigantes, op. cit., p. 5. Grifos meus. 80

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2004, p. 435. 81

FEDERAÇÃO ESPÍRITA DO PARANÁ. Camille Flammarion. Disponível em:

http://www.feparana.com.br/biografia.php?cod_biog=50 Último acesso em 5 de Novembro de 2013. 82

SÃO THIAGO, Arnaldo. “Reportagens espíritas”. Reformador. Rio de Janeiro, Agosto de 1941, p. 194. Grifos

meus.

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federativa, uma concepção de imprensa. Para ele, seria um veículo de boas normas educativas,

teria função social de despertar boas ideias e bons sentimentos. Não deveria reproduzir

valores morais negativos e muito menos informações que pudessem despertar impressões

ruins nas pessoas, como os espetáculos de desgraças ou crimes, o que viria sendo feito pelo

que ele chama de “jornalismo de indústria”.

Por longo que fosse o tempo que dedicassem à tarefa – Arnaldo São Thiago fala em 35

anos – era uma atividade complementar, não era o “ganha pão” deles, o que, certamente,

impedia uma dedicação integral como a esperada por Manoel Quintão para uma eventual

coluna espírita da FEB num jornal de grande circulação. Durante os meses de Julho e Agosto

de 1939, A Nota publicou artigos de Leopoldo Machado e outros autores a respeito das

Moções da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro ao contra o programa espírita

de rádio Hora Espírita Radiofônica, encaminhadas ao Ministério da Educação, ao Ministério

da Justiça e ao presidente da República. Em algumas ocasiões – sete em Julho – o artigo

deixou de ser publicado porque teria chegado atrasado ao jornal83

. As exigências materiais

devem ter posto obstáculos ao idealismo do jornalismo amador de Leopoldo Machado,

atrasando a elaboração dos artigos ou, mesmo, impedindo que chegasse a tempo na redação

do jornal, uma vez que tinha dificuldades de chegar ao Centro da cidade por morar longe. Não

usar o jornalismo para o sustento material, como profissão, não era uma postura

eminentemente espírita.Laura Antunes Maciel, em sua pesquisa sobre a produção literária de

trabalhadores na cidade do Rio de Janeiro diz que nem todos os que “se organizavam em

associações e periódicos dedicados à literatura, almejavam se profissionalizar ou

transformar suas práticas letradas em formas de ganhar a subsistência, e nem serem

reconhecidos por sua „carreira literária‟” 84

, ainda que alguns tentassem isso.Os espíritas

também enxergavam “outros sentidos para o domínio dos códigos da leitura/escrita”85

. No

caso deles, a divulgação e defesa de seus pontos de vista doutrinários, via imprensa, com

objetivo de torna-los aceitos dentro e fora dos arraiais espíritas.

Problemas pessoais ou profissionais, até mesmo questões de saúde, podiam causar

embaraços à continuidade das colunas espíritas nos jornais diários. Em 20 de Dezembro de

1931, na coluna “No mundo espírita”, do Diário Carioca, lemos uma nota que aponta para

essa possibilidade. “Pedimos desculpas aos nossos queridos leitores, pela ausência da

83

Nos dias 3, 6, 7, 12, 14, 20 e 24 de Julho. 84

MACIEL, Laura Antunes. “Cultura letrada, intelectuais e memórias populares”, op. cit. p.67. 85

Idem, p. 68.

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columna espírita nestes 3 últimos dias, por se encontrar de cama o respectivo redactor” 86

.

Bem que poderia ser uma “desculpa clássica”, já que não há garantia de verdade, mas é

possível que a doença o tenha afastado. Quantas ausências de espíritas em suas colunas, não

justificadas publicamente, podem ter se dado por essa razão? A FEB sugeriu, acima, que não

era fácil encontrar pessoas que reunissem as qualidades que ela desejava com a

disponibilidade de tempo. Não encontrei casos onde houvesse mais de um responsável pelas

colunas espíritas. Se este se ausentasse por alguma razão, sua publicação era prejudicada. Os

periódicos espíritas também eram afetados com os problemas de saúde de seus responsáveis.

Gustavo Macedo, queestava à frentedo jornal Tribuna Espírita, também teria abandonado

suas atividades neste periódico em razão de problemas de saúde. “Um tanto adoentado,

porém, e com suas occupações materiaes visivelmente augmentadas, viu-se forçado a deixar

o logar que com brilhantismo occupou por espaço de sete meses”87

, sendo substituído pelo

gerente da publicação, José Ferreira, que modificou a orientação do jornal.Daniel Christóvão,

que substituiu Antonio Compans – que teria se ausentado uma vez por doença da coluna –, dá

sua versão a respeito da interrupção do espaço dos espíritas no Diário Carioca. Segundo ele,

A presente secção, que ora se reinicia neste jornal, já esteve há alguns annos sob a competente

direcção de nosso querido irmão em crença, sr. Antonio Compans. Os afazeres de ordem

material afastaram desta capital este prezado confrade; essa, a razão porque a presente

secção teve um interregno de alguns annos. 88

Teria se afastado da cidade por razões profissionais e parece não ter conseguido

colocar, na ocasião, alguém em seu lugar. Não é difícil imaginar que motivos semelhantes

possam ter levado, ao fim, outras colunas espíritas, ou ao menos terem criado embaraços à

manutenção delas nos jornais diários. O sustento da vida material, muito naturalmente, deve

ter afetado a participação de alguns militantes do “jornalismo de amador” também na

imprensa mantida por espíritas.

2.3 – A FEB e os jornais diários

Na primeira reunião do Conselho Federativo da FEB, a comissão que avaliou a

proposta do Centro Espírita de Cataguases pela criação de um jornal espírita diário desta

federativa ou pela ampliação do Reformador justificou a proposta alegando que seria um

“meio de remediar-se aos máos effeitos de tantos artigos e publicações abstrusos que, sobre o

86

“Importante”. Diário Carioca. Rio de Janeiro, 20 de Dezembro de 1931, p. 11. 87

“Nova Orientação”. Tribuna Espírita. Rio de Janeiro, 1º de Março de 1908, capa. 88

CHRISTÓVÃO, Daniel. “Duas palavras”. Diário Carioca, op. cit., grifos meus.

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128

Espiritismo, os jornais cotidianos inserem constantemente” 89

. Seriam publicações e artigos,

considerados confusos, obscuros e de difícil compreensão. Mas sob quais critérios seriam,

assim, avaliados? O que levava os espíritas da FEB a rotularem assim determinados artigos?

Confuso segundo o ponto de vista de quem e por quais razões? Não é o primeiro momento em

que a FEB taxa, dessa maneira, artigos de colunas espíritas em jornais diários. Marcos D‟

Avila, escrevendo no Reformador de 16 de Janeiro de 1926, no início do ano em que ocorreu

a primeira reunião do Conselho Federativo, não se mostra muito entusiasmado quanto à

abertura de espaço para os espíritas nas páginas dos jornais diários. Segundo ele, a atuação de

pseudo-espíritas nas colunas dedicadas ao assunto seria danosa, bastando àqueles que

duvidassem de sua afirmativa verificar, durante uma semana com assiduidade, as secções

espíritas dos diários.

Não lhe custará muito ficar estarrecido e de olhar arregalado, ao ver publicadas, sob o rótulo de

Espiritismo, as coisas mais disparatadas, mais absurdas e mais oppostas á doutrina dos

Espíritos, coisas que um só effeito poderão produzir no animo dos que a ignoram ou conhecem

mal: crearem-lhe aversão, della ainda mais se afastarem. 90

O que se lia nos jornais em nome do Espiritismo chocaria a todos e acabaria por

afastar os que não conhecessem a doutrina. Anos antes, em 18 de Abril de 1914, a reportagem

do Correio da Manhã procura ouvir Antonio Lima, da FEB, sobre a Doutrina Espírita.

Refletindo sobre a participação de espíritas nos jornais diários, ele diz que

A imprensa dá agasalho ás manifestações intellectuaes de muitos cultores da nossa philosophia,

aliás a mais interessante que se tem conhecido. O que falta é uma seleção nesse particular. A

missão de jornalista ou de escriptor não é acessível a qualquer um curioso, pois que requer

vocação e preparo, além do critério, da ponderação e da benevolência, principalmente quando

se trate de um doutrinador. Os jornaes editam artigos de muitos crentes espíritas, cuja

competência é incontestável. Mas, louvando-se no conceito que apenas a confiança lhes

inspira, inserem também columnas de arrazoados, que bem demonstram quão bisonhos são os

seus autores no que respeita á letra de forma, quando não na própria autoridade para

doutrinadores. É preciso conhecer profundamente o assumpto para tratal-o com gravidade e

carinho que elle merece, sem cair no ridículo. 91

Segundo ele, faltaria critério aos jornais diários no momento de selecionar aqueles que

escreveriam a respeito do Espiritismo. Ocupar as páginas de um jornal não seria para qualquer

um, mas sim para aqueles que reunissem vocação e preparo intelectual e moral. Neste

segundo aspecto, o indivíduo deveria ser criterioso e ponderado com as opiniões emitidas e

deveria agir com benevolência. Eventualmente envolvidos em polêmicas, parece-me que se

preocupava com eventual agressividade que pudesse ser utilizada por espíritas nestes embates.

89

“Conselho Federativo: Resenha dos trabalhos da sua primeira reunião em 1926”. Suplemento. Reformador, op.

cit., p. 16. 90

D‟ AVILA, Marcos. “Discreteando”. Reformador. Rio de Janeiro, 16 de Janeiro de 1926, p. 35. Não obtive

informações sobre o autor. 91

LIMA, Antonio. “Sobre a doutrina espírita fala-nos o Sr. Antonio Lima”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro,

18 de Abril de 1914, p. 5. Grifos meus.

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Aquele que se lançasse à tarefa deveria ter profundos conhecimentos doutrinários para falar

com autoridade da Doutrina Espírita. Não poderia ser, portanto, atividade de novatos, que

ainda estariam amadurecendo reflexões. Assim, faltaria qualidade nas publicações de alguns

espíritas que se aventuraram nas páginas dos jornais, no entendimento de Antonio Lima e

Marcos D‟ Avila. Porém, ao recusar legitimidade à atividade jornalística exercida por

“curiosos”atinge, também, aqueles que se dedicam ao “jornalismo amador”, que não detinham

formação específica para as tarefas de imprensa, bem como os que mantinham e/ou escreviam

em periódicos espíritas e que reconheciam suas limitações, como Inácio Bittencourt (Aurora),

J. Vaz de Carvalho (gerente do Reformador) e os responsáveis pelo jornal União Espírita. O

Correio da Manhã, aliás, dois meses antes, em Fevereiro, e mesmo dias antes do contato com

Antonio Lima, publicara artigo do Centro Espírita Redentor que, apesar do nome, não se

identificavam com os espíritas e os criticavam duramente92

. Será que Antonio Lima referia-se

a eles, ou pensava, mesmo, em outros espíritas, em diferentes jornais? A segunda alternativa

parece a mais correta e vem de encontro, também, com a opinião que Marcos D‟ Avila emitiu

anos depois. Ambos não se referem, especificamente, a um jornal. Dão a entender que o

problema, de certa forma, está disseminado.

No início de 1930, os espíritas da FEB já cogitam outra alternativa para maior

divulgação doutrinária. Não encontrei mais referências sobre as propostas levantadas pela tese

do Centro Espírita de Cataguases quanto à ampliação do Reformador ou pela criação do jornal

espírita diário. Vendo com bons olhos o interesse da imprensa diária, pensam em capitaliza-lo

ainda mais.

Outra iniciativa que se nos afigura do melhor quilate é a da intensificação da propaganda para

o grande público, através da imprensa diária. Porque evidente é que, quanto aqui fazemos não

reflecte nem vibra á fora das muralhas do proselytismo. O Reformador, órgão doutrinário,

escasso em sua tiragem, como no seu texto, quanto moroso no seu periodismo de revista

quinzenária, não corresponde, há muito, ao desenvolvimento crescente das actividades sociaes

e da própria causa. Urge procurar outras vávulas de expansão e viável nos parece o accordo

com qualquer dos jornaes de maior circulação e conceito, ainda que mediante remuneração

pecuniária, para mantenimento de uma columna espírita. Todos nos lembramos, aqui, do gesto

amistoso e sympáthico que em tempo teve o Dr. Edmundo Bittencourt franqueando, a título

gratuito, no “Correio da Manhã”, determinado espaço em página editorial. Por pouco tempo

utilisado o magnífico ensejo, a tentativa esmoreceu e findou por falta de assistência individual,

immediata, constante e competente. Importa, assim, dizer que trabalho de tal relevância

demanda a cooperação de um companheiro ao menos, que, á capacidade thecnica e ao critério

doutrinário, conjugue a faculdade de tempo disponível, de vez que a tarefa exige muita leitura

e muita meditação, profundo conhecimento dos problemas vastos e complexos do Espiritismo,

e espírito de syntese para os abordar, além de maleabilidade e destreza na feição noticiosa. 93

92

O primeiro é de 23 de Fevereiro de 1914, p. 5 e o segundo de 6 de Abril de 1914, p. 2. 93

QUINTÃO, Manoel Justiniano de Freitas. “Relatório do Presidente, apresentado á Assembléia Deliberativa na

sua reunião ordinária de 1930, sobre os trabalhos da Sociedade e contas da administração durante o anno de

1929”. Reformador. Rio de Janeiro, 1º de Março de 1930, p. 133 e 134. Grifos meus.

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Manoel Quintão, presidente da FEB e autor do relatório, enxerga os limites postos ao

raio de atuação de Reformador. Não possuía, a seu ver, tiragem satisfatória. Além disso,

circulava num âmbito restrito, apenas entre os espíritas, assinantes ou participantes dos

Centros que a recebiam. Ficavalimitada aos iniciados ou já experimentados no conhecimento

espírita, não dispondo de poder extramuros. A “causa espírita” e as “atividades sociais” –

dinâmica de atividades do movimento espírita – já não cabiam nas dimensões da revista que,

até aquele momento, era o órgão oficial da federativa. Num contexto de entusiasmo com o

interesse que setores da imprensa diária vinham devotando ao assunto, pensando nele como

um reflexo da opinião pública, do interesse das pessoas pelo tema, coloca suas fichas nela.

Precisavam de “válvulas de expansão” que lhes permitisse ampliar possibilidades de

divulgação. Não puderam desenvolver o jornal diário, segundo eles, por falta de adesão dos

espíritas. Propõe, assim, a aproximação com algum jornal diário. O projeto da União Espírita

do Brasil, manifesto na série de artigos pagos de autoria de Bezerra de Menezes em O Paiz,

Jornal do Brasil e Gazeta de Notícias, é reeditado. Manoel Quintão é genérico, a princípio.

Importava que o periódico fosse de grande circulação e que gozasse de conceito. Menciona o

Correio da Manhã,parecendo querer sugerir-lhe já que, anos antes, o jornal havia facultado

suas páginas a uma coluna da FEB, a atitude que é interpretada como um gesto de simpatia

para com a causa espírita e, fundamentalmente, com a própria FEB. E o gesto – esperavam –

podia repetir-se, quem sabe remunerado, porém de maneira suave, facilitada, que não

onerasse tanto os cofres da federativa. E havia, entre eles, um canal privilegiado junto ao

Correio da Manhã: Frederico Fígner que, como já vimos, seria amigo e da mesma classe

social de Edmundo Bittencourt.

Interessante que, na mesma oportunidade, Manoel Quintão justifica o final da coluna

da FEB nas páginas do Correio da Manhã. Segundo ele, faltou alguém que reunisse tempo –

para se dedicar ao empreendimento e para estudar o Espiritismo – bem com conhecimento

doutrinário sólido e habilidades jornalísticas para sintetizar e tornar palatáveis os temas

apresentados ao grande público. Esses requisitos faltaram aos diretores da FEB em 1936

quando o próprio Edmundo Bittencourt, através de Frederico Fígner, disponibilizou uma

coluna à entidade e estes não podiam assumi-la “por se tratar de uma secção diária” 94

,

ficando, esta, a cargo de Luiz Autuori com o nome de “„Correio‟ Espírita”. Pretendiam

alguém que tivesse disponibilidade integral para tanto, o que não devia ser fácil encontrar,

como não o foi em 1936. A FEB considerava aceitável que diretor-gerente do

94

“O Espiritismo na imprensa”. Reformador, Rio de Janeiro, 1º de Julho de 1936, p. 243.

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Reformadorpudesse contratar funcionários para auxiliá-lo nas atividades “materiais” da

revista, mas não considerou a possibilidade de remunerar alguém para assumir a tarefa de

conduzir uma coluna num jornal de grande circulação. Responsável pelo conteúdo do órgão

oficial, o presidente da FEB, assim como os demais diretores, nunca recebeu remuneração

para o desempenho de suas tarefas95

. Pela falta de pessoas com disponibilidade, a ideia de ter

uma coluna num jornal diário não foi retomada em outros momentos, nos relatórios de

atividades da FEB.

2.4 – Condições, termos e expectativas dos jornais diários

As justificativas dos jornais diários aooferecer suas páginas aos espíritas coincidiam,

muitas vezes, com a leitura que os espíritas fizeram do interesse destes periódicos no

Espiritismo e nas atividades de seus adeptos. Em 30 de Abril de 1914, o Correio da Manhã

apresenta o programa de sua seção espírita nestes termos:

O Correio da Manhã, acompanhando os progressos crescentes do espiritismo, vai encetar, a

partir de amanhã, uma secção diária, obedecendo ao seguinte programa: Publicará artigos

doutrinários que obedeçam rigorosamente as normas da mais fraternal cordialidade e não

envolvam intuitos de polêmica. Acceitará opiniões sensatas sobre pontos da doutrina que

pareçam incontroversos, quando seus autores revelem a capacidade de escrever para o grande

público. (...) Será, finalmente, essa secção um repositório de informações de tudo quanto se

relacione com o espiritismo, trazendo seus leitores ao corrente do que se passa no mundo

inteiro, quer quanto ao movimento scientífico como ao philosophico. 96

O Correio da Manhã, oferecendo espaço para os espíritas, estaria acompanhando os

progressos da Doutrina Espírita, no que coincide com a avaliação que os espíritas da FEB

fizeram do interesse dos jornais pela temática. O jornal, também, faz questão de frisar que, em

suas páginas, não deseja polêmicas e, em sendo aberto o apelo, depreendemos que se refira

não só as eventuais que existissem entre os próprios espíritas, como também as deles com

elementos que lhes fossem estranhos e hostis, como os católicos, por exemplo. Esperavam

que os espíritas fossem polidos ao escrever, com a cordialidade que costuma ser difícil de se

fazer presente em assuntos mais inflamados e apaixonantes. O receio de se enveredar pela

polêmica parecia tão grande que sinalizam aceitar opiniões sobre pontos incontroversos da

doutrina, onde o debate motivado pela divergência de pontos de vista não seria possível. A

“capacidade de escrever” para o grande público também se coloca como pré-requisito para a

tarefa. Lembram-se, como mencionamos acima, que Antonio Lima havia conversado com o

Correio da Manhã? Essa conversa ocorrera dias antes do oferecimento do espaço aos

espíritas, em 18 de Abril. Nela, dentre outras coisas, o espírita da FEB critica aqueles que

95

Disposição que consta nos Estatutos de 1917, 1924, 1933, 1944, 1949 e 1999. 96

“Espiritismo”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 30 de Abril de 1914, p. 4. Grifos meus.

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assumiam a tarefa de escrever em jornais diários sem o devido preparo intelectual, manifesto

nas formalidades da língua portuguesa, bem como no conhecimento doutrinário. Há

momentos, mesmo, onde o discurso de Antonio Lima é confundido com a voz do jornal,

como se ele fosse colocado, naquele momento, como uma espécie de representante oficial dos

espíritas na redação. A seção espírita que nascia, arrisco dizer, não surge de imediato,

espontânea. Deve ter sido gestada pelos responsáveis do jornal a partir do encontro com o

espírita da FEB no mês de Abril de 1914. Internamente no jornal, devem ter decidido como

seria esse espaço, bem como avaliado sua pertinência. Além disso, podem ter levado em

consideração o retorno dos leitores, através de cartas recebidas que nem sempre são

publicadas. A seção tentaria, por fim, publicar o que fosse divulgado a respeito do Espiritismo

no mundo e que pudesse interessar ao leitor. E o discurso de Antonio Lima tem peso, é

respeitado. No dia seguinte à apresentação da coluna feita pelo Correio da Manhã, é ele quem

fala, com autoridade de quem seria responsável por ela. Segundo ele,

A evolução natural de todas as coisas, symptomática da época, já estava reclamando

energicamente para o espiritismo o complemento do programma que a imprensa geralmente se

impoz, qual o de transmitir no seu noticiário tudo quanto interessa o público, qualquer que

seja o ramo de atividade e conhecimento. Cabe, agora, a esta folha a primazia de methodizar na

imprensa a vulgarização completa do espiritismo, dando-lhe assim a importância que lhe

compete como sciência moral em activa elaboração e em franca e indiscutível prosperidade no

planeta (...). É este o objectivo do Correio da Manhã: contribuir, na proporção das suas forças,

dentro do seu papel de imprensa independente e progressiva, para o conhecimento de uma

sciência que pode interessar uma grande parte dos seus leitores. 97

Ao Correio da Manhã caberia a tarefa de organizar e difundir o conhecimento espírita

pela imprensa diária, valorizando-o como os espíritas julgavam que ele merecesse, afinal, o

assunto já faria parte do interesse do público, de acordo com a evolução natural de todas as

coisas. Se o programa da imprensa era transmitir aquilo que fosse de interesse geral, deveria

começar a tratar da Doutrina Espírita, já que ele estaria sendo cada vez mais conhecido não só

na cidade, mas fundamentalmente no mundo. Atuando, no entender de Antonio Lima, como

imprensa independente e progressista, portanto imune às pressões contrárias que semelhante

medida poderia despertar nos adversários da Doutrina Espírita, o jornal contribuiria para a

vulgarização de uma ciência que poderia interessar parte de seus leitores, identificados com

sua linha editorial, ou seja, independente e progressista. Em 18 de Abril de 1914, dias antes,

na entrevista que Correio da Manhã fez com Antonio Lima, o jornal assim se justifica:

Procurando conhecer o que pensa, o que se estuda e como se trabalha no Brasil, relativamente

a esta nova doutrina ou religião, ou sciência, que tanto tem impressionado ultimamente os

97

LIMA, Antonio. “Theorias e factos: resenha universal”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 1º de Maio de

1914, p. 2.

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homens ávidos de conhecer o mysterioso, o invisivel e ás vezes o diabólico, na opinião do

clero, fomos ao encontro do Sr. Antonio Lima, pessoa competente no assumpto. 98

A autoridade do espírita da FEB, para tratar do assunto, é reconhecida pelo jornal. A

sincronia entre o Correio da Manhã e Antonio Lima deve ter sido construída nestes contatos,

que culminaram na seção. Através dele, pertencente aos quadros da FEB, julgavam que seria

possível reconhecer a forma de pensar e agir dos espíritas, uma vez que isso vinha

despertando o interesse de homens de ciência e de religiões tradicionais, como o Catolicismo.

O reconhecimento dos espíritas ao jornal, por sua vez, não é novo. Quatro anos antes, em 2 de

Janeiro de 1910, Olegário Tavares diz que este jornal, assim como outros, compreendendo a

necessidade do livre pensamento, não ficam receosos de publicar colunas espíritas99

.

A empolgação dos espíritas com o espaço concedido pelos dos jornais diários

prossegue. No Reformador de 16 de Junho de 1921, mencionam, com entusiasmo, que o

periódico francês Je sais tout100

comunicara que começaria a tratar do Espiritismo. Além dele,

periódicos da Itália, dos Estados Unidos e da Inglaterra estariam debruçando-se sobre o tema.

Que significa, entretanto, esse pendor accentuado da imprensa moderna para o facto espírita e a

doutrina philosophico-religiosa delle decorrente? (...) A elle incontestavelmente cabe orientar

as almas em todos os seus surtos de progresso; elle é chamado a erradicar, do espírito

humano o scepticismo pernicioso para, em seu logar, atirar a mirifica semente, que logo se

transforma em árvore de fé. (...) a imprensa que é o thermometro registrador da oppinião

popular – com esse gesto, sem dúvida alviçareiro, prenuncia a época de oiro, de crença e de

paz, que a revelação dos espíritos veiu implantar no orbe, reunindo irmãmente, christãmente,

para sempre, o ainda tão disperso rebanho humano. 101

Porque ao Espiritismo estaria reservada a tarefa de orientar as almas, lançar as

sementes da fé e eliminar a descrença do coração humano. Deveria, em última análise, ser o

orientador do progresso humano. A coluna “Gazeta Psychica”, publicada na Gazeta de

Notícias, diz que “depois da guerra o Espiritismo veio tomar um logar de destaque na

imprensa. Todos os jornaes europeus e norte-americanos delle se occupam com verdadeiro

interesse” 102

. Depois de tempos dolorosos para o mundo, estaria despertando a atenção para

sua mensagem de esperança na vida futura. Não por acaso, jornais das regiões do planeta que

se envolveram na grande guerra estariam interessando-se por ele. Os espíritas da FEB

estavam seguros que o Espiritismo estava impondo-se pela sua força, pela grandiosa tarefa

que lhe estava reservada e o estava fazendo porque as pessoas estavam demandando-o, sendo

a imprensa o termômetro dessa demanda. As pessoas estariam inclinando-se para o assunto.

98

“Sobre a doutrina espírita fala-nos o Sr. Antonio Lima”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 18 de Abril de

1914, p. 5. Grifos meus. 99

TAVARES, Olegário. “Pela ordem”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 2 de Janeiro de 1910, p. 2. 100

Disponível no site da Biblioteca Nacional da França: BIBLIOTHÈQUE NATIONALE DE FRANCE.

http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/cb32795534m/date.langPT Último acesso em 28 de Novembro de 2013. 101

“O espiritismo na imprensa”. Reformador. Rio de Janeiro, 16 de Junho de 1921, p. 266. Grifos meus. 102

“O psychismo e a imprensa”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 8 de Março de 1920, p. 4.

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Fazia-se necessário, então, que a imprensa começasse a dar conta dele de maneira satisfatória.

Esse interesse da imprensa diária no assunto, sendo reflexo do desejo dos leitores dos jornais

dos diferentes lugares do mundo, seria o demonstrativo de que tempos novos, melhores,

estariam aproximando-se.

Em 1º de Dezembro de 1925, Reformador traz um artigo intitulado “O Espiritismo e a

imprensa diária”. Segundo o autor, que não assina, não fazia muito tempo que, pelas páginas

dos jornais diários, o Espiritismo e os fenômenos espíritas eram objeto de ironia, sendo os

espíritas rotulados como loucos ou idiotas por se ocuparem com esses assuntos. Os anos

teriam se passado e os fenômenos espíritas teriam se desdobrado em diversas formas,

chamando a atenção de alguns homens de ciência. Grandes nomes teriam aderido à ideia, o

que fez com que a imprensa modificasse sua postura diante da doutrina.

Impossível se tornou, desde então, á chamada grande imprensa, manter-se desdenhosa ou

zombeteira para com ellas. Em pouco, as referências que lhes faziam mudaram de tom e não

tardou que alguns dos mais conceituados jornais abrissem suas columnas ao noticiário dos

factos espíritas e á explanação da doutrina a que elles deram origem, máo grado aos ingentes

esforços que, para obstar a isso, desenvolveu o clero católico. (...) Assim, presentemente,

todos os jornaes cariocas mais importantes, salvo uma que outra excepção, mantém uma

secção de Espiritismo mais ou menos interessante, mais ou menos criteriosamente redigida. 103

Os fatos espíritas, que se multiplicariam, somados ao interesse dos “grandes nomes”

teria feito com que a imprensa passasse a interessar-se pelo tema e, por isso, facultasse aos

espíritas espaço nos seus jornais, apesar da oposição que os católicos estariam movendo. Para

os espíritas da FEB, os jornais já não poderiam continuar com a postura irônica de antes, dado

o crescente interesse que o assunto despertava. O tratamento que recebiam vinha mudando, a

ponto quase todos os jornais abrirem suas páginas a eles. Os progressos alcançados pela

doutrina atraem a atenção da imprensa, que resistiria às pressões contrárias – que médicos,

padres ou religiosos de outros segmentos – pudessem fazer. Em Dezembro de 1931, os

espíritas da FEB afirmavam que

O reflexo desse progresso se nota na imprensa periódica nacional. Aqui no Rio são de

salientar o Diário Carioca, o Diário de Notícias e o Correio da Manhã que,

desassombradamente, tratam de assumptos espíritas, dando a ver que os seus directores não se

deixam peiar pelas ameaças ou pela compressão. A Batalha, A Esquerda e A Vanguarda e

alguns outros diários também tem columnas francamente abertas ao Espiritismo. 104

Reafirmar os progressos do Espiritismo pode ter como efeito, para os leitores do

periódico, um alento moral, como a lhes sinalizar que estariam no caminho certo e que as

fileiras espíritas tenderiam a aumentar, diante, dentre outras coisas, do apoio da imprensa

diária, que potencializaria a divulgação doutrinária. Acaba servindo, também, como

103

“O Espiritismo e a imprensa diária”. Reformador. Rio de Janeiro, 1º de Dezembro de 1925, p.510. Grifos

meus. 104

“O desenvolvimento do Espiritismo entre nós”. Reformador. Rio de Janeiro, 16 de Dezembro de 1931, p. 666.

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propaganda dos próprios jornais diários, que, apesar de terem, sem dúvidas, maior circulação

que o periódico da FEB, acabava divulgado e prestigiado nos meios espíritas. Por menor que

fosse, era uma propaganda. Por último, a reafirmação de que estes jornais, ao abrirem espaço

para os espíritas, suportariam pressões que, certamente, deveriam existir, recoloca ou reforça,

nestes mesmos jornais, a responsabilidade de manterem-se abertos aos espíritas. Afinal,

estariam acompanhando os movimentos do progresso da Doutrina e dos tempos, atuando

como imprensa independente, que não se deixaria condicionar por pressões externas. No fim

das contas, os espíritas se sentem no direito de pressionar os jornais para se manterem aí, mas

recusam-no aos que lhes são contrários o direito de lhes externarem críticas. O artigo traz,

ainda, informações de jornais de Campos, Estado do Rio de Janeiro, e Laguna, Santa Catarina,

que estariam oferecendo espaço para os espíritas em suas páginas.

Os espíritas da FEB também viram, com otimismo, o interesse da imprensa diária

quanto aos livros espíritas.

Longo e interessantes artigos vem aparecendo na grande imprensa a propósito dos livros

recebidos mediunicamente, pondo assim em evidência essa preciosa literatura, um tanto

abandonada pelos intelectuais e só muito lida pelos espiritistas. Graças a essa discussão, vão se

rompendo as barreiras que nos separavam do grande público ledor e os nossos livros vão

cumprindo sua missão regeneradora.105

Isso acabaria servindo aos espíritas na divulgação de sua literatura mediúnica que,

muitas vezes, ficava restrita apenas ao meio doutrinário. Os temas iriam vulgarizando-se,

familiarizando o leitor, de alguma forma, com eles, ainda que os artigos a respeito fossem,

mesmo, contrários às ideias contidas nas publicações, combatendo-as. Algo como o clássico

“falem mal, mas falem de mim”. Esperavam que as fontes das ideias combatidas pudessem

despertar o interesse de potenciais leitores.

“No mundo espírita”, do Diário Carioca, sob a responsabilidade de Antonio Compans,

não colocava grandes dificuldade para a publicação de artigos. Deveriam, apenas, estar de

acordo com os ensinamentos evangélicos106

. Uma maneira, também, de inibir polêmicas e

discussões públicas, ainda que Jesus, de acordo com os textos evangélicos, não fugisse às

discussões com os fariseus. Daniel Christóvão, quando a assume anos depois, diz que a

coluna destina-se a

disseminação dos ensinamentos espíritas, dentro das normas traçadas pelo codificador da

doutrina, o venerando mestre Allan Kardec e seus continuadores”, (...) visto que, sem ordem

não póde haver paz nem progresso, sem orientação não pode haver “espiritismo”, doutrina

concreta e definida, assentada, pelo mestre, acima de quaesquer misticismos sectários ou

religiosos, - e sim, muitas confusões e mistificações.107

105

TELES, Lino. “Debate na imprensa diária”. Reformador. Rio de Janeiro, Julho de 1944, p. 162. 106

“Consultório mediúnico”. Diário Carioca. Rio de Janeiro, 26 de Novembro de 1930, p. 10. 107

CHRISTÓVÃO, Daniel. “Duas palavras”. Diário Carioca, op. cit., grifos meus.

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Buscavam, dessa forma, fechar as portas às possíveis colaborações de pessoas que

julgassem existir relações entre a Doutrina Espírita e as religiões afro-brasileiras, ou a outras

práticas religiosas. A observância das normas de Allan Kardec seria um apelo à ordem, que

impediria a incorporação de elementos estranhos ao Espiritismo. Assim, ele não correria o

risco de ser confundido com quaisquer outras religiões.

Em 26 de Janeiro de 1926, provavelmente José Tosta (porque o autor assinou “J. T.”)

faz um pedido aos colaboradores de “Espiritismo”, que compunha a secção “Vários Cultos”

de Gazeta de Notícias. Segundo ele,

Os espíritas devem ser muito gratos á gentileza da “Gazeta” por ter aceito o Espiritismo em

suas columnas sendo, como se sabe um jornal de orientação Cathólica, o que constitue a nosso

ver motivo para nossa gratidão. Os confrades que podem collaborar na medida do permittido,

devem esforçar-se por corresponder a esse gesto liberal da “Gazeta”.Evitar assumptos

extemporâneos, obscuridades, arengas, ou coisas de carácter pessoal, que acarretem o

descrédito dessa secção, deve ser a preoccupação dos que desejam dar ao Espiritismo um logar

condigno na grande imprensa. Cumpre-nos aproveitar com o máximo carinho o espaço

precioso que nos é concedido, fornecendo, de preferência, sempre que possível, mais provas da

immortalidade da alma, que interessam a todos os leitores, particularmente aos catholicos.

Assim, teremos correspondido ao gesto liberal da “Gazeta”. 108

Gazeta de Notícias, segundo José Tosta, teria orientação católica e, por isso, seria

digno de gratidão, por parte dos espíritas, uma vez que abriu suas colunas a eles. Pelo fato de

terem conseguido o espaço, deveriam trabalhar para que a utilização destes fosse do agrado

dos... Católicos! E como fariam isso? Evitando atritos, principalmente com estes! Como se

dissesse aos espíritas interessados em colaborar: “Olha, tem assuntos que a gente não pode

tratar por aqui! Para que vamos criticar, na coluna, os católicos que acreditam na ressurreição

da carne, na vida eterna, que veneram as imagens? O jornal é deles! Vamos fugir do embate,

ao menos neste ambiente!”. Além disso, podemos presumir, também, que as polêmicas que

envolviam os próprios espíritas – principalmente a clássica questão sobre a natureza do corpo

de Jesus e a obra de Roustaing como um todo – não deviam ser tratadas ali. Poderiam ser

tomadas como pontos de vistas pessoais sobrevalorizados, que despertariam paixões e

passariam uma imagem errônea dos espíritas, que tinham uma mensagem renovadora para a

humanidade. Além disso, demonstrariam as divisões que se estabeleceram, ao longo do

tempo, entre os próprios espíritas, partidários ou não da polêmica obra. E José Tosta estende a

recomendação: todos os espíritas interessados em dar um lugar digno ao Espiritismo na

imprensa deviam fazer isso, deviam ter esses cuidados. Mas, e afinal, como agradar aos

católicos? Buscando um campo neutro, não se chocando contra os dogmas do Catolicismo.

108

TOSTA, José (J.T). “Pedido aos collaboradores”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 16 de Janeiro de 1926,

p. 10.

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Falando, prioritariamente, de questões e fatos que envolvessem a imortalidade da alma, que

lhes interessaria.

A moderação recomendada aos espíritas interessados em escrever para a coluna

“Espiritismo” da Gazeta de Notícias coincide com a proposta do Correio da Manhã depois da

entrevista com Antonio Lima, quando abriu suas páginas aos espíritas. O que ambos tem em

comum? A militância na FEB. O Reformador de 1º de Dezembro de 1925 elogia Gazeta de

Notícias, que teria passado por remodelação, ganhando novas secções e ampliando seu leque

de assuntos, não ficando restringido, apenas, aos de natureza política.

Entre as novas secções creadas apparece, com grande relevo, que attesta o escrúpulo e a

ponderação com que é feita, a de Espiritismo, onde, a par do registro dos factos e casos

occorridos por toda parte e de artigos doutrinários, se deparam ao leitor notícias várias e

interessantes, atravez das quaes bem se pode apreciar a crescente intensidade do movimento

espírita entre nós. Congratulando-nos com a direcção da Gazeta por essa sua attitude em face

do neo-Christianismo, sinceramente a felicitamos pela feição moderna e attrahente que, de

modo geral, soube dar ao veterano e prestigioso órgão da imprensa carioca. 109

Os espíritas da FEB, grupo no qual José Tosta participa, elogiam-no a atitude

moderada na condução da coluna, longe de polêmicas ou assuntos inflamados. Isso seria

prova de seus escrúpulos e de sua ponderação na tarefa que lhe foi confiada. Para eles, os

leitores deste jornal, com as publicações, poderiam avaliar, pela quantidade e intensidade de

fatos e casos espíritas, o movimento espírita e, quem sabe, aderir à doutrina. É atingir a estes

leitores de maneira suave, não de maneira frontal, agredindo-lhes os pontos de vista religiosos

ou filosóficos já estabelecidos em seu mundo íntimo. É conquista-los aos poucos, pela

demonstração do interesse crescente que os fatos espíritas iriam provocando nas

coletividades.

Não me recordo de ter lido palavras assim a respeito da coluna de Frederico Fígner

também no Correio da Manhã, por exemplo. E ele, igualmente, compunha os quadros da

entidade federativa.Nos exemplares de Reformador que pesquisei, encontrei apenas dois

artigos dele. Seria em função de seu gosto pela polêmica? Em Junho de 1949, pouco mais de

dois anos depois de sua morte110

, a revista da federativa anuncia a publicação de um livro

109

“O Espiritismo e a imprensa diária”. Reformador, op. cit.. Grifos meus. 110

Frederico Fígner morreu em 19 de Janeiro de 1947. WANTUIL, Zeus. Grandes Espíritas do Brasil, op. cit.,

p. 348. Os artigos que encontrei: FÍGNER, Fred. “O meu testamento”. Reformador. Rio de Janeiro, Setembro de

1946, p. 218 e FÍGNER, Frederico. “Será crime a caridade?”. Reformador. Rio de Janeiro, Dezembro de 1942, p.

200.Quando pesquisamos no acervo digital do Reformador, por nome, aparecem dois resultados em 1915

(Fevereiro e Outubro), quatro em 1921 (Agosto, dois em Setembro e um em Outubro), um resultado em 1932

(Fevereiro) e dois em 1946 (Julho e Setembro), além do que encontrei. Dez, no total, sendo que quatro deles (os

de 1921) tratavam de relatos de sessões de materializações de Espíritos, onde estes se mostram palpáveis aos

presentes. E dos espíritas que pesquisei, foi o que permaneceu mais tempo com coluna espírita na imprensa

diária.

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138

chamado “Crônicas Espíritas” que reunia algumas de suas crônicas que foram publicadas

jornal.

É que ali encontramos o Fígner, qual se nos estivesse falando verbalmente, com aquela

aparência inicial que todos nele sentíamos, de violência, de rudeza mesmo, impressão que só

desaparecia aos poucos, com a convivência, com o exame de suas atitudes e através do espelho

que lhe refletia os exemplos de amor, de dedicação, de verdadeiro abnegado, quando diante de

alguém que lhe surgisse à frente, vitimado pelo infortúnio. 111

O que o artigo do Reformador não menciona é que o livro tratava da polêmica que o

autor espírita travou com o padre Florêncio Dubois na Folha do Norte, do Pará, em 1921,

bem como alguns outros artigos de 1920112

. O Reformador sugere que os espíritas da FEB

consideravam o estilo de escrita de Frederico Fígner agressivo, daí, acredito, o terem evitado

nas páginas do órgão oficial da entidade federativa, ainda que na convivência se mostrasse

uma pessoa amorosa. Aliás, com quantos isso não ocorrera? Sem levar em conta o gosto pela

polêmica ou o eventual estilo mais agressivo de escrita, quantos preteridos pela FEB teriam

encontrado em outros periódicos, espíritas ou não, o espaço que sentiram que lhes faltara em

Reformador? Quem sabe não foi, este, o caso de Inácio Bittencourt?

A proposta de moderação da coluna parece que surtira efeito. Não confrontando

crenças, levando artigos doutrinários e procurando divulgar os fatos espíritas, estaria atraindo

retorno dos leitores do jornal.

Pessoas que tem lido na “Gazeta”, as notícias que temos redigido sobre os factos espíritas que

se vão verificando por toda parte, vem ao nosso encontro para nos relatar phenomenos

interessantes, comprobatórios da imortalidade da alma, que é o que nos propusemos

demonstrar pelo Espiritismo. 113

A coluna estaria atraindo relatos de fenômenos espíritas semelhantes aos que narrava,

divulgando-os, também, ao grande público. Alimentando-se de informações dos seus leitores,

poderiam continuar, com mais facilidade, a tarefa a que se propunham, a de divulgar fatos

espíritas, ainda que a verificação da autenticidade destes mesmos relatos pudesse ser muito

difícil, quando se tratasse de casos pessoais, devendo-se contar com a boa vontade de quem os

transmitisse. Além disso, a expectativa de ver sua narrativa, seu “caso espírita” particular – ter

visto ou ouvido um Espírito, por exemplo – estimularia a participação e o interesse dos

leitores.

Gazeta de Notícias era bem vista, também, pelos espíritas da Liga Espírita do Brasil.

Em Setembro de 1929, através da Revista Espírita do Brasil, rememoram o 54º aniversário do

jornal diário, ocorrido em 2 de Agosto daquele ano.

111

“Crônicas Espíritas”. Reformador, op. cit.. 112

FÍGNER, Frederico. Crônicas Espíritas. Rio de Janeiro: FEB, 1949. 113

“O espírito da progenitora vem ao encontro do filho”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 24 de Abril de

1926, p. 6. Grifos meus.

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139

Este facto, assás alegrando a família espírita, grata pelo agasalho que a Gazeta vem dando nas

suas columnas á colaboração e noticiário espírita, levou o nosso director João Torres e

secretário J. C. Moreira Guimarães a redacção do apreciado órgão da imprensa carioca á

apresentarem os saudares fraternaes da Revista e da Liga Espírita do Brasil. (...) melhor

testemunhamos a nossa gratidão recommendando aos nossos confrades suas preferencias pela

Gazeta de Notícias, um dos mais bem feitos órgãos da imprensa diária, onde a ethica

jornalística é rigorosamente observada. 114

Os espíritas da Liga Espírita do Brasil procuravam, assim, manter boas relações com o

jornal diário que oferecia espaço para os espíritas em suas páginas. Os homens da imprensa

espírita visitavam os da imprensa diária com a qual tivessem simpatias, por conta das relações

que mantinham. Além da visita e dos elogios, que muito agradariam os diretores do diário, a

recomendação do jornal, propaganda importante no seio de um segmento religioso específico.

Os espíritas da Liga Espírita do Brasil se sentiam mais próximos, ou mais identificados com a

Gazeta de Notícias do que com o Correio da Manhã, o qual não me lembro de ter encontrado,

na Revista Espírita do Brasil, nenhuma referência.

A Batalha, que em 3 de Setembro de 1933 abre, novamente, suas colunas aos espíritas,

o faz atendendo “a uma grande corrente de opinião pública e que, entre nós, acompanha o

desenvolvimento das doutrinas de Allan Kardec.(...)A BATALHA acceita a collaboração dos

senhores espíritas desde que os artigos não sejam longos e escritos em linguagem serena e

elevada”115

. O jornal identifica o interesse que o assunto vinha despertando no público leitor

e, mesmo, na imprensa. Buscava, também, repetir a fórmula da moderação nos escritos, à

semelhança de Gazeta de Notícias, acrescentando outra recomendação: que não fossem

longos, o que poderia gerar um inconveniente, qual seja, o de ter que se ler a segunda ou a

terceira parte do artigo em outras edições. E isso sem contar que poderia ser espaço que o

próprio jornal poderia alugar para algum anúncio ou publicação. A Manhã, anos antes,

interessada em organizar sua coluna espírita, solicita a estes, além das notas e avisos de suas

instituições, artigos e crônicas doutrinárias que publicariam “respeitadas as conveniências

dessa folha, com o maior prazer”116

. Publicar ou não dependeria, em última análise, do

jornal, não do redator da coluna espírita, muitas vezes espírita também.

O que poderia explicar o interesse da imprensa diária pelo Espiritismo? O Correio da

Manhã reconhece, em 1914, que a Doutrina Espírita vinha obtendo progressos crescentes que

interessariam ao público. A Batalha, em 1933, sugere que importante parcela da opinião

pública interessava-se pelo desenvolvimento que o Espiritismo alcançava. O Reformador, da

FEB, em 1925 e em 1931, também aponta nessa direção, justificando o interesse da imprensa

114

“Gazeta de Notícias”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Setembro de 1929, p. 253. Grifos meus. 115

“Espiritismo”. A Batalha. Rio de Janeiro, 3 de Setembro de 1933, p. 8. 116

“Aviso”. A Manhã. Rio de Janeiro, 2 de Janeiro de 1929, p. 6.

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em função dos progressos alcançados pela Doutrina. Outra mostra da atenção que o assunto

vinha despertando foi um inquérito realizado pelo Diário Carioca na coluna “No Mundo

Espírita”. Nele, queriam verificar, junto a seus leitores, se estes desejavam que a coluna

espírita fosse suprimida do jornal ou ampliada. Em 2 de Janeiro de 1932117

, dizem que das

mais de novecentas cartas que havia recebido, apenas uma, do vigário de Anchieta, era

contrária à permanência do espaço destinado aos espíritas. Todas as demais seriam favoráveis.

Encontram um público – espíritas em sua maioria, quem sabe? – disposto a continuar lendo

sobre o assunto nas páginas daquele jornal. Em 21 de Maio de 1924, Leal de Souza, no

encerramento do inquérito “No Mundo dos Espíritos” pelas páginas de A Noite, diz que

não era possível continuar a desconhecer o terreno conquistado, em nossa capital, pela

doutrina baseada nos princípios espirituaes da pluralidade das existências, convindo, porém,

delimitar-lhe as fronteiras, observando, ao mesmo tempo, o viver íntimo, as regras moraes, os

usos lithurgicos, os processos geraes das communidades espíritas. 118

Se o assunto chama a atenção de Leal de Souza num momento onde até então ele

ainda não conhecia muito o Espiritismo ou a Umbanda119

, e o jornal A Noite banca sua ideia,

publicando, em primeira página, os resultados de sua pesquisa campal, de visitação a Centros

que se diziam espíritas mas que nem sempre o eram, é que os jornalistas reconheciam a

expansão da Doutrina Espírita pela cidade e interessaram-se por conhece-lo. E mais:

perceberam que o assunto teria a acolhida de parcela de seus leitores.

Segundo Emerson Giumbelli, de 1908 a 1925, o número de consultas ao receituário

mediúnico da FEB supera a marca de 200 mil, alcançando seu máximo em 1914 – ano em que

Antonio Lima é procurado pelo Correio da Manhã –, com aproximadamente 287.400

consultas. Os números podem ter caído depois, dentre outras razões, por se tratar de uma

atividade que poderia ser enquadrada nos rigores do Código Penal de 1890, que criminalizava

formalmente o Espiritismo e a prática do receituário mediúnico. Inácio Bittencourt, homem da

imprensa espírita e médium receitista, seria enquadrado pela Saúde Pública em 1921, como

veremos mais adiante120

.

117

“O inquérito do „Diário Carioca‟”. Diário Carioca. Rio de Janeiro, 2 de Janeiro de 1932, p. 7. 118

SOUZA, Leal. “O encerramento do inquérito da A Noite”. A Noite. Rio de Janeiro, 21 de Maio de 1924, capa.

“No Mundo dos Espíritos” foi um inquérito realizado por Leal de Souza que consistiu na visita à Centros que ele

considerava espíritas. O inquérito é apresentado em 31 de Dezembro de 1923, tem sua primeira publicação em 7

de Janeiro de 1924 e termina em 22 de Maio de 1924. Tornou-se um livro em 1925. Ver: TRINDADE,

Diamantino Fernandes. Antonio Eliezer Leal de Souza, op. cit., p. 53. 119

TRINDADE, Diamantino. Antonio Eliezer Leal de Souza, op. cit., p. 71. 120

O artigo 156 condenava o exercício da medicina sem habilitação; O 157 condenava, textualmente, o

Espiritismo, para a cura de doenças e o 158 condenava os que ministrassem ou prescrevessem substâncias para

fins de cura. Decreto n° 847, de 11 de Outubro de 1890. Citado por: GIUMBELLI, Emerson. O Cuidado dos

mortos, op. cit., p. 79 e 80. Sobre os gráficos de Giumbelli referentes ao movimento do receituário mediúnico,

ver as páginas 295 e 296.

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Através da análise comparativa dos anos de fundação dos jornais diários que

ofereceram espaço aos espíritas com os anos de início e fim das colunas mantidas pelos

adeptos do Espiritismo, trazemos importantes elementos para a análise do investimento dos

espíritas na imprensa diária, bem como na criação de seus próprios periódicos.

Colunas espíritas e/ou série de artigos em jornais diários

Jornal

diário

Ano de

Fundação Nome da coluna ou do responsável

Período

O Paiz 1884 Bezerra de Menezes/União Espírita do Brasil 1887 a 1894.

Jornal do

Brasil 1891 Bezerra de Menezes/União Espírita do Brasil 1895.

Gazeta de

Notícias 1875

Bezerra de Menezes/União Espírita do Brasil

Gazeta Psychica

Espiritismo

Vida Espiritual

Vida Espiritual

1895 a 1897;

1920;

1925 a 1930;

1934 a 1938;

1939.

Correio

da Manhã 1901

Olegário Tavares e outros

Questões Espíritas

Espiritismo – Theorias e Factos

Chronica Espírita

FEB

Notas Espíritas

“Correio” Espírita

1903 a 1916;

1912 a 1914;

1914;

1917 a 1947;

1917 a 1923;

1921 a 1923;

1936 a 1938.

Diário

Carioca 1928 No Mundo Espírita 1930 a 1937.

A Batalha 1929

Registro Espírita

Notas Espíritas

Espiritismo

1930;

1931 a 1933;

1933 a 1934

A Manhã 1925 Espiritismo

Espiritismo

1926;

1928 a 1929.

A Pátria 1920 Luz e Verdade 1933/34 a 1935.

Diário de

Notícias 1930

Tribuna Espiritista

O Espiritismo, a magia e as sete linhas de

Umbanda

Assumptos Psichicos

1932;

1932 a 1933;

1936 a 1939.

