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LEVANDO OS DIREITOS A SÉRIO Ronald Dworkin - observações e indagações exclusivamente minhas estão em vermelho - o livro é, na verdade, uma TEORIA GERAL DO DIREITO, estabelecida por Dworkin O livro foi escrito numa época em que se discutia intensamente o que é o direito, quem deve obedecê-lo e quando. Nesse período, o liberalismo – que antes era uma unanimidade - perdia sua força: os mais velhos responsabilizavam-no pela permissividade; os mais jovens, pela rigidez, pela injustiça econômica e pela guerra do Vietnã. Dworkin defende uma teoria liberal do direito. Contudo, critica profundamente uma teoria que se considera liberal, tão popular e influente que chega a ser a teoria dominante do direito – a teoria de Jeremy Bentham (Benthamiana), que prevalece na Inglaterra e nos Estados Unidos (Bentham viveu de 1748 a 1832; filósofo e jurista inglês, juntamente com John Stuart Mill e James Mill, difundiu o utilitarismo, teoria ética que responde todas as questões acerca do que fazer, do que admirar e de como viver, em termos da maximização da utilidade e da felicidade). Trata-

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LEVANDO OS DIREITOS A SÉRIORonald Dworkin

- observações e indagações exclusivamente minhas estão em vermelho- o livro é, na verdade, uma TEORIA GERAL DO DIREITO, estabelecida por Dworkin

O livro foi escrito numa época em que se

discutia intensamente o que é o direito, quem deve

obedecê-lo e quando. Nesse período, o liberalismo

– que antes era uma unanimidade - perdia sua

força: os mais velhos responsabilizavam-no pela

permissividade; os mais jovens, pela rigidez, pela

injustiça econômica e pela guerra do Vietnã.

Dworkin defende uma teoria liberal do direito.

Contudo, critica profundamente uma teoria que se

considera liberal, tão popular e influente que

chega a ser a teoria dominante do direito – a

teoria de Jeremy Bentham (Benthamiana), que

prevalece na Inglaterra e nos Estados Unidos

(Bentham viveu de 1748 a 1832; filósofo e jurista

inglês, juntamente com John Stuart Mill e James

Mill, difundiu o utilitarismo, teoria ética que

responde todas as questões acerca do que fazer, do

que admirar e de como viver, em termos da

maximização da utilidade e da felicidade). Trata-

se de uma teoria que une Positivismo Jurídico e

Utilitarismo. Neste sentido, é uma teoria sobre o

que é o direito (ou seja, estuda quais são as

condições necessárias para que uma proposição

jurídica seja verdadeira para o direito – parte

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conceitual da teoria) – e aí está o Positivismo

Jurídico, que, para Dworkin, identifica o direito

com as regras emanadas de instituições sociais

específicas e nada mais do que isso. E trata-se

também de uma teoria sobre o que o direito deve

ser e como as instituições jurídicas por ele

estabelecidas deveriam se comportar (parte

normativa da teoria) – aí residindo a faceta

utilitarista dessa teoria, sustentando que “o

direito e suas instituições devem estar a serviço

do bem-estar geral e tão-somente isso”.

Essa teoria dominante, formada pela fusão de

Positivismo Jurídico e Utilitarismo, deriva da

filosofia Jeremy Bentham.

Dworkin esclarece que dará ênfase a uma idéia

que também faz parte da tradição liberal, mas que

está ausente tanto no positivismo jurídico quanto

no utilitarismo: a velha idéia dos direitos

humanos individuais.

Para Dworkin, uma teoria geral do direito

precisa ser, ao mesmo tempo, normativa e

conceitual. Sua parte normativa (como o direito

‘deve ser’) abrangeria uma teoria da legislação,

da decisão judicial e da observância da lei (e

obrigar o seu cumprimento).

Por sua vez, a teoria da legislação abrange

uma teoria da legitimidade – para definir em quais

circunstâncias se está autorizado a fazer leis – e

uma teoria da justiça legislativa – que define o

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tipo de leis que se está autorizado/obrigado a

fazer.

A teoria da decisão judicial contém uma teoria

da controvérsia, que estabelecerá os parâmetros a

ser utilizados pelo juiz para decidir os casos

jurídicos difíceis; e uma teoria da jurisdição,

que estudaria quando e por que a decisão dos casos

difíceis estaria nas mãos do juiz (e não do

legislador ou de outras instituições). É o caso,

por exemplo, da prestação de medicamentos pelo

Estado. Quando caberia ao juiz determinar essa

prestação e quando ela estaria na esfera de

discricionariedade do Poder Executivo? É o que a

teoria da jurisdição deve responder.

Por fim, a teoria da observância à lei deve

discutir e distinguir, de um lado, a teoria do

respeito à lei, para estudar a natureza do dever

do cidadão de obedecer à lei e até onde vai esse

dever, os limites dessa imposição; e de outro lado

deve alcançar uma teoria da execução da lei, que

discernirá os objetivos da aplicação da lei e da

eventual punição nela estabelecida, bem como

descreverá como a lei (e o legislador) deve atuar

reagir às diferentes categorias de crimes e

infrações.

