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    CEL Clula de Entretenimento Libertrio - Clula BPIBPI Biblioteca Pblica Independente

    A CONQUISTA

    DO PO

    Piot r Kropotkin

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    Traduzido e no revisado

    Maio 2006

    ndice

    Nossas riquezas 3

    O bem-estar para todos 7

    O Comunismo anarquista 11

    A expropriao 15

    Os vveres 21O alojamento 30

    O vestido 34

    Vias e meios 35

    As necessidades de luxo 39

    O trabalho agradvel 45

    O comum acordo livre 48

    Objees 55

    O assalariamento coletivista 62

    Consumo e produo 69

    Diviso do trabalho 72

    A descentralizao das indstrias 73

    A agricultura 77

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    Nossas Riquezas

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    A humanidade caminhou grande trecho desde aquelas remotas idades durante as quais ohomem vivia das casualidades da caa e no deixava a seus filhos mais herana do que umrefgio sob as penas, pobres instrumentos de slex e a natureza, contra a que tinham que lutarpara seguir sua mesquinha existncia. No entanto, nesse confuso perodo de milhares emilhares de anos, o gnero humano acumulou inacreditveis tesouros. Rotur o solo, desecos pntanos, fez trochas nos bosques, abriu caminhos; edificou, inventou, observou, pensou;criou instrumentos complicados, arrancou seus segredos natureza, domou o vapor, tantoque, ao nascer, o filho do homem civilizado encontra hoje a seu servio um capital imenso,acumulado por seus predecessores. E esse capital lhe permite obter riquezas que superam aossonhos dos orientais em seus contos das mil e uma noites.

    Ainda so mais pasmosos os prodgios realizados na indstria. Com esses seres inteligentesque se chamam mquinas modernas, cem homens fabricam com que vestir a dez mil homensdurante dois anos. Nas minas de carvo bem organizadas, cem homens extraem cada anocombustvel para que se esquentem dez mil famlias num clima rigoroso. E se na indstria,na agricultura e no conjunto de nossa organizao social s aproveita a um pequesimonmero o labor de nossos antepassados, no menos verdadeiro do que a humanidade inteirapoderia gozar uma existncia de riqueza e de luxo sem mais do que com os servos de ferro ede ao que possui. Somos ricos, muitssimo mais do que cremos. Ricos pelo que possumos

    j; ainda mais ricos pelo que podemos conseguir com os instrumentos atuais; infinitamentemais ricos pelo que pudssemos obter de nosso solo, de nossa cincia e de nossa habilidadetcnica, se se aplicassem a tentar o bem-estar de todos.

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    Somos ricos nas sociedades civilizadas. Por que h, pois, essa misria em torno nosso? Porque esse trabalho penoso e embrutecedor das massas, Por que essa insegurana do manh(at para o trabalhador melhor retribudo) no meio das riquezas herdadas do ontem e apesardos poderosos meios de produo que dariam a todos o bem-estar a mudana de algumashoras de trabalho cotidiano? Os socialistas o disseram e repetido at a saciedade. Porque tudoo necessrio para a produo foi aambarcado por alguns em decorrncia desta longa histriade saques, guerras, ignorncia e opresso em que viveu a humanidade antes de aprender adomar as foras da natureza. Porque, amparando-se em pretendidos direitos adquiridos nopassado, hoje se apropriam dois teros do produto do trabalho humano, dilapidando-os domodo mais insensato e escandaloso. Porque reduzindo s massas no ponto de no ter comque viver um ms ou uma semana, no permitem ao homem trabalhar seno consentindo emdeixar-se tirar a parte do leo. Porque lhe impedem produzir o que precisa e lhe foram aproduzir, no o necessrio para os demais, seno o que maiores benefcios promete aoacaparador. Contemple-se um pas, civilizado. Talronse os bosques que antanho o cobriam,se desecaron os pntanos, saneou-se o clima: j habitvel. O solo, que em outros tempos sproduzia grosseiras ervas, fornece hoje ricas mieses. As rochas, reprovadas sobre os vales doMeio dia, formam sacadas por onde trepam as vinhas de dourado fruto. Plantas silvestres queantes no davam seno um fruto spero ou umas razes no comestveis, foram transformadas

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    por reiterados cultivos em saborosas hortalias, em rvores carregadas de frutasextraordinrias. Milhares, de caminhos com base de pedra e frreos carriis sulcam a terra,furam as montanhas; nos abruptos desfiladeiros assobia a locomotiva.

    Os rios se fizeram navegveis; as costas sondadas e esmeradamente reproduzidas em mapas,so de fcil acesso; portos artificiais, trabajosamente construdos e resguardados contra osfurores do oceano, do refgio aos navios. Hordanse as rochas com poos profundos;labirintos de galerias subterrneas se estendem ali onde h carvo que sacar ou minerais querecolher. Em todos os pontos onde se entrecruzan caminhos brotaram e crescido cidades,contendo todos os tesouros da indstria, das artes e das cincias. Cada hectare de solo quelavramos em Europa, foi regada com o suor de muitas raas; cada caminho tem uma histriade servido pessoal, de trabalho sobrehumano, de sofrimentos do povo. Cada lgua de viafrrea, cada metro de tnel, receberam sua poro de sangue humano.

    Os poos das minas conservam ainda frescas as impresses feitas na rocha pelo brao dobarrenador. De um a outro pilar puderam assinalar-se as galerias subterrneas pela tumba deum mineiro, arrebatado na flor da idade pela exploso de gris, o afundamento ou ainundao, e fcil adivinhar quantas lgrimas, privaes e misrias sem nome custou cadauma dessas tumbas famlia que vivia com o exguo salrio do homem enterrado sob osentulhos. As cidades; enlaadas entre si com carriis de ferro e linhas de navegao, so

    organismos que viveram sculos. Cavai seu solo, e encontrareis enfiadas sobrepostas de ruas,casas, teatros, circos e edifcios pblicos. Aprofundai em sua histria, e vereis como acivilizao da cidade, sua indstria, seu gnio, cresceram lentamente e madurado peloconcurso de todos seus habitantes antes de chegar a ser o que so hoje.

    E ainda agora, o valor de cada casa, de cada ateli, de cada fbrica, de cada armazm, s produto do labor acumulado de milhes de trabalhadores sepultados sob terra, e no semantm seno pelo esforo de legies de homens que habitam nesse ponto do balo. Queseria dos docks de Londres, ou dos grandes bazares de Paris, se no estivessem situadosnesses grandes centros do comrcio internacional? Que seria de nossas minas, de nossasfbricas, de nossos estaleiros e de nossas vias frreas, sem o cmulo de mercadoriastransportadas diariamente por mar e por terra? Milhes de seres humanos trabalharam para

    criar esta civilizao da que hoje nos gloriamos. Outros milhes, disseminados por todos osmbitos do balo, trabalham para sustent-la. Sem eles, no ficariam mais do que entulhosdela dentro de cinquenta anos. At o pensamento, at a inveno, so fatos coletivos, produtodo passado e do presente. Milhares de inventores prepararam o invento de cada uma dessasmquinas, nas quais admira o homem seu gnio. Milhares de escritores, poetas e sbiostrabalharam para elaborar o saber, extinguir o erro e criar essa atmosfera de pensamentocientfico, sem a qual no tivesse podido aparecer nenhuma das maravilhas de nosso sculo.Mas esses milhares de filsofos, poetas, sbios e inventores, no falam sido tambminspirados pelo labor dos sculos anteriores? No foram durante sua vida alimentados esustentados, assim no fsico como no moral por legies de trabalhadores e artesos de todasclasses? No adquiriram sua fora impulsiva no que lhes rodeava? Certamente, o gnio deum Seguin, de um Mayer e de um Grove, fizeram mais por lanar a indstria a novas vias

    que todos os capitais do mundo. Estes mesmos gnios so filhos de indstria, igual que dacincia, porque foi necessrio que milhares de mquinas de vapor transformassem, ano apsano, vista de todos, o calor em fora dinmica, e esta fora em som, em luz e emeletricidade, antes de que essas inteligncias geniais chegassem a proclamar a origemmecnica e a unidade das foras fsicas.

    E se ns, os filhos do sculo XIX, ao fim compreendemos esta idia e soubemos aplic-la, tambm porque para isso estvamos preparados pela experincia cotidiana. Tambm ospensadores do sculo passado a tinham entrevisto e enunciado, mas ficou sem compreender,porque o sculo XVIII no tinha crescido como ns, junto mquina de vapor. Pense-se nas

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    dcadas que tivessem decorrido ainda em ignorncia dessa lei que nos permitiu revolucionara indstria moderna, se Watt no tivesse encontrado em Soho trabalhado hbeis paraconstruir com metal seus planos tericos, aperfeioar todas suas partes, e aprisionando-odentro de um mecanismo completo fazer por fim o vapor mais dcil do que o cavalo, maismanejvel do que o gua. Cada mquina tem a mesma histria: longa histria de noites emalvo e de misria; de desiluses e de alegrias, de melhoras parciais achadas por vriasgeraes de obreiros desconhecidos que vinham adicionar ao primitivo invento essaspequenas nonadas sem as quais permaneceria estril a idia mais fecunda.Ainda mais: cada nova inveno uma sntese resultante de mil inventos anteriores noimenso campo da mecnica e da indstria. Cincia e indstria, saber e aplicao, descoberta erealizao prtica que conduz a novas invenes, trabalho ou cerebral e trabalho manual,idia e labor dos braos, tudo se enlaa. Cada descoberta, cada progresso, cada aumento dariqueza da humanidade, tem sua origem no conjunto do trabalho manual e cerebral, passado epresente. Ento, que direito assiste a ningum para apropriar-se a menor partcula desseimenso tudo e dizer: Isto meu e no vosso?

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    Mas sucedeu que tudo quanto permite ao homem produzir e acrecentar suas foras produtivasfoi aambarcado por alguns. O solo, que precisamente saca seu valor das necessidades deuma populao que cresce sem cessar, pertence hoje a minorias que podem impedir eimpedem ao povo o cultiv-lo ou lhe impedem o cultiv-lo segundo as necessidadesmodernas. As minas, que representam o trabalho de muitas geraes e seu valor no derivaseno das necessidades da indstria e a densidade da populao, pertencem tambm a unspoucos, e esses poucos limitam a extrao do carvo, ou a prohiben em sua totalidade seencontram uma colocao mais vantajosa para suas capitais. Tambm a maquinaria propriedade s de alguns, e ainda que tal ou qual mquina representa sem dvida alguma osaperfeioamentos contribudos por trs geraes de trabalhadores, no por isso deixa depertencer a alguns patronos; e se os netos do mesmo inventor que construiu, cem anos tem, aprimeira mquina de fazer encaixes se apresentassem hoje numa manufatura de Basilea ou de

    Nottingham e reclamassem seus direitos, lhes gritariam: Marchai-vos de aqui; esta mquinano vossa! E se quisessem tomar posse dela, lhes fuzilariam. Os transportes ferrovirios,que no seriam mais do que intil ferro velho sem a densa populao de Europa, sem suaindstria, seu comrcio e suas mudanas, pertencem a alguns acionistas, ignorantes qui deonde se encontram os caminhos que lhes do rendas superiores s de um rei da Idade Mdia.E se os filhos dos que morreram a milhares cavando as trincheiras e abrindo os tneis sereunissem um dia e fossem, andrajosos e famintos, a pedir po aos acionistas, encontrariamas bayonetas e a metralla para dispers-los e defender os direitos adquiridos.Em virtude desta organizao monstruosa, quando o filho do trabalhador entra na vida, no

    acha campo que cultivar, mquina que conduzir nem mina que acometer com o zapapico, seno cede a um amoo a maior parte do do que ele produza. Tem que vender sua fora para otrabalho por uma rao mesquinha e insegura. Seu pai e seu av trabalharam em desecar

    aquele campo, em edificar aquela fbrica, em aperfeio-la. Se ele obtm permisso paradedicar-se ao cultivo desse campo, a condio de ceder a quarta parte do produto a seuamoo, e outra quarta ao governo e aos intermedirios. E esse imposto que lhe sacam oEstado, o capitalista, o senhor e o negociante, ir crescendo sem cessar. Se se dedica indstria, se lhe permitir que trabalhe a condio de no receber mais do que o tero ou ametade do produto, sendo o resto para aquele a quem a lei reconhece como proprietrio damquina.

