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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE VETERINÁRIA
ESPECIALIZAÇÃO EM ANÁLISES CLÍNICAS VETERINÁRIAS
LIPIDOSE HEPÁTICA FELINA
ALEJANDRA BARRERA GARCÍA
PORTO ALEGRE
2009
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
ESPECIALIZAÇÃO EM ANÁLISES CLÍNICAS VETERINÁRIAS
LIPIDOSE HEPÁTICA FELINA
Autor: Alejandra Barrera García
Monografia apresentada como requisito parcial no curso de Especialização em Análises Clínicas Veterinárias.
Orientadora: Simone Tostes de Oliveira.
PORTO ALEGRE
2009
2
AGRADECIMENTOS
Ao LACVET
À UFRGS
3
RESUMO
A presente monografia foi elaborada a partir de uma revisão bibliográfica sobre a síndrome de
lipidose hepática em felinos. Através desta buscou-se aprofundar e discutir dois casos clínicos
atendidos no Hospital de Clínicas Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, abordando a patogênese, métodos de diagnóstico, tratamento e prevenção desta patologia.
A Lipidose Hepática Felina (LHF) corresponde a um dos transtornos metabólicos mais
comuns nesta espécie, relacionada ao metabolismo de proteínas e lipídeos, também conhecido
como Síndrome do Fígado Gorduroso, sendo caracterizada pelo acúmulo de lipídeos em
excesso dentro dos hepatócitos, o que leva ao mau funcionamento do fígado. É uma doença
que atinge gatos aparentemente saudáveis, de meia idade a idosos, de qualquer raça e sexo,
com história clínica de anorexia, obesidade e estresse. O diagnóstico presuntivo baseia-se no
histórico, exame físico e exames laboratoriais, sendo confirmados através dos achados
histopatológicos ou citológicos obtidos através da biopsia ou aspiração por agulha fina,
respectivamente. O êxito do tratamento está no reconhecimento precoce da doença e no
manejo nutricional adequado, pois o dano hepático pode ser revertido quando o diagnóstico é
feito no estágio inicial da doença.
Palavras chave: fígado, felinos, lipidose, anorexia, estresse, obesidade.
4
ABSTRACT
The present monograph was developed based on a bibliography review on feline hepatic
lipidosis syndrome. It intends to explore and discuss two clinical cases referred to the
Veterinary Hospital of the Federal University of Rio Grande do Sul (Brazil), including
pathogenesis, diagnostic methods, treatment and prevention. The Feline Hepatic Lipidosis
(FHL) corresponds to one of the most common metabolic disorders in this species related to
protein and lipid metabolism. It is also called Fatty Liver Syndrome, and it is characterized by
excess accumulation of lipids within hepatocytes, leading to liver malfunction. This disease
affects apparently healthy cats, from middle to advanced age, from any race or gender, with
clinical history of anorexia, obesity and stress. The presumptive diagnosis is based on history,
physical examination and laboratorial exams, being confirmed through histopathological or
cytological findings obtained through biopsy or fine needle aspiration, respectively. A
successful treatment depends on early recognition of the disease and adequate nutritional
management, since the hepatic damage can be reversed when the disease is diagnosed at an
early stage.
Keywords: liver, feline, lipidosis, anorexia, stress, obesity.
5
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Gato com LHF apresentando ventroflexão de cabeça e pescoço, e ptialismo como consequência de baixas concentrações de potássio................................... 29
6
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 Parâmetros para reposição das necessidades básicas diárias, de perdas já ocorridas e de perdas gastrintestinais relativas ao potássio, quando não se dispõe do valor sérico do potássio....................................................................... 36
7
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 Parâmetros clínicos, clínico-patológicos em gatos com lipidose hepática e colangiohepatite....................................................................................................... 28
TABELA 2 Dietas comerciais disponíveis para uso no tratamento da Lipidose Hepática Felina....................................................................................................................... 39
TABELA 3 Resultado do hemograma de felino, sem raça definida, de quatro anos de idade, com suspeita de lipidose hepática, realizado pelo Laboratório de Análises Clínicas Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.................... 47
8
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABS: ácidos biliares séricos
ABSJ: ácidos biliares séricos em jejum
ABSPP: ácidos biliares séricos pós-prandial
AGNE: ácidos graxos não esterificados
ATP: adenosina trifosfato
FeLV: vírus da leucemia felina
GSH: glutation
LHF: lipidose hepática felina
PAAF: punção aspirativa por agulha fina
PIF: peritonite infeciosa felina
SAMe: S-adenosil-metionina
SC: subcutâneo
TG: triglicerídeos
TP: tempo de protrombina
TTPa: tempo de tromboplastina parcial ativada.
VO: via oral
9
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA............................................................................... 13
2.1 Etiologia.................................................................................................................... 13
2.2 Patogênese................................................................................................................. 14
2.2.1 Mobilização de ácidos graxos do tecido adiposo periférico para o fígado durante
períodos de jejum prolongado.................................................................................... 14
2.2.2 Desequilíbrio entre a síntese e liberação de lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL)..................................................................................................... 17
2.2.3 Deficiências na oxidação de ácidos graxos nos hepatócitos...................................... 19
3 CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS........................................................................ 22
3.1 Histórico.................................................................................................................... 22
3.2 Sinais clínicos........................................................................................................... 23
3.3 Exame Clínico.......................................................................................................... 23
4 DIAGNÓSTICO....................................................................................................... 24
4.1 Avaliação laboratorial............................................................................................. 24
4.1.1 Hemograma ............................................................................................................... 24
4.1.2 Bioquímica sérica...................................................................................................... 25
4.2 Diagnóstico por imagem.......................................................................................... 30
4.2.1 Radiografia abdominal............................................................................................... 30
4.2.2 Ultrassonografia abdominal....................................................................................... 30
5 DIAGNÓSTICO DEFINITIVO............................................................................. 31
6 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL.......................................................................... 33
7 TRATAMENTO...................................................................................................... 34
7.1 Terapia de fluidos.................................................................................................... 34
7.2 Terapia nutricional.................................................................................................. 36
10
7.2.1 Dieta........................................................................................................................... 37
7.2.2 Suplementos dietéticos.............................................................................................. 40
8 PROGNÓSTICO..................................................................................................... 44
9 RELATOS DE CASOS........................................................................................... 45
9.1 Suspeita de lipidose hepática de causa comportamental...................................... 45
9.2 Suspeita de lipidose hepática idiopática................................................................. 46
10 DISCUSSÃO............................................................................................................. 49
11 CONCLUSÕES........................................................................................................ 51
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 52
11
1 INTRODUÇÃO
A lipidose hepática, também conhecida como síndrome do fígado gorduroso ou
esteatose hepática, é uma síndrome muito importante, decorrente de anormalidades no
metabolismo de lipídeos. Tem sido relatada em humanos (GUZZALONI et al., 2000) e
diferentes espécies animais como equinos (JEFFCOT; FIELD, 1985), bovinos (GRUMMER,
1993; BAUNCHART; GRUFFAT; DURAND, 1996), ovinos (SNOOK, 1939), caninos
(STROMBECK; GUILFORD, 1995; RICTHER, 2005), felinos (BIOURGE, 1993), aves
(JAMES et al., 2000) e primatas (BRONSON et al.,1982; LABER-LAIR; JOKINEN;
LEHNER, 1987 apud BIORGUE et al., 1993); contudo, o seu desenvolvimento é mais grave
em vacas leiteiras no inicio da lactação, gatos obesos com anorexia e equídeos de pequeno
porte, como pôneis e asnos anoréxicos.
O primeiro relato de lipidose hepática associada a longos períodos de anorexia em
felinos foi em 1977 por Barsanti et al. (apud BIOURGE, 1993), sendo descrito como uma
importante hepatopatia nesta espécie. Até hoje a causa da doença permanece desconhecida,
mas sabe-se que corresponde a um distúrbio no metabolismo dos lipídeos e proteínas que
apresenta uma ocorrência considerável na clínica de felinos domésticos; animais de meia
idade e idosos são os mais suscetíveis a desenvolver esta síndrome, sendo descrita na América
do Norte como uma importante causa de morte em felinos (DIMSKY; TABOADA, 1995;
CENTER, 2005).
A lipidose hepática felina (LHF) é considerada a patologia hepática mais comum dos
felinos domésticos nos Estados Unidos (NELSON; COUTO, 2006), descrita inicialmente
como uma doença idiopática (PAZAK et al., 1998). Porém estudos recentes indicam que a
maioria dos gatos (>95%) apresenta uma doença sistêmica primária que causa anorexia e
induz ao estado catabólico (BROWN et al., 2000; CENTER, 2005), caracterizado pelo
excessivo acúmulo de lipídeos no interior dos hepatócitos, colestase intra-hepática e perda da
função do órgão (GRIFFIN, 2000b).
Fatores como obesidade, inanição, desequilíbrio entre proteínas e carboidratos,
episódios de estresse forte, e doenças como diabetes mellitus, pancreatite e neoplasias seriam
possíveis causas. Entre as manifestações clínicas encontram-se anorexia, perda de peso
progressiva, debilidade, vômito, icterícia, letargia e transtornos da coagulação. Na maior parte
dos casos de LHF é observado aumento na concentração de ácidos biliares e das enzimas
fosfatase alcalina (FA), alanino amino transferase (ALT), aspartato amino transferase (AST),
12
com mínima ou nenhuma alteração em gama glutamil transferase (GGT) (CENTER et al.,
1993b; RICHTER, 2005).
O diagnóstico definitivo de lipidose hepática é feito através da avaliação citológica
ou histopatológica do fígado (BROWN et al., 2000), onde se confirma a presença de vacúolos
lipídicos no interior dos hepatócitos, que levam a perda da função hepática (WILLARD;
WEEKS; JOHNSON, 1999).
A finalidade do tratamento da LHF é reverter o catabolismo de proteínas e lipídeos,
corrigindo ao mesmo tempo o desequilíbrio eletrolítico. O sucesso da terapia depende da
administração de uma dieta balanceada que corrija o desequilíbrio metabólico ao mesmo
tempo em que se administram medicamentos para tratar a doença primária quando presente
(JOHNSON; SHERDING, 2003; RICHTER, 2005; NELSON; COUTO, 2006). As taxas de
mortalidade nos gatos com lipidose hepática variam entre 10 a 40% quando recebem terapia
nutricional agressiva, no entanto podem alcançar 90% quando não recebem suporte
nutricional adequado (GRIFIM, 2000b).
O objetivo desta monografia foi realizar uma revisão bibliográfica sobre a lipidose
hepática felina, discutindo dois casos clínicos atendidos no Hospital de Clínicas Veterinárias
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Não será dada ênfase às afecções que podem
acontecer simultaneamente, assim como às que podem levar ao desenvolvimento de anorexia
e, por conseguinte, lipidose hepática.
13
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1 Etiologia
Há mais de 30 anos que a lipidose hepática em felinos começou a ser relatada e até
hoje não se conhece o mecanismo exato pelo qual se apresenta esta síndrome. No Brasil tem
sido pouco relatada, pois há informações escassas na literatura consultada do assunto, no
entanto, nos Estados Unidos existem várias publicações relatando sua ocorrência. Citar
autores. (BARSANTI et al, 1997apud BIOURGE, 1993; DIMSKY; TABOADA, 1995;
BROWN et al., 2000; JOHNSON; SHERDING, 2003; CENTER, 2005; RICHTER, 2005;
NELSON; COUTO, 2006).
A lipidose hepática é definida como o acúmulo excessivo de triglicerídeos no fígado,
que ultrapassa 5% do seu peso total (HOYUMPA et al., 1975; PAZAK et al., 1998; BROWN
et al., 2000). Segundo Johnson (2004), a LHF ocorre quando se apresenta um desequilíbrio
entre a taxa de deposição e a de mobilização de lipídeos armazenados na gordura periférica.
