LivroUniversidadeeLugaresdaMemoria

Embed Size (px)

Citation preview

Universidade e lugares de memria IIUNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROReitorAlosio TeixeiraVice-ReitoraSylvia da Silveira de Mello VargasPr-Reitora de GraduaoBelkis ValdmanPr-Reitora de Ps-Graduao e Pesquisangela UllerPr-Reitor de Planejamento e DesenvolvimentoCarlos Antnio Levi da ConceioPr-Reitor de PessoalLuiz Afonso Henrique MarizPr-Reitora de ExtensoLaura TavaresPrefeito da Cidade UniversitriaHlio de Mattos AlvesCoordenadora do Frum de Cincia e CulturaBeatriz ResendeCoordenadora do Sistema de Bibliotecas e InformaoPaula Maria Abrantes Cotta de MelloSrie Memria Documentao e Pesquisa, 3Universidade e lugares de memria IIOrganizaoAndra Cristina de Barros QueirozAntonio Jos Barbosa de OliveiraUFRJ / FCC / SiBISistema de Bibliotecas e Informao (SiBI/UFRJ)Copyright UFRJ/FCC/SiBI, 2009Impresso e AcabamentoOficina de Livros Grfica e EditoraCapa e DiagramaoAndra Cristina Menezes PintoOrganizaoAndra Cristina de Barros QueirozAntonio Jos Barbosa de OliveiraRevisoAndra Cristina de Barros QueirozAntonio Jos Barbosa de OliveiraReviso de RefernciasElaine Baptista de Matos PaulaOs conceitos emitidos neste livro so de inteira responsabilidade dos autores.A distribuio do livro gratuita.Ficha catalogrfica elaborada pela Diviso de Processamento Tcnico SiBI/UFRJ Sistema de Bibliotecas e Informao (SiBI/UFR1) Copyright UFRJ/FCC/SiBI, 2009 Impresso Oficina de Livros Grfica e Editora Capa e Diagramao Andra Cristina Menezes Pinto Organizao Andra Cristina de Barros Queiroz Antonio Jos Barbosa de Oliveira Reviso Andra Cristina de Barros Queiroz Antonio Jos Barbosa de Oliveira Reviso de Referncias Elaine Baptista de Matos Paula Os conceitos emitidos neste livro so de inteira responsabilidade dos autores. A distribuio do livro gratuita. Ficha catalogrfica elaborada pela Diviso de Processamento Tcnico SiBI/UFRJ

Universidade e lugares de memria / organizado por Andra Cristina U58 de Barros Queiroz; Antonio Jos Barbosa de Oliveira. Rio deJaneiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Frum de Cinciae Cultura, Sistema de Bibliotecas e Informao, 2009.298p. : il. ; 21cm. -- (Memria, documentao e pesquisa) ISBN:978 - 85 - 7108 - 347 9 1. Universidade-histria. 2.Memria coletiva Congressos. 3. Memria coletiva - Universidade. I. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Frum de Cincia e Cultura. Sistema de Bibliotecas e Informao. II. Queiroz, Andra Cristina de Barros. (org.). III. Oliveira, Antonio Jos Barbosa de. II. Srie. CDD: 378.10981 Aos autoresScmKn:oApresentao9Andra Cristina de Barros Queiroz e Antonio Jos Barbosade OliveiraPassado e presente nos registros digitais11Camila Guimares Dantas e Vera DodebeiO Museu Virtual da Faculdade de 37 Medicina da UFRJ Diana Maul de CarvalhoA Faculdade de Farmcia da UFRJ55Carlos Rangel Rodrigues, Levy Gomes Ferreira, Maria Rosa Alves Bento Calmo de Freitas, Mirian Ribeiro Leite e Suzana Guimares Leito A Rede de Informao Europia e o Centro de 83 Documentao Europia da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro Marcos Antonio Carneiro MartinsMemria, discursos e instituio: 109 entre caminhos e fronteiras Antonio Jos Barbosa de Oliveira e Evelyn Goyannes Dill Orrico Museu, Memria e Geodiversidade: 131 o planeta em cena Patrcia Danza GrecoMuseu do Observatrio do Valongo149Maria Alice Ciocca de Oliveira, Jos Adolfo S. de Campos e Rundsthen Vasques de NaderOs Arquivos da Escola Nacional de Educao 163 Fsica e Desportos (1945-1966): a importnciade uma revista e iniciativas de preservao Victor Andrade de MeloA Memria do Trabalho Escravo Contemporneo185Ricardo Rezende FigueiraMemria, Preservao e Restaurao 201 do Patrimnio Arquitetnico Rosina Trevisan M. RibeiroHospital So Francisco de Assis: 217 um resgate histrico Mariana Vaz de SouzaProjeto Oficina de Estudos da Preservao: 231 um lugar de memria Maria Rosa dos Santos CorreiaETU: o Escritrio Tcnico da 247 Universidade no contexto da UFRJ Wallace Pires de CarvalhoMemria, Preservao e 263 Restaurao Documental Carmen Tereza Coelho MorenoA Universidade Federal do Rio de Janeiro 281 e as suas MemriasAndra Cristina de Barros Queiroz 9AvnvsvN1nXoEmsetembrode2009,oProjetoMemriadoSistemade Bibliotecas e Informao (SiBI) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) realizou o III Seminrio Memria, Documen-taoePesquisa,cujatemticadeucontinuidadesdiscus-ses dos Seminrios anteriores, centrando-se nas abordagens de diferentes reas do conhecimento que tem como ponto em comum a Universidade e seus lugares de memria.Ao longo de trs anos, foram identificados e analisados cer-cadetrintaespaosquepossuemacervosmemorialsticos sobre a histria da UFRJ e sobre s reas de pesquisa espec-ficasaquesedestinam.Constamdesseacervo:documentos escritos, fotografias, mapas, plantas, esculturas, pinturas, livros raros, jornais, revistas, acervos pessoais de professores, instru-mentoscientficos,patrimnioarquitetnicoealgunsdepoi-mentos de funcionrios.A fim de aprofundar as discusses sobre a Universidade e seus lugares de memria, o Seminrio deste ano esteve centra-do em trs eixos principais: Memria e informao no ambien-tevirtual;Memria,discursoseinstituio:entrecaminhose fronteiras; e Memria, preservao e restaurao de patrimnio arquitetnico e documental.Para ampliar as nossas reflexes e interlocues contamos tambm com as participaes de pesquisadores de outras ins-tituies.ComoasanlisesdosestudiososdoProgramade Ps-GraduaoemMemriaSocialdaUniversidadeFederal doEstadodoRiodeJaneiro(UNIRIO),doArquivoNacional edoInstitutodoPatrimnioHistricoeArtsticoNacional (IPHAN).Dessa forma, este livro est organizado de acordo com es-ses trs eixos temticos. Sobre o primeiro ponto, temos os ar-10tigos: Passado e presente nos registros digitais; o museu virtual da Faculdade de Medicina da UFRJ; a Faculdade de Farmcia da UFRJ; a Rede de informao europia e o centro de documen-tao europia da UFRJ.Ao teorizar acerca de seus espaos de memria, foram apre-sentados os seguintes artigos: Memria, discursos e instituio: entre caminhos e fronteiras; Museu, memria e geodiversidade: o planeta em cena; o Museu do Observatrio do Valongo; os ArquivosdaEscolaNacionaldeEducaoFsicaeDesportos (1945-1966): a importncia de uma revista e iniciativas de pre-servao; Memria do trabalho escravo contemporneo; Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro e suas memrias.Completando o ltimo eixo temtico, temos os artigos: Me-mria, preservao e restaurao do patrimnio arquitetnico; o Hospital So Francisco de Assis: um resgate histrico; projeto oficina de estudos da preservao: um lugar de memria; ETU: o Escritrio Tcnico da Universidade no contexto da UFRJ; Me-mria, preservao e restaurao documental.Procuramos,comessaorganizao,caracterizadapeladi-versidadedetemaseabordagenscomenfoquesmltiplos, reforar nossa concepo de que uma universidade se faz im-portante justamente pela riqueza advinda da multiplicidade de saberes, razo pela qual, constitui-se como patrimnio cultural indispensvel a toda Nao.Andra Cristina de Barros QueirozHistoriadora e responsvel tcnica pelo Projeto Memria / SiBI / UFRJAntonio Jos de Oliveira BarbosaProfessor Assistente do Curso de Biblioteconomia e Gesto das Unidades de Informao / UFRJ11Pnssnuo v vnvsvN1v Nos nvo:s1nos u:o:1n:sCamila Guimares Dantas1 e Vera Dodebei2The Long Now Foundation uses five digit dates, the extra zero is to solve the deca-millennium bug which will come into effect in about 8,000 years (THE LONG NOW FOUNDATION, 2009).3Ensaios,softwaresetextosdaFundaoLongNow,nos EUA, j trazem um zero adicional, como nos informa o aviso acima que se encontra na pgina inicial do portal. Pode pare-cer at fico cientfica, mas simplesmente uma prtica con-tempornea com vistas preservao de dados. A proposta de Dany Hillis a de trazer a fronteira do futuro para imaginao cotidiana, que teria se perdido em sua perspectiva aps a vira-da do milnio. Porm, ao se deparar com tal inscrio na tela difcil escapar da sensao de um presente que j se v passa-do de um futuro longnquo. Qual o significado deste zero, ou melhor, da inteno contida na incluso deste algarismo? Esta uma das perguntas que movem nossa reflexo. Mensagens eletrnicas, fotos digitais, blogs, arquivos online, tweets,entreoutroscompemumconjuntodeinformaes emconstanteexpanso.Milhesderegistrosdigitaisdavida 1DoutorandadoProgramadePs-GraduaoemMemriaSocial (PPGMS/UNIRIO). Bolsista