    Clamamos contra o baro feudal que no permitia ao cultivador tocar a terra, a menos deentregar-lhe o quarto da colheita. E o trabalhador, com o nome de livre contratao, aceita

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    obrigaes feudais, porque no encontraria condies mais aceitveis em nenhuma parte.Como tudo propriedade de algum amoo, tem que ceder ou morrer-se de fome. De tal estadode coisas resulta que toda nossa produo um contrasentido. Ao negcio no lhe comovemas necessidades da saciedade; seu nico objetivo aumentar os benefcios do negociante. Deaqui as contnuas flutuaes da indstria, as crises em estado crnico. No podendo osobreiros comprar com seu salrio as riquezas que produzem, a indstria procura mercadosfora, entre os acaparadores das demais naes Mas em todas partes encontra competidores, jque a evoluo de todas as naes se realiza no mesmo sentido. E tm que estourar guerraspelo direito de ser donos dos mercados.

    Guerras pelas posses em Oriente, pelo imprio dos mares, para impor direitos aduaneiros editar condies a seus vizinhos, guerras contra os que se sublevam! No cessa em Europa orudo do canho; geraes inteiras so assassinadas; os Estados europeus gastam emarmamentos o tero de seus oramentos. A educao tambm privilgio de minsculasminorias. Pode falar-se de educao quando o filho do obreiro se v obrigado idade de trezeanos a baixar mina ou ajudar a seu pai nos labores do campo? Enquanto os radicais pedemmaior extenso das liberdades polticas, muito cedo advertem que o hlito da liberdadeproduz com rapidez o levantamento dos proletarios e ento mudam de camisa, mudam deopinio e retornam s leis excepcionais e ao governo do sabre. Um vasto conjunto detribunais, juzes, verdugos, polizontes e carcereiros, necessrio para manter os privilgios.

    Este sistema suspende o desenvolvimento dos sentimentos sociais.Qualquer compreende que sem retitude, sem respeito a si mesmo, sem simpatia e apoios

    mtuos, a espcie tem que degenerar. Mas isso no lhes importa s classes diretoras, einventam toda uma cincia absolutamente falsa para provar o contrrio. Disseram-se coisasmuito bonitas a respeito da necessidade de compartilhar o que se possui com aqueles que notm nada. Mas quando se lhe ocorre a qualquer pr em prtica este princpio, em seguida selhe adverte que todos esses grandes sentimentos so bons nos livros poticos, mas no navida. Mentir envilecerse, rebaixar-se, dizemos ns, e toda a existncia civilizada Se truecanuma imensa mentira. E nos habituamos, acostumando a nossos filhos a praticar comohipcritas uma moralidade de duas caras!

    O simples fato do acaparamiento estende assim suas conseqncias vida social. A menos deperecer, as sociedades humanas vem-se obrigadas a voltar aos princpios fundamentais:sendo os meios de produo faz coletiva da humanidade, voltam ao poder da coletividadehumana. A apropriao pessoal deles no justa nem til. Tudo de todos, j que todos oprecisam, j que todos trabalharam na medida de suas foras, e impossvel determinar aparte que pudesse corresponder a cada um na atual produo das riquezas. Tudo de todos!Tenho aqui a imensa maquinaria que o XIX criou; tenho aqui milhes de escravos de ferroque chamamos mquinas que escovam e serram, tecem e enfiam para ns, que descompeme recompem a primeira matria e forjam as maravilhas de nossa poca.

    Ningum tem direito a apoderar-se de uma s dessas mquinas e dizer: minha; para usardela, me pagareis um tributo por cada um de vossos produtos. Como tambm no o senhor da

    Idade Mdia tinha direito para dizer ao lavrador: Esta colina, esse prado, so meus, e mepagareis por cada gavilla de trigo que pegueis, por cada monto de heno que formeis. Bastadessas frmulas ambguas, tais como o direito ao trabalho, ou a cada um o produto ntegro deseu trabalho. O que ns proclamamos o direito ao bem-estar, o bem-estar para todos.

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    O bem-estar para todos

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    O bem-estar para todos no um sonho. possvel, realizvel, depois do que fizeram nossosantepassados para fazer fecunda nossa fora de trabalho. Sabemos que os produtores, quemal formam o tero dos habitantes nos pases civilizados, produzem j o suficiente para queexista certo bem-estar no lar de cada famlia. Sabemos, ademais, que se todos quantosesbanjam hoje os frutos do trabalho alheio se vissem obrigados a ocupar seus lazeres emtrabalhos teis, nossa riqueza cresceria em proporo mltipla do nmero de braosprodutores. E em fim, sabemos que, na contramo da teoria do pontfice da cincia burguesa(Malthus), o homem acrecienta sua fora produtiva com muita mais rapidez do do que elemesmo se multiplica. Quanto maior nmero de homens h num territrio, tanto mais rpido o progresso de suas foras produtoras.

    Hoje, medida que se desenvolve a capacidade de produzir, aumenta numa proporosurpreendente o nmero de vadios e intermedirios. Ao revs do que se dizia em outrostempos entre socialistas, de que o capital chegaria a reconcentrarse bem cedo em to pequenonmero de mos, que s seria mister desapropriar a alguns milionrios para entrar em possedas riquezas comuns, cada vez mais considervel o nmero dos que vivem a costa dotrabalho alheio. Em Frana no h dez produtores diretos por cada trinta habitantes. Toda ariqueza agrcola do pas obra de menos de sete milhes de homens, e nas dois grandesindstrias das minas e dos tecidos cuntanse menos de dois milhes quinhentos mil obreiros.Qual a cifra dos exploradores do trabalho? Em Inglaterra (sem Esccia e Irlanda), ummilho trinta mil obreiros, homens, mulheres e meninos, fabricam todos os tecidos; umpouco mais de meio milho explodem as minas, menos de meio milho lavram a terra, e os

    estatsticos tm que exagerar as cifras para obter um mximum de oito milhes de produtorespara vinte e seis milhes de habitantes.

    Em realidade, so de seis a sete milhes de trabalhadores quem criam as riquezas enviadas squatro partes do mundo. E quantos so os rentistas ou os intermedirios que adicionam a suasrendas as que se adjudicam fazendo pagar ao consumidor de cinco a mais vinte vezes do quepagaram ao produtor? Os que detentan o capital reduzem constantemente a produo,impedindo produzir. No falemos desses toneles de ostras arrojados ao mar para impedir quea ostra chegue a ser um alimento da plebe e deixe de ser uma guloseima prpria da genteacomodada; no falemos dos mil e mil objetos de luxo tratados do mesmo modo que asostras. Recordemos to s como se limita a produo das coisas necessrias a todo mundo.Exrcitos de mineiros no desejam mais do que extrair todos os dias carvo e envi-lo aquem tiritan de frio. Mas com freqncia a terceira parte ou dois teros disso exrcitos vem-se impedidos de trabalhar mais de trs dias por semana, para que se mantenham altos ospreos.

    Milhares de teceles no podem manejar os teares, ao passo que suas mulheres e seus filhosno tm seno harapos para cobrir-se e as trs quartas partes dos europeus no contam comvestido que merea tal nome. Centenas de altos fornos, milhares de manufaturas permanecemregularmente inativos; outros no trabalham mais do que a metade do tempo, e em cadanao civilizada h sempre uma populao de uns dois milhes de indivduos que pedemtrabalho e no o encontram. Milhes de homens seriam felizes com transformar os espaos

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    incultos ou mau cultivados em campos cobertos de ricas mieses. Mas esses valentes obreirostm que seguir parados porque os possuidores da terra, da mina, da fbrica, preferem dedicaros capitais a emprstimos aos turcos ou egpcios, ou em aes de ouro da Patagnia, quetrabalhem para eles os fellahs egpcios, os italianos emigrados do pas de seu nascimento ouos coolies chineses.

    Esta a limitao consciente e direta da produo. Mas h tambm uma limitao indirecta einconsciente, que consiste em gastar o trabalho humano em objetos inteis em absoluto, oudestinados to s a satisfazer a nscia vaidade dos ricos. Baste citar os milhares de milhesgastados por Europa em armamento, sem mais fim do que conquistar mercados para impor alei econmica aos vizinhos e facilitar a explorao no interior; os milhes pagos cada ano aosservidores pblicos de todo fuste, cuja misso manter o direito das minorias a governar avida econmica da nao; os milhes gastados em juzes, crceres, polcias e tudo esseembrulho que chamam justia; em fim, os milhes empregados em propagar por meio daimprensa crias nocivas e notcias falsas, em proveito dos partidos, dos personagens polticose das companhias de exploradores.

    Ainda se gasta mais trabalho inutilmente aqui para manter a quadra, a perrera e a servidodomstica do rico; ali para responder aos caprichos das rameras de alto copete e aodepravado luxo dos viciosos elegantes; em outra parte, para forar ao consumidor a que

    compre o que no lhe faz falta ou impor-lhe com reclamos um articulo de m qualidade; almpara produzir substncias alimentcias nocivas em absoluto para o consumidor, masproveitosas para o fabricante e o expendedor. O que se desperdia desta maneira bastariapara duplicar a produo til, ou para criar manufaturas e fbricas que bem cedo inundaria osarmazns com todas as provises de que carecem dois teros da nao. De aqui resulta quedos mesmos que em cada nao se dedicam aos trabalhos produtivos, a quarta parte pelomenos se vem obrigados com regularidade a um desemprego de trs ou quatro meses porano, e outra quarta parte, se no a metade, no pode produzir com seu labor outros resultadosque divertir aos ricos ou explodir ao pblico.Mas para que o bem-estar chegue a ser uma realidade, preciso que o imenso capital deixede ser considerado como uma propriedade privada, do que o acaparador disponha a seudesejo. mister que o rico instrumento da produo seja propriedade comum, a fim de que o

    esprito coletivo saque dele os maiores benefcios para todos. Impe-se a expropriao. Obem-estar de todos como fim; a expropriao como meio.

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    A expropriao: tal o problema proposto pos a histria ante ns os homens de fins dosculo XIX. Devoluo comunidade de tudo o que sirva para conseguir o bem-estar. Maseste problema no pode resolver-se pela via legislativa. O pobre e o rico compreendem quenem os governos atuais nem os que pudessem surgir de uma revoluo poltica seriamcapazes de resolv-lo. Sente-se a necessidade de uma revoluo social, e nem a ricos nem a

    pobres se lhes oculta que essa revoluo est prxima. Durante o curso deste ltimo meiosculo se comprovou a evoluo nos espritos; mas comprimida pela minoria, isto , pelasclasses possuidoras, e no tendo podido tomar corpo, necessrio que aparte por meio dafora os obstculos e que se realize com violncia por meio da revoluo.