Possui duas formas de apresentação, primária ou idiopática quando o felino por motivos
desconhecidos deixa de alimentar-se, e secundária quando a anorexia é consequência de outra
doença (como diabetes melitus, cardiomiopatia, neoplasias, doença neurológica, doença
intestinal ou hepatobiliar, doença renal crônica, pancreatite ou peritonite infecciosa felina
(PIF) que de maneira inevitável induz ao desenvolvimento da lipidose.
Para Richter (2005) as causas de acúmulo de lipídeos tanto em cães como em gatos
podem estar relacionadas como transtornos endócrinos, nutricionais, metabólicos e tóxicos
sendo os mais comuns as doenças intestinais inflamatórias, colangite/coloangiohepatite e
pancreatite.
O quadro clínico inicia quando aproximadamente 50% do fígado está comprometido
(CENTER et al., 1993a; NELSON; COUTO, 2006), e a massa corporal do felino estiver
diminuído pouco mais de 25% (BERRY, 2001; BROWN et al., 2000; CENTER et al., 1993b).
O histórico clínico inclui anorexia, perda de peso progressiva, vômito e letargia como
consequência de episódios de estresse forte, tendo como fator predisponente o sobrepeso.
Anormalidades clínico-patológicas são consistentes com colestase intra-hepática como
hiperbilirrubinemia, aumento na concentração plasmática de ácidos biliares e enzimas
hepáticas (CENTER et al., 1993a).
14
2.2 Patogênese
O mecanismo patológico exato pelo qual felinos desenvolvem LHF ainda não foi
totalmente esclarecido. Muitos pesquisadores acreditam que a doença poderia ter uma
etiologia múltipla (BROWN et al., 2000), onde estariam envolvidos vários processos
bioquímicos anormais que provocariam o acúmulo de lipídeos no interior dos hepatócitos
induzindo a perda da sua função (HALL et al., 1997).
Alguns dos mecanismos propostos incluem distúrbios metabólicos e endócrinos
decorrentes de episódios prolongados de anorexia em pacientes com histórico de obesidade
(BROWN et al., 2000); desequilíbrio entre proteínas e carboidratos (HALL et al., 1997),
deficiência ou resistência à insulina (BIOURGE; MACDONALD; KING, 1990), deficiência
relativa de carnitina (JACOBS et al., 1990), arginina (HALL et al., 1997) e metionina
(CENTER, 2005). Também têm sido sugeridas causas tóxicas decorrentes do aumento de
bactérias anaeróbicas no intestino; como também intoxicação por medicamentos, produtos
químicos e plantas tóxicas (HITT; JONES; CONSTANTINESCU, 1987; HALL et al., 1997).
Alguns dos fatores que poderiam estar envolvidos no acúmulo de lipídeos no interior
dos hepatócitos poderiam estar relacionados ao consumo exagerado e prolongado de
alimentos com alto teor de gordura; ao aumento na mobilização de ácidos graxos até o fígado
após períodos de jejum prolongado; ou alterações na síntese e excreção de lipoproteínas de
muito baixa densidade (VLDL); ou quando a ß-oxidação de ácidos graxos se torna ineficiente,
ou então, quando são utilizados carboidratos para síntese de triglicerídeos (BIOURGE, 1993).
2.2.1 Mobilização de ácidos graxos do tecido adiposo periférico para o fígado durante
períodos de jejum prolongado
O fígado em condições fisiológicas possui não mais do que 5% de gordura do seu
peso total, na forma de triglicerídeos, colesterol, ésteres de colesterol, fosfolipídeos e ácidos
graxos (HALL et al., 1997), o que indica que o depósito de triglicerídeos por si só, não é a
causa do distúrbio. A lipidose hepática se desenvolve quando se produz um desequilíbrio
entre a quantidade de gordura que é mobilizada para o fígado e ou a sua taxa de oxidação
(HOYUMPA et al., 1975), e / ou mobilização.
O aumento da mobilização de lipídeos para o fígado pode ser resultado de fatores
como estresse e anorexia. Em gatos com metabolismo hepático normal as fontes de ácidos
15
graxos livres são a dieta, a lipólise periférica e o metabolismo celular de proteínas e
carboidratos (HITT; JONES; CONSTANTINESCU, 1987 apud HALL et al., 1997). Estes
ácidos graxos livres são metabolizados no retículo endoplasmático liso no interior dos
hepatócitos, para síntese de triglicerídeos, fosfolipídeos, colesterol ou ésteres de colesterol
(BRUSS, 1997; HALL et al., 1997), os quais são ligados à apoproteína B, e logo depois
formam lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL) (YUGUANG et al., 1996).
Quando existe uma secreção insuficiente de insulina, como no caso do jejum
prolongado, a lipase lipoprotéica é incapaz de realizar a hidrólise dos triglicerídeos, fazendo
com que estes retornem para o fígado, o que provoca seu acúmulo. O desenvolvimento da
LHF está precedido de um período de anorexia, que na maioria dos relatos ultrapassa 10 dias.
Este amplo período de inanição faz a secreção de insulina diminuir, o que estimula a atividade
da lipase hormônio-sensível, responsável pela hidrólise de triglicerídeos em ácidos graxos
livres e glicerol (ARMOSTRONG, 1994; GONZÁLEZ; SILVA, 2006). Outros hormônios
que estimulam a função da lipase hormônio-sensível são glucagon, catecolaminas, hormônio
do crescimento, glicocorticóides e tiroxina, no entanto, a insulina a inibe (CENTER, 1994;
HALL et al., 1997; BROWN et al., 2000).
O transporte desses ácidos graxos até o fígado é feito através da albumina, passando
a ser chamados então de ácidos graxos não esterificados (AGNE), para serem utilizados
direitamente como fonte de energia por diversos tecidos durante períodos de jejum
prolongado. Os ácidos graxos mais importantes são os de cadeia longa, especialmente
palmítico, esteárico, oléico, linoléico e linolênico (GONZÁLEZ; SILVA, 2006).
Fisiologicamente, o aumento da concentração plasmática de ácidos graxos leva à
secreção de insulina, o que inibe a liberação de ácidos graxos pela sua ação sobre a lipase
hormônio-sensível. Em gatos obesos se apresenta um desequilíbrio entre a liberação de ácidos
graxos e o acúmulo de triglicerídeos no fígado. Segundo Armstrong (1994) e Brown et al.,
(2000) o descontrole da lipólise periférica em felinos com sobrepeso consiste na ausência
absoluta ou relativa de insulina, acompanhada de alterações no consumo de proteínas e
carboidratos, similar a síndrome de Kwashiorkor em humanos. No entanto, para autores como
Bauer (1988) e Pazak et al., (1998) a causa do distúrbio poderia estar na resistência à insulina,
induzida pela alta liberação de ácidos graxos durante períodos de inanição; assim como
também pelo aumento na liberação de glucagon e o hormônio do crescimento (BIOURGE et
al., 1994).
Uma das implicações de maior relevância na etiologia da LHF é o desequilíbrio
produzido no metabolismo de carboidratos e proteínas, como consequência de jejum
16
prolongado. A anorexia em gatos obesos pode resultar em LHF (BLANCHARD et al., 2004).
Segundo Nelson e Couto (2006), felinos que se alimentam com quantidades de carboidratos
inferiores as requeridas para manutenção, estimulam a mobilização de ácidos graxos para o
fígado para suprir essa falta de energia, os quais são incompletamente oxidados.
Outros eventos que poderiam aumentar o acúmulo de lipídeos no interior dos
hepatócitos seriam o aumento na lipólise periférica e o consumo de alimentos com alto teor de
gorduras, o que excederia a capacidade hepática de ß-oxidação e produção de VLDL, e o
resultado seria o acúmulo de triglicerídeos no interior dos hepatócitos. (DAY, 1994; HALL et
al., 1997). Quando existe lesão dos hepatócitos por agentes hepatotóxicos, a capacidade do
fígado em oxidar e exportar estes ácidos graxos diminui, aumentando a deposição de lipídeos
em seu interior (BROWN et al., 2000).
Após períodos prolongados de anorexia se apresenta um déficit no consumo de
proteínas, o que prejudica a obtenção de aminoácidos essenciais para os felinos (arginina,
taurina, metionina e cisteina) importantes não somente para o correto funcionamento do ciclo
da uréia, como também para a síntese de apoproteínas necessárias para a formação de VLDL,
fazendo com que o fígado seja incapaz de eliminar o excesso de triglicerídeos. (DIMINSKY;
TABOADA, 1995; BROWN et al., 2000). Por outro lado, a deficiência de colina causa o
mesmo problema devido à falta de fosfolipídeos, necessários para a formação de VLDL
(GONZÁLEZ; SILVA, 2006).
Nos últimos anos têm sido realizadas diferentes pesquisas para compreender como é
a resposta fisiológica de gatos obesos frente à rápida perda de peso após períodos prolongados
de estresse e jejum, e os resultados mostram a importância evolutiva do gato como carnívoro
obrigatório (BAUER, 1997; ZORAN, 2002). Segundo Center (2005), gatos adultos precisam
consumir duas a três vezes mais proteína que as espécies onívoras, pois uma das
particularidades do seu metabolismo é a sua reduzida capacidade para conservar nitrogênio.
O metabolismo de proteínas nesta espécie está direcionado a utilização de
aminoácidos para gliconeogênese e eliminação de nitrogênio. Uma pesquisa realizada em
filhotes de gato e cão, por Morris e Rogers (1978), avaliou dois tipos de dieta, uma
suplementada com arginina, e a outra não: o resultado obtido evidenciou a importância desse
aminoácido na espécie felina, e ao mesmo tempo, esta pesquisa revelou que animais com
deficiência de arginina apresentavam uma alta excreção urinária de acido orótico, antes de
apresentar sinais clínicos da LHF. Outra consequência observada em gatos com deficiência de
arginina aminoácido essencial para converter amônia em uréia, é o desenvolvimento de
17
encefalopatia hepática, resultado da alta concentração de amônia sanguínea. (CENTER et
al.,1993a; BROSNAN; BROSNAN, 2007 ).
No jejum prolongado, a depleção de proteína muscular pode resultar em deficiência
de arginina, necessária para a síntese de ornitina e, consequentemente, para a função normal
do ciclo dos ácidos tricarboxílicos. A redução da síntese de ornitina promove o acúmulo de
carbamoil fosfato, que é convertido em ácido orótico, que por sua vez inibe a síntese de
lipoproteínas e promove o acúmulo de triglicerídeos no fígado (BROSNAN; BROSNAN,
2007). Apesar disso, sua significância na patogênese da doença ainda não foi definida (DAY,
1994; RICHTER, 2005).
A alta excreção de ácido orótico na urina tem sido correlacionada com a deficiência
de arginina e alguns outros aminoácidos importantes no ciclo da uréia em animais
(RICHTER, 2005; BROSNAN; BROSNAN, 2007). A quantidade de ácido orótico excretado
na urina de animais em crescimento é inversamente proporcional ao seu consumo, por
exemplo, ratos alimentados com dietas contendo L-aminoácidos, ou altas quantidades de
lisina, apresentaram uma alta excreção de ácido orótico dentro das primeiras 24 horas após a
ingestão (HATCHWELL; MILNER, 1978 apud VISEK, 1985). Dietas deficientes em
arginina administradas a filhotes de ratos, porquinhos da índia, coelhos, hamsters e cães
incrementaram a excreção urinária de ácido orótico, no entanto, em filhotes de gato e porco o
incremento foi mínimo (MILNER; PRIOR; VISEK, 1975, apud VISEK, 1985). Em um
estudo realizado por Bauer (1988), onde foi avaliada a excreção de ácido orótico em gatos
com lipidose hepática, constatou-se que nestes não há aumento da excreção urinária desse
composto, que por si só, não é a causa de LHF. Por conseguinte, é impossível utilizar o ácido
orótico como marcador urinário em exames laboratoriais para avaliar clinicamente a lipidose
hepática em felinos.
