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  • TICA E CONFLITO

    DE INTERESSES

    NO SERVIO PBLICO

  • Jos Leovegildo Oliveira Morais

    Braslia, 2009

    TICA E CONFLITO

    DE INTERESSES

    NO SERVIO PBLICO

  • Coordenao editorialMara Elvira Brito Rabelo

    Reviso de textoRejane de MenesesYana Palankof

    Editorao eletrnica e capa Heonir Soares Valentim

    ISBN 978-85-7202-040-4

    Ficha catalogrfi ca

    M827e Morais, Jos Leovegildo Oliveira.tica e confl ito de interesses no servio pblico / Jos Leovegil-

    do Oliveira Morais. Braslia : Esaf, 2009. 178 p.

    ISBN 978-85-7202-040-4

    1. TICA. 2. ADMINISTRAO PBLICA tica Brasil. 3. ADMINISTRAO PBLICA Confl ito de Interesses Brasil. 4. SERVIDOR PBLICO tica Brasil. I. Ttulo.

    CDD 172.1

    ESCOLA DE ADMINISTRAO FAZENDRIAEstrada para Una km 4 BR 251 Braslia-DFCEP 71.686-900Fones: (61) 3412.6058 / 3412.6081 / Fax: (61) 3412.6258Home page : www.esaf.fazenda.gov.br

  • SUMRIO

    APRESENTAO ..................................................................................... 11

    1 INTRODUO ...................................................................................... 13

    2 DEFINIES ......................................................................................... 19 2.1 tica .................................................................................................. 19 2.2 Confl ito de interesses ......................................................................... 19 2.3 Servio pblico .................................................................................. 22 2.4 Funcionrio pblico ........................................................................... 22

    3 A TICA NA CONSTITUIO FEDERAL ........................................... 27 3.1 Princpio da legalidade ....................................................................... 27 3.2 Princpio da impessoalidade ............................................................... 30 3.3 Princpio da moralidade ..................................................................... 31 3.4 Princpio da publicidade .................................................................... 34 3.5 Princpio da efi cincia ........................................................................ 34 3.6 Outras normas constitucionais que veiculam valores ticos .................. 35 3.6.1 Ao popular para anular ato lesivo moralidade

    administrativa ........................................................................... 36 3.6.2 Casos de inelegibilidade para evitar infl uncia do poder

    econmico ou abuso do cargo pblico ....................................... 38 3.6.3 Sistema de mrito para provimento de cargos pblicos ............... 38 3.6.4 Restrio livre nomeao para cargos em comisso................... 39 3.6.5 Vedao de acumular cargos pblicos ........................................ 41 3.6.6 Aumentos remuneratrios vinculados a prvia dotao

    oramentria............................................................................. 42 3.6.7 Limite mximo de remunerao (teto remuneratrio) ................ 43 3.6.8 Restries a parlamentares para exercer cargos e fi rmar

    contratos .................................................................................. 43

  • 6 | tica e conflito de interesses no servio pblico

    4 CONFLITO DE INTERESSES .............................................................. 45 4.1 Atos normativos e assuntos regulados.................................................. 45 4.1.1 Cdigo de Conduta da Alta Administrao Federal .................... 45 4.1.1.1 Situao patrimonial que possa gerar confl ito

    de interesses ...................................................................... 45 4.1.1.2 Participao societria em empresa privada ...................... 46 4.1.1.3 Atividade paralela do servio pblico ............................ 47 4.1.1.4 Proposta de trabalho ou de negcio futuro ....................... 47 4.1.1.5 Atividades aps deixar o cargo pblico ............................ 48 4.1.1.6 Participao em congressos, seminrios e outros eventos ... 48 4.1.1.7 Recebimento de presentes................................................ 49 4.1.2 Cdigo de Conduta tica da Presidncia e Vice-Presidncia

    da Repblica............................................................................. 49 4.1.2.1 Gesto de bens ............................................................... 50 4.1.2.2 Participao societria em empresa privada ...................... 51 4.1.2.3 Trfi co de infl uncia ........................................................ 51 4.1.2.4 Atividade paralela do servio pblico ............................ 52 4.1.2.5 Proposta de trabalho ou de negcio futuro ....................... 53 4.1.2.6 Atividades aps deixar o cargo pblico ............................. 54 4.1.2.7 Participao em congressos e eventos semelhantes ............ 54 4.1.2.8 Presentes, benefcios e hospitalidades ............................... 55 4.1.2.9 Infl uncia dos lobbies ...................................................... 56 4.1.3 Cdigo de tica do Servidor Civil do Poder Executivo

    Federal ..................................................................................... 57 4.1.3.1 Trfi co de infl uncia ........................................................ 58 4.1.3.2 Recebimento de vantagem indevida ................................. 58 4.1.3.3 Uso de informao privilegiada ........................................ 58 4.1.4 Lei da Improbidade Administrativa ........................................... 59 4.1.4.1 Recebimento de vantagem econmica indevida ................ 59 4.1.4.2 Recebimento de hospitalidade e outras vantagens ............. 60 4.1.4.3 Atividade paralela do servio pblico ............................ 60 4.1.4.4 Trfi co de infl uncia ........................................................ 61 4.1.4.5 Uso de informao privilegiada ........................................ 62

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    4.1.5 Cdigo Penal brasileiro crimes contra a Administrao Pblica ..................................................................................... 62

    4.1.5.1 Corrupo passiva ........................................................... 63 4.1.5.2 Concusso ...................................................................... 64 4.1.5.3 Corrupo ativa em transao comercial

    internacional ..................................................................... 64 4.1.5.4 Trfi co de infl uncia ........................................................ 66 4.1.5.5 Trfi co de infl uncia em transao comercial internacional ............................................................................. 66 4.1.5.6 Advocacia administrativa ................................................. 67 4.1.6 Lei de Licitaes e Contratos na Administrao Pblica ............. 67 4.1.6.1 Fornecimento de bens e servios ...................................... 67 4.1.6.2 Patrocnio de interesse privado (trfi co de infl uncia) ....... 67 4.1.7 Estatuto do Funcionrio Pblico Federal

    (Lei no 8.112/1990) .................................................................. 68 4.1.7.1 Gerncia ou administrao de empresa privada ................ 68 4.1.7.2 Representao de interesses privados ................................ 69 4.1.7.3 Recebimento de vantagem de qualquer espcie ................. 69 4.1.8 Leis das agncias reguladoras (Lei no 9.986/2000

    e Lei no 10.871/2004) ............................................................... 70 4.1.8.1 Atividade paralela ........................................................... 70 4.1.8.2 Relacionamento com o setor regulado .............................. 71 4.1.8.3 Direo poltico-partidria .............................................. 71 4.1.8.4 Atividades aps deixar o cargo ......................................... 71 4.1.9 Lei das Sociedades Annimas .................................................... 72 4.1.9.1 Contratos com a companhia ............................................ 72 4.1.9.2 Emprstimo de recursos da companhia ............................ 72 4.1.9.3 Uso de bens da companhia .............................................. 73 4.1.9.4 Recebimento de vantagens de terceiros ............................ 73 4.2 Confl itos de interesses potenciais que demandam

    regulamentao .................................................................................. 73 4.2.1 Relacionamentos familiares ....................................................... 74 4.2.2 Relacionamentos pessoais .......................................................... 75

  • 8 | tica e conflito de interesses no servio pblico

    4.2.3 Dvidas ..................................................................................... 76 4.2.4 Partidos polticos ...................................................................... 77 4.2.5 Relacionamento com sindicatos ................................................. 78 4.2.6 Posio em ONGs e outras organizaes voluntrias .................. 78 4.3 Mecanismos para prevenir ou evitar confl ito de interesses .................... 79 4.3.1 Declarao de bens e interesses .................................................. 80 4.3.1.1 Histrico ........................................................................ 80 4.3.1.2 Sindicncia Patrimonial ................................................... 82 4.3.1.3 Declarao Confi dencial de Informaes .......................... 83 4.3.2 Quarentena .............................................................................. 85 4.3.3 Proibio de exercer atividade profi ssional no setor privado ........ 87 4.3.4 Proposta de trabalho ou de negcio futuro ................................. 88 4.3.5 Proibio de contratar com o poder pblico ............................... 89 4.3.6 Proibio de celebrar convnio com entidade dirigida

    por servidor vinculado .............................................................. 89

    5 ENRIQUECIMENTO ILCITO NO EXERCCIO DA FUNO PBLICA ................................................................................................ 91

    6 O CDIGO PENAL E A QUESTO DA TICA NA ADMINISTRAO PBLICA ............................................................... 97

    7 O CDIGO DE CONDUTA DA ALTA ADMINISTRAO ............... 103 7.1 Instituio e fi nalidade ..................................................................... 103 7.2 Agentes pblicos alcanados ............................................................. 103 7.3 Efi ccia ............................................................................................ 104 7.4 Principais assuntos regulados ............................................................ 104 7.5 Instrumentos de controle ................................................................. 105

    8 O CDIGO DE TICA PROFISSIONAL DO SERVIDOR PBLICO CIVIL DO PODER EXECUTIVO FEDERAL ....................................... 107

    8.1 Instituio e fi nalidade ..................................................................... 107 8.2 Destinatrios ................................................................................... 107

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    8.3 Valores ............................................................................................ 108 8.4 Deveres fundamentais ...................................................................... 111 8.5 Condutas vedadas ............................................................................ 113 8.6 As Comisses de tica ...................................................................... 116 8.7 Do processo de apurao de infraes ticas ...................................... 119 8.8 Sujeitos da investigao .................................................................... 121 8.9 Quadro comparativo das infraes ticas com as infraes

    disciplinares da Lei no 8.112/1990 .................................................... 122

    9 A TICA NAS AGNCIAS REGULADORAS ....................................... 129 9.1 Consideraes gerais ........................................................................ 129 9.2 Regras destinadas a evitar confl ito de interesses ................................. 130 9.2.1 Atividade paralela ................................................................... 130 9.2.2 Relacionamento com o setor regulado ..................................... 130 9.2.3 Direo poltico-partidria ...................................................... 130 9.2.4 Atividades aps deixar o cargo ................................................. 131