    De onde vir a revoluo? Como se anunciar? uma incgnita. Mas os que observam emeditam no se equivocam: trabalhadores e exploradores, revolucionrios e conservadores,pensadores e homens prticos, todos confessam que est chamando a nossas portas. Todosestudamos muito o lado dramtico das revolues, e pouco sua obra verdadeiramenterevolucionria, ou muitos de entre ns no vem nesses grandes movimentos mas que o

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    aparelho cnico, a luta dos primeiros dias, as barricadas. Mas essa luta, essa escaramuzaprimeira, terminam muito cedo; s depois da derrota dos antigos governos comea a obra realda revoluo. Incapazes e impotentes, atacados por todas partes, cedo se os leva o sopro dainsurreio. Em poucos dias deixou de existir a monarquia burguesa de 1848, e quando umcarro de aluguel levava A Luis Felipe de Frana, a Paris j no lhe importava um apito o exrei.O governo de Thiers desapareceu em poucas horas, o 18 de maro de 1871, deixando a Parisdono de seus destinos. E no entanto, 1848 e 1871 no foram mais do que insurreies. Anteuma revoluo popular, os governantes se eclipsam com surpreendente rapidez. Recordemosa Comuna. Desaparecido o governo, o exrcito j no obedece a seus chefes, vacilante pelaonda do levantamento popular. Cruzando-se de braos, a tropa deixa fazer, ou com a culataem alto se une aos insurrectos. A polcia, com os braos cados, no sabe se deve colar ou segritar Vive a Commune! E os agentes de ordem pblico se metem em suas casas a esperaro novo governo. Os orondos burgueses lan a mala e se pem a bom arrecado. S fica opovo. Tenho aqui como se anuncia uma revoluo:Proclame-se a Comuna em vrias grandes cidades. Milhares de homens esto nas ruas, e vopela noite aos clubs improvisados, perguntando-se: Que vamos fazer?, e discutindo comardor os negcios pblicos. Todo mundo se interessa neles; os indiferentes da vspera soqui os mais zelosos. Por todas partes muita boa vontade, um vivo desejo de assegurar avitria. Prodcense as grandes abnegaes. O povo deseja s marchar adiante. De seguro que

    ter vinganas satisfeitas. Mas isso ser um acidente da luta e no a revoluo. Os socialistasgovernamentais, os radicais, os gnios desconhecidos do jornalismo, os oradores efectistas,correm prefeitura, aos ministrios, para tomar posse das poltronas abandonadas. Admranseante os espelhos ministeriais e estudam o dar ordens com uma gravidade altura de sua novaposio. Lhes faz falta um fajn vermelho, um kepis galoneado e um ademanes magistralpara impor-se ao ex parceiro de redao ou de ateli! Os outros se metem entre papelotescom a melhor vontade de compreender alguma coisa. Redigem leis, lanam decretos defrases sonoras, que ningum se cuidar de executar.

    Para dar-se ares de uma autoridade que no tm, procuram a cano das antigas formas degoverno. Eleitos ou aclamados, renem-se em parlamentos ou em conselhos da Comuna. Alise encontram homens pertencentes a dez, a vinte escolas diferentes que no so capelas

    particulares, como costuma dizer-se, seno que correspondem a maneiras diversas deconceber a extenso, o alcance e os deveres da revoluo. Posibilistas, colectivistas, radicais,jacobinos, blanquistas, foradamente reunidos, perdem o tempo em discutir. As pessoashonradas se confundem com os ambiciosos, que s pensam em dominar e em desprezar multido da qual surgiram. Chegando todos com idias diametralmente opostas, vem-seobrigados a formar alianas fictcias para constituir maiorias que no duram nem um dia;disputam, tratam-se uns a outros de reaccionrios, de autoritrios, de bribones; so incapazesde entender-se a respeito de nenhuma medida sria, e propenden a perder o tempo em discutirnecedades; no conseguem fazer mais do que dar a luz proclamas altisonantes, tudo se tomapelo srio, enquanto a verdadeira fora do movimento est na rua.

    Durante esse tempo, o povo sofre. Pranse as fbricas, os atelis esto fechados, o comrcio

    se estanca. O trabalhador j no cobra nem ainda o mesquinho salrio de antes. O preo dosalimentos sobe. Com essa abnegao herica que sempre caracterizou ao povo, e que chegaao sublime nas grandes pocas, tem pacincia. l quem exclamava em 1848: Pomos trsmeses de misria ao servio da Repblica, enquanto os deputados e os membros do novogoverno, at o ltimo polcia, cobravam com regularidade suas pagas. O povo sofre. Com suaingnua confiana, com a candidez da massa que acredita em os que a conduzem, espera quese ocupem dele l acima, na Cmara, na Prefeitura, no comit de Sade pblica. Mas lacima se pensa em toda classe de coisas, exceto nos sofrimentos da multido.Quando a fome ri a Frana em 1793 e compromete a revoluo; quando o povo se vreduzido ltima misria, ao passo que os Campos Elseos se vem cheios de magnficas

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    carruagens, onde exhiben as mulheres suas luxuosas galas, Robespierre faz questo de osJacobinos em fazer discutir sua memria a respeito da constituio inglesa! Quando otrabalhador sofre em 1848 com a paralisao geral da indstria, o governo provisrio e aCmara discutem a respeito das penses militares e o trabalho durante esta poca de crise. Ese algum cargo deve fazer-se Comuna de Paris, nascida sob os cnones dos prusianos, e ques durou setenta dias, o no ter compreendido que a revoluo comunera no podia triunfarsem combatentes bem alimentados e que com seis reais dirios no se podia ao mesmo tempobater-se nas muralhas e manter a sua famlia.

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    O povo sofre e pergunta: Que fazer para sair do atoleiro? Reconhecer e proclamar quecada qual tem antes de mais nada o direito de viver, e que a sociedade deve repartir entretodo mundo, sem exceo, os meios de existncia de que dispe. Fazer de sorte que, desde oprimeiro dia da revoluo, saiba o trabalhador que uma nova era se abre ante ele; que daquipor diante ningum se ver obrigado a dormir embaixo das pontes, junto aos palcios, apermanecer jejum enquanto tenha alimentos, a tiritar de frio cerca dos comrcios de peles.Seja tudo de todos, tanto em realidade como em princpio, e produza-se ao fim na histria

    uma revoluo que pense nas necessidades do povo antes de ler-lhe a cartilha de seusdeveres. Isto no poder realizar-se por decretos, seno to s pela tomada de posse imediata,efetiva, de tudo o necessrio para a vida de todos; tal a nica maneira em verdade cientficade proceder, a nica que compreende e deseja a massa do povo.

    Tomar posse, em nome do povo sublevado, dos celeiros de trigo, dos armazenem atestadosde roupa e das casas habitveis. No esbanjar nada, organizar-se em seguida para encher osesvaziamentos, defrontar a todas as necessidades, satisfaz-las todas; produzir, no j paradar benefcios, seja a quem for, seno para fazer que viva e se desenvolva a sociedade. Bastadessas frmulas ambguas, como o direito ao trabalho, tenhamos o valor de reconhecer queo bem-estar deve realizar-se a toda costa. Quando os trabalhadores reclamavam em 1848 odireito ao trabalho, organizbanse atelis nacionais ou municipais e se enviava aos homens

    a fatigar-se nesses atelis por duas pesetas dirias. Quando pediam a organizao do trabalho,respondanles: Pacincia, amigos; o governo vai ocupar-se disso, e a tendes hoje duaspesetas. Descansai, rudes trabalhadores, que farto vos afanastes toda a vida! E enquanto,apuntbanse os cnones, convocbanse at as ltimas reservas do exrcito, desorganizbaseaos prprios trabalhadores por mil meios que se conhecem como a palma da mo osburgueses. E quando menos o pensavam, dijronles: Ou ides colonizar o frica, ou vosmetralhamos!

    Muito diferente ser o resultado se os trabalhadores reivindicam o direito do bem-estar! Porisso mesmo proclamam seu direito a apoderar-se de toda a riqueza social; a tomar as casas einstalar-se nelas com arranjo s necessidades de cada famlia; a tomar os vveres acumuladose consum-los de sorte que conheam a hartura tanto como conhecem a fome. Proclamam seu

    direito a todas as riquezas, e mister que conheam o que so os grandes gozes da arte e dacincia, farto tempo aambarcados pelos burgueses. E quando afirmam seu direito ao bem-estar, declaram seu direito a decidir eles mesmos o que tem de ser seu bem-estar, o que preciso para assegur-lo e o que daqui por diante deve abandonar-se como desprovido devalor. O direito ao bem-estar a possibilidade de viver como seres humanos e de criar osfilhos para fazer-lhes membros iguais de uma sociedade superior nossa, ao passo que odireito ao trabalho o direito a continuar sempre sendo um escravo assalariado, um homemde labor, governado e explodido pelos burgueses do manh. O direito ao bem-estar arevoluo social; o direito ao trabalho , no mximo, um presdio industrial.

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    O comunismo anarquista

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    Toda sociedade que rompa com a propriedade privada se ver no caso de organizar-se emcomunismo anarquista. Teve um tempo em que uma famlia de aldeos podia considerar otrigo que cultivava e as vestimentas de l tecidas em casa como produtos de seu prpriotrabalho. Ainda ento, esta crena no era do tudo correta. Tinha caminhos e pontes feitas emcomum, pntanos dessecados por um trabalho coletivo e pastos comuns cercados por cercas-vivas que todos custeavam, Uma melhora nas artes de tecer ou no modo de tingir os tecidos,aproveitava a todos; naquela poca, uma famlia camponesa no podia viver seno acondio de encontrar apoio na cidade, no municpio.

    Os italianos que morriam de clera cavando o canal de Suez, ou de anemia no tnel de SanGotardo, e os americanos ceifados pelas granadas na guerra abolicionista da indstriaalgodoeira na Frana e na Inglaterra no menos do que as jovens que se voltam clorticas nasmanufaturas de Manchester ou de Ruan ou o engenheiro autor de alguma melhora namaquinaria de tecer. Situando-nos neste ponto de vista geral e sinttico da produo, nopodemos admitir como os coletivistas que uma remunerao proporcional s horas detrabalho contribudas por cada um na produo das riquezas, possa ser um ideal, nem sequerum passo adiante para esse ideal. Sem discutir aqui se realmente o valor de mudana dasmercadorias se mede na sociedade atual pela quantidade de trabalho necessrio para produz-las (segundo o afirmaram Smith e Ricardo, cuja tradio seguiu Marx), baste-nos dizer que oideal coletivista nos pareceria irrealizvel numa sociedade que considerasse os instrumentosde produo como um patrimnio comum. Baseada neste princpio, veria-se obrigada a

    abandonar no ato qualquer forma de salrio.