É claro que uma teoria geral do direito também

incluirá assuntos que não pertencem a nenhuma

dessas categorias; ao mesmo tempo, um mesmo

assunto poderá pertencer a mais de um tópico.

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A questão politicamente sensível do

constitucionalismo diz respeito à teoria de

legitimidade: por que os representantes eleitos

pela maioria não poderiam estar habilitados, em

qualquer circunstância, a sancionar leis que lhes

parecessem equânimes e eficientes? Contudo, uma

questão conexa se constitui em problema não mais

para essa parte normativa da teoria do direito,

mas para a parte conceitual. Consiste em saber se

os princípios mais fundamentais da Constituição,

que definem o modo de fazer as leis e a

competência para fazê-las, podem ser considerados

como partes integrantes do direito.

Se os princípios políticos inscritos na

Constituição fazem parte do direito, a

prerrogativa dos juízes para decidir o que a

Constituição determina fica confirmada. Se esses

princípios fazem parte do direito, apesar do fato

de não serem produtos de decisão social ou

política deliberada, significa que seriam direitos

naturais, o que é um argumento em favor das

restrições impostas constitucionalmente ao poder

da maioria.

Além disso, uma teoria geral do direito terá

muitas ligações com outras áreas da filosofia. A

teoria normativa do direito irá assentar-se em uma

teoria moral e política mais geral, que poderá

depender de teorias filosóficas sobre a natureza

humana ou a objetividade da moral. Já a parte

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conceitual fará uso da filosofia da linguagem e,

portanto, também da lógica e da metafísica.

BENTHAM foi o último filósofo anglo-americano

a propor uma teoria do direito que é geral, no

sentido dado ao termo por Dworkin (ou seja, que

aborda as questões normativas e as questões

conceituais, tal como destrinchadas no livro).

Pode-se encontrar na obra de Bentham uma parte

conceitual e uma parte normativa de uma teoria

geral do direito, e na parte normativa, teorias

bem definidas da legitimidade, da justiça

legislativa, da jurisdição e da controvérsia,

todas adequadamente articuladas por uma teoria

política e moral utilitarista e uma teoria

metafísica empiricista mais geral. Mesmo

desenvolvida e aprimorada por diversos autores, a

teoria do direito que prevalece das universidades

inglesas e dos Estados Unidos continua sendo uma

teoria benthamiana.

A parte conceitual de sua teoria – o

positivismo jurídico – foi bastante aperfeiçoada,

especialmente por H.L.A. Hart, que tem a mais

influente versão do positivismo atual. Exatamente

essa versão é a criticada por Dworkin.

A parte normativa da teoria de Bentham também

foi muito aprimorada mediante a utilização da

análise econômica na teoria do direito. Esta

análise fornece padrões para identificar e medir o

bem-estar dos indivíduos que compõe uma comunidade

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(embora a natureza desses padrões seja matéria de

muita discussão – pergunto eu: o direito deve ou

não deve se preocupar com isso – com a felicidade

e o bem-estar geral? Se deve, não estaria

invadindo demasiadamente uma esfera de liberdade

individual que sempre, mesmo naqueles que não

possuem meios para buscar sua própria felicidade,

deve ser preservada? Se não, não estaria gerando

injustiça social, simplesmente preservando a ordem

das coisas e o status quo?), e sustenta que as

questões normativas de uma teoria da legitimidade,

da justiça legislativa, da jurisdição e da

controvérsia, da observância da lei e da sua

execução, todas, portanto, devem ser resolvidas

mediante a suposição de que as instituições

jurídicas compõem um sistema cujo objetivo geral é

a promoção do mais elevado bem-estar médio para

esses indivíduos. É isso mesmo? Essa teoria

normativa geral enfatiza aquilo que as versões

anteriores do utilitarismo frequentemente

negligenciavam: este objetivo geral do Direito –

de promover o mais elevado bem-estar médio para os

indivíduos – é alcançado com maior segurança

atribuindo-se cada tipo de questão, num caso

difícil, à instituição efetivamente competente, de

acordo com alguma teoria da competência

institucional, em vez de supor que todas as

instituições são igualmente capazes de calcular o

impacto de uma decisão política particular sobre o

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bem-estar geral (ver The Legal Process, de Hart e

Sachs).

Neste passo, o utilitarismo econômico, que tem

viés individualista, fixa o objetivo do bem-estar

médio geral como o padrão de justiça para a

legislação. Define esse bem-estar geral como uma

função do bem-estar de indivíduos distintos e se

opõe firmemente à idéia de que uma comunidade,

como uma ‘entidade’ separada de seus indivíduos,

tenha algum interesse ou prerrogativa

independente. Não concordo com isso, pensando num

contexto internacional, de autonomia dos povos e

objetivos de cada comunidade nas relações entre

Estados e dos Estados com seus cidadãos, reunidos

em comunidades distintas. A par disso, o

positivismo jurídico pressupõe que o direito é

criado por práticas sociais ou decisões

institucionais explícitas (legislativo,

judiciário). Rejeita a ideia (mais romântica e

obscura, por não ter sido nunca demonstrada) de

que a legislação pode ser produto de uma vontade

geral ou da vontade de uma pessoa jurídica

(contrato social).