2.2.2 Desequilíbrio entre a síntese e liberação de lipoproteínas de muito baixa densidade
(VLDL)
Outra possível causa da lipidose hepática poderia ser o desequilíbrio entre a síntese e
liberação de lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL) (BIORGUE; MACDONALD;
KING, 1990; BIORGUE et al., 1993). O fígado sintetiza VLDL para exportar triglicerídeos
para os tecidos periféricos (GONZÁLEZ; SILVA, 2006), no entanto, durante períodos de
jejum prolongados são liberados ácidos graxos das reservas periféricas para o fígado e outros
18
tecidos. Dependendo do grau de anorexia, uma parte desses ácidos graxos vai ser oxidada
para suprir as necessidades energéticas, enquanto que, outra parte vai ser re-esterificada para
produzir VLDL para exportar lipídios a outros tecidos (CENTER, 1994).
Fisiologicamente o processo da ß-oxidação dos ácidos graxos no fígado, ultrapassa a
sua re-esterificação em triglicerídeos. Nos casos de jejum prolongado se produz um
desequilíbrio entre a ß-oxidação desses ácidos graxos e a sua re-esterificação, promovendo o
acúmulo de lipídeos nos hepatócitos (CENTER, 1994; HALL, 1997; BLANCHARD et al.,
2004; RICHTER, 2005). Segundo Center (1993b), este desequilíbrio na síntese e secreção de
VLDL pode ser devido ao baixo ou nenhum consumo de proteínas associado a longos
períodos de anorexia e baixa secreção de apoproteína B 100.
Num estudo realizado em 25 gatas adultas com sobrepeso submetidas a uma dieta
experimental pouco palatável, mas com quantidades adequadas de nutrientes, foi observado
que estes animais começaram a apresentar sintomatologia clínica da lipidose hepática
(icterícia e letargia) entre seis e sete semanas após o início do experimento, quando tinham
perdido entre 30 e 40% do peso corporal inicial. O diagnóstico foi realizado mediante biopsia
hepática, confirmando a presença de vacúolos lipídicos intra-hepáticos, exames bioquímicos
revelaram altas concentrações de FA e bilirrubina total. Os resultados obtidos neste
experimento reforçam a suspeita de que a perda de peso como resultados de episódios
crônicos de estresse ou inanição em gatos obesos podem induzir o desenvolvimento de
lipidose hepática (BIORGUE et al., 1993). Situação similar também foi reportada num grupo
de macacos com sobrepeso, onde desenvolviam lipidose hepática logo após perda de peso
com baixo consumo de alimento (LABER-LAIRD; JOKINEN; LENHER, 1987 apud
BIORGUE et al., 1993) e em vacas leiteiras de alta produção, que apresentaram excesso de
peso ao parto, com rápida perda de condição corporal nas primeiras semanas do pós-parto,
desenvolvendo lipidose hepática (BAUNCHART; GRUFFAT; DURAND, 1996 ).
Outros estudos sugeriram que os distúrbios no apetite, o qual é regulado de forma
complexa via transmissores do sistema nervoso central, hormônios e citocinas, induzem a
anorexia nos felinos obesos que anteriormente se alimentavam em excesso. Carboidratos na
dieta em quantidades menores que as requeridas para a manutenção estimulam a mobilização
de ácidos graxos que são incompletamente oxidados no fígado, aumentando a deposição
lipídica (NELSON; COUTO, 2006).
Segundo Center (1994) a maioria dos gatos que desenvolvem lipidose hepática têm
histórico de obesidade, associada à anorexia por longos períodos, possivelmente por falhas no
19
equilíbrio endócrino da lipólise periférica (controle da lipase lipoprotéica e hormônio-
sensível), onde a produção de ácidos graxos é maior que a sua ß-oxidação.
2.2.3 Deficiências na oxidação de ácidos graxos nos hepatócitos
A ineficiente oxidação dos ácidos graxos poderia ser um dos fatores desencadeantes
do distúrbio, especialmente em períodos de jejum prolongado onde existe uma alta
mobilização de lipídios até o fígado (CENTER, 1986). As doenças hepáticas no gato são
complexas devido à fisiologia do fígado felino: esta espécie apresenta uma deficiência relativa
da enzima glucoronil transferase o que impossibilita o metabolismo de muitos fármacos; além
da incapacidade para sintetizar arginina, aminoácido essencial que media o ciclo da uréia
(ROGERS; VISEK, 1985; HALL et al., 1997; BROSNAN; BROSNAN, 2007).
Os estudos realizados da análise de aminoácidos do plasma de felinos com lipidose
hepática induzida experimentalmente sugerem que a deficiência de certos aminoácidos
essenciais como arginina e metionina pode ser o aspecto mais crucial no desenvolvimento do
acúmulo lipídico hepático (NELSON; COUTO, 2006).
Durante o período de inanição o consumo de aminoácidos está comprometido e na
deficiência de arginina pode acontecer um desvio do nitrogênio do ciclo da uréia para o das
purinas o que gera uma alta quantidade de radical superóxido, que afetam os peroxisomos
através dos seus radicais livres. Este dano se vê exacerbado pelo aumento na mobilização de
ácidos graxos e sua menor taxa de oxidação pelas mitocôndrias (CENTER, 1993b).
A metionina é essencial para as reações de metilação, além de ser substrato para as
vias de transsulfuração e aminopropilação onde se produz S-adenosilmetionina. Metionina e
cisteína são aminoácidos muito importantes para a síntese de glutation e sulfato nos
hepatócitos (CENTER, 2005).
Deficiência em vitaminas do complexo B também tem sido postulada como possíveis
causas de LHF (RICHTER, 2005). Aparentemente os gatos requerem altas quantidades de
vitaminas do complexo B quando comparados com outras espécies animais. Em processos
mórbidos que cursam com inapetência, má digestão e má absorção os níveis destas vitaminas
diminuem prejudicando a síntese de co-enzimas importantes no metabolismo hepático
(CENTER, 2005). Baixas concentrações de glutation em gatos com LHF são atribuídas à
deficiência de vitamina B12 (CENTER; WARNER; ERB, 2002).
A deficiência de cobalamina está relacionada à síntese reduzida de metionina,
aminoácido necessário não só para síntese de proteínas, mas também fundamental como
20
doador de grupos metila logo após transformar-se em S-adenosilmetionina (SAMe) deste
modo sua deficiência prejudica as reações de transmetilação e transsulfuração, podendo estar
relacionada ao desenvolvimento da LHF (CENTER, 2005).
SAMe participa tanto das reações de transsulfuração quanto das de metilação.
Participa em mais de 100 reações catalisadas por metiltransferasas, como a síntese de
fosfolipídeos, creatina, neurotransmissores, alguns neuroreceptores e reações onde participam
ácidos nucléicos, entre outras. Também é precursor essencial da L-carnitina, que por sua vez é
fundamental para ß-oxidação de ácidos graxos de cadeia longa. No fígado SAMe é a principal
fonte de GSH (glutation) e grupos tiol, portanto, é fundamental para a proteção anti-oxidante
(CENTER, 2004). Assim, uma deficiência no precursor do SAMe (metionina) traz consigo
alterações bioquímicas importantes no desenvolvimento da LHF (CENTER, 2005).
Estudos realizados utilizando microscopia eletrônica em tecido hepático revelam a
redução no número de peroxisomos, complexos de Golgi, retículo endoplasmático,
lisossomos e mitocôndrias. Essas organelas todas são muito importantes no metabolismo e
oxidação dos ácidos graxos. A microscopia eletrônica tem demonstrado que os peroxisomos
podem ser danificados pelo estresse oxidativo, predispondo ao acúmulo de lipídeos nos
hepatócitos (CENTER et al., 1993b).
Segundo Richter (2005) estudos ultra-estruturais em gatos com lipidose hepática
evidenciam o deslocamento das organelas e núcleos dos hepatócitos para a periferia da célula,
o que produz a compressão dos canalículos biliares. Isso contribui para a colestase e retenção
de ácidos biliares. Estas alterações na morfologia das organelas dos hepatócitos podem ser
atribuídas à resposta das células hepáticas frente à lesão oxidativa. Os felinos apresentam uma
suscetibilidade inerente frente ao estresse oxidativo, o que pode ser muito importante na
patogênese da LHF. Uma expressão desta suscetibilidade se deve ao aumento na circulação de
corpúsculos de Heinz quando são expostos a xenobióticos como derivados do fenol e
medicamentos que utilizam como veículo propilenoglicol (CENTER, 2005). Baixas
concentrações de glutation nas mitocôndrias dos hepatócitos são compatíveis com estresse
oxidativo (KOTEISH; DIEHL, 2002).
Jacobs et al. (1990) propuseram outro mecanismo para a patogenia da LHF, o qual
envolve a carnitina, aminoácido essencial sintetizado a partir de metionina e lisina, necessário
para o transporte de ácidos graxos de cadeia longa ao interior da mitocôndria do hepatócito,
onde se realiza a ß-oxidação. Em gatos que apresentam jejum prolongado ou baixo consumo
de proteínas, a síntese de carnitina é limitada. A consequência da deficiência de carnitina traz
como resultado a disfunção da enzima carnitina-aciltransferase e, portanto a inibição da ß-
21
oxidação de ácidos graxos de cadeia longa, o que resulta no acúmulo de triacilglicerol no
interior dos hepatócitos. Este mecanismo foi proposto com base em estudos realizados em
humanos que desenvolveram lipidose hepática por má nutrição, no entanto os resultados da
pesquisa não comprovaram a teoria porque foram encontrados níveis elevados do aminoácido
no plasma, fígado e músculo esquelético de gatos com lipidose hepática. Este resultado
descartou a possibilidade da deficiência de carnitina produzir lipidose hepática, mas
evidenciou a importância deste aminoácido na terapia da LHF (RICHTER, 2005).
22
3 CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS
O fígado tem uma grande capacidade de reserva e um excelente potencial de
regeneração. Os sinais clínicos ocorrem apenas quando uma doença progressiva esgota esta
reserva. Com frequência os sinais clínicos são relativamente moderados e inespecíficos
(JOHNSON, 2004).
3.1 Histórico
A lipidose hepática é uma doença que atinge gatos saudáveis entre os cinco e vinte
anos de idade (CENTER, 2005), não obstante, tem sido reportados casos em animais com
menos de um ano (STROMBECK; GUILFORD, 1995).
Estudos retrospectivos em gatos que desenvolveram a doença demonstraram que o
sexo pode não ter ligação com o desenvolvimento da LHF. O primeiro estudo realizado com
77 gatos concluiu que fêmeas castradas tinham duas vezes mais predisposição a desenvolver
LHF que machos castrados (CENTER et al., 1994); no entanto, outro estudo com 96 gatos,
revelou que o número de animais que desenvolveu a doença era equivalente para ambos os
sexos (CENTER; WARNER, 1998 apud GRIFFIN, 2000a), demonstrando que existem
fatores predisponentes mais importantes que o sexo ou a raça, pois a maioria dos animais
apresentava histórico de obesidade, anorexia, estresse crônico e perda de peso progressiva.
Estudos afirmam que gatos submetidos a episódios de forte estresse desenvolvem
anorexia e perda de peso progressiva, que na maioria dos relatos ultrapassam 10 dias
(CENTER et al., (1993a); CENTER et al., (1993b); STROMBECK; GUILFORD, 1995).
Situações como a chegada de um novo integrante na família, um novo animal, mudança de
casa, ou de ração (CENTER et al., 1994; BLANCHARD et al., 2004), podem ser suficientes
para desenvolver anorexia e dar início ao transtorno metabólico, o qual vai ser clinicamente
evidente quando o animal tiver perdido aproximadamente 30-40% do seu peso corporal
(BIORGE et al., 1993; BROWN et al., 2000; JOHNSON; SHERDING, 2003) apresentando
perda dos depósitos gordura corporal periférica mais do que da cavidade abdominal
(CENTER, 2005).