    Estamos convictos de que o individualismo mitigado do sistema coletivista no poderiaexistir junto com o comunismo parcial da posse por todos do solo e dos instrumentos dotrabalho. Uma nova forma de posse requer uma nova forma de retribuio. Uma forma novade produo no poderia manter a antiga forma de consumo, como no poderia moldar-se sformas antigas de organizao poltica. O salrio nasceu da apropriao pessoal do solo e dosinstrumentos para a produo por parte de alguns. Era a condio necessria para odesenvolvimento da produo capitalista; morrer com ela, ainda que se trate de disfar-lasob a forma de bnus de trabalho. A posse comum dos instrumentos de trabalho trarconsigo necessariamente o goze em comum dos frutos do labor comum.

    Sustentamos, no s que desejvel o comunismo, seno que at as atuais sociedades,fundadas no individualismo, vem-se obrigadas de contnuo a caminhar para o comunismo.O desenvolvimento do individualismo, durante os trs ltimos sculos, explica-se, sobretudo,pelos esforos do homem, que quis prevenir-se contra os poderes do capital e do Estado.Creu-se por um momento e assim o pregaram os que formulavam seu pensamento por eleque podia libertar-se por completo do Estado e da sociedade. Mediante o dinheiro diziaposso comprar tudo o que precise. Mas o indivduo tomou mau caminho, e a histriamoderna lhe conduz a confessar que sem o concurso de todos no pode nada, ainda quetivesse obstinadas de ouro suas arcas. Junto a essa corrente individualista vemos em toda ahistria moderna, por uma parte, a tendncia a conservar tudo o que fica do comunismo

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    parcial da antigidade, e por outra a restabelecer o princpio comunista nas mil e milmanifestaes da vida.

    Quanto os municpios dos sculos X, XI e XII conseguiram emancipar-se do senhor laico oureligioso, deram imediatamente grande, extenso ao trabalho em comum, ao consumo emcomum. A cidade era a que fretava navios e despachava caravanas para o comrciolongnquo, cujos benefcios eram para todos e no para os indivduos; tambm comprava asprovises para seus habitantes. As impresses dessas instituies se mantiveram at o sculoXIX, e os povos conservam religiosamente a recordao delas em suas lendas. Tudo issodesapareceu. Mas o municpio rural ainda luta por manter os ltimos vestgios de, essecomunismo, e o consegue enquanto o Estado no verte sua abrumadora espada na balana.Ao mesmo tempo surgem, sob mil diversos aspectos, novas organizaes baseadas no mesmoprincpio da cada um segundo suas necessidades, porque sem certa dose de comunismo nopoderiam viver as sociedades atuais.

    A ponte, por cujo passo pagavam em outro tempo os transeuntes, fez-se de uso comum. Ocaminho que antigamente se pagava a tanto a lgua, j no existe mais do que em Oriente. Osmuseus, as bibliotecas livres, as escolas gratuitas, as comidas comuns para os meninos, osparques e os jardins abertos para todos, as ruas empedradas e alumiadas, livres para todomundo; o gua enviada a domiclio e com tendncia geral a no ter em conta a quantidade

    consumida, tenho aqui outras tantas instituies fundadas no princpio de Tomai o quepreciseis. Os bondes e transportes ferrovirios introduzem j o bilhete de adubo mensal ouanual, sem ter em conta o nmero de viagens, e recentemente toda uma nao, Hungria,introduziu em sua rede de transportes ferrovirios o bilhete por zonas, que permite percorrerquinhentos ou mil quilmetros pelo mesmo preo. Depois de de isto no falta muito para opreo uniforme, como ocorre no servio postal. Em todas estas inovaes, e outras mil, h atendncia a no medir o consumo.

    H quem quer percorrer mil lguas, e outro somente quinhentas. Essas so necessidadespessoais, e no h razo alguma para fazer pagar a um dupla que a outro s porque seja maisduas vezes intensa sua necessidade. H tambm a tendncia a pr as necessidades doindivduo acima da avaliao dos servios que tenha prestado ou que preste algum dia

    sociedade. L1gase a considerar a sociedade como um todo cada uma de cujas partes est tointimamente paquerada as demais, que o servio prestado a tal ou qual indivduo umservio prestado a todos. Quando ides a uma biblioteca pblica por exemplo, as de Londresou Berlin-, o bibliotecrio no vos pergunta que servio destes sociedade para dar-vos olivro ou os cem livros que lhe peais, e se necessrio, ajuda-vos a procur-los no catlogo.Mediante um direito primeiramente nico, a sociedade cientfica abre seus museus, jardins,bibliotecas, laboratrios, e d festas anuais a cada um de seus membros, j seja um Darwinou um simples aficionado.

    Em So Petersburgo, se perseguis um invento, ides a um ateli especial, onde vos oferecemlugar, um banco de carpinteiro, um torno de mecnico, todas as ferramentas necessrias,todos os instrumentos de preciso, contanto que saibais manej-los, e se vos deixa trabalhar

    tudo o que agradeis. A esto as ferramentas; interessai a amigos por vossa idia, associai-vosa outros amigos de diversos ofcios se no preferis trabalhar ss; inventai a mquina ou noinventeis nada, isso coisa vossa. Uma idia vos conduz, e isso basta. Os marinhos de umafala de salvamento no perguntam seus ttulos aos marinheiros de um navio nufrago;lanam sua embarcao, arriscam sua vida entre as ondas furibundas, e algumas vezesmorrem por salvar a uns homens a quem no conhecem sequer. E para que precisamconhec-los? Lhes fazem falta nossos servios, so seres humanos: isso basta, seu direitofica assentado. Salvemo-los!

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    Que amanh uma de nossas grandes cidades, to egostas em tempos correntes, seja visitadapor uma calamidade qualquer por exemplo, um lugar e essa mesma cidade decidir que asprimeiras necessidades que se tm de satisfazer so as dos meninos e os velhos, seminformar-se dos servios que tenham prestado ou prestem sociedade; preciso antes demais nada mant-los, cuidar aos combatentes independentemente da valentia ou dainteligncia demonstradas por cada um deles, e homens e mulheres a milhares rivalizaro emabnegao por cuidar aos feridos. Existe a tendncia. Acentua-se quanto ficam satisfeitas asmais imperiosas necessidades de cada um, medida que aumenta a fora produtora dahumanidade; acentua-se ainda mais cada vez do que uma grande idia ocupa o posto dasmesquinhas preocupaes de nossa vida cotidiana.

    O dia em que devolvessem os instrumentos de produo a todos, em que as tarefas fossemcomuns e o trabalho ocupando o lugar de honra na sociedade produzisse bem mais donecessrio para todos, como duvidar de que esta tendncia alargar sua esfera de ao atchegar a ser o princpio mesmo da vida social? Por esses indcios somos do parecer de que,quando a revoluo tenha quebrantado a fora que mantm o sistema atual, nossa primeiraobrigao ser realizar imediatamente o comunismo. Mas nosso comunismo no o dosfalansterianos nem o dos tericos autoritrios alemes, seno o comunismo anarquista, ocomunismo sem governo, o dos homens livres. Esta a sntese dos dois fins perseguidos pelahumanidade atravs das idades: a liberdade econmica e a liberdade poltica.

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    Tomando a anarqua como ideal da organizao poltica, no fazemos mais do que formulartambm outra pronunciada tendncia da humanidade. Cada vez que o permitia o curso dodesenvolvimento das sociedades europias, estas sacudiam o jugo da autoridade e esboavamum sistema baseado nos princpios da liberdade individual. E vemos na histria que osperodos durante os quais foram derrubados os governos em consequncia de revoluesparciais ou gerais, foram pocas de repentino progresso no terreno econmico e intelectual.J a independncia dos municpios, cujos monumentos fruto do trabalho livre de

    associaes livres no foram superados desde ento; j o levantamento dos camponeses,que fez a Reforma e ps em perigo o Papado; j a sociedade livre nos primeiros temposfundada ao outro lado do Atlntico pelos descontentamentos que fugiram da velha Europa.E se observamos o desenvolvimento presente das naes civilizadas, vemos um movimentocada vez mais acentuado em pr de limitar a esfera de ao do governo e deixar cada vezmaior liberdade ao indivduo. Esta a evoluo atual, ainda que dificultada pelo frrago deinstituies e preocupaes herdadas do passado. O mesmo que todas as evolues, noespera mais do que a revoluo para varrer as velhas runas que lhe servem de obstculo,tomando livre vo na sociedade regenerada. Depois de ter tentado longo tempo resolver oinsolvel problema de inventar um governo que obrigue ao indivduo obedincia, semcessar de obedecer aquele tambm sociedade, a humanidade, tenta libertar-se de todaespcie de governo e satisfazer suas necessidades de organizao, mediante o livre acordo

    entre indivduos e grupos que persigam os mesmos fins. A independncia de cada mnimaunidade territorial j uma necessidade apremiante; o comum acordo substitui lei, epassando acima das fronteiras, regula os interesses particulares com a mira posta num fimgeral.Tudo o que em outro tempo se teve como funo do governo se lhe disputa hoje,acomodando-se mais facilmente e melhor sem sua interveno. Estudando os progressosfeitos neste sentido, vemo-nos levados a afirmar que a humanidade tende a reduzir a zero aao dos governos, isto , a abolir o Estado, essa personificacin da injustia, da opresso edo monoplio. Certamente que a idia de uma sociedade sem Estado provocar pelo menostantas objees como a economia poltica de uma sociedade sem capital privado. Todos

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    representativo, que os poucos pensadores que fizeram sua crtica (J. Stuart Mill, Laverdais)no tiveram mais do que traduzir o descontentamento popular. absurdo nomear algunshomens e dizer-lhes: Fazei-nos leis a respeito de todas as manifestaes de nossa vida,ainda que cada um de vocs as ignore. Comea-se a compreender que o governo dasmaiorias parlamentares significa o abandono de todos os assuntos do pas aos que formam asmaiorias na Cmara e nas eleies aos que no tm opinio. A unio postal internacional, asunies de transportes ferrovirios, as sociedades sbias, do o exemplo de solues achadaspelo livre acordo, em vez de por a lei. Quando grupos disseminados pelo mundo queremchegar hoje a organizar-se para um fim qualquer, no nomeiam um parlamento internacionalde deputados para tudo e a quem se lhes diga: Votai-nos leis; as obedeceremos. Quandono se podem entender diretamente ou por correspondncia, enviam delegados que conheama questo especial que vai tratar-se, e lhes dizem: Tentai pr-vos de acordo a respeito de talassunto, e voltai logo no com uma lei no bolso, seno com uma proposio de acordo, queaceitaremos ou no aceitaremos. Assim como fazem as grandes sociedades industriais ecientficas, as associaes de todas classes, que h em grande nmero em Europa e nosEstados Unidos. E assim dever fazer a sociedade libertada. Para realizar a expropriao, lheser absolutamente impossvel organizar-se sob o princpio da representao parlamentar.Uma sociedade fundada na servido poder conformar-se com a monarquia absoluta; umasociedade baseada no salrio e na explorao das massas pelos detentores do capital,acomoda-se com o parlamentarismo. Mas uma sociedade livre que volte a entrar em posse da

    herana comum, ter que procurar no livre grupamento e na livre federao dos grupos umaorganizao nova que convenha nova fase econmica da histria.