A Noite 1911 No Mundo dos Espíritos 1924.

A Nota 1935 Artigos Esparsos

A semana espírita

1937;

1939.

A Tarde 1938 Anúncio do início de uma coluna Espírita 1938. Fonte: Jornais diários mencionados, CPDOC-FGV e Hemeroteca Digital Brasileira.

Excetuando-se A Pátria,Gazeta de Notíciase A Noite, os jornais diários passaram a

contar, pouco tempo depois que são fundados, com alguma forma de participação de espíritas

em suas páginas, seja através de séries de artigos (pagos, como no caso de Bezerra de

Menezes/União Espírita do Brasil, ou não), seja através de colunas doutrinárias. O Correio da

Manhã, o Diário Carioca e o Diário de Notícias ofereceram suas páginas aos espíritas dois

anos depois de fundados. A Manhã e A Batalha fazem-no logo no ano seguinte, sendo que o

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primeiro foi fundado em Dezembro do ano anterior. Verificando o quadro, notamos que as

colunas espíritas são mais intensas ao longo das décadas de 1920 e 1930. Dos jornais

analisados neste trabalho, apenas A Manhã não teve participação espírita nas suas páginas na

década de 1930. Nas duas primeiras décadas do século XX, somente o Correio da

Manhãfacultou suas páginas aos espíritas, o mesmo ocorrendo na década de 1940. Dos jornais

analisados, o Correio da Manhã (coluna “Correio” Espírita), Diário Carioca, Gazeta de

Notícias, Diário de Notícias (a coluna Assumptos Psichicos do umbandista Sylvio Roberto,

que facultava espaço para os espíritas), A Batalha e A Nota tiveram suas colunas encerradas

na segunda metade da década de 1930, sendo que o último teria encerrado suas atividades no

final de 1939.

Agora, coloquemos em análise, de maneira relacional, a participação dos espíritas nos

jornais diários e criação de seus próprios periódicos. Dos 13 jornais e revistas espíritas

analisados no primeiro capítulo, quatro deles foram fundados nas décadas de 1900 e 1910 e

dois nas décadas de 1920 e 1930. Apenas Reformador é do século XIX. Não podemos,

entretanto, afiançar que as duas primeiras décadas do século XX representaram um importante

movimento de expansão na imprensa espírita, uma vez que a esmagadora maioria dos jornais

e revistas criados pelos espíritas não está disponível para a pesquisa. Cruzando nomes de

jornais e revistas espíritas do Rio de Janeiro levantados a partir do Catálogo da Biblioteca

Nacional com aqueles que o pesquisador espírita Clóvis Ramos reuniu em sua pesquisa temos

138 periódicos, incluindo-se, aí, boletins de mocidades espíritas mantidas por Centros

Espíritas. Deste total, 58 teriam sido fundados até 1950. Dentre estes, em sete periódicos não

é possível ter certeza do ano fundação, uma vez que o autor recolheu referências sobre alguns

deles a partir de terceiros. Em todo caso, utilizei-me do ano da referência mencionada por

ele121

. Tendo em mente os limites destas informações, a fim de criarmos um parâmetro para

estimativas, separei por décadas de fundação.

Númerode periódicos espíritas por décadas de criação

Ano Quantidade

1870 1

1880 4

1890 4

1900 5

1910 9

1920 11

1930 14

121

Por exemplo, sobre o periódico O Cristão, Clóvis Ramos diz que ele “vem citado no Reformador de

Novembro de 1924”. RAMOS, Clóvis. A imprensa espírita no Brasil, op. cit., p. 52.

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1940 9 Fonte: Catálogo de Periódicos da Biblioteca Nacional; Clóvis Ramos, A imprensa espírita no Brasil, op. cit.

O investimento de espíritas na imprensa, seja com a criação de seus próprios

periódicos, seja escrevendo para jornais diários, coincide e cresce com o movimento de

criação das empresas jornalísticas e com a expansão no número de adeptos do Espiritismo na

cidade, o que se verifica com maior intensidade entre as décadas de 1920 e 1940. O interesse

dos espíritas não está, portanto, apartado do movimento mais geral de crescimento e

consolidação da imprensa no Rio de Janeiro. Participa dele com todas as limitações colocadas

pelo exercício do “jornalismo amador”, bem como pela carência de recursos financeiros para

manterem seus jornais e revistas. Um indicativo disso é que entre as décadas de 1910 e 1940

são fundados, pelo menos, 43 periódicos espíritas. Além disso, não é causal que Aurora, entre

1919 e 1928, tenha aumentado em dez vezes a sua tiragem, atingindo a marca de 40.000

exemplares.

No que diz respeito à quantidade de espíritas, consta na Relação das Casas Espíritas do

Rio de Janeiro, do CEERJ, 7 Centros Espíritas fundados na década de 1910. Na década de

1920, o número de Centros Espíritas fundados na capital salta para 30. Na década de 1930,

são fundados 26 e na de 1940, 41. Só a partir da década de 1970 o número de fundação de

Centros Espíritas é inferior a 20122

. Evidente que esta relação tem limites. Ela contempla,

apenas, os Centros Espíritas que se mantém em funcionamento até os dias de hoje e que

estejam vinculados ao CEERJ. No entanto, penso que serve como um indicador da

propagação da Doutrina Espírita pela cidade do Rio de Janeiro, que é manifesta na criação de

Centros Espíritas. A expansão das instituições, consequência do aumento do número de

espíritas, chamou a atenção da imprensa diária para o Espiritismo, imprensa essa que deve ter

sido demandada por parcela de leitores que desejavam conhecer o assunto ou mesmo por

adeptos da Doutrina Espírita que desejavam escrever a respeito do tema em suas páginas.

Por último, escrever em jornais diários era importante para os espíritas porque

amplificava a propaganda doutrinária e suas visões do Espiritismo, fazendo com que

alcançassem um público superior àquele de seus periódicos que, à exceção de Aurora, não

tinham tiragens muito grandes. Através deles, também, teriam acesso a um público que, em

sua maioria, não era espírita e, quem sabe, alimentasse preconceitos contra a Doutrina

Espírita, fazendo com que não tivessem a iniciativa curiosa de conhecê-la nos Centros

122

CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Casas Espíritas do Rio de Janeiro. Recebido

por email em 13 de Janeiro de 2014. Através do site do CEERJ, é possível acessar estas informações. Clicar em

“Instituições Espíritas”, depois escolher cidade e bairro. Disponível em: http://www.ceerj.org.br/ceerj/ Último

acesso em 15 de Fevereiro de 2014.

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Espíritas. Manuel Quintão, como vimos, em Março de 1930, ao propor que a FEB fizesse

acordo com algum jornal de grande circulação para divulgação do Espiritismo, tinha

consciência de que o Reformador não “vibrava” fora dos círculos espíritas123

.

2.5 – Críticas de espíritas a imprensa diária

Se os espíritas da cidade do Rio de Janeiro ocuparam as páginas de diversos jornais

diários, elogiando-lhes a iniciativa de lhes facultarem o espaço, nem por isso deixaram de

tecer críticas a eles, quando julgaram oportuno. Vianna de Carvalho, num artigo publicado no

Correio da Manhã de 23 de Outubro de 1914, diz que os inimigos do Espiritismo utilizam-se

do noticiário da imprensa, o distorcendo e repercutindo contra a doutrina.

Toda vez que a imprensa diária explora os casos isolados de alienação mental produzida pela

feitiçaria, magia negra ou charlatanismo mediumnico – práticas estas vehementemente

condemnadas por Allan Kardec – os inimigos da sciencia espírita sáem a campo pretendendo

impingir aos ingênuos a bolorenta noção de que o Espiritismo faz loucos. 124

Dessa forma, os adversários dos espíritas, segundo Vianna de Carvalho, procurariam

associar ao Espiritismo práticas que não seriam dele, sendo que muitas destas teriam sido

condenadas por Kardec, buscando convencer ao público não especializado, desconhecedor de

suas especificidades, que ele seria danoso à saúde mental das pessoas. Práticas de magia

negra, feitiçaria ou a atuação de charlatães, que nada teriam a ver com o Espiritismo,

poderiam provocar casos de loucura. Um dos pontos criticados por ele seria a associação da

reencarnação à ideia da metempsicose, com a qual os espíritas não concordam125

. Segundo

ele, alguns jornais católicos, que ele não menciona, estariam fazendo essa associação com o

objetivo de ridicularizar a reencarnação. “Há bem pouco, um engraçado jornalista perpetrou

essa imprudência pelas columnas de um diário desta capital”126

. O jornalista que se atreve a

tratar do que não conhece é tratado com ironia, como alguém que não pode ser levado a sério.

E quando se refere a jornais católicos? Será que está pensando em alguma publicação

específica promovida por praticantes deste credo religioso, ou está pensando, também, em

algum jornal diário? Não foram poucas as vezes que os espíritas classificaram como católicos

alguns diários. No Reformador de Outubro de 1946 encontramos um artigo assinado por I.

123

QUINTÃO, Manoel Justiniano de Freitas. “Relatório do Presidente, apresentado á Assembléia Deliberativa na

sua reunião ordinária de 1930, sobre os trabalhos da Sociedade e contas da administração durante o anno de

1929”. Reformador, op. cit., p. 133. 124

CARVALHO, Vianna. “Espiritismo”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 23 de Outubro de 1914, p. 4. Grifos

meus. 125

“Seria verdadeira a metempsicose, se indicasse a progressão da alma, passando de um estado inferior a

outro superior, onde adquirisse desenvolvimentos que lhe transformassem a natureza. É, porém, falsa no sentido

de transmigração direta da alma do animal para o homem e reciprocamente, o que implicaria a ideia de uma

retrogradação, ou de fusão”. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, op. cit., p. 302. 126

CARVALHO, Vianna. “Espiritismo”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 23 de Outubro de 1914, p. 4.

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145

Pequeno que, segundo o blogueiro Aron127

, seria um dos pseudônimos de Antonio Wantuil de

Freitas, então presidente da FEB. O autor, comentando um artigo de um jornal católico de

Petrópolis que dizia que a imprensa católica estava sendo superada em número pela

protestante e a espírita, apresenta O Globo e o Jornal do Brasil como grandes jornais de

orientação católica128

. O Jornal do Brasil, embora se dissesse leigo, “não publica cousa

alguma favorável ao Espiritismo” 129

.

E por que Antonio Wantuil de Freitas lança mão de pseudônimos? Para polemizar com

seus adversários. Assinando “I. Pequeno”, em Maio de 1945, ele denunciou o ódio do clero

contra o Espiritismo e acusa o periódico O Lutador de “combater fascistamente, de qualquer

forma e com qualquer arma” 130

. Em Abril de 1949, com o mesmo pseudônimo, acusa o

clero, que “através de elementos que lhe são ligados, conseguiu, ao tempo do Sr. Getúlio

Vargas, incluir os artigos 282 e 284 no Código Penal Brasileiro” 131

, porque o Espiritismo se

difundia muito rápido e os católicos supunham que essa expansão da doutrina se dava em

função dos passes. O que ele não diz é que o Código Penal anterior mencionava,

textualmente, o Espiritismo, criminalizando-lhe, também, as práticas. Dessa forma, para

Antonio Wantuil de Freitas, os católicos combateriam a Doutrina Espírita utilizando-se de

quaisquer meios, seja nas páginas de jornais, seja influenciando os legisladores. Assinando

como “G. Mirim”, em Maio de 1945, defende a polêmica tese da natureza do corpo de Jesus e

afirma que os antagonistas da FEB “servem-se dela com o fim de combater a Federação”132

.

Assim, usava pseudônimos para debater com opositores.

Manoel Quintão na coluna “Casos e coisas” do Reformador de 16 de Abril de 1936

traz, de maneira irônica, o caso de um sacerdote acusado de seduzir uma menor. Segundo ele,

“o vespertino “O Globo”, que em cheiro de santidade gravita globalmente em torno das

127

ARON. Antonio Wantuil de Freitas. Disponível em: http://aron-um-espirita.blogspot.com.br/2012/03/03-05-

antonio-wantuil-de-freitas.html Último acesso em 11 de Novembro de 2013. 128

FREITAS, Antonio Wantuil (PEQUENO, I). “Estatística Católica”. Reformador. Rio de Janeiro, Outubro de

1946, p. 234. 129

DUTRA, Francisco José. “Cada qual na sua seara (Carta aberta a O. P., do Jornal do Brasil)”. Gazeta de

Notícias. Rio de Janeiro, 6 de Março de 1938, p. 4. 130

FREITAS, Antonio Wantuil (I. Pequeno). “O ódio do clero”. Reformador. Rio de Janeiro, Maio de 1945, p.

101. 131

FREITAS, Antonio Wantuil (I. Pequeno). “O Código Penal”. Reformador. Rio de Janeiro, Abril de 1949, p.

81. “Art. 282 - Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem

autorização legal ou excedendo-lhe os limites” e o “Art. 284 - Exercer o curandeirismo: I - prescrevendo,

ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância; II - usando gestos, palavras ou qualquer outro

meio; III - fazendo diagnósticos”. Os artigos poderiam enquadrar as atividades do receituário mediúnico e dos

passes (transmissão de energias através da imposição de mãos). PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Decreto-Lei

n° 2.848, de 7 de Dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

lei/del2848.htm Último acesso em 4 de Fevereiro de 2014. 132

FREITAS, Antonio Wantuil (G. Mirim). “Bilhetes”. Reformador. Rio de Janeiro, Maio de 1945, p. 103.

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146

chamadas reivindicações catholicas, tirou-se de seus cuidados e nos brindou (...) com a

seguinte notícia”. (...) Commentário: é pena que falte á notícia a illustração

photographica”133

. Procura desferir duplo golpe: nos católicos, onde aproveita para criticar o

ensino religioso e no jornal O Globo, ironizando seu suposto alinhamento com eles, que teria

sido deixado de lado para noticiar o fato, ainda que “amenizado” pela ausência de foto e pelo

pequeno texto de dois parágrafos transcrito na íntegra. Dá a entender que, se fosse com algum

espírita, a notícia negativa teria maior destaque nas páginas do jornal.

Poucos meses depois, foi a vez do jornal A Noite entrar na alça de mira dos espíritas da

FEB, através de Reformador. Escrevem sobre uma nota publicada aí, dando conta da

interdição – motivada pela suposta influência do clero católico – da Comissão de Censura

Cinematográfica a dois filmes, sendo que um deles teria temática espírita. Dizem que “num

de seus recentes números, “A Noite”, que não pode, nem de longe, ser suspeitado de pouco

sympathico ao catholicismo romano, que ao contrário, passa por andar na intimidade do

Palácio S, Joaquim, publicou (...) a seguinte nota” 134

. O Palácio São Joaquim, para quem

não sabe, é a residência oficial do cardeal arcebispo do Rio de Janeiro. Procuram demonstrar,

com a ironia, a íntima relação que existiria entre o Catolicismo e o diário carioca, que lhe

atenderia os interesses, a ponto de frequentar a casa da mais alta autoridade Católica da

cidade. A (má) fama do jornal A Noite com os espíritas da FEB não era nova. Praticamente

cinco anos antes, em 16 de Outubro de 1931, Reformador publica um artigo criticando uma

publicação do diário. Tratava-se do caso de um pesquisador inglês que teria apanhado um

médium em fraude. Segundo os espíritas da FEB, outros jornais, revistas e experimentadores

teriam afiançado a autenticidade dos fenômenos, colocando em xeque a avaliação feita pelo

pesquisador inglês que fora publicada.

Porém, o que neste momento nos interessa não é que elle tenha ou não tenha praticado o

embuste de que o accusam e sim, apenas, sublinhar a satisfação que com esse caso

133

QUINTÃO, Manoel Justiniano de Freitas. “Casos e Coisas”. Reformador. Rio de Janeiro, 16 de Abril de

1936, p. 126. 134

“O clericalismo em acção”. Reformador. Rio de Janeiro, 3 de Outubro de 1936, p. 362. Os filmes se chamam

“A voz do outro mundo”, que teria temática espírita e “Mais perto do céo”, que trataria do misticismo e da

psicologia do negro norte-americano.O jornal A Noite foi fundado por Irineu Marinho em 18 de Junho de 1911 e

circulou até 27 de Dezembro de 1957. Anteriormente, Marinho trabalhou como secretário-geral do jornal Gazeta

de Notícias, afastando-se daí em razão de desentendimentos. Quando surgiu, o jornal fazia oposição ao governo

do Marechal Hermes da Fonseca. “Em 1925, contudo, grandes transformações alteraram a linha do vespertino.

Seu proprietário, Irineu Marinho, achando-se doente e de partida para a Europa, foi obrigado a caucionar a

maioria de suas ações em favor de Geraldo Rocha. Este último realizou logo depois uma assembléia rompendo

os vínculos que ainda prendiam o jornal a seu fundador, e elegeu nova diretoria”. Sob a nova direção, o jornal

passou a ser situacionista. Em 19 de Julho de 1911, em seu segundo número, o jornal não contava com coluna ou

seção destinada a religiões.FERREIRA, Marieta de Morais. A Noite. Disponível

em:http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspxÚltimo acesso em 23 de Abril de 2014.

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147

experimentaram alguns periódicos, mormente os sectaristas, e a pressa que se deram em

espalhar a notícia.135

A Noite é colocado no “balaio” dos jornais sectaristas, que estariam interessados em

desqualificar a ideia da sobrevivência da alma, fundamental para a Doutrina Espírita. Assim,

por projeção, os fenômenos mediúnicos estudados pelos espíritas não passariam de fraudes.

Para eles, destacava-se o interesse do jornal em provar que os fenômenos espíritas eram

falsos.

Manoel Quintão, respondendo a um artigo de Mucio Leão publicado no Jornal do

Brasil a respeito do livro “Crônicas de Além Túmulo”, psicografado por Francisco Cândido

Xavier, diz que “o caso é tanto mais digno de nota quanto o velho jornal do Conde, em

deixar de ser o popularíssimo de outros tempos, não deixou de ser órgão da Mitra”136

.Assim,

a crítica proferida pelo articulista seria distorcida, não seria isenta, já que, escrevendo num

jornal que consideravam intimamente ligado aos interesses dos católicos, não poderia

discordar de seus pontos de vista, sendo natural que desqualificasse o livro espírita.

Leopoldo Machado, nas páginas do órgão oficial da federativa, diz que

O porta-voz da civilisação de um povo é a sua imprensa. É por sua voz que as tendências, o

temperamento, a educação de um povo se manifestam. Ler os jornaes de um paiz é ajuizar de

perto a psychologia do povo desse paiz. A psychologia do brasileiro anda estereotypada na

orientação jornalística de seus periódicos. Fácil é de ver, nessa orientação, o espírito frívolo,

inconstante, leviano e incoherente de nosso povo, máxime a respeito das coisas sérias. 137

Leopoldo Machado demonstra uma visão idealizada da imprensa. Os jornais

publicariam trivialidades, assuntos menos sérios e de pouca importância porque refletiriam a

índole do povo. Para criticar a qualidade das publicações dos jornais, lança mão daquilo que

considera características negativas do brasileiro, estereotipando-as, como se fossem comuns à

maioria. Pensa como se os jornais fossem, mesmo, um reflexo do povo enquanto coletividade

e não empresas capitalistas com proprietários e anunciantes que interferem e determinam o

que é ou não publicado. Será que aqueles onde os espíritas mantivessem colunas seriam

jornais mais civilizados e expoentes do progresso, porque refletindo os ideais superiores do

público interessado no Espiritismo? Ou será que ele pensava o mesmo dos jornais que

ofereciam espaço para os espíritas em suas páginas? Certamente que não, mas sua crítica

genérica à imprensa acaba abarcando-os. Mas por que as críticas? Estaria referindo-se,

especificamente, a algum jornal? Sim! Nesta oportunidade, está criticando o Diário da Noite e

135

“Só a fraude os interessa”. Reformador. Rio de Janeiro, 16 de Outubro de 1931, p. 568. Grifos meus. 136

QUINTÃO, Manoel Justiniano de Freitas. “Casos e Coisas”. Reformador. Rio de Janeiro, Janeiro de 1938, p.

21. 137

MACHADO, Leopoldo. “A officialisação da Macumba”. Reformador. Rio de Janeiro. 1 e 16 de Março de

1936, p. 88. Grifos meus.

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148

o espaço que ele deu ao que chamou de “legítima sessão macumbeira” 138

, que sob o auspício

do jornal foi transmitida através da Rádio Tupy, além de ter noticiado o evento. Na ocasião,

os cânticos utilizados nos rituais das religiões afro-brasileiras teriam sido transmitidos pelas

ondas hertz ao grande público. Assim, afirma que “é a nossa imprensa, a imprensa da capital

do paiz, que, no mesmo passo em que noticia, a títulos e sub-títulos, a clicherie e letras

berrantes, a prisão de centros de macumbas, tudo envida – observa-se nas suas entrelinhas –

para a officialisação da macumba”139

. Acha contraditório, porque está incomodado,

principalmente, com a divulgação daquilo que chama de macumba, tem preconceito e é

contra: os cultos afro-brasileiros. Para ele, a imprensa não deveria promovê-los, já que os

combate. E pensar que em Julho de 1939, poucos anos depois, o mesmo Leopoldo Machado

estaria envolvido numa polêmica, como o “idealizador e o realizador, ao lado de

companheiros capazes e dedicadíssimos, da “Hora Espírita Radiofônica” 140

, que fora

atacada pelos médicos da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Recusava aos

praticantes das religiões afro-brasileiras o direito de divulgarem suas atividades nos meios de

comunicação disponíveis, mas queria o benefício para os espíritas, grupo que participava,

porque não reconhecia, de forma alguma, relações entre o Espiritismo e elas, além de, muito

provavelmente, as julgar inferiores, primitivas, já que seriam do “povo desillustrado”141

ou

da “gente dos morros”142

e, até de alguma forma nocivas.

Para terminar, em aparte: que se vá ao Diário da Noite e a Rádio Tupy suggerir-lhes uma

irradiação de Espiritismo, a prol do seu conhecimento philosophico, scientifico e religioso,

para toda gente...

- Não vale a pena – dir-se-nos-á por certo. E, talvez, não valha mesmo a pena... 143

Não valeria a pena, segundo eles, porque a imprensa estaria preocupada, apenas, com

futilidades, já que seria o reflexo de um povo fútil. Desprezaria os assuntos mais sérios, as

considerações mais elevadas da ciência, os voos da filosofia e as consequências morais da

religião. Ou a imprensa viveria distraída, como sugere Manoel Quintão.

Enquanto a nossa imprensa leiga toda se derriça á politicagem e berra em torneios de

rhectorica indígena a belleza das misses, a estimular tafularias e vaidades pagãs, o conspícuo

irmão que preside as “alterosas” – vergôntea robusta do patriarchado nacional – num gesto de

138

Idem. 139

Idem. 140

MACHADO, Leopoldo. Pigmeus contra gigantes, op. cit., p. 6. 141

MACHADO, Leopoldo. “A officialisação da Macumba”. Reformador, op. cit., p. 89. 142

Idem. 143

Idem. Grifos do autor. O jornal Diário da Noite foi fundado em 1929. Compôs um grupo de jornais de

propriedade de Assis Chateaubriand que contou com recursos de João Neves da Fontoura e com o apoio da

Aliança Liberal. No final do ano de fundação, venderia mais de 120 mil exemplares. Apoiou a candidatura de

Getúlio Vargas à presidência contra Júlio Prestes, mas posteriormente foi crítico ao seu governo até 1937,

quando tornou a apoiá-lo. O jornal não mantinha coluna ou seção religiosa. MOREIRA, Maria Ester Lopes.

Diário da Noite. Disponível em:http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspxÚltimo acesso em 23

de Abril de 2014.

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149

genialidade seráfica e “constitucional”, manda allistar capelães em suas milícias e restabelecer

nas escolas públicas da liberalíssima e gloriosa terra mineira o ensino religioso, queremos

dizer... catholico. 144

“Os jornais se interessavam pela politicagem e por um concurso de miss realizado

naquele ano, mas nem se incomodaram com a instituição do ensino religioso em Minas

Gerais!”, parecem dizer os espíritas da FEB através de Manoel Quintão. Não davam ao tema o

tratamento que eles julgavam que merecesse, pareciam distraídos dos interesses coletivos. A

imprensa apenas estimularia nas almas das gentes o gosto exagerado pelo luxo, sintomas de

vaidade pagã. Os assuntos sérios sob o ponto de vista dos espíritas estariam sendo desprezado

por questões menores, que não acrescentariam valor ao debate político, bem como por uma

trivialidade, que seria o criticado concurso de miss.

O Diário da Noite, que já fora criticado pelos espíritas da FEB porque se interessara

em divulgar, pelo rádio e pelas suas páginas, as religiões afro-brasileiras, também fora

lembrado pelo tratamento diferenciado oferecido aos espíritas, com relação aos católicos.

Manoel Quintão, comentando um artigo a respeito de um padre que faria milagres, diz que “o

Diário da Noite, sempre imparcial e fiel aos princípios liberais, em matéria de fé religiosa,

chegou a ilustrar o feito com um belo cliché, no qual vemos o piedoso frade em plena

atividade (...)” 145

. O jornal, que teria tratado o assunto de maneira positiva, não concedia o

mesmo espaço e o mesmo tratamento às curas promovidas pelos espíritas nas suas

terapêuticas. Com alguma esperança de que seja atendido, termina recomendando aos

espíritas que “continuemos a entrar com os níqueis para o gazofilácio do Diário, até que se

convença de que sol lucet omnibus” 146

. Parecia sugerir que os espíritas – não só ele –

continuassem a observar o jornal criticamente, elogiando quando fosse o caso, criticando

quando julgassem necessário, o que poderia ser feito por cartas à sua redação, ou mesmo pela

imprensa, como fizera o ex-presidente da FEB naquele momento.

Essa parcialidade de alguns jornais no tratamento dos espíritas já foi criticada antes.

Marcos D‟Avila, no Reformador de 16 de Janeiro de 1926, faz uma reflexão do fato dos

espíritas estarem ocupando as páginas dos jornais diários.Segundo ele, a maioria dos espíritas

via essa iniciativa com bons olhos. Para ele, esse interesse demonstrado pelo Espiritismo

atestaria sua força, não sendo mais possível que fosse desprezado. No entanto, diz que os

donos desses jornais enxergam na Doutrina Espírita uma possibilidade de aumentarem seus

144

QUINTÃO, Manoel Justiniano de Freitas. “Casos e Coisas”. Reformador. Rio de Janeiro, 16 de Maio de

1929, p. 312. Grifos meus. 145

QUINTÃO, Manoel Justiniano de Freitas. “Casos e Coisas”. Reformador. Rio de Janeiro, Julho de 1941, p.

185. 146

Idem. Grifos do autor.

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150

rendimentos, visando o lucro. Se tivessem real interesse naquilo que de melhor a doutrina

tem, nos seus altos conceitos morais, científicos e filosóficos, não facultariam espaço a

qualquer um que se atrevesse a tratar do assunto, mas buscariam, entre os estudiosos do tema,

os mais qualificados para exporem a matéria em suas páginas.

A propósito de uma notícia ou artiguete que saia na tal secção, ou mesmo sem propósito algum,

logo surge numas das primeiras columnas da primeira página do próprio jornal que publicou

o artiguete ou a notícia, extenso e massudo artigo, firmado por um Perillo Gomes, ou outro

qualquer adepto da tyrania catholica, desancando o Espiritismo, vituperando os espíritas. Não

há, está claro, como censurar por isso o jornal, que assim dá testemunho do seu respeito á

liberdade de pensamento e ás opiniões dos seus collaboradores. Se, entretanto, acontece, que

um espírita, ainda illudido com a sinceridade da maioria dos homens, sae de seus cuidados,

escreve um artigo pequeno, ponderado e respeitoso, rebatendo a objurgatória, e o leva a

respectiva redacção, para ser publicado na secção espírita que o jornal mantem,

invariavelmente passará pela decepção de reconhecer que perdeu seu tempo. Do seu escripto,

nenhuma linha será publicada. O respeito á liberdade de pensamento e ás opiniões dos

collaboradores, em matéria de crenças, só se observa com relação aos que pertencem á

clientela mais numerosa, ou tida por mais numerosa. 147

Assim, para ele, não adiantaria muito dispor de uma coluna espírita nos jornais diários,

já que estes seriam parciais, tendendo para o Catolicismo, religião da maioria da população.

Recordam-se da moderação proposta pelos espíritas que escreviam na Gazeta de Notícias?

Quantas respostas a ataques sofridos pela imprensa devem ter sido caladas assim? Se sofriam

alguma contestação, não poderiam responder, abrindo o debate, porque se o fizessem, corriam

o risco de frustrarem-se ao não verem seus artigos publicados. As respostas dos adversários

do Espiritismo, se católicos, teriam espaço privilegiado nos jornais, ficariam na parte mais

nobre de suas páginas. A liberdade de pensamento seria, portanto, apenas formal. O autor

mencionado por Marcos D‟Avila – Perillo Gomes – era um escritor católico. No final de

1924, vi alguns artigos seus no canto superior esquerdo da página dois de Gazeta de Notícias.

Recordo-me de ter lido algo parecido com essa situação, só que escrito pelo articulista do

Correio da Manhã chamado Gondin da Fonseca. No dia de finados do ano de 1937, dizia que

os católicos reservaram esta data a comemoração dos mortos.

Os espíritas não tem dia certo: incomodam-nos todos os dias, chamando-os do astral sem

cerimonias – quase sempre a horas inconvenientes da noite, - não para lhes render homenagem

mas para os encarregar de missões difíceis e variadas. (...) Aqui pela Avenida Gomes Freire e

adjacências tenho ido a várias sessões. Do que nellas até hoje presenciei conclui que

effectivamente há espíritas, mas não espíritos. Essa crença em almas do outro mundo, comum

em Londres, no Rio, em Paris e no interior da África, parece-me apenas fructo do medo e da

ignorância dos homens. 148

Quando li o artigo esperava encontrar uma resposta de Frederico Fígner, afinal, o autor

praticamente afirmou que não havia Espíritos e que a crença não teria fundamento lógico, se

daria apenas em função das fragilidades humanas. A fé inabalável dos espíritas, pronta a

147

D‟AVILA. Marcos. “Discreteando”. Reformador, op. cit., p. 34. Grifos meus. 148

FONSECA, Gondin. “Almas do outro mundo”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 2 de Novembro de 1937,

p. 2. Grifos meus.

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151

encarar a razão em todas as épocas da Humanidade, foi confrontada por Gondin da

Fonseca149

. Procurei, então, a resposta do espírita da FEB e não a encontrei. O artigo seguinte

dele, quatro dias depois na coluna “„Correio‟ Espírita” do Correio da Manhã, que não era de

sua responsabilidade, falava da felicidade. O que teria passado? Por que não o respondera, já

que tinha, por costume, envolver-se em polêmicas? Gondin da Fonseca, pelo que pude notar,

escrevia assiduamente no Correio da Manhã. As relações de amizade entre Frederico Fígner e

Edmundo Bittencourt não o deixavam a vontade para responder à altura? 150

.

O desconforto de Marcos D‟Avila com a colaboração espírita era tão grande que ele

questiona:

De que serve, com effeito, pretender (que nada mais se pode senão pretender) semear a boa

semente, onde cresce exhuberante o joio que a abafa e a estraga. Que importa mirrem ou

desappareçam as taes “secções espíritas” dos jornaes? Porventura precisou dellas o

Espiritismo para attingir o ponto a que chegou? E esse ponto não alcançou elle triunphando da

furiosa guerra que lhe movia, precisamente, a imprensa de toda parte.151

Difícil quantificar o quanto a Doutrina Espírita dependeu dos jornais para disseminar-

se, para ser um pouco mais conhecida do que o seria sem eles. Se parte da imprensa moveu

guerras contra, foi parcial na apreciação dos fatos, há de se convir que a publicação de artigos,

em colunas dos jornais diários potencializou a propaganda, divulgou atividades e instituições.

Que o autor do artigo, ligado à FEB, desgoste da imprensa porque certos articulistas espíritas

cometem erros doutrinários, como apontou acima, ou porque os donos de jornais são

empresários interessados no lucro e, por isso são parciais, vá lá! Mas dizer que não importa

que as secções desapareçam? O autor faz parecer que a presença de espíritas na imprensa seria

um esforço inútil, que não geraria benefícios para a causa. Para ele, os espíritas teriam

atingido o patamar onde se encontravam no momento apesar dos esforços contrários da

própria imprensa. Aliás, os espíritas da FEB – grupo de Marcos D‟Avila – lamentaram-se

quando não conseguiram tocar a coluna que ganharam no Correio da Manhã em 1917 e, anos

depois, em 1930, quando consideraram a possibilidade de pagar para conseguir espaço em um

jornal de grande circulação.

149

“Fé inabalável só o é a que pode encarar de frente a razão, em todas as épocas da Humanidade”. KARDEC,

Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, op. cit., p. 369. 150

Segundo a historiadora Carla Luciana Silva, Gondim da Fonseca teria sido jornalista contratado pelo Correio

da Manhã. Como seu nome não é comum, acredito que seja o autor do livro “Biografia do jornalismo carioca”,

conforme indicação da historiadora Laura Antunes Maciel. SILVA, Carla Luciana. Onda vermelha: imaginários

anticomunistas brasileiros (1931 – 1934). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, nota 45, p. 189. Disponível em:

http://books.google.com.br/books?id=DAFuod3wqlAC&pg=PA189&lpg=PA189&dq=gondin+da+fonseca+corr

eio+da+manh%C3%A3&source=bl&ots=kz7qc4hQWO&sig=QKgd3Ymk49vbYUexCOICsA1tiRQ&hl=pt-

BR&sa=X&ei=YUaCUqi5IsfxkQf6kYDwDQ&ved=0CEkQ6AEwBQ#v=onepage&q=gondin%20da%20fonsec

a%20correio%20da%20manh%C3%A3&f=false Último acesso em 12 de Novembro de 2013. 151

D‟AVILA. Marcos. “Discreteando”. Reformador,op. cit., p. 35. Grifos meus.

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152

Dessa forma, os espíritas ligados à FEB entendiam que alguns jornais – aqueles que

não possuíam colunas espíritas (Jornal do Brasil, O Globo, A Noite e o Diário da Noite) –

ofereciam muito espaço para os adversários do Espiritismo, predominantemente os católicos,

e ao fazer a denúncia do tratamento desigual que recebiam deles estavam pleiteando

oportunidades de ocuparem suas páginas também. O Diário da Noite abriria suas páginas, até,

para os “macumbeiros”, mas para os espíritas não! Além disso, ao destacarem a preferência

destes periódicos pelo Catolicismo procuravam deslegitimar as críticas que pudessem sofrer

através deles. Compreendiam, também, que quando obtinham o espaço que desejavam nos

jornais, não era na mesma proporção que o oferecido à religião hegemônica.

Os espíritas da FEB demonstraram desconforto com uma das preferências dos jornais

diários. Em 16 de Maio de 1937, Reformador, em seu editorial, critica a imprensa que dá

grande destaque a crimes e a suicídios.

O facto, porém, é que, de dia para dia, cresce, avulta o número dos crimes e suicídios trazidos

a público pelas colunas da imprensa diária, com um luxo de pormenores, uma abundância de

episódios romantizados e uma multiplicidade de imagens fotográficas, que induzem a crer

sejam esses os assuntos sobre os quais corre com maior deleite e encantamento a pena dos

noticiaristas incumbidos pelas emprezas jornalísticas de os divulgar.Não se apercebem, nem

estas, nem aqueles, que nessa maneira de lhes dar publicidade reside um dos principais

fatores, entre os vários que para tal efeito concorrem, da elevação constante da cifra com que,

na estatística das ocurrências mais desastrosas e deprimentes, figuram os suicídios, que são os

que principalmente nos levam a escrever estas linhas. 152

A imprensa noticiaria, com requinte de detalhes, suicídios e crimes, como se esses

fossem o assunto da predileção dos jornalistas que os deviam divulgar. Com isso, na leitura

dos espíritas da FEB, acabariam estimulando, ainda mais, o número de pessoas que fariam a

opção pelo suicídio, diante das dificuldades da vida. Seria como apresentar-lhes uma porta

que desse num precipício e que fosse cada vez mais usada à medida que apontada pelos

jornais diários. O que sustentaria essa tese?

(...) temo-la na circunstância, que a mesma imprensa nos deu a conhecer, de uns suicidas

imitarem a outros, reproduzindo o cenário, as atitudes, os gestos de alguns dos que os

precederam na transposição da funestíssima porta que se abre para o mais tétrico dos

abismos, e servindo-se de arma idêntica, ou dos mesmos tóxicos com que aqueles outros

puseram termo a existência. 153

Na imitação das circunstâncias da morte pelos suicidas, reproduzidas nos jornais,

estaria a chave do problema para os espíritas. Os jornais desceriam às minúcias na descrição

dos eventos que culminaram nos suicídios que noticiam. Isso aparelharia as pessoas

desesperadas ou desequilibradas que teriam desejo de por termo a vida sem saber como. No

editorial do Reformador, o autor argumenta que a imprensa justifica suas posições alegando

que atenderia às preferências dos seus leitores. No entanto, ao dizerem isso comprometeriam

152

“Os suicídios e a imprensa”. Reformador. Rio de Janeiro, 16 de Maio de 1937, p. 201. Grifos meus. 153

Idem. Grifos meus.

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153

“o postulado que vivem a proclamar, em defesa dos direitos e liberdades da imprensa, e que,

si exprimisse uma realidade, seria de altíssimo alcance: o de ser ela a orientadora da opinião

pública e, mais ainda, a educadora do povo” 154

. Ainda uma vez, enxergam no papel da

imprensa potencialidades não exploradas com plenitude: formadora de opinião e educadora do

povo, capaz de criar hábitos, apontar condutas, sugerir caminhos, daí o investimento que

faziam nela. Porém, assinalam que estavam cientes de que a orientação jornalística para casos

dessa natureza seriam pautados pelos gostos e pendores do público leitor. E não deixam, na

oportunidade, de rotular essa imprensa que privilegiaria a divulgação de suicídios com

requintes de detalhes.

(...) os órgãos de publicidade que costumam extremar-se mais nas minuciosidades com que

deslindam os suicídios que se verificam, revolvendo nas chagas a arma com que eles, quasi

sempre, ferem corações transbordantes de afetos pelos tresloucados, são precisamente os que

mais lôas entôam e mais ardorosamente defendem, sustentam e prestigiam a religião que

dizem ser a da maioria dos Brasileiros. E essa religião emudece diante da calamidade, em

nada se esforça para conter os excessos desses seus sustentadores entusiásticos, na utilização

de normas jornalísticas em todos os sentidos, demonstrando mais uma vez, com essa atitude de

indiferença, ser incontestável que também no seu seio, deserto de todo sentimento de

verdadeira religiosidade, só imperam o materialismo e o utilitarismo. 155

Os jornais que ofereceriam mais espaço a esse tipo de noticiário seriam simpáticos ao

Catolicismo. Se eles proclamavam sua adesão a essa religião, como não serem a favor da

vida? Por que não esforçarem-se por sua preservação? Por que davam tanto espaço para a

divulgação de episódios dolorosos? Os espíritas da FEB dão a entender que os jornais

publicariam esse tipo de noticiário porque processariam suas atividades dentro das correntes

utilitaristas, ditadas pelo egoísmo. Além disso, concorreria para fomentar esse utilitarismo a

predominância do materialismo, que retiraria das pessoas a sensibilidade e faria com que

apenas conduzissem a vida como um cálculo de interesses que não levaria em conta o mal que

eventualmente praticassem. Alegando estar atendendo a seus leitores, abririam suas páginas

para essas notícias. E os espíritas aproveitam o golpe desferido na imprensa que criticavam

para atingir os próprios católicos, que emudeceriam diante das más escolhas dos jornais que

os ajudavam. Assim, tanto no seio do Catolicismo quanto no dos jornais que com ele

alinhavam-se e que faziam uma excessiva exposição dos casos de suicídios em suas páginas,

imperariam o materialismo e o utilitarismo nocivos à coletividade.

A discussão que os espíritas da FEB trouxeram às páginas do Reformador quanto ao

fato da imprensa estimular os suicídios em razão de sua divulgação de casos dessa natureza

não era uma reflexão exclusiva deles e muito menos nova na década de 1930. O historiador

154

Idem. 155

Idem, p. 202. Grifos meus.

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154

Fábio Henrique Lopes afirma que no século XIX esse tema já estava na pauta das discussões

de médicos. Comentando o livro “Considerações sobre o autocídio” do médico

FlorivalSeraine, aponta que nas primeiras décadas do século XX ainda supunha-se que a ideia

do suicídio poderia ser contagiosa e que a imprensa seria responsabilizada como estimuladora

de suicídios, não só no Brasil.

Seraine desenvolveu toda uma crítica, dirigida principalmente à imprensa, apontando que, ao

lado de altas e nobres funções que exercesse no meio social como veículo ideológico, ela

revelava defeitos que a transformavam, às vezes, em fator “nocivo à coletividade”. Ele referia-

se, em particular, aos lamentáveis efeitos da publicidade, motivados pelo contágio mental do

suicídio. Criticava o fato de os jornais tornarem pública a tragédia, relatando os menores gestos

e as mínimas preocupações do suicida, o que, segundo sua concepção, poderia sugestionar um

grande número de pessoas. Essa tendência de responsabilizar a imprensa como agente de

contágio do suicídio já era comum na França quando começou a se propagar no Brasil. 156

Interessante notar que os espíritas estavam participando e concordando com uma

discussão médica que não era nova e nem originalmente brasileira, uma vez que atravessou do

século XIX ao XX, além de cruzar o oceano Atlântico. Além disso, seu ponto de vista com

relação às expectativas positivas quanto às atividades da imprensa no meio social eram bem

parecidas com a opinião manifestada pelo médico citado por Fábio Henrique Lopes.

Em 16 de Março de 1937, Carlos Imbassahy, escreve, no Reformador, a respeito de

uma série de artigos que vinham sendo publicados pelo médico Pinto de Carvalho157

sobre

assuntos psíquicos num jornal de Salvador. Nessa oportunidade, tece algumas reflexões a

respeito da participação de espíritas nos jornais diários. Segundo ele,

Aqui no Rio, alguns periódicos abriram suas colunas ao Espiritismo. Em regra, limitam-se elas

a um noticiário curto e pouco interessante. Nalguns jornais, quasi não vale a pena escrever, e

daí, provavelmente, a ausência de bons colaboradores. É que as colunas que nos oferecem

ficam nas páginas dos anúncios e os artigos saem impressos no menor tipo que existe na

oficina. Em outros, ninguém se dá ao trabalho da revisão e os escritos sobre o Espiritismo

156

LOPES, Fábio Henrique. “O suicídio como perigo social e urbano. As teses médicas brasileiras”. Revista do

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, Janeiro/Março de 2008, p. 101. Disponível

em:http://www.ihgb.org.br/rihgb/rihgb2008numero0438.pdfÚltimo acesso em 1º de Maio de 2014. Grifos meus.

Sobre Florival Seraine, ver: ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO E INSTITUTO FUNDAMENTAL. Quem é

Florival Alves Seraine?. Disponível em: http://florivalalves.blogspot.com.br/2011/05/quem-e-florival-alves-

seraine.htmlÚltimo acesso em 23 de Abril de 2014. Ainda hoje a divulgação dos casos de suicídio geram

polêmicas no âmbito dos órgãos de imprensa e essa discussão interna é influenciada ou pautada pela atuação e

reflexões oriundas da Medicina. Segundo Carolina Pompeo Grado, a Organização Mundial de Saúde (OMS)

“lançou em 2000, através de um programa de prevenção do suicídio, o Supre, uma série de manuais (...) dentre

eles está o „Manual para profissionais da mídia‟”. De acordo com o manual, “devem ser evitadas descrições

detalhadas do método usado e de como ele foi obtido. As pesquisas mostraram que a cobertura dos suicídios

pelos meios de comunicação tem impacto maior nos métodos de suicídios usados do que na frequência de

suicídios. Alguns locais – pontes, penhascos, estradas de ferro, edifícios altos, etc. – tradicionalmente associam-

se com suicídios. Publicidade adicional acerca destes locais pode fazer com que mais pessoas os procurem com

esta finalidade”. GRADO, Carolina Pompeo. O suicídio na pauta jornalística. Disponível

em:http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/o_suicidio_na_pauta_jornalisticaÚltimo acesso em

23 de Abril de 2014. Agradeço à historiadora Magali Gouveia Engel a indicação sobre essa discussão no campo

da Medicina. 157

“248 - Luiz Pinto de Carvalho”. Disponível em: http://medicosilustresdabahia.blogspot.com.br/2011/02/248-

luiz-pinto-de-carvalho.html Último acesso em 13 de Dezembro de 2013.

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155

saem tão deformados e incompreensíveis, que mais valia não se haver escrito nada. Como quer

que seja, a matéria é sempre tratada por espírita militantes e, por consequência, tida como

suspeita, tornando-se, além de suspeita, pouco atraente, si é firmada por um nome apagado

como o nosso. 158

Ao que parece, Carlos Imbassahy considerava que os espíritas aproveitavam mal o

espaço que dispunham nas páginas dos jornais diários. O noticiário que muitas vezes traziam

era o das atividades das instituições espíritas da cidade. Os responsáveis pelas colunas

demandavam isso dos espíritas. Abriam-lhes a possibilidade de terem seus eventos

doutrinários anunciados ali, como demonstramos acima. Poderia ser pouco interessante para

um espírita com alguns anos de militância doutrinária, conhecedor dos princípios

fundamentais do Espiritismo, mas o seria para os iniciantes na doutrina? E aqueles que

gostariam de conhecer, mas não sabiam onde encontrar uma instituição? Poderiam, muito

bem, localizar alguma que fosse próxima de sua residência ou trabalho, a partir desse

noticiário de atividades. Por fim, a divulgação de atividades nas páginas de um jornal diário

seria útil para algum Centro Espírita que não tivesse periódico, como o Grupo de Caridade

Deus, Luz e Amor, então em Santa Tereza, que desejava dar “ampla publicidade aos atos do

Grupo, pelos jornais desta capital que mantém colunas destinadas à nossa doutrina” 159

.

Carlos Imbassahy critica, ainda, o espaço que os espíritas recebiam nos jornais.

Seriam, a seu ver, mal localizados – na página dos anúncios – e em letras pequenas, difíceis

de ler. Sua crítica tem cabimento. A primeira coluna da FEB no Correio da Manhã, publicada

em 28 de Novembro de 1917, ficava na página quatro, no canto superior direito da página. Era

a última página com notícias, muitas delas pequenas notas. Saiu com certo destaque, ainda

que entre as últimas. A do dia seguinte já estava no meio da página quatro, a primeira com

anúncios. E essa passou a ser a tônica. Ora no meio de anúncios, ora no meio de notícias

curtas. “Questões espíritas”, coluna de curta duração de Vianna de Carvalho no mesmo jornal,

quando começou, em 24 de Novembro de 1912, situava-se no canto superior esquerdo da

página dois, com destaque. Em 7 de Janeiro de 1914, quando se publicou a última, o canto

inferior da página dois era ocupado pela relação de missas do dia. Foi publicada na página

quatro, a que iniciava os anúncios. No que respeita ao tamanho das letras, que eram pequenas,

seguia o tamanho padrão dos demais textos do jornal, o que demandaria um esforço maior dos

seus leitores e, muito provavelmente, deveria cansar ou causar dificuldades àqueles não

158

IMBASSAHY, Carlos. “Com licença”. Reformador. Rio de Janeiro, 16 de Março de 1937, p. 114. Grifos

meus. 159

GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR. Ata de Reunião de Diretoria. Rio de Janeiro, 17 de

Novembro de 1938, p. 7.

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156

habituados a leituras160

. Esses dois exemplos dão a tônica de como os espíritas figuraram nas

páginas do Correio da Manhã. Uma alternância entre momentos de relativo destaque,

geralmente no início da participação, e outros com menos evidência.

No Diário Carioca, o espaço reservado aos espíritas em Fevereiro de 1930 era na

mesma página que o dos católicos, na metade final do jornal, nas colunas sociais. Termina

minúscula, em Agosto de 1937, “perdida” ao final da página quinze, de noticiário. A coluna

“Gazeta Psychica”, do Gazeta de Notícias, começa no centro da página quatro, em meio ao

noticiário, em 8 de Março de 1920. Há momentos em que a participação dos espíritas neste

jornal é maior, onde a coluna é mais intensa, trazendo mais conteúdo. Em Janeiro de 1929,

por exemplo, a coluna, agora chamada “Espiritismo” e dentro de “Vários Cultos”, está maior,

mas ainda pelas páginas finais do jornal. “Tribuna Espírita”, coluna do Diário de Notícias, de

20 de Janeiro de 1932, começa no alto da página onze, no final do jornal. Seis dias depois,

está entre a coluna social e o noticiário sobre teatro. “Assumptos Psychicos”, também neste

jornal, situava-se no final do primeiro suplemento, destinado a artes, letras e variedades.

“Registro Espírita”, de A Batalha, também figura na página das colunas sociais. Os espíritas

desejavam ocupar as páginas dos jornais diários, mas gostariam de ter maior destaque.

Quanto à revisão dos textos publicados nestas colunas espíritas, que, de acordo com

Carlos Imbassahy, saiam com problemas que os tornavam quase ininteligíveis, quem a

poderia fazer? Os próprios funcionários do jornal, revisores de texto, a fim de verificar erros

gramaticais e de concordância? Ou alguém que detivesse conhecimento doutrinário, para

analisar o conteúdo e sua ordenação? Será que ele sugere que os responsáveis pelas colunas

espíritas – espíritas também – não faziam essa revisão por falta de capacidade para tanto,

acabando, por fim, reproduzir ideias confusas ou errôneas?

E qual o problema da matéria tratada nas colunas espíritas serem assinadas por adeptos

do Espiritismo? Quantas vezes o próprio Carlos Imbassahy escreveu artigos para jornais? Não

acreditava na eficácia dos seus confrades na imprensa? Então, por que ele mesmo escrevia?

Os espíritas da FEB reclamaram, como vimos acima, que as colunas ficavam nas mãos de

pessoas despreparadas para tanto, sem conhecimentos doutrinários necessários à condução da

160

“O primeiro nível no qual é possível encontrar marcas que remetem ao universo cultural do popular é o da

organização material do texto: os dispositivos de composição tipográfica. A esse respeito, a primeira tipologia

que encontramos é a de letra grande, clara e espacejada, isto é, aquela que corresponde a “leitores para os

quais a leitura supõe um esforço, uma tensão maior do que para outros leitores mais experientes, e que

encontram nos brancos do texto algum descanso, momentâneo mais confortável para a vista [...], sendo leitores

que não desfrutavam de condições de iluminação adequadas (de dia ou de noite), e nestes casos uma tipologia

de corpo generoso ajuda muito”.” MARTIN-BARBERO, Jesus. Dos meios às mediações: comunicação, cultura

e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009, p. 185.