23
3.2 Sinais clínicos
Os sinais clínicos mais comuns reportados em gatos adultos com histórico de
anorexia são progressivos, iniciam com vômitos, perda de peso, depressão, diarréia, graus
variáveis de desidratação, caquexia, letargia, ptialismo, salivação, porém também tem sido
descrito diarréia e constipação intestinal (BIORGE et al., 1993; CENTER, 1994). Hemorragia
é verificada em 20% dos casos (JOHNSON; SHERDING, 2003)
Segundo Ettinger e Feldman (2004) o fígado é acometido secundariamente com alta
frequência, por fatores tóxicos resultantes de doenças em outros órgãos, principalmente do
trato intestinal. Portanto, os sinais da doença hepática podem ficar ocultos entre os sintomas
de disfunção de outros órgãos e vice-versa. Estas manifestações são comuns entre as doenças
hepatobiliares. Alguns animais ocasionalmente podem desenvolver sintomatologia nervosa
compatível com encefalopatia hepática como depressão severa, olhar fixo, ptialismo,
convulsões e coma.
Estudos retrospectivos indicam que não existe relação entre o vírus da
imunodeficiência felina (FIV), vírus da leucemia felina (FeLV) e o desenvolvimento da LHF
(CENTER et al, 1993a; BIOURGE, 1993; CENTER, 1994, DAY, 1994).
3.3 Exame clínico
No exame clínico observa-se marcada hepatomegalia, icterícia, debilidade muscular,
seborréia e palidez (BIORGUE, 1993; CENTER et al., 1993a; CENTER, 1994; BROWN et
al., 2000; CENTER, 2005). Ventroflexão de cabeça e pescoço é notada em alguns gatos e
pode ser decorrente de fraqueza muscular associada com desequilíbrio eletrolítico
(hipocalemia, hipofosfatemia) ou deficiência de tiamina (JOHNSON; SHERDING, 2003;
CENTER, 2005).
24
4 DIAGNÓSTICO
O diagnóstico provisório de LHF deve-se basear na anamnese, exame físico,
alterações clínico-patológicas, radiografia e ultrasom abdominal. O diagnóstico definitivo é
feito de preferência por biopsia hepática, porém, a citologia (aspirado por agulha fina),
também pode ser empregada (CENTER et al., 1993a).
4.1 Avaliação laboratorial
4.1.1 Hemograma
O hemograma em gatos com lipidose hepática revela anemia normocítica
normocrômica de grau médio a moderado (DAY, 1994), e leucocitose (STROMBECK;
GUILFORD, 1995). Para Center et al. (1993a), a anemia pode ser consequência de uma
doença primária ou de hemorragias do trato gastrointestinal; a poiquilocitose é um achado
comum em pacientes com LHF, mas a causa ainda não foi descoberta. Tem sido sugerida a
possibilidade de alterações na camada lipídica dos eritrócitos, o que levaria a mudanças na sua
conformação ou até a perda da sua integridade (CENTER et al., 1993b).
A hemólise pode ser resultado de hipofosfatemia ou pela presença de corpúsculos de
Heinz (BIRCHARD e SHERDING, 1998). A presença destes reduz a deformabilidade do
eritrócito, tornando-o mais suscetível à hemólise intra e extra-vascular. Os distúrbios mais
associados ao aumento na quantidade de corpúsculos de Heinz em gatos incluem diabetes
mellitus, hipertireoidismo, linfoma, pancreatite e LHF (CENTER, 2005; TRHALL, 2007).
Segundo Center (2005), o aparecimento de corpúsculos de Heinz pode ocorrer em algumas
horas e leva a anemia sintomática e morte após exposição a fármacos, anestésicos ou
substâncias químicas que causam lesão oxidativa, como benzocaina, cobre, propofol,
fenazopiridina, fenotiazina, vitamina K, azul de metileno e propilenoglicol, entre outros. O
dano oxidativo que estas substâncias provocam pode alterar o citoesqueleto das hemácias,
resultando em excentrócitos sem formação de corpúsculos de Heinz
Alguns pesquisadores descrevem a ocorrência de leucograma de estresse; no entanto,
outros relatam leucocitose neutrofílica ou leucograma inflamatório (DIMINSKY, 1993; DAY,
1994; STROMBECK; GUILFORD, 1995; THRALL, 2007) ou sem alterações (CENTER,
1993b; CENTER, 1994).
25
4.1.2 Bioquímica sérica
Geralmente são observados aumentos na concentração de ácidos biliares e das
enzimas fosfatase alcalina (FA), alanino aminotransferase (ALT), aspartato aminotransferase
(AST), com mínima ou nenhuma alteração em gama-glutamiltransferase (GGT) (JOHNSON;
SHERDING, 1998; CENTER et al., 1993a; SHERDING, 2000, CENTER, 2005).
Num estudo retrospectivo onde foram avaliadas as características clínico-patológicas
da LHF em 77 gatos foi observada: hiperbilirrubinemia e incremento na atividade de ALT,
AST e FA, com valores de GGT normais ou ligeiramente elevados (CENTER et al., 1993a).
Este é um achado incomum em gatos com colestase grave, pois tem sido demonstrado que
GGT possui maior sensibilidade que FA como indicador de processos colestásicos nesta
espécie (JOHNSON; SHERDING, 1998; FORRESTER; ROGERS; WILLARD, 1990, AKOL
et al., 1993; CENTER et al., 1993a; CENTER et al., 1993b; RITCHER, 2005).
Para Center (1994) a atividade sérica discretamente aumentada ou normal da GGT,
associada com elevação moderada a grave da FA, são características da LHF e podem ser
utilizadas para predizer este distúrbio, particularmente em gatos com icterícia. Segundo
Ritcher (2005) a LHF é a doença hepatobiliar mais comum no gato, apresentando uma
hiperatividade da FA que ultrapassa a GGT, o que a diferencia de qualquer outro transtorno
hepatobiliar. A meia vida da FA no gato é muito curta (6 horas), e os níveis de FA se
apresentam elevados apenas em doenças hepatobiliares graves.
A determinação de ácidos biliares séricos (ABS) em jejum (ABSJ de no mínimo 12
horas) e pós-prandial (ABSPP duas horas após o fornecimento do alimento), para detectar a
presença de colestase antes que se apresente hiperbilirrubinemia, pode justificar a realização
de biopsia hepática numa etapa precoce da LHF (CENTER et al., 1993a; CENTER et al.,
1993b; CENTER, 1994; GRIFFIN, 2000; JOHNSON; SHERDING, 2003;).
No animal normal, os ácidos biliares “primários” (cólico, quenodexocólico) são
sintetizados apenas no fígado, onde são conjugados com vários aminoácidos (primeiramente a
taurina) antes de serem secretados no sistema biliar e armazenados na vesícula biliar durante o
jejum. Com a ingestão de alimento, a liberação de colecistocinina estimula a contração da
vesícula biliar e a entrada de ácidos biliares no trato intestinal. Os ácidos biliares são
eficientemente reabsorvidos no íleo distal e transportados de volta ao fígado pela circulação
portal, completando a circulação enterohepática. Uma pequena percentagem de ácidos biliares
primários que escapa da reabsorção é convertida em ácidos biliares “secundários”
(deoxicólico, litocólico), pela flora intestinal, alguns dos quais também são reabsorvidos. No
26
animal saudável, o fígado remove de 90 a 95 % dos ácidos biliares da circulação portal
durante a primeira passagem da circulação enterohepática. Isso permite que uma pequena
quantidade de ácidos biliares alcance a circulação sistêmica (<5µmol/L). Portanto, a
concentração sérica normal é baixa (jejum: <15µmol/L; pós-prandial: <25µmol/L). A
disfunção hepatocelular ou colestase interferem na absorção, armazenamento e secreção de
ácidos biliares no fígado. Desse modo, o prejuízo à remoção dos ácidos biliares da circulação
portal resulta em aumento da concentração sérica dos ácidos biliares. A concentração de
ABSJ, após restrição alimentar de 12 horas, é um indicador sensível é específico da função
hepatobiliar de cães e gatos. Os valores de ABSJ normais, nestes animais, são <20µmol/L.
Quando a concentração de ABSJ excede a 30µmol/L, pode ser necessária biópsia de fígado
para investigar a doença hepática primária. Em gatos a determinação da concentração de
ácidos biliares séricos pós-prandiais (ABSPP) tem uma eficácia diagnóstica maior do que
ABSJ em todas as doenças hepáticas. Para uma melhor utilidade diagnóstica é recomendável
o uso simultâneo de ABSJ e ABSPP de 2 horas. A concentração normal de ABSPP é de
<25µmol/L e atinge o valor máximo duas horas após a refeição. Indica-se biópsia hepática
quando essa concentração é >30µmol/L (JOHNSON; SHERDING, 2003; NELSON;
COUTO, 2006).
A concentração de bilirrubina total de modo geral encontra-se aumentada e reflete o
grau de colestase intra-hepática (RICHTER, 2005).
A concentração de colesterol na LHF pode apresentar-se normal ou ligeiramente
elevada (CENTER, 1994; BROWN et al., 2000).
Em um estudo realizado por Brown et al. (2000) foram comparados perfis hormonais
e lipídicos em gatos normais, com LHF e com outras doenças hepáticas. Foram avaliados:
triglicerídeos, colesterol, fosfolipídeos e AGNE. Também foram avaliados hormônios
responsáveis pela lipólise e reguladores da lipase hormônio-sensível: glucagon, insulina,
cortisol e tiroxina. Este estudo demonstrou fortes diferenças entre LHF e colangiohepatite: os
gatos com LHF apresentam altas concentrações de AGNE e triglicerídeos, enquanto que
colesterol e fosfolipídeos apresentaram mínimos aumentos. Os AGNE são produzidos pela
lipólise e transportados ao fígado em condições de jejum prolongado, para produzir energia
sendo transformados em fosfolipídeos ou colesterol ou então são re-esterificados a
triglicerídeos. Este processo é facilitado pela baixa concentração de insulina e alta atividade
do glucagon, que estimulam a lipase hormônio-sensível. A concentração de insulina nos
grupos da LHF e colangiohepatite foi baixa quando comparada com o grupo controle, no
entanto, o grupo de LHF não teve diferença na concentração de glucagon frente ao grupo
27
controle, mas o grupo da colangiohepatite apresentou altas concentrações quando comparado
com o grupo controle. Na tabela 2, Brown et al., (2000) detalham os parâmetros clínicos e
patológicos associados à síndrome da LHF, colangiohepatite e gatos controles, num trabalho
realizado com 33 gatos.
Segundo Center et al. (1993a) na LHF podem ser encontrados valores normais para
proteínas totais, globulinas, e creatinina, mas com valores normais ou baixos de albumina e
uréia. Também é possível achar gatos euglicêmicos ou hiperglicêmicos, associado ao estresse
ou a diabetes mellitus.
Transtornos da coagulação têm sido reportados em 45% de gatos com LHF, apesar
de não ter manifestações clínicas de coagulopatias. Aumento no tempo de protrombina e
baixa concentração de fibrinogênio são as anormalidades mais comuns (CENTER et al.,
1993a; CENTER, 1994). A insuficiência hepática associada à deficiência de vitamina K
produzida pelo tratamento prolongado com antibacterianos pode ser responsável pela
ineficiente produção de fatores da coagulação (CENTER, 1994).
Para Griffin (2000b), todos os gatos com LHF deveriam ser avaliados para
coagulopatias, mediante a contagem total de plaquetas, TP, TTPa, fibrinogênio, e produtos da
degradação da fibrina.
28
Tabela 1 Parâmetros clínicos e clínico-patológicos em gatos com lipidose hepática e colangiohepatite.