    A Expropriao

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    Conta-se, que em 1848, ao verse ameaado Rothschild em sua fortuna pela revoluo,inventou a seguinte farsa: Admitamos que minha fortuna se tenha adquirido a costa dosdemais. Dividida entre tantos milhes de europeus, tocariam duas pesetas a cada pessoa. Poisbem; comprometo-me a devolver a cada qual suas duas pesetas se me as pede. Dito isto, edevidamente publicado, nosso milionrio se passeava calmo pelas ruas de Francfort. Trs ouquatro transeuntes lhe pediram suas duas pesetas, se as entregou com sardnica sorriso, eficou feita a jugarreta. A famlia do milionrio ainda est em posse de seus tesouros. Poucomais ou menos assim raciocinam as cabeas slidas da burguesia quando nos dizem: Ah, aexpropriao! Compreendido. Tiram vocs a todos os sobretudos, pem-nos num monto, ecada qual se acerca a pegar um, salvo o surrar-se a badana por quem pega o melhor.O que precisamos no pr num monto os sobretudos para distribu-los depois, e isso que

    os que tiritan de frio ainda encontrariam em isso alguma vantagem. Tambm no temos quenos repartir as duas pesetas de Rothschild. O que precisamos organizar-nos de tal forma,que cada ser humano, ao vir ao mundo, pudesse estar seguro de aprender um trabalhoprodutivo, em primeiro termo acostumar-se a ele, e depois poder ocupar-se desse trabalhosem pedir permisso ao proprietrio e ao patrono e sem pagar aos acaparadores da terra e das

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    mquinas a parte do leo sobretudo o que produza. Quanto s riquezas de todas classes,detentadas pelos RoLhschilds ou os Vanderbilt, nos serviriam para organizar melhor nossaproduo em comum

    O dia em que o trabalhador do campo possa arar a terra sem pagar a metade do que produz; odia em que as mquinas necessrias para preparar o solo para as grandes colheitas estejam livre disposio dos cultivadores; o dia em que o obreiro do ateli produza para acomunidade e no para o monoplio, os trabalhadores no iro j harapientos, e no ter maisRothschilds nem outros exploradores. Ningum ter j necessidade de vender sua fora detrabalho por um salrio que s representa uma parte do total do que produz. Seja nos diro-. Mas de fora vos viro os Rothschilds. Podereis impedir que um indivduo que tenhaacumulado milhes em China, v estabelecer-se entre vocs, que se rodeie de servidores etrabalhadores assalariados, que os exploda e se enriquea a costa deles? No podeis fazer arevoluo em toda a terra ao mesmo tempo. Ides estabelecer alfndegas em vossas fronteiras,para registrar ti quem cheguem e apoderar-se do ouro que tragam?

    Teria que ver: polcias anarquistas disparando contra os passageiros! Pois bem; no fundodeste raciocnio h um burdo erro, e que ningum se perguntou nunca de onde provem asfortunas dos ricos. Um pouco de reflexo bastaria para demonstrar que a origem dessasfortunas est na misria dos pobres. Onde no tenha miserveis, no ter j ricos para

    explod-los. Fixai-vos um pouco na Idade Mdia, na que comeam a surgir grandes fortunas.Um baro feudal se apoderou de um frtil vale. Mas enquanto essa campia no se povoe,nosso baro no pode chamar-se rico. Que vai fazer nosso baro para enriquecer-se?Procurar colonos! No entanto, se cada agricultor tivesse um pedao de terra livre de nus eademas as ferramentas e o gado suficientes para o labor, quem iria a roturar as terras dobaro? Cada qual ficaria nas suas. Mas h populaes inteiras de miserveis.

    Uns foram arruinados pelas guerras, outros pelas secas, pela peste; no tm bestas nemaperos. (O ferro era custoso na Idade Mdia; mais custosa ainda uma besta de labor.) Todosos miserveis procuram melhores condies. Um dia vem no caminho, na linde das terras denosso baro, um poste indicando com certos signos compreensveis que o lavrador que seinstale nessas terras receber com o solo instrumentos e materiais para edificar uma choa e

    semear seu campo, sem que em certo nmero de anos tenha que pagar nenhum cnon. Essenmero de anos se indica com outras tantas cruzes no poste frontero, e o campons entende oque significam essas cruzes. Ento vo s terras do baro os miserveis; traam caminhos,desecan os pntanos, levantam aldeias. AOS nove anos, o baro lhes impor umarrendamento, cinco anos mais tarde lhes cobrar tributos, que duplicar depois, e o lavradoraceitar essas novas condies porque em outra parte no as achar melhores, E pouco apouco, com ajuda da lei feita pelos letrados, a misria do campons se converte emmanancial de riqueza para o senhor; e no s para o senhor, seno para toda uma nuvem deusureros que descarrega sobre as aldeias, e que se multiplicam tanto mais quanto maior oempobrecimento do lavrador. Assim passava na Idade Mdia. E no sucede hoje o mesmo?Se tivesse terras livres que o campons pudesse cultivar a seu desejo, iria pagar mil pesetaspor hectare ao senhor visconde que se digna ceder-lhe uma parcela? Iria pagar um

    arrendamento oneroso, que lhe tira o tero do que produz? Iria fazer-se colono para entregara metade da colheita ao proprietrio?Mas como nada tem, aceita todas as condies com tal d poder viver cultivando o solo, eenriquece ao Senhor. Em pleno sculo XIX, como na Idade Mdia, a pobreza do campons riqueza para os proprietrios de bens razes.

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    O amoo do solo se enriquece com a misria dos lavradores. O mesmo sucede com oindustrial. Contemplai um burgus, que de uma maneira ou outra se encontra possuidor deum tesouro de quinhentas mil pesetas. Certamente, pode gastar-se esse dinheiro a razo decinquenta mil pesetas ao ano, pouquissima coisa no fundo, dado o luxo caprichoso einsensato que vemos nestes dias. Mas ento ao cabo de dez anos no lhe ficar nada. Assim,pois, como homem prtico, prefere guardar intacta sua fortuna e criar-se ademais umabonita renda anual. Isso muito singelo em nossa sociedade, precisamente porque em nossascidades e povos formigam trabalhadores que no tm para viver um ms, nem sequer umaquinzena.Nosso burgus funda uma fbrica, os banqueiros se apressam a prestar-lhe outras quinhentas

    mil pesetas, sobretudo se tem fama de ser hbil, e com seu milho poder fazer trabalhar aquinhentos obreiros. Se nos contornos no tivesse mais do que homens e mulheres cujaexistncia estivesse garantida, quem iria trabalhar para nosso burgus? Ningum consentiriaem fabricar-lhe, por um salrio de dois ou trs pesetas ao dia, objetos comerciais por valor decinco a dez pesetas. Por desgraa, os bairros pobres da cidade e dos povos prximos estocheios de gente cujos filhos choram adiante da despensa vazia. Por isso, quanto se abre afbrica vo correndo os trabalhadores embaucados. No fazem falta mais do que cem e seapresentam mil. E quanto funciona a fbrica, o patrono se embolsa, limpo de p e palha, ummilhar de pesetas anuais por cada par de braos que trabalham para ele.Nosso patrono obtm assim uma bonita renda. Se elegeu um ramo industrial lucrativa, e se

    pronto, engrandecer pouco a pouco seu fabrica e aumentar suas rendas, duplicando onmero dos homens, a quem explode. Ento chegar a ser um personagem na comarca.Poder pagar almoos a outros notveis, aos vereadores, ao senhor deputado. Poder casarsua fortuna com outra fortuna, e colocar mais tarde vantajosamente a seus filhos e obterdepois alguma concesso do Estado. Se lhe pediro fornecimentos para o exrcito ou para aprovncia, e continuar arredondando seu tesouro at que uma guerra, ou o simples rumordela, ou uma jogada de bolsa lhe permitam dar um grande golpe de mo. As nove dcimaspartes das colossais fortunas dos Estados Unidos (assim o relatou Henry George em seusProblemas sociais) devem-se a uma grande bribonada feita com a cumplicidade do Estado.Em Europa, os nove dcimos das fortunas, em nossas monarquias e em nossas repblicas,tm a mesma origem.

    Toda a cincia de adquirir riquezas est em isso: encontrar certo nmero de famintos, pagar-lhes trs pesetas e fazer-lhes produzir dez; amontoar assim uma fortuna e acrecent-la emseguida por algum grande golpe de mo com ajuda do Estado. No vale a pena falar dasmodernas fortunas atribudas pelos economistas poupana, pois a poupana, por si s, noproduz nada, enquanto o dinheiro poupado no se emprega em explodir aos famintos.Suponhamos um sapateiro a quem se lhe retribua bem seu trabalho, que tenha boa parquia eque, a fora de privaes, chegue a poupar cerca de duas pesetas dirias, cinquenta pesetasao ms! Suponhamos que nosso sapateiro no esteja nunca enfermo; que vrgula bem, apesarde seu af pela poupana; que no se case ou que no tenha filhos; que no se morra de tisis;admitamos quanto queirais.

    Pois bem; idade de cinquenta anos no ter poupado nem quinze mil pesetas, e no ter de

    que viver durante sua velhice, quando j no possa trabalhar. Certamente no bem como sefazem as fortunas. Suponhamos outro sapateiro. Quanto tenha poupadas umas pesetas, aslevar com cuidado caixa de poupanas, e esta se as prestar ao burgus que trata de montaruma explorao de homens descalos. Depois tomar um aprendiz, o filho de um miservel,que se ter por feliz se ao cabo de cinco anos aprende o ofcio e consegue ganhar-se a vida. Oaprendiz lhe produzir a nosso sapateiro e se este tem clientela, se apressar a tomar outro,e mais adiante um terceiro aprendiz. Depois ter dois ou trs oficiais, felizes se cobram trspesetas dirias por um trabalho que vale seis. E se nosso sapateiro tem sorte, isto , se bastante pilho, seus oficiais e aprendizes lhe produziro uma vintena de pesetas alm de seuprprio trabalho.

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    Poder alargar seu negcio, se enriquecer pouco a pouco e no ter necessidade de privar-sedo estritamente necessrio. Deixar a seu filho uma fortunita. Tenho aqui o que chamamfazer poupanas, ter hbitos de sobriedade. No fundo, lisa e claramente explodir aosprecisados. O comrcio parece uma exceo da regra. Fulano se nos dir compra ch naChinesa, importa-o a Frana e realiza um benefcio do 30 por 100 de seu dinheiro. Noexplodiu a ningum. E, no entanto, o caso anlogo. Se nosso homem tivesse trazido o chsobre suas costas, santo e muito bom! Antanho, nas origens da Idade Mdia, dessa maneiraprecisamente se fazia o comrcio. Por isso no se conseguiam jamais as pasmosas fortunasde nossos dias; mal se o mercador de ento podia guardar algumas moedas depois de umaviagem cheios de penalidades e perigos. Impulsbale a dedicar-se ao comrcio menos o afde lucro do que o gosto s viagens e aventuras.