    10 A TICA NAS EMPRESAS ESTATAIS ................................................ 133 10.1 Consideraes gerais ...................................................................... 133 10.2 Princpios constitucionais aplicveis s empresas estatais .................. 135 10.3 A questo da probidade administrativa nas empresas estatais ............ 137 10.4 Crimes contra a Administrao Pblica nas empresas estatais ........... 138 10.5 Regime jurdico disciplinar dos empregados das empresas estatais .... 139 10.6 O confl ito de interesses no mbito das empresas estatais .................. 141 10.7 Cdigo de Conduta da Alta Administrao Federal no mbito

    das empresas estatais ...................................................................... 142 10.8 O Cdigo de tica Profi ssional do Servidor Pblico Civil do Poder

    Executivo Federal no mbito das empresas estatais .......................... 142 10.9 Cdigos de tica prprios .............................................................. 143 10.10 A Lei Sarbanes-Oxley ................................................................... 143

    11 GESTO DA TICA NA ADMINISTRAO PBLICA ................... 147 11.1 Princpios para gesto da tica ........................................................ 148

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    11.2 Medidas necessrias efetivao da tica ......................................... 149 11.3 Valores fundamentais no servio pblico ......................................... 150 11.3.1 Imparcialidade ...................................................................... 150 11.3.2 Legalidade ............................................................................ 152 11.3.3 Integridade ........................................................................... 152 11.3.4 Efi cincia .............................................................................. 153 11.3.5 Transparncia ........................................................................ 153 11.3.6 Responsabilidade .................................................................. 154 11.3.7 Igualdade.............................................................................. 155 11.3.8 Justia .................................................................................. 156 11.4 Instituies responsveis pela gesto da tica ................................... 157 11.5 Proteo aos envolvidos ................................................................. 161 11.5.1 Consideraes gerais ............................................................. 161 11.5.2 Proteo ao denunciante ....................................................... 161 11.5.3 Proteo ao denunciado ........................................................ 163 11.5.4 Proteo aos membros das comisses de tica ......................... 165 11.6 Respeito ao cidado ....................................................................... 166

    12 A MORALIDADE ADMINISTRATIVA E AS CONDUTAS AINDA ACEITAS COMO NORMAIS .......................................................... 171

    12.1 Criao de veculos ofi ciais de comunicao .................................... 171 12.2 Gasto de dinheiro pblico com condecoraes ............................... 172 12.3 Envio de mensagens pessoais pagas com recursos pblicos .............. 172

    APNDICE ............................................................................................. 175

    REFERNCIAS ....................................................................................... 177

  • APRESENTAO

    Quando se aborda a questo do contedo tico da conduta privada e pblica no Brasil, logo deparamos, pelo menos, com duas formas comple-mentares e recorrentes de ceticismo. De um lado, seramos prisioneiros de uma histria construda em cima da cultura da transgresso, o que sig-nifi ca dizer que a sociedade seria intrinsecamente leniente com mltiplas formas de desvio de conduta. Exemplos sempre citados so a tolerncia com o contrabando e a pirataria, o desrespeito aos espaos pblicos, o pagamento de propina para contornar exigncias legais, o nepotismo, o compadrio. De outro lado, no menos inexorvel seria a corrupo na es-fera poltica, os mensales, a manipulao das emendas ao oramento, a troca de favores.

    Essa percepo transparece em inmeras pesquisas de opinio. No limi-te, faz com que a sociedade brasileira se veja como uma das mais corruptas do mundo, e que as tentativas de moralizao das relaes entre cidado e Estado sejam consideradas ingnuas e, portanto, fadadas ao insucesso. Trata-se, porm, de um grave reducionismo da complexidade da nossa or-ganizao social, econmica e poltica.

    tica e confl ito de interesses no servio pblico, de Jos Leovegildo Olivei-ra Morais, demonstra exatamente o contrrio. H um processo evolutivo contnuo no plano normativo, tanto na abordagem constitucional mais ampla, por meio dos princpios da legalidade, da impessoalidade, da mo-ralidade, da publicidade e da efi cincia aplicveis aos atos administrativos (art. 37), quanto na previso especfi ca de normas tambm constitucionais de substrato tico, como so exemplos a ao popular para anular ato lesi-vo moralidade administrativa, as hipteses de inelegibilidade para evitar infl uncia do poder econmico ou abuso do cargo pblico, o sistema do mrito para provimento de cargos pblicos, a restrio livre nomeao para cargos em comisso, a vedao de acumulao de cargos pblicos, a limitao de remunerao e as restries impostas aos parlamentares para o exerccio de determinados cargos no Executivo e para fi rmar contratos.

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    No plano infraconstitucional os exemplos so diversos. Leis, decretos e atos normativos destinados a prevenir confl itos de interesses: o Cdigo Penal, a Lei de Improbidade, a Lei de Licitaes, a Lei no 8.112/1990 (Re-gime Jurdico do Servidor Pblico Federal), as normas aplicveis s agn-cias reguladoras e os cdigos de conduta gerais e especfi cos que devem ser observados por servidores pblicos. Ou seja, do ponto de vista normativo, o Brasil nada fi ca a dever em comparao s legislaes contemporneas.

    Alm disso, o autor descreve com mincia e experincia pessoal os mecanismos de implementao concreta dessas normas. Jos Leovegildo foi um dos pioneiros na implementao do Cdigo de Conduta da Alta Administrao Federal, adotado em 2000, e um colaborador incansvel da Comisso de tica Pblica da Presidncia da Repblica, incumbida da sua implementao. Destaco, em especial, o trabalho que desenvolveu no pero do em que se cuidou de levar a mensagem do Cdigo s diferentes esferas da administrao federal e o tratamento acadmico que se procurou dar ao tema da tica como instrumento de gesto.

    A sobriedade analtica do autor torna tica e confl ito de interesses no servio pblico uma obra de referncia. Descreve pela via normativa uma verdadeira revoluo no tratamento da questo dos confl itos de interesses no setor pblico. D destaque ao modus operandi inovador da Comisso de tica Pblica, que rompeu com o formalismo tpico dos tratamentos bu-rocrticos convencionais e induziu, pela via da adeso voluntria dos pr-prios jurisdicionados do Cdigo de Conduta da Alta Administrao, a um patamar muito mais aprimorado de preveno de confl itos de interesses.

    impossvel, aps a leitura, no sair convencido de que o ceticismo a que me referi anteriormente no passa de uma viso anacrnica, ditada basicamente pela falta de informao sobre o que ocorreu e continua a ocorrer em matria de tratamento da questo fundamental do confl ito de interesses para quem ocupa cargo pblico.

    Joo Geraldo Piquet CarneiroPresidente da Comisso de tica Pblica do Poder Executivo Federal (1999-2004)

    Integrante do Conselho de Reforma do Estado (1996-1998)Coordenador e Secretrio-Executivo do Programa Nacional de Desburocratizao (1979-1985)

  • 1 INTRODUO

    A tica no servio pblico tem sido um tema freqente e atual. Sua nfase deve-se tanto conscientizao dos cidados de que os agentes do Estado tm o dever de pautar suas condutas funcionais por padres ticos quanto exigncia cada vez maior de estabelecer distino entre o pblico e o privado.

    certo que hoje, mais que nunca, tem-se conscincia de que a coisa p-blica de todos; no coisa de ningum. O Estado pertence aos cidados, e no queles que titulam o poder ou dele se apoderam. Quando se tira algo do Estado de forma indevida, lesam-se todos os seus cidados.

    Os agentes pblicos devem estar a servio do Estado, assim entendido o ente dotado de organizao capaz de promover o equilbrio das relaes sociais. Por isso que se diz que o servidor pblico deve estar a servio do pblico, dos cidados e de toda a coletividade, enfi m, do interesse p-blico, e no a servio dos seus interesses pessoais ou daqueles que lhe so prximos.

    No mais se concebe que o indivduo tome posse do cargo pblico e dele se apodere como uma propriedade particular, do qual pode tirar todos os proveitos possveis, inclusive o do exerccio do poder pelo poder e o da barganha de vantagens que possam traduzir-se em aumento do seu patri-mnio ou do de seus familiares.

    Certas condutas que, em passado recente, eram vistas com normalida-de no servio pblico (usar bens pblicos para fi ns particulares, nomear parentes para cargos em comisso que dispensam o concurso pblico, por exemplo), hoje a sociedade no mais as tolera.

    Este trabalho, no entanto, no pretende defi nir um padro tico desej-vel para o servio pblico. Tampouco discutir a tica que deve ser adotada, dentre as diversas teorias existentes. Pretende, isto sim, abordar as regras estabelecidas no ordenamento jurdico brasileiro que estejam voltadas para direcionar o comportamento tico na Administrao Pblica, ou seja, o objetivo aqui buscado identificar as regras, as condutas e os valores

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    fixados no ordenamento jurdico, relacion-los e proceder anlise crtica de sua efetividade. Essa anlise envolve a avaliao dos mecanismos exis-tentes para dar efetividade s regras, visando a aferir se tais mecanismos proporcionam adequao da conduta norma.

    No basta que o ordenamento jurdico brasileiro contemple uma lei de forte contedo tico, como a Lei da Improbidade Administrativa, se os mecanismos existentes para lhe dar efetividade no funcionarem de forma adequada ou lhes faltarem condies para cumprir seus deveres. De igual modo, no basta dizer que, no Brasil, a corrupo uma conduta erigida ao epteto de crime grave se a forma de prov-lo conduz, com muita freqn-cia, impunidade. O mesmo se pode dizer da postura de determinados go-vernantes que fazem discursos de combate corrupo mas se empenham fortemente em evitar a apurao de conduta de seus auxiliares prximos, a qual, se levada a cabo, certamente demonstraria uma realidade bem distin-ta daquela que o mandatrio procura ostentar.

    E o que dizer do governo que se utiliza do poder de liberar verbas para as chamadas emendas parlamentares (emendas ao oramento da Unio, introduzidas pelos parlamentares para obras de interesse de suas bases elei-torais) em troca do voto deles na aprovao de projetos de interesse do go-verno ou dos governantes? No esta, tambm, uma forma de corromper uma das mais importantes instituies democrticas, que o Congresso Nacional?1

    Restaram sem apurao as denncias de que alguns parlamentares ven-deram seus votos para aprovar a emenda constitucional que possibilitou a reeleio do ento Presidente da Repblica, Fernando Henrique Cardoso.