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157

tarefa. O Correio da Manhã, através de Frederico Fígner, procurou a FEB em 1917 para que

esta assumisse, em suas páginas, uma coluna. Cogitaram, mesmo, em 1930, pagar por um

espaço num jornal diário para terem uma coluna, reconhecendo, na ocasião, os limites do seu

órgão oficial, o Reformador. Em Julho de 1936, o jornal de Edmundo Bittencourt ofereceu,

novamente, à FEB, uma coluna, que foi assumida por Luiz Autuori. Será que ele achou isso

tudo negativo? Para a FEB, escrever sobre Espiritismo devia ser tarefa daquele que tivesse

conhecimento doutrinário para tanto. Para Carlos Imbassahy, naquele momento, isso parecia

ser negativo, porque aos olhos do público poderia parecer falta de isenção, afinal, seria

razoável supor que os espíritas defenderiam o ponto de vista da Doutrina Espírita. Parece que

considerava importante alguma legitimidade externa aos quadros espíritas. O médico Pinto de

Carvalho, escrevendo da Bahia, sem ser militante espírita, porém demonstrando

conhecimentos a respeito da sobrevivência da alma ao fenômeno da morte, endossaria o

discurso dos espíritas, daí o entusiasmo do espírita da FEB. Por fim, os espíritas,

compreendiam a Doutrina Espírita também como ciência. Allan Kardec, na introdução de “O

Livro dos Espíritos” diz que “a ciência espírita compreende duas partes: experimental uma,

relativa às manifestações em geral; filosófica outra, relativa às manifestações inteligentes”

161. Em “O que é o Espiritismo”, também de sua autoria, diz que “o Espiritismo é uma ciência

que trata da natureza, da origem e do destino dos espíritos, e das suas relações com o mundo

corporal” 162

. Era bastante comum ver artigos de espíritas citando cientistas e estudiosos

161

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, op. cit., p. 46. 162

KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. Rio de Janeiro: CELD, 2008, p. 10. Disponível em:

http://www.celd.org.br/downloads/livros/o_que_e_o_espiritismo.pdf Último acesso em 14 de Novembro de

2013.As ideias do Positivismo do filósofo francês Auguste Comte podem ter facilitado, para alguns, a aceitação

do Espiritismo no Brasil. Allan Kardec, em “O Que é o Espiritismo” diz que “é precisamente o positivismo do

século que nos faz adotar o Espiritismo, e que é a ele que se deve em parte a sua rápida propagação, e não,

como pretendem alguns, a uma recrudescência do amor ao maravilhoso e ao sobrenatural”. Entretanto, o

Espiritismo iria além. “O sobrenatural é o que está fora das leis da Natureza. O Positivismo não admite nada

fora dessas leis, mas ele conhece todas elas? Em todos os tempos, os fenômenos cuja causa era desconhecida

foram considerados sobrenaturais; cada nova lei descoberta pela Ciência tem recuado os limites do

sobrenatural. Pois bem, o Espiritismo vem revelar uma lei segundo a qual a conversação com o espírito de um

morto está baseada numa lei tão natural quanto a conversação que a eletricidade permite estabelecer entre

duas pessoas que se encontram a quinhentas léguas de distância uma da outra, o mesmo ocorrendo com todos

os outros fenômenos espíritas”. Tanto o Espiritismo quanto o Positivismo apoiam-se numa perspectiva de

progresso, além de buscarem o entendimento das leis que regem a vida. O método de Kardec para lidar com a

fenomenologia espírita também se aproxima de Comte ao basear-se na observação. Para Comte, no entanto, seria

impossível remontar às causas dos fenômenos, formulando assim um entendimento pleno a respeito deles. O

indivíduo deveria “preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado do raciocínio e da

observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e similitude”. Kardec, por sua vez,

na Revista Espírita de Dezembro de 1864, julgava poder chegar mais longe. “Proceder com análise, estabelecer

fatos para remontar às causas, proclamar o elemento espiritual, depois da constatação, tal é a sua maneira de

agir, clara e sem rodeios; é a linha reta, a que deve ser o guia de todo espírita convicto”. KARDEC, Allan. O

que é o Espiritismo, op. cit., p. 27. COMTE, Auguste. “Curso de Filosofia Positiva. II - Lei dos três estados:

teológico, metafísico, positivo; características de cada um desses estados”. In: Comte. Os Pensadores. São Paulo:

Abril Cultural, 1978, p. 36 e 37. Disponível

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158

europeus que concordassem com suas opiniões. S. Figueiredo Leite, no Reformador de 16 de

Julho de 1931, ao responder a um artigo de O Globo onde o jornal, segundo ele, esposaria as

ideias do médico Xavier de Oliveira, expostas no livro “O Espiritismo e a Loucura”, onde a

Doutrina Espírita seria a causa de vários desequilíbrios mentais, menciona alguns destes que

teriam argumentado a favor das teses espíritas.

Iríamos muito longe se transcrevêssemos, embora em resumo, as opiniões de todos, e, por isso,

nos limitaremos a citar alguns nomes, cujas obras existem nas livrarias e bibliothecas para

quem quiser compulsa-las: W. Crookes, Conan Doyle, Harvy Price, Zoelner, Hyslop, Richet,

Geley, Wallace, V. Sardou, Elliot, F. Myers, Flammarion, Gregory, Oxon, Jose Lapponi,

médico do Papa Leão XIII. 163

Os espíritas que ocupavam as páginas da imprensa doutrinária também se

incomodavam com o noticiário que associaria a prática de crimes ou suicídios ao Espiritismo.

Além disso, nestas ocasiões, vinculavam as práticas espíritas às das religiões afro-brasileiras.

Ainda uma vez fora O Globo a participar do ocorrido. Mundo Espírita de 2 de Fevereiro de

1946, assim apresenta a ocorrência:

Noticiou a imprensa, com retumbância e não menor escândalo, a morte de uma infeliz criatura

levada ao suicídio dentro de um “Centro Espírita” sugestionada pelo presidente do referido

“Centro” onde se praticavam exóticas demonstrações espíritas sob impressionante ritual e

estranhas formalidades. (...) Quem leu os diversos órgãos da nossa imprensa que tornaram

público a lamentável ocorrência, e desconhece o que seja o Espiritismo, tem o direito de supor

que ele é pernicioso, amoral, contrário à razão e aos bons costumes, um caso de polícia,

enfim, pelo que deve ser proibida a sua prática. Para que assim não julguem os que

Espiritismo não conhecem, aqui deixamos o nosso veemente protesto no tocante a

classificação dada pela nossa imprensa leiga ao ambiente onde se reúnem alguns adeptos das

chamadas “Linhas de Terreiro” onde alguns espíritos podem baixar em ambientes preparados

com fumaça, canto e o apreciado parati. O que se pratica entre ambientes tais, não é

Espiritismo. O lugar onde esse ambiente se estabelece, não é um “Centro Espírita”. 164

A instituição chamava-se “Centro Espírita Coração de Jesus”, então localizada na

Praça Tiradentes nº. 75, sobrado. Tem a designação “espírita” no seu nome. Duas

possibilidades existem: a de que o responsável pela notícia não tivesse conhecimento

doutrinário para distinguir o que seria ou não Espiritismo e tivesse feito a confusão, afinal, o

Centro apresentava-se como “espírita”. Ou fez isso com a intenção real de associar a Doutrina

Espírita aos cultos afro-brasileiros. Os espíritas que participavam da imprensa já vinham

queixando-se do tratamento que recebiam de O Globo. É possível, então, que tenha sido

intencional, porque além da associação que foi criticada pelos espíritas, queixam-se, também,

do destaque negativo que empregaram ao noticiar o ocorrido. Além disso, aquela associação

em:http://cesarmangolin.files.wordpress.com/2010/02/colecao_os_pensadores_auguste_comte_-

_obra_e_vida.pdfÚltimo acesso em 19 de Abril de 2014. KARDEC, Allan. “O Sr. Jobard e os Médiuns

Mercenários”. Revista Espírita. Paris, Dezembro de 1864, p. 497. Disponível

em:http://www.febnet.org.br/ba/file/Downlivros/revistaespirita/Revista1864.pdfÚltimo acesso em 19 de Abril de

2014. 163

LEITE. S. Figueiredo. “Por que augmenta entre nós a loucura?”. Reformador. Rio de Janeiro, 16 de Julho de

1931, p. 385. 164

“Nosso protesto”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 2 de Fevereiro de 1946, capa.

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159

(entre Espiritismo e cultos afro-brasileiros), somada a um caso doloroso, levaria aos que não

conhecessem o Espiritismo uma ideia errada dele, a de que a doutrina seria socialmente

nociva. E os espíritas não queriam atrair problemas com a Polícia, como ocorrera poucos anos

antes com fechamento de instituições por questões de exigências policiais165

.

Mundo Espírita faz questão de pontuar, para um público leigo, o que não seria o

Espiritismo. Nele não haveria necessidade de uso de fumaças, cantos e bebidas alcoólicas,

como a dizer a seus leitores que onde houvesse esses elementos, não haveria Espiritismo,

ainda que espíritos aí se manifestassem. Foge as pretensões deste estudo, mas há que se

refletir se muitos Centros das religiões afro-brasileiras se intitulam espíritas. O jornalista Leal

de Souza, como vimos, considerava que existia relações entre eles. E nos estudos históricos,

onde, muitas vezes, apenas dispomos de poucas informações dos Centros, como saber de suas

práticas, para classificá-las? E mais! Não conta a definição que davam, de si mesmos, os

praticantes das religiões afro-brasileiras? A autodefinição, para mim, é sintomática de que, a

despeito de eventualmente não serem os espíritas dos sonhos dos homens da FEB ou da Liga

Espírita do Brasil, se sentiam mais ligados ao Espiritismo que ao Catolicismo, à Umbanda ou

ao Candomblé. Deveriam reunir, em suas práticas, quem sabe, elementos relacionados ao

Espiritismo – leitura de algum livro espírita ou mesmo a manifestação de espíritos – com

práticas ligadas a outras crenças religiosas, mas não deixavam de sentirem-se espíritas. É

possível, também, que alguns umbandistas buscassem aproximar-se do Espiritismo a fim de

descolarem sua imagem do Candomblé, para não serem confundidos com adeptos deste

segmento das religiões afro-brasileiras.Leopoldo Machado negava a proximidade do

Espiritismo com os cultos afro-brasileiros. Comentando o artigo 157 do Código Penal de 1890

diz que ele

Não póde se referir ao Espiritismo (...) mas ao baixo espiritismo ou a macumba, que nada tem

a ver com o Espiritismo puro. Que nada aquele artigo tem a ver conosco, de vez que a

macumba serve-se de imagens e santos; de incensórios e de aspersão de água benta; de rosários

e amuletos; de velas acesas e promessas aos santos; de preces cantadas e amuletos, além de ser

ela, a macumba, procurada somente por gente católica. E os pais de santo, como os sacerdotes

católicos, se fazem pagar dos serviços espirituais que prestam. E no Espiritismo, dá-se de graça

o que de graça se recebe; não há nenhuma das bugingangas acima... Poderá dizer o mesmo a

Igreja Católica Apostólica Romana? 166

Para afastá-los do Espiritismo, aproxima-os do Catolicismo, buscando as semelhanças

rituais oriundas das apropriações realizadas pelos cultos afro-brasileiros. Mas ao considerar a

existência de um “Espiritismo puro”, pode fazer supor que existisse um “Espiritismo impuro”,

165

Ver OLIVEIRA, Marco Aurélio Gomes. “Livres”, porém perseguidos, op. cit., capítulo 2. 166

MACHADO, Leopoldo. Sensacional Polêmica: da tribuna para a imprensa, do jornal para o livro. Rio de

Janeiro. Não consta editora. p. 62.

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160

que poderia ser, muito bem, aquele que criticou. Além disso, segundo ele, seriam os católicos

o público preferencial destes segmentos religiosos, muito provavelmente pelas semelhanças

rituais e de ornamentos. Por fim, ainda menciona o fato de que pais de santo e padres

recebiam pelas tarefas realizadas. Aproveitando o ensejo, afirma que no Espiritismo não

haveria nada dos apetrechos que seriam comuns nas macumbas, além de não cobrarem o que

realizavam nos Centros Espíritas. Para ele, a semelhança seria tanta que a macumba seria

“baixo-catolicismo e não baixo-espiritismo”167

. A primeira reflexão, escrita em 1936, no

calor de uma polêmica com um sacerdote católico que comentarei adiante, devia ser, por ele e

por outros, disseminadas nas atividades doutrinárias e públicas, em instituições espíritas e

artigos para a imprensa leiga ou espírita. No entanto, essa circulação de ideias não teria

bastado para impedir que em 1939 fosse fundada, segundo os espíritas da FEB, a Federação

Espírita Brasileira Linha de Umbanda. Em Outubro de 1939, através do Reformador,

defendem que a semelhança dos nomes seria causa de inconvenientes para a FEB. Porque o

nome da entidade federativa de Umbanda era grande, achavam que muitos iriam referir-se a

ela como “Federação Espírita”, o que poderia fazer com que a confundissem com a dos

espíritas. Assim, tomaram a liberdade de oferecer aos umbandistas uma sugestão.

Não nos sendo, porém, licito admitir que os confrades que crearam essa entidade hajam

propositadamente querido estabelecer uma confusão qualquer, tomamos a liberdade de lhes

indicar, caso façam questão absoluta da palavra “Federação”, o nome – Federação Linha de

Ubanda, cuja curteza o torna muito preferível ao outro e no qual nem o adjetivo “espírita” se

167

MACHADO, Leopoldo. Pigmeus contra gigantes, op. cit., p. 42.Os espíritas com responsabilidades

doutrinárias em federativas e/ou na imprensa espírita atormentavam-se com essas “confusões”, de pessoas

autodeclaradas espíritas ou não, entre o Espiritismo e as religiões afro-brasileiras, mais especificamente à

Umbanda. Eles investem na produção de diversos artigos e encontros com dirigentes de Centros Espíritas onde

tentam demonstrar que não existem relações entre eles. Leopoldo Machado, para evitar essa associação, usou a

estratégia de buscar semelhanças entre as religiões de matrizes africanas e o Catolicismo. Penso que, como hoje,

a maioria das pessoas não vivenciava as religiões da maneira ortodoxa que alguns propagandistas esperavam,

independente do credo. De acordo com o historiador Marcelo Camurça, o Catolicismo popular se caracterizaria

pela devoção à figura dos Santos que deveriam velar por todos os aspectos da vida do crente. As historiadoras

Maria da Conceição Silva e Allyne Chaveiro Farinha falam das benzedeiras, que tomariam para si uma prática

dos padres “com o objetivo de curar alguém de algum mal ou doença”. Seria um exercício religioso voltado

para questões mais próximas ao dia a dia do adepto, o que também deve desagradar os católicos mais ortodoxos.

Em tempos onde a população carente tinha dificuldade de obter tratamentos de saúde – porque os particulares

deviam ser caros e os públicos insuficientes –, curandeiros, benzedeiras e médiuns receitistas foram alternativas

possíveis para esse segmento da população. As receitas e os passes (transmissão de energias através das mãos

combinada com a prece) costumavam ser gratuitos nos Centros Espíritas que acabavam, também, tendo que

cuidar dos corpos para cativar e curar as almas dos encarnados que os procuravam. Estar ambientado com as

vivências do Catolicismo popular no que respeita às curas deve ter facilitado a muitos a aceitação do Espiritismo

ou, quando muito, a que recorressem a ele quando em necessidade. CAMURÇA, Marcelo. Panorama religioso

do Catolicismo e do Protestantismo no Brasil. Disponível em:http://www.clfc.puc-rio.br/pdf/fc14.pdfÚltimo

acesso em 21 de Abril de 2014. SILVA, Maria da Conceição; FARINHA, Allyne Chaveiro. As benzedeiras e a

renovação carismática católica: o surgimento da benzedeira renovada. Disponível

em:http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pdf12/04.pdfÚltimo acesso em 21 de Abril de 2014. Sobre os encontros

promovidos pela Liga Espírita do Brasil com dirigentes de Centros Espíritas, a fim de normatizarem as práticas

doutrinárias, ver: “Liga Espírita do Brasil”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Janeiro de 1929, p. 5.

Sobre os passes, ver: MELO, Jacob. O passe: seu estudo, suas técnicas, sua prática. Rio de Janeiro: FEB, 1998.

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faz mister, porquanto a expressão “Linha de Ubanda” não consente dúvida alguma sobre a

natureza, o gênero ou a espécie da Associação que a traga em seu título. 168

Porque, para eles assistia à FEB o direito de usar aquelas três palavras – “Federação”,

“Espírita” e “Brasileira” – tanto por questões de antiguidade, já que era anterior à federativa

dos umbandistas, bem como por consagração do uso, ou seja, já era socialmente conhecida

como tal. Seu nome seria um “patrimônio moral” 169

de sua instituição, o qual, com a escrita

do artigo, reafirmavam. Os espíritas da FEB queriam “vender” o nome “Federação” aos

umbandistas que, ao que parece, queriam comprar, na verdade, o “Espírita”, que àqueles

queriam preservar para si. E o interesse era claro: não serem os espíritas confundidos com os

umbandistas. Vejamos: os jornais noticiam alguma ocorrência ruim que envolva os adeptos

das religiões afro-brasileiras. Acorrem, então, os espíritas a dizer, através dos espaços que

dispõem na imprensa diária ou mesmo em seus periódicos: “Isto não é Espiritismo. Eles não

são espíritas porque usam rituais, incensos, imagens de santos, etc.”, mas daí surge uma

federativa de umbanda que se assume “espírita” ao invés de “católica”. Para desespero dos

espíritas da FEB e aqueles ligados ao Mundo Espírita, os umbandistas se sentem mais

próximos deles que dos católicos. Dois anos depois, em Novembro de 1941, Alfredo

D‟Alcantara, numa conferência sua na FEB que foi transcrita pelo Reformador, demonstra,

ainda, o desconforto com a situação. Ao referir-se a federativa dos umbandistas, questiona:

“Porque espírita? Será que essa entidade coletiva patrocina a apresentação de Umbanda

como modalidade do Espiritismo? Mas, este não tem modalidades! É simplesmente

“Espiritismo” e nada tem de comum com quaisquer seitas religiosas”170

. O Espiritismo seria

único e não poderia ser confundido de maneira alguma. Atualmente, a entidade chama-se

“União Espiritista de Umbanda do Brasil” 171

e, ao que parece, dado que a expressão

“espiritista” que, assim como “espírita”, foi cunhada por Allan Kardec, continua sentindo-se

mais próxima dos espíritas que dos católicos.

A FEB, que se sentiu incomodada com a aproximação dos umbandistas, modificou seu

ponto de vista com relação a eles e aos espíritas que não eram “tão espíritas” assim. Em

Fevereiro de 1945, o Reformador assinala que o movimento de procura de Centros Espíritas

desejosos de se tornarem adesos à FEB havia aumentado nos últimos dois anos. Em tempos

168

“Em resguardo de um patrimônio”. Reformador. Rio de Janeiro, Outubro de 1939, p. 341. Grifos meus. 169

Idem. 170

D‟ALCANTARA, Alfredo. “O que é Umbanda?”. Reformador. Rio de Janeiro, Novembro de 1941, p. 313.

Não obtive informações a respeito do autor. 171

CONGREGAÇÃO ESPÍRITA UMBANDISTA DO BRASIL. União Espiritista de Umbanda do Brasil –

Casa Máter da Umbanda – Pede ajuda. Disponível em: http://www.ceubrio.com.br/textos-e-artigos/34-uniao-

espiritista-de-umbanda-do-brasil-casa-mater-da-umbanda-pede-ajuda Último acesso em 20 de Novembro de

2013.

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de Portarias Policiais que criavam sérios embaraços às atividades dos espíritas, filiar-se à FEB

ou à Liga Espírita do Brasil, que contavam com Assistência Judiciária gratuita para os

espíritas e suas instituições, poderia ser uma garantia de contar com um auxílio precioso

naquele período difícil.Entretanto, dos 168 pedidos de adesão que a FEB recebeu naquele

período (dois anos),

poucos foram, infelizmente, os que conseguira ver aprovados os seus requerimentos, visto que

a maioria não conseguiu preencher as exigências do nosso Regulamento de Adesão, que pede

o cumprimento integral das recomendações que os Espíritos transmitiram a Allan Kardec.172

Dessa forma, muitos Centros que se declaravam espíritas porque se sentiam enquanto

tais, no entendimento da federativa mantinham práticas em desacordo com as recomendações

contidas nas obras de Allan Kardec e, por esta razão, foram impedidos de pertencer aos

quadros da FEB.

A Liga Espírita do Brasil, tida, em suas origens por “eclética” pelos espíritas da FEB

por abrir-se à participação de umbandistas no seu processo formador, durante oCongresso

Constituinte Espírita Nacional de 1926, baixou, em 15 de Fevereiro de 1945, as “Instruções

para a uniformidade da prática espírita”. Os Centros Espíritas a ela filiados teriam um mês

para declararem sua concordância com as instruções.

Naturalmente, as que não tiverem de acordo com as instruções em apreço, serão desagregadas

da Liga, sem quebra, entretanto, do princípio de fraternidade. Deseja a Liga Espírita do Brasil

unicamente “separar o joio do trigo”, evitando que à sombra de sua responsabilidade e sob o

prestígio da doutrina codificada por Allan Kardec se realizem práticas contrárias às normas e

princípios espíritas. Respeitando o livre arbítrio e as preferências de cada um, cabe, todavia, a

esta Liga homogeneizar a prática espírita entre suas agregadas, não permitindo quaisquer

desvirtuamentos, por ignorância dos princípios fundamentais da doutrina.173

Assim, mais uma vez a Liga Espírita do Brasil enfatiza a sua opinião pela necessidade

da uniformização das práticas espíritas, baixando instruções com efeitos de regras que

deveriam ser observadas sob pena de desligamento dos Centros Espíritas que discordassem.

Os diretores da federativa devem ter percebido que, a despeito de alguns Centros Espíritas

estarem filiados, não observavam as práticas doutrinárias de acordo com aquilo que

172

“Movimento da Federação”. Reformador. Rio de Janeiro, Fevereiro de 1945, p. 46. Grifos meus. “Para

tornarem-se instituições adesas aos quadros da FEB, era exigido que tivessem estatutos de conformidade com

os princípios da Doutrina Espírita e que contassem mais de seis meses de funcionamento regular, condição que

poderia ser dispensada, a critério da Federação. Junto ao Requerimento, deveriam enviar um exemplar de seus

estatutos, um do seu regimento interno, caso possuíssem e uma cópia da ata de reunião da assembléia geral dos

sócios da instituição, onde estes deliberem pela adesão à FEB. No Regulamento de Adesão consta, igualmente,

o objetivo de se executarem programas doutrinários uniformes. Isso implicou até na orientação de que, nos

estatutos das instituições interessadas constasse que nos estudos filosóficos promovidos em reuniões públicas,

fosse utilizado O Livro dos Espíritos e, de maneira opcional e complementar, O Céu e o Inferno, ambos de Allan

Kardec. Nos estudos de natureza moral, propunham O Evangelho Segundo o Espiritismo, também de Kardec, ou

Os Quatro Evangelhos, de Roustaing”. OLIVEIRA, Marco Aurélio Gomes. “Livres”, porém perseguidos, op.

cit., p. 35. 173

SOUTO, Aurino. “Instruções para a uniformidade da prática espírita”. Revista Espírita do Brasil. Rio de

Janeiro, Março de 1945, p. 2. Grifos meus.

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esperavam, oferecendo a eles uma nova chance, intimidatória, para enquadrarem-se. Se

desejassem prosseguir com suas práticas estranhas à leitura que os responsáveis pela Liga

Espírita do Brasil faziam do Espiritismo, que o fizessem longe do guarda chuva da federativa.

O investimento na uniformidade de práticas visaria, também, a defesa dos Centros Espíritas

filiados de acusações das autoridades policiais, uma vez que consideravam que ela

“possibilitará a ordem, o progresso e a estabilidade do Espiritismo Kardecista na sua

grandiosa finalidade; Considerando que as presentes diretivas facilitarão, sobremodo, a

missão fiscalizadora da Autoridade Pública (...)”174

. Com a aceitação da uniformidade,

esperavam que o Espiritismo “kardecista” pudesse alcançar pleno desenvolvimento, porque

eliminaria dos Centros Espíritas práticas estranhas à doutrina, fazendo com que as autoridades

que fiscalizavam e reprimiam as atividades dos espíritas tivessem elementos para discernir os

espíritas “de verdade” daqueles que tomavam emprestado elementos rituais de outras religiões

e eventualmente cobrassem por suas práticas e que deveriam, por isso, ser reprimidos.

Interessante notar que o rigor para enquadrar os Centros Espíritas e delimitar o que era ou não

Espiritismo, faz com que os responsáveis pela Liga Espírita do Brasil falem em “Espiritismo

kardecista”, como se para eles existissem outros Espiritismos, os “de linha” ou de

“Umbanda”, quem sabe, até considerando outras religiões “mediúnicas”, como o

Candomblé.E as instruções da Liga Espírita do Brasil pela uniformidade de práticas

doutrinárias geraram efeitos, já queoito Centros Espíritas da Capital deixaram seu quadro

federativo175

.

A FEB, por sua vez, aplaude a iniciativa da Liga Espírita do Brasil. Em Março de

1945, no mesmo mês em que foram divulgadas as “Instruções para a uniformidade da prática

espírita”, o Reformador celebra o feito.

Essa notícia nos é muito grata, porque foi isso exatamente que a Federação fez há mais de

trinta anos criando o REGULAMENTO DE ADESÃO das Sociedades Espíritas (...)de sorte a

separar o joio do trigo, como acentuou ser do seu desejo o nosso distinto confrade presidente

da Liga (...).176

Veja-se que a FEB também considera os Centros Espíritas que não mantinham práticas

espíritas “puras” como o “joio” que deveria ser separado do trigo.Interessante que na parábola

174

Idem. A FEB tinha o mesmo entendimento. Para ela, a uniformidade de práticas daria a certeza da falta de

fundamento das ações repressivas que caíssem sobre os Centros Espíritas a ela adesos e lhe facilitaria a sua

defesa. FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Organização Federativa do Espiritismo, op. cit., p. 39. 175

O Centro Espírita Luz, Caridade e Amor (Estácio); o Centro Espírita João Batista (Méier); O Centro Espírita

Isaac Lima (Campo Grande), o Centro Espírita Jorge Niemeyer e Daniel (Vila Isabel); a Tenda Espírita Augusto

Furtado de Siqueira (Engenho Novo); o Centro Espírita Caminheiros da Verdade (Engenho Novo); o Centro

Espírita Jesus, Deus e Tibiriçá (Vila Isabel) e a Assistência Espiritual Luz Consoladora (Riachuelo).

CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Livro de Registro das Associações Agregadas à

Liga Espírita do Brasil, op. cit., p. 9, 18, 28, 34, 60, 64, 77 e 91 respectivamente. 176

“Notícia auspiciosa”. Reformador. Rio de Janeiro, Março de 1945, p. 71.

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evangélica a que fazem referência (do joio e do trigo), o joio teria sido semeado no campo

pelo inimigo de um homem que havia plantado boa semente. Depois de crescerem juntos, o

joio foi colhido primeiro, amarrado e depois destinado à fogueira. A comparação não seria

casual177

. Entretanto, em Abril de 1945, a FEB parece interessar-se pelo “joio”. O Reformador

daquele mês noticia uma reunião realizada nesta federativa onde seus diretores prestaram

contas da reunião que tiveram com o ministro João Alberto, Chefe do Departamento Federal

de Segurança Pública, que mandou publicar uma Portaria que cancelava aPortaria Policial

10.194, de 10 de Outubro de 1943, que criava embaraços para os Centros Espíritas realizarem

suas atividades. Na mesma ocasião, apresentam o regulamento das sociedades coligadas,

pensando nos

pequeninos e humildes grupos constituídos de criaturas cheias de boa vontade e de amor

cristão, mas que desconhecem por completo as obras básicas do Espiritismo, obras essas que

lhes iremos levar, afim de que possam, com o conhecimento delas, desenvolver sua capacidade

de trabalho e potencial mediúnico, sempre em benefício do próximo, da coletividade, do

aceleramento do progresso do Planeta. 178

Dessa forma, a FEB procurava atrair, para seu círculo de influência, os Centros que

não eram tão espíritas assim, ou mesmo aqueles declaradamente de Umbanda. Em Maio de

1945, pelo Reformador, declaram que foram procurados por grupos ou

partidos“exclusivamente kardecistas; b) o conhecido pelo nome de – Ubandistas; c) – o que

aceita Kardec, Roustaing e outros autores”179

. Curiosamente, a medida da FEB, de trazer

estes Centros – espíritas, nem tão espíritas assim ou declaradamente umbandistas – se dá num

momento onde a Liga Espírita do Brasil tenta afastar-se em definitivo dos Centros que

mantinham práticas em desacordo com o “Espiritismo kardecista”, conforme expressão que

usaram, afastamento esse que resultou no desligamento de alguns Centros vinculados à Liga

Espírita do Brasil que poderiam ser captados pela FEB, a mesma que no mês anterior exaltou

a iniciativa da federativa concorrente no endurecimento que adotou. Acreditavam que,

mediante a influência que poderiam exercer sobre eles, pudessem reformar suas práticas em

desacordo com aquelas normas observadas nas obras de Allan Kardec, “espiritizando-as”.

Destaco, também, o diagnóstico que os espíritas da FEB faziam da situação: estes

“pequeninos e humildes grupos” assumiam práticas estranhas em razão da ignorância dos

postulados espíritas contidos nas obras básicas do Espiritismo. Tão logo tivessem contato com

177

Mateus, 13: 24 – 30. BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada, op. cit., p. 1256. 178

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente á Assembléia Deliberativa, na sua

reunião ordinária de 1945, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do seu patrimônio moral e material,

durante o ano social de 1º de Julho de 1944 a 30 de Junho de 1945”. Reformador, op. cit., p. 192. Grifos meus.

Sobre a Portaria Policial, ver: OLIVEIRA, Marco Aurélio Gomes. “Livres”, porém perseguidos, op. cit., p. 106

a 108. 179

“Sociedades Coligadas”. Reformador. Rio de Janeiro, Maio de 1945, p. 110.

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a “verdade”, teriam ferramentas para potencializar sua capacidade de trabalho em suas

instituições.

Em 7 de Setembro de 1946, Mundo Espírita diz que alguns jornais aproximam-se dos

espíritas de forma interesseira. Querendo fazer sensacionalismo, alguns deles os procurariam

para fazer reportagens e entrevistas, porém não gostariam de publicar artigos doutrinários. Os

jornais estariam atrás de fatos curiosos, exóticos mesmo, unicamente com interesses

jornalísticos. Isso, segundo Mundo Espírita, poderia trazer vantagens para o jornal, não para

os espíritas.

Vejamos o critério de alguns jornais em relação ao Espiritismo: quando se trata de escândalo,

de coisas que não pertencem à doutrina mas que aparecem sob a designação imprópria de

“fatos espíritas”, esses jornais abrem colunas, na primeira página, com o maior destaque;

quando alguém quer escrever uma série de artigos para explicar, o que muita gente não sabe

acerca do Espiritismo, vem logo a desculpa de que não há espaço, de que a orientação do

jornal não comporta certos assuntos, etc. Então, não se deve baratear o Espiritismo. Já que o

jornal A ou B quer fazer reportagem berrante, mas não quer publicar uma seção doutrinária

para se difundir o Espiritismo, o que se deve fazer é não atender a solicitação nesse sentido. O

Espiritismo é uma doutrina que se impõe por si mesma. 180

Mundo Espírita queixava-se que os jornais noticiavam, com estardalhaço, escândalos

ou fatos que, a seu ver, não teriam relações com a Doutrina Espírita, nos moldes do que

criticara em Fevereiro do mesmo ano. Quando, por outro lado, os espíritas demandavam

escrever, muitas vezes até prestando esclarecimentos relacionados a esse tipo de publicações,

encontrariam as portas fechadas por diferentes razões, dentre as quais a falta de espaço e a

orientação do jornal. Assim, os espíritas não deveriam atender a estes periódicos quando

solicitados. É como que estabelecer, com a imprensa, uma relação de reciprocidade. Se

ajudassem aos espíritas, receberiam destes apoio, do contrário não. O Espiritismo, para eles,

teria força suficiente para impor-se pela sua própria força, era o que os espíritas vinculados à

imprensa acreditavam. Marcos D‟Avila, em 1926, vinte anos antes, como vimos acima, já

apresentava a mesma contrariedade com relação à imprensa.

Gazeta de Notícias, na opinião dos espíritas, seria católico e, no entanto, ofereceu suas

páginas a eles. No entanto, outros jornais que consideravam ligados à religião hegemônica

não tiveram a mesma postura. Em 18 de Maio de 1936, Leopoldo Machado debateu com o

padre holandês Jacob Slater no “Filhos de Iguassú F. Clube”. Segundo ele, o farto noticiário

do evento foi irradiado a partir de O Globo e Diário da Noite181

. O padre, após o encontro,

enviara carta ao jornal A Noite onde defenderia seu ponto de vista.

Extranhavel se nos afigurou o jornal, que lhe publicou a carta, negar-se a publicar a nossa

resposta, que lhe foi enviada no dia seguinte, 9 de junho. Publicou-a somente “de acôrdo com a

180

“Propaganda inconveniente”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 7 de Setembro de 1946, p. 2. Grifos meus. 181

MACHADO, Leopoldo. Sensacional Polemica, op. cit., p. 8.

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sua praxe e encerrando a polemica”, tal como disse a 19. Praxe, que não seria, desta vez,

seguida, se não fosse a gentileza de “A Nota”, publicando, a 17, a nossa carta ao reverendo,

com a explicação no cabeçalho: “porque “A Noite” tendo publicado o artigo do reverendo,

negou acolhimento á defesa”. Como tudo acontece, á Pangloss, pelo melhor, resultou que o

ilustre reverendo, ao envez de uma só resposta, leu duas... 182

A Noite fora acusada pelos espíritas de ter orientação católica poucos meses depois do

ocorrido, em Outubro. Segundo Leopoldo Machado, não fosse a atitude de A Nota publicando

sua carta em 17 de Maio e fazendo ressaltar que A Noite não o fizera, este jornal não a teria

publicado dois dias depois. E em A Nota os espíritas tinham acolhida com Leal de Souza,

como vimos. Ainda no bojo desta disputa, segundo o polemista espírita, no dia seguinte ao

encontro, ele fora procurado por um representante de O Globo a fim de que ele lhe desse, por

escrito, o que falara no encontro com o padre. Responde-lhe, então, que falara de improviso e,

por isso,seria impossível de atender-lhe à solicitação. Ainda segundo Leopoldo Machado,

pouco antes, o representante do jornal estivera com o padre com o mesmo objetivo, no que

fora atendido. “Se, porém, sua revma. lhe deu, para publicar, as suas razões, queremos o

direito de ajustar-lhe as respostas necessárias”183

, respondeu-lhe. Teria solicitado, então, os

escritos do padre, ao que o representante de O Globo consentiu. De posse destes, formulou

sua resposta. O Globo, também acusado pelos espíritas de simpático ao Catolicismo, não a

publicou integralmente, apenas uma súmula. Mundo Espírita o fez, em edições sucessivas184

.

Se não encontravam acolhida no meio de imprensa que consideravam hostil (e muitas vezes o

era), recorriam àqueles que lhes eram simpáticos, na imprensa diária ou espírita.

Gazeta de Notícias, bem vista pelos espíritas, publicou em 30 de Junho de 1929 um

artigo intitulado “Respondam, senhores espíritas”, de Jorge de Lacerda. Na ocasião, narra

uma dúvida que lhe surgiu a partir de uma conversa com um espírita da cidade de Capivari

que este não soubera responder-lhe. Sua pergunta girava em torno do fato de espíritos

incitarem os homens à prática do mau.

Dou a palavra áquelle que se julgar mais entendido no assumpto, uma vez que os mais que

tenho procurado nada de melhor adiantaram que satisfizesse á minha curiosidade de christão

que se pretende poder ainda alcançar na religião alheia as graças que lhe tem faltado na sua

própria. Lanço, pois, o meu apello, a todo aquelle que possa estabelecer a verdadeira

182

Idem, p. 10. Grifos meus. 183

Idem, p. 36. 184

Idem, p. 37.O jornal O Globo foi fundado por Irineu Marinho, que se afastou do jornal A Noite, em 29 de

Julho de 1925, e mantém circulação até a atualidade nas versões impressa e pela internet. Seu fundador,

juntamente com Herbert Moses e Justo de Morais, pretendia montar um jornal que “renovasse os padrões

dominantes na imprensa carioca”. De acordo com Irineu Marinho, o jornal seria independente e se dedicaria “à

defesa das causas populares que nos empolgaram e nos dominam há bem mais de duas décadas”. Não pesquisei

seu acervo pela falta de tempo e de interesse em ser assinante deste periódico, uma vez que seu acervo

digitalizado está online, porém de acesso restrito aos seus assinantes. As referências que aparecem ao periódico

no trabalho, como se nota, são indiretas, formuladas por espíritas no Reformador, Mundo Espírita e em livro de

Leopoldo Machado. LEAL, Carlos Eduardo; MONTALVÃO, Sérgio. O Globo. Disponível

em:http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspxÚltimo acesso em 23 de Abril de 2014.

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167

differença entre a religião catholica e espírita, comprovando a sua veracidade. Qual dellas se

impõe á nossa crença e por quais os motivos: qual delas é a mais verdadeira.185

O desafio foi lançado aos espíritas. Imagine a repercussão que poderia ter nos meios

espíritas e, principalmente, junto ao público leigo, uma conversão em público, a partir de um

artigo de jornal... Os espíritas da Liga Espírita do Brasil, através de seu órgão oficial,

procuram responder num artigo publicado na edição de Agosto de 1929 da Revista Espírita do

Brasil. No entanto, ao final dele, numa nota, consta que “esta chronica foi remettida a

redação da Gazeta de Notícias, que não a publicou”186

. Não mencionam, também, se Jorge

de Lacerda comentara a resposta da federativa. Parece que não convenceram ou faltou

interesse do jornal na publicação da mesma. Devem ter remetido em meados de Julho do

mesmo ano, sendo que, como não obtiveram retorno, resolveram publicar em sua própria

revista em Agosto. Aliás, pode-se notar que os espíritas da Liga Espírita do Brasil não usaram

a Revista Espírita do Brasil para criticar a imprensa como os da FEB. Mundo Espírita, por

outro lado, que reunia um ex-presidente da entidade federativa e tinha em comum seu

secretário, Deolindo Amorim, atacou a imprensa quando julgou necessário, principalmente

nos casos onde escândalos ou instituições não espíritas (mas que poderiam se considerar como

tais) eram associados ao Espiritismo. Os espíritas da FEB confrontavam mais a imprensa

diária quando se sentiam prejudicados pela falta de espaço nas páginas destes jornais. E

quando este espaço era conseguido, queixavam-se da qualidade daqueles que o tinham sob

responsabilidade, tentando, quem sabe, “vender” a estes jornais um “padrão FEB de

qualidade”, ainda que tivessem dificuldades em arregimentar trabalhadores para a tarefa. Se

não podiam destacar alguém para tal, tentavam influenciar os que aí escreviam.

2.6 – Outras impressões sobre os espíritas na imprensa diária

Alguém poderia dizer que os espíritas da FEB passaram a taxar A Noite de simpática

ao Catolicismo depois do tratamento diferenciado oferecido a Leopoldo Machado na polêmica

que se envolveu com o padre. Seria uma possibilidade razoável. No entanto, muito antes

disso, em 17 de Outubro de 1913, em matéria de capa, com grande destaque, este jornal

noticiou que um de seus redatores conseguiu uma receita mediúnica para uma doente

imaginária na sede da federativa. O responsável pela matéria começa contemporizando,

dizendo que já tivera seu filho doente e, como este demorasse a melhorar, por indicação de

um amigo recorreu Espiritismo. O médium teria lhe dado a receita e o diagnóstico, que

185

LACERDA, Jorge. “Respondam, senhores espíritas”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 30 de Junho de

1929, p. 9. Grifos meus. Não consegui informações sobre o autor. 186

“Os espíritas respondem”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Agosto de 1929, p. 211.

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168

segundo ele, coincidira com o que fora formulado pelos médicos que acompanhavam o caso,

mas ainda assim, não sentiu confiança em dar a ele os medicamentos prescritos. Reitera,

também, o desinteresse da maior parte dos médiuns, que não receberiam pagamento para o

desenvolvimento de suas atividades, além de exaltar a FEB, que atenderia durante todo o dia,

fornecendo receitas e, mesmo, medicamentos a quem necessitasse. No entanto, resolveu fazer

a experiência de criar uma paciente fictícia para testar a eficácia do receituário mediúnico da

instituição e, na tarde do mesmo dia, retirou a receita. Para ele, “si fosse o doente uma

creatura inexistente, absolutamente fantasmática, parece aos leigos nas doutrinas de Allan

Kardec que o embuste deveria ser promptamente descoberto” 187

. No dia seguinte, A Noite

publica a carta de um espírita – não na primeira página – que lhes oferece os dois primeiros

livros de Allan Kardec, a saber: “O Livro dos Espíritos” e “O Livro dos Médiuns”. A partir da

leitura destes, compreenderia o que ocorrera no caso da receita para o paciente imaginário. O

redator contesta afirmando que

é bem possível que tudo isso, que parece aos leigos absurdo, seja cousa muito lisa e correcta

em face das doutrinas espíritas. Cairemos então fatalmente na hypothese, que aventamos

ontem, de ser a fé o principal medicamento ministrado aos enfermos, sendo os segundos as

doses de homeopathia, que podem não curar, mas também não matam.188

Parece claro que a intenção do redator de A Noite é negar o fenômeno espírita. Os

espíritas não curariam. A fé das pessoas operaria isso. Tanto seria verdade, para ele, que os

Espíritos que fazem as receitas não poderiam ser enganados, como teriam sido, no caso de

alguém criar um personagem fictício para obter os benefícios. Os Espíritos, se existissem,

saberiam detectar a fraude. Se não o fizeram, não são reais.

Em 16 de Maio de 1914, algo mais grave e impactante. Ainda uma vez, um repórter ou

redator do mesmo jornal inventa um paciente para o receituário mediúnico. Quis, segundo ele,

“experimentar a sinceridade da instituição que se encarrega da cura de milhares de

indivíduos” 189

. Teria repetido a operação alguns dias consecutivos até declarar, na FEB, que

o paciente morrera e que seria difícil conseguir-lhe o atestado de óbito. O homem que o

atende, Sr. Adolfo, que faria a ligação entre o público e os médiuns, teria lhe entregado um

envelope constando a causa mortis do paciente imaginário (tuberculose), recomendando-o que

procurasse um médico que atendia em uma farmácia. Teria conseguido, com este, um atestado

de óbito. Além disso, o médico ainda notificara a Saúde Pública quanto ao ocorrido. A FEB,

segundo a matéria, é colocada no “pacote” das

187

“O espiritismo receita até para doentes imaginários”. A Noite. Rio de Janeiro, 17 de Outubro de 1913, capa. 188

“O espiritismo receita até para doentes imaginários”. A Noite. Rio de Janeiro, 18 de Outubro de 1913, p. 2.

Grifos meus. 189

“A Federação cura de olhos fechados e de olhos fechados despacha o cliente para o outro mundo”. A Noite.

Rio de Janeiro, 16 de Maio de 1914, capa.

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agremiações que, com boas ou más intenções, acobertadas pela caridade, se mettem a praticar

uma medicina mais que suspeita e perigosa, distribuindo, espalhando receitas a torto e a

direito, e se encarregando exclusivamente de passar attestados de óbito na mais perfeita

ignorância da “causa mortis” e burlando completamente as providências legislativas. Contra

esse abuso, decerto, vão tomar as necessárias providências os poderes competentes. 190

Em 24 de Maio, entrevistam um advogado que diz que “a prática do Espiritismo para

curar moléstias é um crime. Neste ponto, o Código é claríssimo” 191

. E a repressão às práticas

dos espíritas é acionada pelo jornal e repercutida pelo advogado consultado. A FEB, então,

que meses antes recebera palavras elogiosas do redator que conseguira as receitas, passa a

uma instituição cujos interesses seriam ocultos e que, além de praticar uma medicina suspeita

– e não mais inofensiva, como antes –, fornecia atestados de óbito sem verificação. Os

adversários dos espíritas devem ter ficado satisfeitos. Os médicos que se incomodavam com o

movimento do receituário mediúnico que, exatamente em 1914, alcançara sua maior marca

com 624.800 receitas segundo Emerson Giumbelli192

, devem ter aplaudido o jornal, assim

como os católicos. Ainda segundo este autor, quem primeiro analisou o caso, “articulistas do

Jornal do Comércio e de O País (...) se posicionaram contra qualquer intervenção repressiva

sobre os serviços da FEB” 193

. Os espíritas da FEB não devem ter ficado nada satisfeitos com

a repercussão que o jornal deu e, certamente, deveriam guardar as mágoas do episódio, sendo

possível que, entre seus diretores e frequentadores mais próximos, a lembrança do ocorrido

fosse cultivada. Não encontrei informações sobre o fato nas edições de Reformador de 1914.

Ao público espírita, silenciaram. Silenciar, ou solicitar silêncio para casos públicos que

pudessem trazer prejuízos para a imagem dos espíritas ou mesmo de algum espírita com

notoriedade pública poderia ser uma prática. A FEB, em 1986, publicou o livro “Testemunhos

de Chico Xavier”, de Suely Caldas Schubert. A obra traz a correspondência do famoso

médium mineiro com Antonio Wantuil de Freitas, que presidiu a federativa por vários anos.

Numa delas abordava-se o caso “Humberto de Campos”, onde a viúva do escritor estava

demandando, na justiça, a própria FEB e o famoso médium, por conta de suas obras

mediúnicas, assinadas pelo Espírito Humberto de Campos. Tratava-se de uma ação

declaratória em torno da autenticidade ou falsidade dos livros escritos/recebidos pelo médium

que traziam o nome do afamado escritor desencarnado. Declarando-se triste com

companheiros espíritas que vinham à público criticá-lo, pelo episódio, Chico Xavier diz que

logo que houve o agravo da sentença (caso H. Campos), observando a agressividade de muitos,

escrevi mais de cinquenta cartas privadas e confidenciais, aos amigos da doutrina, com

190

Idem. Grifos meus. 191

PINTO, Alfredo. In: “É uma pratica funestíssima e que precisa de prompto paradeiro”. A Noite. Rio de

Janeiro, 24 de Maio de 1914, capa. 192

GIUMBELLI, Emerson. O cuidado dos mortos, op. cit., p. 295. 193

Idem, p. 240.

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responsabilidades na imprensa espiritista, rogando a eles me ajudarem, por amor de Jesus,

com o silêncio e a prece e não com defesas precipitadas (...)194

O médium mineiro, ao escrever, não diz de onde seriam os homens da imprensa

espírita para os quais enviou cartas. Poderiam ser do Rio de Janeiro também, já que, naquele

momento, na cidade, existiriam, ao menos, quatro periódicos espíritas, a saber: Reformador,

Revista Espírita do Brasil, Mundo Espírita e Aurora. O médium mineiro não desejava que o

assunto fosse repercutido de maneira agressiva pela imprensa. Quem sabe, isso o poderia, até,

prejudicar na demanda judicial em que se envolvera, por eventuais declarações mais duras

contra a família do famoso escritor desencarnado. Demonstraria, também, uma faceta menos

evangélica dos próprios homens da imprensa espírita que, nas páginas da imprensa, espírita ou

não, poderiam recomendar tolerância e amor aos inimigos, mas não o demonstrassem com

atitudes frente àqueles que agrediam os espíritas por conta da demanda judicial. Questionado

pelo processo e alvo do interesse público que o caso despertava, o médium poderia figurar

como plagiador sob a cumplicidade da FEB. Por fim, o recurso à cartas aos homens da

imprensa espírita solicitando moderação no tratamento de algum tema ou, mesmo, silêncio,

pode ter sido usado por outros espíritas em outras situações.

Emerson Giumbelli, analisando as adjetivações em torno do Espiritismo pelos jornais,

diz que

a partir da segunda metade da década de 1910, ficara convencionado nos meios jornalísticos

não ser „falso‟ o „espirtiritismo‟ praticado pela FEB, mesmo quando aí surgisse algum tipo de

irregularidade. Em contrapartida, pressupunha-se que existissem os „falsos‟, ou seja, indivíduos

ou grupos cujos fins não eram „humanitários‟, nem „desinteressadas‟ as suas intenções. 195

Ou seja, segundo ele, quando as práticas não envolvessem interesses humanitários e

não fossem desinteressadas, para a imprensa como um todo, não seriam espíritas, seriam do

“falso Espiritismo”. No entanto, A Noite, ainda por algum tempo, manteve-se em postura

agressiva contra os espíritas. Em 5 de Outubro de 1915, em matéria de capa, um repórter

visita, acompanhado, uma residência modesta em Anchieta onde é atendido por uma médium.

Num ambiente onde se misturam copos de vinho, velas, oratório com imagens, oferecem, para

o repórter, a fim de que faça leituras preparatórias, um exemplar de “O Evangelho Segundo o

Espiritismo”, de Allan Kardec. A apresentação da matéria não faz distinções: “Uma seção

espírita em Anchieta”. Em sua introdução, começa por dizer que com o jogo do bicho

aconteceu o mesmo, começara discreto e, pouco a pouco, caíra no gosto popular. Com o que

chamam “falso espiritismo” estaria ocorrendo fato semelhante, principalmente nas classes

194

XAVIER, Francisco Cândido. Carta de 23 de Novembro de 1944. In: SCHUBERT, Suely Caldas.

Testemunhos de Chico Xavier. Rio de Janeiro: FEB, 1991, p. 32. Grifos meus. 195

GIUMBELLI, Emerson. O cuidado dos mortos, op. cit., p. 240.

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menos favorecidas. No entanto, se aqui o jornalista refere-se ao que assistira como “falso

espiritismo”, pouco mais adiante, não faz essa distinção.

A reportagem que vimos de executar comprova a necessidade de os poderes públicos tomarem

medidas severas, porque já não é pequeno o número de indivíduos que das sessões

denominadas espíritas passam para o hospício. Aqui no Districto Federal, principalmente nos

subúrbios, o espiritismo vae campeando com notável vigor. 196

Para mim, a alternância entre “falso espiritismo” e “espíritas” ou, simplesmente,

“espiritismo” faz ver a vontade de confundir, de não distinguir o Espiritismo do dito “falso”

Espiritismo. Parece-me que para torna-los sinônimos, para se fazer difícil a distinção. As

sessões que levariam ao hospício seriam as denominadas espíritas e não as do falso

Espiritismo. E o Espiritismo, e não o falso, iria campeando pela capital.

Em 22 de Abril de 1918 encontrei, em A Noite, uma nota dando conta de que dois

operários, que estariam frequentando sessões espíritas, enlouqueceram e puseram-se a

espancar-se, na fábrica onde trabalhavam, alegando que estariam retirando maus espíritos197

.