da Capes. E-mail: [email protected] em Comunicao e Cultura pela UFRJ. Professora do Programa dePs-GraduaoemMemriaSocial(PPGMS/UNIRIO).E-mail:[email protected] Traduo livre do trecho: a Fundao Long Now usa cinco dgitos na gra-fia das datas, o zero a mais serve para evitar o deca-milnio bug que dever ocorrer em aproximadamente oito mil anos! 12contempornea se multiplicam em fragmentos desconexos na redemundialdecomputadores.Aubiqidadedastecnolo-giasdeinformaoemnossocotidianoumpontopacfico entreaquelesquesepropemapensarsobrearede.H, porm,umaamplagamadequestespolmicasemdebate no que se refere aos registros, sua possvel preservao e suas distintas configuraes na web. Esclarecemos, desde j, que o termo registros digitais refere-se s informaes que circulam em cdigo binrio na rede mundial de computadores. Embora nosso objetivo seja articular esta noo com debates tericos em pauta, optamos por uma categoria mais descritiva do que analtica por entender que os conceitos ainda esto sendo re-finados nesta dimenso das sociedades contemporneas (ZIE-ROLD, 2008, p. 407).Quando o tema a rede mundial de computadores pare-ce fcil deixar-se enredar por reducionismos que apresentam a rede ora como a grande ferramenta de democratizao da informao, ora como a vil de uma suposta organizao con-troladora e devoradora de prticas sociais mais livres. Briggs e Burke (2006) escrevem uma histria social das mdias que pe emxequetaisdicotomias,apontandoparaacomplexidade prpria dos processos envolvidos na difuso de novas mdias. Distanciando-sedepressupostosotimistasoualarmistas,os autorespropemumaabordagemhistricaapartirdecasos especficosquepermitamdesvelarconflitosetenses.Esta tambmaapostadesteartigo:pretendemosarticularalguns pontos do debate sobre o patrimnio digital na primeira parte para,emseguida,analisarumacervoonline.Nestasegunda parte nosso objeto emprico ser o acervo PeoplesWar, criado pelaredeBBC,comaproximadamente48miltestemunhos recolhidos via internet sobre a Segunda Guerra Mundial.1. O vnvsvN1v uo vnssnuo: nvo:s1nos vm n:1sO suporte digital implica em uma dinmica compatvel com fluidez dos objetos produzidos exclusivamente para a internet 13e, ao mesmo tempo, parece oferecer uma possibilidade de ar-quivamento imensa se levarmos em conta as limitaes de es-pao fsico da era do papel. Os estudos sobre a memria social e a construo do patrimnio, na atualidade, tm enfatizado a necessidade de se pensar a partir da encruzilhada de saberes onde se constroem as relaes com o passado. Osestudossobreacategoriapatrimniotmdemonstra-do a sua construo histrica, situando-o como uma inveno moderna que teve na Frana do sculo XIX um local de amplo desenvolvimentoeinstitucionalizao.Foiapenasnosculo XX que a categoria patrimnio passou a abarcar outros objetos culturaischegandorecentementeatadefiniodeherana imaterial pela Unesco que se prope a preservar prticas e sa-beres. No mundo ocidental, houve uma expanso notria das preocupaes patrimoniais, muitas vezes associadas a projetos nacionais ou identitrios (CHOAY, 2001).A defesa moderna pela preservao patrimonial se fez atre-lada a uma retrica da perda, isto , o alarme diante da pos-sibilidadededesaparecimentodebensimveisqualificados comoderelevnciahistrica;oquelevouaumaaoativa porpartedeorganizaesinternacionaisenacionais(GON-ALVES,2003,p.23).Aescolhadebenspatrimoniaisum terreno de disputas; entre o lembrar e esquecer h uma com-plexa dinmica poltica, cultural e tecnolgica. Mencionarestadiscussosobreatemticapatrimonial indicarentrequaispontoscardeaisestolocalizadososde-bates atuais sobre o patrimnio digital. Dentro do amplo uni-verso dos registros digitais podem ser qualificados de patrim-niono apenas os objetos produzidos para a rede mundial de computadores, mas tambm aqueles que foram digitalizados, tais como manuscritos, e tambm outros objetos multimdias, armazenadosemsuportedigitalmenosvulnerveiscomoo CD-Rom.J em 2003, a Unesco lanou uma carta pela preservao do patrimnio digital. Trata-se de uma defesa bem alicerada 14da preservao do patrimnio digital tendo como pressuposto a prpria existncia deste tipo de legado. O momento em que estamosvivendodescritonosseguintestermospelodocu-mento:a menos que as pessoas com poder decisrio demonstrem umafortevontadepolticaetomemmedidasurgentes, haverumgranderiscodequetodanossasociedadeda informao possa explodir sem deixar nada alm do que abolhadainternet.Nossassociedadesdainformao iriam ser reduzidas a sociedades obcecadas pelo presente, com uma insignificante memria de trabalho [...] de costas viradas para as prximas geraes, quebrando a cadeia da transmisso (UNESCO, 2003).Trata-se, est claro, de um texto em prol do desenvolvimen-to de polticas internacionais que favoream a preservao do patrimniodigital.NoBrasil,oConselhoNacionaldeArqui-vos tambm lanou um documento em defesa da preservao do patrimnio digital. O texto destaca igualmente os riscos de perda diante da veloz modificao de suportes tecnolgicos e prope linhas possveis de ao para preservar tal patrimnio (CONARQ, 2004).Se h algum consenso nestes discursos ins-titucionais quanto necessidade de preservar, no h nenhu-maclarezaquantoaquecontedosdenossaculturadigital deva ser alvo de tais investidas. Aomesmotempo,empolooposto,delineiam-sevises contrriasaestafebrepreservacionista.Vriospesquisadores procuram mostrar a necessidade de um esquecimento produ-tivonassociedadescontemporneas,retomandoumamatriz depensamentoelaboradaoriginalmenteporFriedrichNiet-zsche.Vriosestudoslanamumolharcrticosobreprojetos que podem provocar uma musealizao do nosso cotidiano levando a um excesso de memrias em circulao (HUYSSEN, 2000;SARLO,2007).Compartilhadestavisoopesquisador Viktor Mayer-Schnberger, da Universidade de Harvard, que 15fazadefesadeumapolticapblicaparaoesquecimento. Algumasmedidaspropostaspeloespecialistaemproprieda-de intelectual e novas tecnologias da informao podem nos parecerdrsticasaumprimeiroolhar.Mayer-Schnberger (2007, p.2) prope, por exemplo, uma legislao que obrigue fabricantes de softwares de armazenamento de dados pesso-ais, como fotos, e-mails, msicas, a estabelecerem prazos mais curtos para apagamento automtico das informaes privadas. Isto evitaria o avano de uma imensa quantidade de dados que ficam armazenados nos computadores pessoais, obrigando os indivduos a uma atitude ativa no processo. O princpio seria o de apagar, a menos que o usurio estabelecesse o contrrio. Ouseja,haveriaumainversonaslinhasdeprogramaoa que estamos habituados. H, sem dvida, o que se discutir neste amplo espao en-treoapagareosalvar.Muitoemboraasidiaspragmticas de Mayer-Schnberger nos paream precipitadas, certo que pensar sobre os registros digitais implica refletir sobre o avano da quantidade de informaes em circulao e as escolhas a serem realizadas. Neste cenrio justo perguntar: como defi-nir patrimnio digital? Parece-nos invivel propor uma defi-nio fechada, porm possvel pensar que a noo de patri-mnio digital torna-se produtiva a partir de uma reflexo sobre a condio de permanncia dos registros digitais que podem, ou no, acumular valores patrimoniais ao seu ncleo informa-tivo.4Istoimplicadizerquesoasiniciativasdepreservao proporcionadasaumdadoobjetodigitalqueirolhetrazer um valor patrimonial, que ser construdo por vrias instncias da sociedade. um valor circunstancial, mas que se pretende permanen-te. A construo social de objetos caracterizados como patri-mnio digital enfrenta um desafio de carter duplo: tcnico e valorativo. Do ponto de vista tcnico a pergunta instaura-se no 4 Sobre a circunstancialidade do patrimnio digital ver: DODEBEI, 2006; 2009.16campo da preservao arquivstica, uma vez que a tecnologia atualdosdiscosrgidostrazemoprognsticodenomximo um sculo de durabilidade. Por outro lado, do ponto de vista valorativo, tm-se um amplo debate sobre o que deve ser pre-servado. ABibliotecaMundialDigitallanadaemabrilde2009, da qual o Brasil faz parte, apresenta-se como um objeto rico parapensartaisfatores.Primeiramenteportratar-sedeum empreendimentodecarterinternacional,comapoioda Unescoefinanciamentodasprincipaisempresasdetecno-logiadomundo(MicrosofteGoogle,entreoutras).Deca-rterbastanteseletivo,aBibliotecaMundialDigital(BMD) prope-seadisponibilizaracervosculturaisjpreviamente qualificados como bens fundamentais em determinado pas. Assim, so as instituies nacionais que selecionam os mate-riais que integram o acervo. No caso do Brasil, nosso repre-sentante a Coleo