    1 Veja-se, nesse sentido, a entrevista que o secretrio-geral da Presidncia da Repblica, Luiz Dulci, concedeu ao jornal Folha de S. Paulo, publicada no dia 07.08.2006:FOLHA O governo Lula, tal como o governo FHC, defendeu a reforma poltica, mas

    acabou adotando a negociao no Congresso com base na distribuio de cargos e liberao de emendas do Oramento?

    DULCI verdade. Todos os governos, desde a redemocratizao, foram submetidos a essa lgica estrutural do modelo poltico, que s poder ser superada por uma reforma poltica global. Eu pessoalmente no acredito que haja soluo paliativa, tpica, precisa ser de uma reforma poltica global, que instaure no Brasil um novo mode-lo poltico. Todos os governos da redemocratizao tiveram muitas difi culdades de assegurar a necessria governabilidade poltica.

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    A Comisso Parlamentar Mista de Inqurito destinada a apurar a suposta compra de votos de parlamentares para aprovar projetos de interesse do governo Lula, o denominado escndalo do mensalo (elevadas contri-buies mensais, com dinheiro de origem escusa, feitas a parlamentares dos diversos partidos que compem a base de sustentao do governo no Congresso Nacional), apresentou resultado pfi o e frustrante para toda a sociedade. Todo mundo acredita que o mensalo existiu. Ficou far-tamente comprovado que milhes de reais transitaram pelo denominado valerioduto e abasteceram os bolsos de parlamentares e o caixa dois de partidos polticos. S no foram comprovadas a origem e a destinao desses recursos. Tudo restou resumido a caixa dois de campanha, recursos no contabilizados pelos partidos polticos, prtica que o Presidente da Re-pblica, Luiz Incio Lula da Silva, considerou normal, por ser da tradio brasileira.

    Quando o prprio governo promove a corrupo das instituies demo-crticas, no se pode esperar comportamento melhor por parte dos demais agentes pblicos encarregados das funes burocrticas. E a a burocracia se torna cada vez mais complexa, porque essa a forma de gerar difi culda-des para vender facilidades.

    No se est aqui a tomar partido na questo das teorias ticas nem a condenar aquela em que os fi ns justifi cam os meios, mesmo quando estes no sejam defensveis. O que se defende que no se pode construir um padro tico no servio pblico sem que se acabe com a prtica de cor-romper as instituies argumentando-se que o objetivo visado o bem do Pas.

    Por sua vez, no basta estabelecer regras que exijam comportamento tico dos agentes pblicos se os mecanismos de apurao das condutas que se desviam do padro normativo so refreados por bices processuais que visam a excluir da regra geral os detentores de poder. Exemplo nesse senti-do a Lei da Improbidade Administrativa, de 1992, que, ao transformar-se num forte instrumento de combate ao enriquecimento ilcito e aos atos lesivos ao errio, atingindo polticos de diversas estirpes, sem distino, viu-se restringida pela Lei no 10.628, de dezembro de 2002, que instituiu

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    o denominado foro privilegiado para as autoridades processadas por ato de improbidade administrativa e o estendeu s ex-autoridades.

    Em face dessa lei, prefeitos, governadores e ministros de Estado, par-lamentares e outras autoridades no podiam ser processados nem julgados por ato de improbidade administrativa perante o juzo ou tribunal com-petente para processar e julgar os agentes pblicos que no detm foro especial por prerrogativa da funo. Ou seja, essas autoridades no podiam ser julgadas por um juiz de primeiro grau nem por tribunal que no fosse aquele perante o qual tm foro prprio para fi ns penais (conforme o caso, somente podem ser julgadas pelo Superior Tribunal de Justia ou pelo Su-premo Tribunal Federal). Isso implicava restrio do nmero de membros do Ministrio Pblico com competncia para investigar os atos de tais au-toridades e promover as aes de improbidade cabveis, bem como do de magistrados competentes para processar e julgar tais aes.

    A Lei no 10.628/2002 foi julgada inconstitucional pelo Supremo Tri-bunal Federal, em deciso proferida em setembro de 2005, sob o funda-mento de que no pode uma lei ordinria ampliar competncia defi nida, em numerus clausus, na Constituio Federal. Tal deciso, no entanto, no encerrou a questo do foro privilegiado para as autoridades processadas por ato de improbidade administrativa, haja vista que o Supremo Tribunal Federal, na sesso do dia 8 de agosto de 2007, concluiu o julgamento da Reclamao no 2.138, aforada em 2002, relator Ministro Nelson Jobim, decidindo, por maioria (seis votos a cinco), que os ministros de Estado no se sujeitam Lei da Improbidade Administrativa.

    Votaram contra esse entendimento os Ministros Marco Aurlio Mello, Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Celso de Mello e Seplveda Pertence.

    Recentemente, em 22 de abril de 2008, o Ministro Gilmar Mendes, na qualidade de Presidente do Supremo Tribunal Federal, proferiu deciso monocrtica na Reclamao no 2.186, determinando o arquivamento de duas aes de improbidade administrativa que questionavam os atos de ministros de Estado e de diretores do Banco Central do Brasil que impli-caram ajuda fi nanceira ao Banco Econmico, em 1995, da ordem de qua-

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    se 3 bilhes de reais. As autoridades requeridas nessas aes haviam sido condenadas a ressarcir o dano causado ao patrimnio pblico em primeiro grau de jurisdio. Entendeu Sua Excelncia, o Ministro Gilmar Mendes, que os ministros de Estado no se sujeitam disciplina de responsabiliza-o de que trata a Lei da Improbidade Administrativa, mas sim da Lei no 1.079/1950, que defi ne os crimes de responsabilidade do Presidente da Repblica e dos ministros de Estado. Amparou-se Sua Excelncia no jul-gamento da Reclamao no 2.138, relator Ministro Nelson Jobim, na qual restou consignado que os atos de improbidade administrativa defi nidos na Lei no 8.429/1992 constituem autnticos crimes de responsabilizao, contendo, alm de forte contedo penal, a feio de autntico mecanismo de responsabilizao poltica.

    O Banco Econmico foi liquidado administrativamente. O prejuzo causado aos correntistas e aos investidores foi arcado pelo patrimnio p-blico. Seus donos, no entanto, salvaram parte dos patrimnios pessoais e ainda esto acionando a Unio pelos supostos prejuzos que tiveram com a interveno do Banco Central. Se tiverem sucesso nessa demanda, fi caro mais ricos do que antes da interveno estatal, com a conta paga pelo con-tribuinte. o surrealismo brasileiro que refl ete a herana histrica do pa-trimonialismo estatal em confronto com os ideais republicanos: os lucros das instituies fi nanceiras so privados e pertencem apenas a alguns, mas os prejuzos so de todos, e por toda a sociedade devem ser repartidos.

  • 2 DEFINIES

    2.1 tica

    A referncia tica, neste trabalho, tem o sentido de disciplina norma-tiva, de regras estabelecidas visando a condutas que expressem valores mo-rais positivados no ordenamento jurdico brasileiro. Tal concepo implica a noo de que a tica a cincia que tem a moral como objeto.1

    No pretendemos, todavia, fazer incurses acadmicas acerca da dis-tino entre tica e moral, ou seja, entre a cincia e seu objeto, muito menos tentar defi nir a tica como a norma expressa e a moral como a conduta esperada em face dessa norma. O que pretendemos identifi car os valores sejam eles morais ou ticos que o ordenamento jurdico brasileiro erigiu ao patamar de norma escrita. Tambm no temos a in-teno de estabelecer qualquer distino entre princpios e regras. Impor-ta-nos identifi car as condutas que esto positivadas o dever ser , sejam elas expressas em termos de valores a serem alcanados, sejam mediante vedao, proibio ou sano do comportamento contrrio ao que se encontra determinado.

    2.2 Confl ito de interesses

    Confl ito de interesses no servio pblico uma expresso de sentido bastante amplo que abrange situaes das mais diversas, sempre relaciona-das com a infl uncia que interesses privados podem exercer sobre a condu-ta funcional do servidor pblico.

    No existe no Brasil uma norma legal que defi na confl ito de interesses e seja aplicvel a todos os servidores pblicos. Tambm no existe uma norma que estabelea o dever do agente pblico de no se colocar em si-tuao que possa configurar conflito de interesses. H, porm, normas

    1 VZQUEZ, Adolfo Snchez. tica. 25. ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2004. p. 22.

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    que regulam condutas especfi cas, as quais, embora no faam referncia expressa questo do confl ito de interesses, deixam evidente que esse o objetivo delas.

    O Cdigo de Conduta da Alta Administrao Federal um Cdigo que tem como fi nalidade principal regular a questo do confl ito de interes-ses, mas no o defi ne. Ademais, bastante reduzido o nmero de agentes pblicos a ele submetidos, haja vista sua aplicao estar limitada s altas autoridades do Poder Executivo Federal.

    A Comisso de tica Pblica da Presidncia da Repblica editou a Re-soluo Interpretativa no 8, de 25 de setembro de 2003, com o objetivo de orientar as autoridades submetidas ao Cdigo de Conduta da Alta Admi-nistrao para que identifi quem situaes que possam suscitar confl ito de interesses. De acordo com essa resoluo, suscita confl ito de interesses o exerccio de atividade que:a) em razo da sua natureza, seja incompatvel com as atribuies do car-

    go ou funo pblica da autoridade, como tal considerada, inclusive a atividade desenvolvida em reas ou matrias afi ns competncia funcional;

    b) viole o princpio da integral dedicao pelo ocupante de cargo em co-misso ou funo de confi ana que exige a precedncia das atribuies do cargo ou funo pblica sobre quaisquer outras atividades;

    c) implique a prestao de servios a pessoa fsica ou jurdica, ou a manu-teno de vnculo de negcio com pessoa fsica ou jurdica que tenha interesse em deciso individual ou coletiva da autoridade;

    d) possa, pela sua natureza, implicar o uso de informao qual a au-toridade tenha acesso em razo do cargo e no seja de conhecimento pblico;

    e) possa transmitir opinio pblica dvida a respeito da integridade, da moralidade, da clareza de posies e do decoro da autoridade.

    Pode-se observar que a Comisso de tica Pblica optou por indicar situaes passveis de confi gurar confl ito de interesses em vez de apresentar um conceito do que seja esse tipo de confl ito. Tal opo, conquanto facilite

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    a identifi cao das situaes capazes de gerar confl ito de interesses, no alcana o universo delas.