Depois disso, em suas páginas desaparecem as reportagens neste diapasão, dando lugar a

alguma demonstração de interesse no assunto. Em 17 de Julho de 1920, publicam uma

entrevista do cientista José Corrêa Rabello a respeito dos fenômenos provocados pelo médium

Mirabelli198

. Na oportunidade, se faz parecer que o médium poderia estar fraudando, não

recusa que os fenômenos espíritas sejam impossíveis.

Para mim, o jornal A Noite deixou de atacar o Espiritismo e passou, de alguma forma,

a interessar-se pelo assunto em função da presença de Leal de Souza que, poucos anos depois,

em Dezembro de 1923, começou a publicar um inquérito a respeito de instituições nem

sempre espíritas na cidade do Rio de Janeiro, conforme já mencionamos. Penso que, neste

caso, sua presença pode ter concorrido para a mudança de postura do periódico. Quando se

dera seu ingresso no jornal? Não consegui apurar, mas segundo seu biógrafo, chegara ao

cargo de secretário de redação.

Emerson Giumbelli, quando trata da questão do “falso” ou “baixo” Espiritismo o faz a

partir do inquérito de Leal de Souza nas páginas de A Noite. Segundo ele, nas entrevistas

realizadas após o inquérito as perguntas propostas presumiriam que existiriam formas

legítimas e ilegítimas de se praticar o Espiritismo199

. Conforme já vimos, Leal de Souza, na

ocasião que realizou o inquérito, conhecia pouco sobre a Umbanda. Falando de um Centro

196

“Nos domínios do sortilégio”. A Noite. Rio de Janeiro, 5 de Outubro de 1915, capa. Grifos meus. 197

“Manias”. A Noite. Rio de Janeiro, 22 de Abril de 1918, p. 5. 198

Sobre o médium paulista Carlos Mirabelli, ver: GARCIA, Marcos Paulo. São Paulo - 450 anos , Carlos

Mirabelli. Disponível em: http://www.espirito.org.br/portal/artigos/geae/carlos-mirabelli.html Último acesso em

20 de Novembro de 2013. 199

GIUMBELLI, Emerson. O cuidado dos mortos, op. cit., p. 242.

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onde se praticaria o “baixo Espiritismo”, entendia que os trabalhos aí desenvolvidostinham

relações com o Espiritismo, porém, eram praticados por espíritas que não teriam suficientes

conhecimentos doutrinários. Ao referir-se ao homem que presidia os trabalhos, diz que ele, “o

agente da Prefeitura leu uma prece muito usada nas instituições espíritas, mas não a leu com

a unção peculiar aos oradores do seu credo” 200

. Na leitura da prece, o presidente sem nome

da instituição sem nome (porque ele não os identifica) não fizera como seus irmãos de credo:

leu a prece sem unção, que estaria presente em outros dirigentes de reuniões, de outras

instituições espíritas. Ao final da sessão descrita por ele, teria ocorrido uma manifestação

mediúnica de uma senhora que apenas assistia a reunião onde o Espírito manifestante

chamaria a atenção dos médiuns para as suas altas responsabilidades e que seria grave fingir-

se detentor de faculdades mediúnicas. Termina o discurso fazendo uma prece por aqueles que

estavam ali, como médiuns. Comentando a ocorrência que de dera ao fim, Leal de Souza diz

que “um legítimo espiritista diria que um espírito superior, descendo das altas espheras

celestes, accendera uma luz piedosa para illuminar tantas almas ingênuas, afundadas na

escuridão do baixo espiritismo” 201

. Ao encerrar o inquérito, diz que visitando as instituições

e observando seus trabalhos, descreveu “os methodos e os resultados das práticas espíritas”

202 dos Centros visitados. Para ele, independente de serem do “alto” ou do “baixo”, eram

práticas espíritas. Uma das instituições visitadas por ele foi a Tenda Nossa Senhora da

Piedade203

que, anos depois, passou a dirigir e que, segundo seu biógrafo, seria uma das

tendas responsáveis pela formação e divulgação da Umbanda204

. Curiosamente, mesmo nos

ambientes não tão espíritas assim citados pelo jornal A Noite – o da residência do médium de

Anchieta, em 1915, ou o Centro visitado por Leal de Souza em seu inquérito – a prática da

leitura se fazia presente enquanto componente da reunião que desenvolviam, o primeiro com

um exemplar de um livro de Allan Kardec e o segundo com um livro de preces.

Oito anos depois, agora no Diário de Notícias, na série de artigos que publicou aí, Leal

de Souza diz que “a Linha Branca de Umbanda e Demanda está perfeitamente enquadrada

na doutrina de Allan Kardec e nos livros do grande codificador nada se encontra susceptível

de condenal-a”205

. E passa, então, a analisar trechos de “O Livro dos Espíritos”, de Allan

Kardec, que concordariam com sua opinião. Parece-me que, no período do inquérito que

200

SOUZA, Leal. “Caboclas de saias de seda”. A Noite. Rio de Janeiro, 24 de Janeiro de 1924, capa. 201

Idem. 202

SOUZA, Leal. “Encerramento do inquérito da A Noite”. A Noite. Rio de Janeiro, 21 de Maio de 1924, capa. 203

TRINDADE, Diamantino Fernandes. Antonio Eliezer Leal de Souza, op. cit., p. 71. 204

Idem, p. 8. 205

SOUZA, Leal. “O Kardecismo e a Linha Branca de Umbanda”. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 21 de

Dezembro de 1932, segunda seção, p. 1.

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realizou para A Noite, o jornalista travou seu primeiro contato com as instituições que se

intitulavam espíritas. Ao fazê-lo, começou a buscar informações que o subsidiassem para

além do que estaria presenciando nas reuniões que assistia, a fim de que pudesse

compreender, minimamente, o que ali ocorria. Se ao final do inquérito parecia enxergar os

Centros que tivessem uma prática mais presa a rituais, imagens, cânticos como praticantes de

um Espiritismo ilegítimo, ignorantes das verdades espíritas que emanariam das obras de

Kardec e da visão da FEB – consultada, na ocasião, na figura de seu presidente Leopoldo

Cirne 206

-, menos de uma década depois reformula seu ponto de vista e não trata a Umbanda

como “baixo Espiritismo” e sim como uma espécie de derivação da Doutrina Espírita, como

uma forma de pratica-la. Em 22 de Outubro de 1937, em A Nota, diz que

No Brasil, terra de destinos christãos, annunciados, através dos annos e das distancias, por

todos os guias e arautos em missão terrena, as duas divisões máximas do espiritismo não o

dividem em campos oppostos, porque assentam na differença de methodos mutuamente

acatados e na unidade indissolúvel da doutrina. Essas duas divisões, comportando, cada uma,

minuncias semelhantes a diversidade ritualísticas, correspondem ás necessidades do meio

brasileiro, constituído de populações oriundas de todas as procedências raciaes, em períodos

desiguais de desenvolvimento mental e cultura moral. (...) Por outro lado, a sua flexibilidade

lhe permitte adaptar-se ao nível intellectual e ao grão de sentimento de todas as camadas

sociaes, falando a cada grupo ou classe na linguagem conveniente ás suas possibilidades de

comprehensão, e sabendo esperar, com a paciência da resignação, as lentas transformações

de cada personalidade e de sua atmosphera. 207

Se na Umbanda são utilizados rituais, isso se deve às características das pessoas que a

procuram, que sentem necessidades destes aparatos para suas crenças. Não seria possível, a

seu ver, que o Espiritismo praticado nos meios letrados, exigente de leituras e estudos, fosse

vivido pelas gentes do povo, por aqueles que não tivessem instrução. Como atender a quem

não sabia ler? Como recomendar-lhe estudos doutrinários das obras de Kardec se mal tinham

tempo para lutar pela sobrevivência e não tinham hábitos de leitura? As falas simples dos

caboclos ou dos pretos velhos que se manifestariam nos Centros de Umbanda poderiam tocar,

melhor, o coração de seus frequentadores. Rituais, cânticos e incensos seriam, apenas,

metodologias de ação diferentes das adotadas pelo Espiritismo dos que eram das classes

sociais mais favorecidas.

Gazeta de Notícias, que os espíritas consideravam um jornal de orientação católica,

mas que lhes facultara espaço, em 5 de Janeiro de 1921 reclama que a Polícia defenderia os

curandeiros. Teriam ficado sabendo na Saúde Pública que

A Inspectoria do Exercício da Medicina, tendo tido conhecimento de que havia installado á

rua Voluntários da Pátria n. 18 um consultório clandestino, onde um charlatão dava consultas

ao mundo elegante da zona, fez seguir para o local o médico do Departamento da Saúde

206

SOUZA, Leal. “O espiritismo explicado por um espírita”. A Noite. Rio de Janeiro, 24 de Maio de 1924, capa. 207

SOUZA, Leal. “A expansão do espiritismo”. A Nota. Rio de Janeiro, 22 de Outubro de 1937, p. 3.

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Pública, Dr. Bonifácio Costa, que se achava acompanhado pelo commissário da polícia do 7º

districto. 208

Reconheceram o endereço? Sim, era onde funcionava Aurora, o jornal espírita de

maior tiragem que encontrei, e o médium que ai atuava era Inácio Bittencourt, que fora diretor

da FEB. O delegado não o teria autuado, para contrariedade do médico da Saúde Pública.

Segundo a reportagem, o policial teria dito que o médium tinha licença da Polícia para

fornecer receitas médicas e que seria da “Confederação Espírita Brasileira”. Queria dizer

Federação Espírita Brasileira. Gazeta de Notícias parece assumir o argumento da Saúde

Pública quando chama o médium de “charlatão”. “Na Saúde Pública dizia-se que o delegado

do 7º districto se recusou a lavrar o auto, pelo facto de se tratar de um “charlatão” muito

prestigiado e garantido na zona por importantes figurões políticos” 209

. Ora, ao chama-lo de

charlatão, tanto o jornal quanto a Saúde Pública estão assumindo que Inácio Bittencourt

retirava benefícios materiais do trabalho do receituário mediúnico. Os aparatos estatais –

Polícia e Saúde Pública –, que naquele momento não tiveram posturas coincidentes frente ao

caso, reconhecem que não se trata de qualquer um. A atividade pública do médium

emprestou-lhe, ao que parece, alguma notoriedade, mas não o bastante para evitar que fosse

visto como interesseiro pelo jornal. Colocam-lhe um rótulo – o de charlatão – que Emerson

Giumbelli afirmara que pertenceria, somente, aos praticantes do “falso Espiritismo”.

Verdadeiro ou falso, Gazeta de Notícias não se importa: é prejudicial e merece ser combatido

pelas autoridades. Sua ligação com a entidade federativa, que poucos anos antes fora vice-

presidente, não o isentara frente ao jornal. Dias depois, na Seção Livre do jornal, transcrevem

um artigo de defesa ao médium que fora publicado no dia 7 de Janeiro daquele ano no Jornal

do Comércio, assinado por A. Nogueira da Silva. Seria uma seção paga do jornal? Pode ser

que sim.

Em 12 de Outubro de 1922 aparece, nas páginas de Gazeta de Notícias, uma coluna

intitulada “Espiritismo”, mas que não era escrita por espíritas. Assinada, inicialmente, por

Illis, em sua primeira coluna traz o relato de um pesquisador chamado Paulo Henzé que

estaria em Paris “á procura de um phenomeno de “materialisação”, que seja digno de ser

sujeito á verificação da commissão da Sorbonne. Até agora só encontrou fraude, e sempre

fraude”210

. Sua coluna saia sempre pelo meio da página dois, sem dia certo para ser

publicada. Durante a fase inicial desta coluna, o jornal ofereceu o mesmo espaço para um

208

“Combate aos charlatães. A polícia protege e defende os curandeiros”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 5

de Janeiro de 1921, p. 4. Grifos meus. 209

Idem. 210

FERRAZ JUNIOR, João Pedreira do Couto (ILLIS). “Espiritismo”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 12 de

Outubro de 1922, p. 2.

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espírita chamado W. Nelson – a quem não consegui identificar –, a fim de que este pudesse

contestar a argumentação contrária ao Espiritismo projetada por Illis. Em 13 de Janeiro de

1923, respondendo ao espírita, Illis identifica-se como o engenheiro João Pedreira do Couto

Ferraz Junior, católico e autor do periódico O Espiritismo desmascarado, além de colaborador

da seção de notícias religiosas do Jornal do Comércio, “e que procura por todos os meios ao

seu alcance combater o espiritismo e propagar a única verdade – o catholicismo” 211

.

Tratava-se de um católico que objetivava invalidar o fenômeno mediúnico que é estudado

pelo Espiritismo.

Dos meus estudos e observações cheguei á conclusão, que, fóra a inconsciência do “médium”,

a sugestão e illusão dos assistentes e a fraude (consciente ou inconsciente), que entra por

noventa por cento, os poucos phenomenos “reaes” do espiritismo, isto é, obtidos por meio de

um “médium” (...) podem ser explicados por meios naturaes, sem a intervenção dos espíritos,

nem “directamente” do demônio. “O espírito dos vivos basta para explical-os, não é necessário

a intervenção dos mortos nem dos demônios” (Pe. Menage). 212

Aqui não se trata de dizer que o “falso” ou o “baixo” Espiritismo é fraudulento. O

Espiritismo, de maneira geral, estaria assentado na mentira, no engano. Seria falso como um

todo, portanto. A explicação dos espíritas para o fenômeno era errônea. A coluna do

representante do Catolicismo que, em suas palavras, já teria experiência na imprensa católica,

estende-se até 15 de Março de 1924. Durante um breve período, de 3 a 27 de Junho de 1923

sua coluna chamou-se “O espiritismo desmascarado”, o mesmo nome de seu jornal. Depois

que deixam de publicar as colunas de Illis, o jornal ainda mantém, na seção “Vida Religiosa”,

que era católica, artigos contrários ao Espiritismo. Em 20 de Abril de 1924, num domingo de

Páscoa, onde os católicos celebram a ressureição de Jesus Cristo, na capa, no canto superior

direito, um artigo com grande destaque intitulado “A Ressureição”. Ainda na capa, na parte

inferior direita do jornal, em uma coluna chamada “Papagaio”, assinada por alguém com o

pseudônimo “Periquito”, uma nota que dava conta de uma suposta agressão de um engenheiro

espírita a um cego “por questões de espiritismo” 213

. “Onde já se viu agredir um cego! Quem

poderia fazer isso, senão alguém desequilibrado? Ah, era espírita! Não deve ser normal”, é o

que a nota queria fazer pensar. Por isso, acredito, os espíritas da FEB, responsáveis pela

coluna em Gazeta de Notícias, estavam cheios de cuidados nas recomendações àqueles que

iriam ocupar o espaço. Até pouco tempo, e durante dois anos, o Espiritismo recebeu ataques

de um católico declarado naquelas páginas.

211

FERRAZ JUNIOR, João Pedreira do Coutto. “O Espiritismo”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 13 de

Janeiro de 1923, p. 2. 212

Idem. Grifos meus. 213

PERIQUITO. “Papagaios”. Gazeta de Notícias, 20 de Abril de 1924, capa.

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A Noite procurou, também, associar aqueles que tentavam praticar o suicídio ao

Espiritismo. Em 14 de Outubro de 1912, narram o caso de uma jovem de vinte e um anos que

ateara fogo ao próprio corpo. Todas as noites ela frequentaria sessões espíritas. “Frequentou

com tanta assiduidade essas sessões que acabou obcecada, conversando noites inteiras com

os espíritos. A noite passada ela teve uma entrevista com um espírito perverso que lhe

aconselhou por termo a própria existência”214

. Os espíritas, como vimos, acusaram a

imprensa de estimular os suicídios, pelas descrições minuciosas dos casos, que fariam com

que os desgostosos da vida, diante da variedade de opções, escolhesse a que lhe fosse mais

conveniente para por termo à existência, bastando, para tanto, apenas ler os jornais. E A Noite

insinua que a frequência a reuniões espíritas pode levar as pessoas ao desequilíbrio mental, a

ponto delas atentarem contra a própria vida. No fim das contas, quando os espíritas propõem

aos jornais, considerados por ele como católicos, que davam grande destaque a este noticiário,

podem estar pensando, também, nessa associação que se fazia entre a prática do Espiritismo e

o suicídio. Afinal, se eles parassem de noticiar eventos dessa natureza, por consequência, essa

associação deixaria de ser feita.

O Correio da Manhã, ao noticiar a prisão de médiuns, parece esforçar-se por

desvincula-los do Espiritismo. Em 20 de Novembro de 1937, na seção policial, noticia que

um falso espírita foi preso numa casa do Rio Comprido, muito procurada pelos sofredores que

buscavam alivio para suas dores junto ao curandeiro Polycarpo, “um espertalhão que se dizia

espírita para melhor disfarçar suas tendências maliciosas” 215

. É o jornal quem o qualifica:

trata-se de um curandeiro que se diz espírita. Dias antes, em 10 de Novembro, na mesma

seção, noticiam a prisão de uma “pythoniza” e seus objetos de culto: “um oratório, várias

imagens, um “rei encantado”, um “rei das matas”, cinco punhais, charutos e outros objetos

pertinentes á magia negra, e uma grande relação de despachos enncommendados a

macumbeira” 216

. Note-se que a mulher presa não foi chamada de médium pela reportagem,

mas sim de pitonisa, que seria uma pessoa com capacidade de comunicar-se com os mortos.

Parece um esforço para descolar, completamente, estes casos de qualquer referência que os

aproxime com o Espiritismo. O jornal possuía, há anos, colunas espíritas de homens ligados a

FEB, pessoas que, eventualmente, em situações onde considerassem que o Espiritismo fosse

214

“Uma obcecada pelo espiritismo tenta por termo a própria existência”. A Noite. Rio de Janeiro, 14 de Outubro

de 1912, p. 5. 215

“Um falso espírita preso no Rio Comprido”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 20 de Novembro de 1937, p.

7. 216

“A macumba foi varejada pela polícia fluminense – vários despachos encomendados”. Correio da Manhã.

Rio de Janeiro, 10 de Novembro de 1937, p. 7.

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confundido com outros cultos, buscavam contato por cartas com as redações a fim de

esclarecê-las de que os envolvidos e suas práticas não seriam espíritas. Deve ter incorporado a

forma de ver, a interpretação mesma dos espíritas da FEB para situações dessa natureza.

Acredito que diante de dúvidas quanto à maneira de classificar ocorrências assim pudessem

recorrer a estes espíritas. Vianna de Carvalho, em 3 de Fevereiro de 1913 escreve para A

Noite a respeito do caso de um homem que usaria suas faculdades mediúnicas para obter

vantagens pessoais. Seriam, para ele, charlatães profissionais, que levariam a vida com

semelhantes práticas. Procura, então, assinalar, para o jornal, o que caracterizaria o

Espiritismo.

Póde-se culpar o espiritismo de semelhantes aberrações?Deve-se confundil-o com a feitiçaria

só porque uns tantos infelizes servem-se de seu prestígio para melhor extorquir dinheiro á

credulidade alheia? A resposta é absolutamente negativa. O espiritismo se occupa de altas,

profundas questões scientíficas, philosophicas, religiosas, visando tornar o homem virtuoso,

obediente aos ensinos do Evangelho. Tudo que se fizer fóra deste programma, sob a sua

invocação, é fraude, é mystificação que precisam ser, a todo transe, combatidas pela imprensa

livre em nome da verdade. 217

Percebe-se, então, que tentavam enquadrar o modo de ver da imprensa ao seu ponto de

vista. Se os médiuns das reportagens não se ocupassem das altas questões do Espiritismo,

preocupando-se, apenas, de questões materiais tais como a busca de emprego, o esposo

fugido, a conquista amorosa, não seriam espíritas. Estariam usando o nome do Espiritismo

para angariar prestígio, mas estariam mistificando, porque a doutrina não se ocupa destas

questões. Vianna de Carvalho considera, assim, legítimo o combate que a imprensa travaria

contra estes que, a seu ver, seriam exploradores da credulidade alheia. Somente que, para

desespero seu e dos espíritas, alguns jornais – como A Noite – em algumas ocasiões não se

importavam com estas distinções. Não possuíam qualquer compromisso com os espíritas e

podiam, sim, por questões editoriais, estarem mais próximos ao Catolicismo, corrente

religiosa preponderante no país até o presente. A Noite, como vimos, continuou por algum

tempo a não diferenciar os espíritas dos demais segmentos que se utilizavam da mediunidade

em suas práticas até não mais ataca-los.

Durante a polêmica dos médicos da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de

Janeiro com os espíritas, por conta das moções que a instituição encaminhou às autoridades,

em 1939, alguns jornais posicionaram-se a favor dos espíritas. Em 6 de Junho de 1939,

Gazeta de Notícias diz que os médicos “se insurgem contra os espíritas. Julgam-se

prejudicados nas suas clinicas pelos porta-vozes desinteressados e altruístas do Além”218

. Se

217

CARVALHO, Vianna. “Espiritismo ou exploração?”. A Noite. Rio de Janeiro, 3 de Fevereiro de 1913, p. 3.

Grifos meus. 218

“Que pretensão!...”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 6 de Junho de 1939, p. 3.

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os espíritas são desinteressados, os médicos são interesseiros. Segundo o jornal, dentre os

médicos mais empenhados na causa estaria o psiquiatra Xavier de Brito, a quem chamam de

“jagunço”, e que defenderia a associação do Espiritismo à loucura. Ironizando o médico,

Gazeta de Notícias diz que loucos são os que eram atendidos por ele, que seria um “povoador

de cemitérios”. No início da década anterior, Inácio Bittencourt foi visto como charlatão pelo

jornal, agora, os espíritas são os que agem por desinteresse. Os médicos contra os espíritas

estariam equivocados e o mais exaltado deles, agindo com truculência, tem sua competência

profissional posta sob suspeita. Poucos dias depois, em 15 de Junho, num tom mais ameno,

comenta que o médico Carlos Fernandes, autor das moções, desafiou os espíritas a provarem

que podiam realizar curas. Isso faria com que a Sociedade de Medicina e Cirurgia fugisse à

sua finalidade e corresse o risco de cair no ridículo.

O espiritismo é hoje uma actividade scientífica quanto ás que mais o forem, perfeitamente

legal e respeitável. Agora, para o baixo espiritismo, este tem a vigial-o e a perseguil-o a

polícia. Não é necessário, pois, appellar para as altas autoridades da Nação, que ellas têm coisa

mais séria em que se occupar.219

O Espiritismo é reconhecido como Ciência como as demais, gozando da mesma

respeitabilidade. Ao “baixo espiritismo”, Gazeta de Notícias invoca a Polícia. Dos quatro

espíritas envolvidos na Hora Espírita Radiofônica, ao menos três tinham ligações com a FEB,

a saber: Leopoldo Machado, Luiz Fernandes da Silva Quadros e Francisco V. da Rocha

Garcia, tesoureiro dela220

. O jornal tivera, por algum tempo, coluna espírita sob

responsabilidade de uma pessoa também ligada à FEB. A defesa do Espiritismo que se fazia

em suas páginas era, provavelmente, a partir do ponto de vista da entidade federativa que, se

naquele momento não tinha mais coluna, deve ter influenciado a maneira de diferenciar o que

seria espírita ou não – “baixo espiritismo” – como escreveram. Por fim, o esforço dos médicos

seria uma banalidade, porque além de tudo as autoridades tinham assuntos mais importantes a

tratar, já que os papéis de cada um já estariam definidos: Espiritismo como Ciência, credor de

respeitabilidade; “baixo-espiritismo”, caso de Polícia. Mas... E os maus médicos?

Agora, contra os médicos que não sabem tratar convenientemente os seus clientes,

abreviando-lhes a existência neste mundo, quais as providências a tomar? Eis com o que se

devem preocupar os que se interessam pela sanidade e pela boa conservação da vida alheia. 221

Os médicos que não conseguem tratar seus pacientes, que seriam povoadores de

cemitérios, estes sim seriam os problemas com os quais a Sociedade de Medicina e Cirurgia

do Rio de Janeiro, “zelosa” pela saúde das pessoas, deveria se ocupar. Dos jornais que

pesquisei, nenhum deles ofereceu espaço para os médicos desta instituição defenderem seu

219

“Contra o espiritismo”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 15 de Junho de 1939, p. 3. Grifos meus. 220

“Hora espírita radiofônica”. Reformador. Rio de Janeiro, Maio de 1939, p. 152. 221

“Espiritismo e medicina”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 16 de Junho de 1939, p. 3. Grifos meus.

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ponto de vista, o que foi feito por espíritas em suas colunas no Correio da Manhã com

Frederico Fígner e numa série de artigos publicados em A Nota. Teriam contado, apenas, com

as páginas do Diário da Noite, que também abriu espaço para espíritas debaterem com eles, o

que se estendeu de Junho até Agosto daquele ano.

Porventura se esgotaram as formas de ver os espíritas, através da imprensa? Não me

sinto confortável em afirma-lo. Não tive acesso a todos os jornais que circularam na cidade do

Rio de Janeiro na primeira metade do século XX. Por outro lado, em alguns momentos,

mesmo os que eu pesquisei e que encontrei referências, não falaram sobre os espíritas ou

sobre o Espiritismo. A Batalha, A Manhã, Correio da Manhã e A Noite não se manifestaram

quando instituições espíritas foram fechadas por conta de exigências de Portarias Policiais

entre 1937 e 1945. Diário Carioca e Gazeta de Notícias tratam, apenas, do fechamento

ocorrido em 29 de Outubro de 1937 sob a justificativa de infiltração comunista, noticiado no

dia seguinte222

. As prisões de médiuns, que “animaram” A Noite e Gazeta de Notícias (no

caso de Inácio Bittencourt) são deixadas de lado. Das colunas mantidas por espíritas que

pesquisei, a que durou mais foi a de Frederico Fígner, no Correio da Manhã. Teriam, os

diários, mudado de interesse? Em 4 de Fevereiro de 1947, na seção de opinião dos leitores do

Diário Carioca, onde as cartas seriam condensadas, constava a de um espírita de Franca, São

Paulo. Chamada de “carta catequista”, o redator da coluna diz que o remetente desejava que o

jornal abandonasse os outros assuntos de natureza material, inclusive a política, para tentarem

convencer os leitores da inutilidade de se ocuparem dos assuntos da Terra que, diante dos

mundos, não representaria nada. Com ironia delicada, responde que

Não fora a impressão de que a maioria dos nossos leitores ainda não está devidamente instruída

para aceitar a tese do nosso leitor de Franca, nenhuma dúvida teríamos em atendê-lo. Acontece,

porém, que a esmagadora maioria do público ledor insiste com invencível teimosia em se

preocupar unicamente com as (ilegível) das paixões terrenas e temos de servir a essa maioria

espiritualmente cega as notícias pelas quais se interessa. 223

O redator da coluna aponta que os interesses dos leitores teria mudado. Ou os

interesses dos proprietários e patrocinadores do jornal são projetados nos leitores? Afinal, os

espíritas deixaram de ocupar suas páginas há quase dez anos, em Agosto de 1937. E os

espíritas olhavam, tempos atrás, com encanto e orgulho, o interesse que os jornais

demonstravam em conhecer-lhes o trabalho e o modo de pensar. Os tempos parecem ter

mudado.

222

“Em defesa da ordem”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 30 de Outubro de 1937, p. 4 e “Os comunistas se

serviam de sessões espíritas para fazerem suas reuniões”. Diário Carioca. Rio de Janeiro, 30 de Outubro de

1937, capa. 223

“Cruzada espiritista”. Diário Carioca. Rio de Janeiro, 4 de Fevereiro de 1947, p. 4.

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Capítulo 3 – Da imprensa para o livro: novos horizontes para a divulgação

doutrinária

3.1 – O Primeiro Congresso Brasileiro de Jornalistas Espíritas

De 15 a 25 de Novembro de 1939 realizou-se, no Rio de Janeiro, o Primeiro

Congresso de Jornalistas Espíritas, cuja sessão inaugural ocorreu na sede da Associação

Brasileira de Imprensa. A iniciativa partira de Deolindo Amorim, então 1º secretário da Liga

Espírita do Brasil, a partir de um artigo que publicou no jornal Vanguarda em 22 de Julho

daquele ano. Objetivavam, com o evento, a “fundação de uma associação de imprensa

espírita destinada a reunir em seu organismo os jornais e as revistas espíritas de todo o

Brasil” 1. Deolindo Amorim e os demais espíritas reunidos em torno da iniciativa,

consideravam necessária a criação de um organismo que congregasse em seu seio os

periódicos espíritas então existentes no país. Partindo de alguém vinculado a uma entidade

federativa – a Liga Espírita do Brasil – a proposta capitalizaria dividendos políticos para o

papel que ela desempenhava, qual seja, o de congregar e organizar os espíritas.

Em Setembro de 1939, o jornal A Nota, onde atuava Leal de Souza, noticiou uma das

sessões preparatórias, realizada na sede da Liga Espírita do Brasil. Na oportunidade, além de

A Nota, representada por Leopoldo Machado, estiveram presentes representantes de órgãos da

imprensa doutrinária e leiga da Capital2. No entanto, a FEB manteve-se afastada. Acusaram o

recebimento do convite para participarem no Reformador de Agosto de 1939. A Diretoria da

federativa, reunida, teria decidido

embora com pesar, que não lhe era possível deixar de declinar de tão honroso convite, por se

lhe afigurar, de um lado, que o momento, se não é o menos oportuno para a realização dessa

interessante iniciativa, também não se mostra muito propício a que ela dê os frutos que

naturalmente esperam os que a propugnam e, de outro lado, a Federação importaria afastar-

se mais ou menos, esta instituição, da órbita que às suas atividades traça o programa de tarefa

que lhe incumbe, cotidianamente assinalada pelos seus dirigentes do plano espiritual. 3

De acordo com os espíritas da FEB, o momento não seria adequado. Realmente, era

um tempo difícil para os espíritas, uma vez que poucos meses antes sofreram ataques da

Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, que se voltou contra o programa de rádio

“Hora Espírita Radiofônica”, iniciado em 1º de Junho de 1939, que contava com vários

espíritas ligados à FEB. Era um tempo, também, onde os espíritas tinham dificuldades de

manterem funcionando suas instituições e seus periódicos, estes últimos sufocados pelos

1 “Congresso de Jornalistas Espíritas”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Agosto de 1939, p. 486.

2 “Congresso Brasileiro de Jornalistas Espíritas”. A Nota. Rio de Janeiro, 26 de Setembro de 1939, p. 5.

3 “Congresso de Jornalistas Espíritas”. Reformador. Rio de Janeiro, Agosto de 1939, p. 246. Grifos meus.

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custos de sua produção bem como inibidos e calados pela censura do D.I.P.. Por fim, a FEB

alegou que a participação no Congresso demandaria o afastamento do seu programa de

atividades, invocando, para legitimar seu argumento, as diretrizes traçadas pelos Espíritos. A

mim parece que a não adesão tem a ver com o fato da iniciativa não ter partido dela.

Escusando-se participar – e dando publicidade à sua decisão – parece-me que contava

esvaziar o evento. Não por acaso acionam, como uma das justificativas, as dificuldades do

momento que se vivia, como a declarar, de antemão, que o evento estaria fadado a não

produzir frutos. Também é válido recordar que o Reformador, provavelmente o periódico

espírita mais antigo em circulação naquele momento, não se faria representar num Congresso

Brasileiro de Jornalistas Espíritas. Ora, as atividades na imprensa estavam na pauta da FEB

praticamente desde a sua fundação. Tão logo ela foi criada, em Janeiro de 1884, o

Reformador passa à sua responsabilidade. Como, então, alegar que participando do Congresso

para o qual foi convidada se afastaria de seu programa?

A postura dúbia da FEB frente ao Congresso Brasileiro de Jornalistas Espíritas se

evidencia, também, pela ausência de referências a ele nas páginas de seu periódico. Em

Agosto de 1939 foi a única vez que se manifestaram a respeito. Depois, apenas o silêncio,

afinal, se lhe acompanhasse os preparativos e desdobramentos, através de suas páginas, além

de promovê-lo, evidenciaria sua contradição: por que tratar de um evento que declarava não

acreditar em suas potencialidades? Chamo a atenção disso porque na única referência que fez

ao evento, afirma que

acompanharácom a melhor simpatia e os melhores votos (...) os trabalhos do Congresso de

Jornalistas Espíritas, para os quais almeja completo exito, pronta a proclamar a excelência dos

resultados que dele se evidenciem e a aplica-los á obra em que ela esforçadamente se

empenha, rendendo deste modo justa homenagem aos que o tenham conseguido. 4

Prometeu acompanhar o evento e torcer pelo seu sucesso. No entanto, o

Reformadornão cobriu os preparativos e muito menos sua realização. Sequer atreveu-se a

fazer um balanço daquilo que foi discutido nele, a fim de avaliar seus resultados. Não teria

acontecido nada de aproveitável no Congresso para os representantes da FEB? “Crônica

Espírita”, coluna de Frederico Fígner no Correio da Manhã, também ignorou5.

A Revista Espírita do Brasil de Dezembro de 1939 noticiou a realização do

Congressono qual estiveram presentes“autoridades civis e militares, pessoas do nosso mundo

4 Idem. Grifos meus.

5Dos jornais diários que analisei, além de A Nota, apenas o Diário da Noite tratou da realização do Congresso,

divulgando o seu programa de trabalhos.“Installa-se hoje o Congresso de Jornalistas Espíritas”. Diário da Noite.

Rio de Janeiro, 15 de Novembro de 1939, p. 12.

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social, numerosos representantes de associações espíritas e jornalistas” 6. Dentre estes,

encontramos espíritas que tinham relações com a FEB: Ismael Gomes Braga, Lins de

Vasconcellos, Luiz Autuori (da coluna “„Correio‟ Espírita”, do Correio da Manhã), Carlos

Imbassahy (na época, secretário do Reformador) e Leopoldo Machado. Se a FEB não se faz

representar oficialmente, nem por isso espíritas ligados a ela deixam de participar do evento.

De todos estes, apenas Carlos Imbassahy detinha cargo na federativa7.

Perpassa o Primeiro Congresso Brasileiro de Jornalistas Espíritas um esforço de

afirmação política onde os espíritas buscam legitimidade para suas diferentes atividades

doutrinárias, com destaque, naquele ambiente, para a imprensa, reconhecendo nela papel

importante na autoafirmação deles. Os espíritas da Liga Espírita do Brasil destacam trechos

da fala do presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Herbert Moses, presente na

abertura do evento.

A “Casa do Jornalista”, acentuou o ilustre presidente, não distingue jornalistas, sejam

católicos, espíritas, positivistas ou de quaesquer outros credos, porque a classe é uma só. Ali

estava, finalisou, ao lado da classe, sem encarar o credo religioso, porque a “Casa” é de todos

os jornalistas. O discurso do Presidente da A.B.I. foi muito brilhante, e por isso constantemente

aplaudido. 8

Aquele ambiente – fazem questão de destacar da fala do presidente da A.B.I. – não

faria distinção de pessoas em função de seus credos religiosos. Ali todos seriam considerados

jornalistas, ainda que muitos daqueles espíritas levassem a atividade de maneira amadora, não

profissional, desenvolvendo-a nos espaços de tempo livre que possuíam entre a luta pela

sobrevivência material e as demais atividades doutrinárias. O presidente da maior associação

de imprensa do país legitimava a prática jornalística dos espíritas, igualados aos demais.

Deolindo Amorim, presidente do Congresso, em seu discurso de abertura destacou que

“a imprensa espírita deve ter um papel essencialmente construtivo”9. Segundo ele, “o homem

de imprensa deveria estar possuído de grande espírito de renúncia”10

. Destaca, por fim, que

“duas coincidências concorrem para maior magnanimidade do ambiente”: a instalação do

Congresso dentro da “Casa do Jornalista” e a celebração do cincoentenário da República, fato

histórico que recorda grandes conquistas espirituais, dentre estas ressaltou o Presidente com

entusiasmo “a liberdade de culto para todos os creados” (sic). 11

6 “Primeiro Congresso Brasileiro de Jornalistas Espíritas”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Dezembro

de 1939, p. 576. 7 “Federação Espírita Brasileira”. Reformador. Rio de Janeiro, Fevereiro de 1939, p. 35.

8 “Primeiro Congresso Brasileiro de Jornalistas Espíritas. A oração do presidente da „Casa do Jornalista‟”.

Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Dezembro de 1939, p 577 e 578. Grifos meus. 9 “Primeiro Congresso Brasileiro de Jornalistas Espíritas. Fala do Presidente”. Revista Espírita do Brasil. Rio de

Janeiro, Dezembro de 1939, p 576. 10

Idem. 11

Idem. Grifos meus.

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Penso que quando ele fala do papel construtivo da imprensa espírita pode ser no

sentido de não resumir-se à elaboração de artigos de cunho doutrinário. Não deve ser sido

casual que, em sua fala, destacasse a liberdade de credo, que naquele momento vinha sofrendo

ataques por parte da Polícia e que poderia ter nas páginas dos periódicos um canal para

manifestar-se. A renúncia que ele esperava do homem de imprensa devia ser bem aquela do

investimento de esforço, persistência, tempo e recursos materiais na execução da tarefa. A de

quem contaria, para manter seus periódicos, com ajuda financeira abaixo do que esperava,

além das cobranças e discordâncias que sua produção na imprensa pudessem gerar no seio dos

espíritas e demais leitores.

Esse caráter político, de luta e afirmação dos espíritas, já estava evidente durante os

preparativos do Congresso. Em A Nota, destaca-se que as teses definidas para o debate

versariam“sobre vários assumptos, definindo o Espiritismo perante a sciencia, as leis, a

educação e a medicina”12

. Os quatro assuntos elencados tinham importância fundamental

para os espíritas. A Doutrina Espírita afirma-se, também, como ciência, sendo que alguns

espíritas preferiam, mesmo, esse aspecto. Os espíritas buscavam desenvolver suas atividades

doutrinárias sem impedimentos legais, sendo, para eles, a vigilância em torno do receituário

mediúnico – interpretado como exercício ilegal da Medicina – uma porta aberta para a

repressão Policial. Além disso, poucos anos antes, em 1937, os Centros Espíritas foram

fechados pela Comissão Executora do Estado de Guerra sob a alegação de estarem abrigando

comunistas. A liberdade de culto, conforme Deolindo Amorim destacou em sua fala de

abertura do Congresso, era um anseio. Ainda aqui, no capítulo das leis, dialogavam com a

Medicina, apresentando as alternativas terapêuticas espíritas: o receituário mediúnico, o passe

e a água fluidificada, que no entendimento deles não se enquadraria nos rigores da lei.

Segundo os espíritas da FEB, “o Código Penal ainda vigente se tornou o broquel com que se

cobrem os mais ferrenhos e violentos inimigos do Espiritismo”13

. Por fim, a respeito da

questão da educação, recordemo-nos dos esforços dos espíritas a fim de evitarem o ensino

religioso nas escolas, o que era visto por eles como o ensino da religião hegemônica, a

católica. Essa luta foi um dos gatilhos para a criação da Liga Espírita do Brasil, instituição

cujo organizador do Primeiro Congresso de Jornalistas Espíritas, Deolindo Amorim, militava.

As teses apresentadas foram: “O Espiritismo e seus fundamentos científicos”, do Dr.

Francisco Luiz de Azevedo Silva; “Obsessão e Psiquiatria”, do Dr. Inácio Ferreira;

“Espiritismo e Medicina”, do Dr. Levindo Melo; “O Espiritismo e as demais religiões”, de

12

“Congresso Brasileiro de Jornalistas Espíritas”. A Nota, op. cit.. 13

“O Código Penal”. Reformador. Rio de Janeiro, Agosto de 1939, p. 242.

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Carlos Imbassahy; “O Espiritismo e o Direito”, de Henrique Andrade; “O Espiritismo e o

Esperanto”, de Ismael Gomes Braga; “Espiritismo e Educação”, de Leopoldo Machado; “O

Espiritismo e a ideia de Pátria”, de Luiz Autuori14

. Além destas, assinalam que foram

apresentadas duas outras teses que não estavam programadas: “O jogo e o aborto em face das

leis divinas”, do jornalista Domingos Antonio de Angelo Neto, de São Paulo e “O Espiritismo

é a Religião”, do Dr. Noraldino de Mello Castro, de Minas Gerais15

.

A primeira resolução do Congresso é uma apelo dirigido ao governo federal.

Declarar que, amigo da Ordem e da Paz empreendedor e realisador, o Espiritismo é tão

patriota e tão digno como os que mais o sejam dentro do conjunto de homens que constituem a

Pátria a qual não é por ele tomada apenas no sentido geográfico, no seu esforço de mante-la

bem alto no conceito dos povos, dos quais se respeita o dever a que não fugirá, e nunca fugiu,

de defende-la, por todos os meios, quando ameaçada nos seus direitos, quaisquer que eles

sejam.16

Os espíritas reunidos no Congresso afirmam que são amigos das instituições que

mantém a ordem social e que estariam prontos a colaborar sempre que requisitados pelas

autoridades, quando esta enxergasse ameaças ou inimigos de seus interesses, travestidos de

interesses da nação. E os espíritas ali presentes também se utilizam de expedientes

semelhantes aos dos governantes que falam de seus interesses como sendo os da nação. Falam

em nome do Espiritismo, como se todos os espíritas estivessem, ali, representados. Deveriam

existir espíritas que apoiassem o regime de exceção que se vivia? Provavelmente. Entretanto,

a oposição, num regime dessa natureza, tem dificuldades de manter-se e vive sob

14

“Primeiro Congresso Brasileiro de Jornalistas Espíritas. As teses”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro,

Dezembro de 1939, p. 579. Inácio Ferreira era médico psiquiatra de Minas Gerais responsável pelo Sanatório

Espírita de Uberaba. Curaria doentes considerados loucos através de sessões espíritas. De acordo com Allan

Kardec, a obsessão é “o domínio que alguns Espíritos logram adquirir sobre certas pessoas. Nunca é praticada

senão pelos Espíritos inferiores, que procuram dominar. Os bons Espíritos nenhum constrangimento infligem”.

Os espíritas acreditavam (e acreditam ainda) que muitos casos de loucura podem ser provocados pela obsessão.

Em suas reuniões de “Desobsessão” ou de “esclarecimento”, procuravam conversar com esses Espíritos

desencarnados que promoviam o domínio ou perseguição sobre alguém, a fim de tentarem convencê-los a

desistirem de seus propósitos. Sobre Inácio Ferreira, ver: FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Inácio

Ferreira. Disponível em: http://www.febnet.org.br/ba/file/Pesquisa/Textos/In%C3%A1cio%20Ferreira.pdf

Último acesso em 25 de Março de 2014. Sobre a obsessão, ver: KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns, op. cit.,

p. 306. Francisco Luiz de Azevedo Silva foi advogado, escritor e jornalista. AUTORES CAMPISTAS.

Francisco Luiz de Azevedo Silva. Disponível em: http://autorescampistas.blogspot.com.br/2012/12/francisco-

luiz-de-azevedo-silva.html Último acesso em 25 de Março de 2014. 15

“Primeiro Congresso Brasileiro de Jornalistas Espíritas. Encerramento do Primeiro Congresso de Jornalistas

Espíritas”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Dezembro de 1939, p. 579 e 580. Noralndino era advogado

e teria ajudado a fundar instituições espíritas, bem como sociedades de assistência à infância e à velhice. Sobre

ele, ver: AUTORES ESPÍRITAS CLÁSSICOS. Noraldino de Mello Castro. Disponível em:

http://www.autoresespiritasclassicos.com/Biografias%20Espiritas/N/Noraldino%20de%20Mello%20Castro.doc

Último acesso em 25 de Março de 2014. Domingos Antonio de Angelo Neto era um dos redatores do jornal O

Kardecista, de São Paulo. Ver: RIZZINI, Jorge. Campanha do livro espírita no Teatro Municipal. Disponível

em: http://www.herculanopires.org.br/apostolo-abertura/286-teatromunicipal Último acesso em 25 de Março de

2014. Infelizmente não tive acesso aos textos das teses. 16

“1º Congresso de Jornalistas Espíritas”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Janeiro de 1940, p. 605.

Grifos meus.

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constanterisco. Acenam, então, como aqueles que respeitariam as regras vigentes, em pé de

igualdade com os outros que assim se posicionassem. E ao fazê-lo, desejam o mesmo

tratamento dispensado aos que colaboravam como regime. Tanto os espíritas da Liga Espírita

do Brasil quanto da FEB procuram manter um canal de diálogo aberto com as autoridades

policiais que fiscalizavam suas atividades doutrinárias17

.

Outra sinalização de que estes espíritas tentavam alinhar-se com as autoridades é

evidenciada na terceira resolução do Congresso. Recomendava a conjugação de esforços, não

só aos jornalistas, que deviam ser

os orientadores da opinião pública, como também as melhores organizações espíritas, no

sentido de que não seja permitido pelas autoridades públicas a organização de agremiações

espíritas que pretendam fazer sessões públicas, sem que sejam seus dirigentes julgados

perfeitamente idôneos, intelectual e moralmente, como tal reconhecidos no meio espírita e no

conceito público pelo seu passado.18

Os congressistas tinham a expectativa que, tanto os jornalistas espíritas, tidos como

formadores de opinião, quanto os Centros Espíritas, tidos por eles como melhores,

demandassem às autoridades que elas criassem impedimentos à fundação de Centros Espíritas

que desejassem realizar suas sessões espíritas públicas sem que seus dirigentes fossem

considerados, pelas autoridades públicas – a Polícia, provavelmente – e por eles, pertencentes

ao “meio espírita”, como pessoas idôneas. A solicitação deles concretiza-se e, a partir de

1941, as autoridades policiais exigiriam dos Centros Espíritas da cidade do Rio de Janeiro os

antecedentes político-sociais dos seus componentes19

. Os espíritas envolvidos com o

Congresso de Jornalistas Espíritas antecipam, de certa forma, a medida, como proposta às

autoridades policiais. Em alguns dos Boletins de Informações para Agregação de Centros

Espíritas, a Liga Espírita do Brasil perguntava se a instituição postulante à adesão era

registrada na Polícia. No processo de adesão do Grupo Espírita Antonio de Pádua, de

Botafogo, a Procuradoria da Liga coloca, como necessidade para a concretização da adesão,

17

Em Junho de 1937, as duas federativas entregaram, ao Primeiro Delegado Auxiliar da Polícia Anésio Frota

Aguiar, atendendo à sua solicitação, as suas relações de Centros Espíritas adesos, fazendo-o através de seus

presidentes, respectivamente João Torres e Guillon Ribeiro. Sobre a visita de João Torres ao Delegado Frota

Aguiar, ver: TORRES, João. “O Espiritismo e a Polícia”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Julho de

1937, p. 246. Sobre a visita de Guillon Ribeiro, ver: RIBEIRO, Luiz Olímpio Guillon. “Relatório, apresentado

pelo seu presidente, á Assembléia Deliberativa, na sua reunião ordinária de 1937, sobre os trabalhos da

instituição e contas da sua administração, durante o ano social de 1º de Julho de 1936 a 30 de Junho do ano

seguinte”. Reformador. Rio de Janeiro, 16 de Setembro de 1937, p. 413. De acordo com o Decreto nº. 24.531, de

2 de Julho de 1934, competiria à Primeira Delegacia Auxiliar: “I – Processar a cartomancia, mistificações,

magias, exercício ilegal da medicina e todos os crimes contra a Saúde Pública. II – Ter sob sua vigilância o

meretrício (...). III – Reprimir e processar o proxenetismo e o caftismo”. CÂMARA DOS DEPUTADOS.

Decreto nº. 24.531, de 2 de Julho de 1934. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-

1939/decreto-24531-2-julho-1934-498209-publicacaooriginal-1-pe.html Último acesso em 25 de Março de 2014. 18

“1º Congresso de Jornalistas Espíritas”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Janeiro de 1940, p. 605.

Grifos meus. 19

OLIVEIRA, Marco Aurélio Gomes. “Livres”, porém perseguidos, op. cit., p.64.

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186

que o Centro Espírita prove “o desfecho de seu licenciamento na Polícia” 20

. A preocupação

de manter boas relações com as autoridades policiais poderia capitalizar, para as duas

federativas existentes, a confiança de seus fiscalizadores e faria com que tivessem, junto a

eles, autoridade moral e legitimidade para negociarem caminhos, alternativas e possibilidades

para o funcionamento dos Centros Espíritas a elas vinculados. Porém, a quantidade de

exigências a serem atendidas pelos espíritas que quisessem colocar em funcionamento ou

legalizar suas instituições espíritas certamente asfixiaria financeiramente aqueles mais

pobres21

. O delegado Anésio Frota Aguiar, no encontro que teve com João Torres em Junho

de 1937, teria afirmado que os passes e a água fluidificada poderiam ser ministrados

publicamente nas reuniões espíritas, “desde que disso não se valham os médiuns para exercer

exploração em torno dos que a esses meios recorrem sob os princípios de fé” 22

. Além disso,

ressaltou que “a acção policial visa, sobretudo, combater o baixo espiritismo” 23

. Desejavam,

os espíritas congressistas, marcarem posição como legítimos espíritas e afastarem-se daqueles

considerados praticantes do dito “baixo espiritismo”, acabando, com semelhante

posicionamento, respaldando a atividade policial repressora àqueles que não eram

considerados por eles tão espíritas assim.

As resoluções do Congresso, evidentemente, abordavam a atividade de espíritas na

imprensa. A primeira delas sugeria, preconizava e recomendava “a organização, no Rio de

Janeiro, de uma associação de jornalistas e escritores espíritas, na forma que fôr julgada

mais viável e eficiente, para o fim de promover e intensificar o intercâmbio de jornais e

revistas e do noticiário referente ao movimento espírita no Brasil”24

. Os congressistas

entendiam que os periódicos espíritas, dos diferentes pontos do país, não estavam articulados

entre si. Quem sabe a falta de articulação e o afastamento que alguns periódicos pudessem

20

CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Carta de Agregação do Grupo Espírita

Antonio de Pádua à Liga Espírita do Brasil. “Parecer”. Rio de Janeiro, 25 de Junho de 1943. Na Carta de

Agregação do Novo Centro Espírita Antonio dos Pobres, de 1937, consta que seus estatutos estavam registrados

na Polícia. CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Carta de Agregação do Novo Centro

Espírita Antonio dos Pobres à Liga Espírita do Brasil. “Boletim de Informações para Aggregação”. Rio de

Janeiro, 1937. 21

Em Fevereiro de 1943, o presidente do Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança, de Botafogo, prestando

contas sobre processo de legalização do Centro, que gastou Cr$: 204,00, despesa que ele mesmo cobriu com seus

recursos. O movimento financeiro do período de 1º de Setembro a 31 de Dezembro de 1942 teve um saldo

positivo de Cr$: 487,00. Trata-se de um período de 4 meses. Então, se dividirmos esse valor, para fazermos uma

média, teremos Cr$: 121,75 por mês. A despesa com a legalização não seria coberta com a receita de um mês. E

se tomassem o valor total alcançado em 4 meses, gastariam quase a metade do obtido. CENTRO ESPÍRITA

AMOR, CARIDADE E ESPERANÇA. Ata de Reunião Ordinária de Diretoria. Rio de Janeiro, 9 de Fevereiro

de 1943, p. 14 e 15. 22

TORRES, João. “O Espiritismo e a Polícia”, op. cit.. 23

Idem. 24

“1º Congresso de Jornalistas Espíritas”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Janeiro de 1940, p. 605.