Teresa Cristina, com 142 itens cedidos pela Biblioteca Nacional. Figura 1: Biblioteca Digital Mundial (2010)17A proposta da BMD diferenciar-se das demais bibliotecas online,comoporexemploaEuropeana5ouGoogle6.Elare-presenta um stio gratuito na Internet que prope uma seleo dedocumentosprovenientesdefundosdocumentaisdigita-lizados das grandes bibliotecas do mundo. O projeto, de na-tureza educativa, patrimonial e filantrpica, encampado pela UNESCO em 2005, tem por objetivo, segundo depoimento de James H. Billington7, reduzir a lacuna digital entre os hemisf-rios norte e sul, ao tornar acessvel um maior nmero de do-cumentos fundamentais que pertencem cultura planetria, como manuscritos, mapas, filmes.AprincipalcaractersticadaBDMaseletividadedeseu acervo, ou como afirma Billington, a hiper-seletividade. H mui-tonoencontrvamosnainternetprojetosqueassumisseme defendessemaseleonomomentodaofertadeobjetos.O modelo de preservao patrimonial que vem sendo mais utiliza-do at o momento pode ser descrito como o do excesso; quer dizer, a prtica da duplicao do objeto lanado na rede para favorecer a sua permanncia por um perodo de tempo maior. Evidentemente, a seleo, esta palavra-chave j to conhecida dos processos de organizao do conhecimento, implica custos muito elevados. No foi diferente o que ocorreu com a criao da BDM. O projeto obteve apoio de instituies com um aporte de recursos de, aproximadamente, 10 milhes de dlares ame-ricanos.Importa notar que parte do financiamento do projeto est associado incluso de determinados materiais, como o caso da doao de um milho de dlares feita pela Universidade de Cincia e Tecnologia King Abdullah, da Arbia Saudita, para digitalizao de manuscritos cientficos dos pases rabes.5 Criada em 2008, a biblioteca digital Europeana d acesso ao patrimnio cultural e cientfico. Disponibiliza 4 milhes de itens (EUROPEANA, 2010).6Lanadaem2005,abibliotecadigitaldaGoogleInc.disponibiliza7 milhes de livros (GOOGLE BOOKS, 2010).7 Diretor da Biblioteca do Congresso Americano e principal promotor da BDM.18Dopontodevistadapassagemdasbibliotecasempapel para a rede mundial de computadores, o esforo de digitalizar o passivo da memria do mundo vem sendo questionado prin-cipalmente pelo fator econmico dos direitos autorais. A sele-tividade com a qual a BDM se moldou, minimiza essa discus-so sobre a propriedade intelectual singular, pois transforma os objetos, em sua maioria j de domnio pblico, em coletivos da humanidade. Diferentemente dessa prtica, outras biblio-tecas digitais como a Europena e a Google que disponibilizam acervosprotegidospelalegislaoautoral,enfrentamainda disputas judiciais para manter seus projetos em atividade. Outro ponto importante o fato deste acervo tornar-se o primeiro cliente de uma nova tecnologia com capacidade es-timada de preservar informaes digitais por mil anos, a cha-mada Digital Rosetta Stone. Na ilustrao abaixo, vemos vrias camadas de discos rgidos, selados com silcio, e indicaes de uma complexa tecnologia para impedir o contato direto com omundoexterno.DeacordocomospesquisadoresdaUni-versidadedeKioto(Japo),asinformaesarquivadasneste artefato podem durar um milnio.Figura 2: Digital Rosetta Stone (KIMURA, 2009).19A proposta da Biblioteca Mundial Digital est em sintonia comopreceitomodernodepreservaopatrimonial.Uma vez inserida a informao nos discos de silcio pode-se alcan-arsupostamenteasegurana,masperde-seapossibilidade de modific-la. Est claro que este no o objetivo da referida biblioteca, porm isto nos direciona para uma questo central: como preservar o material nascido digital, com seu carter hi-pertextual e suas mltiplas formas de interao? Seria possvel conservar algo do atributo fluido da interao na rede? Arqui-var correspondncias implica em determinados procedimentos arquivsticosjbastantecorriqueiros.Pormarquivarmensa-gens eletrnicas ou tweets um desafio que ainda est sendo enfrentado.Abordaremosaquiduasiniciativasqueapontam a necessidade de uma nova perspectiva sobre a preservao. Nossaintenonoadentraremdiscussestcnicassobre osprocessosarquivsticos,massimmostrardequemaneira as novas tecnologias da informao podem gerar um trabalho criativo de catalogao, preservao e disponibilizao.Criao e acesso so palavras chaves no campo da preser-vao na atualidade. No apenas manter o acervo, mas torn-loacessvel.Etratando-sedeinformaesemsuportedigital istoimplicanamaioriadasvezesemumaatitudeativacom criao de novos instrumentos. O Instituto V2, situado em Ro-terdam, que desde a dcada de 1980 trabalha com arte ele-trnica, criou o seu arquivo em 1996, hoje disponvel na rede mundial de computadores. Em um relatrio recente sobre os desafios do processo arquivstico, a equipe do instituto tratou dotemadapreservaodainteraoentreosusurioseas obrasdearte.Comoarquivar,porexemplo,umtrabalhode um artista de carter performtico cujo resultado que aparecia nateladependiadosclicksdosinternautas?Queestratgias podemserutilizadasparasalvaguardarvestgiossignificativos deste trabalho?A partir de uma ampla experincia e pioneirismo na rea, a equipe do Instituto V2 exps a necessidade de se criar instru-20mentos que possibilitem esse registro. Criou-se naquele instituto um modelo de utilizao de metadados a partir de parmetros como nmeros de usurios, dimenses espaciais (locais de aces-so), temporais (momentos de mais ou menos acessos), nveis de interao (navegao pela pgina, contato entre usurios), etc. Tudo isto passou a integrar o acervo, mas mesmo assim a equipe ainda considera relevante que haja um esforo de criao mais direta de registro como utilizao de audiovisuais e entrevistas comosusuriosparaquesepossarealmentedocumentaras interaes (FAUCONIER; FROMM, 2003). As dificuldades de se preservar o patrimnio digital no es-toapenasnasinteraes.Avelocidadedamudanatecno-lgicaimplicaempolticasqueasseguremumamigraode mdiadoacervoe,muitasvezes,umesforodecriaode plataformas que possibilitem a consulta a um material em uma linguagem no mais utilizada, mas que mantenha as configu-raesearquiteturatalqualforamconcebidas.Umpanora-madosempreendimentosarquivsticosnaredemundialde computadores foi realizado pela Universidade de Bath e pela UKOLN,umaagnciabritnicaquepesquisaeimplementa projetosemmuseusebibliotecas.8Umdosobjetivosdodo-cumento era justamente fornecer um mapa das iniciativas de preservaodawebjexistentese,aomesmotempo,testar suausabilidadenocasodainternetbritnica.Entreosacer-vos existentes o documento distingue dois tipos bsicos: os de carterseletivoeosdeamploespectro.Noprimeirogrupo incluem-se os projetos de arquivamento de websites restritos aumareadoconhecimento,umtemaouumaregio.Um exemplo pioneiro neste campo o projeto Pandora (Preserving andAccessingNetworkedDocumentaryResourcesofAustra-8OrelatriointituladoCollectingandpreservingtheWorldWideWeb foiproduzido,em2003,paraoJointInformationSystemsCommitteeof theHigherEducationFundingCouncils(JISC),instituioresponsvelpelo provimento de servios de internet para universidades e centros de pesquisa ingleses (UKOLN, 2003).21lia), desenvolvido pela Biblioteca Nacional da Austrlia a partir de 1997. A equipe da instituio responsvel pela seleo e preservao de publicaes eletrnicas consideradas de valor acadmico. Em 2003, havia 3.300 ttulos no acervo; em julho de 2009 eram mais de 22 mil (PANDORA, 2010).O outro tipo de iniciativa de preservao o de amplo es-pectro. Com o objetivo de registrar tudo, ou quase tudo, so re-alizados instantneos (snapshots) de toda a rede periodicamen-te, atravs da utilizao de programas de indexao automtica de contedos. O exemplo principal deste tipo de arquivo o Internet Archive. Criado em 1996, hoje o projeto alcanou um escopo gigantesco, sendo considerado um dos maiores arquivos do mundo. Embora uma parte das informaes contidas no In-ternet Archive possa ser acessada por uma ferramenta chamada WayBack Machine, h ainda uma camada imensa de informa-o que s pode ser consultada por aqueles que possuem co-nhecimentodelinguagemdeprogramao.Ospesquisadores britnicos testaram o funcionamento do Internet Archive, e no que se refere s pginas sobre a temtica de sade da Inglaterra, elesencontraramasprincipaispginasderefernciasdispon-veis no arquivo. Porm, foram diagnosticados alguns problemas: os links no mais remetem ao contedo especificado; as ima-gens muitas vezes no esto mais disponveis; algumas pginas perderam completamente a formatao original, o que significa que perderam, assim, parte