    A Organizao para a Cooperao e o Desenvolvimento Econmico (OCDE) defi ne confl ito de interesses como uma situao que envolve um confl ito entre o dever pblico e o interesse privado de um agente pbli-co, em que este tem interesses no setor privado que podem infl uenciar, inde-vidamente, o desempenho de suas obrigaes e responsabilidades ofi ciais.2

    Essa defi nio est focada na questo do interesse patrimonial privado em contraposio ao interesse pblico. Logo, ela no alcana todas as for-mas de confl ito de interesses, porque a existncia de interesse patrimonial privado no condio necessria confi gurao de uma situao de con-fl ito de interesses no servio pblico.

    O interesse pessoal do agente pblico, que pode contrapor-se ao inte-resse pblico, no precisa ser, necessariamente, de natureza patrimonial. Ele pode ter outra natureza e apresentar-se, inclusive, dissimulado por um suposto interesse pblico, como ocorre quando um agente pblico investi-do de poderes para tomar deciso que afeta interesse de rgo pblico que tenha, sob sua esfera de poder, caso especfi co de interesse daquele agente. o caso, por exemplo, de um parlamentar que designado relator de um projeto de lei de interesse da magistratura, mas contra ele existe ao penal pendente de julgamento. Nessa hiptese, no h um interesse patrimonial que infl uencie a atuao do parlamentar como agente pblico. H, isto sim, confl ito entre seu interesse pessoal de livrar-se da ao penal e de uma possvel condenao criminal e o interesse pblico que justifi ca o projeto de lei do qual ele relator. Sabe-se que os poderes de um relator so bem maiores que os dos demais parlamentares.

    Portanto, sob o ngulo mais abrangente possvel que deve ser vista e analisada a questo do confl ito de interesses no servio pblico. E no se pode pensar em tica no servio pblico sem levar em considerao a questo do confl ito de interesses, que no se limita ao trfi co da funo

    2 A confl ict of interest involves a confl ict between the public duty and private interests of a public offi cial, in which the public offi cial has private-capacity interests which could improperly infl uence the performance of their offi cial duties and responsibilities.

  • 22 | tica e conflito de interesses no servio pblico

    pblica ou ao uso do cargo pblico para atender a interesses particulares. Ele adquire maior relevncia na medida em que provoca a degenerao dos valores colocados como primados maiores da Administrao Pblica, tais como moralidade, impessoalidade, imparcialidade, igualdade e transparn-cia dos atos de gesto da coisa pblica.

    Confl ito de interesses, portanto, um dos aspectos, e, certamente, o mais importante deles, que envolve a questo da tica no servio pblico.

    2.3 Servio pblico

    A expresso servio pblico utilizada neste trabalho no mesmo sen-tido de Administrao Pblica, que compreende, por fora do que dis-pe o art. 37 da Constituio Federal, a Administrao Pblica direta e indireta.

    Nos termos do art. 4o do Decreto-Lei no 200, de 25 de fevereiro de 1967, a Administrao Pblica direta constitui-se um dos servios integra-dos na estrutura administrativa da Presidncia da Repblica e dos Ministrios. A Administrao Pblica indireta compreende as autarquias, as fundaes pblicas, as empresas pblicas e as sociedades de economia mista.

    O Cdigo de Conduta tica do Servidor Pblico Civil do Poder Execu-tivo Federal estende o dever tico a qualquer rgo ou entidade que exera atribuies delegadas pelo poder pblico (inciso XVI).

    Os atos normativos que regulam questes ticas esto voltados, em sua maioria, para o Poder Executivo. Todavia, as funes exercidas pelos Poderes Legislativo e Judicirio so tambm de natureza pblica, razo pela qual suas atividades se enquadram no conceito de servio pblico, aplicando-se-lhes, no que couber, os atos normativos abordados neste trabalho.

    2.4 Funcionrio pblico

    O conceito de funcionrio pblico dado pelo art. 327 do Cdigo Penal, de 1940, nos seguintes termos:

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    Art. 327. Considera-se funcionrio pblico, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remunerao, exerce cargo, emprego ou funo pblica.

    A Lei no 9.983, de 14.07.2000, deu nova redao ao 1o desse ar-tigo para incluir, no conceito de funcionrio pblico, por equiparao, as pessoas que trabalham no servio pblico na qualidade de empregados contratados pelas empresas prestadoras de servios. A atual redao desse pargrafo a seguinte:

    1o Equipara-se a funcionrio pblico quem exerce cargo, emprego ou funo em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de servio contratada ou conveniada para a execuo de atividade tpica da Administrao.

    A Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, que estabelece normas para licitaes e contratos da Administrao Pblica, defi ne como servidor pblico:

    Art. 84. Considera-se servidor pblico, para os fi ns desta lei, aquele que exerce, mesmo que transitoriamente ou sem remunerao, cargo, funo ou emprego pblico. 1o Equipara-se a servidor pblico, para os fi ns desta lei, quem exerce cargo, emprego ou funo em entidade paraestatal, assim consideradas, alm das fundaes, empresas pblicas e sociedades de economia mista, as demais entidades sob controle, direto ou indireto, do Poder Pblico.

    A Lei da Improbidade Administrativa, Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, estabelece a defi nio de agente pblico nos seguintes termos:

    Art. 2o Reputa-se agente pblico, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remunerao, por eleio, nomeao,

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    designao, contratao ou qualquer outra forma de investidura ou vnculo, mandato, cargo, emprego ou funo nas entidades mencionadas no artigo anterior.

    O artigo anterior a que se refere esse art. 2o tem a seguinte redao:

    Art. 1o Os atos de improbidade praticados por qualquer agente pblico, servidor ou no, contra a administrao direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municpios, de Territrio, de empresa incorporada ao patrimnio pblico ou de entidade para cuja criao ou custeio o errio haja concorrido ou concorra com mais de cinqenta por cento do patrimnio ou da receita anual, sero punidos na forma desta lei.

    Pargrafo nico. Esto tambm sujeitos s penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimnio de entidade que receba sub-veno, benefcio ou incentivo, fi scal ou creditcio, de rgo pblico bem como daquelas para cuja criao ou custeio o errio haja concorrido ou concorra com menos de cinqenta por cento do patrimnio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sano patrimonial repercusso do ilcito sobre a contribuio dos cofres pblicos.

    O Decreto no 6.029, de 1o de fevereiro de 2007, que instituiu o Siste-ma de Gesto da tica do Poder Executivo Federal, estabeleceu a seguinte defi nio de agente pblico:

    Pargrafo nico. Entende-se por agente pblico, para os fi ns deste Decreto, todo aquele que, por fora de lei, contrato ou qualquer ato jurdico, preste servios de natureza permanente, temporria, excepcional ou eventual, ainda que sem retribuio fi nanceira, a rgo ou entidade da Administrao Pblica federal, direta e indireta. (art. 11)

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    No Cdigo de tica Profi ssional do Servidor Pblico Civil do Poder Executivo Federal, aprovado pelo Decreto no 1.171, de 22 de junho de 1994, a defi nio de servidor pblico mais abrangente que a de agente pblico fi xada no Decreto no 6.029/2007. Confi ra-se:

    XXIV Para fi ns de apurao do comprometimento tico, entende-se por servidor pblico todo aquele que, por fora de lei, contrato ou de qual-quer ato jurdico, preste servios de natureza permanente, temporria ou excepcional, ainda que sem retribuio fi nanceira, desde que ligado direta ou indiretamente a qualquer rgo do poder estatal, como as autarquias, as fundaes pblicas, as entidades paraestatais, as empresas pblicas e as sociedades de economia mista, ou em qualquer setor onde prevalea o in-teresse do Estado.

    A Conveno Interamericana contra a Corrupo, da qual o Brasil signatrio, aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Le-gislativo no 152, de 25 de junho de 2002, e promulgada pelo Decreto no 4.410, de 7 de outubro de 2002, fi xa os conceitos de funo pblica, funcionrio pblico , funcionrio de governo e servidor pblico, nos seguintes termos:

    Artigo I

    Para os fi ns desta Conveno, entende-se por:

    Funo pblica toda atividade, temporria ou permanente, remunerada ou honorria realizada por uma pessoa fsica em nome do Estado ou a servio do Estado ou de suas entidades, em qualquer de seus nveis hierrquicos.

    Funcionrio pblico, funcionrio de governo ou servidor pblico qual-quer funcionrio ou empregado de um Estado ou de suas entidades, inclusive os que tenham sido selecionados, nomeados ou eleitos para desempenhar

  • 26 | tica e conflito de interesses no servio pblico

    atividades ou funes em nome do Estado ou a servio do Estado em qual-quer de seus nveis hierrquicos.

    Pode-se concluir, portanto, que as normas de natureza tica, inclusive as que se referem a infraes de natureza grave, tais como as que mencionam condutas tipifi cadas como crime contra a Administrao Pblica ou ato de improbidade administrativa, alcanam todas as pessoas que trabalham na Administrao Pblica direta e indireta, o que inclui as que trabalham nas empresas pblicas e nas sociedades de economia mista, quer na condio de titulares de cargo ou emprego efetivo ou temporrio, quer na condio de empregados de empresa prestadora de servios. Os titulares de cargos em conselhos de administrao ou fi scal das empresas estatais tambm es-to alcanados por essas regras.

  • 3 A TICA NA CONSTITUIO FEDERAL

    Estabelece o art. 37 da Constituio Federal que a Administrao P-blica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios obedecer aos princpios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e efi cincia e, tambm, a outros que so enumerados.

    O texto constitucional remete-nos, de plano, concluso de que a ati-vidade administrativa no exclusividade do Poder Executivo. Todos os Poderes da Unio Executivo, Legislativo e Judicirio , dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios a exercem, e, ao faz-lo, devem obedecer aos princpios mencionados.

    O Poder Judicirio, por exemplo, quando adquire bens necessrios a seu funcionamento, no pratica ato jurisdicional, mas sim ato de gesto administrativa. De igual modo, o Poder Legislativo, quando adquire ou administra bens necessrios ao desempenho da sua atividade prpria, no pratica ato legislativo, mas sim ato administrativo.

    Os atos administrativos, no importa quem os pratique se rgo da administrao direta ou ente da administrao indireta, se rgo do Poder Legislativo ou do Judicirio, quer da Unio, dos Estados, do Distrito Fe-deral ou dos Municpios , devem observar os princpios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da efi cincia.