Lipidose Hepática
(n=18)
Colangiohepatite
(n=5)
Grupo controle
(n=10)
Parâmetro Média Intervalo Média Intervalo Média Intervalo
Idade (anos) 5 (3-16) 14 (11-17) NA NA
Dias de anorexia 14 (4-75) 10 (4-56) NA NA
Albumina (g/dL) 3,25 (2,4-4,2) 3,5 (2,8-3,8) 3,65 (3,2-4,0)
BUN (mg/dL) 18,10 (8,8-3,2) 22,65 (18,9-33,9) 28,45 (22-35,8)
BT (mg/dL) 3,85 (0,3-20) 11,85 (11,1-18,1) 0,55 (0,1-0,6)
FA (U/L) 518,15 (26-1191) 294,5 (278-376) 38,5 (24-63)
ALT (U/L) 316 (90-812) 755 (443-787) 56,5 (43-81)
Insulina (pmol/L) 25,5 (2,9-378) 17 (10-180) 65 (23-147)
Glucagon (pg/mL) 82 (26-1252) 156 (54-227) 45,5 (20-65)
Cortisol (nmol/L) 67,5 (3-499) 69 (50-177) 73 (30-224)
T4 (nmol/L) 5,5 (1-19) 9 (5-180) 15 (6-19)
Colesterol (mg/dL) 124,5 (55-201) 259 (88-334) 117,5 (76-253)
TG (mg/dL) 115,5 (27-754) 99 (82-149) 32 (17-46)
NEFA (mmol/L) 1,69 (0,80-3,03) 0,99 (0,72-1,62) 0,50 (0,26-073)
NA: Não aplicável ou não avaliável; BUN: uréia nitrogenada sanguínea; BT: bilirrubina total; FA: fosfatase alcalina sérica; ALT: Alanina aminotransferase; TG: triglicerídeos; NEFA: ácidos graxos não esterificados. FONTE: BROWN et al., 2000.
29
Hipocalemia tem sido relatada em 30% dos gatos com LHF associada com
debilidade, letargia e ventroflexão da cabeça e colo. Contudo os mecanismos pelos quais se
apresenta não têm sido esclarecidos (CENTER et al., 1993a, CENTER, 1994; GRIFFIM,
2000b; RITCHER, 2005). Outras anormalidades eletrolíticas (hipofosfatemia,
hipomagnesemia) são causas importantes de mortalidade na LHF. Hipocalemia e
hipofosfatemia aumentam o risco de hemólise, fraqueza, atonia entérica e vômito (CENTER,
2005). Hipofosfatemia induz hemólise, embora o mecanismo exato ainda não tenha sido
descoberto. Segundo Adams et al (1993), a hemólise pode ocorrer secundária à redução de
ATP, necessário para manter a integridade da membrana celular dos eritrócitos, assim quando
a concentração de fosfato diminui altera a conformação lipídica da membrana celular das
hemácias, o que origina a hemólise.
Figura 1. Gato com LHF apresentando ventro-flexão de cabeça e pescoço, e ptialismo como
consequência de baixas concentrações eletrolíticas.
CENTER, 2005.
30
4.2 Diagnóstico por imagem
4.2.1 Radiografia abdominal
Poucas vezes oferece informações importantes que não possam ser obtidas por
palpação abdominal (CENTER, 1994). Em geral a radiografia abdominal revela
hepatomegalia podendo indicar a presença de alguma doença primária (GRIFFIN, 2000a;
CENTER, 2005).
4.2.2 Ultra-sonografia abdominal
A ultra-sonografia é uma ferramenta importante no diagnóstico de LHF, sendo
fundamental também no diagnóstico diferencial e prognóstico da doença (CENTER, 1994).
Através desta técnica pode-se diferenciar a LHF da obstrução de vias biliares extra-hepáticas,
colangite, colangiohepatite, neoplasias metastásicas e pancreatite aguda (CENTER, 1994;
GRIFFIN, 2000).
As características ultra-sonográficas da LHF incluem hepatomegalia e
hiperecogenicidade homogênea difusa. Para Center (1994), a ecogenicidade do fígado na LHF
é comparável com o córtex do rim e baço. Para alguns autores está técnica possui alta
sensibilidade e especificidade no diagnóstico da LHF, devido ao padrão hiperecóico difuso
que apresenta (CENTER et al., 1993b; CENTER, 1994). Não entanto, estudos demonstram
que esse padrão também é observado em gatos obesos clinicamente normais (NICOLL;
O´BRIEN; JACKSON, 1998); como também em casos de linfossarcoma e cirrose hepática
(NEWELL; SELCER; CORNELIUS, 1994 apud GRIFFIN, 2000a; NEWEL et al, 1996).
A avaliação em conjunto desta técnica junto a achados laboratoriais, como marcado
aumento da FA, e ligeira ou nenhuma modificação na GGT, em um paciente ictérico, indicam
a necessidade de confirmar o diagnóstico da LHF através de um aspirado por agulha fina ou
biopsia hepática. Esta última pode ser guiada por ultra-sonografia administrando vitamina K1
em forma profilática pelo menos 12 horas antes do procedimento (CENTER, 1994; GRIFFIN,
2000a; CENTER, 2005).
31
5. DIAGNÓSTICO DEFINITIVO
Os achados clínicos e laboratoriais em gatos com LHF indicam alterações hepáticas
porém o diagnóstico definitivo requer avaliação citológica ou histológica de uma amostra do
fígado (CENTER, 1994; WILLAR; WEEKS; JOHNSON, 1999; GRIFFIN, 2000a; NELSON;
COUTO, 2006) para distinguir de outras doenças como colangite, PIF e neoplasias
(JOHNSON; SHERDING, 2003).
A avaliação citológica do tecido hepático pode ser realizada através da punção
aspirativa por agulha fina (PAAF), método minimamente invasivo, geralmente, não requer
sedação ou anestesia do paciente, mas demanda habilidade e conhecimento da técnica, porém,
pode ser difícil atingir lesões hepáticas focais (CENTER, 1994; WILLAR; WEEKS;
JOHNSON, 1999). Requer uma seringa de 10 mL e uma agulha calibre 22, lâminas e álcool.
A inserção da agulha deve ser feita entre o oitavo ou nono espaço intercostal, perto da junção
costocondral, com o paciente em estação ou decúbito ventral, devendo coletar amostras de
cada lado do animal (DIMINSKY; TABOADA, 1995).
Um aspecto importante, quando são feitas amostras para citologia, é a observação de
hepatócitos, porque resultados falsamente positivos podem ser obtidos quando se aspira
gordura falciforme ou do tecido subcutâneo, gerando erros no diagnóstico (CENTER, 2005).
Frequentemente a caracterização definitiva, natureza e gravidade da hepatopatia
requerem avaliação histológica do tecido hepático por meio de biopsia. Está técnica requer
sedação profunda ou anestesia de curta duração, avaliação laboratorial previa dos testes da
coagulação e tratamento preventivo com vitamina K1 (1mg/Kg 12 horas antes do
procedimento) (GRIFFIM, 2000a; CENTER, 2005). Entre as técnicas para obter o tecido
hepático encontram-se a laparotomia exploratória (método aberto), e a biopsia com agulha
guiada por ultra-som (método fechado) que permite obter amostras das lesões focais
(independentemente de ser superficial ou profunda no parênquima hepático). A escolha
depende principalmente do estado clínico do paciente e da habilidade do cirurgião (CENTER,
1994; GRIFFIM, 2000a; CENTER, 2005).
A amostra hepática obtida dever ser fixada em formol tamponado a 10%. Em gatos
com LHF, o estudo histopatológico mostra hepatócitos com vacúolos intracitoplasmáticos
com deslocamento do núcleo para a periferia, dispostos de forma difusa por toda a amostra,
apresentando tanto micro como macro-vesículas, vistos como vacúolos vazios, devido ao
corante de hematoxilina eosina (JACOBS et al., 1986; CENTER, 1994; DAY, 1994;
WILLAR; WEEKS; JOHNSON, 1999). Para evidenciar a presença de gordura, devem ser
32
utilizados corantes específicos, como Sudan IV, Oil Red-O ou Sudan III, que coram os
vacúolos em tonalidades avermelhadas, e o Sudam Black, que cora os lipídeos de preto
(GRIFIM, 2000a).
Para Center (2005), a obtenção de amostras do tecido hepático por biopsia deixa de
ser importante quando o exame por ultra-sonografia, o histórico, a patologia clínica e uma
amostras citológicas obtidas por PAAF, revelam características de LHF. A realização de
biopsia é contra-indicada tanto em pacientes gravemente debilitados quanto em pacientes em
estádios iniciais da doença, devido ao alto risco de morte como resultado da incapacidade para
metabolizar agentes anestésicos, anormalidades eletrolíticas, e tendência a hemorragias.
33
6 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
O diagnóstico diferencial da LHF deve ser feito, principalmente, entre as doenças
que cursam com colestase como obstrução do ducto biliar extra-hepático, síndrome de
colangiohepatite, cirrose biliar, necrose hepática, anomalias venosas portossistêmicas e
diabetes mellitus. Doenças como a hepatopatia tóxica aguda, hiperadrenocorticismo, PIF,
hipertiroidismo, FeLV, toxoplasmose, septicemia e infecção por Platynosomum cancinnum,
apresentam importância secundária (DAY, 1994).
Estas doenças todas apresentam sinais clínicos e laboratoriais pouco específicos, o
que dificulta o diagnóstico. É indispensável o uso da ultra-sonografia, PAAF, exames
laboratórias e biopsia hepática para realizar o diagnóstico diferencial, com o objetivo de
melhorar a conduta terapêutica (DAY, 1994; CENTER, 2005).
34
7 TRATAMENTO
A LHF é uma síndrome de difícil tratamento (STROMBECK; GUILFORD, 1995). O
objetivo do tratamento está baseado na reversão das alterações metabólicas que induziram a
mobilização de ácidos graxos livres durante a inanição (RICHTER, 2005) e na reversão do
quadro de disfunção hepática (BIORGUE, 1994; GRIFFIM, 2000b).
Segundo Center (2005), o sucesso do tratamento baseia-se na administração de
fluidos, eletrólitos e apoio nutricional agressivo. As recomendações terapêuticas incluem a
suplementação com arginina, taurina, L-carnitina, vitaminas hidrossolúveis (tiamina),
cobalamina, vitaminas lipossolúveis, suplementação com antioxidantes do tipo Thiol (SAMe)
e ácido ursodeoxicolico, e zinco.
Quando é possível identificar a causa primária da anorexia, esta deve ser revertida.
As causas incluem fatores estressantes como mudanças no tipo de alimento. Se forem
reconhecidas afecções associadas (colangiohepatite, doença intestinal inflamatória ou
pancreatite), estas devem ser tratadas (RICHTER, 2005).
7.1 Terapia de fluidos
Fluidos cristalóides são empregados para corrigir em primeira instância a
desidratação, além de fornecer os requerimentos necessários para manutenção diária e perdas
contínuas associadas a vômito (CENTER, 2005). A correção da desidratação é essencial para
evitar a azotemia pré-renal que pode se desenvolver ou mesmo agravar o quadro de
hiperamonemia (CENTER, 1994).
Soluções Ringer com lactato devem ser evitadas, devido a suspeita que se tem sobre
as alterações que acontecem no metabolismo do lactato em pacientes com LHF (BIRCHAR;
SHERDING, 2003; CENTER, 2005), esta suposição baseia-se no aumento do ácido láctico na
urina de gatos com LHF (CENTER, 1994; CENTER, 2005).
A suplementação com dextrose também é contra-indicada, a menos que seja
detectada hipoglicemia, porque aumenta o acúmulo de TG no fígado, ao desregular a ß-
oxidação de ácidos graxos, agravando a intolerância à insulina, provocando diurese osmótica,
o que complicaria ainda mais a depleção eletrolítica, especialmente do potássio (JOHNSON;
SHERDING, 2003; CENTER, 2005).
35
Hipocalemia é a anormalidade de maior importância associada com morte em gatos
com LHF (CENTER, 1993a; GRIFFIN, 2000b). Os sinais clínicos de hipocalemia incluem
poliúria/polidipsia, depressão do sistema nervoso central, fraqueza muscular generalizada,
letargia, cãimbras, constipação, retenção de urina, inabilidade de concentrar urina, paralisia de
íleo e leve hiperglicemia (devido à diminuição da secreção de insulina), ventro-flexão de
cabeça e pescoço, paralisia dos músculos respiratórios e morte (MONTIANI-FERREIRA;
PACHALY, 2000).