Essa teoria dominante é criticada por diversas

formas de coletivismo, como era de se esperar (já

que o indivíduo é compreendido como o centro e o

parâmetro de tudo), mas também por ser

racionalista. Com efeito, em sua parte conceitual

ela ensina que o direito é produto de decisões

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deliberadas e intencionais, tomadas por pessoas

que planejam, por meio dessas decisões, mudar a

comunidade com base na obediência geral às regras

criadas por suas decisões. Em sua parte normativa,

recomenda decisões baseadas em tais planos e,

portanto, pressupõe que todos os que ocupam cargos

públicos possuem a habilitação, o conhecimento e a

virtude necessários para tomarem tais decisões de

maneira eficiente em condições de considerável

incerteza, em meio a comunidades extremamente

complexas (e consequentemente casos extremamente

difíceis).

Alguns dos que criticam o individualismo e o

racionalismo da teoria dominante representam a

chamada “esquerda”. A esquerda acredita que é o

formalismo do positivismo jurídico que impede os

tribunais de aplicar uma justiça substantiva, que

seria mais densa e solaparia as políticas sociais

conservadoras adotadas pelo governo (executivo e

legislativo), forçando-os a adotar uma concepção

mais fraca de justiça, a justiça meramente

processual, que promoveria o conservadorismo

social. Para a esquerda, ainda, o utilitarismo

econômico também é injusto nas suas conseqüências,

que perpetuaria a pobreza como um instrumento para

a eficiência e que seria deficiente na sua teoria

da natureza humana, por conceber os indivíduos

como átomos auto-interessados da sociedade, em vez

de seres inerentemente sociais, com um sentido de

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comunidade que é parte essencial de seu próprio

sentido de identidade. É verdade, temos esse senso

social, mas será que o Estado e a Sociedade têm de

agir como ‘pais’ dos indivíduos, como se eles, a

partir da garantia de uma igualdade de condições

no ponto de partida, não tivessem o direito de

buscar aquilo que lhe apetece, mesmo que isso

signifique ser pobre ou não fazer nada para manter

o próprio sustento. Não podemos nos apegar à

‘ética capitalista’ de ver todos como seres

produtivos. Haverá os que não desejam produzir

nada, não desejam trabalhar ou tirar seu sustento

e previdência, e nem por isso podemos interferir e

dizer que esse indivíduo deve ser assim ou assado

(mais conseqüecialista, mais previdente ou o que

seja). Nem se pode interferir também para lhe

conferir esse sustento que ele mesmo não busca,

sob pena de produzirmos injustiças com os demais,

criarmos privilégios e desrespeitarmos o

desenvolvimento de cada um de acordo com seu livre

arbítrio. Deve-se pensar, inclusive, na

rediscussão do direito de herança, por exemplo, ao

menos a partir de um certo patamar que supere a

igualdade de oportunidades na origem. O problema é

que a sociedade é viciada e algumas atividades

sempre gerarão acúmulo de riquezas para uns e

falta de sustento para outros. Isso é o que deve

ser combatido, e as políticas de transferência de

recursos devem sempre ter essa finalidade, de

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redistribuição das riquezas de acordo com o que

cada um merece, pelo que faz em sociedade (“dar a

cada um o que é seu” neste sentido de retribuir

corretamente o trabalho, os esforços individuais).

De outro lado, contudo, estão os críticos

ligados à direita política (por exemplo, Hayek –

Law, Liberty and Legislation), que seguem a

filosofia de Edmund Burke, recentemente

popularizado na teoria política norte-americana.

A direita (americana) acredita que o

verdadeiro direito de uma comunidade não é

constituído apenas pelas decisões deliberadas dos

poderes constituídos, como prega o positivismo

jurídico, mas também pela moral costumeira difusa,

que exerce uma grande influência sobre essas

decisões que geram as normas jurídicas (mas o fato

de influenciar não torna a moral uma regra

impositiva, seria um ‘imperativo categórico’ ou um

guia de atuação do indivíduo em sociedade).

Acredita também que o utilitarismo econômico é

irrecuperavelmente otimista, ao insistir que as

decisões deliberadas contrárias à moral

convencional podem aumentar o bem-estar da

comunidade (com efeito, levam a uma insurgência e

insatisfação de muitos no seio da sociedade,

gerando uma situação de instabilidade e um

sentimento inegável de injustiça por parte de

muitos. Mas o que é justiça, afinal? Será que

temos um conceito só do que ela seja? E, se temos

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vários, como alcançá-la em todas as acepções?).

Argumentam, com Burke, que as regras mais

apropriadas para promover o bem-estar de uma

comunidade emergem apenas da experiência dessa

mesma comunidade, razão pela qual é preciso

confiar mais na cultura social estabelecida do que

na “engenharia social” dos utilitaristas, que

supõem saber mais do que a própria história.

Contudo, nem esquerda nem direita põem em

dúvida uma das características específicas da

teoria dominante: o fato de ela rejeitar a idéia

de que os indivíduos podem ter direitos anteriores

aos direitos criados através da legislação

explícita, oponíveis ao próprio Estado. Direita e

esquerda são unânimes em condenar a teoria

dominante em razão da sua preocupação excessiva

com o destino dos indivíduos enquanto indivíduos

(é uma preocupação que eu tenho também...). A

idéia dos direitos individuais no sentido forte em

que tal idéia é defendida neste livro, não passa,

tanto para esquerda quanto para direita, de um

caso grave da doença que acomete a teoria

dominante, que seria essa busca da satisfação

pessoal dos indivíduos.