    A importncia de tais princpios para a questo da tica na Administra-o Pblica resulta da compreenso do signifi cado de cada um deles.

    3.1 Princpio da legalidade

    O princpio da legalidade impe ao servidor pblico o dever de atuar de acordo com o que a lei determina. No exerccio da funo pblica no h livre-arbtrio. H, isto sim, discricionariedade, que coisa diversa. Com efeito, como ensina Crmen Lcia Antunes Rocha:

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    [...] discricionariedade qualidade de uma competncia estatal (administrativa para os efeitos deste estudo), segundo a qual o Direito impe ao administrador pblico o dever de buscar, no caso concreto e diante das circunstncias mate-rialmente apresentadas e por ele apreciadas e demonstradas em sua motivao, a fi nalidade pblica especifi cada.1

    Diferentemente do que ocorre na atividade privada, na qual ao particular lcito fazer tudo o que a lei no proba, na Administrao Pblica s per-mitido fazer o que a lei autoriza; no h vontade pessoal do agente pblico. Todavia, como adverte Lcia Valle Figueiredo:

    [...] o princpio da legalidade no pode ser compreendido de maneira aca-nhada, de maneira pobre. E assim seria se o administrador, para prover, para praticar determinado ato administrativo, tivesse sempre de encontrar arrimo expresso em norma especfi ca, que dispusesse exatamente para aquele caso concreto.2

    Isso signifi ca dizer que esse princpio no se destina a proteger o cio, ou seja, a albergar atitudes daqueles que procuram escudar-se na ausncia de norma expressa para o caso concreto como pretexto para deixar de fazer aquilo que inerente s suas obrigaes.

    O princpio da legalidade destina-se a impedir o administrador pbli-co de, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espcie, criar obrigaes ou impor vedaes aos administrados; para tanto precisa de lei.3 Ou, ainda, nas palavras de Celso Antnio Bandeira de Mello, trata-se de um princpio que traduz um propsito poltico:

    [...] o de submeter os exercentes do poder concreto o administrativo a um quadro normativo que embargue favoritismos, perseguies ou desmandos.

    1 ROCHA, Crmen Lcia Antunes. Princpios constitucionais da administrao pblica. Belo Horizonte: Del Rey, 1994.

    2 FIGUEIREDO, Lcia Valle. Curso de direito administrativo. 2. ed. So Paulo: Malheiros Edi-tores, 1995. p. 39.

    3 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, 3. ed. So Paulo: Atlas, 1992. p. 59.

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    Pretende-se, atravs da norma geral, abstrata e por isso mesmo impessoal, a lei, editada pois pelo Poder Legislativo que o colgio representativo de todas as tendncias (inclusive minoritrias) do corpo social garantir que a atuao do Executivo nada mais seja seno a concretizao dessa vontade geral.4

    A legalidade, segundo Marino Pazzaglini Filho: [...] o princpio nuclear de nosso sistema jurdico e situa-se no vrtice da pirmide dos princpios constitucionais reguladores da Administrao Pblica.5

    a base e a matriz de todos os demais princpios constitucionais que instruem, condicionam, limitam e vinculam as atividades administrativas. Os demais princpios constitucionais servem para esclarecer e explicitar o contedo do princpio maior ou primrio da legalidade.6

    A importncia do princpio da legalidade para a questo da tica de-corre, exatamente, desse balizamento que ele traa para o setor pblico, ou seja, se o certo, o regular e o lcito o servidor pblico fazer aquilo que a lei determina, na medida em que ele age em desconformidade com a lei, viola um dever no apenas para com a Administrao Pblica, mas, tambm, para com todos os cidados que esperam dele um comporta-mento de acordo com o que se encontra estabelecido no ordenamento jurdico.

    Se a lei defi ne algo como certo e que deve ser feito porque os cida-dos, por meio dos seus representantes no Congresso Nacional, defi ni-ram aquela conduta como adequada e correta. Assim, deixar de fazer o que a lei determina ou fazer de forma contrria ao que ela estabelece ou,

    4 MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 4. ed. So Paulo: Ma-lheiros Editores, 1993. p. 47/48.

    5 PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de improbidade administrativa comentada: aspectos constitucionais, administrativos, civis, criminais, processuais e de responsabilidade fi scal; le-gislao e jurisprudncia atualizadas. 2. ed. So Paulo: Atlas, 2005. p. 31.

    6 Idem. Princpios constitucionais reguladores da Administrao Pblica. 2. ed. So Paulo: Atlas, 2003. p. 26.

  • 30 | tica e conflito de interesses no servio pblico

    ainda, desvirtuada dos seus fi ns, violar o dever de lealdade que o servi-dor pblico tem para com a instituio que ele representa.

    Lealdade e honestidade so valores que devem ser cumpridos e respeita-dos porque refl etem a confi ana que a coletividade deposita naquele que investido de uma funo pblica. Logo, numa sociedade em que o direito constitui um dos fundamentos do Estado democrtico, o princpio da legali-dade desponta como o vetor mais importante do comportamento tico.

    3.2 Princpio da impessoalidade

    O princpio da impessoalidade tem como objeto a neutralidade da atividade administrativa, no sentido de consagrar o valor da igualdade dos cidados perante o Estado. Tem por pressuposto a clara distino entre aquilo que pblico e aquilo que privado. Importa em afastar tratamento privilegiado que o agente pblico possa conceder a esta ou quela pessoa em razo de amizade, parentesco, infl uncia poltica, in-teresse econmico ou qualquer outro fator que revele um desequilbrio no tratamento igualitrio que deve orientar a atuao estatal. Tambm constitui fator impeditivo para que o agente pblico se utilize do cargo para promoo pessoal ou nomeao de parentes.

    Quando o agente pblico se utiliza dos poderes da funo pblica que exerce para nomear ou obter a nomeao de parentes para o exer-ccio de cargo pblico, sem preocupao com os requisitos necessrios investidura nesses cargos e em desrespeito isonomia que deve existir na escolha daqueles que devem exerc-los, incide na prtica denominada nepotismo na Administrao Pblica, que uma das mais contundentes demonstraes de violao do princpio da impessoalidade.

    O princpio da impessoalidade guarda correlao com o valor impar-cialidade, o que signifi ca dizer que perseguies, simpatias, antipatias, caprichos, paixes ou qualquer interesse de ordem pessoal no podem interferir no trato com o pblico.

  • Jos Leovegildo Oliveira Morais | 31

    3.3 Princpio da moralidade

    A moral um dos aspectos do comportamento humano. Ela refl ete um padro de conduta vigente em uma sociedade. Compreende no apenas

    normas ou regras de ao, mas tambm como comportamento que deve ser os fatos com ela conformes. Ou seja, tanto o conjunto dos princpios, valores e prescries que os homens, numa dada comunidade, consideram vlidos como os atos reais em que aqueles se concretizam ou encarnam.7

    O princpio da moralidade administrativa visa a alcanar uma conduta tica segundo o direito posto, ou seja, ele se impe pela fora jurdica es-tatal moral jurdica , diferenciando-se da moral que decorre do direito natural e que se fi rma no elemento interno, volitivo, sem qualquer fora coercitiva externa.

    A Constituio Federal de 1998 elevou a moralidade administrativa ao nvel de princpio constitucional e requisito de validade dos atos adminis-trativos. Assim o fez de forma expressa no art. 37, caput, ao enumerar os princpios constitucionais da Administrao Pblica, e, no art. 5o, inciso LXXIII, ao conferir a qualquer cidado o direito fundamental de postular, na via judicial, a anulao de ato lesivo moralidade administrativa, me-diante a propositura da denominada ao popular.

    A moralidade administrativa passou a constituir causa autnoma de invalidao de ato administrativo. Pode ser vista, tambm, sob o aspecto da probidade na Administrao Pblica, tema que mereceu especial desta-que no 4o do art. 37 da Constituio Federal, o qual estabelece sanes a serem impostas aos agentes pblicos responsveis por atos de improbidade administrativa, a saber: suspenso dos direitos polticos; perda da funo pblica; indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao errio, na forma e na gradao previstas em lei, sem prejuzo da ao penal.

    7 VZQUEZ, Adolfo Snchez. Obra citada, p. 65.

  • 32 | tica e conflito de interesses no servio pblico

    Mas em que consiste a moralidade administrativa? Como se pode aferir a imoralidade de um ato administrativo, especialmente quando ele estiver formalmente de acordo com a lei?

    Para Jos Afonso da Silva:

    [...] a lei pode ser cumprida moralmente ou imoralmente. Quando a sua execuo feita, p. ex., com intuito de prejudicar algum deliberada-mente, ou com intuito de favorecer algum, por certo que se est produ-zindo um ato formalmente legal, mas materialmente comprometido com a moralidade administrativa.8

    Para Wallace Paiva Martins Jnior:

    [...] o princpio da moralidade administrativa no precisa ter seu contedo defi nido ou explicitado por regra expressa em lei. Ele se estabelece objetiva-mente a partir do confronto do ato administrativo (desde a pesquisa de seus requisitos, com destaque ao motivo, ao objeto e fi nalidade, at a produo de seus efeitos, ou seja, perquirindo-se a validade e a efi ccia) ou da conduta do agente com as regras ticas tiradas da disciplina interna da Administrao (e que obrigam sempre ao alcance do bem comum, do interesse pblico), em que se deve fi xar uma linha divisria entre o justo e o injusto, o moral e o imoral (e tambm o amoral), o honesto e o desonesto.9

    Esse autor, em que pese seu esforo para estabelecer, de forma objetiva, a defi nio de moralidade administrativa, incide, como a maioria dos dou-trinadores, em petio de princpios, na medida em que remete o contedo dessa defi nio a conceitos igualmente vagos, como bem comum, inte-resse pblico, justia e honestidade.