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manter entre si não fosse proposital, sintoma do desejo de contarem com a preferência

exclusiva dos espíritas? A organização dos jornalistas e escritores espíritas numa associação

poderia potencializar a capacidade de comunicação deles em tempos difíceis – como aqueles

de perseguições policiais – levando a um público mais ampliado seus posicionamentos a

respeito dos problemas causados pela repressão, como também outros temas que fossem de

interesse comum. Além disso, organizados em classe, poderiam ter força ampliada para

demandarem, junto às autoridades e a fornecedores, melhores condições para manterem em

funcionamento seus periódicos.

Em Janeiro de 1940, quase dois meses depois do Congresso, a Revista Espírita do

Brasil comenta a respeito do intercâmbio de jornais e revistas, apontando-a como necessidade

e “expressão natural do espírito de coleguismo jornalístico”25

. Esse movimento entre as

publicações seria natural na imprensa, de modo geral, em função da “simpatia ou por

afinidade de orientação”26

. A revista aponta que muita gente reclamava por esse movimento

de permuta entre as publicações, que entre os espíritas não seria pontual e deixaria muito a

desejar. “É que a chama do coleguismo, ao que parece, não está generalisada”27

, ou seja,

havia interesses menos gerais, de grupos de espíritas específicos que mantinham publicações,

que estavam sendo colocados acima de um interesse mais geral. É a minha impressão e parece

ser a dos espíritas da Liga Espírita do Brasil, que consideravam essa troca necessária,

também, para potencializar a divulgação doutrinária, afinal, “o nosso país é imenso e os

jornais espíritas – exclusivamente espíritas – são em número que não corresponde, pelo

menos, a UM por região”28

. Para a Revista Espírita do Brasil, um sintoma desse afastamento

entre as publicações espíritas seria evidenciado na estante de leitura de sua Redação.

A estante de leitura da nossa Redação recebe, com pontualidade admirável, a visita de

publicações estrangeiras, as que permutam conosco, ao passo que dos jornais e das revistas

nacionais, colegas há que não nos honram com a sua visita. (...) Cabe-nos, em côro, fazer uma

concitação a todos os órgãos da nossa imprensa, ativando o intercâmbio pelas PERMUTAS

como pelas referencias necessárias, pelas transcrições, etc,.29

Recebiam publicações espíritas estrangeiras e deixavam de receber publicações feitas

por espíritas no Brasil. A Revista Espírita do Brasil ressalta que fazia permutas com

publicações espíritas nacionais e internacionais, como também com “publicações

ESPIRITUALISTAS de ramos diferentes do Espiritismo e com JORNAIS LEIGOS, QUE

MANTEEM COLUNAS ESPÍRITAS, DÃO NOTÍCIAS OU PUBLICAM ARTIGOS SOBRE

25

“Intercâmbio de Jornais e Revistas”. Revista Espírita do Brasil. Janeiro de 1940, p. 598. 26

Idem. 27

Idem. 28

Idem. 29

Idem.

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ESPIRITISMO” 30

. Se os espíritas da Liga Espírita do Brasil procuravam manter-se distantes

de outros segmentos espiritualistas – como os umbandistas – não deixavam de receber e trocar

publicações com eles, na expectativa de verem, nestas outras páginas escritas por leigos, seus

artigos ou um pouco de suas influências nas ideias ali expostas.

Outra resolução recomendava que os espíritas que detinham responsabilidades na

imprensa, nos periódicos doutrinários ou na imprensa diária através de colunas em jornais

leigos se limitassem apenas, na medida do possível, aos postulados espíritas, a fim de que

“não haja guarida nos jornais para a colaboração imprestável”31

. Ou seja, os congressistas

acreditavam que havia espíritas abrindo espaços para outros assuntos alheios ao Espiritismo.

Além disso, muitos desses artigos não atenderiam às suas expectativas em termos de

qualidade, quem sabe por considera-los doutrinariamente deficientes. Sugerem, então, que os

jornalistas espíritas registrem-se “no Serviço de Identificação Profissional do Departamento

Nacional do Trabalho como „jornalistas não profissionais‟”32

. Esse registro seria permitido

pelo Decreto-Lei nº. 1.698, de 23 de Fevereiro de 1939 que teria efeito meramente

declaratório, não implicando no “reconhecimento de direitos que decorrem do exercício

remunerado e profissional do jornalismo” 33

. Para tanto, deveriam provar sua nacionalidade

brasileira, apresentar sua folha corrida e “prova de que não responde a processo ou não

sofreu condenação por crime contra a segurança nacional”34

. O registro não era obrigatório,

mas os congressistas recomendavam-lhe a consulta para a seleção de colaboradores para seus

periódicos e colunas que mantinham nos jornais leigos. Em tempos de repressão às suas

atividades doutrinárias, deviam julgar que submetendo-se a semelhante registro dariam

mostras da idoneidade dos espíritas, cumpridores das leis e amigos da pátria.

Na quinta resolução do Congresso os espíritas parecem mandar um recado aos jornais

diários, dos quais reclamavam, muitas vezes, a falta de espaço concedido à Doutrina Espírita

em suas páginas. Fazem questão de assinalar que o Espiritismo, “servindo ao Evangelho, na

difusão das leis do Amor, do Perdão e da Caridade, colimando a Fraternidade (...) se torna

30

Idem. 31

“1º Congresso de Jornalistas Espíritas”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Janeiro de 1940, p. 605. 32

Idem. 33

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Decreto-Lei nº. 1.698, de 23 de Outubro de 1939. Disponível em:

http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-1698-23-outubro-1939-411568-

publicacaooriginal-1-pe.html Último acesso em 27 de Março de 2014. 34

O Decreto-Lei nº. 1.698, no seu artigo 2º, diz que para a obtenção desse registro seria necessário atender ao

disposto nas alíneas a, b e c do artigo 13º do Decreto-Lei nº. 910, de 30 de Novembro de 1938, que trata da

duração e das condições de trabalho nas empresas jornalísticas. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Decreto-Lei nº.

910, de 30 de Novembro de 1938. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-

1939/decreto-lei-910-30-novembro-1938-349925-publicacaooriginal-1-pe.html Último acesso em 27 de Março

de 2014.

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digno do respeito dos homens e merecedor do mesmo acatamento que a imprensa dispensa

aos demais ramos filosóficos e credos religiosos”35

. É de se notar que A Batalha, Gazeta de

Notícias e o Diário Carioca encerram suas colunas espíritas no final da década de 1930. O

Correio da Manhã, que em alguns momentos chegou a manter duas colunas espíritas, após o

final da coluna “„Correio‟ Espírita”, em Janeiro de 1938, manteve, apenas, a coluna de

Frederico Fígner. O Diário de Notícias encerra a coluna “Assumptos Psichicos”, de Silvio

Roberto em Abril de 1939. Parece-me que os espíritas perceberam que o tratamento da

imprensa leiga estava mudando com relação a eles e reclamam, por isso, a mesma atenção que

outros segmentos religiosos e filosóficos estariam recebendo dos jornais leigos.

Na penúltima resolução os congressistas espíritas assinalam que ao desenvolverem

suas atividades doutrinárias, exercem “um direito legítimo, que não fere nenhum princípio de

ordem social e não incide em qualquer sanção penal, que não existem nos códigos

brasileiros, salvo aquele que, ultrapassando as fronteiras do direito assegurado, se torna

nocivo ao bem público”36

. Os espíritas destacam ainda que em suas atividades desenvolviam

a caridade evangélica, auxiliando os mais necessitados como a dizer às autoridades: “como

uma Doutrina que promove tanto o bem pode constituir-se ameaça à ordem pública?”. Neste

momento, ignoram os artigos do Código Penal que enquadram a prática do Espiritismo, bem

como a questão do receituário mediúnico, interpretada pelas autoridades policiais como

exercício ilegal da medicina. Certamente se valiam dos entendimentos favoráveis de juristas,

espíritas ou não, que não viam na atividade curadora dos espíritas relações com o texto legal

que criminalizava a prática ilegal da medicina37

. Não é casual que a resolução seguinte dirija-

se aos médicos, especificamente aos psiquiatras. Os médicos organizados em torno da

Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, nas moções que enviaram ao Presidente

da República e aos Ministros da Educação e Justiça, afirmam que seria consensual, entre os

psiquiatras brasileiros e estrangeiros, que a prática do Espiritismo seria nociva à saúde

mental38

. Adotando um tom muito mais ameno que o dos artigos que publicaram pela

imprensa doutrinária e leiga, os congressistas dirigem-se aos médicos recomendando-lhes o

estudo do Espiritismo, “que longe de os deshonrar e à ciência, mais os engrandecerá,

35

“1º Congresso de Jornalistas Espíritas”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Janeiro de 1940, p. 605. 36

Idem. 37

No ano de 1929, Reformador publicou diversos artigos a respeito do Código Penal. “A perspectiva da reforma

do Código Penal e a intensificação de actividades clericaes na hora que passa preoccupam e agitam os meios

espiritistas, chegando alguns de seus expoentes mais zelosos e não menos autorisados a conjecturar, destes

syntomas, a possibilidade de uma questão religiosa em nosso país”. “O lemma da victoria”. Reformador. Rio de

Janeiro, 16 de Maio de 1929, p. 301. 38

MACHADO, Leopoldo. Pigmeus contra gigantes, op. cit., p.10.

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colocando-os ao lado de notáveis cientistas estrangeiros que com o assunto tem se ocupado”

39. Os espíritas esperavam que os médicos, ao constatarem a sobrevivência da alma à morte,

pudessem agregar, à Medicina, a terapêutica que eles desenvolviam em suas instituições,

levando em conta que muitos casos de loucura pudessem ser, na realidade, obsessões

promovidas por desencarnados.

Os congressistas espíritas decidem, ainda, em suas últimas resoluções, consignarem

seus aplausos às instituições espíritas que mantivessem trabalhos de instrução e educação.

Solicitam, ainda, que outros Centros Espíritas passassem a realizar esse tipo de atividade. Por

fim, concluem que deviam, igualmente, se esforçar para a disseminação do Esperanto, que

deveria ser colocado “a serviço dos altos ideaes do Espiritismo”40

. Para tanto, jornalistas e

escritores espíritas teriam que dar o exemplo, esforçando-se por aprender e ensinar o idioma,

“de sorte a formarem, quanto antes, o corpo de redatores necessários a uma revista espírita

em Esperanto”41

. Objetivos audaciosos para espíritas que tinham grandes dificuldades de

manterem em funcionamento seus periódicos. A Revista Espírita do Brasil, dentre os

materiais consultados a principal fonte para abordar a realização deste Congresso, não trouxe

a relação de jornalistas que representavam os periódicos espíritas de outros Estados, além de

não oferecer elementos para avaliar a abrangência do evento para além do Rio de Janeiro, São

Paulo e Minas Gerais42

.

Projetaram a realização do Segundo Congresso Brasileiro de Jornalistas Espíritas na

cidade de São Paulo em 1940 e elegeram duas comissões para organizarem-no. A comissão

do Distrito Federal era composta por Ismael Gomes Braga, Henrique Andrade e Levindo

Melo. A comissão de São Paulo contava com João Batista Pereira, presidente da Federação

39

“1º Congresso de Jornalistas Espíritas”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Janeiro de 1940, p. 606.

Leopoldo Machado narra um fato que teria acontecido com ele. Uma pessoa portadora de distúrbios mentais teria

enviado, para ele, cartas e até dinheiro, desejando, para si e seus familiares, apenas o Céu. Segundo o autor, essa

pessoa chegou a enviar-lhe 800$000. Uma vez que descobriu seu endereço, devolveu o dinheiro ao pai do doente

e começou a trabalhar pela melhora do enfermo usando as práticas espíritas. Uma vez restabelecido o indivíduo,

seu pai envia a Leopoldo Machado uma carta de agradecimento e, novamente, a mesma quantia. Mais uma vez,

ele teria devolvido o dinheiro. “O espiritista, como aí se vê, contribuiu para a cura da loucura, devolvendo o

dinheiro que, ingenuamente, lhe foi mandado! Muitos médicos, além de não curarem, ou de matarem da cura,

ainda se fazem pagar muito bem pago!”. MACHADO, Leopoldo. Pigmeus contra gigantes, op. cit., p. 48 e 49.

Os artigos deste livro de Leopoldo Machado foram publicados em A Nota, Mundo Espírita e Diário da Noite. 40

“Educação e Esperanto – Resoluções finais”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Fevereiro de 1940, p.

626. 41

“1º Congresso de Jornalistas Espíritas”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Janeiro de 1940, p. 606.

Alguns espíritas investiram no idioma, movimento que persiste até os dias de hoje com alguns Centros Espíritas

mantendo cursos. Em 1937 começaria a atuar, na FEB, um Departamento de Esperanto. BERNARDO, Carlos

Alberto Iglesia. O Espiritismo e o Esperanto. Disponível em: http://www.espirito.org.br/portal/artigos/geae/o-

esp-e-o-esperanto.html Último acesso em 27 de Março de 2014. 42

A coleção da Revista Espírita do Brasil da Biblioteca Nacional tem uma lacuna entre os meses de Agosto e

Novembro de 1939. Caso tenha circulado normalmente, pode ter trazido informações sobre os preparativos do

Congresso de Jornalistas.

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Espírita de São Paulo; Antonio José Trindade, da Sinagoga Espírita Jesus de Nazaré e

Antenor Ramos, redator-chefe de O Revelador. Uma terceira comissão foi composta na

ocasião para tratar da fundação da Associação Brasileira dos Jornalistas e Escritores Espíritas.

Compunham-na Lins de Vasconcellos, Deolindo Amorim, Leopoldo Machado, Carlos

Imbassahy e Francisco Tiago Alves43

.

O segundo Congresso não foi realizado no ano de 1940 e sim em 1958, em São Paulo,

18 anos depois do previsto, organizado pelo Clube de Jornalistas e Escritores Espíritas de São

Paulo, que tinha Herculano Pires em sua presidência44

. As comissões criadas em 1939 para

organizarem-no jamais teriam se reunido. Depois de quase duas décadas, neste segundo

evento, nota-se uma mudança de nomenclatura que sinalizava modificações em seus

objetivos: agora o seu título seria “Congresso Brasileiro dos Jornalistas e Escritores

Espíritas”, incluindo aqueles que se dedicavam à literatura espírita. Buscariam, naquele novo

encontro, estabelecer maior proximidade entre “jornalistas e intelectuais brasileiros”,

objetivando “maior unidade de vistas” em face dos problemas doutrinários – que não são

especificados –, além de discutirem “melhores condições para o aperfeiçoamento da

imprensa espírita e o maior desenvolvimento da literatura espírita no país”45

. O extenso

temário englobava dez itens, a saber:

DA LIBERDADE DE CULTO, DA DEFESA E EXPANSÃO DA IMPRENSA ESPÍRITA,

DA HISTÓRIA E DAS FUNÇÕES DA IMPRENSA ESPÍRITA, DO ESPIRITISMO COMO

CIÊNCIA, FILOSOFIA E RELIGIÃO, DA MISSÃO SOCIAL DO ESPIRITISMO, DA

MISSÃO DO JORNALISTA ESPÍRITA, DA MISSÃO DO ESCRITOR E DO

INTELECTUAL ESPÍRITA, DO ESPIRITISMO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, DO

LIVRO E DAS EDITORAS ESPÍRITAS e ESPIRITISMO E ESPIRITUALISMO. 46

Despontaram novas questões para o trabalho de divulgação doutrinária, tais como a da

literatura espírita, onde buscavam refletir tanto sobre aqueles que escreviam os livros, quanto

sobre a editoração das obras. Nas conclusões finais, delimitaram o entendimento do que seria

43

“Primeiro Congresso Brasileiro de Jornalistas Espíritas. Será em São Paulo o Segundo Congresso de Jornalistas

Espíritas”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Dezembro de 1939, p. 580. 44

AUTORES ESPÍRITAS CLÁSSICOS. Clube dos Jornalistas Espíritas de São Paulo. Disponível em:

http://www.autoresespiritasclassicos.com/Autores%20Espiritas%20Classicos%20%20Diversos/Herculano%20Pi

res/O%20Apostolo%20do%20Espiritismo/8%20-

%20Clube%20dos%20Jornalistas%20Esp%C3%ADritas%20de%20S%C3%A3o%20Paulo.htm Último acesso

em 28 de Março de 2014. Herculano Pires era jornalista. Dirigiu por seis anos o Diário Paulista e presidiu o

Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo de 1957 a 1959. FUNDAÇÃO MARIA

VIRGÍNIA E J. HERCULANO PIRES. Biografia. Disponível em:

http://www.herculanopires.org.br/herculanopires/biografia Último acesso em 28 de Março de 2014. 45

AUTORES ESPÍRITAS CLÁSSICOS. Clube dos Jornalistas Espíritas de São Paulo.Disponível em:

http://www.autoresespiritasclassicos.com/Autores%20Espiritas%20Classicos%20%20Diversos/Herculano%20Pi

res/O%20Apostolo%20do%20Espiritismo/8%20-

%20Clube%20dos%20Jornalistas%20Esp%C3%ADritas%20de%20S%C3%A3o%20Paulo.htm Último acesso

em 25 de Maio de 2014. 46

“II Congresso Brasileiro de Jornalistas e Escritores Espíritas”. O Semanário. São Paulo, semana de 29 de Maio

a 5 de Junho de 1958, p. 15.

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o Espiritismo sobre as bases de “O Livro dos Espíritos”, de Allan Kardec. Destacaram que se

deveria estimular a literatura espírita infantil, “tendo em vista a recreação, o hábito da leitura

e o ensino da Doutrina Espírita”47

. Observando o movimento de expansão do livro espírita,

sugerem caminhos provavelmente a partir de diagnósticos de que a literatura voltada para a

infância recebia atenção secundária das editoras. Terminam com a recomendação dirigida às

instituições representativas dos espíritas em âmbito estadual a articulação a fim de criarem a

“FUNDAÇÃO DO LIVRO ESPÍRITA”48

.

Ao todo, os jornalistas e escritores espíritas realizaram nove Congressos, sendo que

nenhum ocorreu na década de 1940. Na década de 1960 realizaram dois: em Belo Horizonte

(1961) e em Curitiba (1968). Na década de 1970, ocorreram três: em Niterói (1972), em

Brasília (1976) e no Rio de Janeiro (1979), este organizado pela Associação Brasileira de

Jornalistas e Escritores Espíritas, com o patrocínio da FEB, que não abordou sua realização no

Reformador daquele ano49

. Na década de 1980, os dois últimos: em Salvador (1982) e em São

Paulo (1986). Depois deste, nenhum mais.

O investimento na imprensa espírita, como se pode perceber a partir da análise das

fontes, persistiu ao longo do tempo até os dias de hoje. Vislumbravam a TV na década de

1950. A partir da década de 1930, que já contava com alguns programas radiofônicos

doutrinários, os espíritas passaram a ver na impressão de livros novos horizontes de

possibilidades na divulgação doutrinária.

3.2 – Da Livraria à “Cidade do Livro”: o projeto editorial da FEB

Através da pesquisa em torno da imprensa espírita, reuni elementos para analisar os

esforços dos adeptos do Espiritismo na organização de algumas gráficas que imprimissem

seus periódicos, livros doutrinários e folhetos. Os trabalhos gráficos realizados pela FEB

tiveram três momentos: o primeiro, desde que assumem o Reformador, em 1884, quando

47

Idem. 48

Idem. 49

RAMOS, Clóvis. A imprensa espírita no Brasil, op. cit. “Palavras do Editor”. A Associação Brasileira de

Jornalistas e Escritores Espíritas (ABRAJEE), projetada no primeiro congresso, foi concretizada durante o

Congresso realizado em 1976 em Brasília. Em 1995 foi fundada a Associação Brasileira de Divulgadores do

Espiritismo (ABRADE). Teriam divulgado na ocasião que a ABRAJEE não foi extinta, havendo na verdade,

uma ampliação do raio de abrangência de sua atuação, passando a congregar, também, todos aqueles que de

alguma forma se dedicavam à divulgação do Espiritismo. No site da ABRADE afirma-se que ela guarda

afinidade de propósitos com a antiga ABRAJEE. Sobre a não extinção da ABRAJEE, ver: ALMEIDA, Paulo.

ABRADE – É o fim?. Disponível em:

http://www.lampadarioespirita.com/noticias.asp?ID_AreaNoticia_Noticia=10 Último acesso em 28 de Março de

2014. Sobre a ABRADE, ver: ABRADE. Abrade. Disponível em:

http://www.abrade.com.br/site/index.php?pag=empresa Último acesso em 28 de Março de 2014.

Page 193: IMPRENSA ESPÍRITA NA CIDADE DO RIO DE … · 1. Imprensa. 2. Espiritismo; ... 1.5 – O D.I.P e o ... para a monografia de conclusão de curso1,quando tive acesso ao acervo de recortes

193

tinham que imprimir seus trabalhos em gráficas de terceiros por não disporem de tipografia

própria. O segundo momento começa em 1939, a partir do funcionamento de sua primeira

tipografia em sua própria sede, na Avenida Passos nº. 30, no Centro da cidade. Por fim, o

terceiro momento se dá a partir de 1948 com a fundação do Departamento Editorial que os

espíritas dessa federativa chamaram de a “Cidade do Livro”, que representou a ampliação

física e da capacidade produtiva de sua gráfica, a partir de então funcionando no bairro de São

Cristóvão. Zeus Wantuil, escrevendo sobre o centenário da Livraria da federativa em Março

de 1997, rememora o primeiro momento, quando ela

foi, por muitos anos, dirigida por Administradores nomeados pela Diretoria, responsáveis não

só pela venda dos livros, que também pela editoração de obras espíritas, preparadas e

impressas, por conta dela ou da Federação, em diversas Tipografias e Livrarias-editoras

brasileiras e lusitanas. 50

A FEB projetava a montagem de sua tipografia porque não desejava ficar sob a

dependência das gráficas particulares. No seu Estatuto de 1917 consta que

Art. 67. Annexa á Livraria, estabelecerá a Federação, logo que seja possível, uma typographia

para a impressão do Reformador, orgam official, e das obras cujos direitos autoraes tenha

adquirido. Na typographia poderão ser executados outros trabalhos de impressão, tendo

especialmente em vista reduzir o custo das edições da Livraria, de modo a facilitar a diffusão

da doutrina.

Art. 68. Será estabelecida, opportunamente, uma officina de encadernação, destinada ao

preparo do Reformador e aos trabalhos da Livraria, da Bibliotheca e outros. 51

Note-se que, desde esse momento, a primeira justificativa para o estabelecimento de

uma tipografia anexa à Livraria é a impressão do Reformador, seguido das obras que

detivessem os direitos. Além disso, seria destinada à impressão de “folhetos originais ou

traduzidos, que, a juízo da Directoria, sejam considerados úteis á propaganda do Espiritismo

e aos fins sociaes” 52

. Deixavam a disposição consignada no Estatuto a fim de facilitar a

implementação do projeto quando reunissem possibilidades materiais para tanto. Visavam,

com a medida, reduzir os custos da edição de seus trabalhos, acreditando que estes poderiam

ser barateados se dispusessem das ferramentas necessárias para a execução das impressões, o

que facilitaria o trabalho de divulgação doutrinária uma vez que, com mais recursos

disponíveis, poderiam imprimir maior número de exemplares de sua revista, de livros e

folhetos. Chamo a atenção para o fato de que os elaboradores deste Estatuto deixaram aberta a

possibilidade da futura tipografia e da oficina de encadernação da FEB realizarem outros

trabalhos, que bem poderiam ser externos às atividades institucionais da federativa, com

vistas a obterem recursos materiais adicionais àqueles obtidos com a produção eminentemente

50

WANTUIL, Zeus. “Livraria Espírita da FEB no seu Centenário”. Reformador. Rio de Janeiro, Março de 1997,

p. 88. Grifos meus. 51

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Estatutos da Federação Espírita Brasileira. Rio de Janeiro, 1917,

p. 27. Grifos meus em itálico. 52

Idem, Art. 4, § 5º, p. 5.

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194

espírita. Além disso, planificavam publicar obras não espíritas, mas que, no entendimento

deles, pudessem guardar alguma relação com a Doutrina. É o que podemos constatar no artigo

65 do mesmo Estatuto, onde se lê que “além das obras propriamente espíritas poderão ser

editadas e publicadas pela Livraria, as de sciencias moraes e philosophicas, de fácil

vulgarisação e que possam, directa ou indirectamente contribuir para a acceitação das idéias

do Espiritismo”53

. Na Livraria, eram vendidas obras de “teosofia, esoterismo, ocultismo e

outras, geralmente em francês”54

. Além deste idioma, haveria livros também em espanhol,

italiano e alemão. Em 1925, o Administrador Antonio Alves da Fonseca resolveu “reduzir de

muito, senão de todo liquidá-lo, o estoque de obras que nada tinham a ver com o

Espiritismo”55

. Reduziu ou liquidou o estoque? Isso não fica claro, mas demonstra que os

diretores da FEB durante alguns anos mostraram-se tolerantes com outras doutrinas, e se o

fizeram é porque viam algum tipo de proximidade ou relação entre o Espiritismo e elas.

Curiosamente, resolvem dar fim na impressão de obras estranhas à Doutrina Espírita no ano

em que os preparativos do Congresso Constituinte Espírita Nacional, que originou a Liga

Espírita do Brasil, estavam em andamento, congresso que viria a realizar-se no ano seguinte,

“coincidentemente” no mesmo ano da primeira reunião do Conselho Federativo da FEB56

. No

Reformador de 16 de Abril de 1926 consta uma carta do então presidente da FEB, Luiz

Barreto A. Ferreira, endereçada a Leal de Souza, que participou de uma comissão que foi

convidar a FEB para o Congresso Constituinte Espírita Nacional, ao qual ela não compareceu.

Nela podemos ver um dos pontos de discordância apontados pelo diretor da FEB para

justificar a recusa de adesão ao projeto nascente.

A Federação, sabeis, tem um programma fixado desde a sua fundação, visando a graduação de

nível moral da humanidade, dentro do Evangelho de Jesus e conforme com a Revolução

Espírita, programma esse que não comporta o ecletismo de que se faz cabedal a Constituinte.57

Os diretores da FEB viam as atividades de impressão de seu órgão oficial e de seus

livros como partes integrantes de um conjunto. Tanto que para atender a estas duas frentes de

trabalho seria designada uma só pessoa, o Administrador da Livraria e oficinas,segundo o

Estatuto de 1917, no seu Artigo 48. A ele competiriam, além de cuidar da parte administrativa

– a gerência – de Reformador:

§ 1º. A gestão da parte commercial da Livraria, promovendo o seu desenvolvimento e

dilatando-lhe as operações, por meio de uma propaganda bem orientada, na Capital Federal e

nos Estados.

53

Idem, p. 26 e 27. 54

WANTUIL, Zeus. “Livraria Espírita da FEB no seu Centenário”. Reformador, op. cit., p. 89. 55

Idem. 56

Ver: “Constituinte Espírita Nacional”. Reformador. Rio de Janeiro, 1º de Dezembro de 1925, p. 496 a 498. 57

FERREIRA, Luiz Barreto A.. “Constituinte Espírita”. Reformador. Rio de Janeiro, 16 de Abril de 1926, p.

194. Grifos meus.

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195

§ 2º. A gerência da typographia, dando-lhe o maior desenvolvimento possível.

§ 3º. A administração das officinas de encadernação.58

Em 1917, eram projetos. Se a tipografia e a oficina de encadernação não existiam

materialmente naquele momento, é provável que o contato com as diferentes gráficas que

prestariam serviços de impressão e encadernação à FEB fosse realizado pelo Administrador

da Livraria. No Estatuto de 1925, a gerência do Reformador não está mais sob a

responsabilidade do Administrador da Livraria e oficinas. Já existe uma gerência específica

para o órgão oficial.

Vinte anos depois, em 1937, o então presidente da FEB, Guillon Ribeiro, tratou do

problema do atraso na distribuição do Reformador. Segundo ele, provavelmente a partir de

considerações do gerente da revista,

somenteelevando a muito mais do dobro do custo da publicação do Reformador, no que não se

pode sequer pensar, conseguiria pôr mais ou menos em dia a distribuição de cada uma de suas

edições.Há, no entanto, uma providência que solucionaria o caso de maneira plenamente

satisfatória, de qualquer ponto de vista donde seja considerada: a montagem de uma

tipografia, com o material estrictamente necessário á impressão do Reformador e de alguns

pequenos trabalhos tipográficos (...). 59

Para Guillon Ribeiro, apenas duas alternativas se apresentavam naquele momento: a

elevação dos custos ou a montagem de uma tipografia que, para ele, seria a solução para o

caso. Interessante que, neste momento, a impressão de livros não é cogitada. A tipografia

atenderia, primordialmente, a impressão do Reformador e de pequenos trabalhos, que

poderiam ser, por exemplo, folhetos doutrinários. O Estatuto de 1933, então vigente, à

semelhança do de 1917, ainda trazia o desejo de que a tipografia a ser criada contemplasse a

impressão de livros60

. Guillon Ribeiro parece fazer uma análise de conjuntura e não ver

possibilidades de um passo tão grande. Sua proposta sugere, apenas, o atendimento das

necessidades do órgão oficial.

As reclamações sobre o atraso na distribuição do Reformador eram antigas, o que

evidencia que se tratava de um problema recorrente e incômodo. Em sua edição de 1º de

Fevereiro de 1921 demonstram que a paciência de alguns espíritas vinha se esgotando por

causa da impontualidade da revista.

Esse facto ha dado logar, como era natural, a queixas e reclamações por parte dos consocios e

assignantes, sendo que alguns destes levaram a demonstração do seu desagrado ao extremo de

58

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Estatutos da Federação Espírita Brasileira. Rio de Janeiro, 1917,

p. 23. Grifos meus. 59

RIBEIRO, Luiz Olímpio Guillon. “Relatório, apresentado pelo seu presidente, á Assembléia Deliberativa, na

sua reunião ordinária de 1937, sobre os trabalhos da instituição e contas da sua administração, durante o ano

social de 1º de Julho de 1936 a 30 de Junho do ano seguinte”. Reformador, op. cit., p. 404. Grifos meus. 60

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Estatutos da Federação Espírita Brasileira. Rio de Janeiro, 1933,

art. 68, p. 27.

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196

ordenarem a suspensão de suas assignaturas, apresentando aquelle facto como causador de tal

resolução. 61

O autor não identificado do artigo, falando pelo órgão da FEB, reforça que tudo fariam

para evitar que o problema tornasse a se repetir, ainda que se isentassem da responsabilidade

pelo ocorrido, uma vez que o Reformador “se compõe e imprime numa officina typographica,

onde, como em todas as officinas, os trabalhos com frequência se retardam por várias

causas, cuja remoção não está em nosso poder”62. Além disso, a distribuição da revista para

os assinantes estaria a cargo dos Correios, que não prestariam um serviço eficiente e regular.

Também o responsabilizam pelo “extravio ali de numerosos exemplares do Reformador, não

faltando mesmo agente do interior que, certamente movido pelo ódio sectarista, dá sumiço a

maços inteiros da nossa revista” 63

. O autor do artigo tenta argumentar, por fim, que como a

revista não era um órgão noticioso de fatos diários e sim doutrinários, não seria problema que

fosse lida com alguns dias de atraso porque não afetaria a compreensão do texto.

Rememorando, em nome da FEB, a criação de sua Livraria em 1997, Zeus Wantuil diz

que a ideia de se montar uma tipografia foi combatida. Os críticos da iniciativa – os quais não

são identificados por ele – afirmariam que a federativa, ao investir na criação de uma oficina

gráfica, “caminhava para uma expressão meramente mercantilista”64

. A partir da leitura dos

relatórios de atividades da FEB, apresentados pelos seus presidentes anualmente no

Reformador, é possível perceber que as críticas que receberam iam, mesmo, nesta direção. Em

1938, Guillon Ribeiro afirma que os objetivos da Livraria “são de ordem mais elevada,

porquanto neles não entram preocupações de lucro, para acumulação de haveres com que se

enriqueça materialmente a instituição”65

. Dessa forma, procura responder aos oponentes da

FEB que provavelmente taxariam a federativa de gananciosa, preocupada demasiadamenteem

acumular recursos materiais, bem como prestava um esclarecimento público aos demais

leitores do órgão oficial que pudessem, eventualmente, estar em contato com a argumentação

desses adversários. Em 1945, manifestando gratidão aos funcionários da Livraria, Antonio

Wantuil de Freitas diz que o serviço dela era comercial apenas na aparênciapois, em

realidade, se tratava de um“um setor de difusão de felicidade espiritual”66

. Na ocasião,

61

“O „Reformador‟”. Reformador. Rio de Janeiro, 1º de Fevereiro de 1921, p. 54. Grifos meus. 62

Idem. 63

Idem. 64

WANTUIL, Zeus. “Livraria Espírita da FEB no seu Centenário”. Reformador, op. cit., p. 89. 65

RIBEIRO, Luiz Olímpio Guillon. “Relatório apresentado, pelo seu presidente, á Assembléia Deliberativa, na

sua reunião ordinária de 1938, sobre os trabalhos da instituição e as contas de sua administração, durante o ano

social de 1º de Julho de 1937 a 30 de Junho do ano seguinte”, op. cit., p. 292. 66

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente á Assembléia Deliberativa, na sua

reunião ordinária de 1945, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do seu patrimônio moral e material,

durante o ano social de 1º de Julho de 1944 a 30 de Junho de 1945”. Reformador, op. cit., p. 198.

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mostrava-se interessado em que esse entendimento do papel desempenhado por ela atingisse a

generalidade dos espíritas, ao afirmar que essa compreensão

já vai alcançando todos os meios espíritas do País, que, aos poucos, ora por verem os

resultados da difusão do Espiritismo, ora por verificarem que os seus diretores não recebem

quaisquer vencimentos, honorários ou gratificações pelos seus serviços, se tornam em

auxiliares dessa obra, única no mundo, pelo seu tamanho, pelo seu plano e por sua

grandiosidade futura. 67

Assim, desejavam demonstrar que a FEB não objetivava, com a iniciativa da Livraria,

primordialmente o lucro, bem como seus diretores não recebiam proventos de qualquer

natureza pela atividade que desempenhavam na federativa, acusação que provavelmente

poderia ser feita pelos seus adversários externos à instituição. O desejo manifesto da FEB na

montagem de uma tipografia em 1937 foi encarado pelos seus críticos, como vontade de obter

lucros numa empresa comercial, atividade que no entendimento deles poderia desabonar a

imagem de uma instituição espírita voltada para a caridade. Em 1945, a atividade da Livraria

segue sendo mal vista pelos adversários da federativa. Em 1997, no centenário da Livraria, as

críticas ainda são lembradas pela FEB, o que demonstra que marcou seus dirigentes e

simpatizante para além do contexto de fundação do seu Parque Gráfico em São Cristóvão, no

ano de 194868

. Rememora-las serve, também, para destacar os esforços da federativa e dos

envolvidos no empreendimento, exaltando a força de vontade dos que bancaram o projeto,

acreditando nele, apesar das contestações. Tratar-se-ia de um esforço de autoafirmação.

Em 4 de Novembro de 1939 entraria em funcionamento na Avenida Passos nº 30,

térreo, no Centro da cidade, “a primeira oficina tipográfica da FEB (...) num local que

correspondia ao antigo depósito da Livraria”69

. Dois anos depois, em 1941, Guillon Ribeiro

diz, que a Livraria, “embora ainda se ressinta da falta de algumas peças que lhe completem o

aparelhamento (...) atingiu a 91:125$800 o valor da sua produção”70

. Mostrava entusiasmo

com o resultado alcançado porque a oficina gráfica conseguiu pagar todo seu maquinário e

todo o material que a constituía. No entanto, esperava obter as peças que faltavam para que “a

sua aparelhagem se tornasse integral e a sua produtividade alcançasse o nível a que deve

chegar” 71

. Achavam que ela podia render mais. Além disso, planificavam “uma secção de

67

Idem. Grifos meus. 68

Vale observar a semelhança não casual dos nomes Antonio Wantuil de Freitas e Zeus Wantuil. São pai e filho,

respectivamente. Esse e outros assuntos devem ter feito parte conversas domésticas, do contrário Zeus Wantuil

não teria identificado, no Relatório de atividades apresentado em 1945, numa referência elogiosa aos

funcionários uma resposta à crítica dos adversários da FEB. 69

WANTUIL, Zeus. “Livraria Espírita da FEB no seu Centenário”. Reformador, op. cit., p. 89. 70

RIBEIRO, Luiz Olímpio Guillon. “Relatório apresentado pelo seu presidente á Assembléia Deliberativa, na sua

reunião ordinária de 1941, sobre os trabalhos da instituição e a gestão de seu patrimônio moral e material,

durante o ano social de 1º de Julho de 1940 a 30 de Junho de 1941”. Reformador, op. cit., p. 243. 71

Idem.

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198

encadernação, que de enorme vantagem seria, sobretudo, para o preparo do Reformador,

depois de impresso” 72

.

Em 1942, verificamos que Guillon Ribeiro atribui a ideia da instalação da oficina

gráfica como dependência da Livraria ao administrador dela, José Vaz de Carvalho. Naquela

oportunidade, o então presidente avalia de maneira positiva os trabalhos deste departamento.

Segundo ele, apesar da diminuição das vendas ocorrida em função da “crise profunda e grave

em que se debate o mundo todo e que, como forçosamente havia de dar-se, atingiu de modo

bastante sensível o nosso paiz”73

, o ano anterior teria sido “de trabalhos mais fecundos e

excelentes da Livraria”74

, por conta das edições e reedições de livros. No entanto, ainda

operavam com algumas limitações uma vez que não conseguiam imprimir na oficina gráfica

todas as obras, porque

ocasiões há em que o acúmulo de trabalho, determinado pela necessidade da impressão

simultânea de duas ou três obras, ou de duas, sendo uma de grandes proporções, como, por

exemplo, “Os Quatro Evangelhos”, de Roustaing, forçam ao recurso a tipografias particulares,

a fim de não haver retardamento nas publicações.75

Isso poderia ser resolvido, segundo Guillon Ribeiro, com a importação de outra

linotipo76

. Se ainda faltava uma máquina, o problema da encadernação das obras foi

resolvido, livrando a federativa das gráficas particulares“que além de cobrarem preços

bastante elevados e que tendem a elevar-se cada vez mais, já não apresentam trabalhos bem

cuidados, devido a quantidade de serviço que aflue para elas, cujo número é reduzido”77

.

Assim, a FEB podia imprimir seus trabalhos – livros e o Reformador – sem a dependência dos

prazos de impressores e encadernadores. O custo total da oficina de encadernação foi de

10:508$700, “dos quais, daqui a menos de um ano, se Deus o permitir, nada deverá a

Livraria”78

. Havia uma autoconfiança muito grande no sucesso do empreendimento.

Ainda em 1942, verificamos uma nota de lamentação de Guillon Ribeiro. José Vaz de

Carvalho solicitou seu afastamento da direção da Livraria “premido pela necessidade de

prolongado repouso e de cuidar da saúde fortemente abalada”79

. Será que o aumento das

responsabilidades afetou sua saúde? Afinal, estava à frente dela há quase doze anos, “sem se

72

Idem. Grifo do autor no nome da revista. 73

RIBEIRO, Luiz Olímpio Guillon. “Relatório apresentado pelo seu presidente á Assembléia Deliberativa, na

reunião ordinária de 1942, sobre os trabalhos da instituição e gestão de seu patrimônio moral e material, durante

o ano social, de 1º de Julho de 1941 a 30 de Junho de 1942”. Reformador, op. cit., p. 190. 74

Idem. 75

Idem. 76

Não haviam adquirido ainda outra máquina“pela impossibilidade de importa-la e de encontrar-se aqui uma em

cujo funcionamento se possa confiar. Satisfeita essa necessidade, será integral a eficiência da oficina gráfica da

Federação”.Idem, p. 191. 77

Idem. 78

Idem. 79

Idem.

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199

afastar dali um só dia sequer, sem jamais haver querido gozar de férias, por pequenas que

fossem, trabalhando sem interrupção, não raro enfermo e, portanto, com evidente sacrifício

(...)”80

. Nascido em 11 de Setembro de 188481

e dedicado ao comércio de roupas, na ocasião

em que solicitou sua saída, em 1942 – quase 3 anos depois do início de atividades da oficina

gráfica da FEB – tinha 58 anos. Sua atividade à frente da Livraria poderia ser remunerada,

mas não tenho como afirmar se era, de fato, assalariado. O Estatuto de 1933, em seu artigo 38,

parágrafo 24, que trata das atribuições da Diretoria, diz que esta deveria “nomear um

confrade de reconhecida competência commercial, ou com ele celebrar contracto, para

administrar ou gerir a Livraria da Federação, definindo-lhe com precisão as attribuições e

obrigações, marcando-lhe a remuneração (...)”82.

Em 1943, Guillon Ribeiro afirma que o movimento de venda de obras manteve-se

equivalente ao dos anos anteriores. Consta, também, que por indicação de José Vaz de

Carvalho assumiu a Livraria o comerciário e industrial Amadeu Santos, que permaneceu nela

durante apenas 10 meses 83

. No livro “Doutrina e Crítica”, de sua autoria, consta que ele era

comerciário e industrial que “dedica-se, nas poucas horas que os labores lhe dão alguma

folga, aos trabalhos do espírito”84

. Como seu antecessor, seria do comércio. E, quem sabe,

também como ele, não tenha conseguido conciliar atividade profissional remunerada externa

às atividades doutrinárias com “os trabalhos do espírito”? Recordem-se do “jornalismo

amador” de Leopoldo Machado e Arnaldo São Thiago, não remunerado e feito nas horas

livres, conciliando atividade doutrinária e profissional. Seu livro foi impresso nas oficinas da

FEB no período em que esteve à frente da Livraria da federativa85

. A responsabilidade

certamente lhe facilitou a impressão de sua obra.

80

Idem. 81

AUTORES ESPÍRITAS CLÁSSICOS. José Vaz de Carvalho. Disponível em:

https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&cad=rja&ved=0CDMQFjAB&url

=http%3A%2F%2Fwww.autoresespiritasclassicos.com%2FBiografias%2520Espiritas%2FJ%2FJos%25C3%25

A9%2520Vaz%2520de%2520Carvalho.doc&ei=dqLRUv3aGdONkAfkuoDYBA&usg=AFQjCNEtrQ3gUo7pl

MORNGwH9qdYzudO8g Último acesso em 11 de Janeiro de 2014. Trata-se de um documento de word. 82

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Estatutos da Federação Espírita Brasileira. Rio de Janeiro, 1933,

p. 17. Grifos meus. 83

RIBEIRO, Luiz Olímpio Guillon. “Relatório apresentado pelo seu presidente á Assembléia Deliberativa, na sua

reunião ordinária de 1943, sobre os trabalhos da instituição e gestão de seu patrimônio moral e material, durante

o ano social de 1º de Julho de 1942 a 30 de Junho de 1943”. Reformador. Rio de Janeiro, Agosto de 1943, p.

212. 84

ANÔNIMO. In: SANTOS, Amadeu. Doutrina e Crítica, op. cit., p. 7. 85

Trata-se de uma reunião de artigos doutrinários de diferentes autores, publicados no Arauto da Fé e na Folha

do Povo, de Ponte Nova, Minas Gerais, em resposta a um católico que fazia críticas ao Espiritismo através do

jornal Lutador, de Manhumirim, Minas Gerais. O livro é de 1943 com prefácio assinado em Novembro do ano

anterior, três meses depois de assumir a Livraria da FEB.

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200

Por último, no lugar de Amadeu Santos a FEB assumiu a administração direta da

Livraria e nomeou, como sub-administrador, Armando Camanho, “que era o empregado mais

antigo”86

. Zeus Wantuil diz que isso se deu “com o propósito de regularizar os serviços da

Livraria, equilibrar-lhe as contas e pôr em dia perto de oitenta obras espíritas que se

achavam esgotadas”87

. O que ele omite é a divergência que surgiu entre a Diretoria da FEB e

Amadeu Santos, ainda que ele tenha se utilizado, largamente, dos mesmos relatórios de

atividades da FEB que têm sido mencionados neste trabalho. Segundo Antonio Wantuil de

Freitas,

verificando que sua administração visava, ultimamente, talvez com receio de um fracasso

industrial, mais a parte comercial que a Espiritual, deixando de editar obras doutrinárias, que

pouco ou nenhum lucro apresentavam, em vista de seu custo ser sobrecarregado pelos

milhares de volumes distribuídos gratuitamente, resolveu a Diretoria, por não concordar com

essa orientação, ela própria administrar a Livraria, com o fim de regular seu serviço, visto

como se achavam esgotadas perto de oitenta obras, tôdas elas importantíssimas, segundo o

nosso ponto de vista religioso, como sejam as obras de Kardec, de Francisco Cândido Xavier e

muitos outros. 88

Amadeu Santos e os diretores da FEB divergiam quanto às obras que deveriam ser

impressas. O presidente da federativa justifica a demissão alegando que as medidas adotadas

pelo ex-administrador da Livraria visariam mais a parte comercial que a espiritual, argumento

que, como vimos, seria utilizado pelos adversários do empreendimento editorial e que parecia

assombrar os diretores da instituição. Os livros de Kardec e Francisco Cândido Xavier

venderiam pouco no entendimento de Amadeu Santos? É o que sugere o relato de Antonio

Wantuil de Freitas. Entretanto, em 1947, o presidente da FEB diz que, embora tivessem

prioridade para serem impressas, as edições dos livros de Kardec davam prejuízos, o que

aconteceria em razão da distribuição gratuita deles, bem como pelos seus “baixíssimos

preços”89

. Dois anos antes, em 1945, ainda ele ao comentar o desempenho da Livraria, afirma

que “os livros de Francisco Cândido Xavier, cujos direitos autorais pertencem à Federação,

por doação espontânea desse abnegado servidor do Cristo, continuam em primeira plana, ao

86

RIBEIRO, Luiz Olímpio Guillon. “Relatório apresentado pelo seu presidente á Assembléia Deliberativa, na sua

reunião ordinária de 1943, sobre os trabalhos da instituição e gestão de seu patrimônio moral e material, durante

o ano social de 1º de Julho de 1942 a 30 de Junho de 1943”. Reformador, op. cit., p. 213. 87

WANTUIL, Zeus. “Livraria Espírita da FEB no seu Centenário”. Reformador, op. cit., p. 88 e 89. 88

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente á Assembléia Deliberativa, na sua

reunião Ordinária de 1944, sobre os trabalhos da instituição e a gestão de seu patrimônio moral e material,

durante o ano social de 1º de Julho de 1943 a 30 de Junho de 1944”. Reformador, op. cit., p. 195. Grifos meus. 89

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente à Assembléia Deliberativa, na sua

reunião ordinária de 1947, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do seu patrimônio moral e material,

durante o ano social de 1º de Julho de 1946 a 30 de Junho de 1947”. Reformador. Rio de Janeiro, Agosto de

1947, p. 197.

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201

lado dos de Kardec”90

. Os livros do médium mineiro se constituíam novidades para os

leitores espíritas, simpatizantes ou curiosos, afinal, seriam de autoria dos Espíritos: “O que

eles trariam de novidade do “outro lado” da vida?”, deveriam se indagar. Além disso, pela

notoriedade pública que Francisco Cândido Xavier já alcançara, sua produção literária

despertaria crescente interesse, o que se manifesta no aumento da demanda dos leitores pelas

suas obras. Em 11 de Junho de 1936, o Diário da Noite, em sua capa, apresentava o médium

mineiro como “o famoso psychographo de Pedro Leopoldo”91

. Os relatórios de atividades da

FEB dos anos de 1946 e 1948, respectivamente, assinalam que os livros delealcançavam

grande êxitoe eram cada vez mais procurados92

. Por sua vez, Guillon Ribeiro destacava, em

1939, que dos dez livros mais vendidos pela Livraria da federativa, três eram do médium

mineiro, sendo que o livro “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho” ficou em

terceiro, à frente de “O Livro dos Espíritos” e “O Livro dos Médiuns”, ambos de Allan

Kardec. A obra mais vendida aquele ano foi “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, também

do autor francês. Assim, os livros de Francisco Cândido Xavier e de Allan Kardec

encabeçavam a lista de vendas93

. Amadeu Santos, o ex-administrador da Livraria,

incomodava-se com o baixo retorno financeiro das obras de Kardec que, apesar de até

venderem muito, tinham baixos preços e muitos exemplares distribuídos gratuitamente. E

quanto às obras esgotadas de Francisco Cândido Xavier, ele poderia discordar de Antonio

Wantuil de Freitas quanto à importância delas para a divulgação doutrinária.

Os dirigentes da FEB fizeram uma divisão de tarefas entre si, respeitando os

conhecimentos prévios que tivessem da administração da Livraria, uns assumindo

a parte da impressão e de cálculos, e outros, a parte geral do comércio e da indústria do livro,

delegados êsses que, orientados pelo procurador da Federação, após minuciosos estudos

procedidos em todos os departamentos da livraria e das oficinas, conseguiram, com o

conhecimento do custo real, fixar os preços mínimos. Fixados êsses preços, não concordaram

os delegados que continuassem a ser feitos os elevados descontos que eram concedidos aos

intermediários, descontos que atingiam muitas vêzes o próprio custo do livro, visto que não

seria justo continuasse a nossa Livraria a conceder o duplo e o triplo dos descontos usuais no

90

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente á Assembléia Deliberativa, na sua

reunião ordinária de 1945, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do seu patrimônio moral e material,

durante o ano social de 1º de Julho de 1944 a 30 de Junho de 1945”. Reformador, op. cit., p. 197. 91

“Conservada em segredo a presença, no Rio, de Chico Xavier, o famoso psychographo de Pedro Leopoldo”.

Diário da Noite. Rio de Janeiro, 11 de Junho de 1936, capa. 92

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente à Assembléia Deliberativa, na sua

reunião ordinária de 1946, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do seu patrimônio moral e matéria, durante

o ano social de 1 de Julho de 1945 a 30 de Junho de 1946”. Reformador, op. cit., p. 198 e FREITAS, Antonio

Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente à Assembléia Deliberativa, na sua reunião ordinária de

1948, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do seu patrimônio moral e matéria, durante o ano social de 1 de

Julho de 1947 a 30 de Junho de 1948”. Reformador, op. cit., p. 197. 93

RIBEIRO, Luiz Olímpio Guillon. “Relatório apresentado, pelo seu presidente, à Assembléia Deliberativa, na

reunião ordinária de 1939, sôbre os trabalhos da instituição e a gestão do seu patrimônio moral e material,

durante o ano social de 1 de Julho de 1938 a 30 de Junho de 1939”. Reformador, op. cit., p. 292.