A teoria dominante rejeita essa idéia de

direitos individuais mais fortes.

De seu lado, o positivismo jurídico rejeita a

idéia de que os direitos jurídicos possam

preexistir a qualquer forma de legislação, porque,

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para essa teoria, o direito decorre da legislação,

esta é sua única fonte. Noutras palavras, rejeita

a idéia de que indivíduos ou grupos possam ter, em

um processo judicial, outros direitos além

daqueles expressamente determinados pelo

ordenamento jurídico positivo (coleção de regras

explícitas que formam a totalidade do direito de

uma comunidade).

Por sua vez, o utilitarismo econômico rejeita

a idéia de que os direitos políticos possam

preexistir aos direitos jurídicos, isto é, que os

cidadãos possuam outra justificativa para criticar

uma decisão diversa da alegação de que ela não

atende ao bem-estar geral.

Com efeito, a teoria dominante se opõe à

existência de direitos naturais em razão,

principalmente, de uma idéia patrocinada por

Bentham: os direitos naturais não têm lugar em uma

metafísica empírica de respeito. Os liberais

desconfiam do ‘luxo’ ontológico e acreditam ser

uma fraqueza fundamental das várias formas de

coletivismo (críticos do individualismo) o fato de

que elas se apóiem em entidades fantasmagóricas -

como vontades coletivas ou espíritos nacionais –

e, por essa razão, eles são hostis a qualquer

teoria do direito natural que pareça basear-se em

entidades igualmente suspeitas.

Mas a idéia de direitos individuais que estes

ensaios defendem não pressupõe nenhuma forma

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fantasmagórica. Na verdade, essa idéia não possui

uma natureza metafísica distinta das idéias

principais da teoria dominante do direito. Ela é,

de fato, parasitária da idéia dominante do

utilitarismo: a idéia de um objetivo coletivo da

comunidade como um todo.

Para Dworkin, os direitos individuais são

trunfos políticos que os indivíduos detêm. Quando

o objetivo comum não configura justificativa

suficiente para negar-lhes aquilo que desejam ter

ou fazer, ou quando não há uma justificativa

suficiente para lhes impor alguma perda ou dano,

os indivíduos podem lançar mão de seus direitos

individuais.

Essa caracterização de direito é formal, pois

não indica quais direitos as pessoas têm nem

garante que de fato elas tenham algum. Também não

pressupõe uma característica metafísica especial

para esses direitos. Por isso a teoria defendida

nos ensaios de Dworkin se diferencia das teorias

anteriores, que se apóiam em tal suposição. (acho

isso excessivamente formalista, pois não resguarda

qualquer substância, qualquer conteúdo aos

direitos dos indivíduos, mas vejamos o que ele vai

propor).

Para distinguir os tipos de direitos que os

indivíduos possuem, Dworkin estabelece definições

para cada tipo de direito (v. vocabulário no

capítulo que trata dos Casos Difíceis – cap. 4).

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As mais importantes são as que distinguem as duas

formas de direitos políticos, quais sejam:

1) direitos preferenciais: aqueles que,

considerados abstratamente, devem prevalecer sobre

as decisões tomadas pela comunidade ou sociedade

como um todo;

2) direitos institucionais: mais específicos,

que prevalecem apenas contra decisões de uma

instituição específica do Estado.

Os direitos jurídicos seria uma das espécies

de direito político, enquadrando-se nos direitos

institucionais, por conferir o direito a uma

decisão de um órgão jurisdicional, no exercício da

função judicante.

Partindo dessas definições, o positivismo

jurídico confere aos indivíduos apenas direitos

jurídicos, criados por decisões políticas ou

práticas sociais expressas. Essa teoria é

criticada por Dworkin nos capítulos 2 e 3, que a

entende como uma teoria conceitual do direito

inadequada. O capítulo 4 sugere uma teoria

conceitual alternativa do direito, provando que os

indivíduos podem ter outros direitos jurídicos

além daqueles criados por decisão ou prática

expressa, como direitos ao reconhecimento judicial

de suas prerrogativas, mesmo nos casos difíceis,

quando não existem decisões judiciais ou práticas

sociais inequívocas, que exijam uma decisão em

favor de uma ou de outra parte, necessariamente.

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De acordo com Dworkin, o capítulo 4 traz um

argumento que estabelece uma ponte entre a parte

conceitual e a parte normativa da teoria

alternativa por ele proposta. Oferece, ainda, uma

teoria normativa da decisão judicial que distingue

os argumentos de princípio dos argumentos de

política, defendendo a compatibilidade das

decisões judiciais baseadas em argumentos de

princípio com a democracia.

No capítulo 5, Dworkin aplica essa ‘teoria

normativa da atribuição judicial de direitos’ aos

casos centrais e politicamente importantes do

ajuizamento constitucional de direitos. Utiliza

sua teoria para criticar o debate entre o chamado

ATIVISMO e o chamado COMEDIMENTO em direito

constitucional, defendendo a justeza da revisão

judicial limitada a argumentos de princípio, mesmo

nos casos politicamente controversos (casos

difíceis).