    8 SILVA, Jos Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 8. ed. So Paulo: Malheiros Editores, 1992. p. 571.

    9 MARTINS JNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2. ed. So Paulo: Saraiva, 2002. p. 35.

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    Uma forma de se tentar superar a fl uidez do conceito de moralidade proceder a uma anlise de outros tpicos da Constituio Federal e da legislao infraconstitucional que estabelecem normas de aderncia a esse princpio e tornam possvel a compreenso, de forma mais objetiva, do seu contedo. Por exemplo, quando a Constituio Federal estabelece o concurso pblico como forma de investidura regular nos cargos pblicos, est procurando dar efetividade no apenas aos princpios da igualdade e da impessoalidade, mas tambm ao da moralidade. Da porque se afi gura imoral a criao desmesurada de cargos em comisso que podem ser provi-dos sem concurso pblico, porque excepcionados por norma constitucio-nal. H um verdadeiro desvio de fi nalidade em casos tais, porque implica tentativa de superao, de forma ilcita ainda que mediante ato legislativo prprio , dos vetores constitucionais da Administrao Pblica. Quando tal ocorre, a moralidade administrativa afetada.

    O mesmo se pode dizer da publicidade ofi cial, que, segundo o disposto no 1o do art. 37 da Constituio Federal, deve ter carter educativo, informativo ou de orientao social. A realidade do Pas, no entanto, nos trs nveis de governo (federal, estadual e municipal), revela-se bem dife-rente do que se encontra estabelecido no preceito constitucional. O que se v um imenso gasto de recursos pblicos com campanhas publicitrias que nada tm de educativas, informativas ou de orientao social. Elas se destinam, em verdade, promoo pessoal dos governantes, a servirem de mecanismos de desvios de recursos pblicos para fi nanciar campanhas elei-torais e ao enriquecimento pessoal de agentes pblicos inescrupulosos.

    No plano infraconstitucional, existem diversas normas jurdicas vol-tadas para a efetividade do princpio da moralidade administrativa, tais como a Lei da Improbidade Administrativa, a da Ao Popular, a Lei de Licitaes, a lei do regime jurdico dos servidores pblicos e o Cdigo Penal. Contudo, no se pode limitar esse princpio ao que se encontra es-tabelecido nessas normas, sob pena de se apequen-lo. De qualquer sorte, uma forma objetiva e concreta de se tentar dar-lhe efetividade, conforme se ver nos tpicos de anlise da legislao especfi ca.

  • 34 | tica e conflito de interesses no servio pblico

    3.4 Princpio da publicidade

    O princpio da publicidade significa que os atos da Administrao Pblica devem ser divulgados ofi cialmente para conhecimento pblico e incio de seus efeitos externos. Signifi ca, tambm, que o agente pblico deve agir com a maior transparncia possvel. Visa a concretizar o princpio da moralidade e constitui instrumento indispensvel efetivao deste.

    Com efeito, somente com a publicidade dos atos administrativos que o cidado pode exercer o controle externo popular sobre eles, e quando constatar que so ilegais ou lesivos ao patrimnio pblico ou moralidade administrativa, postular a respectiva nulidade, mediante a propositura da ao popular.

    A publicidade dos atos administrativos constitui requisito de efi ccia e validade deles. Somente pode deixar de ser observada nos casos em que a lei, atendendo a interesse superior da Administrao Pblica, impuser o sigilo.

    A efetividade do princpio da publicidade no se limita divulgao, na imprensa ofi cial, dos atos administrativos. Demanda, tambm, a utilizao dos meios de comunicao jornais, rdios e televiso, audincias pbli-cas, etc. , sempre que se mostrarem necessrios a tornar do conhecimento de todos os cidados as informaes e as orientaes de carter educativo, de interesse pblico ou de natureza social.

    A publicidade dos atos ofi ciais, assim como se faz necessria para a efetividade do princpio da moralidade administrativa, pode tambm ser usada para afrontar esse mesmo princpio. Tal ocorre, como j assinalado, quando as campanhas publicitrias so utilizadas como instrumento de promoo pessoal dos governantes ou como mecanismo de desvio de di-nheiro pblico para fi ns escusos.

    3.5 Princpio da efi cincia

    O princpio da efi cincia foi elevado ao nvel de princpio constitu-cional com a Emenda Constitucional no 19, de 1998. Est direcionado

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    tanto Administrao Pblica como a cada um dos seus agentes. Tem por fi nalidade garantir a produo de resultados teis, efi cazes, racionais e econmicos. o mais moderno princpio da funo administrativa, que j no se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o servio pblico e satisfatrio atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.10

    O princpio da efi cincia consiste no dever de boa administrao que se impe a todo agente pblico. Assim, no basta que os recursos pbli-cos sejam utilizados para a produo de um resultado. necessrio, tam-bm, que esse resultado seja do interesse pblico e obtido com a maior economicidade possvel.

    O gasto pblico necessrio pode ser realizado com observncia ao princpio da economicidade ou sem qualquer preocupao com relao ao custo/benefcio. Quando o administrador pblico gerencia recursos pblicos sem preocupao de obter deles o melhor resultado possvel para as fi nalidades a que se destinam fi nalidades essas que devem estar sempre voltadas para um interesse pblico , afronta o princpio da efi ci-ncia. E aquele que gasta mal o dinheiro pblico est, certamente, a faltar com um dever tico, que a confi ana que lhe foi depositada para gerir bem um patrimnio que no lhe pertence, mas sim coletividade.

    3.6 Outras normas constitucionais que veiculam valores ticos

    Alm dos princpios constitucionais direcionadores da Administrao Pblica, a Constituio Federal vigente contempla outras normas de forte contedo tico e que objetivam a preservao da moralidade administrati-va. Dentre essas normas destacamos as que so enumeradas a seguir.

    10 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 15. ed. 1990. p. 86.

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    3.6.1 Ao popular para anular ato lesivo moralidade administrativa

    O inciso LXXIII do art. 5o confere legitimidade a qualquer cidado para propor ao popular que vise a anular ato lesivo ao patrimnio pblico ou de entidade de que o Estado participe, moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimnio histrico ou cultural. Trata-se de um valioso instrumento de exerccio da cidadania.

    A ao popular constitucional foi introduzida no direito brasileiro com a Constituio de 1934, cujo art. 113 disps que: Qualquer cidado parte legtima para pleitear a declarao de nulidade ou anulao dos atos lesivos do patrimnio da Unio, dos Estados e dos Municpios.

    A Constituio de 1937 no tratou do tema. A Constituio de 1946, no entanto, reintroduziu-o no art. 141, 38, nos seguintes termos: Qual-quer cidado ser parte legtima para pleitear a anulao ou a declarao de nulidade de atos lesivos do patrimnio da Unio, dos Estados e dos Muni-cpios, das entidades autrquicas e das sociedades de economia mista.

    Sua regulamentao veio pela Lei no 4.717, de 29 de junho de 1965, que defi niu, entre outras coisas, os casos de nulidade por lesividade real ou presumida ao patrimnio pblico (arts. 2o, 3o e 4o) e estabeleceu, como efeito da procedncia da ao, a invalidao do ato impugnado e a conde-nao dos responsveis no ressarcimento do patrimnio pblico lesado.

    As Constituies de 1967 e 1969 mantiveram-na nos mesmos moldes da Constituio de 1946, consoante o disposto no 31 do art. 153 do texto de 1969: Qualquer cidado ser parte legtima para propor ao po-pular que vise a anular atos lesivos ao patrimnio das entidades pblicas.

    A Constituio de 1988 avanou no tema e incluiu a leso moralidade administrativa como causa de anulao de atos administrativos, mediante a ao popular. Eis a redao do inciso LXXIII do art. 5o:

    qualquer cidado parte legtima para propor ao popular que vise a anular ato lesivo ao patrimnio pblico ou de entidade de que o Estado participe, moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimnio histrico ou

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    cultural, fi cando o autor, salvo comprovada m-f, isento de custas judiciais e do nus da sucumbncia.

    A ao popular, conquanto seja um excelente instrumento de exerccio da cidadania, no tem produzido os resultados desejados. Alguns fatores podem ser apontados como causa da sua inefi cincia: a) o elevado custo de um processo judicial, especialmente quando se tem

    de pagar advogado para conduzi-lo e realizar exames periciais necess-rios prova do alegado;

    b) lentido e demora dos processos judiciais (algumas aes populares chegam a demorar dez anos para serem sentenciadas em primeiro grau de jurisdio), o que conduz o autor popular a, muitas vezes, perder o interesse pela ao, inclusive por no mais vislumbrar oportunidade na punio dos responsveis; quando tal ocorre, o autor popular abandona a ao e, de regra, nenhum outro cidado se apresenta como interessado em lhe dar prosseguimento; em casos tais, o encargo acaba por recair no Ministrio Pblico, que de fi scal da lei passa condio de autor da ao, o que demanda um juzo de valor quanto efetiva existncia do interesse pblico que teria motivado o autor popular;

    c) o autor popular nem sempre dispe dos elementos probatrios necess-rios a instruir o pedido formulado na ao, o que, muitas vezes, resulta em aes mal preparadas, cujas peties iniciais so defi cientes, com conseqente prejuzo para toda a instruo probatria e condenao dos responsveis; quando tal ocorre, a ao popular acaba se transfor-mando em atestado de idoneidade de administradores mprobos, que passam a exibir a sentena de improcedncia como prova da licitude de suas condutas;

    d) a ao popular tem sido usada, tambm, como instrumento de vingan-a, completamente desvirtuada dos seus fi ns, o que acarreta utilizao do Poder Judicirio para perseguir desafetos do autor popular ou para atender a interesses polticos escusos, que se valem, muitas vezes, de laranjas para viabilizar tais aes.

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    Com a instituio da ao de improbidade administrativa e a legitima-o do Ministrio Pblico para sua propositura, passou a ser mais conve-niente para o cidado fazer representao ao Ministrio Pblico sobre fatos que ensejariam a propositura de ao popular do que intent-la diretamen-te. Como o Ministrio Pblico tem poder de investigao e de requisio de documentos e a ao de improbidade alcana os mesmos objetivos da ao popular, alm de outros, o interesse pblico, de regra, fi ca mais bem amparado em casos tais.

    3.6.2 Casos de inelegibilidade para evitar infl uncia do poder econmico ou abuso do cargo pblico

    Alm dos casos de inelegibilidade previstos na Constituio Federal, pode a lei complementar estabelecer outras hipteses, bem como os prazos de sua cessao, a fi m de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exerccio de mandato, bem como a normalidade e a legitimidade das eleies contra a infl uncia do poder econmico ou o abuso do exerccio de cargo, emprego ou funo na administrao direta ou indireta. o que prev o 9o do art. 14 da Constituio Federal.