    Hoje o sistema mais singelo. O comerciante que tem capital no precisa mover-se daescrivaninha para enriquecer-se. Telegrafa a um comisionista a ordem de comprar cemtoneladas de ch; freta um navio, e s poucas semanas tem em seu poder o carregamento.Nem sequer corre o risco da travessia, porque esto assegurados seu ch e o navio. E segastou cem mil pesetas, recolher cento trinta mil, a no ser que tenha querido especular comalguma mercadoria nova, em cujo caso se arrisca a duplicar sua fortuna ou a perd-la porinteiro. Mas, como pde encontrar homens que se tenham resolvido a fazer a travessia, ir a

    China e voltar, trabalhar de firme, suportar fadigas e arriscar sua vida por um salrio ruin?Como pde encontrar nos docks carregadores e descargadores, a quem pagava o preciso nadamais que para no os deixar morrer de fome enquanto trabalhavam? Como? Porque esto namisria! Ide a um porto de mar, visitai os cafetuchos dos beros, observai a esses homens quevo deixar-se embaucar, colando-se muito prximo dos docks, que assaltam desde o alva,para ser admitidos a trabalhar nos navios. Vede esses marinheiros, contentes de enrolarsepara uma viagem longnqua, depois de semanas e meses de espera; toda sua vida a passaramde navio em navio e subir ainda a outros, at que algum dia desapaream entre as ondas.Multiplicai os exemplos, elegei-os onde vos parea, meditai sobre a origem de todas asfortunas grandes ou pequenas, procedam do comrcio, da banca; da indstria ou do solo. Emtodas partes comprovareis que a riqueza de uns est formada por misria de outros.

    Uma sociedade anarquista no teria que temer ao Rothschild desconhecido que fora aestabelecer-se de repente em seu seio. Se cada membro da comunidade sabe que depois dealgumas horas de trabalho produtivo ter direito a todos os prazeres que proporciona acivilizao, aos profundos gozes que a cincia e a arte do a quem a cultivam, no ir vendersua fora de trabalho por uma mesquinha pitanza; ningum se oferecer para enriquecer aosusodicho Rothschild. Suas moedas de duas pesetas sero rodelas metlicas, teis paradiversos usos, mas incapazes de produzir crianas. A expropriao deve compreender tudoquanto permita apropriar-se o trabalho alheio. A frmula singela e fcil de compreender.No queremos despojar a ningum de seu sobretudo, se no que desejamos devolver aostrabalhadores tudo o que permite explod-los, no importa a quem. E faremos todos osesforos para que, no lhe faltando a ningum nada, no tenha nem um s homem que. veja-se obrigado a vender seus braos para existir ele e seus filhos. Tenho aqui como entendemos

    a expropriao e nosso dever durante a revoluo, cuja chegada esperamos, no pra de aquia duzentos anos, seno num futuro prximo.

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    A idia anarquista em general e a da expropriao em particular, encontram muitas maissimpatias do que se cr entre os homens independentes de carter e aqueles para quem aociosidade no o supremo ideal. No entanto nos dizem com freqncia nossos amigos-,

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    guardai-vos de ir demasiado longe! J que a humanidade no muda num dia, no vadesdemasiado de pressa em vossos projetos de expropriao e de anarqua! Arriscareis nofazer nada duradouro. Pois bem; o que tememos em matria de expropriao no irdemasiado longe. Pelo contrrio, tememos que a expropriao se faa numa escalademasiado pequena para ser duradoura; que o arranque revolucionrio se detenha metadede seu caminho; que se gaste em medidas a mdias que no poderiam contentar a ningum, eque produzindo um desabamento formidvel na sociedade e uma suspenso de suas funes,no fossem, no entanto, viveis, semeando o descontentamento geral e trazendo fatalmente otriunfo da reao. Efetivamente, h estabelecidas em nossas sociedades relaciones que materialmente impossvel modificar se s em parte se toca a elas. As diversas rodagens denossa organizao econmica esto engrenados to intimamente entre se, que no podemodificar-se um s sem modific-los em seu conjunto; isto se advertir quanto se queiradesapropriar, seja o que for. Suponhamos que numa regio qualquer se faa umaexpropriao, limitada, por exemplo, aos grandes senhores territoriais sem tocar s fbricas(como no tem muito pediu Henry George) que em tal ou qual cidade se desapropriem ascasas, sem pr em comum os vveres, ou que numa regio industrial se desapropriem fbricassem tocar s grandes propriedades territoriais.

    O resultado ser sempre o mesmo: transtorno imenso de vida econmica, sem meios dereorganiz-la sobre bases novas. Paralisao da indstria e do trfico, sem voltar aos

    princpios da justia: impossibilidade de que a sociedade reconstitua um tudo harmnico. Seo agricultor se livra do grande proprietrio territorial sem que a indstria se livre docapitalista, o industrial do comerciante do banqueiro, no ter feito nada. O cultivador sofrehoje, no s por ter que pagar a renda ao proprietrio do solo, seno pelo conjunto dascondies atuais; sofre o imposto que lhe cobra o industrial, quem lhe faz pagar trs pesetaspor uma enxada que s vale a quarta parte em comparao com o trabalho agricultor;contribuies impostas pelo Estado, que no pode existir sem uma formidvel hierarquia deservidores pblicos; gastos de sustentao do exrcito que mantm o Estado, porqueindustriais de todas as naes esto em perptua luta pelos mercados, e qualquer dia podeestourar a guerra em consequncia de disputar-se a explorao de tal ou qual parte do sia oufrica.

    O agricultor sofre pela despoblacin dos campos cuja juventude se v arrastada para asfbricas das grande cidades, j com a isca de salrios mais altos pagos temporariamente pelosprodutores de objetos de luxo, j pelos estmulos de uma vida a mais movimento; sofretambm pela proteo artificial da indstria, a explorao comercial dos pases limtrofes, ausura, a dificuldade de melhorar o solo e aperfeioar os aperos, etctera. O mesmo sucedecom a indstria. Entregai amanh as fbricas aos trabalhadores, fazei o que se fez com certonmero de camponeses, a quem se lhes converteu em proprietrios, do solo. Suprimi opatrono, mas deixai-lhe a terra ao senhor, o dinheiro ao banqueiro, a bolsa ao comerciante;conservai na sociedade essa massa de ociosos que vivem do trabalho do obreiro, mantende-osmil intermedirios, o Estado com seu caterva de servidores pblicos, e a indstria nomarchar. No achando compradores na massa dos lavradores, que continuam pobres; nopossuindo as primeiras matrias e no podendo exportar seus produtos, a causa em parte da

    suspenso do comrcio, e sobretudo por efeito da, centralizao das indstrias, no poderfazer mais do que vegetar, ficando abandonados os obreiros no ribeiro. Desapropriai aossenhores da terra e devolvei as fbricas aos trabalhadores, mas sem tocar a essas nuvens deintermedirios que especulam hoje com as farinhas e os trigos, com a carne e com todos oscomestveis nos grandes centros, ao mesmo tempo que espalham os produtos de nossasmanufaturas. Pois bem; quando se dificulte o trfico e j no circulem os produtos, quandofalte po em Paris, e Lyon no encontre compradores para suas sedas, a reao ser terrvel,caminhando sobre cadveres, passeando as submetralhadoras por cidades e campos,celebrando orgias de execues e deportaes, como se fez em 1815, em 1848 e em 1871.

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    Tudo se enlaa em nossas sociedades, e impossvel reformar algo sem que o conjunto sequebrante. O dia em que se fira propriedade privada em qualquer de suas formas, ter que aferir em todas as demais. O impor o mesmo triunfo da revoluo. Se uma grande cidade pesomente mo nas casas ou nas fbricas, a mesma fora das coisas a levar a no reconhecer abanqueiros direito a cobrar do municpio cinquenta milhes de imposto, sob a forma deinteresses por emprstitos anteriores. Se ver obrigada a pr-se em relao com oscultivadores, e foradamente os impulsionar a libertar-se dos possuidores do solo. Parapoder comer e produzir, ter que desapropriar os caminhos de ferro. Por ltimo, para evitar oesbanje dos vveres e no ficar a graa dos acaparadores de trigo, como a prefeitura de 1793,confiar aos mesmos cidados o cuidado de encher seus armazns de vveres e repartir osprodutos.

    No entanto, alguns socialistas trataram de estabelecer uma distino, dizendo: Querer-nosque se expropen o solo, o subsolo, a fbrica, a manufatura; so instrumentos de produo, e

    justo ver neles uma propriedade pblica, mas alm disso h objetos de consumo, oalimento, o vestido, a habitao, que devem ser propriedade privada. O leito, a habitao, acasa, so lugares de vagncia para o que nada produz. Mas para o trabalhador, uma peacaldeada e clara to instrumento de produo como a mquina ou a ferramenta. o lugaronde restaura seus msculos e nervos, que se desgastaro amanh no trabalho. O descanso doprodutor necessrio para que funcione a mquina.

    Isto ainda mais evidente para o alimento. Os pretendidos economistas de que falamos,nunca deixaram de dizer que o carvo queimado por uma mquina figura entre os objetos tonecessrios para a produo como as primeiras matrias. Como pode excluir-se dos objetosindispensveis para o produtor o alimento, sem o qual no poderia fazer nenhum esforo amquina humana? Ser talvez um resto de metafsica religiosa? A comida abundante eregalona do rico um consumo luxo. Mas a comida do produtor um dos objetosimprescindveis para a produo, com o mesmo ttulo que o carvo queimado pela mquinade vapor. Outro tanto sucede com o vestido, porque se os economistas que distinguem entreos objetos de produo e os de consumo vestissem a estilo dos selvagens de Nova Guin,compreenderamos tais reservas. Mas gentes que no poderiam escrever uma linha sem levarcamisa posta, no esto em seu lugar ao fazer uma distino to grande entre sua camisa e

    sua pluma. A blusa e os sapatos, sem os quais no poderia ir um obreiro a seu trabalho, ajaqueta que se pe ao concluir a jornada e o bon com que se resguarda a cabea, so-lhe tonecessrios como o martelo e o yunque. Queira-se ou no, assim entende o povo a revoluo.Quanto tenha varrido os governos, tratar, antes de mais nada, de assegurar-se um alojamentoso, uma alimentao suficiente e o vestido necessrio, sem pagar gabelas. E o povo terrazo. Sua maneira de atuar estar infinitamente mais conforme com a cincia do que a doseconomistas que fazem tantos distingos entre o instrumento de produo e os artigos deconsumo. Compreender que precisamente por a deve comear a revoluo, e jogar osalicerces da nica cincia econmica que pode reclamar o ttulo de cincia, e que pudessechamar-se estudo das necessidades da humanidade e meios econmicos de satisfaz-las.

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    Os vveres

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    Se a prxima revoluo tem de ser uma revoluo social, se distinguir dos anterioreslevantamentos, no s por seus fins, seno tambm por seus procedimentos. Fins novosrequerem procedimentos novos. O povo se bate para derrubar o antigo regime, e derrama seusangue precioso. Depois de romper a argola, volta sombra. Um governo composto dehomens mais ou menos honrados se constitui e se encarrega de organizar a repblica em1793 o trabalho em 1848, o municpio livre em 1871 . Imbuido esse governo nas idias

    jacobinas, preocupa-se das questes polticas antes de mais nada: reorganizao da mquinado poder, purificao do pessoal administrativo, separao da Igreja e o Estado, liberdadescvicas, e assim sucessivamente. verdade que os clubs obreiros vigiam aos novos

    governantes. Com freqncia impem suas idias.