Segundo Center (1994), a suplementação com cloreto de potássio deve ser calculada
com base na concentração de eletrólitos no soro. O ritmo de suplementação para manutenção
comumente empregada é de 5 mEq/250 mL de fluido, quando a sua concentração no soro não
pode ser acompanhada em forma repetida. É importante evitar um ritmo de suplementação de
potássio maior que 30 mEq/L de fluido/hora, ou 0,5 mEq/kg/hora, devido aos efeitos
cardiotóxicos que possui (MONTIANI-FERREIRA; PACHALY, 2000). Caso a hipocalemia
persista após 48 horas de suplementação com potássio, é importante dosar a concentração de
magnésio, para verificar se a hipomagnesemia é a causa da hipocalemia refratária, a qual não
vai ser corrigida até repor o déficit de magnésio (JOHNSON; SHERDING, 2003; GRIFFIN,
2000b). Caso não se disponha de meios para aferir a concentração sérica de potássio, deve-se
empregar o método de reposição de potássio proposto por Montiani-Ferreira e Pachaly (2000),
no quadro 1.
O mecanismo pelo qual se apresenta hipofosfatemia em pacientes com LHF pode ser
consequência da anorexia, da escassa absorção intestinal, grandes perdas renais, ou das trocas
do fosfato entre os compartimentos extracelular e intracelular (GRIFFIN, 2000b).
O fósforo é basicamente um íon intracelular. Possui grande valor na produção de
energia, pois é um co-fator para que ocorra a glicólise, sendo essencial para os sistemas
enzimáticos que envolvem ATP. É ainda responsável pela manutenção da integridade das
membranas, pois é um componente da membrana fosfolípidica, necessário para a formação do
2,3-difosfoglicerato (2,3-DPG) (MONTIANI-FERREIRA; PACHALY, 2000). Por
conseguinte, sua deficiência pode provocar uma insuficiência orgânica generalizada,
prejudicando a obtenção de energia e obtenção de oxigênio das células (CENTER, 2005).
Sinais clínicos de hipofosfatemia incluem debilidade muscular (miopatia ou rabdomiólise) e
anemia hemolítica (como consequência da redução do ATP dos eritrócitos que leva a
fragilidade da membrana celular, disfunção e hemólise). A deficiência de 2,3-DPG diminui a
oxigenação dos tecidos, levando a falha respiratória aguda e morte (GRIFFIN, 2000b;
36
CENTER, 2005). Outros efeitos da hipofosfatemia estão relacionados à atonia gástrica e
tendência a hemorragias como resultado da disfunção plaquetária (CENTER, 2005).
QUADRO 1 Parâmetros para reposição das necessidades básicas diárias, de perdas já
ocorridas e de perdas gastrintestinais relativas ao potássio, quando não se
dispõe do valor sérico do potássio
Parâmetros de cálculo Quantidade de potássio
A. Desidratação 1m Eq/100 mL de solução (A)
B. Necessidades diárias 0,5 mEq/kg/dia (B)
C. Perdas gastrintestinais continuadas (vômito, diarréia) 1mEq/100 mL de solução
A quantidade de potássio (mEq) a ser administrada em 24 horas equivale à somatória A+B+C.
Quando as soluções de Ringer e Ringer com lactato de sódio forem utilizadas, deve-se subtrair
a quantidade de potássio em (mEq/mL) contido nas mesmas da necessidade total de potássio,
calculada para cada 24 horas.
Este cálculo só deve ser empregado se o déficit de potássio não pode ser objetivamente
calculado. Se o paciente estiver recebendo soluções de manutenção, que são ricas em potássio,
não há necessidade de adicioná-lo seguindo estes parâmetros de cálculo.
Fonte: MONTIANI-FERREIRA; PACHALY (2000).
37
7.2 Terapia nutricional
O assunto de maior importância no tratamento e prevenção da LHF é a nutrição
(CENTER, 2005). Quando a causa da LHF é conhecida, a terapia é direcionada ao seu
tratamento, junto a suporte nutricional agressivo. O fator mais importante relacionado à
terapia nutricional é garantir que o gato receba calorias suficientes (CENTER, 1994). Devem
ser fornecidos entre 60-80 kcal/kg de peso corporal/dia (aproximadamente 250 até 300
kcal/dia para gatos entre 4 e 5 kg) (STROMBECK; GUILFORD, 1995; GRIFFIM, 2000b;
CENTER, 2005), com auxilio de um tubo nasogástrico, esofagostomia ou gastrotomia. Um
tubo de gastrotomia colocado com auxílio de endoscópio é preferível, pois na maioria dos
casos, há necessidade de tratamento por longo tempo (pelo menos 3 a 6 semanas)
(STROMBECK; GUILFORD, 1995; JOHNSON; SHERDING, 2003; RICHTER, 2005).
Durante as primeiras 72 horas do tratamento, os gatos devem ser monitorados de perto, visto
que nesse período se apresentam as mais severas complicações (GRIFFIM, 2000b).
O tubo de alimentação deve ser aspirado antes de cada refeição, para assegurar-se do
esvaziamento gástrico e lavado com uma pequena quantidade de água após a alimentação,
para manter o tubo patente (NELSON; COUTO, 2006).
7.2.1 Dieta
É importante, na hora de escolher a dieta, não esquecer o fato de o gato ser carnívoro
estrito, portanto, precisa consumir dietas com alto teor de proteína e baixo conteúdo de
carboidratos, e que seu metabolismo encontra-se totalmente adaptado para utilizar proteína e
gordura como fonte principal de energia (ZORAN, 2002).
Segundo Nelson e Couto (2006) o cálculo para determinar a quantidade total de
calorias a ser administradas para um gato com LHF, é determinado empregando a seguinte
fórmula:
Necessidade energética de manutenção em calorias = 1,4 [30 (peso corporal em kg) + 70].
O esquema proposto pelos autores inicia com o fornecimento de um terço da
necessidade diária, dividido em três a quatro refeições para o primeiro dia; no segundo dia, a
quantidade de cada refeição é aumentada até que dois terços da necessidade diária sejam
fornecidos. A necessidade total é administrada no terceiro dia (necessidade diária total
dividida em três ou quatro refeições) e pode ser mantida assim por cinco a sete dias. Quando a
38
condição do paciente tiver se estabilizado, pode ser instituído um sistema de alimentação mais
permanente, como as técnicas de colocação de tubo por esofagostomia cervical média ou
gastrotomia com assistência de um endoscópio que são preferidas à colocação de tubo por
faringostomia. Procedimentos cirúrgicos realizados com o felino sob anestesia geral,
tomando-se cuidado para executar o ato cirúrgico no menor tempo possível.
A dieta ideal para o tratamento da LHF não existe (GRIFFIM, 2000b; CENTER,
2005). Vários suplementos, inclusive vitaminas, são empiricamente recomendados
(JOHNSON; SHERDING, 2003). Os melhores resultados clínicos têm sido obtidos através do
fornecimento de dietas com alto teor de proteína, e adequadas concentrações de nutrientes e
calorias, sugerindo que o consumo de proteína reduz o acúmulo de lipídeos nos hepatócitos, e
ajuda a manter em equilíbrio o metabolismo do nitrogênio em pacientes com LHF (GRIFFIM,
2000b). Porém, quando existe risco de encefalopatia hepática ou hiperamonemia, o teor de
proteína deve ser inferior (GRIFFIM, 2000b; ZORAM, 2002; RICHTER, 2005; NELSON;
COUTO, 2006). Na tabela 2, são descritos alguns dos produtos comerciais utilizados no
tratamento da LHF.
Outro fator importante com respeito ao manejo nutricional é a dedicação tanto do
proprietário quanto do clínico, visando um resultado positivo. O programa de alimentação
deve garantir uma ingestão adequada de nutrientes e calorias, oferecendo-se pequenas e
múltiplas refeições, entre quatro a seis vezes por dia, com o objetivo de melhorar a digestão e
absorção com mínimo estresse (JACOBS et al., 1989; CENTER, 1994).
A ingestão calórica total para pacientes com LHF não foi determinada, mesmo assim,
os valores citados encontram-se na faixa de 60 kcal/kg (251 kJ/kg) de peso corporal por dia
(CENTER, 1994; RITCHER, 2005). Para Center (1994) deve-se aumentar a ingestão calórica
além dos requerimentos basais, devido ao efeito tanto do estresse quanto da própria doença.
39
Tabela 2. Dietas comerciais disponíveis para uso no tratamento da Lipidose Hepática Felina.
Fabricante Para gatos sem sinais clínicos de encefalopatia hepática
Para gatos com encefalopatia hepática
Royal Canin
Recoverya - Dieta úmida especializada para gatos e cães.
Recoverya - Dieta úmida especializada para gatos e cães.
Hill´s Pet Nutrition
(Kolynos do Brasil, São Paulo, SP)
Prescription Diet Feline p/d. b,c
Prescription Diet Canine/Feline a/dTM b,d
Prescription Diet
Feline l/d TM b, e
The IAMS Company
(Iam’s do Brasil, São Paulo, SP)
Maximun-CalorieTM/Feline a,f. Nenhum.
Ralston Purina Company
(Nestlé, São Paulo, Sp)
CNM CV-Formula b,c CNM CV-Formula. b,c
Waltham (Éffem Mars, Eldorado do Sul, RS)
Waltham Veterinary Diet
Feline Selected Protein b,,c,g.
Waltham Veterinary Diet
Feline Low Protein b,c..
a Uso recomendado com tubos nasoesofágico e de jejunostomia.
b Uso recomendado com tubos para esofagostomia e gastrotomia
c Recomendável misturar com água (liquidificar)
d Pode ser administrada sem diluir, utilizando uma sonda 18 french
e Pode ser administrada sem diluir, utilizando uma sonda 20 french
f Pode ser administrada sem diluir, utilizando uma sonda 8 french
g Contém fontes originais de proteína e carboidratos (carne de veado e arroz), e pode ser empregada em gatos com doença inflamatória do intestino simultânea.
Fonte: GRIFFIM, 2000b.
40
O uso de antieméticos pode ser benéfico na prevenção do vômito durante os
primeiros dias de tratamento. O fármaco de eleição é metoclopramida (0,2-0,5 mg/kg/dia VO;
ou SC três vezes por dia, 30 minutos antes da alimentação; ou 0,01-0,02 mg/kg IV em infusão
de 24 horas) (CENTER, 1994; RICHTER, 2005; CENTER, 2005). Quando se apresenta
hematemese ou se suspeita de lesões gástricas ulcerosas associadas com a sonda, recomenda-
se o uso de ranitidina (1-2 mg/kg/VO, duas vezes por dia). A cimetidina deve ser evitada,
devido à inibição que provoca da citocromo p450 (CENTER, 1994).
No tratamento da LHF devem ser evitados estimulantes do apetite (diazepam,
clonazepam, oxazepm, ciproheptadina) pois estes medicamentos requerem biotransformação e
excreção hepática. Diazepam requer biotransformação hepática, especificamente
glucuronidação, o que induz hepatotoxicidade (CENTER, 1994; JOHNSON; SHERDING,
2003; CENTER, 2005).
O tempo requerido para os valores laboratoriais retornarem a normalidade em gatos
com LHF pode variar de duas a três semanas após o início da alimentação forçada por tubo.
Neste período o paciente deve ser monitorado repetidas vezes, verificando-se peso corporal,
grau de hidratação e índice ictérico; e a cada duas semanas devem ser realizados hemograma e
bioquímica sérica (CENTER, 1994; GRIFFIN 2000b). A resolução da icterícia e o retorno da
função hepática concluem uma vez que o gato recebe adequadas quantidades de proteína e
energia, e a maioria requer entre três e seis semanas de terapia dietética agressiva, antes de
recuperar seu apetite e normalizar seus valores tanto hematológicos quanto bioquímicos
(GRIFFIN, 2000b).