    3.6.3 Sistema de mrito para provimento de cargos pblicos

    Dispe o inciso II do art. 37 da Constituio Federal que a investidura em cargo ou emprego pblico depende de aprovao prvia em concurso pblico de provas ou de provas e ttulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeaes para cargo em comisso declarado em lei de livre nomeao e exonerao.

    Trata-se de um preceito constitucional que visa a garantir diversos princpios estabelecidos na Constituio Federal, destinados a assegurar valores ticos, tais como o da igualdade no acesso aos cargos pblicos, o da impessoalidade na escolha das pessoas que iro ocup-los, o da mo-

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    ralidade na conduo da Administrao Pblica e o da escolha dos mais capacitados.

    3.6.4 Restrio livre nomeao para cargos em comisso

    Dispe o inciso V do art. 37 da Constituio Federal que as funes de confi ana devem ser exercidas, exclusivamente, por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comisso, por servidores de carreira, nos casos, condies e percentuais mnimos previstos em lei.11

    Servidores ocupantes de cargo efetivo so aqueles que, em tese, ingressa-ram no servio pblico mediante concurso pblico. Diz-se em tese porque h servidores que ingressaram no servio pblico antes da Constituio Fe-deral de 1988 e hoje so titulares de cargo efetivo, mas no se submeteram regra constitucional do concurso pblico.

    Cargos em comisso so aqueles declarados em lei de livre nomeao e exo-nerao e destinados s atribuies de direo, chefi a e assessoramento. Podem ser providos por servidores titulares de cargo efetivo ou no. Aos titulares de cargo efetivo devem ser reservados percentuais mnimos desses cargos.

    Essa regra constitucional est voltada para a efetividade do princpio da moralidade administrativa, haja vista que tem como objetivos evitar o apadrinhamento e o nepotismo no servio pblico, privilegiar o sistema de mrito e o princpio da igualdade, sem, contudo, impedir a busca, na iniciativa privada, de pessoas capacitadas para o exerccio de funes de direo ou de alta qualifi cao tcnica.

    A nomeao de pessoas sem vnculo com o servio pblico mas dotadas de qualifi cao tcnica necessria para o exerccio de certos cargos pblicos uma forma de se oxigenar a Administrao Pblica.

    O que se verifi ca, no entanto, em face dessa faculdade salutar, o desvio de sua fi nalidade, como comum ocorrer com as boas intenes. Por isso

    11 V as funes de confi ana, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comisso, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condies e percentuais mnimos previstos em lei, destinam-se apenas s atribuies de dire-o, chefi a e assessoramento.

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    que o Poder Legislativo, dos trs nveis de governo, se encontra incha-do de cargos em comisso, providos, em grande parte, por apadrinhados dos parlamentares, sem qualquer qualifi cao para o servio pblico, sem falar que muitos deles sequer desempenham suas atribuies no servio pblico.

    No Poder Executivo a situao no muito diferente, a exemplo do que est ocorrendo no plano federal. Denunciou-se que o governo federal teria criado, no ano de 2003, 2 mil novos cargos em comisso, visando a favorecer, com a nomeao para seu preenchimento, os militantes do Partido dos Trabalhadores. Tais nomeaes teriam por fi nalidade, tambm, aumentar as fi nanas desse partido, uma vez que dos seus fi liados cobrada uma contribuio mensal, descontada em folha de pagamento. Apontava-se como absurdo o fato de existirem 20 mil cargos em comisso no Poder Executivo federal.

    O elevado nmero de cargos em comisso, sem que tenha sido editada a lei prevista no inciso V do art. 37 da Constituio Federal, a qual deve fi xar os percentuais mnimos desses cargos a serem providos por titulares de cargos efetivos, revela a antiga prtica de se reservar parte dos cargos pblicos para serem preenchidos por critrios polticos.

    O que despertou a fria da oposio ao governo atual oposio que, quando estava no governo, se valeu fartamente dessa benesse foi o fato de os novos apadrinhados estarem contribuindo, com parte de seus vencimen-tos pblicos, para as fi nanas de um partido poltico. De qualquer sorte, conquanto no se possa dizer que a irresignao oposicionista decorra de valores ticos professados pelos que se tm manifestado, ela contribui de forma sensvel para a melhoria da tica no servio pblico.

    Em razo da relevncia que essa questo passou a ter na mdia nacional, o governo federal editou o Decreto no 5.497, de 21 de julho de 2005, esta-belecendo que os cargos em comisso do Grupo-Direo e Assessoramento Superiores (DAS), nveis 1, 2 e 3, somente podem ser ocupados por servi-dores de carreira. Metade dos cargos de nvel 4 somente pode ser ocupada por servidores de carreira. Os cargos de nvel 5 e 6 fi caram fora de qualquer restrio, assim como os cargos de natureza especial.

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    Servidor de carreira, para os fi ns desse decreto, so:

    [...] os servidores, ativos ou inativos, oriundos de rgo ou entidade de qualquer dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, suas empresas pblicas e sociedades de economia mista, ocupan-te de cargo ou emprego permanente no qual ingressou mediante concurso pblico ou, se em data anterior a 5 de outubro de 1988, mediante forma de provimento permitida pelo ordenamento da poca de ingresso (art. 2o).

    De acordo com esse critrio, um servidor de um municpio, qualquer que seja ele, desde que seja titular de cargo efetivo nesse municpio, pode ocupar, no governo federal, cargo em comisso reservado aos servidores de carreira. Ou seja, a amplitude da restrio revela favorecimento ao critrio poltico para nomeao para os cargos em comisso, mesmo aqueles agora ditos reservados. Em outras palavras, fez-se a tica pela metade.

    3.6.5 Vedao de acumular cargos pblicos

    O inciso XVI do art. 37 da Constituio Federal veda a acumulao remunerada de cargos pblicos, exceto a acumulao de:a) dois cargos de professor;b) um cargo de professor com outro, tcnico ou cientfi co;c) dois cargos privativos de mdico.

    Em qualquer caso de acumulao, necessrio que haja compatibili-dade de horrios, incidindo, tambm, o limite mximo de remunerao fi xado no inciso XI do art. 37.

    A compatibilidade de horrios tem de ser aferida no apenas em relao aos horrios de trabalho que devem ser cumpridos num e noutro cargo. necessrio, tambm,

    [...] a observncia da jornada semanal mxima de trabalho, princpio este de estatura constitucional destinado a preservar a sade do trabalhador e

  • 42 | tica e conflito de interesses no servio pblico

    a qualidade do servio pblico por ele desempenhado, princpios estes em relao aos quais no podem nem mesmo os interessados transigir.12

    O inciso XVII desse mesmo artigo estende essa vedao a empregos e funes em autarquias, fundaes, empresas pblicas e sociedades de eco-nomia mista, suas subsidirias e sociedades controladas, direta ou indireta-mente, pelo poder pblico.

    A proibio de acumular cargos e empregos pblicos da tradio do direito brasileiro. Trata-se de uma regra que visa a possibilitar a isonomia, evitando que alguns poucos se apoderem de diversos cargos pblicos. Por sua vez, ao estabelecer as excees regra geral, fi xando as hipteses de acumulao lcita de cargos e remuneraes, a Constituio Federal im-ps a compatibilidade de horrios como requisito a ser observado. Com isso, evita-se que um servidor acumule, licitamente, cargos pblicos cujas atividades devam ser desempenhadas em horrios confl itantes, haja vista a impossibilidade ftica de dois cargos serem exercidos, por uma mesma pessoa, em um mesmo horrio, porque ao ser humano ainda no foi dado o dom da onipresena. Logo, a exigncia de compatibilidade de horrios, para que seja lcita a acumulao de cargos pblicos, uma regra que visa concretizao do princpio da moralidade administrativa.

    3.6.6 Aumentos remuneratrios vinculados a prvia dotao oramentria

    O art. 169, 1o, da Constituio Federal, submete a concesso de qual-quer vantagem, aumento de remunerao, criao de cargos ou alterao de estrutura de carreiras, bem como a admisso de pessoal, a qualquer ttulo, pelos rgos e pelas entidades da administrao direta ou indireta, inclusive fundaes institudas e mantidas pelo poder pblico, a prvia

    12 Trecho do voto da Desembargadora Federal Maria Isabel Gallotti nos autos do Agravo de Instrumento no 2003.01.00.000356-0/GO, Tribunal Regional Federal da Primeira Regio, D.J. de 06.10.2003, p. 52.

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    dotao oramentria sufi ciente para atender s projees de despesa de pessoal e aos acrscimos dela decorrentes.

    Trata-se de mais um preceito constitucional voltado para a efetividade da moralidade administrativa e para a responsabilidade fi scal dos gover-nantes e dos administradores pblicos.

    3.6.7 Limite mximo de remunerao (teto remuneratrio)

    O inciso XI do art. 37 da Constituio Federal estabelece o limite m-ximo de remunerao dos ocupantes de cargos, funes e empregos p-blicos. O 9o desse mesmo artigo estende essa norma aos cargos e aos empregos exercidos nas empresas pblicas e nas sociedades de economia mista, inclusive em suas subsidirias, quando tais empresas receberem re-cursos da Unio, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municpios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio geral.

    O limite mximo de remunerao na Administrao Pblica, em qual-quer nvel de governo (federal, estadual e municipal) e em qualquer dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judicirio), tem por fi nalidade evitar o recebimento de remuneraes elevadssimas, fi xadas de forma desarrazoada em face da modicidade que deve nortear a retribuio dos cargos pblicos, que no pode ser vista como instrumento de enriquecimento patrimonial do agente pblico. Trata-se de uma regra voltada para a efetividade do princpio da moralidade administrativa.

    3.6.8 Restries a parlamentares para exercer cargos e fi rmar contratos

    De acordo com os arts. 54 e 55 da Constituio Federal, vedado a deputados e senadores aceitar ou exercer cargos, funes ou empregos e fi r-mar ou manter contratos com pessoas de direito pblico, autarquias, empresas pblicas ou sociedades de economia mista ou concessionrios de servio pblico salvo quando o contrato obedecer a clusulas uniformes ou

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    patrocinar causas em que tais pessoas sejam interessadas, sob pena de per-derem o mandato.

    Essa proibio, no caso de contratos, incide desde a diplomao; no caso de emprego, cargo ou funo, desde a posse.

    O objetivo dessa proibio evitar o uso abusivo da infl uncia poltica, a ocorrncia de situaes de confl ito de interesses e a preservao da mora-lidade administrativa.