No capítulo 6, Dworkin discute os fundamentos

de uma teoria dos direitos legislativos. Argumenta

(com base em Rawls e sua teoria da justiça) que

nossas intuições sobre a justiça pressupõem que as

pessoas têm direitos e que um desses direitos é o

mais fundamental e, por isso mesmo, axiomático.

Trata-se do direito à igualdade ou direito à igual

consideração e respeito (vocabulário de Dworkin

para sua teoria geral do direito, que traduz o

princípio de que as pessoas têm o direito de ser

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tratadas como iguais perante a lei e que as leis

não podem ser constituídas de maneira que coloque

pessoas em desvantagem por qualquer razão

irrelevante ou arbitrária, o que seria

insultante).

Dworkin traz, ainda, uma teoria normativa da

observância à lei (capítulos 7 e 8). Assim,

examina os casos em que os direitos legislativos

dos indivíduos estão em discussão e analisa as

conseqüências que derivam do fato de se admitir

que os indivíduos têm alguns direitos legislativos

distintos de seus direitos e anteriores a estes,

sem defender qualquer conjunto específico de

direitos individuais. Assim, sua teoria não se

baseia em quaisquer pressupostos sobre a natureza

dos direitos preferenciais e legislativos que as

pessoas possuem de fato. Com isto, oferece uma

teoria de obediência à lei mesmo sob condições de

incerteza e controvérsia a propósito dos direitos

que as pessoas de fato possuem. Os casos de

incerteza e controvérsia sobre os direitos

jurídicos são analisados, abordando ainda duas

questões importantes, embora quase sempre

negligenciadas: 1ª) quais são os direitos

preferenciais e as responsabilidades de um cidadão

quando seus direitos constitucionais são incertos,

mas ele acredita sinceramente que o governo não

tem direito de forçá-lo a fazer algo que considera

errado; 2ª) quais são as responsabilidades das

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autoridades públicas que acreditam que este

cidadão está errado, embora ele seja sincero em

sua convicção a respeito do que a lei estabelece.

Dworkin analisa, ainda, de que modo a

concepção de igualdade como direito à consideração

e ao respeito pode ser usada para interpretar o

princípio da igualdade perante a lei, bem como a

compatibilidade desta concepção com a prática

politicamente controversa denominada discriminação

compensatória.

Nos ensaios finais, Dworkin examina as

reivindicações antagônicas de outro direito também

considerado por muitos filósofos políticos como o

mais fundamental dos direitos políticos: o direito

à liberdade, que em geral é considerado um ‘rival’

do direito à igualdade e, às vezes, até mesmo

incompatível com este. Para Dworkin, não existe um

direito à liberdade e a própria idéia desse

direito é confusa. Considera que os indivíduos têm

direito a certas liberdades específicas, como o

direito a decisões morais pessoais, ou o direito

às liberdades descritas no Bill of Rights (nome

dado às 10 primeiras emendas à constituição

americana, promulgadas em 1791). Para Dworkin,

contudo, esses direitos são derivados do direito à

igualdade, e não de um direito mais abstrato à

liberdade enquanto tal. Daí porque conclui que o

individualismo (que valoriza as liberdades

individuais) não é um ‘inimigo’ da liberdade.

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Os ensaios do livro fornecem a estrutura

central da teoria geral do direito de Dworkin.

Contudo, cada ensaio foi escrito separadamente,

embora sempre tendo em vista a construção de sua

teoria do direito.

Não faz parte dessa teoria, segundo o próprio

Dworkin, afirmar a existência de um procedimento

mecânico que revele quais direitos políticos,

preferenciais ou jurídicos um indivíduo possui. Ao

contrário, seus ensaios sempre enfatizam o fato de

que existem casos difíceis, tanto na política como

no direito, nos quais juristas criteriosos

divergirão em sua conclusão acerca dos direitos, e

nenhum deles disporá de qualquer argumento que

necessariamente se sobreponha ou convença ao outro

(podemos conviver com essa incerteza? Acho que o

ser humano sempre quer algo definitivo, uma

resposta segura e exata, que não combina com a

transitoriedade de sua existência e a complexidade

de sua vida em sociedade). Daí porque Dworkin

rejeita a posição filosófica geral de que nenhuma

proposição pode ser considerada verdadeira se não

existir um procedimento que demonstre sua

veracidade, de tal modo que qualquer pessoa

racional se convença de que é verdadeira. Para

Dworkin, quando essa filosofia se aplica a

argumentos sobre direitos, ela não funciona. Por

isso considera importante que toda teoria política

reconheça que muitas reivindicações de direitos,

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inclusive algumas muito importantes, não são

demonstráveis, ocasião em que deve fornecer

princípios que orientem as decisões oficiais

quando os direitos forem controversos (e a razão

possa estar de qualquer lado).

No capítulo 12, Dworkin fornece um argumento

em favor do reconhecimento de certos direitos

preferenciais e institucionais específicos.