O fornecimento de alimentos palatáveis deve ser feito junto com a alimentação
enteral até que a ingestão voluntária esteja restituída e o tubo possa ser retirado (Center,
1994).
7.2.2 Suplementos dietéticos
Considerando a importância do fígado como órgão central do metabolismo, e a sua
grande suscetibilidade em gatos, diversos suplementos dietéticos têm sido propostos no
tratamento da LHF (CENTER, 2005; RICHTER, 2005). A suplementação consiste no
oferecimento de quantidades balanceadas de nutrientes que o gato precisa para o correto
funcionamento do seu organismo, como vitaminas hidrossolúveis, lipossolúveis, L-carnitina,
arginina, taurina, antioxidantes e zinco (CENTER, 1994; GRIFFIN, 2000b; CENTER, 2005).
41
Os gatos com LH possuem concentrações séricas de arginina e taurina
significativamente reduzidas (CENTER et al., 1993b; CENTER, 1994; CENTER, 2005. A
arginina é um aminoácido essencial nesta espécie, e deve estar disponível na dieta quando se
consume grandes quantidades de proteína (CENTER, 1994).
Willard (1985) referiu em uma revisão sobre a importância biológica da arginina, que
gatos adultos sadios que consumiam uma refeição contendo alta quantidade de proteína, mas
deficiente em arginina, e após jejum de uma noite, desenvolviam hiperamonemia e sinais
clínicos consistentes com intoxicação por amoníaco.
A maioria das dietas comerciais para gatos estão suplementadas com arginina, porém
quando são utilizados alimentos para humanos deve-se adicionar entre 300 a 1000 mg/dia de
arginina, durante as primeiras semanas de suporte nutricional. Ainda que se trate de uma
suposição, a suplementação com arginina também beneficiaria o gato com LHF, porque
proporciona um aminoácido essencial para síntese de apoproteinas (CENTER, 1994).
A taurina é um aminoácido importante na conjugação dos ácidos biliares no gato;
quando estes ácidos são retidos, a taurina pode modificar seu potencial prejudicial,
diminuindo seu efeito tóxico sobre as células, além de aumentar sua excreção renal
(RICHTER, 2005). A taurina também influencia outros processos metabólicos e fisiológicos
importantes na LHF como a regulação do fluxo do cálcio nas membranas, melhorando a sua
estabilidade, participando também das reações de detoxificação, e proteção antioxidante
(CENTER, 2005). A suplementação com taurina é de 250-500 mg/dia durante os primeiros
sete a dez dias de suporte nutricional (CENTER, 1994; RICHTER, 2005; CENTER, 2005).
A suplementação com carnitina parece melhorar a taxa de sobrevivência enquanto
diminui o tempo de recuperação (CENTER, 1994; RICHTER, 2005). A carnitina é essencial
para o transporte dos ácidos graxos de cadeia longa no interior da mitocôndria, onde ocorre a
ß-oxidação (BLANCHARD et al., 2002). O manejo nutricional da LHF com carnitina é de
250-500 mg/dia, na forma de L-carnitina. Não devem ser utilizadas as formas D-carnitina, que
podem causar doenças (CENTER, 1994).
Blanchard et al. (2002), realizaram um estudo em 18 gatas sadias, que logo após
receber uma dieta de indução para desenvolver LHF, foram suplementadas com diferentes
concentrações de L-carnitina. Os resultados evidenciaram o aumento de acetil-carnitina, e
oxidação completa dos ácidos graxos produzidos durante o período de jejum, e sugeriram a
importância da suplementação dietética com L-carnitina na proteção hepática, especialmente
contra a cetose durante longos períodos de jejum, ressaltando a sua importância no
metabolismo das proteínas durante o jejum prolongado.
42
A suplementação com tiamina deve ser realizada quando o gato apresente sinais
clínicos da deficiência como debilidade, letargia, reações posturais anormais, ventroflexão de
cabeça e colo, pupilas dilatadas não responsivas, e sinais vestibulares (RICHTER, 2005).
Convertida intracelularmente na sua forma ativa, pirofosfato de tiamina, a tiamina atua como
uma coenzima essencial do metabolismo dos carboidratos. Sua deficiência compromete o
metabolismo energético do cérebro e cerebelo. O tratamento inicial é de 100 mg/IM duas
vezes por dia, e se continua por via oral (50-100 mg/uma ou duas vezes por dia), durante pelo
menos uma semana. A suplementação com cobalamina é recomendada no tratamento de todos
os gatos com LHF, que são suspeitos de ter uma doença entérica primária. Uma dose de 0,5 a
1,0 mg/gato deve ser administrada no primeiro dia de internação. A vitamina K1 deve ser
administrada a todos os gatos com LHF durante as primeiras 12 horas de internação, prévia a
qualquer tratamento invasor. As vias intramuscular ou subcutânea são recomendadas, porque
a via intravenosa pode provocar anafilaxia. São recomendadas três doses de 0,5 a 1,5
mg/kg/12 horas. Deve-se evitar a suplementação excessiva, que pode levar a anemia
associada com corpúsculos de Heinz (CENTER, 1994; CENTER, 2005).
O zinco é um elemento que deve ser adicionado na dieta de gatos com LHF, devido a
sua importância no metabolismo intermediário (CENTER, 1994). A dieta deve ser
suplementada com 7-8 mg/dia de zinco (CENTER, 1986).
Em gatos com LHF é comum a terapia antibiótica profilática, com o objetivo de
proteger contra agentes infecciosos que ingressam na circulação portal, através do trato
gastrintestinal. Devem-se evitar antibióticos que requeiram biotransformação hepática, para
serem eliminados, como também aqueles que diminuam o apetite, ou tenham efeitos
debilitantes. Devem ser evitadas tetraciclinas, já que estas induzem lipidose hepática em
humanos e outros animais. O cloranfenicol deve ser evitado devido a sua biotransformação
hepática e indução de anorexia, no entanto, ampicilina, amoxicilina (com ou sem ácido
clavulânico) e cefalexina podem ser empregadas por carecer de efeitos prejudiciais
(CENTER, 1994).
A suplementação com antioxidantes é muito importante tanto para as reações
bioquímicas como para as farmacológicas (CENTER, 2005). A SAMe é uma molécula
sintetizada por todas as células e é muito importante no metabolismo. No fígado possui
especial importância, por ser o órgão central do metabolismo intermediário. A SAMe é
formada a partir da metionina e da início a três rotas bioquímicas principais (transmetilação,
transsulfuração e aminopropilação), participando de reações anabólicas e catabólicas que
influenciam hormônios esteroidais, síntese de carnitina, metabolismo e excreção de fármacos,
43
detoxificação, e proteção da membrana celular dos hepatócitos e eritrócitos contra o dano
oxidativo (CENTER, 2005; RICHTER, 2005).
A proteção contra o dano oxidativo é mediado através do glutation (GSH),
metabólito ativo da SAMe, gerado a traves da rota de transsulfuração, Quando se apresenta
depleção deste metabolito, o dano oxidativo produz lesões nas membranas celulares das
mitocôndrias hepáticas, e o acúmulo de toxinas induz disfunção e morte dos hepatócitos
(RICHTER, 2005). Baixas concentrações de GSH têm sido relacionadas com alta
suscetibilidade para produzir corpúsculos de Heinz em pacientes com LHF, e são a base para
o tratamento com SAMe (CENTER, 2005).
SAMe encontra-se disponível como agente nutracêutico, indicada no tratamento de
necrose hepática, processos inflamatórios, colestase, hepatotoxicidade por medicamentos,
hepatopatia por acúmulo de cobre, hepatopatia induzida por esteróides e LHF; ajuda na
redução do dano oxidativo, protegendo as células contra radicais livres e efeitos prejudiciais
dos ácidos biliares retidos, melhora o fluxo biliar, estabiliza as membranas hepatocelulares,
reduz a inflamação e ajuda na detoxificação de substâncias absorvidas pelo trato
gastrintestinal (CENTER, 2004). A dose recomendada de 35 a 60 mg/kg uma vez por dia,
administrada com o estômago vazio, para maximizar sua absorção (RICHTER, 2005).
O ácido ursodesoxicólico é um ácido biliar hidrofílico dihidroxilado natural,
encontrado em quantidades reduzidas na bile de humanos e algumas espécies de ursos.
Utilizado no tratamento de doenças hepáticas crônicas em humanos, porém sua eficácia no
tratamento da LHF não tem sido comprovada, existindo discrepância entre autores. Segundo
Richter (2005) seu uso pode ajudar a minimizar o dano oxidativo nos peroxissomos, no
entanto, para Center (2005) deve-se evitar o seu uso em gatos ictéricos no tratamento da LHF,
porque não existe evidência que suporte sua eficácia.
A vitamina E é recomendada no tratamento de várias doenças hepáticas, incluindo a
LHF. A dose empregada é de 10 UI/kg/VO/dia de uma formulação hidrossolúvel, até que se
observe melhora do paciente (CENTER, 2005; RICHTER, 2005).
O tratamento com glucocorticóides deve ser evitado a menos que a doença
subjacente o requeira. Estes medicamentos são catabólicos e lipolíticos, aumentam a
mobilização de ácidos graxos da gordura periférica, o que aumenta o seu depósito no fígado
(CENTER, 1994; CENTER, 2005).
O uso de insulina no tratamento da LHF não é um método cientificamente
comprovado, sendo pouco frequente a associação entre diabetes mellitus manifesta e LH
(CENTER, 1994; CENTER, 2005).
44
8 PROGNÓSTICO
O prognóstico é reservado, porém, na maioria dos casos, a taxa de recuperação
dentro das primeiras três a seis semanas encontra-se entre 60-85% (JOHNSON; SHERDING,
2003). O sucesso do tratamento da LHF depende da resposta do paciente, e em grande parte,
da dedicação do proprietário em proporcionar os cuidados necessários para seu gato, além do
apoio nutricional agressivo; os quais podem ser requeridos por várias semanas, mesmo até
meses (CENTER, 1993a; 1994; RICHTER, 2005). Sem tratamento, a LHF é sempre fatal
(SHERDING, 1994).
Em geral, nota-se melhora do perfil bioquímico (diminuição no teor de bilirrubina e
nas atividades de FA e ALT) dentro de uma a duas semanas após o inicio da alimentação por
tubo. A normalização pode demorar várias semanas. Quanto mais cedo o início do tratamento,
melhor o prognóstico (BIRCHARD; SHERDING, 2003).
A recuperação espontânea é excepcional, mas a maioria de gatos se recupera quando
sobrevive aos primeiros dias (RICHTER, 2005). Após a normalização dos parâmetros
bioquímicos, e a recuperação do apetite d gato, pode-se diminuir a alimentação forçada,
sempre que o consumo de energia for atingido, podendo retirar o tubo de alimentação
(CENTER, 1994; RICHTER, 2005).
Não tem sido demonstrado que após a recuperação da LHF se apresentem sequelas
permanentes como lesões hepáticas residuais ou fibrose nem existe razão para acreditar que a
LHF venha a recorrer (CENTER, 1994; NELSON; COUTO, 2006).
45
9 RELATOS DE CASOS
9.1 Suspeita de lipidose hepática de causa comportamental
Um gato, sem raça definida, castrado, de seis anos de idade e 5,5 kg, recebeu
atendimento No Hospital de Clínicas Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (HCV-UFRGS). Durante a anamnese relatou-se que a proprietária do animal teve um
acidente cardiovascular havia 15 dias, e durante este período, o animal parou de alimentar-se.
No dia anterior ao atendimento no hospital, o animal tinha deixado de beber água, e teve
convulsões a noite. Não foram observados vômito ou diarréia, mas notou-se o emagrecimento
progressivo, e dificuldade na micção. Não se conhecia o histórico de vacinação e
desvermifugação do paciente.
Ao exame físico, o gato apresentava-se, magro, mas com depósitos de gordura na
região inguinal; abatido e moderadamente desidratado. Apresentou mucosas ictéricas e
ventroflexão do pescoço. Na palpação abdominal, foi possível sentir o fígado aumentado (se
estendia caudalmente ao arco costal) e o animal não evidenciava sinais de dor. Na radiografia
do abdômen, verificou-se hepatomegalia.