de sua carga informativa. Ao utili-zarmos este arquivo em nossa pesquisa, que apresentaremos a seguir, pudemos atestar a sua vulnerabilidade, pois ao longo do perodo observamos o desaparecimento de um ano de registros dositedaBBCe,muitasvezes,foinecessriorecorreraum backup pessoal das pginas pesquisadas. i. Pnssnuos No vnvsvN1v: o ncvnvo BBC Pvov:vs WnnO acervo digital da BBC tido como um patrimnio cultu-ral da sociedade inglesa e, ainda de maneira mais ampla, da 22humanidade, por aqueles que conceberam o projeto e conse-guiram sua incluso no acervo permanente da British Library. Estabeleceu-se, em clusula divulgada no website, que o acer-vo dever ser mantido com acesso livre ao pblico, mesmo em casodeprivatizaodaBBC.Estainiciativaexplicitaaexis-tnciadeumesforodepatrimonializaodeumcontedo queexisteexclusivamenteemmeiodigital.Trata-setambm de uma iniciativa que agrega valor informacional e que busca sualegitimidadeemredesdereconhecimentosocialjins-titucionalizadascomoosconselhosdebibliotecas,museuse arquivos da Inglaterra.9 i.1 Bnvvv n:s1n:co uo ncvnvo u:o:1n: (ioo-ioo)O arquivo digital Peoples War foi pensado como um arte-fato comemorativo para os sessenta anos do final da segunda guerra mundial. A proposta foi a de criar um acervo dos tes-temunhosdaquelesqueviveramduranteaSegundaGuerra oudosquenumasegundageraotiveramcontatocomas memrias do conflito. Em junho de 2003, o projeto piloto co-meou a ser testado e cinco meses depois o website foi lana-9 Em janeiro de 2006, constava no website a seguinte afirmao: we are working hard to ensure that the archive remains in the public domain, inde-finitely, regardless of the BBCs future. Discussions with national libraries and museuns are in progress. [...] To ensure that the archive remains accessible it has to be future-proofed so that it remains compatible with current and fu-ture technologies. We also need to ensure that we comply with international standards in digital preservation documentation.Traduo livre: ns estamos trabalhandoparagarantirqueoarquivopermaneaemdomniopblico, indefinidamente,independentedofuturodaBBC.Estoemandamento discusses com bibliotecas e museus. [...] Para garantir a que o arquivo per-manea acessvel preciso assegurar que a tecnologia seja compatvel com futurastecnologias.Sertambmnecessrioestaremsintoniacomospa-dresinternacionaisdepreservaodigital.Otrechocitadonoestmais disponvel online, mas encontra-se no acervo dos autores. Para um histrico de todo o processo ver: DANTAS, 2008.23do oficialmente. No primeiro ano foram realizadas campanhas nacionaisparaorecolhimentodetestemunhoscomexposi-es em museus e propagandas na TV. Emjunhode2004,havia7.541testemunhosonlineea equipe do projeto comeou a buscar alternativas para que mais pessoas pudessem participar. Em anncio no website buscou-seestabelecerparceriascominstituiescomobibliotecas, museus,arquivosecentroscomunitrios,quecontribuiriam com a elaborao do acervo fornecendo recursos humanos e equipamentosparaqueostestemunhosdepessoasqueno tivessem familiaridade com informtica pudessem ser registra-dos. Entremaiode2004emaiode2005,foramorganizados 800eventosdenaturezavariada:exposies,encontrosde veteranos, palestras. Mais de duzentas instituies se tornaram parceiras do projeto e para dar conta da demanda de auxlio aosusuriosforamtreinadosdoismilvoluntrios.Osnme-ros indicam que o projeto alcanou uma ampla mobilizao e isto se tornou possvel graas tambm a um convnio realizado com o Programa Culture Online, do Departamento de Cultura da Inglaterra, cujo objetivo era o de ampliar a incluso digital da populao da terceira idade. A mobilizao realizada atra-vs do estabelecimento de uma rede de parceiros possibilitou que o nmero de testemunhos fosse ampliado. Mais de 80 mil pessoas participaram dos eventos organizados, sendo que 43% tinham mais de 60 anos e nunca haviam utilizado um compu-tador anteriormente.10 Em maio de 2005, o nmero de testemunhos era de 19.676, mais que o dobro do ano anterior. Entre os meses de maio e agosto de 2005 foram adicionadas 12.557 testemunhos, che-gando a mais de 32 mil relatos. O arquivo digital sofreu desde 10Esse dado mostra mais uma faceta pedaggica do website, que se pro-ps a facilitar o aceso s tecnologias da informao pelos grupos da terceira idade. O relatrio do Departamento de Cultura s est disponvel via Inter-net Archive (WWII, 2010).24ento modificaes de funcionamento, navegao e design. O arquivo foi pensado para ser um portal vivo, com atualizaes epossibilidadesdeinclusoemodificaodostestemunhos, por apenas dois anos. Em seguida, o acervo deveria tornar-se uma fonte de pesquisa integrada ao portal de Histria da BBC. Deste modo, em novembro de 2005, a administrao do site avisouaosusuriosparafazeremsuasltimasmodificaes, poisoacervosetornariapermanente.Atjaneirode2006, quando o site foi fechado, chegou-se ao total de 47 mil teste-munhos.Entrejaneiroemarode2006owebsitepassouporum processo de seleo e de aplicao de novo design. As pginas que existiam com os formulrios para deixar as contribuies foramretiradase, aomesmotempo,foramrealizadosalguns ajustesvisuais.Atnovembrode2007,asinterfacesaplica-das em 2005 estavam disponveis no Internet Archive, porm devido a problemas tcnicos elas no mais aparecem online. Atualmente,possvelpesquisaraversofinalizadadosite. Em 2009, foi adicionada pagina principal um aviso em ver-melho notificando os usurios de que aquele website no mais seria atualizado pela BBC.i.i NnvvonNuo vm cm ncvnvo u:o:1n: Uma vez mencionado o escopo geral do projeto, cabe-nos perguntar: como se navega neste acervo? Quando o site esta-vaaindaaberto,apginadeaberturapossuatrsprincipais divisesvisuaisquecorrespondiamssecesdecontribui-es(contribute),deleituradoarquivo(read)edepesquisa (research).Istosignificaqueestearquivodigitalpossuauma gama mais ampla de informaes do que encontramos em ar-quivostradicionaisoumesmoemacervosqueforamapenas digitalizados e postos na rede. A existncia de fruns para de-bate, por sua vez, propiciava uma circulao de informaes para alm dos testemunhos.25Figura 3: BBC Peoples War (2006)A interface do portal possibilitava que uma vez criada a con-ta, o usurio pudesse inserir ou editar os relatos. Uma aprecia-oapressadadestedadopoderialevaracrerqueadiretriz editorial deste arquivo estaria em sintonia com certos postula-dos ps-modernos que enfatizam, sobretudo, a fragmentao dainformaoeainexistnciadeumarealidadehistrica.11 No entanto, o enquadramento da informao textual e imag-tica do site, assim como as instrues fornecidas aos usurios, contradiztalsuposio.Noeditorialhumadefesaexplcita danecessidadedeumrelatoautntico,honesto,queconte exatamente o que aconteceu. Um exemplo a seguinte pas-sagem:this is the most important thing about any story on this site. We want it to be a genuine account of the times. [...] We 11 A convergncia entre os usos da hipertextualidade e os postulados ps-modernos j foi abordado de modo bastante perspicaz por Rolando Minuti (2002, p.104).26want you to tell it as it was. The world of today is a long way from that of 1939-45. People live differently and wars are fought differently. We hope that this website will help futuregenerationsunderstandtheconnectionsbetween their world and that of WW2 (BBC, 2007).12Ao registrar-se, o usurio era direcionado a uma pgina onde encontravaoutrasinstrues.Recomendava-se,porexemplo, que os testemunhos fossem escritos anteriormente para depois coloc-los no website. Havia tambm dicas de como escrever umrelatointeressanteparaleituranateladocomputador.E regras:cadarelatodeveriaternomximo3.000palavras,ou ento, estar dividido em captulos. Cabe aqui um breve comen-trio sobre este aspecto do arquivo. Ao limitar o espao de es-crita na tela esta interface proporciona um tipo de ato de reme-morao distinto de outras formas anteriores, como a escrita no papel ou, por exemplo, de um relato oral. Tal aspecto corrobora a afirmao de Roger Chartier (1999, p. 20) de que quanto ordem dos discursos, o mundo eletrnico provoca uma trplice ruptura: prope uma nova tcnica de difuso da escrita, incita uma nova relao com os textos, impe-lhe uma nova forma de inscrio.Sem dvida o registro digital uma nova forma de inscrio do passado que constitui-se em uma mescla de con-tinuidadeserupturascomossistemasderegistrosanteriores. Apalavraescritaoelementodefundamentalcontinuidade, porm ela est imersa em um conjunto de imagens e possibili-dades hipertextuais que aderem novas camadas de sentidos.12Traduo do trecho: isto o mais importante acerca de qual-querrelatodestesite.Nsqueremosqueelesejaumtestemunho genuno do passado [] Ns queremos que voc conte como real-mente aconteceu. Hoje estamos muito distantes do mundo de 1939-45.