Contudo, os direitos ali descritos e o método

utilizado para defendê-lo não excluem outros

direitos nem outros métodos de argumentação. Sua

teoria geral do direito admite a existência de

tipos diferentes de argumentos, cada um deles

suficiente para explicar por que um objetivo

coletivo (que costuma justificar as decisões

políticas) não justifica determinada desvantagem

imposta a um indivíduo.

De todo modo, Dworkin sugere uma forma

preferencial de argumentação em favor dos direitos

políticos, que consiste na derivação de direitos

particulares a partir do direito abstrato à

igualdade (igual consideração e respeito). Tais

direitos serão fundamentais e axiomáticos. Assim,

no capítulo 6 ele demonstra que um conhecido

argumento em favor dos direitos econômicos do

grupo mais desfavorecido pode ser derivado desse

direito abstrato (é meio óbvio, até), e um

argumento diferente poderia gerar, a partir dessa

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mesma fonte, os conhecidos direitos civis (também

me parece óbvio).

Para Dworkin, o direito à consideração e

respeito é mais fundamental que os outros

direitos, pois a própria idéia de um objetivo

coletivo poderia ser derivada desse direito

fundamental. Assim, ele não pode ser considerado,

como os demais direitos, como ‘trunfos’ diante dos

objetivos coletivos, pois ele é a fonte tanto da

autoridade geral dos objetivos coletivos quanto

das restrições especiais a essa autoridade,

justificando direitos mais particulares.

Para chegar a essa conclusão, é preciso

demonstrar como a mesma concepção de igual

consideração que justifica as transações

características dos objetivos econômicos coletivos

também justifica a isenção para os que mais sofrem

por causa dessas transações. Nesse ponto, é

necessária uma concepção dos níveis de

necessidade, de modo a demonstrar que, se igual

consideração justifica as transações

compensatórias das necessidades de maior urgência,

ela não permite o sacrifício dessas necessidades

de maior urgência, nem mesmo em nome de uma

satisfação mais plena de necessidades menos

urgentes. (isso também é muito óbvio, não?)

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CAPÍTULO 1 – TEORIA DO DIREITO

Quando um aplicador do direito argumenta em

favor de uma causa, aconselha seus clientes ou

redige projetos de lei para atender objetivos

sociais específicos, eles se vêem diante de

problemas técnicos, pois existe um acordo geral

entre os membros de sua profissão quanto ao tipo

de argumento ou de prova que é considerado

relevante. Porém, às vezes, os problemas não são

técnicos nem há um consenso geral quanto ao modo

de proceder. Um exemplo é problema o ético, que se

revela quando um jurista se pergunta, não se uma

lei particular tem eficácia, mas se é equânime. A

controvérsia também pode redundar na discussão

sobre o que são princípios e o que significa

aplicá-los. Não há uma resposta clara para

controvérsias conceituais como essas, pois elas

extrapolam as técnicas costumeiras dos juristas na

prática do direito.

Essas questões recalcitrantes são justamente

as de que trata a teoria do direito. Contudo, o

que caracteriza essas questões controversas é

justamente o fato de não haver acordo a respeito

da natureza, do tipo de controvérsia que elas são

e de quais técnicas de estudo elas exigem. Por

esta razão, os cursos de teoria do direito variam

extremamente no tocante aos métodos que empregam.

E o método escolhido influencia a própria escolha

dos temas particulares que serão objeto de análise

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– embora essa escolha também seja influenciada por

modismos intelectuais e assuntos de interesse

público.

MUITO INTERESSANTE!

Exemplo: até pouco tempo atrás, ninguém

estudava a questão de saber se os homens têm a

obrigação moral de obedecer à lei, tema hoje em

lugar proeminente nos cursos de teoria geral do

direito.

Até recentemente, a teoria do direito

privilegiava uma ‘abordagem profissional” – ou

seja, as questões problemáticas, impassíveis de

exame através das técnicas jurídicas comuns, eram

analisadas apenas nos aspectos que podiam ser

resolvidos com tais técnicas, ignorando o resto.

Essa abordagem profissional significa que, numa

dada questão ou caso concreto, os juristas são

treinados para 1) analisar as leis escritas e

decisões judiciais, daí extraindo uma doutrina

jurídica; 2) analisar as situações factuais

complexas e resumir os fatos essenciais; 3) pensar

de modo ‘tático’, para o fim de conceber leis e

instituições jurídicas que produzirão as mudanças

sociais específicas, anteriormente decididas

(raciocínio por indução?). Essa abordagem

profissional pretendia ser uma ‘evolução’ da

‘doutrina legal’, mas produziu apenas uma ilusão

de progresso, por deixar intocadas as questões de

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princípio que existem no direito, estas sim

genuinamente importantes, para Dworkin.

Com efeito, em meados do século XX, a teoria

do direito era ensinada, na Inglaterra, a partir

de manuais como Salmon on Jurisprudence ou Paton

on Jurisprudence. A maior parte desses textos

dedicava-se ao que denominavam teoria analítica do

direito, cuidadosamente separada e distinta da

‘teoria ética do direito’ – que trataria do estudo

do que deve ser o direito.

Por teoria analítica do direito entendia-se a

elaboração cuidadosa do significado de

determinados termos (como ‘infração legal’,

‘posse’, ‘propriedade’, ‘negligência’, ‘lei’),

considerados fundamentais para o Direito, e não

apenas para este ou aquele ramo da doutrina

jurídica. Esses conceitos são problemáticos, pois

os aplicadores do direito os empregam mesmo sem

conhecer ou considerar seu real e exato

significado.