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comércio do livro. (...) Fixados os preços de custo, adicionados das despesas oriundas da

propaganda e das ocasionadas pelas remessas gratuitas feitas às Bibliotecas do País, os

delegados fixaram o preço mínimo, aumentando-o de um lucro insignificante para as despesas

eventuais, e organizaram o catálogo 44, onde, ainda, fizeram propaganda das obras que

editamos, sem preferências e sem outro desejo que senão o de servir à difusão do Espiritismo. 94

O “equilibrar as contas” mencionado por Zeus Wantuil tratava-se de uma série de

medidas que visavam, em última análise, o aumento do lucro. Tomando como referencial os

descontos praticados no mercado, reduzem as margens de ganhos dos intermediários e

aumentam as da instituição. Além disso, dissolvem os custos da propaganda e das

distribuições gratuitas de livros no preço de custo das obras que imprimiam. Além disso,

reorganizam as tarefas, divididas entre os diretores e sob a supervisão do Procurador da FEB,

membro da diretoria que interagia mais com a Livraria95

. Ora, agiram como numa empresa

comercial que visa o lucro. Havia boa expectativa quanto à sua indicação de Amadeu Santos.

José Vaz de Carvalho devia conhecê-lo a partir de suas atividades doutrinárias, além de serem

do ramo comercial, quem sabe da mesma classe social. Guillon Ribeiro, em 1942, dizia que o

sucessor “terá enormemente facilitada a sua tarefa, desde que se adstrinja a seguir, sem

delas se afastar, as pegadas de seu antecessor, pois que deste receberá tão perfeitamente

organizados quanto possível os serviços e trabalhos cuja direção lhe competirá enfrentar”96

.

Terminando, faz questão de ressaltar que José Vaz de Carvalho “jamais levou a efeito

qualquer empreendimento, inovação ou remodelação, sem que tudo previamente nos

expuzesse e solicitasse a nossa opinião, que sempre atenciosa e fraternalmente acatou”97

.

Assim, as decisões que tomasse passavam pelo crivo de Guillon Ribeiro, que dava ou não o

aval. Não tinha liberdade para tomar decisões importantes sozinho. Quando ele refere-se a

Amadeu Santos, no ano seguinte, diz que este saiu “depois de haver procurado manter a

Livraria no nível em que a recebera e lhe dilatar os negócios, de modo a obter para ela

crescente prosperidade financeira” 98

, o que deve ter tentado fazer com mais autonomia que

seu antecessor, gerando desconforto junto aos dirigentes da federativa. Ele possuía estratégia

94

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente á Assembléia Deliberativa, na sua

reunião Ordinária de 1944, sobre os trabalhos da instituição e a gestão de seu patrimônio moral e material,

durante o ano social de 1º de Julho de 1943 a 30 de Junho de 1944”. Reformador, op. cit., p. 195. Grifos meus. 95

De acordo com o Estatuto de 1933, dentre as suas atribuições constava a de “conhecer, como delegado

especial da Directoria para esse effeito, dos actos do administrador ou gerente da Livraria, inspecionando-lhe a

escripturação e procedendo ás investigações que julgue necessárias”. FEDERAÇÃO ESPÍRITA

BRASILEIRA. Estatutos da Federação Espírita Brasileira. Rio de Janeiro, 1933, art. 45, parágrafo 4º, p. 21. 96

RIBEIRO, Luiz Olímpio Guillon. “Relatório apresentado pelo seu presidente á Assembléia Deliberativa, na

reunião ordinária de 1942, sobre os trabalhos da instituição e gestão de seu patrimônio moral e material, durante

o ano social, de 1º de Julho de 1941 a 30 de Junho de 1942”. Reformador, op. cit., p. 192. 97

Idem, p. 192 e 193. 98

RIBEIRO, Luiz Olímpio Guillon. “Relatório apresentado pelo seu presidente á Assembléia Deliberativa, na

sua reunião ordinária de 1943, sobre os trabalhos da instituição e gestão de seu patrimônio moral e material,

durante o ano social de 1º de Julho de 1942 a 30 de Junho de 1943”. Reformador, op. cit., p. 213.

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diversa dos diretores da FEB – o que passava pelo que editar ou não –, para expandir os

negócios e aumentar o lucro, o que os diretores tentaram depois de sua saída através de novas

maneiras de encarar a gestão da Livraria, ainda que eles dissessem que Amadeu Santos visou

mais a parte comercial que a espiritual. E apesar das medidas adotadas, Antonio Wantuil de

Freitas comunica à Assembleia Deliberativa em 1944 “a absoluta necessidade de aumento de

Capital da nossa Livraria, afim de que ela possa desempenhar, com mais ampla eficiência, a

propaganda doutrinária que há longos anos vem realizando entre os mais árduos

sacrifícios”99

. Não eram bons tempos para os espíritas que atuavam na imprensa doutrinária e

tinham suas oficinas gráficas.

Em 1945, Antonio Wantuil de Freitas destacava a atuação da Livraria, uma vez que

atribuía a ela o fato de que em todas as partes do país existiam adeptos da Doutrina Espírita,

graças aos livros espíritas que editava. Comentava, no relatório apresentado à assembleia

deliberativa naquele ano, sugestões de projetos de ampliação deste departamento dadas por

companheiros seus. Mas ele vê problemas em uma delas.

Apresentaram-nos a ideia de criarmos uma sociedade anônima, na qual pudessem cooperar

todos os companheiros de boa vontade, de sorte a aumentarmos as possibilidades materiais da

Livraria e a colocarmos em posição que lhe garanta a finalidade por um período mínimo de dez

anos. Essa forma de sociedade, porém, que aparentemente se nos apresenta vantajosa, iria criar

uma situação perigosa para os meios espíritas, visto que as ações poderiam, mais tarde, cair

em mãos de adversários do Espiritismo, e, consequentemente, transformar tôda essa

orientação traçada pelos que se lembraram, em boa hora, de colocar a Livraria como

propriedade da Federação e sob a sua exclusiva orientação, o que, aliás, lhe vem garantindo

essa estabilidade e uniformidade doutrinária, desde a sua fundação.Cremos, portanto, que não

devemos transformar em outra qualquer modalidade a atuação de nossa Editôra, visto que,

assim como foi criada, ela não pertence individualmente a ninguém, mas á coletividade

espírita, sendo os seus administradores simples mandatários dessa coletividade, demissíveis

em qualquer época e sem direito de modificarem os planos doutrinários que pelo Alto nos

foram traçados.100

Uma sociedade anônima poderia captar os recursos necessários para a ampliação das

atividades gráficas da FEB. Entretanto, caso ela perdesse o controle acionário, estaria em

risco a orientação doutrinária que ela imprimia neste departamento de serviços. Os novos

controladores poderiam ditar o que deveria ou não ser impresso pelas suas máquinas, além de

tornarem o empreendimento mais comercial, como uma empresa comum que visasse o lucro.

A criação de uma Sociedade Anônima funcionou para aqueles que se organizaram em torno

do projeto da Revista Espírita do Brasil, órgão da Liga Espírita do Brasil, em 1929. Porém, o

99

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente á Assembléia Deliberativa, na sua

reunião Ordinária de 1944, sobre os trabalhos da instituição e a gestão de seu patrimônio moral e material,

durante o ano social de 1º de Julho de 1943 a 30 de Junho de 1944”. Reformador, op. cit., p. 195. 100

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente á Assembléia Deliberativa, na sua

reunião ordinária de 1945, sobre os trabalhos da instituição e a gestão de seu patrimônio moral e material,

durante o ano social de 1º de Julho de 1944 a 30 de Junho de 1945”. Reformador, op. cit., p. 196. Grifos meus.

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projeto dos espíritas da FEB era mais ambicioso, não se restringia à publicação apenas de seu

periódico. Quanto aos “adversários do Espiritismo”, eles bem podiam ser elementos de outras

designações religiosas como, até, alguns espíritas que divergissem dos pontos de vistas

doutrinários da federativa. Em 1943, Indalício Mendes, comentando as polêmicas em torno da

obra de Roustaing, que acirravam os ânimos dos espíritas naquele momento, diz que,

os que procuram perturbar a paz do ambiente espírita, atacando Roustaing a pretexto de

defender Kardec, como se este houvera sido vítima de algum agravo, estão fóra da doutrina,

são contra ela, porque não a cumprem. Os piores inimigos do Espiritismo são aqueles que

estão dentro dele, dizendo-se espíritas sem cumprir-lhe os princípios essenciais. 101

Ainda no relatório de atividades apresentado em 1945, Antonio Wantuil de Freitas diz

que a oficina gráfica está tendo dificuldades com o aumento de suas necessidades, que

certamente tinham a ver com a impressão de livros. Segundo ele, “várias foram as edições

que nos vimos obrigados a entregar a impressoras estranhas, que, entretanto, as têm aceitado

com certa relutância, visto como, financeiramente, muito mais interessante lhes é atender aos

seus fregueses particulares”102

. Diante disso, ele encaminha à Assembleia Deliberativa uma

proposta que ficaria para a próxima diretoria eleita:

o plano de ampliar as nossas instalações, pela aquisição de novas máquinas automáticas e, se

possível, a compra de um prédio onde a Livraria possa realizar o que lhe foi traçado pelo

nossos maiores (...). Quanto à parte financeira para a realização dêsse plano, como a Federação

não dispõe de recursos materiais, por distribuir anualmente pelos necessitados que lhe batem à

porta tudo que consegue arrecadar entre os corações bem formados, lembramos o levantamento

de uma campanha para a consecução dos recursos necessários ao grande empreendimento

que colocará a nossa Editôra em condições de melhor desempenhar a missão que lhe está

reservada. 103

Tinham confiança no sucesso da campanha para a aquisição de um prédio para a

Livraria porque estariam recebendo donativos espontâneos, o que significaria a vontade de

sócios e simpatizantes de ajudarem a FEB em seus trabalhos. O esforço de ampliação seria

necessário, uma vez que além de buscarem imprimir livros em outras gráficas, fizeram sua

impressora automática trabalhar “durante dez horas diárias”104

. Em Novembro de 1945,

Alberto Antunes, pelo Reformador, conclamou:

A Federação é tua, é nossa, porque nos pertence; ela é da coletividade visível e invisível.

Auxiliemo-la na sua campanha do livro. Coloquemo-la em situação que possa desenvolver a

sua benéfica campanha de evangelização. Ela necessita de recursos materiais, de dinheiro

apenas!Dá o que puderes, envia-lhe o teu donativo para a ampliação de suas oficinas

tipográficas, faze como os nossos irmãos protestantes. Cumpre o teu dever!105

101

MENDES, Indalício. “Kardec e Roustaing”. Reformador. Rio de Janeiro, Maio de 1943, p. 114. Grifos meus. 102

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente á Assembléia Deliberativa, na sua

reunião ordinária de 1945, sobre os trabalhos da instituição e a gestão de seu patrimônio moral e material,

durante o ano social de 1º de Julho de 1944 a 30 de Junho de 1945”. Reformador, op. cit., p. 198. 103

Idem. Grifos meus. 104

Idem, p. 192. 105

ANTUNES, Alberto. “Aos Espíritas”. Reformador. Rio de Janeiro, Novembro de 1945, p. 261. Grifos meus.

Não obtive informações sobre o autor.

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205

A FEB seria de todos, mas nem todos decidiriam o que ela publicaria. Ajudá-la na

tarefa do livro é apresentado como dever do espírita, ainda que esta federativa não

considerasse sua, e não participasse, de outras iniciativas semelhantes, como observaremos

mais adiante. E Reformador segue tentando amplificar essa campanha, ainda que não tivesse

tão grande tiragem. Em Janeiro de 1946, Ismael Gomes Braga relata pelas páginas do órgão

oficial uma reunião ocorrida na FEB, promovida pelo seu presidente, com seus sócios e

simpatizantes, a fim de tratarem do aumento da produção de livros e a diminuição de seu

custo. Segundo ele, Antonio Wantuil de Freitas disse que estavam deixando de atender a

encomendas por livros doutrinários de todo o país por conta da incapacidade de produzi-los

em quantidade que atendesse a demanda. Naquele momento, de acordo com o autor do artigo,

o presidente da FEB sinaliza que os propagandistas desejavam mais livros e com menores

preços. Seria necessário aumentar a oficina, o que não era possível porque o espaço estaria

todo ocupado. Segundo ele, “a Diretoria já assinou compromisso de compra de amplo

terreno à rua Figueira de Melo, 410, pelo preço de Cr$: 1.250.000,00 e encomendou dos

Estados Unidos uma grande máquina impressora”106

. Por sugestões dos presentes, é formada

a Comissão Nacional Pró Livro Espírita, cujo secretário geral seria o próprio Ismael Gomes

Braga, com o objetivo de angariar fundos por meio de donativos de todo o país. No entanto,

alguns dos presentes, que ele identifica como “amigos”, teriam procurado o presidente e

levantado três objeções, a saber: o plano seria uma espécie de concorrência aos serviços

assistenciais espíritas, que tinham nos donativos importante fonte de recursos; provocaria

críticas dos inimigos do Espiritismo e, por fim, assinalam que

por três vêzes nesta Capital, embora em outras rodas espíritas, já foi tentado êsse processo, ou

processos semelhantes, para levantar fundos necessários à publicação de obras espíritas, e os

resultados não foram satisfatórios. Parece, pois, que não há ainda perfeita compreensão do

publico espírita sôbre a missão do livro e o plano poderá dar resultados medíocres. 107

Não dizem quais experiências fracassaram, nem quem as promoveu. Apenas que as

iniciativas malogradas se deram em outros agrupamentos de espíritas e, pelo visto, sem o

concurso da FEB que apenas aproveitou a ideia de captação de recursos para si. A conta do

fracasso das outras iniciativas e do potencial resultado abaixo das expectativas dos espíritas da

FEB é pendurada nos espíritas, que não compreendendo o papel do livro na evangelização

espírita, dariam apoio insuficiente a iniciativas semelhantes. Com receio de um novo fracasso,

agora dos espíritas da FEB, estes “amigos” solicitaram que a comissão designada não

iniciasse seus trabalhos publicamente, “porque êles providenciariam, na intimidade, os

106

BRAGA, Ismael Gomes. “Comissão pró livro Espírita”. Reformador. Rio de Janeiro, Janeiro de 1946, p. 7. 107

Idem. Grifos meus.

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recursos econômicos necessários, em parte por meio de donativos vultosos e em parte por

meio de empréstimos sem juros e a longo prazo”108

. No momento da escrita do artigo de

Ismael Gomes Braga, os recursos já haviam sido alcançados e estariam disponíveis na

Tesouraria da FEB. Amigos, de fato! O compromisso de compra, certamente, foi assinado

depois da garantia dos recursos captados. No Relatório de atividades apresentado em 1946

consta que a despesa total, na qual se incluiriam impostos, obras e maquinaria alcançaria Cr$:

3.000.000,00109

. Segundo Antonio Wantuil de Freitas, estariam impedidos de levar adiante a

ideia não fosse o concurso de

um confrade que nos ofereceu os recursos monetários que viéssemos a necessitar, sem juros e

com o prazo de pagamento à nossa vontade, facilitando-nos, assim, a realização do nosso

sonho e dando-nos tempo para que solicitássemos o auxílio dos espíritas, a fim de que a

Federação não ficasse como devedora de tão elevada quantia. 110

O relatório do presidente da FEB diz ainda que, naquela reunião mencionada por

Ismael Gomes Braga foi aberta uma lista de donativos onde aquele que emprestou os recursos

concorreu com Cr$: 200.000,00 que, somados às outras doações, teria alcançado quase Cr$:

700.000,00. Agora, ele esperava que outros espíritas concorressem com donativos, porque até

aquele momento (metade de 1946), “poucos são os confrades que têm atendido ou

compreendido esse movimento”111

, provavelmente para aliviar a dívida contraída, além de

contarem, também, com “a renda da própria indústria” 112

. Os doadores, bem como o

espírita que cedeu a quantia total por empréstimo, não são identificados.

Em 1947, Antonio Wantuil de Freitas demonstra decepção com aqueles que poderiam

ter ajudado e não o fizeram.

Infelizmente, porém, contrastando com o exemplo dos confrades que, nessa ou em outras

oportunidades, têm colaborado financeiramente no trabalho de difusão da Doutrina pelo livro,

outros companheiros, embora em condições de prestar auxílio, preferiram, mais uma vez,

permanecer insensíveis, agarrados ao dinheiro de que são transitòriamente depositários,

outros, por influência daqueles mesmos Espíritos que agiram em outras regiões do planeta, lhe

são até mesmo contrários, e, num terceiro grupo, ainda outros existem cuja capacidade de

visão não está à altura de perceber a finalidade da difusão do livro espírita. Assim, diante

dessa incompreensão dos Ananias e das Safiras, a execução desse plano vem sendo retardada

(...). 113

108

Idem. 109

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente à Assembléia Deliberativa, na sua

reunião ordinária de 1946, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do seu patrimônio moral e material,

durante o ano social de 1º de Julho de 1945 a 30 de Junho de 1946”. Reformador, op. cit., p. 197. 110

Idem. Grifos meus. 111

Idem. 112

Idem. 113

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente à Assembléia Deliberativa, na sua

reunião ordinária de 1947, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do seu patrimônio moral e material,

durante o ano social de 1º de Julho de 1946 a 30 de Junho de 1947”. Reformador, op. cit., p. 191. Grifos meus.

De acordo com o livro dos Atos dos Apóstolos (5: 1-11), Ananias e Safira eram um casal que vendeu uma

propriedade que possuíam e retiveram a metade do dinheiro, levando a outra metade ao apóstolo Pedro, que

descobriu a trama e teria desmascarado o homem, que morreu. “Então Pedro lhe perguntou: „É verdade que

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A execução do projeto vinha sendo atrasada em função da falta de colaboração de

alguns espíritas que, detentores de recursos materiais que poderiam concorrer com a obra da

FEB, não o faziam, segundo seu presidente porque apegados aos transitórios bens materiais.

Outros não auxiliariam porque, inspirados por Espíritos maus que lhes alimentariam os

sentimentos ruins, seriam contra o projeto da FEB, como se todos que não cooperassem com

suas iniciativas ou dela divergissem fossem espiritualmente mal influenciados. Por fim,

novamente o diagnóstico de que em função da má compreensão quanto ao potencial do livro

doutrinário, muitos espíritas estariam deixando de contribuir com a obra planejada pela

federativa. Assim, o projeto da FEB estaria sendo retardado por sovinas, obsidiados por maus

Espíritos e por ignorantes que não teriam refletido sobre a importância do livro espírita.

Apesar das queixas quanto à falta de auxílio material para o empreendimento, vinham

recebendo contribuições significativas. “Além de três donativos de duzentos mil cruzeiros

cada um, outros recebemos”114

, outros dois ele faz questão de destacar, para incomodar as

consciências daqueles “agarrados ao dinheiro”. Segundo Antonio Wantuil de Freitas, partiram

de duas pessoas as quais eles não se dirigiram porque sabiam que eram pobres. O primeiro, de

um senhor de 65 anos que criava e educava onze filhos, no valor de Cr$: 50.000,00, economia

de uma vida.

O segundo, não resultante de economias, partiu de um jovem que tem sobre os ombros o peso

da direção de um lar pobre e sòmente enriquecido pelas crianças orfanadas que a ele se

acolheram. Esse jovem sempre viveu para a coletividade humana e a esta ofereceu

constantemente tudo quanto lhe veio do Alto; todavia, apesar de tanto haver ofertado, uma

tristeza lhe aflorava ao pensamento de quando em vez: não podia auxiliar com recursos

materiais à obra de ampliação das nossas oficinas. E assim os meses se sucederam, até que

certo dia, ao abrir uma carta que lhe fora dirigida, toma conhecimento que bondoso amigo lhe

legara cem apólices no valor de cem mil cruzeiros. Verdadeira riqueza para quem nada possui,

ou melhor, para quem tem a direção de numeroso lar, verdadeira esperança para um jovem, que

naturalmente deveria pensar em multiplicá-la, não lhe ficou entre as mãos um segundo, porque,

imediatamente, dela desistiu, autorizando que a entregassem ao presidente da Federação para

que a despendêssemos no plano de ampliação de nossas oficinas impressoras.115

O senhor de 65 anos e o jovem da narrativa não são identificados no relatório. No

entanto, o jovem em questão era Francisco Cândido Xavier, o médium de Pedro Leopoldo.

Em 30 de Janeiro de 1947, em sua carta dirigida a Antonio Wantuil de Freitas, presidente da

FEB, o médium mineiro diz que se correspondia, também, com Frederico Fígner há 17 anos e

vocês venderam o terreno por esse preço?‟ Ela respondeu: „Sim, foi por esse preço.‟ Então Pedro disse: „Por

que vocês fizeram acordo para tentar o Espírito do Senhor? Veja! Os que foram enterrar seu marido estão

chegando. Eles vão levar você também!‟”, no que a mulher também teria morrido. BÍBLIA. Português. Bíblia

sagrada. Tradução de Ivo Storniolo e Euclides Martins Balancin. São Paulo: Edições Paulinas, 1990, p. 1396. 114

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente à Assembléia Deliberativa, na sua

reunião ordinária de 1947, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do seu patrimônio moral e material,

durante o ano social de 1º de Julho de 1946 a 30 de Junho de 1947”. Reformador op. cit., p. 197. 115

Idem, p. 198. Grifos meus.

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que ele se preocupava com sua situação material. Sabendo do legado deixado para ele pelo

recém-desencarnado116

, solicita que seja transferido à FEB117

. Sem dúvidas que, com o

exemplo estampado nas páginas do Reformadorde Agosto de 1947, de dois espíritas pobres

que tiveram desprendimento para doar tanto, esperavam que outros espíritas, em melhores

condições financeiras, pudessem contribuir com algo.

Até a metade de 1947, haviam adquirido uma máquina que, segundo o presidente da

federativa, aumentaria a produção em duzentos por cento. A construção de um prédio de três

pavimentos já estava em curso também, sendo que em Outubro de 1947 faltaram recursos

para as obras. Novo empréstimo de um confrade não identificado, sem juros e sem

documento, para ser pago quando fosse possível. A obra chegou ao fim, ao que parece, entre o

final de 1947 e o primeiro semestre de 1948. “As obras de Figueira de Melo desde algum

tempo se acham prontas para que iniciemos a mudança de nossas oficinas. Não a fizemos até

hoje porque estamos dependendo da execução de certos serviços que só podem ser realizados

pela Prefeitura do Distrito Federal”118

. O novo espaço teria 2.230 m², contra os 480 m² da

instalação anterior. Apesar do entusiasmo com a obra pronta, Antonio Wantuil de Freitas

mostra preocupação, uma vez que precisariam de novas máquinas, mas não tinham recursos

para adquiri-las, porém, contava com o aparecimento de “confrades esclarecidos e portadores

de recursos materiais que virão salvar a nossa situação”119

.

No Reformador de Janeiro de 1949, num artigo que tratava do 67º aniversário da

revista, podemos ler que “finalmente, em 9 de Setembro de 1948, era inaugurada a nova

oficina”120

, chamada por Antonio Wantuil de Freitas de “a Cidade do Livro”, que seria “uma

realização grandiosa que movimenta perto de cinco milhões de cruzeiros; é uma engrenagem

que roda sobre dentes movimentando quase uma centena de empregados”121

. No entanto,

ainda assim, assinala que

116

“Frederico Fígner, o maior e mais perfeito espírita do Brasil desencarnou às 20 horas de 19 de Janeiro de

1947”. Reformador. Rio de Janeiro, Janeiro de 1947, p. 5. 117

XAVIER, Francisco Cândido. “Carta de Francisco Cândido Xavier à Antonio Wantuil de Freitas”. Pedro

Leopoldo, 30 de Janeiro de 1947. Citado por SCHUBERT, Suely Caldas. Testemunhos de Chico Xavier, op. cit.,

p. 124. 118

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente à Assembléia Deliberativa, na sua

reunião ordinária de 1948, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do seu patrimônio moral e material,

durante o ano social de 1º de Julho de 1947 a 30 de Junho de 1948”. Reformador, op. cit., p. 192. 119

Idem, p. 197. 120

“O ano 67.º de Reformador”. Reformador. Rio de Janeiro, Janeiro de 1949, p. 7. 121

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente à Assembléia Deliberativa, na sua

reunião ordinária de 1949, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do seu patrimônio moral e material,

durante o ano-social de 1º de Julho de 1948 a 30 de Junho de 1949”. Reformador. Rio de Janeiro, Setembro de

1949, p. 210.

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Por mais que aumentemos as nossas possibilidades gráficas, por maior que seja o nosso

esforço, jamais conseguiremos acompanhar aquele desenvolvimento. Se nos fôssem oferecidos

alguns milhões de cruzeiros, imediatamente eles seriam transformados em ampliações que já

se vão tornando necessárias. A produção tem aumentado consideravelmente,

assustadoramente; todavia, diante da procura do livro espírita, estamos muito abaixo do

equilíbrio desejado.122

De acordo com o presidente da FEB, o departamento editorial, por mais que houvesse

crescido, carecia de ampliação. Conseguiram aumentar a produção, mas ainda assim, não

estariam dando conta da demanda pela literatura espírita. A par disso, conseguiram ajustar

outras tarefas do setor editorial. Com o auxílio de dois diretores, os quais ele também não

identifica, que são os “primeiros “empregados” a chegar; não tem hora certa para as

refeições, não podem sequer descansar quando em seus lares, pois que levam serviços para o

serão de cada dia”123

, iam conseguindo acerta-los. A expedição de livros e o serviço de

correspondências, que se encontravam com atrasos de meses, foram colocados em dia. Esse

“sacrifício” dos diretores devia ser transferido, também, para a “quase centena” de

trabalhadores da gráfica, nem todos compartindo do mesmo idealismo espírita deles, nem

mesmo espíritas, quem sabe, porém, necessitados do emprego e com contas a pagar. Esses

dois diretores,

Queridos pelos bons funcionários, são odiados pelos maus; todavia, o exemplo desses

companheiros vai aos poucos corrigindo os poucos auxiliares que ainda se apresentam

rebeldes e que só vêem no trabalho um castigo, uma injustiça social, uma exploração do a que

chamam capitalismo.124

Parece-me que os espíritas da FEB estavam incomodados com trabalhadores da

gráfica que eventualmente reclamassem da carga de serviços, que se sentissem explorados,

quem sabe filiados a entidades de classe que fizessem crítica ao sistema capitalista. Os “bons

funcionários”, certamente, seriam o oposto, os que se identificassem com os dois diretores

que sacrificavam a si mesmos em benefício da instituição, que não vissem as relações de

produção como de exploração. No Relatório de atividades da FEB de 1950 consta que dentre

os empregados que foram demitidos nos últimos sete anos“poucos se sentiram no direito de

procurar a Justiça; esses poucos, porém, nada mais conseguiram que os Tribunais

reconhecessem a razão que nos assistia, dando, em todas as reclamações, ganho de causa à

Federação”125

. Não dizem quantos demitiram nem quantos reclamaram na Justiça.

Independente do resultado, os que recorreram aos tribunais o devem ter feito por terem se

sentido, de alguma maneira, lesados em seus interesses.

122

Idem, p. 214. Grifos meus. 123

Idem. 124

Idem. 125

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente à Assembléia Deliberativa, na sua

reunião ordinária de 1950, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do seu patrimônio moral e material,

durante o ano-social de 1º de Julho de 1949 a 30 de Junho de 1950”. Reformador, op. cit., p. 218.

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210

O relatório de atividades de 1949 sinaliza que a procura pelos livros espíritas era

grande. Somado a isso, com o serviço de expedição normalizado, os recursos financeiros

vieram. Certamente, concorreram também, com eles, os simpatizantes da FEB com seus

donativos. Entre 1949 e 1950 adquiriram mais cinco prédios,

quatro à rua Figueira de Melo e um à rua Souza Valente, todos ligados à nossa “Cidade do

Livro”, ficando, assim, o Departamento Editorial com as suas possibilidades ampliadas, visto

agora possuir quase cem metros de frente e uma área que lhe permitirá acompanhar o seu

desenvolvimento, sempre crescente.126

Recordam-se da justificativa de Guillon Ribeiro para a montagem de uma oficina

gráfica da FEB? A impressão sem atrasos do Reformador, seu órgão oficial. No entanto, na

medida em que os serviços da Livraria, incorporando a responsabilidade das oficinas gráficas

e de encadernação se complexificam, pela expansão das atividades, o investimento no

Reformador diminui. O Relatório de atividades apresentado em 1950 reserva dois parágrafos,

num total de oito linhas, para a revista mensal. O Departamento Editorial tem suas atividades

comentadas em seis parágrafos substanciais que quase preenchem uma página. No Relatório

de atividades apresentado em 1939, o espaço dedicado ao Reformador é praticamente o de

uma página frente e verso. No Reformador de Julho de 1983, Francisco Thiesen, então

presidente da FEB, num artigo sobre a revista, faz uma reflexão que aponta paramudança de

foco.

A vinculação do Reformador com o livro espírita é perfeita. No início, quando editar um livro

constituía mais sonho que realidade, em face das enormes dificuldades a serem vencidas pelos

pioneiros do Movimento Espírita, Reformador transcrevia obras e romances espíritas, por

capítulos, em suas páginas. A literatura espírita, no Brasil, há meio século, não era tão rica

quanto se revela na atualidade. Mas, Reformador oferecia sempre muito, e do melhor que

havia, visitando quinzenalmente seus leitores. Ele foi livro. De uns decênios para cá, é ele

plataforma do lançamento do livro espírita. Através dele, o espírita conhece o que se passa no

campo do saber espiritual, mantém-se atualizado com as diretrizes da Casa de Ismael e

acompanha o Movimento Espírita.127

O movimento de expansão do Espiritismo na cidade do Rio de Janeiro, no período

abarcado neste trabalho, é significativo e evidenciado pelo aumento do número de Centros

Espíritas, além de ter chamado a atenção da imprensa diária. Francisco Thiesen rememora, na

década de 1980, as dificuldades na edição de obras espíritas, o que era suprido, de alguma

forma, pelo Reformador e por outros periódicos que, em suas páginas, traziam trechos de

livros espíritas. A demanda, por parte de um crescente número de leitores interessados no

assunto estimulou os espíritas da FEB a investirem mais na impressão de livros doutrinários a

ponto de tomarem empréstimos para a expansão de seu empreendimento editorial, ainda que

em condições facilitadas. Vislumbravam, com alguma margem de segurança, possibilidades

126

Idem, p. 217. 127

THIESEN, Francisco. “Reformador”. Reformador. Rio de Janeiro, Julho de 1983, p. 209. Grifos em negrito

do autor. Grifos meus em itálico.

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de retorno financeiro para as atividades de impressão de livros. Some-se a isso o interesse

provocado pelas mensagens mediúnicas de Francisco Cândido Xavier junto aos meios

espíritas ou leigos. Em 1937, Guillon Ribeiro diz que um dos motivos que estaria despertando

o crescente interesse pela leitura do Reformadorseria

a publicação da maior parte das mensagens, sempre atraentes, que o Espírito de Humberto de

Campos vem transmitindo pelo lápis do devotado médium e grande amigo da Federação

Francisco Cândido Xavier, de Pedro Leopoldo, mensagens que, reunidas em volume, sob o

título de “Crônicas de Além Túmulo”, serão, porventura, daqui há um mês mais, entregues á

publicidade, pela nossa Livraria. 128

Exatamente neste mesmo relatório de atividades da FEB, o seu presidente lastima-se

pelos atrasos do Reformador e aponta, como solução deste problema, a criação de uma

tipografia. Uma vez que as mensagens mediúnicas do médium mineiro chamaram atenção,

leitores do Reformador, através de cartas e outros espíritas em contatos informais

provavelmente sugeriram à federativa a reunião delas em livros. Até aquele momento, o

médium mineiro havia publicado três obras, sendo que duas delas foram editadas pela FEB, a

quem doou os direitos autorais de alguns de seus livros por anos. Entre sua primeira obra,

“Parnaso de Além Túmulo”, de 1932, editada pela FEB, até a publicação de “Nosso Livro”,

pela editora Lake, de São Paulo, em 1950, foram 40 livros publicados, sendo que destes, 34

foram impressos pela FEB, quatro pela Lake,um pela Editora Espírita Limitada e um pela

FEESP129

. A partir de 1938, eram lançados dois ou mais livros por ano. Em 1949, avaliando

pelo Reformador a produção mediúnica de Francisco Cândido Xavier, a FEB diz que “desses

livros, muitos já tiveram diversas edições e estão consagrados na opinião dos estudiosos”130

.

Além desses livros, existiriam, ainda, diversas mensagens dispersas em periódicos, cartões

postais e nas mãos de alguns destinatários que poderiam ser reunidas em volumes. “Estamos,

pois, diante de uma verdadeira biblioteca espírita, que já vem sendo traduzida para outras

línguas”131

, uma delas, sem dúvidas, era o Esperanto, que recebia particular atenção da FEB,

como se pode observar nos relatórios de atividades da federativa, que mantinham seção

exclusiva para o tema. Percebe-se que os espíritas da FEB possuíam grandes expectativas

128

RIBEIRO, Luiz Olímpio Guillon. “Relatório, apresentado pelo seu presidente, á Assembléia Deliberativa, na

sua reunião ordinária de 1937, sobre os trabalhos da instituição e contas da sua administração, durante o ano

social de 1º de Julho de 1936 a 30 de Junho do ano seguinte”. Reformador, op. cit., p. 403. 129

O CONSOLADOR. Chico Xavier – Coleção Completa. Disponível em:

http://www.oconsolador.com.br/linkfixo/bibliotecavirtual/chicoxavier/listacronologica.html Último acesso em

24 de Maio de 2015. Nesta lista, consta que o livro “Cartas de uma morta”, de Francisco Cândido Xavier, teria

sido impresso pela editora Lake, de São Paulo. Entretanto, veremos mais adiante que este livro foi impresso pela

Editora Espírita Limitada. Ver: LAKE. Quem somos. Disponível em: http://www.lake.com.br/link/quem+somos

Último acesso em 17 de Janeiro de 2014. 130

“Apontamentos para o futuro historiador”. Reformador. Rio de Janeiro, Agosto de 1949, p. 183. O artigo da

FEB, no entanto, não declara quais editoras imprimiram os livros. 131

Idem.

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quanto à produção de obras mediúnicas do médium. Dentre os títulos publicados, contam-se

livros de poesias, outros de pequenos contos, crônicas e romances, sendo que alguns de maior

fôlego. A diversificação das formas de escrita para a propaganda espírita sensibilizou o

público leitor. Mesmo em minha militância doutrinária ouvi relatos de pessoas que aderiram à

Doutrina Espírita não através das obras de Allan Kardec, e sim dos romances mediúnicos que

lhe pareceram mais agradáveis.

Além de tudo, Antonio Wantuil de Freitas manteve correspondência por anos com

Francisco Cândido Xavier que, no seu entender, desempenhava “sublime tarefa”junto ao livro

espírita. Na troca de correspondências entre os dois, o médiumsalientava ainda, com gratidão,

que “os primeiros livros espíritas que me vieram em grupo beneficiar a alma me vieram do

teu templo familiar”132

, referindo-se às obras que recebeu do diretor da FEB, de presente, as

quais não teria condições financeiras de adquirir. A escolha de Chico Xavier pela federativa

se dá pelo fato dele reconhecer, nela, legitimidade do seu projeto editorial de divulgação

doutrinária, além de ser facilitada pelas relações interpessoais estabelecidas com seus

dirigentes.

Reformador, cuja impressão sem atrasos foi a justificativa usada por Guillon Ribeiro

para a criação da primeira tipografia da federativa, o que se verificou em 1939, passou,

gradativamente, a ser plataforma de divulgação dos livros da FEB. Seu presidente justifica a

opção pelo livro remetendo às origens do Espiritismo, na França. “Verificando que muita

razão tinha Kardec em se dedicar à difusão da Doutrina pelo livro, único veículo de

penetração rápida e segura em todos os meios sociais”133

. Os adversários da FEB que a

criticavam no investimento que fazia para ampliar sua gráfica, não estariam contra ela, “mas

antes contra a própria Doutrina, porque contrárias ao próprio Codificador, Allan Kardec,

que sempre se dedicou à indústria do livro, exatamente como nós, sem nela visar lucros

pessoais, mas empregando-a em novas publicações” 134

. Allan Kardec manteve, entre 1858 e

1869, ano de sua morte, a Revue Spirite, que considerava um “Jornal de Estudos

Psicológicos” 135

, usada para divulgar muitas ideias que, posteriormente, seriam expostas em

seus livros. Dizer, também, que ele se dedicou à indústria do livro parece excessivo, pode

132

XAVIER, Francisco Cândido. “Carta à Antonio Wantuil de Freitas”. Pedro Leopoldo, 25 de Novembro de

1948. SCHUBERT, Suely Caldas. Testemunhos de Chico Xavier, op. cit., p. 244. 133

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente à Assembléia Deliberativa, na sua

reunião ordinária de 1947, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do seu patrimônio moral e material,

durante o ano social de 1º de Julho de 1946 a 30 de Junho de 1947”. Reformador, op. cit., 191. 134

Idem, p. 192. 135

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Dowloads – material completo. Disponível em:

http://www.febnet.org.br/blog/geral/pesquisas/downloads-material-completo/ Último acesso em 15 de Janeiro de

2014.

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sugerir que tivesse uma Editora como a da FEB, o que não é verdade, ainda que tenha

publicado seis livros.

Num boletim desenvolvido pela Assessoria de Comunicação Social da FEB com vistas

a um“público interno e misto”136

, iniciado em Setembro de 2010 e que possui “caráter

informativo, conta com notícias, fatos históricos e descrição das atividades realizadas pela

Instituição”137

chamado Era do Espírito, do mês de Maio de 2012 temos uma surpresa: a

desativação do parque gráfico da Rua Souza Valente, em São Cristóvão. Segundo a

publicação, tomaram essa decisão “atendendo a estudos de viabilidade econômica que

indicaram a adequação dessa medida” 138

. Para tanto, terceirizariam“a totalidade das

impressões de seus produtos em gráficas contratadas para tal finalidade, com resultados

mais propícios em relação à impressão em gráfica própria, de acordo com a tendência

verificada nas grandes editoras brasileiras e mundiais”,139

mantendo, no entanto, a

editoração, distribuição e comercialização dos livros. Num comunicado de 22 de Janeiro de

2014, a FEB diz que estaria intensificando a “a modernização de sua gestão administrativa”

140. Segundo esse documento, o parque gráfico desativado possuía “equipamentos

desatualizados e manutenção onerosa” 141

. Reedições, lançamentos de novos livros e a

publicação de Reformador ficarão em Brasília. A terceirização e o fechamento do parque

gráfico de São Cristóvão muito provavelmente implicarão em demissões de funcionários.

Alguns “especialistas” poderiam dizer que a instituição economizará com os custos da mão de

obra. Eles podem apontar essas medidas como “tendências”, sem que isso implique que sejam

boas para todos, principalmente para os possíveis demissionários e para os eventuais

contratados temporários, como “diagramadores, capistas, tradutores, revisores e

preparadores” 142

. Em Maio de 1947, podemos ler no Reformador um artigo intitulado

136

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Era do Espírito. Disponível em:

http://www.febnet.org.br/blog/geral/divulgacao/era-do-espirito/ Último acesso em 24 de Janeiro de 2014. 137

Idem. 138

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. “Destaque do mês. Comunicado Oficial da FEB Editora”. Era do

Espírito. Brasília, Maio de 2012, p. 1. Disponível em: http://www.febnet.org.br/wp-

content/uploads/2012/06/Era-maio-2012.pdf Último acesso em 24 de Janeiro de 2014. 139

Idem. 140

CONSELHO DIRETOR E DIRETORIA EXECUTIVA DA FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA.

“Comunicado da Federação Espírita Brasileira”. Brasília, 22 de Janeiro de 2014. Disponível em:

http://www.febnet.org.br/wp-content/uploads/2014/01/Comunicado-da-FEB-22jan.2014.pdf Último acesso em

24 de Janeiro de 2014. 141

Idem. 142

LUCCA, Roberta. Os dois lados da terceirização. Disponível em:

http://portaldacomunicacao.uol.com.br/graficas-livros/17/artigo204642-1.asp Último acesso em 24 de Janeiro de

2014. Trata-se de um artigo “exaltação” da terceirização em trabalhos editoriais, que busca “naturalizá-la” e

apresenta-la como “tendência”. A autora aproveita a oportunidade, até, para deixar registrada uma crítica à CLT

(Consolidação das Leis do Trabalho) feita por um editor, endossando que trabalhar com “colaboradores” é

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“Extremistas” onde seu autor, que não se identifica, diz que na FEB “entram Diretorias, saem

Diretorias, a continuidade é a mesma”143

. Mas isso não seria sintoma de que a instituição

ficou estacionada, pois “a Federação progrediu sempre em todos os sentidos, cresceu moral

e materialmente, mas sem alterar o seu programa, sem abandonar hoje o que iniciou ontem”

144. Parece que esse não foi o caso do parque gráfico da federativa, uma vez que, atualmente,

seus diretores vislumbram, em outras gráficas, melhores perspectivas para a impressão de

livros com vistas à divulgação doutrinária.

3.3 – Uma sociedade anônima e espírita: Gráfica Mundo Espírita S. A.

A Gráfica Mundo Espírita S. A., que mantinha a publicação do jornal Mundo Espírita,

surge a partir de uma estratégia de um grupo de espíritas para contornarem as limitações

impostas pela ditadura de Getúlio Vargas à imprensa. Em Abril de 1941, a Revista Espírita do

Brasil, órgão da Liga Espírita do Brasil, dava conta de que

depois de uma interrupção de dois mezes, voltou a circular desde 1º de março o brilhante e

popular semanário “Mundo Espírita”, sob a mesma direção do Dr. Henrique Andrade. O

reaparecimento de “Mundo Espírita”, que interrompera a sua atividade em virtude de haver

sido registrado como “folheto de propaganda religiosa”, foi motivo de regozijo muito justo no

seio da coletividade espírita. 145

Seu retorno também é celebrado pela FEB. No Reformador de Abril de 1941, lemos,

sob o título “Auspicioso reaparecimento”, que Mundo Espírita e Aurora,

os dois brilhantes colegas, paladinos valorosos dos ideais espíritas, que durante algum tempo

deixaram de circular, enquanto ajustavam a sua publicação aos dispositivos da nova lei de

imprensa. (...)Este facto bem demonstra quão sensível foi a lacuna que, nas fileiras do nosso

periodismo doutrinário, se abriu com a falta, felizmente efêmera, dos dois indefessos

propugnadores e divulgadores das verdades que estruturam a Nova Revelação, demonstrando,

ao mesmo tempo, que dilatado é o círculo dos que apreciam e estimam os que neles mourejam

e á cuja frente se encontra o ilustre e esforçado confrade Henrique Andrade. 146

Interessante que, neste momento, Henrique Andrade já parece estar à frente de Aurora,

fundado por Inácio Bittencourt. O pesquisador espírita João Marcos Weguelin transcreve, em

seu trabalho sobre Inácio Bittencourt, algumas homenagens que fizeram a ele após a sua

morte. Numa delas, consta que em 1941 ele deixou as atividades de redator chefe de seu

jornal em função de uma doença. No período de sua enfermidade até sua desencarnação, teria

alternativa para diminuir a folha de pagamentos. O “outro lado” da terceirização, considerado negativo por ela,

diz respeito ao não repasse da economia feita com salários para o “colaborador”, o risco de ter que lidar com

mão de obra inexperiente que pode fazer com que as publicações tenham problemas de revisão e tradução, por

exemplo. Por fim, sugere que estes eventuais problemas são contornáveis. Será que os atuais diretores da

federativa “beberam” em fontes parecidas? 143

“Extremismos”. Reformador. Rio de Janeiro, Maio de 1947, p. 99. 144

Idem. 145

“Mundo Espírita”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Abril de 1941, p. 8. Grifos meus. 146

“Auspicioso reaparecimento”. Reformador. Rio de Janeiro, Abril de 1941, p. 108. Grifos meus.

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sido acompanhado por seus familiares e Henrique Andrade147

. Aqui, as relações da FEB com

Mundo Espírita e Henrique Andrade parecem boas. Mais adiante, como veremos, ela não será

assim.

O jornal Mundo Espírita, apesar de contar com a simpatia da Liga Espírita do Brasil,

não era seu jornal e nem órgão oficial de nenhuma instituição. Impossibilitado de ter

anunciantes em razão de ser classificado como “folheto de propaganda religiosa”, não teria

como socorrer-se do auxílio de outras fontes de rendas que algum periódico vinculado a um

Centro Espírita pudesse ter. E no seu caso deve ter acontecido violência maior por parte dos

agentes estatais, uma vez que teria sido registrado na Junta Comercial como Empresa

Jornalística Mundo Espírita Limitada, em 1932. Apesar de ter se assumido como tal, não foi

reconhecido, quase dez anos depois de fundação, como uma empresa jornalística. Não foi

considerado “legítimo” órgão de imprensa pelas autoridades e sua função de periódico espírita

não foi considerada de “caráter público”.

Não foram anos fáceis para os periódicos espíritas. Qual teria sido a estratégia de

Henrique Andrade e dos amigos e simpatizantes de Mundo Espírita para suportar a

manutenção de um jornal sem anunciantes? Em 17 de Abril de 1951, Nelson Kerensky

rememora este período:

Com a criação do D.I.P. (Departamento de Imprensa e Propaganda), foi negada a autorização

para “Mundo Espírita” circular na forma como fazia desde 1932, semanalmente e sem

interrupção. Interposto recursos dessa decisão, não sem grande esfôrço e dispêndio de

energia, uma verdadeira luta de gigantes, conseguiu, afinal, o Dr. Henrique Andrade a

reforma da decisão do DIP, ficando assegurada a circulação do jornal, não como jornal, mas

tão somente como folheto de propaganda religiosa, vale dizer, sem possibilidade de publicar

anúncios ou qualquer outra matéria paga.148

O autor sugere que a classificação imposta pelo DIP à Mundo Espírita afetaria sua

periodicidade semanal dada à asfixia financeira imposta. Em todo caso, Henrique Andrade

recorrera, acredito que provavelmente acionando, para legitimar o funcionamento do jornal

nos moldes que ele e os demais fundadores projetaram em 1932, à natureza do registro na

Junta Comercial, como empresa jornalística. No entanto, não conseguiu sucesso. Garantiu a

continuidade do jornal, mas deixou de receber recursos através dos anunciantes e dos que

pagavam pela publicação de matérias. Diante disso, a estratégia para a sobrevivência do jornal

foi a criação da Gráfica Mundo Espírita S. A., que além de ficar responsável por sua

publicação, ampliaria o arco de possibilidades de divulgação doutrinária dos espíritas

147

WEGUELIN, João Marcos. Inácio Bittencourt, o apóstolo da caridade. Disponível em:

http://bvespirita.com/In%C3%A1cio%20Bittencourt%20-

%20O%20Ap%C3%B3stolo%20da%20Caridade%20(CELD).pdf Último acesso em 17 de Janeiro de 2014.

Inácio Bittencourt morre em 18 de Fevereiro de 1943. 148

KERENSKY, Nelson. “Aniversário de Mundo Espírita”.Mundo Espírita, op. cit.. Grifos meus.

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vinculados a esse projeto, alémdas fontes de renda e financiamento do jornal por meio da

venda de serviços gráficos a quem se dispusesse a contratar. No relatório da Diretoria de 20

de Janeiro de 1948, o parecer do Conselho Fiscal afirmava que “ser o principal objetivo da

Gráfica manter o “Mundo Espírita” para a propaganda da doutrina”149

.

Em seu prospecto, publicado no Diário Oficial da União de 17 de Setembro de 1942,

constava que

A criação de uma empresa gráfica que possa auxiliar a intensificação da propaganda dos

ideais espiritistas, não só com a edição de livros, jornais e revistas, como também com a

impressão de boletins, folhetos, memoriais, avulsos, etc., se impõe seja realizada sem demora,

para que todos possam ter conhecimento da grandeza desses ideais, que constituem a terceira

Revelação das Leis Divinas. É bem verdade que já possuímos, na nossa Capital, alguns órgãos

de propaganda desses ideais cristãos, mas, também é notório das dificuldades imensas com

que lutam todos eles, apresentando déficits nos seus orçamentos e exigindo um êsforço quase

sobrehumano de seus responsáveis, para mantê-los em circulação, nem sempre pontual. 150

Henrique Andrade, para justificar a criação da gráfica que auxiliaria na propaganda

dos ideais espíritas, menciona os problemas de circulação dos órgãos de imprensa espírita,

que sofreriam com a carência de recursos materiais que lhes comprometiam a periodicidade.

É o argumento de quem está vivenciando, na própria pele, o esforço para manter em

circulação um jornal sem anunciantes. Recordem-se que mesmo Reformador sofria com o

problema dos atrasos e que a necessidade da criação de sua oficina gráfica foi o argumento

utilizado por Guillon Ribeiro, seu presidente, para solucioná-lo. Agora, diferente da gráfica da

FEB, que se restringiu às suas publicações – livros, Reformador e folhetos – a Gráfica Mundo

Espírita, que previa a edição de jornais e revistas, no plural, abriu suas oficinas à impressão de

Aurora e da Revista Espírita do Brasil, como vimos no primeiro capítulo. Quanto à Aurora,

tinha o mesmo responsável que Mundo Espírita, mas o órgão da Liga Espírita do Brasil não.

No mesmo prospecto, lemos que

a sua principal finalidade será sempre a de atender a toda a publicação espírita auxiliando-a,

assim, a propaganda da doutrina, pelo que todos os trabalhos dessa natureza terão

preferência aos demais trabalhos tipográficos que lhe forem confiados, dentro do razoável e

atendendo às necessidades da boa administração.151

Dessa forma, previam esse tipo de atendimento às publicações doutrinárias, claro que

deixando margens para a imposição de limites, a fim de preservar a vida econômica da

empresa. Na formação do capital,

será encorporado, na forma da lei, o periódico “Mundo Espírita” de exclusiva propriedade do

incorporador da Sociedade, com 10 anos já, de existência (...) bem como toda a montagem da

149

IMBASSAHY, Carlos; CARVALHO, J. F. Pires; SOUZA, José Fernandes. “Gráfica Mundo Espírita S. A..

Parecer”. Diário Oficial da União, 23 de Janeiro de 1948, Seção I, p. 1069. 150

ANDRADE, Henrique. “Gráfica Mundo Espírita S. A. – Prospecto”. Diário Oficial da União, 17 de

Setembro de 1942, Secção I, p. 14076. Grifos meus. 151

Idem. Grifos meus.

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sua redação, moveis, utensílios e fixários, bens esse que serão devidamente avaliados na forma

da lei e constituirão o capital em ações do seu encorporador. 152

Henrique Andrade, o incorporador, trouxe para a constituição de seu capital em ações

na gráfica, além do jornal Mundo Espírita, os móveis e utensílios que compunham a sua

redação, o que era, sem dúvidas, uma estratégia para não ingressar com mais recursos

próprios no empreendimento nascente. Esses bens seriam avaliados por uma assembleia que

seria reunida oito dias depois do encerramento das subscrições para a formação do capital da

sociedade anônima. As subscrições seriam feitas da data da publicação no Diário Oficial da

União – 17 de Setembro de 1942 – até o dia 31 de Outubro daquele ano153

. Os interessados

em se tornar acionistas teriam, dessa forma, quase um mês e meio para participarem do

empreendimento.