    Mas ainda nesses clubs, sejam burgueses ou trabalhadores os que peroran, sempre domina aidia burguesa. Fala-se muito de questes polticas, mas se esquece a questo do po.Quando estoura a revoluo, inevitavelmente para o trabalho, detm- se a circulao dosprodutos, escondem-se os capitais. O patrono no tem nada que temer nessas pocas; vive desuas rendas, se que no especula com a misria; mas o assalariado se v reduzido a viverapertado. Anuncia-se a escassez. Aparece a misria, uma misria como no se tinha vistocom o antigo regime. So os girondinos quem nos matam de fome, dizia-se pelosarrabaldes em 1793. E se guilhotinava aos girondinos, dando plenos poderes Montanha, Prefeitura de Paris. A Prefeitura preocupava-se, efetivamente, do po; despregava hericosesforos para alimentar a Paris.

    Fouch e Collot d'Herbois criavam depsitos em Lyon, mas se dispunha de minsculaquantidade de gros para ench-los. As municipalidades lutavam para conseguir trigo.Enforcava-se aos tahoneros acaparadores do gro, mas seguia faltando o po. Ento aempreendiam com os realistas, guilhotinando a doze, quinze dirios, criadas e duquesas,sobretudo criadas, porque as duquesas estavam em Coblenza. Mas ainda que guilhotinasem acem duques e viscondes cada vinte e quatro horas, nada teria mudado. A misria ia emaumento, J que era preciso sempre cobrar, um salrio para viver, e o salrio no aparecia,que tivessem podido fazer mais mil cadveres ou menos? Ento o povo comeava a cansar-se. Bem vai vossa revoluo! cochichava o reacionrio ao ouvido do trabalhador; nuncativestes tanta misria! E pouco a pouco se tranqilizava o rico, saa de seu esconderijo, semofaba dos descalos com seu pomposo luxo, vestase de currutaco e dizia aos trabalhadores:Vamos, basta de necedades! Que ganhastes com a revoluo? J hora de acabar comela! E com o corao oprimido, exausto j de pacincia, o revolucionrio chegava a dizer-se: Outra vez perdida a revoluo!, Se voltava a seu tugurio e deixava fazer. Ento areao se mostrava altiva, realizando seu golpe de Estado. Morta a revoluo, j no lheficava seno pisotear seu cadver. E pisotebalo de firme! Derramavam-se ondas de sangueo terror branco ceifava cabeas, povoava os crceres, e enquanto seguiam seu curso as orgiasda granujera elevada. Tenho aqui a imagem de todas nossas revolues. Em 1848, otrabalhador parisiense punha trs meses de misria ao servio da Repblica, e ao cabo dostrs meses, no podendo j mais, fazia seu postrer esforo desesperado, esforo afogado pelamatana. E em 1871 conclua a Comuna por falta de combatentes. No tinha esquecidodecretar a separao da Igreja e do Estado; mas no pensou at farto tarde em assegurar a

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    todos o po. E viu-se em Paris aos gomosos burlasse dos federados, dizendo-lhes: Imbecis,ide fazer-vos matar por seis reais, enquanto ns nos vamos de francachela ao restaurante demoda! Compreendia-se a falta nos ltimos dias. Fez-se a sopa comunal, mas era demasiadotarde. Os versalleses estavam j dentro das muralhas! Po; a revoluo precisa de po!Ocupam-se outros em lanar circulares com frases rimbombantes! Ponham-se outros nosombros tantos gales como possam levar em cima! Peroren outros a respeito das liberdadespolticas! Nossa tarefa consistir em fazer de maneira que nos primeiros dias da revoluo,e enquanto dure esta, no tenha um s homem no territrio insurrecto quem lhe falte o po,nem uma s mulher obrigada a formar fila adiante da tahona para recolher a bola de salvadoque lhe queiram arrojar de esmola, nem um s menino a quem lhe falte o necessrio para suadbil constituio.

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    Somos utopistas, coisa sabida. Efetivamente, to utopistas, que levamos nossa utopia atcrer que a revoluo deve e pode garantir a todos o alojamento, o vestido e o po. precisoassegurar o po ao povo sublevado, mister que a questo do po preceda a todas as demais.Se se resolve em interesse do povo, a revoluo ir por bom caminho. seguro que a

    prxima revoluo estourasse no meio de uma formidvel crise industrial. Desde faz umadzia de anos nos encontramos em plena efervescncia, e a situao tem que se agravar.Tudo contribui a isso: a participao das naes jovens que entram no palanque paraconquistar os antigos mercados, as guerras, os impostos sempre crescentes, as dvidas dosEstados, o inseguro do manh, as grandes empresas longnquas. Neste momento defeituosa otrabalho a milhes de trabalhadores em Europa. Pior ser quando tenha estourado a revoluoe se tenha propagado como o fogo num regueiro de plvora. O nmero de obreiros semtrabalho duplicar quanto se levantem barricadas em Europa e nos Estados Unidos. Que vaifazer para assegurar o po a essas multides? J que se abriram atelis em 1789 e em 1793; jque se recorreu ao mesmo meio em 1848; j que Napoleo III conseguiu durante dezoitoanos conter ao proletariado parisiense dando-lhe trabalhos que valem hoje a Paris sua dvidade dois milhes de pesetas e seu imposto municipal de noventa pesetas por cabea; j que

    este excelente meio se empregava em Roma e at em Egito faz quatro mil anos; j quedspotas, reis e imperadores arrojaram sempre um pedao de po ao povo para ter tempo derecolher o chicote, natural que as gentes prticas preconizem esse mtodo de perpetuar osalrio. A que romper-se a cabea, quando se dispe do mtodo ensaiado pelos faras deEgito! Mas se a revoluo tivesse a desgraa de seguir esse caminho, estava perdida. Quandoo 27 de fevereiro de 1848 se abriam os atelis nacionais, os obreiros sem trabalho no erammais do que oito mil em Paris; quinze dias depois, eram j quarenta e nove mil; bem cedoiam ser cem mil, sem contar os que iam de provncias. Mas naquela poca, a indstria e ocomrcio no ocupavam em Frana a metade dos braos que hoje.

    E sabido que em tempo de revoluo o que mais padece o trfico, a indstria. Bastapensar s no nmero de obreiros que trabalham direta e indiretamente para a exportao, no

    nmero de braos empregados nas indstrias de luxo que tm por clientela a minoriaburguesa. A revoluo em Europa a suspenso imediata da metade das fbricas emanufaturas; representa milhes de trabalhadores arrojados rua junto com suas famlias. evidente, como j o disse Proudhon, que o ataque a propriedade trar a completadesorganizao de todo o regime baseado na empresa particular e no salrio. A sociedademesma se lado obrigado a pr mo no conjunto da produo e areorganiz-la segundo as necessidades do conjunto da populao. Mas como esta

    reorganizao no possvel num dia nem em mais, como exige certo perodo de adaptao,durante o qual milhes de homens se veriam privados de meios de existncia, que tem defazer-se?

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    No h mais do que uma soluo verdadeiramente prtica, e reconhecer o imenso da tarefaque se impe, e em vez de jogar um remendo a uma situao que se fez impossvel, procedera reorganizar a produo segundo os novos princpios. Ser preciso que o povo tomeimediatamente posse todos os vveres que tenha nos municpios insurrectos, inventariando-ose cuidando que, sem esbanjar nada, aproveitem todos os recursos acumulados para atravessaro perodo de crise, e durante esse tempo entender-se com os obreiros das fbrica oferecendo-lhes as primeiras matrias que lhes faltem e garantindo-lhes a existncia durante algunsmeses, a fim de que produzam o que precisa o cultivador. No esqueamos que se Franatece sederas para os banqueiros alemes, as imperatrizes de Rssia e das ilhas Sandwich, eque se Paris faz maravilhas de juguetera para os ricos do mundo inteiro, dois teros doscamponeses franceses carecem de lustres para alumiar-se e das ferramentas mecnicasnecessrias hoje na agricultura. E por ltimo, fazer valer as terras improdutivas e melhorar asque no produzem nem sequer a quarta nem ainda a dcima parte do que produziro quandoestejam submetidas ao cultivo intensivo de horta e jardinagem.

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    Um homem ou um grupo de homens que possuem o capital necessrio montam umaempresa industrial; encarregam-se de abastecer a manufatura ou a fbrica de matrias-primas,de organizar a produo, de vender os produtos, de pagar aos obreiros um salrio fixo, e porltimo, embolsam-se o excesso de valor ou os benefcios, com o pretexto de indenizar-se dorisco que correram, das oscilaes de preos que tem a mercadoria no mercado. Por salvareste sistema, os atuais detentores do capital estariam dispostos a fazer certas concesses, porexemplo, repartir uma parte dos benefcios com os trabalhadores ou estabelecer uma escalade salrios que lhes obrigue a elev-los quando sobem os ganhos; numa palavra,consentiriam certos sacrifcios com a condio que se lhes deixasse o direito de dirigir eadministrar a indstria e de arrecadar os benefcios dela.

    O colectivismo, segundo saber-nos, introduz importantes modificaes nesse regime, mas

    sem deixar de manter o salrio. S que substitui o patrono pelo Estado, isto , com o governorepresentativo, nacional ou comunal. Os representantes da nao ou do municpio, seusdelegados ou seus servidores pblicos so quem se encarregam da gerncia da indstria, e aomesmo tempo se reservam o direito de empregar em proveito de todos o excesso de valor daproduo. Ademais, estabelece-se neste sistema uma distino muito subtil, mas cheia deconseqncias, entre o trabalho do peo e do homem que fez uma aprendizagem prvia. Otrabalho do peo no aos olhos do colectivista mais do que um trabalho simples, ao passoque o arteso, o engenheiro, o sbio, etctera, praticam o que Marx chama um trabalhocomposto e tm direito a um salrio mais alto. Mas pees e engenheiros, teceles e sbios,so assalariados do Estado; todos servidores pblicos, diziam ultimamente para dourar aplula.

    Pois bem; o maior servio do que a prxima revoluo poder prestar humanidade ser o decriar uma situao na qual se faa impossvel e inaplicvel todo sistema de salrio, e onde seimponha, como nica soluo aceitvel, o comunismo, negao do sistema do salrio. Aindaadmitindo que seja possvel a modificao colectivista se se faz por graus durante um perodoprspero e calmo, isso ser impossvel em perodo revolucionrio, Porque ao dia seguinte detomar as armas surgir a necessidade de alimentar a milhes de seres. Pode fazer-se umarevoluo poltica sem que se revire a indstria; mas uma revoluo na qual o povo ponha amo na propriedade produzir inevitavelmente uma sbita paralizao do comrcio e daproduo. Os milhes do Estado no bastariam para assalariar aos milhes de homensdefeituosos de trabalho.

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    No nos cansaremos de fazer questo de esse ponto: a reorganizao da indstria sobre novasbases no se far nuns quantos dias, e o proletrio no poder pr anos de misria ao serviodos tericos do salrio. Para atravessar o perodo das dificuldades, reclamar o que semprereclamou em tais ocorrncias: a Comunidade dos vveres, o racionamento. Se o empuxo dopovo no bastante forte, se lhe fuzilar. Para que o colectivismo possa estabelecer-se,precisa, antes de mais nada, ordem, disciplina, obedincia. E como os capitalistas advertiromuito cedo que fazer fuzilar ao povo pelos que se chamam revolucionrios o melhor meiode desagrad-lo com a revoluo, prestaro certamente seu apoio aos defensores da ordem,ainda aos colectivistas. J vero mais tarde o meio de achatar a estes a sua vez. Noesqueamos como triunfou a reao do sculo passado.