Os manuais ingleses, usados no estudo da

Teoria do Direito, estudavam esses conceitos não

pela elucidação do seu sentido na linguagem comum,

ordinária, mas sim utilizando de métodos

doutrinários convencionais (como a jurisprudência

e as leis escritas) que revelariam seu significado

especificamente jurídico. Assim, estudavam os

votos e pareceres dos juízes e estudiosos e deles

extraíam sínteses das regras e doutrinas jurídicas

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em que esses “conceitos problemáticos”

apareceriam. Contudo, não estabeleciam a relação

dessas regras com os múltiplos juízos não-

jurídicos, conclusões que o leigo tira sobre o que

sejam infrações legais, posse, etc.

Contudo, se refletirmos por que se debate

tanto sobre esses conceitos, veremos que essa

ênfase na análise jurídica dos mesmos não tem

qualquer razão de ser! Com efeito, a preocupação

com o conceito, por exemplo, de infração legal,

não se dá por desconhecimento de como os tribunais

empregam esse termo, ou de quais sejam as regras

que determinam quais são as infrações legais, mas

sim para analisar as leis (criticando-as ou

justificando-as), com base em um conceito não

jurídico de infração penal. O jurista acredita que

é moralmente errado punir alguém por infração que

não deveria existir e, por isso, deseja saber se a

lei ofende esse princípio moral ao considerar, por

exemplo, um empregador responsável por aquilo que

seu empregado faz, ou ao considerar um motorista

negligente responsável (culposamente) pela morte

de um homem que atropelou, embora a lesão causada

tenha sido leve e a vítima só tenha morrido por

ser hemofílica. Embora conheça muito bem esses

fatos da doutrina jurídica, o jurista não sabe ao

certo se esses fatos colidem com o princípio que

os rege. Indaga-se, sem saber ao certo a resposta:

o erro atribuído a um homem, por fato cometido por

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outra pessoa sob sua responsabilidade, é (pode ser

considerado) uma lesão a um direito? E quando o

dano resultante de um ato não era previsível, há a

prática de uma infração? Essas questões dependem

de uma análise do conceito moral de infração, e

não do conceito legal, que o jurista já

compreende. Contudo, a abordagem doutrinária da

teoria do direito sempre se debruçou sobre o

conceito legal, e não sobre o uso moral do

conceito, que sempre foi ignorado pelos manuais

ingleses de teoria do direito.

Nos Estados Unidos, o estudo da teoria do

direito tem antecedentes ainda mais complexos. A

teoria norte-americana do direito dedicou-se, em

grande parte, a um tema que a teoria inglesa

negligenciava: como os tribunais decidem as ações

judiciais difíceis ou controversas? Com efeito, os

tribunais dos Estados Unidos desempenharam um

papel mais amplo que os tribunais ingleses na

reformatação e adaptação do direito do século XIX

às necessidades da industrialização. Por sua vez,

a Constituição dos Estados Unidos transformou em

jurídicos problemas que, na Inglaterra, eram

apenas políticos. Por exemplo, enquanto na

Inglaterra a legislação sobre salários era um

problema político, nos Estados Unidos era também

um tema constitucional. Com isto, o espectro de

atuação dos tribunais era maior, tornando

necessário o estudo das decisões por eles tomadas

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e sua justificação jurídica, se possível. Esse

estudo era ainda mais urgente e necessário quando

os tribunais pareciam estar criando direito novo

e, pior, politicamente controverso, em vez de

simplesmente dizer o direito, aplicar o direito,

conforme exigia a teoria jurídica ortodoxa.

No início do século XX, JOHN GRAY e, depois,

OLIVER WENDELL HOLMES publicaram estudos céticos

sobre o processo judicial, desmascarando a

doutrina ortodoxa, segundo a qual os juízes

deveriam apenas aplicar as regras existentes, sem

criar direitos novos. Essa abordagem cética

cresceu nos anos 20 e 30, transformando-se no

poderoso movimento intelectual chamado realismo

legal, segundo o qual a teoria ortodoxa fracassara

por ter tentado descrever o que os juízes fazem

concentrando-se, apenas, nas regras que eles

MENCIONAM nas suas decisões, o que seria um erro,

pois, na verdade, os juízes tomam suas decisões de

acordo com suas próprias preferências políticas ou

morais e, então, escolhem uma regra jurídica

apropriada como uma racionalização. Os realistas

exigiam uma abordagem ‘científica’ que se fixasse

naquilo que os juízes fazem - e não no que eles

dizem fazer - e no real impacto que suas decisões

têm sobre a comunidade mais ampla.

Assim, a linha principal da teoria do direito

norte-americana seguiu essa exigência de realismo

e evitou a abordagem doutrinária dos textos

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ingleses. Enfatizou, assim, a os fatos (sua

reunião e organização pelos juristas) e as táticas

para a mudança social.