No prospecto consta que “o seu capital será de 300:000$000 (trezentos contos de

réis) realizado por subscrição pública e dividido em 3.000 ações, ordinárias, nominativas, no

valor de 100$000 cada umaintegralizadas no ato da subscrição” 154

.Ainda há que se levar em

conta a avaliação do patrimônio da redação de Mundo Espírita, bem como o próprio jornal,

que seria convertido em ações para Henrique Andrade, o que totalizou Cr$: 109.500,00. Na

ata da primeira assembleia de subscritores de ações da gráfica podemos ler que ele tinha 1.527

ações, o que representava 152:700$000, ou seja, um pouco mais da metade da subscrição

pretendida155

. Para que tenhamos um referencial para comparar, o Estatuto da FEB de 1944

destinava, para a Livraria editora, um capital de Cr$: 400.000,00156

. É preciso esclarecer que o

Cruzeiro foi instituído através de um Decreto-Lei em 5 de Outubro de 1942157

, praticamente

no mesmo período de constituição da gráfica. Na ata da assembleia de constituição da Gráfica

Mundo Espírita S. A., realizada em 28 de Novembro do mesmo ano, consta que estavam

presentes subscritores que representavam “2.143 ações, no valor total de Cr$:

214.300,00”158

. Se 2.143 ações estão para Cr$: 214.300,00 então 3.000 ações estão para Cr$:

300.000,00. Assim, cada cota de ação custaria Cr$: 100,00, cinco vezes mais que o valor da

assinatura anual de Mundo Espírita em 1945, que custava Cr$: 20,00. Cada ação custava 1/3

152

Idem. Grifos meus. 153

Idem, p. 14077. 154

Idem, p. 14076. 155

“Gráfica Mundo Espírita S. A. - Ata da Assembléia de Constituição, realizada em 28 de Novembro de 1942”.

Diário Oficial da União, 8 de Fevereiro de 1943, Secção I, p. 1775. 156

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Estatutos da Federação Espírita Brasileira. Rio de Janeiro, 1944,

art. 63, p. 26. 157

SENADO FEDERAL. Decreto-Lei nº. 4.791, de 5 de Outubro de 1942. Disponível em:

http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=3577 Último acesso em 17 de Janeiro de 2014. 158

“Gráfica Mundo Espírita S. A. - Ata da Assembléia de Constituição, realizada em 28 de Novembro de 1942”.

Diário Oficial da União, 8 de Fevereiro de 1943, Secção I, p. 1775.

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do salário mínimo de Julho de 1943, que era de Cr$: 300,00. Além disso, verificamos que seu

capital seria menor que da Livraria editora da FEB.

E quem eram os subscritores da Gráfica Mundo Espírita S. A.? Depois de Henrique

Andrade, o que tinha mais cotas chamava-se Avelino Frederico, eletricista, com 150 ações.

Depois dele, Arthur Lins de Vasconcellos Lopes, industrial, vinculado à FEB e à Liga Espírita

do Brasil, com 100 ações. Aliás, das duas federativas então existentes no país, apenas a Liga

Espírita do Brasil participou da constituição da Gráfica Mundo Espírita, com duas ações.

Além dela, a Sociedade de Medicina e Espiritismo do Rio de Janeiro159

e a Livraria “Allan

Kardec”, da Rua Riachuelo nº. 60, de São Paulo que, se for a atual editora espírita LAKE é

uma das mais antigas do país160

. Dos 29 Centros espíritas subscritores, oito deles eram

filiados à Liga Espírita do Brasil e apenas um ligado à FEB161

. Com relação à quantidade de

espíritas associados, enquanto pessoas físicas, identifiquei nove pessoas vinculadas à FEB:

Sylvio Brito Soares, que teve livros publicados por esta federativa, Leopoldo Machado, Paim

Pamplona162

, Ismael Gomes Braga, Carlos Imbassahy, Amadeu Santos, Pedro de Camargo

“Vinícius” e Arthur Lins de Vasconcelos Lopes, que também era ligado à Liga Espírita do

Brasil. Por fim, Victor Torquato de Souza, do Centro Espírita de Jacarepaguá, adeso à FEB e

um dos diretores da Hora Espírita Radiofônica163

. Vinculados à Liga Espírita do Brasil temos

Aurino Souto e Deolindo Amorim, presidente e secretário desta federativa e João Pinto de

159

Seria uma associação para investigações científicas. Ver: “Sociedade de Medicina e Espiritismo”.

Reformador. Rio de Janeiro, Julho de 1941, p. 188. 160

Na Ata da primeira assembleia dos subscritores de ações da Gráfica Mundo Espírita S. A. consta, apenas,

“Livraria Allan Kardec – Rua Riachuelo n. 60 – São Paulo – uma – 100$000”. “Ata da 1ª Assembléia dos

subscritores de ações da “Gráfica Mundo Espírita S. A.”, realizada em 14 de Novembro de 1942. Diário Oficial

da União, 8 de Fevereiro de 1943, p. 1774. No site da LAKE consta que ela foi fundada em 1936. Ver: LAKE.

“Quem somos”. Disponível em: http://www.lake.com.br/link/quem+somos Último acesso em 17 de Janeiro de

2014. 161

Vinculados à Liga Espírita do Brasil: o Grupo Espírita Discípulo de Samuel (de Vila Isabel), a Tenda Espírita

Trabalhadores da Seara (do Catumbi), o Grupo Espírita Jesus, Maria e José (do Engenho Novo), o Centro

Espírita Israel Barcelos (de Bento Ribeiro), o Centro Espírita Isaac Lima (de Campo Grande),o Centro Espírita

Bezerra de Menezes (de Petrópolis), o Centro Espírita Bezerra de Menezes (do Estácio) e o Novo Centro Espírita

Antonio dos Pobres (do Centro). Vinculado à FEB, apenas o Asilo de Orfãos Anália Franco (do Rocha).Sobre os

Centros adesos à Liga Espírita do Brasil, ver: CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.

Livro de Registro das Associações Agregadas à Liga Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, 1942, p. 5 v, 10, 11, 23,

28, 31, 59 e 68 respectivamente. Sobre as Instituições adesas à FEB, ver:“Relação das Sociedades directamente

adhesas á Federação Espírita Brasileira até esta data”. Reformador. Rio de Janeiro, 1º de Janeiro de 1929, p. 35. 162

Foi presidente da Instituição nos exercícios de 1927 e 1928. WANTUIL, Zeus. Grandes Espíritas do Brasil,

op. cit., p. 531. 163

“Hora espírita radiofônica”. Reformador. Rio de Janeiro, Maio de 1939, p. 152. Sobre o Centro Espírita de

Jacarepaguá, ver: “Relação das Sociedades directamente adhesas á Federação Espírita Brasileira até esta data”.

Reformador, op. cit..

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Souza, que também foi secretário dela, além de ser o responsável pela Hora Espiritualista

Radiofônica164

.

Não encontrei, na coleção do Reformador de 1942, qualquer referência à iniciativa de

criação da Gráfica Mundo Espírita S. A., mas encontrei na Revista Espírita do Brasil.

Tratava-se de um evento chamado “Concentração Espírita” que objetivava aproximar as

instituições espíritas, onde foi lançado um manifesto em favor da Gráfica165

. Por fim, havia

subscritores – pessoas físicas e instituições espíritas – de São Paulo e Minas Gerais. Pude

notar, também, boa quantidade de portugueses e mulheres.

Apesar da presença de espíritas da FEB individualmente ser maior que os da Liga

Espírita do Brasil, esta se fez mais representada no número de Centros Espíritas a ela ligados

que se tornaram subscritores da nova gráfica. Espíritas que tiveram ou ainda tinham

responsabilidades na imprensa diária com suas colaborações – Leopoldo Machado, João Pinto

de Souza e Carlos Imbassahy – investiram no projeto, sendo que os dois primeiros

desenvolviam atividades na radiofonia, com programas espíritas, a Hora Espírita Radiofônica

e a Hora Espiritualista Radiofônica, respectivamente. Além destes, outros que participavam

da imprensa espírita, como Ismael Gomes Braga na Revista Espírita do Brasil e no

Reformador, Arthur Lins de Vasconcelos Lopes e Deolindo Amorim, também estavam

presentes. Não encontrei nenhuma justificativa da FEB para a não participação na Gráfica

Mundo Espírita S. A., mas arrisco afirmar que ela não se deu porque além de não ter o

protagonismo – como esperava ter no jornal diário – a FEB estava envolvida na montagem de

sua própria gráfica, quem sabe mesmo julgando-a desnecessária, uma vez que os esforços dos

espíritas poderiam ser capitalizados para a dela, que já vinha funcionando. A nova gráfica

despontava como potencial concorrente da FEB, ao editar livros, além das revistas e jornais.

A proximidade com a Liga Espírita do Brasil se evidencia numa visita de espíritas à

oficina da Gráfica Mundo Espírita S. A., realizada em 24 de Julho de 1943 e noticiada na

Revista Espírita do Brasil de Agosto do mesmo ano.

Foi grande, impressionante mesmo, a afluência de espíritas à sede da Gráfica, além de levar a

seus diretores a solidariedade indispensável da família espírita do Distrito Federal.

Percorridas todas as dependências da oficina, os visitantes ficaram otimamente impressionados,

sobretudo com o moderníssimo aparelhamento, com o maquinário e com o bem organizado

mostruário de trabalhos já executados na oficina da Gráfica.166

164

“Hora Espírita”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Janeiro de 1938, p. 19. Apesar do nome do artigo,

tratava-se da Hora Espiritualista Radiofônica. 165

“Concentração Espírita”. Revista Espírita do Brasil, Agosto de 1942, p. 13. 166

“Gráfica Mundo Espírita S. A.”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Agosto de 1943, p. 18. Grifos

meus.

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Os espíritas da Liga Espírita do Brasil buscaram demonstrar que a iniciativa nascente

de uma nova gráfica contava com a simpatia de vários espíritas da capital, a começar pelos

vinculados à entidade federativa.

De acordo com os Estatutos da gráfica, o objetivo e os fins da sociedade seriam:

a exploração da indústria gráfica, em todas as suas modalidades, para que o adquirirá ou

instalará uma tipografia devidamente aparelhada para a realização dos fins da sociedade, que

são os seguintes: a) incentivar a propaganda dos ideais espiritistas, editando livros, jornais,

revistas, boletins e folhetos de propagandas doutrinária e imprimindo por conta própria ou de

terceiros; b) editar o periódico “Mundo Espírita” que será incorporado ao patrimônio da

Sociedade, como parte do seu capital (...) c) explorar, comercialmente, todos os trabalhos

atinentes às artes gráficas; d) montar, oportunamente e com prévia autorização da assembleia

geral, uma Livraria não só para a venda de suas edições como de outros livros que não atentem

contra os fins da sociedade. 167

Dessa forma, a gráfica pretendia lançar-se à atividade comercial, explorando os

trabalhos possíveis de serem realizados aí para particulares, independente da crença que

esposassem, ainda que a impressão de publicações espíritas voltadas à propaganda doutrinária

tivesse prioridade em suas máquinas. Desejavam criar, também, uma Livraria que, à

semelhança da mantida pela FEB até 1925, não se restringiria a livros espíritas.

A direção e orientação de Mundo Espírita ficariam sob a responsabilidade do Diretor-

Presidente, num diretoria composta por outros dois elementos além deste, a saber: o Diretor-

Secretário e o Diretor-Tesoureiro168

. Era um organograma simples que concentrava bastante

poder no principal dirigente. Ele despacharia e assinaria todo o expediente, além de

representa-la publicamente. Além disso, somente ele – ou quem estivesse em seu lugar, em

primeiro lugar na sucessão, o Diretor-Secretário – convocaria assembleias gerais, celebraria

contratos de trabalho, de locação e sublocação, nomearia e demitiria empregados e auxiliares

e ainda fixaria seus salários169

. As deliberações de assembleias seriam válidas se obtivessem a

maioria dos votos sendo que “cada ação atribue ao seu proprietário um voto” 170

.Assim, os

estatutos, escritos por Henrique Andrade, garantiam a ele grande poder dentro da sociedade

anônima, tanto como presidente quanto como acionista nas assembleias gerais, porque era

sócio majoritário. Tenta-se, com isso, preservar a lógica de operação do jornal Mundo

Espírita anterior à criação da empresa gráfica, quando figurava como único proprietário. A

empresa expande-se: não mais um jornal. Agora uma gráfica que ampliava o leque de

possibilidades de divulgação doutrinária, além das formas de captação de recursos. Os

Estatutos ainda previam que

167

ANDRADE, Henrique. “Gráfica Mundo Espírita S. A. – Projeto dos Estatutos”. Diário Oficial da União, 17

de Setembro de 1942, Secção I, p. 14077. Grifos meus. 168

Idem. 169

Idem. 170

Idem.

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o incorporador da Sociedade terá direito a uma percentagem de 10% do capital social

representados por ações ordinárias e integralizadas, a título de compensação pelos trabalhos

decorrentes da organização e constituição da Sociedade até o final do arquivamento dos atos

constitutivos da Sociedade no Departamento Nacional de Indústria e Comércio. 171

Henrique Andrade cuidou dos preparativos da sociedade até sua plena legalização,

arcando com os custos decorrentes da tramitação de documentos, sendo posteriormente

reembolsado com esse valor de 10% do capital social decorrente das ações, que não sabemos

se foi superior ou inferior ao que ele gastou. Agora, em que pese o caráter centralizador dos

Estatutos, que poderia ser, legitimamente, questionado pelos sócios, quando posto em votação

na Assembleia de Constituição de 28 de Novembro de 1942, ele é aprovado pelos mesmos.

Parece, aliás, que foi algo não analisado naquele momento, uma vez que sua leitura dos

estatutos é dispensada, alegando-se que já foram publicados no Diário Oficial, no Diário

Carioca, no Mundo Espírita e no Aurora. “Dispensada assim, a leitura dos Estatutos, o Sr.

Presidente submete-os à discussão. Ninguém desejando a palavra para discutir os Estatutos,

o Sr. Presidente encerra a discussão e os submete à aprovação da assembleia, que

unanimemente aprova os Estatutos (...)”172

. Ninguém questionou esse caráter centralizador ou

qualquer outro problema que pudesse ser visto nele, sendo aprovado com a concordância de

todos os presentes.

E o que seria feito com os lucros obtidos com a gráfica?

Art. 29 – Os lucros líquidos verificados pelo Balanço Geral resultante das operações realizadas

durante o ano, serão distribuídos da seguinte forma: a) 10% para o fundo de depreciação; 5%

para constituição do “Fundo de Reserva”; 35% para a Caixa de Propaganda e 50% para os

acionistas em forma de dividendo. (...) Art. 31 – Quando o Fundo de Reserva da Sociedade

atingir a metade do Capital Social a percentagem a ele destinada passará a ser distribuída

como dividendo. 173

Dessa forma, metade dos lucros seria destinada aos acionistas da sociedade anônima.

Espíritas, simpatizantes ou não que fossem acionistas e instituições espíritas receberiam de

acordo com a quantidade de ações que dispusessem. Não encontrei nos Estatutos outra

referência quanto à Caixa de Propaganda, mas acredito que se tratava de subsídio destinado às

publicações espíritas, quem sabe à impressão de folhetos, livros ou mesmo o jornal Mundo

Espírita. Uma vez atingido o patamar estabelecido para o Fundo de Reserva – metade do

Capital Social – os lucros, ao invés de tornarem à empresa na forma de investimentos em sua

expansão, seriam divididos entre os acionistas.

171

Idem, p. 14078. Grifos meus. 172

“Gráfica Mundo Espírita S. A. - Ata da Assembléia de Constituição, realizada em 28 de Novembro de 1942”.

Diário Oficial da União, 8 de Fevereiro de 1943, Secção I, p. 1776. 173

ANDRADE, Henrique. “Gráfica Mundo Espírita S. A. – Projeto dos Estatutos”. Diário Oficial da União, 17

de Setembro de 1942, Secção I, p. 14078. Grifos meus.

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O Conselho Fiscal, que seria formado por seis membros, sendo três efetivos e três

suplentes, e a Diretoria da gráfica, também teriam remuneração, fixada pela Assembleia Geral

que os elegesse174

. Na ata da Assembleia de Constituição consta que João de Oliveira Lins

propôs:

a eleição da seguinte diretoria: Dr. Henrique Andrade, diretor-presidente; Sr. Deolindo

Amorim, diretor-secretário; e o Dr. Carlos Martins da Silva, diretor-tesoureiro. E para

membros efetivos do Conselho Fiscal propunha os Srs. Dr. Carlos Imbassahy; Dr. João Felipe

Pires de Carvalho e Sr. Hugo Ferreira Carneiro, que terão como suplentes: Dr. Silvio de Brito

Soares, Sr. José Fernandes de Souza e Pedro Domingos Cantudo. Propunha, ainda, que ao

diretor-presidente fossem atribuídos os honorários de Cr$: 1.500,00 mensais (mil e quinhentos

cruzeiros) e aos demais membros da diretoria as de Cr$: 250,00 (duzentos e cinquenta

cruzeiros) também mensais para cada um, fixando-se em Cr$: 50,00 (cinquenta cruzeiros), a

remuneração para cada membro efetivo do Conselho Fiscal por sessão realizada a que

comparecer. Submetida essa proposta à apreciação dos presentes, não houve quem se

manifestasse, pelo que o presidente a pòs em votação, verificando-se a sua plena aprovação,

tendo deixado de votar todos os eleitos.175

Na primeira diretoria eleita temos em Deolindo Amorim um representante da Liga

Espírita do Brasil e no conselho fiscal Carlos Imbassahy e Sylvio de Brito Soares, dois da

FEB. Diretores e conselheiros recebiam remuneração. Considerando que em Julho de 1943 o

salário mínimo era de Cr$: 300,00176

os conselheiros efetivos, por reunião, ganhariam o

equivalente a 1/6 do salário mínimo, os diretores secretário e tesoureiro 5/6 do salário mínimo

por mês e o diretor presidente o equivalente a cinco salários mínimos. Todos os presentes,

mais uma vez, não discutiram a proposta, não a questionaram e a aprovaram, ainda que não

tenham endossado que foi unanimemente, como quando aprovaram os Estatutos. Os

discordantes, se existiram, não fizeram questão de registrar em ata a sua posição.

Não me parece que a quantidade de ações tenha sido determinante para a ocupação de

cargo na diretoria ou no conselho fiscal, exceção feita para Henrique Andrade. Dos três

diretores, Carlos Martins da Silva, com dez ações, era o que tinha menos. Dos membros

efetivos do conselho fiscal, Carlos Imbassahy possuía duas e entre os suplentes José

Fernandes de Souza tinha três. Do total de eleitos, Hugo Ferreira Carneiro, do conselho fiscal

efetivo, tinha 97 ações. Ficava atrás, apenas, do diretor presidente Henrique Andrade.

Na Assembleia Geral realizada em 10 de Abril de 1944, onde os sócios tomariam

conhecimento sobre o relatório da diretoria e o parecer do conselho fiscal, ficou demonstrado

que a situação não era muito boa. No relatório dizem que

apesar de todo o esfôrço empregado pela diretoria e o montante da produção realizada que

julgamos promissora para o primeiro ano de vida comercial, não nos foi possível superar o

174

Idem. 175

“Gráfica Mundo Espírita S. A. - Ata da Assembléia de Constituição, realizada em 28 de Novembro de 1942”.

Diário Oficial da União, 8 de Fevereiro de 1943, Secção I, p. 1777. Grifos meus. João de Oliveira Lins era do

comércio e possuía uma ação. Não encontrei maiores informações a respeito dele. 176

MOREIRA, Elmo Nélio. Valores do Salário Mínimo desde sua instituição até os dias de hoje, op. cit..

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necessário de forma a permitir a distribuição de dividendo. As despesas iniciais com a

organização da sociedade, inclusive a cota de bonificação prevista no projeto e homologada

pela assembleia de constituição, e ainda o natural e inevitável déficit da conta “Mundo

Espírita” e “Propaganda Doutrinária”, foram as causas determinantes do prejuízo verificado

(...).177

As despesas iniciais para a criação da sociedade teriam afetado as finanças. O jornal

Mundo Espírita, à semelhança do Reformador, não era autossuficiente. Os recursos que

gerava não bastavam para sua manutenção. Quando se refere à “Propaganda Doutrinária” será

que fazia referência à Caixa de Propaganda, que ficaria com 35% dos lucros?

Nesta Assembleia Geral ainda é feita uma advertência cujo argumento percorrerá a

trajetória de Henrique Andrade à frente da Gráfica Mundo Espírita S. A., o que pode ser um

diagnóstico tardio, algo que deveria ser planificado durante os estudos para a implementação

da sociedade anônima: a necessidade do aumento do capital social.

(...) o montante da produção das nossas oficinas está muito aquém do que elas precisam e

podem realizar, porque assim o permite tôda a sua maquinaria que é de superior qualidade e

está em perfeito funcionamento. Para tanto, porém, torna-se necessário e imprescindível o

aumento do capital social que virá permitir a aquisição de material em mais larga escala de

forma a se poder imprimir livros de grande tiragem não só de edições alheias como próprias.

Aliás, já nos nossos estatutos se acha aventado o aumento do capital, pois bem sabíamos que

não seria possível com um capital em dinheiro reduzidíssimo, fazer face a compromissos

vultosos e a manutenção das oficinas. 178

A impressão dos espíritas que visitaram a gráfica junto aos representantes da Liga

Espírita do Brasil parecia verdadeira. O maquinário era novo, moderno. No entanto, a oficina

estava produzindo abaixo de sua capacidade. Faltariam-lhe recursos que um maior capital

social poderia atender. Assim, comprando em maior escala, poderiam conseguir junto aos

fornecedores descontos maiores em função da quantidade, além de incrementarem a edição de

livros em larga escala, para particulares ou não. Os Estatutos, realmente, previam a

possibilidade de aumento do capital social. Dos 300:000$000 iniciais, eles poderiam atingir

“até 500:000$000 observadas as preferências legais, desde que se torne necessário ao

desenvolvimento e ampliação do objetivo da sociedade”179

. A ata desta Assembleia Geral,

realizada em 1944, somada à possibilidade aberta pelos Estatutos em aumentar o capital

social, evidenciam que o passo dado pelos espíritas simpáticos ao projeto da Gráfica Mundo

Espírita S. A. foi ousado e temeroso, porque os recursos reconhecidamente não eram

suficientes. Do contrário, não projetariam quase dobrar o capital social da sociedade em sua

origem. Lembrem-se que a Livraria da FEB, em 1944, tinha como capital 400:000$000 e que,

177

ANDRADE, Henrique. “Gráfica Mundo Espírita S. A. – Ata da Assembléia Geral Ordinária dos acionistas da

Gráfica Mundo Espírita S. A., realizada em 10 de Abril de 1944. Relatório da Diretoria.” Diário Oficial da

União, 15 de Maio de 1944, Seção I, p. 8630. Grifos meus. 178

Idem, p. 8631. Grifos meus. 179

ANDRADE, Henrique. “Gráfica Mundo Espírita S. A. – Projeto dos Estatutos”. Diário Oficial da União, 17

de Setembro de 1942, Secção I, p. 14077.

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no relatório de atividades apresentado neste mesmo ano está tomando medidas para aumentar

seus lucros. Henrique Andrade e os demais sócios fizeram uma “aposta” ao iniciarem os

trabalhos da sociedade. Contavam que dispusessem da possibilidade do aumento de capitais

para o funcionamento “sadio” da sociedade, caso os recursos se mostrassem insuficientes,

como foi constatado no primeiro ano de funcionamento. No entanto, há que se levar em conta

as possíveis dificuldades materiais que estaria vivendo na condução do jornal Mundo Espírita,

impossibilitado de publicar anúncios em suas páginas, o que certamente concorreu para

pressionar ele e os demais envolvidos com o jornal a buscarem alternativas rápidas e eficazes

para darem conta do desafio vivido.

A despeito dos problemas apresentados, facultada a palavra a quem interessasse, sobre

esclarecimentos quanto ao relatório, nenhum acionista fez uso dela. “O Conselho Fiscal da

Gráfica Mundo Espírita S. A., (...) é de parecer que sejam aprovados os atos e contas

apresentadas pela diretoria e relativos ao exercício de 1943”180

. O balanço geral e o parecer

dos conselheiros fiscais foram aprovados por unanimidade de votos. Os vencimentos e

gratificações dos diretores e conselheiros foram mantidos nos mesmos valores.

Em 21 de Julho de 1945, no jornal Mundo Espírita, um artigo não assinado dava conta

das dificuldades vividas. Elas seriam causadas pelo

diminuto capital com que a nossa Gráfica se vem mantendo vai para 3 anos, fazem periclitar a

estabilidade de Mundo Espírita, único jornal, semanário, que se edita em todo o Brasil como

órgão de propaganda e defesa do Espiritismo. A medida cabível será o aumento do seu capital,

o que já está sendo providenciado pela sua direção. Exigências legais, no entanto, tornam

morosa a sua realização, e a situação exige solução imediata. Afim deevitar o cancelamento

do crédito que já possue a Gráfica na Praça e no mundo bancário, o que provocaria, sem

dúvidas, a sua imediata liquidação, vimos apelar para os amigos de MUNDO ESPÍRITA

possuidores de recursos financeiros, no sentido de ser conseguido um empréstimo a curto

prazo mediante os juros da lei e as garantias que forem exigidas.181

O aumento do capital da gráfica, considerado diminuto, estaria sendo providenciado.

No entanto, o tempo das exigências legais estaria criando embaraços para a solução de

problemas urgentes que, naquele momento, só poderiam ser socorridos com empréstimos

financeiros, claro que através de amigos da gráfica, que poderiam abrandar os juros da lei e as

garantias normais, ou mesmo dispensá-los, como ocorria com os amigos da FEB. Recorre,

dessa forma, por auxílio, a simpatizantes e sócios, esclarecendo o risco de liquidação da

gráfica por conta do cancelamento do crédito na praça, que já se mostrava insuficiente e

provavelmente empenhado em outras despesas, não alcançando as novas que se

180

CARVALHO, J. F. Pires; IMBASSAHY, Carlos; CARNEIRO, Hugo F.. “Gráfica Mundo Espírita S. A. – Ata

da Assembléia Geral Ordinária dos acionistas da Gráfica Mundo Espírita S. A., realizada em 10 de Abril de

1944. Parecer do Conselho Fiscal”. Diário Oficial da União, 15 de Maio de 1944, Seção I, p. 8631. 181

“Aos amigos de “Mundo Espírita”.Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 21 de Julho de 1945, p. 3. Grifos meus.

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apresentariam. Mas o apelo não surte o efeito esperado. Na semana seguinte, em 28 de Julho

de 1945, assinalam que “decorridos são oito dias sem que tivéssemos a visita de um só amigo

a mostrar-se interessado pelo assunto, o que nos obriga a reproduzir na edição de hoje o

referido apelo e a usar desta coluna para reforçá-lo”182

.

Em 20 de Outubro de 1945, mês em que Mundo Espírita passa a sair quinzenalmente,

publica na primeira página “O Último apelo da Gráfica Mundo Espírita” e o autor, que não

assina, afirma que o desenrolar dos acontecimentos do dia a dia “levam-nos a admitir a

possibilidade de não poder continuar a existir a empresa gráfica que com tantas e

justificadas esperanças ousamos organizar (...)”183

. Ao mesmo tempo – e contraditoriamente

– afirma que “a situação econômica é satisfatória e podemos mesmo afirmar que ela garante,

com lucro compensador, todo o capital dos seus acionistas” 184

. No final das contas quer

dizer que a situação é difícil, perigosa, pode levar à “morte” da gráfica, mas ela é remediável,

não seria irreversível. Com mais investimentos, poderia sair da crise e gerar dividendos para

seus associados. Caso esse socorro não acontecesse a tempo, “só nos restará a última solução

a ser tomada: a liquidação imediata, com reembolso dos juros legais, mesmo que para tanto

se torne necessário o sacrifício das ações do único incorporador da sociedade”185

. Parece

evidente, agora, que estes artigos sobre a situação financeira da gráfica sejam de Henrique

Andrade, uma vez que seriam as ações dele que estariam disponíveis em caso de liquidação

da sociedade para o pagamento de juros aos demais acionistas.

O apelo surtiu efeito. Em Janeiro de 1946, Mundo Espírita volta a ser semanal e no dia

12 do mesmo mês, afirmam que a tempestade acalmou, mas estavam cientes de que tornariam

a “enfrentar novas investidas de futuras crises, visto como a causa determinante delas

persiste ainda: a necessidade de aumentar seu exíguo capital” 186

. Consultei a demonstração

de lucros e perdas publicada no Diário Oficial da União de 23 de Janeiro de 1946, e somei

todos os lançamentos que tinham o nome do jornal. Os créditos – venda avulsa, assinantes e

donativos – totalizaram Cr$: 55.549,20 enquanto que os débitos – jornal, aluguéis, despesas,

diversos, telefones, expedição, salários e comissões – somaram Cr$: 61.472,20187

. Portanto, o

jornal Mundo Espírita ainda causava prejuízos à gráfica. Apesar disso, seu conselho fiscal

182

“„Mundo Espírita‟ e os Espíritas”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 28 de Julho de 1945, capa. 183

“O Último apelo da Gráfica Mundo Espírita”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 20 de Outubro de 1945, capa. 184

Idem. 185

Idem. 186

“Novo alento”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 12 de Janeiro de 1946, capa. 187

ANDRADE, Henrique; SILVA, Carlos Martins; CARNEIRO, Hugo Ferreira; CARVALHAL, Manoel

Francisco. “Gráfica Mundo Espírita S. A. Balanço Geral. Demonstração da conta de lucros e perdas”. Diário

Oficial da União, 23 de Janeiro de 1946, Seção I, p. 1187.

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226

aprovou as contas de 1944 avaliando que houve pequeno lucro, no valor de Cr$: 4.695,40188

.

Mas atentem: era o exercício de 1944 e não de 1945, que deveria ter sido apresentado no

início de 1946, já que o ano social, de acordo com os Estatutos, “começará em 1 de janeiro e

terminará em 31 de dezembro de cada ano”189

. Os lucros apurados ao longo do período não

foram grandes, quase sempre giraram em torno deste valor de 1944. Em 1945, foi de Cr$:

4.043,00 e o de 1946 ficou em Cr$: 3.237,00.

Em 8 de Março de 1947, Mundo Espírita publica uma convocação de Assembleia

Extraordinária feita por Henrique Andrade, direcionada aos acionistas da gráfica,

para“ouvirem e deliberarem sôbre a situação econômica da sociedade, e, autorizarem a

liquidação da mesma se outra qualquer solução não poder ser dada que resolva

satisfatoriamente a situação”190

. Henrique Andrade, os demais diretores e as pessoas mais

próximas já não conseguiriam enxergar outros horizontes possíveis. A situação seria

insustentável, porque diversos apelos por auxílio haviam sido feitos, sem que “os suprimentos

fossem de molde a atingir o fim desejado, bastando apenas para retardar o inevitável” 191

.

Ainda uma vez sustenta que apesar das dificuldades, não havia perigo para os interesses dos

acionistas nem dos credores da gráfica. “O pagamento integral aos credores está assegurado.

Aos Snrs. Acionistas assegurado está, também, o pagamento integral de suas ações,

acrescido, ainda de uma bonificação compensadora pelo capital empatado” 192

. Novamente

o pequeno capital inicial é culpabilizado pela carestia de recursos financeiros.

Essa carência de capital determinou, como é lógico, a impossibilidade de dar à Gráfica aquela

organização comercial que lhe viria dar expansão e sobretudo possibilitar a colocação rápida

das suas edições, que é, sem dúvida uma preciosa fonte de renda. Sem organização comercial e

suportando, em consequência, todo o custeio de Mundo Espírita que, sobre hoje a cerca de

.....120.000,00 por ano, impossível é resistir ao montante dessas despesas. 193

Maior capital implicaria mais créditos, possibilidades de comprar papel em maior

escala, com menores preços, abrir-se, quem sabe, com maior segurança, a outros serviços

externos além da divulgação doutrinária. E a publicação de Mundo Espírita, que se manteve

semanal com algumas interrupções, onerava ainda mais os cofres da gráfica, porque causava

prejuízo.

188

CARVALHO, J. F. Pires; IMBASSAHY, Carlos. “Gráfica Mundo Espírita S. A.. Parecer”. Diário Oficial da

União, 23 de Janeiro de 1946, Seção I, p. 1187. 189

ANDRADE, Henrique. “Gráfica Mundo Espírita S. A. – Projeto dos Estatutos”. Diário Oficial da União, 17

de Setembro de 1942, Secção I, p. 14078. 190

ANDRADE, Henrique. “Aos acionistas da Gráfica Mundo Espírita S/A”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 8

de Março de 1947, p. 4. 191

Idem. 192

Idem. 193

Idem. Grifos meus.

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Na ata da Assembleia Geral Extraordinária, realizada em 12 de Março de 1947, lemos

o que Henrique Andrade não comentou nas páginas de Mundo Espírita, mas que poderia ser

deduzido pela sua tentativa de acalmar os credores: “a situação financeira é precaríssima,

dada a existência de várias duplicatas já vencidas e não poder contar com a benevolência

dos Srs. Credores”194

. Um sócio solicita a palavra e faz uma proposta que impediria, naquele

momento, a liquidação da sociedade, mas não evitaria que, de futuro, a majoritariedade das

ações trocasse de mãos.

Com a palavra o acionista Dr. Arthur Lins de Vasconcelos Lopes, propõe seja estudada uma

forma de se evitar a liquidação, com a entrada do capital necessário ao pagamento de todos

os credores e que permita a reorganização da Sociedade de forma a imprimir-lhe o caráter

comercial necessário à sua manutenção. Discutidas ambas as propostas a assembléia

deliberou, unanimemente, aprová-las concedendo os poderes necessários à diretoria

representada pelo seu presidente, para proceder a liquidação da Sociedade, caso não seja

possível conseguir o capital necessário à reorganização desejada (...). 195

Seria feita, então, uma última tentativa de salvação da sociedade, abrindo aos sócios o

estudo em busca de uma solução para a falta de capitais. O compromisso com os credores

figura em primeiro plano, até porque se alguns deles fossem bancos, a regularização da dívida

poderia abrir margem para novos empréstimos. Caso fossem bem sucedidos, dariam início à

reorganização da gráfica para dotá-la do pretendido caráter comercial. Se o esforço de

captação de recursos falhasse, a liquidação da sociedade já estava aprovada.

Em Outubro de 1947, a Revista Espírita do Brasil publica um artigo do escritor

espírita paulista Paulo Alves de Godoy onde ele solicita auxílio para a Gráfica Mundo Espírita

S. A.. Para ele, seria contraditório que num momento em que grandes empreendimentos

espíritas surgiam no país, “dando uma patente demonstração de pujança, uma obra das mais

importantes como o seja uma editora, cesse as suas atividades por carência de recursos”196

.

Se grandes realizações espíritas despontavam pelo país, era sinal de que recursos existiam. Se

o apelo do autor é público e direcionado aos espíritas, é sinal de que reconhecia que existiam

espíritas detentores de recursos materiais que poderiam oferecer ajuda financeira eficiente

para a manutenção do trabalho da gráfica. Não por acaso, Henrique Andrade fez o mesmo

apelo em Outubro de 1945, à semelhança do que fizeram os espíritas da FEB em socorro de

seu projeto editorial. Para ele, “se esses recursos não partirem dos espíritas, é óbvio que a

194

“Gráfica Mundo Espírita S. A.. Ata da Assembléia Geral Extraordinária da Gráfica Mundo Espírita S. A.,

realizada em 12 de Março de 1947”. Diário Oficial da União, 21 de Março de 1947, Seção I, p. 3885. 195

Idem. Grifos meus. 196

GODOY, Paulo Alves. “Não deve perecer a Gráfica “Mundo Espírita” S. A.”. Revista Espírita do Brasil. Rio

de Janeiro, Outubro de 1947, p. 6. Sobre o autor, ver: FEDERAÇÃO ESPÍRITA DO PARANÁ. Paulo Alves de

Godoy. Disponível em: http://www.feparana.com.br/biografia.php?cod_biog=229 Último acesso em 21 de

Janeiro de 2014.

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obra veja a cada passo ameaças de desfalecimento ou sofra solução de continuidade” 197

. Os

espíritas poderiam contribuir “tomando assinaturas, fazendo listas de angariações ou mesmo

enviando contribuições”198

. Paulo Alves de Godoy propõe uma campanha onde cada Centro

pudesse conseguir dez assinantes para Mundo Espírita. Listas para angariação de recursos

para o auxílio de obras sociais eram bem comuns entre os espíritas199

.

Ao final de 1947, em 5 de Dezembro, realizam uma Assembleia Geral onde fazem a

leitura do relatório da Diretoria, dos balanços financeiros e do parecer do Conselho Fiscal

relativos aos anos 1945 e 1946, que foram aprovados unanimemente. Na oportunidade,

elegeram a Diretoria e o Conselho Fiscal para o exercício de 1947, do corrente ano. Não

fizeram eleições no início do ano, na Assembleia Geral extraordinária de Março, quando

cogitaram liquidar a sociedade200

. Em 23 de Janeiro de 1948, o Diário Oficial da União

publica o Balanço Geral da gráfica referente ao ano de 1947, bem como o relatório do seu

diretor presidente e o parecer do Conselho Fiscal. Segundo Henrique Andrade,

a Gráfica Mundo Espírita pode realizar o seu primacial objetivo, editando, semanalmente, o

seu jornal e imprimindo outros periódicos de propaganda doutrinária como sejam “Aurora” e

“Revista Espírita do Brasil”.(...)O prejuízo verificado no Balanço tem por causa a manutenção

do jornal “Mundo Espírita”, sempre deficitário, carecendo por isso de uma maior e mais

eficiente cooperação dos espíritas em geral. 201

Reafirmada a principal prioridade da gráfica – a impressão de Mundo Espírita – ela,

em tempos financeiros difíceis que lhe ameaçavam a existência, seguiu imprimindo Aurora,

outro periódico sob responsabilidade de Henrique Andrade, e o órgão da Liga Espírita do

Brasil. Os prejuízos, que não eram pequenos, foram causados ainda uma vez pelo jornal que

dava nome à gráfica. As suas despesas ficaram, no exercício de 1947, em Cr$: 137.416,00

enquanto que a renda obtida com ele em Cr$: 58.961,70, totalizando um prejuízo de Cr$:

78.724, 30. A solução para o problema? A que sempre insistiu: o aumento do capital que

permitiria o crescimento da produção e melhor organização administrativa202

. Segundo o

197

GODOY, Paulo Alves. “Não deve perecer a Gráfica “Mundo Espírita” S. A.”. Revista Espírita do Brasil, op.

cit.. 198

Idem. 199

O Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor, então em Santa Tereza, na sua sessão ordinária de sua Diretoria,

realizada em 12 de Outubro de 1939, acusa o recebimento de uma circular da Hora Espiritualista, programa

espírita de rádio sob a responsabilidade de João Pinto de Souza, “pedindo um auxílio para a continuação da sua

transmissão – Responder, auxiliando com a contribuição mensal de cinco mil réis”. No entanto, ao menos neste

Centro a campanha da Gráfica Mundo Espírita S. não repercutiu, uma vez que não fizeram qualquer referência a

ela em suas reuniões de Diretoria. GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR. Sessão Ordinária da

Directoria. Rio de Janeiro, 12 de Outubro de 1939, p. 24. 200

“Gráfica Mundo Espírita S. A.. Ata da Assembléia Geral Ordinária realizada em 5 de Dezembro de 1947”.

Diário Oficial da União, 2 de Janeiro de 1948, Seção I, p. 37. 201

ANDRADE, Henrique. “Gráfica Mundo Espírita S. A.. Relatório”. Diário Oficial da União, 23 de Janeiro de

1948, Seção I, p. 1069. Grifos meus. 202

Idem.

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parecer do Conselho Fiscal, não fosse a edição de Mundo Espírita, teriam alcançado lucro de

Cr$: 17.480,80. Apesar disso, com relação ao balanço que analisaram, fazem questão de

assinalar que “não têm dúvidas em recomendar a sua aprovação”203

, afinal, o principal

objetivo da sociedade era a impressão de Mundo Espírita.

No final de 1947, os responsáveis pela Gráfica tentaram “colocar a casa em ordem”,

ao menos juridicamente, procedendo a avaliação das contas do período 1945 a 1947, além de

elegerem a Diretoria e o Conselho Fiscal de 1947. Eram ventos de mudança que sopravam.

Em 31 de Janeiro de 1948, Henrique Andrade anunciava, pelo Mundo Espírita, os resultados

da Assembleia Geral do dia anterior. “Tem nova diretoria a Gráfica Mundo Espírita. Está

presidindo-a um espírita de comprovada tenacidade, segura compreensão doutrinária, larga

visão e notável tino administrativo – o Dr. Arthur Lins de Vasconcelos Lopes, o atual vice-

presidente da Liga Espírita do Brasil”204

. Compõem com ele a diretoria Carlos Imbassahy e

Amadeu Santos, que foi responsável, por meses, pela Livraria da FEB. A proposta de uma

nova diretoria, na Assembleia Geral, partiu de Levindo Gonçalves Melo, presidente da

Sociedade de Medicina e Espiritismo do Rio de Janeiro que também sugeriu que o Diretor-

Presidente tivesse honorários de Cr$: 2.000,00 e os demais diretores, Cr$: 500,00. O novo

Conselho Fiscal efetivo foi composto por Aurino Barbosa Souto, presidente da Liga Espírita

do Brasil, Leopoldo Machado e pelo General Manuel Araripe de Faria, da Cruzada dos

Militares Espíritas205

. Por fim,

pede a palavra o presidente recém-eleito Dr. Lins de Vasconcelos Lopes que propõe seja dada

uma gratificação de Cr$: 36.000,00 (...) ao Dr. Henrique Andrade pelos esforços que

dispendeu na administração da Gráfica Mundo Espírita S. A., o que foi aprovado

unanimemente. 206

Em artigo publicado no Mundo Espírita de 21 de Fevereiro de 1948, Lins de

Vasconcelos diz que lamenta que as colunas do jornal “não tivessem ficado fechados para

dispensáveis querelas. Manifestei, em tempo hábil, minha discordância nesse terreno e no

econômico financeiro”207

. Henrique Andrade publicou uma série de artigos contra a obra de

Roustaing que, em 1946, reuniu em livro editado pela gráfica chamado “A Bem da Verdade”.

Isso certamente não agradou os espíritas da FEB, como parece não ter agradado a Lins de

203

IMBASSAHY, Carlos; CARVALHO, J. F. Pires; SOUZA, José Fernandes. “Gráfica Mundo Espírita S. A..

Parecer”. Diário Oficial da União, 23 de Janeiro de 1948, Seção I, p. 1069. 204

ANDRADE, Henrique. “Fim de uma etapa”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 31 de Janeiro de 1948, capa. 205

“Histórico da CME”. Disponível em: http://www.geocities.ws/militar_espirita/htm/a_cme.htm Último acesso

em 22 de Janeiro de 2014. 206

“Gráfica Mundo Espírita S. A.. Ata da assembléia geral ordinária dos acionistas da Gráfica Mundo Espírita

Sociedade Anônima, realizada aos trinta dias do mês de Janeiro de 1948”. Diário Oficial da União, 4 de

Fevereiro de 1948, Seção I, p. 1601. Grifos meus. 207

LOPES, Arthur Lins de Vasconcellos. “Início de nova etapa”. Mundo Espírita, op. cit..

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230

Vasconcelos, que tinha mais simpatia por esta federativa que pela Liga Espírita do Brasil,

apesar do cargo que ocupava nela. Não por acaso, as propagandas deste livro em Mundo

Espírita cessam quando Lins de Vasconcellos assume sua direção. Certamente também não é

casual que a mudança seja celebrada pelo Reformador do mês de Fevereiro de 1948 e que

Lins de Vasconcellos seja apresentado apenas como membro da Assembleia Deliberativa da

FEB, omitindo sua participação na Liga Espírita do Brasil. Além disso, fazem questão de

ressaltar que ele “já publicou novo programa de atividades daquele órgão, em plena

harmonia com os ideais espíritas. Entra, assim, “Mundo Espírita”, em uma fase de trabalhos

sérios e superiormente inspirados, à qual desejamos longa e frutuosa duração”208

. Ou seja,

antes, na época de Henrique Andrade, o programa do jornal não estaria em harmonia com os

ideais espíritas e viveria uma fase de trabalhos pouco sérios e, se inspirados, apenas pelos

Espíritos inferiores. Henrique Andrade tinha consciência que desagrava os espíritas da FEB e,

ao que parece, sofreu retaliações. Numa reunião que participou com representantes da FEB,

da Liga Espírita do Brasil e de outros Centros Espíritas, onde discutiram a possibilidade das

federativas se unirem e reordenarem seus trabalhos, ele “diz que jamais teve intenção de fazer

campanha destruidora contra a Federação, embora tenha sido por ela agredido moralmente

com a proibição de circular em sua sede e livraria o semanário MUNDO ESPÍRITA de que é

diretor” 209

. Dessa forma, privaram-no de um ponto de venda e leitura para seu jornal em

razão das discordâncias que detinha com a FEB, consideradas por esta como “campanha

destruidora”, interpretação que os espíritas vinculados a esta federativa davam às críticas à

obra de Roustaing.

Com relação à discordância que Lins de Vasconcellos manifestou a respeito tanto das

querelas quanto a da questão “econômico-financeira”, se ele as fez, não foi pelos canais

oficiais ou publicamente, uma vez que nas Assembleias Gerais as contas eram aprovadas com

unanimidade e a única intervenção que ele fez em uma delas, consignada em ata, foi a que

pedia mais tempo para estudarem soluções financeiras para a sociedade. Penso, então, que se

fez sugestões informalmente a respeito de problemas financeiros da gráfica, uma delas tem a

ver com a primeira medida que anuncia neste artigo de apresentação:

Quanto a “MUNDO ESPÍRITA”, por motivos financeiros e de acidente nas oficinas, ocorrido

em Novembro de 1947, e cujos efeitos ainda se fazem sentir, passará a sair nos segundo e

quarto sábados de cada mês, dependendo o retorno às edições semanais de assinaturas,

anúncios e donativos, além da normalização das oficinas.210

208

“Mundo Espírita”. Reformador. Rio de Janeiro, Fevereiro de 1948, p. 48. 209

“O caso da projetada fuzão entre a Liga Espírita do Brasil e a Federação Espírita Brasileira”. Mundo Espírita.

Rio de Janeiro, 2 de Novembro de 1946, p. 4. 210

LOPES, Arthur Lins de Vasconcellos. “Início de nova etapa”. Mundo Espírita, op. cit.. Grifos meus.

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231

Um fato novo, não comentado: um acidente nas oficinas, que comprometeu sua

capacidade operacional. Maquinário danificado, funcionário ferido ou os dois? Por esse

motivo e pelas questões financeiras já apontadas, o jornal Mundo Espírita passa a ser

quinzenal afinal, ele “custa muito dinheiro e dá muito trabalho, incômodos e desgostos”211

.

Lins de Vasconcellos, que ainda nesse artigo, diz que assumiu “a responsabilidade de

dirigir temporariamente este órgão” 212

, anos depois, em 12 de Fevereiro de 1952, diria que

não tinha “saúde, nem tempo, nem gosto para cuidar de jornal” 213

. Devia considerar que sua

participação no jornal seria transitória, que não duraria muito tempo e que prontamente

poderia ser substituído por alguém. Em 12 de Novembro de 1949, pelo Mundo Espírita,

afirma que “a gráfica “Mundo Espírita” e o jornal que lhe deu o nome vieram parar em

minhas mãos como uma das maiores provações da minha vida” 214

. Em 4 de Abril de 1949,

quando se comemorava mais um ano de existência do jornal, avalia que “o ano que

transcorreu sob a nova administração não permitiu recuperação material nenhuma. Estamos,

ainda, na fase de expansão gratuita e de penetração em meios desconhecidos”215

. Neste

momento, aumenta a tiragem do jornal sem que o número de assinantes tenha crescido. Mas,

em 4 de Abril de 1950, frustrado, admite que “decorridos doze mêzes, temos a dizer que

acumulamos grandes decepções e vultosos prejuízos materiais”216

. O ano de 1949 só não

teria sido completamente perdido por conta do acordo assinado entre a FEB e a Liga Espírita

do Brasil chamado Pacto Áureo, que ele, através de Mundo Espírita, concorreu para que se

concretizasse. Isso o teria ajudado na

decisão que tomamos de prosseguir, por mais algum tempo, ou mesmo ampliar, de certo modo,

o nosso raio de ação, se descobrirmos elementos novos que nos possam ajudar

(...).Pacientemente, resignadamente, temos resistido, durante dois anos, à tentação de

voltarmos ao silêncio e à tranquilidade de outros trabalhos em que haja menos paixões e

menos inimigos, pois a verdade é que um jornal como este é um belo instrumento para

angariar inimizades e desafeições. Todos os que não são atendidos em seus desejos, passam a

odiar o diretor, o qual ou se transforma em “bonzinho” ou fica arrolado como feroz, orgulhoso

e tirano, pagando ainda para ter fama de bicho ruim.217

211

Idem. 212

Idem. 213

LOPES, Arthur Lins de Vasconcellos. “Relatório Impressões Finais”. Citado por: LOBO, Ney. Lins de

Vasconcellos, op. cit., p. 280. Segundo Ney Lobo, neste relatório, seu autor trata de uma viagem que fizera ao

Paraná e Santa Catarina, da piora do seu estado de saúde e de algumas análises do movimento espírita. Vai de 12

a 15 de Fevereiro de 1952. Não consta que ele tenha sido publicado em algum periódico. 214

LOPES, Arthur Lins de Vasconcellos. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 12 de Novembro de 1949. Citado por:

LOBO, Ney. Lins de Vasconcellos, op. cit., p. 372. 215

LOPES, Arthur Lins de Vasconcellos. “Mais um ano”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 4 de Abril de 1949,

capa. 216

LOPES, Arthur Lins de Vasconcellos. “Mundo Espírita”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 4 de Abril de 1950,

capa. 217

Idem. Grifos meus.

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232

Não era só a questão material que o afligia. A recente conquista pela unificação dos

espíritas o empolgava a continuar, mas acusava o golpe quando pensava nas inimizades que

atraia pelas escolhas que fazia para seu jornal. Provavelmente, a fonte dos problemas era a

recusa de artigos que criticassem o acordo recém-construído entre as federativas – porque

tinha preferência pela FEB e era vice-presidente da Liga Espírita do Brasil, agora Liga

Espírita do Distrito Federal – ou mesmo sobre polêmicas que motivaram sua crítica às

escolhas editoriais de Henrique Andrade no jornal. Entretanto, em suas impressões finais,

parece decidido a desistir da

empresa fabulosa que nasceu falida e que parece ter, como diz o vulgo, caveira de burro. Só

com o balanço é que poderia fazer Assembléia Geral Ordinária para, depois, ver se há

conveniência de promover a liquidação. (Tenho receio de que se não liquidar, possa surgir

outro Andrade e, então, já não haverá mais outro Lins. Eu terei partido para a grande

viagem).218

Reconhece que a empresa tinha problemas estruturais desde sua fundação, porque

havia começado com pouco dinheiro. Em cinco anos, acumulara aborrecimentos, decepções,

inimizades e prejuízos materiais. Achava mais seguro liquidá-la para que não se corresse o

risco de aparecer alguém como seu antecessor. O que ele queria dizer com isso? Que

Henrique Andrade administrou mal? Mas ele também não conseguiu “levantar” a sociedade,

afinal, fazia questão de pontuar as dificuldades que enfrentou com ela. Em todo caso, não

pode levar adiante sua ideia, porque morre em 21 de Março de 1952.