[...]Nsesperamosqueestewebsiteajudeasfuturasgeraes aentenderasconexesentreoseumundoeaqueledaSegunda Guerra Mundial. possvel recuperar o contedo da pgina consul-tada em 2007 no Internet Archive, utilizando a wayback machine e buscando por 27Quanto ao tema, havia uma inteno em recolher registros do cotidiano da guerra que fica explcita nas dicas editoriais e o grande nmero de relatos na categoria vida domstica ates-tam que este objetivo foi alcanado. O tom era o de deixar o legado de uma experincia do sacrifcio realizado para a gera-o futura, sem incluir vestgios dos conflitos internos vivencia-dos na Inglaterra. Tal propsito deve ser compreendido numa chavedeumcomplexofluxodememriassobreaSegunda Guerra Mundial. Este evento ocupa um epicentro das mem-rias no velho continente. Na Inglaterra, a retrica em torno da segunda guerra sempre forneceu material na imaginao pol-tica e a memria vencedora procura salvaguardar a imagem de um consenso de conquista democrtica alicerado em valores deigualitarismoedacapacidadedopovoinglsdesuportar sacrifcios para livrar a humanidade do fascismo.Imediatamenteapsoconflito,formou-secertoconsenso patriticopermeadoporvaloresdoigualitarismoecomten-dnciadeesquerda.Nasrepresentaesdoimediatops-guerraopapeldaclassetrabalhadorainglesaerasupervalo-rizadoemuitasvezessimbolizavamoesforodanaonas narrativasquemostravamumpovoquelutouemproldali-berdade.Adcadade1960trouxeumaamplaiconoclastia cultural que combatia as representaes hegemnicas sobre a nao. Iniciou-se ento, na cultura britnica, de acordo com Geoff Eley, um processo de renegociao das representaes nacionais.Asdcadasde1970e1980trouxeramquestes novas como a violncia na Irlanda, o nacionalismo escocs, as violncias contra minorias sexuais e as crises nas escolas. Tudo isto, relaciona-se ao colapso de uma idealizao do povo in-gls como smbolo de coeso e luta pela liberdade e igualitaris-mo. Na era Tatcher, o patriotismo passou a ter um carter mais conservador relacionado a uma noo de superioridade racial recolocada numa lgica de mercado. As idias de justia social que integravam o ncleo do patriotismo do ps-guerra foram obliteradas em meio a uma guinada de modernizao autori-28tria. Nas narrativas de memria deste perodo destacam-se a relevncia obtida pela noo de lealdade ao estado e uma va-lorizao de uma identidade britnica (Britishness) enamorada comopassadoimperial.Asmudanaspolticas,assimcomo uma srie de outros fatores, levaram a uma nova tendncia no complexo de memrias inglesas sobre a segunda guerra. A d-cada de 1990 trouxe um excesso comemorativo que reviveu os resqucios de uma memria patritica em estilo tradicional. A srie de documentrios da BBC correspondeu ao retorno de uma narrativa mais literal seguindo uma modalidade de tentar reconstruiropassadotalcomoelesedesenrolou.Dezanos depois, podemos pensar que o acervo digital Peoples War est embebido nesta mesma tendncia (GEOFF, 2001).O pargrafo anterior procurou sintetizar de forma breve as linhas centrais de um complexo fluxo de memrias. Paralela-mente, a historiografia inglesa tambm passou por mudanas nasltimasdcadasemummovimentodeampliaroleque de objetos de estudo no sentido de proporcionar uma crtica dasmemriaspatriticasdoconflito.Assim,oshistoriadores voltaram-separatemascomoomercadonegro,asgreves,o absentesmo e o cinismo no cotidiano da guerra, demonstran-docomoahistriasocialpodedialogarcriticamentecomas memrias em voga. Evidentemente, no cabe aqui um balan-o da historiografia inglesa sobre a SegundaGuerra Mundial, masimportaindicarestequadromaisamploenele destacar o papel de uma obra especfica. Segundo Heartfield (2005), central o papel da obra do historiador ingls Angus Calder, que escreveu em 1969 o clssico Peoples War, uma histria social da guerra que vai muito alm da retrica patritica e oferece um cenrio mais complexo das experincias cotidianas. Utili-zando-se dos arquivos da organizao Mass Observation, que solicitou entre 1937 e 1959 que os cidados enviassem teste-munhosdesuavidacotidiana,Calderpodecomporemseu livroumvvidopanoramadosanosdeguerra,relativizando alguns mitos ento em voga. O prprio ttulo da obra foi uti-29lizado na concepo do acervo digital da BBC. No se pode, portanto, deixar de mencionar esta interseco entre constru-o da memria e este clssico da historiografia inglesa.i. FnnomvN1os u:o:1n:s: nK n:oo vm comcm vN1nv os (, m:: nv:n1os oN::Nv:Julio Cortzar (1974, p. 427) j escreveu: a passagem do ontem para o hoje, a primeira agulha do esquecimento na re-cordao. O esquecimento tece a memria no apenas nas imagens literrias; sabe-se que o ato de registrar implica tam-bm em esquecer. Difcil saber como se d esse jogo entre recordareesquecernumadadacircunstncia;comotantas agulhas tecem e disputam formas e cores a cada instante. Nes-tetpico,podemosdizerqueanossaperguntapoderiaser: comotecemasagulhaseletrnicasdoacervoPeoplesWar? A imagem de Cortzar no meramente aleatria. O livro do escritorargentinoumclssicodaliteraturaquepropsum percurso de leitura no linear. Ou seja, alm da ordem sucessi-va tradicional h uma sugesto de leitura intercalada e ao final de cada captulo h a indicao deste percurso alternativo. O autorpropeumcaminho,massabe-sequecabeaoleitor seguir, parar, voltar... Da mesma forma, pensamos que a equi-pedaBBCpropepercursosdeleituradoacervo,havendo, tambm, outras possibilidades de navegao. Emprimeirolugar,diferentementedeumarquivohistri-co tradicional este acervo traz uma clara preocupao com a seduo do usurio. Isto : os testemunhos devem ser convi-dativos,asimagensdevemreteroolharapressadodequem navega. Estes preceitos esto nas dicas para quem vai deixar o seu testemunho e tambm implcitos nos elementos visuais da interface.Haviaumadiretrizdebuscartestemunhosinteres-santes, do ponto de vista do grande pblico, embora no hou-vessepropriamentecensurascontribuiesdecarterpol-tico ou com contedos mais realistas, e, portanto, chocantes. Importa, porm, perceber que houve um esforo de divulgar 30testemunhos que relatassem o cotidiano ingls e, com isso, h umatendnciaobliteraodeoutrostiposdetestemunho. Como j o disse de uma maneira extremamente precisa, Hen-ryRousso(1996,p.4):escrito,oraloufilmado,oarquivo sempre o produto de uma linguagem prpria, que emana de indivduos singulares ainda que possa exprimir o ponto de vista de um coletivo (administrao, empresa, partido poltico, etc.). No se trata aqui de procurar um ponto de vista de um coleti-vo, neste caso o da BBC, parece-nos fundamental apontar os possveis enquadramentos da concepo do arquivo que iro permear cada registro individual ali realizado. Ou ainda, estes enquadramentos seriam justamente esta linguagem prpria onde no nos interessa julgar se corresponde a uma boa forma deregistro.Afinal,oqueseriaumaboaformadepreservar memrias? Esta sem dvida uma questo imprpria. Importa aquiidentificarasespecificidades,ospontoscrticos,osem-bates pouco visveis ao se consultar um acervo numa tela do computador instalado em um quarto, em uma sala de aula ou em um internetcaf.Neste acervo, est claro que a obra o conjunto dos indiv-duose,sobretudo,comoapontamos,osenquadramentosdas interfacesalipensadaseimplementadaspelaequipedaBBC. De fato, estamos diante de uma nova forma de difuso dos es-critos testemunhais. A preocupao com as formas de leitura na tela levou criao de seces de trs mil caracteres. Como j mencionamos, este no um limite que possa ser desprezado numa anlise sobre este acervo. Se o testemunho oral deve ser compreendido a partir de ritmo, das entonaes das interaes com os interlocutores; o testemunho online deve ser interpreta-do levando-se em considerao os aspectos centrais desta in-terface como o de limite de tempo de leitura (LVY, 2007). Assim, reconhecendo e investigando as especificidades dos registros do passado que circulam em suporte digital, podemos afirmar, a partir de nosso estudo do acervoPeoples War, que uma anlise de tais reelaboraes do passado deve se fazer no 31apenasapartirdeseuscondicionamentostecnolgicos,mas tambm refletir sobre as questes relativas memria social e s circunstncias histricas. Neste sentido, a obra de Maurice Halbwachs (1990), e sobretudo de seus