No hemograma se confirmou linfopenia e anemia arregenerativa. O resultado da
bioquímica sérica mostrou aumento das enzimas ALT (223 U/L) e FA (366 U/L), enquanto
que a GGT estava levemente aumentada (14 U/L). Os valores de referência para a espécie
felina são ALT: < 83 U/L; FA: < 93 U/L; e GGT: < 8 U/L (KANEKO et al, 1997). As
alterações clínicas levaram a suspeitar de lipidose hepática. O animal foi internado para ser
hidratado e ficar em período de observação.
O gato passou a receber fluidoterapia intravenosa, que consistia em solução
fisiológica, adicionada com cloreto de potássio a 10% e glicose a 50%. Também foram
administrados ranitidina subcutânea, na dose de 2,2 mg/kg, a cada oito horas; metronidazole
via oral, na dose 25 mg/kg, a cada 12 horas; e ampicilina intravenosa, na dose de 5-10 mg/kg
a cada 12 horas. Após dois dias de internamento, não houve melhora clínica e o animal foi
eutanasiado a pedido da proprietária.
46
9.2 Suspeita de lipidose hepática idiopática
Uma gata, castrada, sem raça definida de quatro anos de idade, com a queixa principal
de anorexia há três dias foi atendida no HCV-UFRGS. Durante a anamnese, a proprietária
relatou que a gata apresentava perda de peso nos últimos quatro meses, nesse período
apresentou febre e foi levada para atendimento veterinário, numa clínica veterinária particular
onde permaneceu internada, fez tratamento e melhorou. Há três dias ficou sozinha e não se
alimentou. A gata era vacinada, mas não havia recebido vermífugo há muito tempo. Convivia
com outro gato que se encontrava bem de saúde.
No exame físico, a gata apresentava-se magra, pesando 2,15 kg, estava abatida, com
pêlos eriçados, mucosas ictéricas e desidratação de 8%. O pulso era irregular, evidenciou-se
taquicardia; e frequência respiratória de 30 movimentos por minuto. Tempo de perfusão
capilar de dois segundos, e 38,2°C de temperatura retal. Valores de referência para a espécie
felina: frequência cardíaca (145-200 batimentos/minuto); frequência respiratória (20-40
movimentos por minuto); temperatura corporal (37,7-38-8°C), e tempo de perfusão capilar
(<1.5 segundos) (BIRCHARD; SHERDING, 1996).
Realizou-se colheita de sangue, para realização de hemograma e exames bioquímicos
(resultados apresentados na Tabela 3). O animal foi internado devido ao grau de desidratação.
No hemograma foram reportados acantócitos, eliptócitos e corpúsculos de Heinz
(aproximadamente 90%). Policromasia, anisocitose e poiquilocitose também foram referidas.
A atividade sérica da FA estava aumentada (2280 U/L), assim como ALT (199,6 U/L),
a GGT apresentava-se levemente aumentada (19,30 U/L). Também foram realizadas analises
de: amilase (1795 U/L), albumina (25,7 g/L), proteína total (75,8 g/L), globulinas (50,2 g/L) e
creatinina (1,23 mg/dL). Valores de referência para a espécie felina: amilase: < 500 U/L;
albumina: 21-33 g/L; proteína total: 54-78 g/L, globulinas: 27-50 g/L, e creatinina: 0,8-1,8
mg/L (KANEKO et al., 1997).
47
Tabela 3. Hemograma de felino, sem raça definida, de quatro anos de idade, com suspeita de lipidose hepática.
Resultado Valor de
referência
Eritrócitos (*106/μL) 5,51 5,0 a 10,0
Hematócrito (%) 24 24 a 45
Hemoglobina (g/dL) 8,4 8,0 a 15,0
VCM (fL) 43,55 40 a 60
CHCM (%) 35,00 31 a 35
Leucócitos totais (/μL) 14,400 5,0 a 19,500
Neutrófilos Valor relativo (%) Valor absoluto (µ/L)
Bastonetes 0 0 a 300
Segmentados 80 11,520 2500 a 12000
Eosinófilos 1 144 100 a 1500
Basófilos 0 0 raros
Monócitos 3 432 0 a 850
Linfócitos 16 2304 1500 a 7000
Plaquetas (estimada)
(*103/μL) 495 300 a 800
A morfologia dos eritrócitos mostrou 1+ de policromasia e anisocitose, e 2+ de
poiquilocitose, e ainda 90% de corpúsculos de Heinz, acantócitos e eliptócitos, e plasma
ictérico.
Durante a internação, iniciou-se fluidoterapia com solução de ringer lactato num
volume 11,5 mL/kg/hora, suplementado com 10 mL de glicose a 50% e 6 mL de cloreto de
48
potássio a 10%. Iniciou-se a administração de amoxicilina + clavulanato de potássio na dose
de 1 mL/kg, via endovenosa, a cada doze horas por sete dias, legalon na dose de 70 mg, ½
cápsula, a cada doze horas por vinte dias. O animal rejeitou a alimentação oferecida, e
permaneceu anoréxico durante os dois primeiros dias de internamento, passando a utilizar
uma sonda nasogástrica para alimentação forçada. Após duas semanas começou a alimentar-
se sozinha, possibilitando o seu retorno para casa.
49
10 DISCUSSÃO
A lipidose hepática felina é um dos transtornos hepatobiliares mais graves relatados
na clínica de felinos domésticos nos Estados Unidos, considerada na atualidade como uma das
patologias de maior ocorrência nesse país, motivo pelo qual é amplamente estudada. No
Brasil não existem muitos relatos sobre a doença, porém, devido ao aumento da população
felina como animal de estimação, e ao melhor conhecimento sobre a sua patogenia, o seu
diagnóstico no país é cada vez mais frequente.
A LHF foi descrita por vez primeira em 1977, época na qual existia escassa
informação para caracterizar esta síndrome, que tem sido foco de interesse por vários
pesquisadores ao longo dos anos, devido a sua associação com rápida perda de peso em gatos
obesos após situações estressantes.
A LHF se desenvolve como consequência do excessivo acúmulo de TG no interior
dos hepatócitos, devido ao desequilíbrio no metabolismo de lipídeos e proteínas, associados
com disfunção hepática grave. A LHF tem sido atribuída a numerosas causas, entre as
principais se encontram alterações nutricionais, endócrinas, metabólicas, tóxicas e
comportamentais. Entre as doenças concomitantes mais relatadas estão pancreatite, doença
intestinal inflamatória e colangiohepatite.
Devido ao importante papel que o fígado desempenha como órgão central do
metabolismo, gatos com LHF sofrem uma doença sistêmica, que se não é tratada a tempo,
leva a óbito. Este órgão é fundamental para a vida, devido a sua participação em vários
processos, como o metabolismo de carboidratos, lipídeos e proteínas, desintoxicação e
excreção de catabólitos e outras substâncias tóxicas; digestão (principalmente de lipídeos) e
síntese de vários fatores de coagulação. Consequentemente, qualquer alteração patológica que
o atinja, pode ocasionar distúrbios no organismo todo.
A fisiopatologia da LHF envolve o desequilíbrio no metabolismo de lipídios e a
deficiência (parcial ou total) na ingestão de proteínas, ou o catabolismo muscular, o que
induze a lipólise para fornecer energia, gerando excessivas quantidades de ácidos graxos
livres, incompatíveis com a capacidade hepática de ß-oxidação, e, como consequência da
disfunção dos hepatócitos pode se apresentar a LHF.
O aumento de gordura hepática, como resultado de obesidade, é um dos fatores
determinantes no desenvolvimento da LHF. A maioria de relatos sobre a doença tem no
histórico rápida perda de peso após eventos estressantes, o que termina por prejudicar as
funções do fígado, podendo levar a óbito o animal afetado. A informação oferecida aos
50
proprietários de felinos sobre a importância de uma alimentação equilibrada e os riscos que a
obesidade representa para a saúde dos animais é uma importante medida profilática.
A LHF não apresenta uma sintomatologia específica, no entanto, sinais clínicos
como anorexia, emagrecimento, apatia, vômito e icterícia; em gatos com mais de quatro anos,
com histórico de obesidade, podem servir como indicativo de LH. O diagnóstico presuntivo
da LHF deve ser feito através de exames laboratoriais como hemograma e análise bioquímica
das enzimas ALT, FA e GGT, principalmente; como também através de exames radiográficos
e de ultrassonografia. Porém o diagnóstico definitivo baseia-se no exame citológico ou
histopatológico de uma amostra hepática. Deve-se lembrar que o fígado em condições
fisiológicas apresenta vacúolos lipídicos, o qual não deve ser interpretado como indicativo da
doença. O prognóstico pode ser favorecido através do diagnóstico precoce e o tratamento
adequado.
Na realidade de nosso meio, para o proprietário de um animal, é economicamente
inviável a realização de um grande número de exames laboratoriais, para o diagnóstico da
doença; e logo depois realizar a internação durante todo o período de tratamento que a
lipidose hepática requer na maioria das vezes. No entanto se faz necessário estabelecer
métodos diagnósticos de acordo a nossa realidade, sendo necessário aumentar o conhecimento
sobre a fisiopatologia, o diagnóstico e o tratamento da LHF.
Com relação aos dois casos clínicos, ambos tratavam-se de gatos com excesso de
peso que logo após um longo período de anorexia desenvolveram LHF. No primeiro caso, não
se identificou qualquer doença que pudesse ser a causa da anorexia do gato. Provavelmente,
se tratava de um caso de lipidose hepática de origem comportamental, pois a única razão
aparente para a anorexia era o estresse pela ausência da dona. Todo o quadro clínico levou o
médico veterinário a suspeitar de lipidose hepática, mas não foram realizadas ultra-sonografia
nem coleta de amostra do tecido hepático do animal para confirmar o diagnóstico, porque os
proprietários não tinham como custear o procedimento. Apesar de que foi realizada a
eutanásia da paciente, infelizmente não foi realizada a necropsia e histopatologia hepática,
através da qual poderia se estabelecer o diagnóstico definitivo. A reversão do quadro clínico
desta doença pode levar algumas semanas, e este paciente realmente ainda se recusava a
alimentação oferecida após 21 dias de internação, demonstrando a importância do tratamento
via sonda esofágica, que caso não fosse instituído, o animal provavelmente acabaria indo a
óbito.
51
11 CONCLUSÕES
A LHF é uma síndrome que geralmente se apresenta em gatos obesos, como
resultado de uma combinação de fatores: excessiva lipomobilização, possivelmente devido à
liberação de hormônios adrenérgicos gerados por estresse ou doenças concomitantes, que
induzem anorexia por longos períodos, e posteriormente o desenvolvimento de deficiências
nutricionais que comprometem a formação de lipoproteínas, importantes na mobilização de
triglicerídeos desde o fígado para os diferentes tecidos, e como consequência se produz severo
dano hepático.
O diagnóstico definitivo de LHF é determinado pelos achados histopatológicos da
biopsia ou necropsia, no entanto, o diagnóstico deve ser feito sempre em conjunto com a
história clínica, exame físico, patologia clínica, e sinais clínicos.
O diagnóstico diferencial entre as hepatopatias em felinos muitas vezes é difícil,
devido à falta de especificidade dos sinais clínicos e laboratoriais.
O suporte nutricional agressivo é a base do tratamento, no entanto, a recuperação
depende em grande parte do diagnóstico precoce, e do esforço do proprietário.
A lipidose hepática pode ser prevenida, informando aos proprietários de gatos sobre
a importância de uma dieta equilibrada, e das implicações metabólicas que a obesidade traz
como consequência.
O fato de um gato ser obeso não e fundamento suficiente para o diagnóstico de LH,
porém, tal fato sempre se deve considerar como um risco. Assim é fundamental realizar um
monitoramento das enzimas hepáticas ALT, FA e GGT, como parâmetros iniciais de suspeita
de LHF.
52
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