A ênfase nos fatos se transformou no que

Roscoe Pound, de Harvard, chamou de “teoria

sociológica do direito”, entendida como um estudo

criterioso das instituições jurídicas como

processos sociais. Assim, essa teoria entendia o

juiz não como um oráculo de doutrina, mas como um

ser humano que responde a diferentes tipos de

estímulos sociais e pessoais. Embora alguns

juristas, como Jerome Frank e o próprio Pound,

tenham tentado realizar esse estudo dos resultados

dos processos sociais, depararam-se com as

dificuldades de se descrever instituições

complexas de um modo que não seja introspectivo ou

limitado, especialmente por causa da ausência de

material estatístico necessário para tanto. Com

isso, a teoria sociológica do direito se tornou

domínio dos sociólogos.

Já a ênfase nas táticas teve um efeito mais

duradouro nas faculdades de direito, especialmente

em Yale (Myres McDougal e Harold Lasswell) e em

Harvard (Lon L. Fuller, Henry Hart e Albert

Sachs). Todos eles insistiram (cada um a seu modo)

na importância de se considerar o direito como um

instrumento capaz de conduzir a certos objetivos

amplos e tentaram responder, instrumentalmente, a

questões relativas ao processo judicial,

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perguntando quais soluções melhor promoveriam

aqueles objetivos.

Contudo, para Dworkin, tanto a ênfase nos

fatos como a ênfase nas táticas (estratégias)

distorceram a teoria do direito tal qual a

abordagem doutrinária inglesa o fizera, pois

também eliminaram as questões relacionadas com

princípios morais, que formam o núcleo do direito.

Com efeito, percebe-se essa distorção quando

examinamos o problema central que sociólogos e

instrumentalistas debateram: saber se os juízes

sempre seguem regras, mesmo em casos difíceis e

politicamente controversos, ou se, algumas vezes,

eles criam novas regras e as aplicam

retroativamente.

Para Dworkin, essa discussão só se coloca

porque os debatedores não sabem com clareza o que

significa ‘seguir regras’. Nos casos fáceis (por

exemplo, acusar alguém de dirigir em velocidade

maior do que a permitida na via), fica claro que o

juiz está aplicando uma regra preexistente. Mas e

quando a Suprema Corte derruba um precedente e

ordena que as escolas sejam dessegregadas ou

declara ilegais procedimentos que a polícia vinha

adotando há décadas, sempre com a tolerância dos

tribunais? Nesses casos “dramáticos”, a Suprema

Corte costuma fundamentar suas decisões em

princípios de justiça e de políticas públicas, sem

citar leis escritas. Isso significa que a Suprema

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Corte está, ainda assim, seguindo regras, mas de

natureza mais geral e abstrata? Se for assim, de

onde provêm essas regras abstratas e o que as

torna válidas? Isto significa que a Corte está

decidindo o caso de acordo com suas próprias

crenças morais e políticas?

Essas perguntas têm por base a consciência de

que os juízes detêm um grande poder político e da

preocupação em saber se esse poder é justificado.

Mesmo não estando persuadidos de que os juízes que

“criam novas regras” estejam agindo de maneira

imprópria, deseja-se saber até que ponto a

justificativa para o poder dos juízes – que, nos

casos fáceis, assenta no fato de que eles aplicam

normas já estabelecidas – estende-se também aos

casos difíceis. Além disso, deseja-se saber quanta

e que tipo de justificação suplementar é exigida

por esses casos difíceis.

Essa questão da justificação tem ramificações

importantes, pois afeta a extensão da autoridade

judicial e ainda a extensão da obrigação moral e

política do indivíduo de obedecer à lei criada

pelo juiz. Afeta, igualmente, os fundamentos com

base nos quais podemos contestar uma decisão

controversa. Embora seja certo que o juiz deve

seguir os padrões já existentes também nos casos

difíceis, isso não afasta, por exemplo, o

argumento da ‘reserva de consciência’, que vê um

erro jurídico na decisão que considera

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constitucional o serviço militar obrigatório.

Ocorre que, se o juiz só pode criar lei nova nos

casos difíceis/juridicamente controversos, essa

alegação não faria sentido. Assim, é muito

importante definir o conceito de ‘seguir regras’,

até mesmo para efeitos práticos.

Como se nota, a controvérsia se refere a

princípios morais. Com efeito, os teóricos do

direito trabalham com a idéia de que uma decisão

judicial é mais equânime quando ela representa a

aplicação de padrões estabelecidos, em vez da

imposição de novos padrões. Por isso, o que a

teoria do direito deve responder é “o que

significa seguir/aplicar regras” e saber se os

juízes, pelo menos em algum sentido, seguem regras

nos casos inusitados. A teoria do direito deveria

responder a essa preocupação explorando a natureza

da argumentação moral, tentando esclarecer o

princípio de equidade, para ver se a prática

judicial realmente satisfaz esse princípio.

Os juristas não precisam de provas de que os

juízes divergem e que suas decisões, com

freqüência, refletem sua formação e seu

temperamento. Contudo, não sabem se isso significa

que os juízes divergem no tocante à natureza dos

princípios jurídicos fundamentais e ao seu núcleo

ou se, ao contrário, isso demonstra que não

existem tais princípios. Os juristas também não

têm certeza se, em qualquer das alternativas, o

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fato da divergência deve ser lamentado, aceito

como inevitável ou aplaudido como dinâmico