herdeiros, ainda uma referncia para se pensar os objetivos institucionais presentes no website Peoples War. As interfaces deste acervo digital nos informamsobreumprojetodeconstruodeumamemria inglesa,naqualaparticipaonaSegundaGuerraMundial umelementomarcantedecoesoeconstituiodeuma identidade nacional. A exaltao do sacrifcio do povo ingls durante o conflito um elemento central neste processo de enquadramento da memria, para usar os termos de Michel Pollack (1989). Nos destaquesdascategorias,nostestemunhosselecionadospela equipeenasorientaesparaosusurios,percebe-seclara-mente o lastro oficial da BBC. Todavia, o acervo no se resume aestaoperaocomamemria.Ofatodecadaindivduo poderinserironlineseutestemunho,semmediaesdiretas com a equipe do projeto, abriu espao para dois fenmenos: afragmentaodosrelatoseasvozesdissonantes.Assim,se devemos afirmar uma operao da memria por parte da BBC, quepodemoslerapartirdosreferenciaisdeumasociologia damemria,devemostambmmencionarquenesteacervo digital h que se perceber os pontos de fuga que podem levar aumanavegaoporpercursosdiscordantesdetalprojeto. Aexistnciadetaldissonnciaestdiretamenteassociadas especificidades dos registros digitais, que devem ser abordados a partir de uma perspectiva de mediaes da memria (DIJCK, 2007, p.12). A noo de mediao vai alm do meio, trazendo paraocentrodaanliseaperspectivadeumjogodeforas ondeatecnologiadesempenhaumpapelimportante,mas igualmente parte de vrios outros vetores culturais. Neste caso, a interface do website torna possvel as oposies e as incoe-rncias prprias dos relatos em fragmentos, mas no anula o enquadramento cultural do projeto.32. CoNc:csXoNeste texto, procuramos lanar sondas de observao em algumasencruzilhadasdomundodigital.Ocasodoacervo Peoples War, da BBC, nos serviu de via de acesso para enten-deralgunsaspectosdoregistrodopassadoemsuportedigi-tal. Procuramos destacar as permanncias e as mudanas que oempreendimentorepresentanocampodasproduesde memrianacontemporaneidade.Qualificadodepatrimnio culturalpordiversasinstituiesinglesasoacervodistingue-se sobremaneira do projeto da Biblioteca Digital Mundial. O suporte tecnolgico semelhante, h porm importantes dife-renas em seus objetivos e nas interfaces tcnicas utilizadas. O projeto da BDM emerge como uma perspectiva moderna que transpostaparaaredemundialdecomputadores,masque no se prope (pelo menos neste momento) a arquivar objetos nascidos digitais. A hiper-seletividade dos seus componentes atornamumexemplodestatransposio,opondo-seauma tendncia da produo de contedos de maneira colaborativa e,tambm,fragmentria,comonocasodoacervodaBBC. Ao discutir estas iniciativas pensamos poder contribuir para o mapeamento das distintas configuraes dos registros do pas-sadonaredemundialdecomputadores.Taisconfiguraes nos mostram um campo onde no h um consenso sobre as polticasouestratgiasdepreservaodopatrimniodigital. H,porm,questespolmicasqueestosendodiscutidas, tanto na esfera acadmica quanto na mdia em geral, medida em que novas experincias esto sendo produzidas13.Neste cenrio, o bug do ano 10.000 mais do que um ex-cntrico exerccio de futurologia o ndice do nosso presente permeado por uma dinmica cada vez mais intricada entre o 13OdebatesobreoGoogleesuaestratgiadedigitalizaodoslivros tem sido bem prolfico. Robert Darton (2009) prope uma crtica ao modelo em curso e defende que a gigantesca biblioteca digital do Google possa ser gerida no apenas pelas leis do mercado, mas tambm pelos interesses da sociedade civil.33lembrareoesquecer.Adicionarozeronopareceresolver nenhum problema, mas pe em relevo a necessidade de pen-sarsobreotemaoqueimplica,necessariamente,emtraar conexesentrememria,histriaeasnovastecnologiasda informao. RvvvnINc:nsBBC Peoples War. Disponvel em: . Acesso em: 13 jan. 2010. Buscar a imagem na listagem de 2006.BBC Peoples War. Disponvel em: . Acesso em: 13 jan. 2010.Buscar o texto na listagem de 2007.BIBLIOTECA DIGITAL MUNDIAL. Disponvel em: . Acesso em: 13 jan. 2010.BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. Uma histria social da mdia: de Guttenberg internet. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2006.CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. So Paulo: Ed. Unesp: Imprensa Oficial, 1999.CHOAY, Franoise. A Alegoria do patrimnio. So Paulo: Estao Liberdade: Unesp, 2001.CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS (Brasil). Cmara Tcnica de Documentos Eletrnicos. Carta para a preservao do patrimnio arquivstico digital. Rio de Janeiro, 2004. Disponvel em: . Acesso em: 10 jan. 2010.CORTAZAR, Julio. O jogo da amarelinha. Trad. Fernando de Castro Ferro. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1974.DANTAS, Camila Guimares. O passado em bits: memrias e histrias na internet. 2008. Dissertao (Mestrado) Programa de Ps-Graduao em Memria Social, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2008.DARTON, Robert. Google and the new digital future. The New York Review of the Books, v. 56, n. 20, 2009. Disponvel em: . Acesso em: 13 jan. 2010.34DIJCK, Jos van. Mediated memories in the digital age. Stanford: Stanford University Press, 2007.DODEBEI, Vera. Patrimnio e memria digital. Morpheus, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, 2006. Disponvel em: . Acesso em: 10 jan. 2010.DODEBEI, Vera. Digital virtual: o patrimnio no sculo XXI. In: DODEBEI, V.; ABREU, R. (Org.) E o patrimnio? Rio de Janeiro: Contracapa, 2009, p.11-32.EUROPEANA. Disponvel em: .Acesso em: 14 jan. 2010.FAUCONIER, Sandra; FROMM, Rens. Capturing Unstable Media: summary of research. Roterdam: V2 Institute for the Unstable Media, 2003. Disponvel em: . Acesso em: 10 jan. 2010.GEOFF, Eley. Finding the peoples war: film, british collective memory and World War II. The American Historical Review, Bloomington, IN, v. 106, n.3, jun. 2001. Disponvel em: . Acesso em: 13 jan. 2010.GONALVES, Jos Reginaldo Santos. O patrimnio como categoria de pensamento. In: ABREU, Regina; CHAGAS, Mrio (Org.) Memria e patrimnio: ensaios contemporneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 21-29.GOOGLE BOOKS. Disponvel em: . Acesso em: 14 jan. 2010.HALBWACHS, Maurice. A memria coletiva. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. HEARTFIELD, James.Second World War: the battle of the books. Spiked Essays, 2005. Disponvel em: . Acesso em: 10 jan. 2010.HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memria. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000.KIMURA, Masahide. Digital Rosetta Stone passes down cultural heritage to future generations. Tech-on! Tech & Industry Analysis from Asia. 2009. Disponvel em: .Acesso em: 13 jan. 2010.35LVY, Pierre. Abrir o espao semntico em prol da inteligncia coletiva. RECIIS R. Eletr. de Com. Inf. Inov. Sade, Rio de Janeiro, v.1, n.1, p.129-140, jan-jun. 2007. Disponvel em: . Acesso em: 13 jan. 2010.MAYER-SCHNBERGER, Viktor. Useful void: the art of forgetting in the age of ubiquitous computing. Cambridge: Harvard University, 2007. FACULTY Research Working Papers Series. Disponvel em: . Acesso em: 13 jan. 2010.MINUTI, Rolando. Internet et le mtier dhistorien: rflexions sur les incertitudes dune mutation. Paris: Presses Universitaires de France, 2002.PANDORAAustralias web Archive.Disponvel em: . Acesso em: 10 jan. 2010.POLLAK, Michel. Memria, esquecimento, silncio. Estudos Histricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.ROUSSO, Henry. O arquivo ou indcio de uma falta. Estudos Histricos, Rio de Janeiro, n. 17, p.85-92, 1996.SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memria e guinada subjetiva. So Paulo: Cia das Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2007. THE LONG NOW FOUNDATION. Location. Disponvel em: . Acesso em 13 jan. 2010.UKOLN. Collecting and preserving the World Wide Web. Londres, 2003. Disponvel em: . Acesso em: 10 jan. 2010.UNESCO.Unescos basic texts on the information society. Paris: UNESCO, 2003. Disponvel em: . Acesso em: 10 jan. 2010.WWII Practioners report. Disponvel em: . Acesso em: 13 jan. 2010.ZIEROLD, Martin. Memory and media cultures. In: ERLL, Astrid; NUNNING, Ansgar (orgs). Cultural Memory Studies. Berlim: Walter de Gruyter, 2007.37O Mcsvc V:n1cn: un Fncc:unuv uv Mvu:c:Nn un UFRJDiana Maul de Carvalho1IN1noucXoEm 1808, com a transferncia da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, foram criados os primeiros cursos mdicos no pas, na Bahia e no Rio de Janeiro. Os motivos desta iniciativa so interpretados por diversos autores como desde uma ao eminentemente prtica voltada para a possvel necessidade de cirurgies para a guerra que poderia estar vista, at o prop-sitodeinstituiroensinosuperiornestapartedoreinoento transformada em centro do imprio portugus. Muitos autores, como Fernando de Magalhes (1932) afirmam que a escola do Rio de Janeiro foi criada por um decreto do prncipe regente em 05 de novembro de 1808. Mantemos a tradio e a data decomemorao,aindaquequasecertamenteestedecreto no tenha existido. Parece ter razo Lycurgo dos Santos Filho (1991), marcando o incio dos cursos na data de nomeao do primeiro lente de Anatomia, 02 de abril de 1808. A Escola do Rio de Janeiro funcionou nas dependncias do Real Hospital Militar no Morro do Castelo, antigo Colgio dos Jesutas e, em 1813, quando o ensino mdico reorganizado, a escola passa a denominar-se Academia Mdico Cirrgica do RiodeJaneiro(Lobo,1969).Aindependnciamarcaapro-gressivainstitucionalizaodaescolamdicaesuacompleta 1ProfessoraAssociadadaFaculdadedeMedicinadaUFRJ.Doutoraem Cincias pela FIOCRUZ. 