    Primeiro se guilhotinou aos hebertistas, a quem chamava Mignet os anarquistas. Nodemoraram em segu-los os dantonianos. E quando os robespierristas tiveram guilhotinado aestes revolucionrios, tocou-lhes o turno de subir tambm ao patbulo. Com o qual,desagradado o povo e vendo perdida a revoluo, deixou fazer aos reaccionrios. Se aordem fica restabelecida, os colectivistas guilhotinaram aos anarquistas, os posibilistasguilhotinaram aos coletivistas, que a sua vez sero guilhotinados pelos reacionrios. Arevoluo teria que voltar a comear. Mas tudo induz a crer que o empuxo do povo serbastante forte, e que quando se faa a revoluo ter ganhado terreno a idia do comunismo

    anarquista.E se o empuxo bastante forte, os assuntos tomaro outro giro. Em vez de saquear algumastahonas, para jejuar amanh, o povo das cidades insurrectas ocupar os celeiros de trigo, osmatadouros, os armazns de comestveis, numa palavra, todos os vveres. Cidados de boavontade se dedicaro no ato a inventariar o que se encontre em cada armazm e em cadaceleiro. Em vinte e quatro horas o municpio insurrecto saber o que Paris ainda no sabe,apesar de suas juntas de estatstica, e o que nunca soube durante o lugar: quantas provisesencerra. Em duas vezes vinte e quatro horas se tero impresso milhes de exemplares dequadros exatos de todos os vveres, dos lugares onde esto armazenados e das formas dedistribu-los.

    Em cada ma de casas, em cada rua e em cada bairro, se organizaro voluntrios quesabero entender-se e pr-se a par de seus trabalhos. Que no vingam a interpor-se asbayonetas jacobinas: que os tericos sedicentes cientistas no vingam a embrulh-lo tudo oumais bem do que embrulhem quanto queiram contanto que no tenham direito a mangonear,e com esse admirvel esprito organizador espontneo que tem o povo em to alto grau, emtodas essas capas sociais, e que to raras vezes lhe permitem exercitar, surgir ainda emplena efervescncia revolucionria um imenso servio livremente constitudo para fornecer acada um os vveres indispensveis. Que o povo tenha livres as mos, e em oito dias o serviodos vveres se far com uma regularidade admirvel. Precisa-se no ter visto jamais ao povolaborioso mos obra; precisa-se ter tido toda a vida os narizes entre os papelotes paraduvidar disso. Falai do esprito organizador desse grande desconhecido, o povo, aos que oviram em Paris nas jornadas das barricadas, ou em Londres quando a ltima grande greve,

    que tinha que alimentar a meio milho de famintos, e vos diro quo superior aosoficinistas! Ainda que tivesse que sofrer durante quinze dias ou um ms verdadeiro desordemparcial e relativo, pouco importa. Sempre ser para as massas melhor do que o que hojeexiste. Ademais, em tempos de revoluo se come chorizo e po sem murmurar, rindo-se, oumais bem discutindo.

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    Pela mesma fora das coisas, o povo das grandes cidades se ver obrigado a apoderar-se detodos os vveres, procedendo do simples ao composto, para satisfazer as necessidades detodos os habitantes. Mas, com que bases poderia organizar-se o desfrute dos vveres emcomum? No h duas maneiras diferentes de faz-lo com equidade, seno uma s, queresponde aos sentimentos de justia e realmente prtica: o sistema adotado j pelosmunicpios agrrios em Europa. Fixai-vos em no importa que municpio rural. Se possui ummorro, enquanto no falte lenha mida, cada qual tem direito a pegar quanta queira, sem maisconserto do que a opinio pblica de suas convecinos. Quanto lenha gorda, como toda pouca, recorre-se ao racionamento. O mesmo sucede com as dehesas boyales. Enquanto hde sobra para todo o municpio, ningum olha o que tm pastado as vacas de cada vizinho,nem o nmero de vacas que vo aos pastos. S se recorre partilha ou ao racionamentoquando os prados so insuficientes.Toda a Sua e muitos municpios de Frana e de Alemanha onde h prados municipaispraticam esse sistema. E se ides aos pases da Europa oriental, onde se encontra emabundncia a lenha gorda ou no defeituosa solo, vereis aos aldeanos cortar as rvores nosmorros com arranjo a suas necessidades, cultivar tanto terreno como lhes faz falta, sempensar em racionar a lenha gorda nem em dividir a terra em parcelas. No entanto, seracionar a lenha gorda e se repartir o solo segundo as necessidades de cada vizinho quantofaltem uma e outro, como j sucede em Rssia. Numa palavra, sem taxa o que abunde; arao o que faa falta medir e repartir. De trezentos cinquenta milhes de homens que vivem

    em Europa, duzentos milhes seguem ainda estas prticas inteiramente naturais.O mesmo sistema prevalece tambm nas grandes cidades, pelo menos para um objeto deconsumo que se encontra ali em abundncia: o gua a domiclio. Enquanto bastam as bombaspara abastecer as casas sem temor a que falte o gua, a nenhuma companhia se lhe ocorre aidia de regulamentar o emprego que se faa do gua em cada casa. que tomem a quequeiram! E se se teme que falte o gua em Paris durante os grandes calores, as companhiassabem muito bem que basta uma simples advertncia de quatro linhas posta nos jornais, paraque os parisienses reduzam seu consumo de gua e no a esbanjem demasiado. Mas sedecididamente chegasse a faltar o gua, que seria? Se recorreria ao racionamento. E estamedida to natural, est to na mente de todos, que vemos a Paris em 1871 reclamar emduas ocasies o racionamento dos vveres durante os dois lugares que sustentou.

    H que entrar em detalhes e estabelecer quadros a respeito do modo como poderia funcionaro racionamento, para provar que seria infinitamente mais justo que o que hoje existe? Comesses quadros, esses detalhes, no chegaramos a convencer aos burgueses, que consideramao povo como uma aglomerao de selvagens que se romperiam os narizes enquanto nofuncionasse o governo. Mas preciso no ter visto nunca ao povo deliberar para duvidar nemum s minuto de que se fosse dono de fazer o racionamento no o faria com arranjo aos maispuros princpios de justia e de equidade. Ide dizer numa reunio popular que as perdizesdevem reservar-se para os delicados holgazanes da aristocracia e o po negro para osenfermos dos hospitais, e vos assobiaro.

    Mas dizei nessa mesma reunio, pregai por todas as esquinas que o alimento mais delicadodeve reservar-se po os dbeis, e em primeiro lugar para os enfermos. Dizei que se tivesse

    em Paris nada mais que dez perdizes e uma s caixa de garrafas de Mlaga, deviam enviar-seaos dormitrios dos convalecientes; dizei isso... Dizei que o menino vem em seguida doenfermo. Para ele o leite das vacas e das cabras, se no h bastante para todos! Para omenino e o velho o ltimo bocado de carne, e para o homem robusto o po a secas, caso dever-se reduzidos a tal extremo. Dizei que se de uma substncia alimentcia no h suficientesquantidades e h que racionarla, se reservaro as ltimas raes para quem mais as precise;dizei isto, e vereis se no consegues o consentimento unnime. Os tericos pediro que seintroduza em seguida a cozinha nacional e a sopa de lentilhas.

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    Invocassem as vantagens de economizar combustvel e vveres, estabelecendo imensascozinhas, onde todo mundo fosse a tomar sua rao de caldo, de po e de verdura. Nonegamos essas vantagens. Sabemos muito bem as economias de trabalho e combustvelrealizadas pela humanidade renunciando ao moinho a brao e depois ao forno em queantanho cozia cada um seu po. Compreendemos que seria mais econmico fazer caldo paracem famlias ao mesmo tempo, em lugar de acender cem hornillos diferentes. Tambmsabemos que h mil maneiras de preparar as batatas, mas que estas no seriam piores porquese cozessem numa s marmita para cem famlias ao mesmo tempo. Compreendemos queconsistindo a variedade da cozinha sobretudo no carter individual do sazonamento por cadamulher de sua casa, a coco em comum de um quintal de batatas no impediria que cadauma as sazonasse a seu modo. E sabemos que com caldo de carne se podem fazer cem sopasdiferentes, para satisfazer cem gostos pessoais.

    Sabemos tudo isto, e no entanto, afirmamos que ningum tem direito a forar mulher de suacasa a tomar cozidas j as batatas no depsito municipal, se prefere coz-las ela em suamarmita, em seu lar. E sobretudo, queremos que cada um possa consumir seu alimento comolhe plazca, no seio da amizade, ou no restaurante se o prefere. Certamente que surgirograndes cozinhas em vez dos restaurantes onde hoje se envenena gente. A parisiense estacostumada j a comprar caldo no aougue para fazer uma sopa a seu gosto; e o dona de casaem Londres sabe que pode fazer assar a carne e at o ave com batatas na tahona por poucos

    quartos, economizando assim tempo e carvo. E quando a cozinha comum no seja um lugarde fraude, falsificao e envenenamento, vir o costume de dirigir-se a esse forno para terpreparadas as partes fundamentais da comida, salvo dar-lhes o ltimo toque a cada qual a seugosto.

    Mas fazer disso uma lei, impor-se o dever de adquirir j cozido o alimento, seria torepulsivo para o homem do sculo XIX como as idias de convento ou de quartel, idiasmalsanas nascidas em crebros pervertidos pelo comando militar ou deformados por umaeducao religiosa. Quem ter direito aos vveres comuns? Esta ser de seguro a primeiraquesto que se proponha. Enquanto os trabalhos no estejam organizados, enquanto dure operodo de efervescncia e seja impossvel distinguir entre o holgazn preguioso e odesocupado involuntrio, os alimentos disponveis devem ser para todos, sem exceo

    alguma. Os que se tenham resistido arma ao brao vitria popular ou conspirado contra elase apressam por si mesmos a livrar de sua presena ao territrio insurrecto. Mas nos pareceque o povo, sempre inimigo de represlias e magnnimo, partir o po com todos os que setenham ficado em seu seio, sejam expropiadores ou desapropriados. Inspirando-se nestaidia, a revoluo no perder nada; e quando se retome o trabalho, se ver aos combatentesda vspera encontrar-se juntos no mesmo ateli.

    Mas ao cabo de um ms faltaro os vveres nos gritam j os crticos. Melhor do quemelhor! contestamos-. Isso provar que pela primeira vez em sua vida o proletario tercomido para satisfazer a fome. Quanto aos meios de substituir o que se tenha consumido,essa precisamente a questo que vamos desenvolver.

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    Por que meios poderia prover a sua alimentao uma cidade em plena revoluo social? evidente que os procedimentos a que se recorra dependero do carter da revoluo nasprovncias, bem como nas naes vizinhas. Se toda a nao, e melhor ainda, Europa inteira,pudesse fazer uma s vez a revoluo social e lanar-se em pleno comunismo, se faria emconsonncia. Mas se s alguns municpios em Europa ensaiam o comunismo, ter que elegeroutros procedimentos. muito de desejar que toda Europa se levante ao mesmo tempo, que

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    em todas partes se desaproprie e inspirem nos princpios comunistas. Semelhantelevantamento facilitaria muitssimo a tarefa de nosso sculo. Mas tudo induz a supor que nosuceder assim. No duvidamos de que a revoluo abarque toda Europa. Se uma das quatrograndes capitais do continente, Paris, Viena, Bruxelas ou Berlim, levanta-se e derruba a seugoverno, quase seguro que as ou