  • 4 CONFLITO DE INTERESSES

    4.1 Atos normativos e assuntos regulados

    Como afi rmado, no Brasil ainda no existe um ato normativo, com fora de lei, que estabelea a defi nio de confl ito de interesses. H, no entanto, vrios atos legais e regulamentares cujas disposies, no todo ou em parte, tm por fi nalidade reprimir ou prevenir a ocorrncia desse tipo de confl ito, embora nem sempre lhe faam referncia expressa. Apresenta-remos, a seguir, alguns desses atos.

    4.1.1 Cdigo de Conduta da Alta Administrao Federal

    O Cdigo de Conduta da Alta Administrao Federal foi institudo em agosto de 2000 e constitui um conjunto de normas ao qual a pessoa nomeada pelo Presidente da Repblica para um cargo de primeiro escalo da Administrao Federal deve aderir.1 Trata-se, portanto, de um cdigo de adeso cuja transgresso no necessariamente implicar violao de lei, mas to-somente descumprimento do compromisso pessoal e moral assu-mido pelo administrador.2

    A fi nalidade principal desse cdigo disciplinar a questo do confl ito de interesses, visando a evitar ou minimizar sua ocorrncia. Por isso, nele esto regulados os assuntos relacionados a seguir.

    4.1.1.1 Situao patrimonial que possa gerar confl ito de interesses

    A autoridade submetida ao Cdigo de Conduta da Alta Administrao Federal est obrigada a comunicar Comisso de tica Pblica os atos de gesto patrimonial que envolvam a transferncia de bens a parentes pr-

    1 Exposio de Motivos (Casa Civil) no 37, de 18.08.2000.2 Idem.

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    ximos (cnjuge, ascendente, descendente ou colateral), a aquisio direta ou indireta de controle de empresa, alterao signifi cativa no valor ou na natureza do seu patrimnio, bem como os atos de gesto de bens cujo valor possa ser substancialmente afetado por deciso ou poltica governamental da qual tenha prvio conhecimento em razo do cargo ou funo (art. 5o).

    Quando ocorre situao em que certos bens de propriedade da auto-ridade, ou de seus parentes prximos, possam ser afetados por deciso ou poltica governamental, ela deve alien-los ou transferir a administrao deles a instituio fi nanceira ou a administradora de carteira de valores mobilirios autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil ou pela Comisso de Valores Mobilirios, conforme o caso. Essa transferncia de administrao deve ser feita mediante instrumento contratual que conte-nha clusula que vede a participao da autoridade em qualquer deciso de investimento, assim como seu prvio conhecimento de decises da instituio administradora quanto gesto dos bens e direitos (Resoluo CEP no 8, de 2003).

    4.1.1.2 Participao societria em empresa privada

    vedado aos servidores pblicos federais participar de gerncia ou ad-ministrao de empresa privada, conforme estabelece o Estatuto do Servi-dor Pblico Federal. Assim, quem assumir um cargo pblico federal deve deixar o cargo de gerncia ou de administrao que exera em empresa privada, ou dele licenciar-se, conforme o caso.

    No caso das autoridades submetidas ao Cdigo de Conduta da Alta Ad-ministrao Federal, alm desse afastamento obrigatrio, elas devem tornar pblica sua participao em sociedade de economia mista, em instituio fi nanceira ou em empresa que negocie com o poder pblico quando o per-centual dessa participao for superior a 5% do capital social da empresa (art. 6o). Nessa hiptese, se ocorrer situao que possa suscitar confl ito de interesses, a autoridade aconselhada a transferir a administrao desses bens a instituio financeira ou a administradora de carteira de valores

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    mobilirios autorizada a funcionar pelo Banco Central ou pela Comisso de Valores Mobilirios, conforme o caso (Resoluo CEP no 8, de 2003).

    4.1.1.3. Atividade paralela do servio pblico

    As autoridades submetidas ao Cdigo de Conduta da Alta Administra-o Federal no podem exercer, para empresa privada, atividade que possa suscitar confl ito de interesses.

    Com o objetivo de orientar essas autoridades a identifi carem situaes que possam suscitar confl ito de interesses, a Comisso de tica Pblica edi-tou a Resoluo Interpretativa no 8, de 25 de setembro de 2003. Segundo essa Resoluo, suscita confl ito de interesses o exerccio de atividade que:a) em razo da sua natureza, seja incompatvel com as atribuies do car-

    go ou funo pblica da autoridade, como tal considerada, inclusive, a atividade desenvolvida em reas ou matrias afi ns competncia funcional;

    b) viole o princpio da integral dedicao pelo ocupante de cargo em co-misso ou funo de confi ana, que exige a precedncia das atribuies do cargo ou funo pblica sobre quaisquer outras atividades;

    c) implique a prestao de servios a pessoa fsica ou jurdica, ou a manu-teno de vnculo de negcio com pessoa fsica ou jurdica que tenha interesse em deciso individual ou coletiva da autoridade;

    d) possa, pela sua natureza, implicar o uso de informao qual a au-toridade tenha acesso em razo do cargo e no seja de conhecimento pblico;

    e) possa transmitir opinio pblica dvida a respeito da integridade, moralidade, clareza de posies e decoro da autoridade.

    4.1.1.4 Proposta de trabalho ou de negcio futuro

    A autoridade integrante da alta administrao federal deve informar Comisso de tica Pblica as propostas de trabalho ou de negcio futuro no setor privado, bem como qualquer negociao que envolva confl ito de

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    interesses, independentemente de sua aceitao ou rejeio (art. 13). Rece-bida a informao, a Comisso de tica Pblica analisa e delibera quanto compatibilidade da proposta s normas do Cdigo.

    4.1.1.5 Atividades aps deixar o cargo pblico

    O Cdigo de Conduta da Alta Administrao Federal estabelece que, no perodo de quatro meses aps deixar o cargo pblico, a autoridade no poder:a) exercer atividade que seja incompatvel com o cargo pblico exercido

    (art. 15); b) atuar em benefcio de pessoa fsica ou jurdica, inclusive sindicato ou as-

    sociao de classe, em processo ou negcio do qual tenha participado em razo do cargo, ou prestar-lhes consultoria, valendo-se de informaes no divulgadas publicamente a respeito de programas ou polticas do r-go ou da entidade da Administrao Pblica Federal a que esteve vin-culada ou com que tenha tido relacionamento direto e relevante nos seis meses anteriores ao trmino do exerccio da funo pblica (art. 14);

    c) aceitar cargo de administrador ou conselheiro, ou estabelecer vnculo profi ssional com pessoa fsica ou jurdica com a qual tenha mantido relacionamento ofi cial direto e relevante nos seis meses anteriores exo-nerao (art. 15);

    d) intervir, em benefcio ou em nome de pessoa fsica ou jurdica, junto a rgo ou entidade da Administrao Pblica Federal com que tenha tido relacionamento ofi cial direto e relevante nos seis meses anteriores exonerao (art. 15).

    4.1.1.6 Participao em congressos, seminrios e outros eventos

    A autoridade pblica no pode participar de seminrio, congresso e eventos semelhantes, com despesas pagas pelo promotor do evento, se este tiver interesse em deciso a ser por ela tomada.

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    A Resoluo CEP no 2/2000 faz distino entre eventos de interesse institucional e de interesse pessoal.

    Em relao aos eventos de interesse institucional, as despesas da autoridade podem ser custeadas pelo promotor do evento se este for: 1) organismo inter-nacional do qual o Brasil faa parte; 2) governo estrangeiro e suas institui-es; 3) instituio acadmica, cientfi ca ou cultural; 4) empresa, entidade ou associao de classe que no tenha interesse em deciso da autoridade.

    Quando a participao for de interesse pessoal, as despesas da autoridade somente podem ser custeadas pelo promotor do evento se observadas as se-guintes condies cumulativas: 1) a autoridade tornar pblicas as condies aplicveis sua participao; 2) o promotor do evento no tiver interesse em deciso da esfera de competncia da autoridade; 3) a participao no resul-tar em prejuzo das atividades normais inerentes ao cargo pblico.

    4.1.1.7 Recebimento de presentes

    O recebimento de presente, como regra, vedado, salvo se for ofe-recido por autoridade estrangeira, nos casos protocolares em que houver reciprocidade.

    O Cdigo de Conduta da Alta Administrao Federal faz distino en-tre presente e brinde. No considera presente os brindes que no tenham valor comercial nem os distribudos por entidades de qualquer natureza, a ttulo de cortesia, propaganda, divulgao habitual ou por ocasio de even-tos especiais ou datas comemorativas, desde que no ultrapassem o valor de R$ 100,00. Os brindes assim considerados so permitidos.

    Esse assunto encontra-se regulado pela Resoluo CEP no 3, de 2000.

    4.1.2 Cdigo de Conduta tica da Presidncia e Vice-Presidncia da Repblica

    O Cdigo de Conduta dos Agentes Pblicos em exerccio na Presidncia e Vice-Presidncia da Repblica foi institudo pelo Decreto no 4.081, de 11 de janeiro de 2002, com o objetivo de:

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    I tornar claro que o exerccio de atividade profi ssional na Presidncia e Vice-Presidncia da Repblica constitui rara distino ao agente pblico, o que pressupe adeso a normas ticas especfi cas de conduta previstas neste Cdigo; II estabelecer as regras de conduta inerentes ao exerccio de cargo, emprego ou funo na Presidncia e Vice-Presidncia da Repblica; III preservar a imagem e a reputao do agente pblico, cuja conduta esteja de acordo com as normas estabelecidas neste Cdigo; IV evitar a ocorrncia de situaes que possam suscitar confl itos entre o interesse privado e as atribuies pblicas do agente pblico; V criar mecanismo de consulta destinado a possibilitar o prvio e pronto esclarecimento de dvidas quanto correo tica de condutas especfi cas; VI dar maior transparncia s atividades da Presidncia e Vice-Presidncia da Repblica.

    Esse Cdigo segue a mesma linha de orientao do Cdigo de Conduta da Alta Administrao Federal e regula os mesmos assuntos por este regu-lados, com alguns acrscimos e avanos importantes, conforme se observa a seguir.

    4.1.2.1 Gesto de bens

    O agente pblico em exerccio na Presidncia ou na Vice-Presidncia da Repblica est impedido de gerir os bens prprios cujo valor possa ser substancialmente afetado por inf