38separao das normas e regulamentaes de Coimbra e da Fi-sicatura-Mr. Em 1826, Pedro I autoriza a Academia Mdico-Cirrgica a emitir seus diplomas. A extino da Fisicatura-Mor ampliarmaisaindaaautoridadedaEscolaMdicasobreo exerccio das profisses da sade. A Faculdade de Medicina, no somente emitir diplomas como far tambm o reconhe-cimentodaquelesemitidosforadopasparaosprofissionais queaquipretendemexercersuaprofisso.Nosarquivosda Faculdade hoje encontramos dezenas desses diplomas trazidos de escolas europias e das Amricas, emitidos durante todo o sculo XIX.Em 1832, nova e profunda reforma marca a fundao das Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia, e a do Rio de Janeiro passa a ministrar, alm do curso mdico, os cur-sos de Farmcia e de Obstetrcia. Ainda no sculo XIX passar a formar tambm dentistas. Alguns anos aps a reforma foi or-ganizada a Biblioteca da Faculdade de Medicina. A reforma de 1832 inaugura uma fase de progressiva implantao da medi-cina cientfica e investimentos em laboratrios, especialmente nas trs ltimas dcadas do sculo XIX. As instalaes da Fa-culdade so objeto de permanente discusso e se estende por todo este perodo a reivindicao de construo de um prdio prprio.AsinstalaesdoMorrodoCastelotornam-secada vezmaisinsuficientese,apartirde1845,progressivamente, aFaculdadedesceoMorroemdireoainstalaesjunto Santa Casa, at que, em 1856, ocupa o prdio originalmente construdo para o Recolhimento das rfs, anexo Santa Casa na Rua de Santa Luzia. O esforo de incorporao da medicina cientfica se reflete nas vrias viagens de estudo de professores auniversidadeselaboratriosdepesquisaeuropeus,princi-palmente franceses e alemes e nos relatrios detalhados que elaboram.Nestasviagensprocuramseatualizarnasltimas novidades tecnolgicas de construo e equipamentos dos la-boratriosdepesquisacientficacomointuitodereplicao local destas novas tecnologias. 39Nas duas ltimas dcadas do sculo XIX, a Faculdade acres-centa aos debates sobre a organizao do ensino mdico e a necessidade de sede adequada e de hospital prprio, o cres-cente debate sobre a criao de uma universidade no Brasil. Muitas propostas, com intensa participao de professores da Faculdade,muitosocupandocargospolticos,sosucessiva-mente debatidas e no vingam. Chega-se em 1881 ao lana-mento da pedra fundamental do primeiro prdio da universi-dade, justamente o da Faculdade de Medicina.Aospoucos,ampliandosuasatividades,passaaFaculda-de a ocupar com seus cursos diversos prdios da cidade, com destaque para a Santa Casa de Misericrdia, onde, no Anexo, tem sua sede at que em 1918 inaugurado o edifcio da Praia Vermelha (FERREIRA, Fonseca e EDLER, 2001). O prdio da Praia Vermelha foi inaugurado em 12 de outu-bro de 1918 pouco antes da ecloso da epidemia de gripe es-panhola no Rio de Janeiro sob a direo de Aloysio de Castro e contou com a presena do Presidente da Repblica Wenceslau Braz e do Ministro dos Negcios do Interior Carlos Maximiliano PereiradosSantos.Finalmente,apslongaesperaquedatava da primeira metade do sculo XIX, a Faculdade conquistou sua sede. O projeto do prdio de dois andares era de Luiz de Mo-raes Junior, que havia projetado o Castelo Mourisco do Instituto de Manguinhos, hoje Fundao Oswaldo Cruz, e foi construdo pela firma do arquiteto Januzzi. A construo se iniciou em 22 de maio de 1916 com o lanamento da pedra fundamental e apesardosatrasosatribudosaoperododeGuerra,oprdio pde ser inaugurado em outubro de 1918.Para o novo edifcio foram transferidos equipamentos e al-gum mobilirio das antigas instalaes, mas a maior parte foi especialmenteconstrudaparaanovasede.Nosseuslongos corredoresforamexpostososretratosdosantigosdiretorese catedrticos,aosquaisseforamsomandoosmaisrecentes, formando magnfica pinacoteca (MAGALHES, 1932). Inicial-mente, apenas parte da Biblioteca transferida e o ensino de 40anatomia e de patologia se divide entre o anexo da Santa Casa e o edifcio da Praia Vermelha, aguardando a construo dos outrosdoisedifciosplanejadosoInstitutoAnatmicoeo Hospital de Clnicas. Aps algum tempo, no terreno onde de-veria se erguer o Instituto Anatmico foi improvisado um gal-po para onde se transferiram algumas das suas atividades. A partir da dcada de 1930 o Centro Acadmico Carlos Chagas, rgo de representao dos estudantes da Faculdade de Medi-cina, funciona na Praia Vermelha. Na dcada de 1940, foi abandonado o projeto do Instituto Anatmicoeacrescentam-sedoisandaresaoprdiooriginal na Praia Vermelha, para onde se transfere a Anatomia, o res-tante da Biblioteca e algumas outras atividades que ainda per-maneciam no anexo da Santa Casa, exceto a Patologia que s totalmente transferida para a Praia Vermelha na dcada de 1960. Quando a Anatomia se transfere para o terceiro andar resultantedareformadoprdiodaFaculdade,nogalpoda Anatomia foi instalado o restaurante dos estudantes. Nanovasede,juntoSecretaria,organizadooarquivo de documentos administrativos com os mais diversos registros deatosacadmicos.AconstruodoprdiodoHospitalde Clnicas em terreno fronteiro ao edifcio-sede na Praia Verme-lhanuncaseconcretizoueasatividadesdochamadoCiclo Profissional continuaram a se desenvolver na Santa Casa e em inmerosserviosclnicosecirrgicosnacidadedoRiode Janeiro, em prdios prprios ou no.Em todos esses lugares foram ficando fragmentos da mem-ria da antiga Faculdade de Medicina. Esta histria, hoje bicen-tenria, tambm foi sendo guardada nos registros fotogrficos, nos escritos, nos objetos, conservados por seus ex-alunos, pro-fessores e funcionrios. A ltima grande reforma do ensino, iniciada no final dos anos 1960, separa da Faculdade de Medicina o chamado Ciclo Bsico que passa a ser ministrado pelo recm criado Instituto de Cin-ciasBiomdicascomdisciplinasdasreasdaanatomia,his-41tologia, embriologia e gentica, parasitologia, bioqumica e far-macologia; e pelos Institutos de Biofsica e Microbiologia, que j ministravam as disciplinas de biofsica, fisiologia e microbiologia. Logodepois,foramretomadasasobrasdeconstruoda Cidade Universitria na Ilha do Fundo onde, desde a dcada de1950,estavamoInstitutodePuericulturaePediatriaeo esqueletodoHospitaldasClnicas.Noinciodadcadade 1970, os Institutos bsicos so transferidos para o campus do Fundo e o edifcio da Praia Vermelha derrubado. A demo-lio do prdio foi realizada em curto espao de tempo e sem divulgao,eamudanaparaaCidadeUniversitrianaIlha do Fundo foi executada sem o devido cuidado com a preser-vao dos bens transferidos (ROCHA, 2005).ABibliotecadaFaculdadedeMedicina,comoasdasde-mais unidades, foi incorporada Biblioteca Central do Centro deCinciasdaSade(CCS)que,apesardesuasamplasins-talaes,erainsuficienteparaabrigartodasasobraslivros, peridicosetesesemuitosperidicosanterioresdcada de 1950, incluindo toda a coleo do sculo XIX, bem como livros,editadosdosculo XVIaoinciodosculo XX,consti-tuindoaschamadasobrasraras,foramprecariamenteaco-modados no poro, sofrendo danos, em muitos casos, irrepa-rveis. Desta forma, somando-se ao incndio da Biblioteca da Faculdade de Medicina da Bahia, desapareceram documentos preciosos para o estudo do ensino mdico no Brasil no sculo XIX nas duas grandes Escolas do Imprio. H cerca de dez anos, por iniciativa da Biblioteca Central do CCS e com apoio da FAPERJ, ganharam as obras raras um espao mais adequado e foi iniciado um processo de recupe-rao at agora bastante lento. Na Bahia, como parte das comemoraes dos 200 anos da EscolaMdicaem2008,foiempreendidoumprogramade restaurao do antigo prdio no Terreiro de Jesus, incluindo a rea fsica da Biblioteca e suas colees. Este trabalho tambm ainda est em andamento. 