O Reformador de Maio de 1950 traz um artigo de Giuseppe Leoni intitulado “Editoras

Espíritas” no qual avalia a indústria do livro espírita e apresenta críticas à conduta de

Henrique Andrade. De acordo com ele, ninguém viu os resultados dos investimentos de

capitais na Gráfica Mundo Espírita S. A.. “Ninguém? – Não é bem assim. O organizador

viveu vários anos às custas dela e ainda saiu com quase duas centenas de contos de réis. Os

próprios impostos e tributos ao Instituto dos Comerciários ela não pagava”219

. Antes dele

Ismael Gomes Braga, em Abril de 1945, já questionava nas páginas do Reformador, aqueles

que supunham

que uma Editôra espírita deva ser uma fonte de renda, como qualquer empresa comercial, uma

agremiação de pessoas que se organizam para serem beneficiadas com lucros, honorários de

diretores, etc., e não exclusivamente para prestar serviços, como se compreende de um asilo ou

de um abrigo220

.

Eram acusações muito desconfortáveis para um espírita, por conta do “Dai

gratuitamente o que gratuitamente recebestes”, capítulo de “O Evangelho Segundo o

218

LOPES, Arthur Lins de Vasconcellos. “Relatório Impressões Finais”. Citado por: LOBO, Ney. Lins de

Vasconcellos, op. cit., p. 281. 219

LEONI, Giuseppe. “Editoras Espíritas”. Reformador. Rio de Janeiro, Maio de 1950, p. 105. 220

BRAGA, Ismael Gomes. “A Assistência Social e o Livro Espírita”. Reformador. Rio de Janeiro, Abril de

1945, p. 89.

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233

Espiritismo”, de Allan Kardec que se referia à mediunidade, em cuja atividade os médiuns

espíritas não deviam buscar remuneração221

. Essa lógica de atuar gratuitamente acabava

projetando-se para outras atividades doutrinárias, como nos trabalhos assistenciais

mencionados por Ismael Gomes Braga. O “jornalismo amador” de Leopoldo Machado e de

Arnaldo S. Thiago também operava dessa forma. Como vimos, os diretores da FEB não

receberiam remuneração. Porém, os espíritas que atuassem na imprensa doutrinária e que

recebessem remuneração poderiam invocar o próprio Allan Kardec para legitimar seu

posicionamento, uma vez que, ao pensar estratégias para o desenvolvimento de sua Revue

Spirite, ele cogitou a presença de um redator remunerado222

.Além disso, lembremos que o

administrador da Livraria da federativa poderia receber salários. Se este fosse espírita, teria

que abrir mão da remuneração? Quantos espíritas receberam remuneração ao exercer

atividades profissionais, na FEB ou em outras instituições espíritas? Como separar a atuação

profissional de sua atividade doutrinária? E quem cuidava da direção de um jornal espírita

semanal, como Mundo Espírita, assim como da administração de uma empresa gráfica? Do

que sobreviveria? Recordem-se que os vencimentos dos diretores da Gráfica Mundo Espírita

S. A. foram votados em Assembleias de sócios, muitos dos quais em atividades doutrinárias.

Não contestaram quando poderiam ter feito, porque provavelmente acharam normal e justo.

Henrique Andrade, no entanto, não parecia desatento às críticas e nem as ouviu em

silêncio. Uma de suas respostas foi publicada em Mundo Espírita de 7 de Julho de 1945 na

qual questiona as “verdadeiras” razões dessa disputa. De acordo com Henrique Andrade, o

comentário crítico de Ismael Gomes Braga “nada tem de espírita; ele é, exclusivamente,

comercial”223

e seria motivado pelo receio de que a editora da FEB fosse ameaçada pela

concorrência da Gráfica Mundo Espírita S. A., da qual ele, inclusive era sócio. Além disso,

destaca sua contradição: era acionista da Gráfica Mundo Espírita S. A. e quando teve

oportunidade, nos fóruns abertos pelas Assembleias de sócios, não se manifestou. O então

diretor presidente da Gráfica Mundo Espírita S. A., no mesmo artigo, mostra-se incomodado

com o “exclusivismo” demonstrado pelo defensor da FEB e recupera outra publicação da

autoria de seu crítico, inclusive citando-o.

Mas, onde S. S. nos mostra o verdadeiro objetivo da sua campanha, é neste passo publicado na

edição de junho findo: “Nossa idéia “fixa” no momento é a única em condições de prestar esse

serviço. Qualquer outra que se venha a fundar terá fatalmente que ser uma concorrente

fadada ao insucesso, por não possuir nenhuma obra consagrada nem o nome da Federação a

recomendar-lhe os livros que tenha que lançar. Por isso temos insistido sempre nominalmente

221

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, op. cit.,p. 434. 222

KARDEC, Allan. Obras Póstumas. FEB: Rio de Janeiro, 1995, p. 342. 223

ANDRADE, Henrique. “Pretensão Egoísta”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 7 de Julho de 1945, capa.

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234

por uma editora”. O público que nos lê, saberá julgar do privilégio único a que se julga com

direito a Federação Espírita Brasileira. 224

Pelo visto, o diretor da Gráfica Mundo Espírita S. A. era um daqueles que criticavam o

projeto editorial da FEB, denunciando-lhe o caráter comercial através de Mundo Espírita ou,

mesmo, de Aurora, o que incomodava bastante os dirigentes da federativa. Meses antes, pelo

Reformador de Janeiro de 1945, Ismael Gomes Braga fez propaganda semelhante quase que

nos mesmos termos. O fato de ter os direitos autorais de “obras consagradas” – ainda que não

mencione quais – e a consagração do nome da instituição, que lhe emprestaria “grande

conceito moral no país todo”225

, são argumentos invocados para legitimar seu pedido por

doações e legados à Editora da FEB. “Dizemos nomeadamente a Editôra da Federação e não

vagamente uma editôra qualquer (...)”226

. Enfim, o outro projeto editorial existente na cidade

do Rio de Janeiro – a Gráfica Mundo Espírita S. A. – era vista pelos espíritas da FEB como

adversária e concorrente, não deveria merecer os recursos dos espíritas, que deveriam

convergir apenas para a Editora da federativa.

Em 25 de Abril de 1952, é realizada uma Assembleia Geral extraordinária onde Carlos

Imbassahy fez um relatório da situação da sociedade,

que só conseguiu sobreviver graças aos esforços e idealismo do grande companheiro Dr. Lins

de Vasconcelos, que despendeu com ela quantia superior a um milhão de cruzeiros, tudo

fazendo para salvaguardar o bom nome do Espiritismo, e evitar um fracasso de ruinosas

consequências morais. O Dr. Amadeu Santos, Dir. Tesoureiro, pediu a palavra e informou aos

Srs. Acionistas que o Dr. Lins de Vasconcelos, agindo com um desprendimento incomparável,

saldou todas as dívidas da Gráfica, efetuando pagamentos de muitos anos atraz, inclusive de

impostos, taxas e respectivas multas e que só assim pôde a empresa continuar até aquela data. 227

Muitas dívidas antigas e acumuladas; uma empresa que nasce deficitária; seu diretor

presidente que fez escolhas consideradas ruins, tanto administrativamente quanto

doutrinariamente. Foi aavaliação de Lins de Vasconcellos sobre a trajetória da gráfica e, em

particular, da gestão de Henrique Andrade. Consta, ainda, nesta ata, que Carlos Imbassahy

afirmou que o pensamento da Diretoria da gráfica era transferi-la para o Estado do Paraná,

onde a Federação Espírita do Paraná providenciaria local para sua instalação. Na véspera de

sua morte, estabelecera contato com João Ghignone e Abibe Isfer, “assentando as bases para

essa transferência caso a Assembléia a homologasse” 228

. A gráfica já estava para ser

despejada do endereço de suas oficinas, à Rua dos Inválidos nº. 216, bem como de seu

escritório, à Rua do Carmo nº. 65. Estes dois dirigentes da Federação Espírita do Paraná

224

Idem. Entre aspas na citação do autor, BRAGA, Ismael Gomes. Reformador. Rio de Janeiro, Junho de 1945. 225

BRAGA, Ismael Gomes. “Serviço Modelar”. Reformador. Rio de Janeiro, Janeiro de 1945, p. 3. 226

Idem. 227

“Gráfica Mundo Espírita S. A.. Ata da Assembléia Geral Extraordinária dos acionistas, reunida em vinte e

cinco de Abril de 1952”. Diário Oficial da União, 28 de Maio de 1952, Seção I, p. 8942. Grifos meus. 228

Idem.

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235

tornam-se diretores da gráfica. João Ghignone “reafirmou o compromisso de não ser

interrompida a publicação do “Mundo Espírita” e de soerguer as finanças da Gráfica a

ponto de dentro de três anos poder resgatar pelo valor nominal as ações dos que assim

desejarem”229

. O jornal circula até hoje como órgão de divulgação da Federação Espírita do

Paraná230

nas versões impressa e online. Henrique Andrade continuou sua militância na

imprensa espírita com o jornal Aurora. Numa carta do médium mineiro Francisco Cândido

Xavier à Antonio Wantuil de Freitas, de 10 de Maio de 1949, o médium mineiro diz que

recebeu de Zeus Wantuil “a “Aurora”, de 15 de abril ultimo, em que aparece um artigo

compacto, apaixonadamente combativo, contra o trabalho último do nosso prezado

Ismael”231

. Segundo a escritora espírita Suely Caldas Schubert, que teve acesso ao conteúdo

integral dessas correspondências, ainda que, em seu trabalho, elas aparecem fragmentadas,

Ismael Gomes Braga estaria sendo criticado por causa de seus artigos.

3.4 – Vestígios de outros projetos editoriais: a Editora Espírita Limitada e a SELK

Em maio de 1950, pelo Reformador, Giuseppe Leoni afirma que a indústria do livro

espírita não era lucrativa. A explicação que dava para os progressos alcançados pelo

Departamento Editorial da FEB é de que eles não se deviam, segundo ele, aos lucros

alcançados mas, sim, à “abnegação com que o tratam seus diretores, todos trabalhando

gratuitamente e ainda lhe suprindo de recursos monetários, quando preciso” 232

. Alguns dos

que se dedicavam à produção de livros espíritas apresentavam-se como “os “salvadores”, os

“defensores” dos espíritas, os “apóstolos” que lançamplanos para a fundação de uma nova

editora que venha acabar com a exploração da F.E.B., por vender esta livros por preços

exorbitantes, etc. etc.”233

. Críticas à parte, o artigo apresenta algumas iniciativas que não

prosperaram nos seguintes termos: “Em 1938 surgiu a “Editora Espírita Limitada”, à rua

dos Andradas, 86, nesta Capital. Recebeu, por antecipação, dinheiro de milhares de espíritas.

Prometeu esse mundo e o outro. Atacou a exploração da F.E.B. No fim, não pagou a ninguém

e faliu vergonhosamente”234

.

229

Idem, p. 8943. 230

FEDERAÇÃO ESPÍRITA DO PARANÁ. Mundo Espírita. Disponível em:

http://www.mundoespirita.com.br/ Último acesso em 22 de Janeiro de 2014. 231

XAVIER, Francisco Cândido. “Carta a Antonio Wantuil de Freitas”. Pedro Leopoldo, 10 de Maio de 1949.

Citada por SCHUBERT, Suely Caldas. Testemunhos de Chico Xavier, op. cit., p. 267. 232

LEONI, Giuseppe. “Editoras Espíritas”. Reformador, op. cit.. 233

Idem. 234

Idem.

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236

Não obtive muitas informações a respeito dessa experiência, mas é possível afirmar

que a empresa é um pouco mais antiga do que o autor afirma. Em 19 de Fevereiro de 1935, o

Correio da Manhã publica a relação dos sócios dela. Dentre eles, vinculados à Liga Espírita

do Brasil temos Jonathas Botelho, Redator-Chefe da Revista Espírita do Brasil; João Carlos

Moreira Guimarães, que foi Secretário da mesma revista; Francisco Klörs Werneck, que

naquele momento era o atual secretário dela, que escrevia para Reformador e era o

responsável pela coluna “„Correio‟ Espírita, do Correio da Manhã; encabeçando a lista,

Henrique Andrade, então presidente da Liga Espírita doBrasil e responsável pelo jornal

Mundo Espírita. Ligados à FEB temos Ismael Gomes Braga, que também escrevia para a

Revista Espírita do Brasil; Carlos Imbassahy e Leopoldo Machado. Sem ligação direta com

qualquer das federativas temos Mário José da Costa, que foi responsável pela coluna “Vida

Espiritual”, do jornal Gazeta de Notícias; Levindo Mello, que anos mais tarde presidiria a

Sociedade de Medicina e Espiritismo do Rio de Janeiro. Destaquei estes homens porque eles

participaram, também, como acionistas, da Gráfica Mundo Espírita S. A.235

.

A Editora Espírita Limitada anunciava alguns de seus livros no Correio da Manhã.

Um deles foi “Cartas de uma morta”, segundo livro psicografado por Francisco Cândido

Xavier, cujos direitos teriam sido doados ao Orphanato Dr. March, de Niterói, de acordo com

anúncio publicado neste jornal em 27 de Outubro de 1935236

. Considerando os investimentos

realizados pela FEB na montagem e ampliação de sua gráfica e as campanhas a favor da

venda de livros, o perigo de perder a exclusividade que manteve por alguns anos na edição

das obras do médium mineiro pode ter sido interpretado como uma ameaça. Some-se a isso o

risco de deixar de publicar os livros de outros médiuns ou escritores espíritas que porventura

surgissem. Isso explicaria as críticas a outras iniciativas editoriais, o que não impediu que

estas editoras “alternativas” contassem com a participação de alguns de seus colaboradores.

235

“Departamento Nacional da Indústria e Comércio. Relações dos contratos, alterações de contratos, distratos e

firmas individuaes, despachados em 9 do corrente”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 19 de Fevereiro de 1935,

p. 15. Além destes, na relação consta mais duas pessoas que participaram das duas iniciativas: José de Oliveira,

nome muito comum e Arthur Donato. Não obtive muitas informações sobre eles a não ser aquelas oferecidas na

publicação do Diário Oficial da União que qualificava os sócios da Gráfica Mundo Espírita S. A.. José de

Oliveira, se for o mesmo, era português, na profissão descrito como “proprietário”, e Arthur Donato, brasileiro e

industrial. “Gráfica Mundo Espírita S. A. Ata da 1ª Assembléia dos Subscritores de ações da “Gráfica Mundo

Espírita S. A.”, realizada em 14 de Novembro de 1942”. Diário Oficial da União, 8 de Fevereiro de 1943, Seção

I, p. 1775. 236

“Cartas de uma morta”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 27 de Outubro de 1935, p. 23. Além deste, a

Editora Espírita Limitada publicou “Orações de um crente” (1935), de Noel Varão; “Allan Kardec e o

Espiritismo” (1935), de Chrisanto de Brito; “As enfermidades e os espíritos” (1936), de Epaminondas de Souza,

um dos sócios da editora e “O Espiritismo, doutrina da felicidade (1936), de Miguel Karl. Os três últimos fazem

parte do acervo da Biblioteca do Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor, de Benfica.

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237

Giuseppe Leoni rememora outra iniciativa editorial: “Depois, veio a Editora SELK, à

rua Paraguai, também nesta Capital. Os mesmos processos da outra, as mesmas promessas

e... foi-se, deixando muita gente à espera dos livros pagos por antecipação”237

. No

Reformador de Junho de 2011, encontramos em uma nota no artigo de Jorge Brito,

pesquisador da FEB, algumas poucas informações sobre essa iniciativa. Segundo ele, SELK

era abreviação de Sociedade de Expansão dos Livros de Allan Kardec, responsável pela

publicação de “O Livro dos Espíritos”, de Allan Kardec em 1943, com tradução de Antonio

Lima. Teria sido a primeira editora no século XX, depois da FEB, a publicar as obras do autor

francês. Na biografia de Antonio Lima no site da FEB consta que ele, com quase 80 anos de

idade, teria fundado a Sociedade Editora dos Livros de Allan Kardec com o objetivo de

baratear os custos dos livros do autor francês238

. Penso que apesar da “confusão” dos nomes,

trata-se da mesma iniciativa. Vale recordar que Antonio Lima foi, também, tradutor de livros

editados pela própria FEB. Por discordar dos preços praticados por ela – assim como outros

espíritas – resolveu fundar uma editora que os oferecesse em melhores condições. Ainda uma

vez, fraturas internas e divergência de opiniões devem ter concorrido para que seu idealizador

e quem sabe outros espíritas investissem neste projeto editorial. Ismael Gomes Braga,

Leopoldo Machado e Carlos Imbassahy participaram de dois desses projetos: Editora Espírita

Limitada e da Gráfica Mundo Espírita S. A.. Pode-se perceber, aliás, que a Gráfica Mundo

Espírita S. A. era bastante dependente de seus dois primeiros presidentes, que detinham

muitos poderes, apesar de ser uma sociedade anônima onde os associados podiam opinar em

assembleias gerais. Henrique Andrade idealizou e organizou-a. Deve ter empenhado recursos

próprios; Arthur Lins de Vasconcellos Lopes assumiu-a, pagou dívidas e fez investimentos

altos nela. De acordo com a biografia da FEB, Antonio Lima morreu pouco antes de

completar 82 anos de idade. A “desorganização” da Editora pode ter a ver com a ausência de

seu idealizador. Os simpatizantes, colaboradores ou eventuais associados não devem ter

desejado continuar com o empreendimento. Por fim, diferente das motivações da FEB e da

Gráfica Mundo Espírita S. A., que justificaram o investimento na criação e ampliação de suas

próprias gráficas melhorar o desempenho de seus periódicos, estes dois empreendimentos não

estavam vinculados a nenhum periódico espírita. Preocupavam-se, apenas, em dedicar-se à

indústria do livro espírita, que despontava como possibilidade de divulgação doutrinária.

237

LEONI, Giuseppe. “Editoras Espíritas”. Reformador,op. cit. 238

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Antonio Lima. Disponível em:

http://www.febeditora.com.br/blog/sobre-autores/antonio-lima Último acesso em 25 de Janeiro de 2014.

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238

Conclusão

Os periódicos espíritas despontam quando a impressão de livros não era ainda uma

tarefa simples e acessível para os adeptos do Espiritismo. Na cidade do Rio de Janeiro, apenas

na década de 1930 começaram a ser organizadas gráficas espíritas onde se editavam e

imprimiam jornais, revistas, folhetos e livros doutrinários. Até então, o trabalho de produção e

impressão de periódicos estavasujeito ao fluxo de demanda das gráficas leigas, o que

resultava em atrasos na remessa de seus periódicos, o que justificaria a montagem de

tipografias próprias.Alguns dos periódicos que analisamos neste trabalho traziam, em suas

páginas, trechos de livros espíritas.O Reformador, em seus primeiros anos, levou a seus

leitores partes de “O que é o Espiritismo”, de Allan Kardec. Posteriormente, ao longo da

década de 1940,com o deslocamento do eixo de prioridade da FEB para a impressão de livros,

a revista teria se tornado, na expressão de Francisco Thiesen, a “plataforma do lançamento do

livro espírita”1. O jornal Tribuna Espírita, por sua vez, publicou trechos do livro “Memórias

do Padre Germano”, da médium espanhola Amalia Domingo y Soler2. Como pudemos

analisar, a revista O Sidereo, do Centro Espírita José de Abreu, declarou que pretendia

despertar nos seus leitores o gosto pela leitura. Para tanto, levariam até eles mensagens

mediúnicas e trechos de obras doutrinárias, onde poderiam “ensaiar-se” no estudo da Doutrina

Espírita3. Havia por parte dos espíritas – e ainda há – grande expectativa quanto às

potencialidades da leitura de periódicos e livros. Acredita-se que através da leitura, a doutrina

é divulgada ao público leigo, é defendida dos ataques dos seus detratores e os espíritas podem

discernir o que é ou não o Espiritismo.

O periódico espírita – jornal ou revista – tinha a facilidade de ser levado junto com

seus leitores e podia ser lido nos seus momentos livres, nas breves pausas que eventualmente

fizesse ao longo de seu dia ou após a jornada de trabalho, além de ser, em termos econômicos,

mais barato que um livro que, além de tudo, exigiria maior fôlego e habilidades para leitura.

Os periódicos, à semelhança dos livros, também poderiam circular de mãos em mãos através

de empréstimos. A FEB enviava (e envia até hoje), a Centros Espíritas, o Reformador. Os

dirigentes destes Centros Espíritas, além de formarem um acervo da publicação, teriam a

chance de coloca-la em circulação, entre seus pares de Diretoria, ou entre os demais

1 THIESEN, Francisco. “Reformador”. Reformador, op. cit..

2 Amalia Domingo y Soler era escritora, oradora, intelectual e polemista. FEDERAÇÃO ESPÍRITA DO

PARANÁ. Amalia Domingo y Soler. Disponível em: http://www.feparana.com.br/biografia.php?cod_biog=23

Último acesso em 6 de Maio de 2014. 3 “O Sidereo”. O Sidereo, op. cit., p. 1.

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239

frequentadores da instituição que fossem responsáveis. Jornais e revistas espíritas poderiam

ser guardados e, até, mesmo, colecionados, constituindo-se em subsídio doutrinário para

aqueles que tinham compromisso com a tribuna doutrinária dos Centros Espíritas e/ou que

também escrevessem artigos sobre o Espiritismo para periódicos doutrinários ou jornais

diários que mantivessem colunas espíritas.

Os espíritas não foram os únicos a investir na atuação em jornais diários ou na criação

e manutenção de periódicos doutrinários. Outros segmentos religiosos, como os católicos,

também investiram na manutenção de sua própria imprensa, o que acredito que possa

estender-se aosprotestantes, positivistas e teosofistas. Às vezes, os espíritas ocupavam as

mesmas seções religiosas nos jornais diários que abrigavam outras religiões. Acredito que

pressionaram os periódicos de grande circulação por espaço utilizando-se de argumentos

parecidos com aqueles acionados pelos espíritas: que estavam expandindo-se e que os jornais

davam muito espaço para outras religiões e não a deles. Antonio Wantuil de Freitas,

assinando “I. Pequeno”, menciona em Outubro de 1946 um jornal católico de Petrópolis, A

voz de S. Antonio, onde um religioso teria se lamentado que, naquele momento, a imprensa

católica estaria inferior, em quantidade, à imprensa espírita e protestante4. Em diversos

momentos os espíritas debateram, polemizaram e contestaram, em seus jornais e revistas, os

argumentos e propostas defendidos por periódicos católicos que publicariam artigos contra o

Espiritismo e os espíritas. Com os protestantes, polemizaram muito menos5. Compreende-se a

“preferência” dos espíritas pelos católicos, uma vez que o Catolicismo era hegemônico, no

momento, além de seus adeptos voltarem parte de suas baterias contra os espíritas, o que

provavelmente faziam, também, com os protestantes, os teosofistas, os adeptos das religiões

afro-brasileiras, enfim, todos aqueles que pudessem constituir-se ameaça á essa hegemonia.

A presença feminina nas atividades mediúnicas em alguns Centros Espíritas era

marcante. No Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor e no Centro Espírita Amor, Caridade e

Esperança constituíam-se em mais da metade dos médiuns6. No entanto, a atividade na

imprensa doutrinária foi predominantemente masculina. Os periódicos espíritas foram

dirigidos por homens, que também eram maioria entre os autores de artigos doutrinários

publicados, o que se repetia nas colunas espíritas mantidas nos jornais diários. As únicas

exceções localizadas foram Guiomar Ramos, que assinou a última coluna de Hermes Jurema,

4 FREITAS, Antonio Wantuil (I. PEQUENO). “Estatística Católica”. Reformador, op. cit..

5 Apenas no Reformador de 1929 encontramos alguns artigos de Carlos Imbassahy dedicados a um protestante.

IMBASSAHY, Carlos. “As objecções de um amigo protestante. Divergências e interpretações II”. Reformador.

Rio de Janeiro, 16 de Maio de 1929, p. 309. 6 OLIVEIRA, Marco Aurélio Gomes. “Livres”, porém perseguidos, op. cit., p. 18.

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“Notas Espíritas”, no Correio da Manhã, além de ter sido eleita segunda tesoureira na

primeira diretoria da Liga Espírita do Brasil e Orminda Bastos, que escrevia para a Revista

Espírita do Brasil e que também publicou artigo na coluna “Espiritismo” do jornal A

Manha.É possível que a imprensa espírita ainda seja, predominantemente, uma atividade

masculina7.

Dos periódicos espíritas que analisei,Humildade, União Espírita, A Fraternisação e A

Fraternidade não teriam durado mais que um ano. Dos quatro, apenas o último é da década de

1910. Os outros três pertencem ao primeiro decênio do século XX. União Espírita e A

Fraternidade tinham caráter “independente” de instituições espíritas. Os espíritas organizados

em torno de Humildade, que era do Centro Espírita Humildade e Fé, tão logo se veem

privados das receitas da instituição, esforçam-se por arrecadar recursos que viabilizaram um

novo periódico, não mais um “órgão de propaganda” – Humildade – mas sim um “jornal de

combate e propaganda” que passaria a sair duas vezes ao mês. Com pretensões modificadas,

deixam Humildade para trás e investem no Tribuna Espírita que, no entanto, deve ter se

mantido apenas por dois anos. Não devia ser fácil manter um periódico espírita

“independente” nas duas primeiras décadas do século XX.

Os periódicos espíritas que duraram até o presente – Reformador e Mundo Espírita –

pertencem a instituições longevas e fortes, a FEB e a Federação Espírita do Paraná.

Reformador, aliás, durante o período analisado, sempre se mostrou deficitário

financeiramente. Quanto à Mundo Espírita, declinou a partir do momento em que foi

considerado “folheto de propaganda religiosa” pelo D.I.P., uma vez que foi privado das

receitas dos anunciantes. A Revista Espírita do Brasil também sobrevive durante mais de 20

anos por ser o órgão da Liga Espírita do Brasil. Entretanto, três anos depois do acordo de

unificação entre as federativas de caráter nacional então existentes, conhecido como Pacto

Áureo, deixa de circular. Aurora, por sua vez, o jornal de maior tiragem analisado, em 1919

representava cinco instituições espíritas, o que certamente facilitou-lhe a circulação em

diferentes meios pelo menos do Estado do Rio de Janeiro. Além disso, o fato de procurar

escrever para um público menos instruído deve ter captado leitores para o jornal. A revista

7No Reformador de Dezembro de 2012, excetuando-se uma entrevista e as mensagens mediúnicas, temos dos

onze artigos assinados, apenas três de autoria de mulheres, sendo que um deles assinando com um homem. Além

disso, das seis pessoas que constituíam o corpo de redatores da publicação daquele ano, apenas uma é

mulher.FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Reformador. Rio de Janeiro, Dezembro de 2012. Disponível

em: http://www.febnet.org.br/reformador/wp-content/themes/reformador/edicoes-

anteriores/pdf/2012/12dezembro.pdf Último acesso em 6 de Maio de 2014.

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Novo Horizonte, por sua vez, muda de mãos e periodicidade em 1953, tornando-se de

publicação cada vez mais esparsa até o seu final em 1991.

A captação de recursos para os periódicos espíritas sempre foi objeto de angústias para

os responsáveis pelas publicações. Os espíritas não apoiariam, como era de se esperar, a

criação de jornais e revistas para divulgar a doutrina ou, quando o faziam, era por um curto

período de tempo, o que fez com que A Verdade falasse no “mal das sete semanas”, quando

estes periódicos começariam a sentir os efeitos da carência de recursos materiais para sua

manutenção. Certamente que as dificuldades para financiar os periódicos foram um dos

elementos fundamentais também para as trocas de comando em alguns periódicos, como foi o

caso do Reformador e do Mundo Espírita, além, evidentemente, de concorrer para que outros

periódicos espíritas desaparecessem do cenário público.

Os espíritas desenvolviam diversas atividades doutrinárias em suas instituições, muitas

das quais de assistência social ou caridade, o que certamente também demandava recursos

financeiros, além das despesas correntes para a manutenção do ambiente físico. Os

mantenedores destas atividades buscavam o socorro financeiro das pessoas ligadas à própria

instituição que as promovia, como também, por cartas, solicitavam auxílio externo de outros

espíritas em outros Centros. Esses recursos eram disputados pelos periódicos espíritas, que

procuravam destacar a importância da atividade que desenvolviam para sensibilizar os bolsos

fechados. E nem sempre as prioridades dos espíritas na aplicação de seus recursos eram as

mesmas dos responsáveis pela direção e publicação dos periódicos doutrinários.

As colunas espíritas nos jornais diários são parte do processo de expansão da Doutrina

Espírita na cidade do Rio de Janeiro, assim como da própria imprensa empresarial. A maioria

dos jornais leigos analisados abre espaço para os adeptos do Espiritismo pouco tempo depois

que iniciam suas atividades. Essas colunas doutrinárias mantidas pelos espíritas se tornam

mais frequentes entre as décadas de 1920 e 1930, quando há um aumento significativo no

número de Centros Espíritas. Os periódicos espíritas, por sua vez, acompanham o mesmo

movimento. Isso permite-nos concluir que, logo no final do século XIX, os espíritas veem na

imprensa uma importante ferramenta de divulgação doutrinária e tão logo reúnem recursos

financeiros lançam-se ao empreendimento, seja pagando pela publicação de artigos nos

jornais diários, como no caso de Bezerra de Menezes e a União Espírita do Brasil, ou então

pela simples cessão de espaço, como o Correio da Manhã publicando artigos de Olegário

Tavares em 1903, seja pela criação de seus próprios periódicos. Aliás, as colunas espíritas nos

jornais diários, assim como os jornais e revistas mantidos pelos espíritas, não duravam muito.

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242

A grande exceção é a coluna “Chronica Espírita”, de Frederico Fígner, da FEB, no Correio da

Manhã.

Em que pesem os ideais de fraternidade e amor ao próximo pregados pelos espíritas,

os responsáveis por alguns periódicos e alguns membros das federativas então existentes

desceram a arena pública e combateram, não apenas aos que se apresentavam como inimigos

do Espiritismo, mas também àqueles outros espíritas que possuíam outros pontos de vista e

opiniões ou defendiam outra leitura da Doutrina Espírita. Os espíritas com responsabilidades

no periodismo doutrinário, em projetos editoriais e nas federativas disputaram, nem sempre

harmonicamente, a hegemonia entre os espíritas. Desejavam a preferência para seus

periódicos, editoras e suas visões doutrinárias e, para isso, lançaram mão da desqualificação

daqueles que julgavam seus adversários, alguns dos quais acusados de serem inspirados por

Espíritos inferiores. Utilizavam a imprensa como arena de lutas em defesa da pureza

doutrinária, contra a intromissão de elementos de crença que consideravam estranhos ao

Espiritismo. Usavam-na para tentar delimitar o que seria ou não a Doutrina Espírita.

O desejo de criação de um jornal espírita diário, que moveu o projeto “Nosso Jornal” e

esteve presente, também, no seio da FEB, é abandonado pelos espíritas. Na FEB, as disputas

entre ampliar o investimento na imprensa espírita, oscilando entre o jornal diário, a ampliação

do Reformador e o pagamento de uma coluna num jornal diário de grande circulação, são

deixadas de lado em detrimento da publicação de livros doutrinários, num momento onde

despontava, no cenário espírita nacional, a intensa produção mediúnica de Francisco Cândido

Xavier, que cedeu os direitos de boa parte de suas obras à federativa. Dos jornais analisados,

apenas Mundo Espírita e União Espírita foram semanais.

Antes da pesquisa, não dimensionava a quantidade de jornais diários em que os

espíritas tiveram colunas doutrinárias. Cada nova descoberta colocava novos desafios para o

mapeamento de títulos e linhas editoriais, identificação dos seus editores e delimitação das

coleções existentes. Porém, pude notar que os espíritas sentiram-se mais à vontade para

exprimir, em seus próprios periódicos, suas visões e expectativas quanto à utilização da

imprensa como instrumento de divulgação doutrinária e de defesa dos seus pontos de vista.

Neles,refletiram a respeito da captação de recursos para a manutenção de seus jornais e

revistas, enxergando na falta de socorro material dos adeptos do Espiritismo uma razão

fundamental. Além disso, utilizaram-se das páginas de seus periódicos para tecerem críticas a

respeito da atuação da imprensa leiga quando atacavam as atividades que desenvolviam.

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243

Reclamavam das prioridades de alguns jornais diários quanto ao Catolicismo, procurando,

com a queixa da desigualdade no tratamento, obter espaço em suas páginas.

Através da utilização da imprensa espírita como fonte, é possível pesquisar o processo

formador da Liga Espírita do Brasil que durante alguns anos disputou com a FEB a

arregimentação e organização das atividades dos espíritas no país, sendo mais representativa

junto aos Centros Espíritas da Capital. A pesquisa me surpreendeu ao apontar para a presença

de representantes da Umbanda durante a criação desta entidade federativa concorrente que

modificou suas finalidades anos mais tarde, no acordo firmado com a FEB em 1949. Julgava

que aqueles que haviam tomado parte nos preparativos do Congresso Constituinte Espírita

Nacional de 1926 que originou a Liga Espírita do Brasil eram, fundamentalmente, espíritas.

Aliás, encerro este trabalho com a forte sensação de que muitos daqueles que se diziam

adeptos do Espiritismo não eram tão ortodoxamente espíritas como desejariam os espíritas das

entidades federativas. Muitos que se autoproclamavam espíritas lançavam mão de práticas do

Catolicismo ou das religiões afro-brasileiras em suas atividades. Não por acaso, umbandistas

como o jornalista Leal de Souza viam relações entre o Espiritismo e a Umbanda.

Também por meio da imprensa é possível aprofundar os estudos em torno das relações

dos espíritas com a Política, suas convicções e atuações, inclusive na arena eleitoral como, por

exemplo, as atividades da Coligação Nacional Pró Estado Leigo que contou, em sua

presidência, com o espírita Lins de Vasconcellos. Esses periódicos oferecem possibilidades,

também, para o estudo de instituições criadas por espíritas que não tinham o caráter de um

Centro Espírita como a Faculdade Brasileira de Estudos Psíquicos e a Sociedade de Medicina

e Espiritismo do Rio de Janeiro.

Que o presente trabalho seja útil à historiografia que se interessa pelas atividades dos

espíritas, pelo Espiritismo e pela imprensa. Que os espíritas que eventualmente o lerem

possam refletir sobre as idealizações dos homens do passado que detiveram responsabilidades

na militância espírita, colocando-os em altares de santo, supondo-os Espíritos missionários

quase que humanamente infalíveis. Que possam reconhecer a humanidade destas pessoas, que

acertavam e erravam também, muito parecidos conosco. Que os espíritas possam refletir, por

fim, sobre o potencial da imprensa doutrinária contemporânea não apenas para mirar o Mundo

Espiritual, mas vendo nela um instrumento de intervenção social para a transformação da

realidade terrena.

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244

Fontes:

1) Periódicos Espíritas:

Aurora. Rio de Janeiro. Maio de 1919 a Janeiro de 1933.

Brasil Espírita. Rio de Janeiro. Março a Agosto de 1930.

A Fraternidade. Rio de Janeiro. Junho de 1916.

A Fraternisação. Rio de Janeiro. Maio de 1902.

Humildade. Rio de Janeiro. Maio e Junho de 1907.

Mundo Espírita. Rio de Janeiro. Maio de 1937 a Abril de 1951.

Novo Horizonte. Rio de Janeiro. Janeiro a Julho de 1932.

Reformador. Rio de Janeiro. Janeiro de 1883 a Maio de 1972.

Revista Espírita. Paris, Dezembro de 1864 a Dezembro de 1868.

Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro. Janeiro de 1929 a Dezembro de 1951.

O Renovador. Rio de Janeiro. Agosto de 1882.

O Sidereo. Rio de Janeiro. Dezembro de 1919.

Tribuna Espírita. Rio de Janeiro. Julho de 1907 a Julho de 1908.

União Espírita. Rio de Janeiro. Agosto de 1905 a Fevereiro de 1906.

A Verdade. Rio de Janeiro. Julho de 1922 a Abril de 1923.

2) Jornais diários:

A Batalha. Rio de Janeiro. Agosto de 1930 a Julho de 1936.

Diário Oficial da União. Abril de 1912 a Janeiro de 1946.

Correio da Manhã. Rio de Janeiro. Junho de 1901 a Junho de 1950.

Diário Carioca. Rio de Janeiro. Novembro de 1930 a Fevereiro de 1947.

Diário de Notícias. Rio de Janeiro. Dezembro de 1930 a Novembro de 1937.

A Época. Rio de Janeiro. Setembro de 1914.

Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro. Março de 1920 a Julho de 1939.

O Imparcial. Rio de Janeiro. Julho de 1922.

A Manhã. Rio de Janeiro. Fevereiro de 1926 a Maio de 1932.

A Noite. Rio de Janeiro. Outubro de 1912 a Maio de 1924.

A Nota. Rio de Janeiro. Maio de 1937 a Agosto de 1939.

O Paiz. Rio de Janeiro. Outubro de 1887.

A Pátria. Rio de Janeiro. Fevereiro de 1934.

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245

3) Livros:

ANDRADE, Henrique. A Bem da Verdade. Rio de Janeiro: Edição Própria. Composta e

impressa na Gráfica Mundo Espírita S. A., 1946.

BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada. Tradução de Ivo Storniolo e Euclides Martins Balancin.

São Paulo: Edições Paulinas, 1990, p. 1391.

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Esboço Histórico da Federação Espírita

Brazileira. Rio de Janeiro: FEB, 1912.

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Organização Federativa do Espiritismo. Rio de

Janeiro: FEB, 1947.

FÍGNER, Frederico. Crônicas Espíritas. Rio de Janeiro: FEB, 1949.

FREITAS, Antonio Wantuil (Mínimus). Ciência, Religião e Fanatismo. Rio de Janeiro: FEB,

1938.

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2004.

KARDEC, Allan. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 1996.

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1995.

KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 1996.

KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 1995.

MACHADO, Leopoldo. Doutrina Inglória. Rio de Janeiro, Imp. Of. “Reformador”, 1941.

MACHADO, Leopoldo. Pigmeus contra gigantes. Rio de Janeiro, Imp. Of. “Reformador”,

1940.

MACHADO, Leopoldo. Sensacional Polêmica: da tribuna para a imprensa, do jornal para o

livro. Rio de Janeiro. Não consta editora, 1938.

MELO, Jacob. O passe: seu estudo, suas técnicas, sua prática. Rio de Janeiro: FEB, 1998.

SANTOS, Amadeu. Doutrina e Crítica. Rio de Janeiro: Confeccionado nas officinas do

Reformador, 1943.

4) Relatórios:

4.1)Presidência da FEB, por ano:

FERREIRA, Luiz Barreto Alves. “Relatório do Presidente, apresentado à Assembléia

Deliberativa na reunião ordinária de 1926, sobre os trabalhos da Sociedade e contas da

Administração durante o anno de 1925”. Reformador. Rio de Janeiro, 1º de Março de 1926.

QUINTÃO, Manoel Justiniano de Freitas. “Relatório do Presidente, apresentado á

Assembléia Deliberativa na sua reunião ordinária de 1930, sobre os trabalhos da Sociedade e

contas da administração durante o anno de 1929”. Reformador. Rio de Janeiro, 1º de Março

de 1930.

RIBEIRO, Luiz Olímpio Guillon. “Relatório do Presidente, apresentado á Assembléia

Deliberativa, na sua reunião ordinária de 1931, sobre os trabalhos da Sociedade e contas da

Administração durante o anno de 1930”. Reformador. Rio de Janeiro, 1º de Março de 1931.

RIBEIRO, Luiz Olímpio Guillon. “Relatório do seu presidente, apresentado à Assembléia

Deliberativa, na sua reunião ordinária de 1936, sobre os trabalhos da instituição e contas da

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246

sua administração, durante o anno social de 1 de Julho de 1935 a 30 de Junho do anno

seguinte”. Reformador. Rio de Janeiro, 3 de Outubro de 1936.

RIBEIRO, Luiz Olímpio Guillon. “Relatório, apresentado pelo seu presidente, á Assembléia

Deliberativa, na sua reunião ordinária de 1937, sobre os trabalhos da instituição e contas da

sua administração, durante o ano social de 1º de Julho de 1936 a 30 de Junho do ano

seguinte”. Reformador. Rio de Janeiro, 16 de Setembro de 1937.

RIBEIRO, Luiz Olímpio Guillon. “Relatório apresentado, pelo seu presidente, á Assembléia

Deliberativa, na sua reunião ordinária de 1938, sobre os trabalhos da instituição e as contas de

sua administração, durante o ano social de 1º de Julho de 1937 a 30 de Junho do ano

seguinte”. Reformador. Rio de Janeiro, Setembro de 1938.

RIBEIRO, Luiz Olímpio Guillon. “Relatório apresentado, pelo seu presidente, à Assembléia

Deliberativa, na reunião ordinária de 1939, sôbre os trabalhos da instituição e a gestão do seu

patrimônio moral e material, durante o ano social de 1 de Julho de 1938 a 30 de Junho de

1939”. Reformador. Rio de Janeiro, Setembro 1939.

RIBEIRO, Luiz Olímpio Guillon. “Relatório apresentado pelo seu presidente á Assembléia

Deliberativa, na sua reunião ordinária de 1941, sobre os trabalhos da instituição e a gestão de

seu patrimônio moral e material, durante o ano social de 1º de Julho de 1940 a 30 de Junho de

1941”. Reformador. Rio de Janeiro, Setembro de 1941.

RIBEIRO, Luiz Olímpio Guillon. “Relatório apresentado pelo seu presidente á Assembléia

Deliberativa, na reunião ordinária de 1942, sobre os trabalhos da instituição e gestão de seu

patrimônio moral e material, durante o ano social, de 1º de Julho de 1941 a 30 de Junho de

1942”. Reformador. Rio de Janeiro, Agosto de 1942.

RIBEIRO, Luiz Olímpio Guillon. “Relatório apresentado pelo seu presidente á Assembléia

Deliberativa, na sua reunião ordinária de 1943, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do

seu patrimônio moral e material, durante o ano social de 1º de Julho de 1942 a 30 de Junho de

1943”. Reformador. Rio de Janeiro, Agosto de 1943.

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente á Assembléia

Deliberativa, na sua reunião Ordinária de 1944, sobre os trabalhos da instituição e a gestão de

seu patrimônio moral e material, durante o ano social de 1º de Julho de 1943 a 30 de Junho de

1944”. Reformador. Rio de Janeiro, Agosto de 1944.

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente á Assembléia

Deliberativa, na sua reunião ordinária de 1945, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do

seu patrimônio moral e material, durante o ano social de 1º de Julho de 1944 a 30 de Junho de

1945”. Reformador. Rio de Janeiro, Agosto de 1945.

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente à Assembléia

Deliberativa, na sua reunião ordinária de 1946, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do

seu patrimônio moral e matéria, durante o ano social de 1 de Julho de 1945 a 30 de Junho de

1946”. Reformador. Rio de Janeiro, Agosto 1946.

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente à Assembléia

Deliberativa, na sua reunião ordinária de 1947, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do

seu patrimônio moral e material, durante o ano social de 1º de Julho de 1946 a 30 de Junho de

1947”. Reformador. Rio de Janeiro, Agosto de 1947.

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente à Assembléia

Deliberativa, na sua reunião ordinária de 1948, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do

Page 247: IMPRENSA ESPÍRITA NA CIDADE DO RIO DE … · 1. Imprensa. 2. Espiritismo; ... 1.5 – O D.I.P e o ... para a monografia de conclusão de curso1,quando tive acesso ao acervo de recortes

247

seu patrimônio moral e matéria, durante o ano social de 1 de Julho de 1947 a 30 de Junho de

1948”. Reformador. Rio de Janeiro, Agosto de 1948.

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório apresentado pelo seu presidente à Assembléia

Deliberativa, na sua reunião ordinária de 1950, sobre os trabalhos da instituição e a gestão do

seu patrimônio moral e matéria, durante o ano-social de 1 de Julho de 1949 a 30 de Junho de

1950”. Reformador. Setembro 1950.

4.2)Gerência do Reformador, por ano:

CARVALHO, J. Vaz. “Relatório do gerente do „Reformador‟”. Reformador. Rio de Janeiro,

1º de Março de 1930.

CARVALHO, J. Vaz. “Relatório do Gerente do „Reformador‟”. Reformador. Rio de Janeiro,

1º de Março de 1931.

VIANNA, João da Costa. “Relatório do gerente do „Reformador‟”. Reformador. Rio de

Janeiro, 1º de Setembro de 1934.

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório do Gerente do „Reformador‟”. Reformador. Rio de

Janeiro, 16 de Setembro de 1937.

FREITAS, Antonio Wantuil. “Relatório do Gerente do Reformador”. Reformador, Rio de

Janeiro, Setembro de 1941.

4.3)Presidência da Liga Espírita do Brasil:

TORRES, João. “Relatório apresentado a Assembléia Espírita do Brasil em 1º de Maio de

1929”. In: “Liga Espírita do Brasil”. Revista Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, Junho de

1929.

4.4)Polícia:

CPDOC-FGV. Arquivo pessoal Filinto Müller. Serviço de Inquéritos Políticos e Sociais. As

forças religiosas no Brasil, do ponto de vista de suas influências políticas e econômicas.

Relação dos centros espíritas filiados à FEB. Rio de Janeiro, 1938.

5) Carta de Agregação à Liga Espírita do Brasil, livros de atas e registros:

CENTRO ESPÍRITA AMOR, CARIDADE E ESPERANÇA. Ata de Reunião Ordinária de

Diretoria. Rio de Janeiro, 9 de Fevereiro de 1943, p. 14 e 15.

CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Casas Espíritas do Rio de

Janeiro. Recebido por email em 13 de Janeiro de 2014.

CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Livro de Registro das

Associações Agregadas à Liga Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, 1942.

CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Carta de Agregação do

Novo Centro Espírita Antonio dos Pobres à Liga Espírita do Brasil. “Boletim de Informações

para Aggregação”. Rio de Janeiro, 1937.

CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Carta de Agregação do

Grupo Espírita Antonio de Pádua à Liga Espírita do Brasil. “Parecer”. Rio de Janeiro, 25 de

Junho de 1943.

GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR. Ata de Reunião de Diretoria. Rio de

Janeiro, 17 de Novembro de 1938, p. 7.

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GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR. Sessão Ordinária da Directoria. Rio de

Janeiro, 12 de Outubro de 1939, p. 24.

6) Livros de memorialistas:

IMBASSAHY, Carlos de Brito. Memórias pitorescas de meu pai. São Paulo: Casa Editora O

Clarim, 1974.

IMBASSAHY, Carlos de Brito; ROCHA, Alberto de Souza. Uma visita aos arquivos

implacáveis de Imbassahy. Rio de Janeiro: CELD, 2002.

RAMOS, Clóvis. A imprensa espírita no Brasil 1869 – 1978. Juiz de Fora: Instituto Maria,

1979.

RAMOS, Clóvis. Leopoldo Machado – Ideias e ideais. Rio de Janeiro: CELD, 1995.

TOURINHO, Nazareno. Carlos Imbassahy – o homem e a obra. São Paulo: FEESP, 1994.

TRINDADE, Diamantino Fernandes. Antonio Eliezer Leal de Souza, o primeiro escritor da

umbanda. Limeira, SP: Editora do Conhecimento, 2009.

7) Estatutos:

CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Estatutos do Novo Centro

Espírita Antonio dos Pobres. Rio de Janeiro, 1937.

CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Estatutos do Centro Família

Espírita (Fé). Rio de Janeiro, 1940.

CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Estatutos do Centro Espírita

Caminhemos com Humildade. Nova Iguaçu, 1941.

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Estatutos da Federação Espírita Brasileira. Rio de

Janeiro, 1917.

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Estatutos da Federação Espírita Brasileira. Rio de

Janeiro, 1925.

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Estatutos da Federação Espírita Brasileira. Rio de

Janeiro, 1933.

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Estatutos da Federação Espírita Brasileira.

Brasília, 1999.

Textos e Documentos Eletrônicos:

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Decreto-Lei nº. 1.698, de 23 de Outubro de 1939.

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-1698-23-

outubro-1939-411568-publicacaooriginal-1-pe.htmlÚltimo acesso em 27 de Março de 2014.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Decreto nº. 19.941 de 30 de Abril de 1931. Disponível em:

http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19941-30-abril-1931-518529-

publicacaooriginal-1-pe.html Último acesso em 2 de Novembro de 2013.

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249

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Decreto nº. 24.531, de 2 de Julho de 1934. Disponível em:

http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-24531-2-julho-1934-498209-

publicacaooriginal-1-pe.htmlÚltimo acesso em 25 de Março de 2014.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Decreto-Lei nº. 910, de 30 de Novembro de 1938.

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-910-30-

novembro-1938-349925-publicacaooriginal-1-pe.htmlÚltimo acesso em 27 de Março de

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CPDOC. Constituição de 1934. Disponível em:

http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos30-37/Constituicao1934 Último

acesso em 26 de Setembro de 2013.

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil,

de 24 de Fevereiro de 1891. Art. 72, Parágrafo 12. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao91.htm Último acesso em 28 de

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PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de Dezembro de 1940.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm Último acesso

em 4 de Fevereiro de 2014.

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei nº. 40, de 10 de Abril de 1935. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1930-1949/L0040.htm Último acesso em 21 de

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SENADO FEDERAL. Decreto-Lei nº. 2.016, de 14 de Fevereiro de 1940. Disponível em:

http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaNormas.action?numero=2016&tipo_norma=DEL&d

ata=19400214&link=sÚltimo acesso em 17 de Março de 2014.

SENADO FEDERAL. Decreto-Lei nº. 2.232, de 20 de Junho de 1940. Disponível em:

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SENADO FEDERAL. Decreto-Lei nº. 4.791, de 5 de Outubro de 1942. Disponível em:

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ALEIXO, Sérgio F. O Espiritismo é, sim, uma religião e possui até um credo. Disponível em:

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http://www.autoresespiritasclassicos.com/Autores%20Espiritas%20Classicos%20%20Diverso

s/Herculano%20Pires/O%20Apostolo%20do%20Espiritismo/8%20-

%20Clube%20dos%20Jornalistas%20Esp%C3%ADritas%20de%20S%C3%A3o%20Paulo.ht

mÚltimo acesso em 28 de Março de 2014.

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