42AtransfernciaparaoFundoreduziutambmdemodo drsticoareadestinadapelaantigaFaculdadedeMedicina paraaguardadoacervodocumentaldecunhoadministrati-vo. Nos seus duzentos anos de funcionamento, a Faculdade se tornou depositria de um acervo histrico de relevncia mpar paraoestudodoensinoedaprticadascinciasdasade no Brasil. Esta documentao, depositada em rea do subsolo do edifcio sede do Centro de Cincias da Sade, em condi-esinadequadasparasuaconservaoepraticamenteina-cessvelaospesquisadores,constitui-sedeaproximadamente 800 metros lineares de documentos soltos e Livros de Registro que abarcam o perodo de 1815 a 1985 (MAIA e CARVALHO, 2008).AdocumentaodosculoXIX,aindanocomple-tamenteidentificada,podeincluirdocumentosanterioresa 1815.Omaisantigolivroderegistrodealunosencontrado estava perdido no acervo das Obras Raras. Identificado pela equipe da Biblioteca, esteve em exibio em vitrine na entrada da Biblioteca Central do CCS e nele encontra-se o registro de matrcula de um escravo do Prncipe Regente, no terceiro ano do curso mdico. Desde o segundo semestre de 2002, inicialmente com apoio daFundaoUniversitriaJosBonifcio(FUJB)e,emsegui-dadoCNPqedaFaperj,estemdesenvolvimentooprojeto do Centro de Documentao do Ensino Mdico (CEDEM), de-senvolvido pelo Laboratrio de Histria, Sade e Sociedade da FaculdadedeMedicina,quetemporobjetivootratamentoe organizao deste acervo documental, possibilitando o acesso a pesquisadores. No momento, parte da documentao do scu-lo XIX j passou por processo de higienizao e descrio (MAIA CARVALHO,2008).ComaconstituiodoCentrodeDocu-mentao, esto sendo incorporados acervos particulares, prin-cipalmente de professores, inclusive parte da documentao do Centro Acadmico Carlos Chagas no perodo de 1965 a 1969. Apinacoteca,excetoalgunsquadroslocalizadosnogabi-nete do Diretor da Faculdade de Medicina, e em outras Uni-43dades do Centro de Cincias da Sade, foi encaixotada e as-simpermaneceupormaisdevinteanos.Recentemente,por iniciativaconjuntadaFaculdadedeMedicinaedoHospital Universitrio, foram iniciadas a recuperao desta coleo e a sua catalogao.Os esforos de recuperao de livros, documentos e qua-dros, reacenderam o antigo sonho de organizao do Museu daMedicina.Noentanto,estesesforostambmindicaram novos caminhos. As necessidades e usos de acervos documen-taistodiversosindicaramqueomelhorlugarparaonosso Museu o espao virtual. Neste espao dinmico, cada usu-riopodeconstruirseuprpriopercursoatravsdeespaos reaiscontguosouno,pblicosouno,eaqualquerhora. Pode tambm seguir viagem para outros espaos de seu inte-resse, atravs de links temticos. A construo virtual permite, de forma mais gil e com menor custo, dar acesso a objetos e documentos e a informaes complementares, indicando no-vos caminhos de pesquisa para o usurio da pgina. Aomesmotempo,oprojetoprevarecuperao,manu-tenoeexposio,quandoadequado,dosdiversosacervos emreasfsicasdiversasdeacordocomasnecessidadesea disponibilidade de cada conjunto documental. O espao vir-tual permite tambm integrar ao Museu, colees particulares nodisponveisparavisitao.Emlevantamentopreliminar identificamosgrandeinteressedeprofessores,ex-alunos,e seus familiares, em integrar ao Museu colees de documen-tos, objetos diversos e fotografias que registram momentos vivi-dos na Faculdade. O trabalho de identificao e descrio des-sas colees deve gerar tambm um arquivo de depoimentos oraisquepoderestaracessvelatravsdapginadoMuseu Virtual. ApropostadoMuseufoidesenvolvidacomoumprojeto deextensodaFaculdadedeMedicinadaUFRJatravsdo LaboratriodeHistria,SadeeSociedade.Neste,eleest integrado com os projetos de pesquisa e as atividades de ensi-44no de graduao e de ps-graduao, gerando demandas para apesquisa;divulgandoosprodutosdepesquisa;eservindo como material didtico para as atividades de ensino. Coeren-te com a proposta, demos a este trabalho o feitio de um relat-rio tcnico que apresenta o desenvolvimento atual do projeto, seus primeiros resultados, e destaca pontos que consideramos relevantes para debate. Apresentamos o trabalho desenvolvido nos 12 meses de de-talhamento e organizao do projeto e nos 24 primeiros meses de funcionamento na rede. DvsvNvo:v:mvN1o v vn:mv:nos nvsc:1nuosO Museu Virtual da Faculdade de Medicina iniciou suas ati-vidadesatravsdapgina em 05 de novembro de 2005, quando da comemorao dos 197 anos do curso mdico da UFRJ.Apresentadasuapropostaumanoantes,nascomemora-esdos196anos,passou-sefasededetalhamentoeim-plantao do projeto. Alm da pgina, o Museu se estrutura no trabalho de vrios grupos que, atravs de projetos de pesquisa e de extenso, organizam e mantm o seu acervo. OMuseuVirtual,espaodinmicodaconstruoepre-servao da memria do ensino mdico na UFRJ, est sendo desenvolvido em trs vertentes e duas etapas. A) As vertentes so:desenvolvimento da pgina; 1. identificao dos diversos documentos que integram o2. acervo permanente do Museu;recuperao de documentos e identificao e organiza- 3. o de novos acervos.B) As etapas so:implantao; 1. expanso e manuteno. 2. 45C) Desenvolvimento da pginaEtapa de implantaoNestaetapa,empresaespecializadadefiniuoweb-design, foramfeitostestesiniciaisdefuncionamentoeimplantadaa pgina, no endereo www.museuvirtual.medicina.ufrj.br , com acesso desde 05 de novembro de 2005. 2A pgina apresenta ao usurio textos de referncia perma-nente: Apresentao do Diretor da Faculdade de Medicina;Sobre o Museu;Histrico.Entradas ao acervo permanente em exibio: Documentos compreendendo documentao do ar- quivo dos sculos XIX e livros; GaleriaVirtualcompreendendoquadros,medalhas,fotografias, esculturas, mobilirio e outros objetos tridi-mensionais. A pgina tambm oferece entrada s exposies de carter temporrioeaumaexposiopermanenteaVisitaVirtual umareconstruovirtualdoprdio-sededaFaculdadede Medicina na Praia Vermelha, que foi derrubado no incio da dcada de 1970. O visitante tambm pode solicitar informaes adicionais, fazercomentrios,etc,atravsdoFaleConosco;encontraro que procura, atravs de instrumento de Busca; e percorrer es-paos correlatos, atravs dos links da pgina. E1nvn uv vxvnNsXo v mnNc1vNXoAt novembro de 2010, est previsto o desdobramento da Visita Virtual, que hoje (2009) uma reconstituio de cunho ilustrativodosespaosdoantigoprdio,utilizandoimagens de vrios momentos entre sua inaugurao em 1918 e 1970. 2 A implantao do Museu Virtual contou com o apoio da Fundao Uni-versitria Jos Bonifcio (FUJB), que forneceu os equipamentos de inform-tica e mquinas fotogrficas.46A recuperao de fotografias antigas e entrevistas com antigos alunos, professores e funcionrios est permitindo reconstituir commaiorrigorosespaosinternosdoprdioprimitivode dois andares, como inaugurado em 1918; e do prdio como estavanadcadade1960.Assim,aVisitaVirtual,almdo impacto emocional que j tem hoje, poder se constituir em documentao adequada para os pesquisadores.Est prevista tambm a incluso de acervo de histria oral que est sendo construdo com as diversas entrevistas que inte-gram os resultados do projeto de pesquisa Ensino mdico no RiodeJaneiro,comfinanciamentodoCNPq,ecomoutros depoimentos de interesse. Estas entrevistas e depoimentos es-tarodisponveis,deacordocomautorizaodosentrevista-dos, como transcries ou atravs de udio. A incluso destes arquivos implica em redefinio da estrutura da pgina.Nos primeiros 60 dias de funcionamento registramos as vi-sitas ao site, compreendendo 667 entradas na pgina inicial; 142noAcervo;112naVisitaVirtual;108emDocumentos; e 107 em fale conosco, alm de consultas em menor nmero aos demais itens.Os resultados da ltima avaliao, do primeiro semestre de 2009,mostramumdesempenhosemelhanteaodoperodo inicial de funcionamento o que revela a necessidade de inter-venes para que a pgina possa atingir seus objetivos.A avaliao do tempo de permanncia nos diversos espaos e a origem das entradas3 permitem concluir que uma mudan-anecessriaadisponibilizaodositeemoutraslinguas alm do portugus. O preparo de verses em ingls, espanhol e francs est sendo realizado e estas entradas devero estar disponveis em janeiro de 2010.Ainclusodenovositensdoacervopoderserviabilizada com a entrada em funcionamento de equipamentos solicitados ao programa de apoio infraestrutura de pesquisa Proinfra/Fi-3 As avaliaes dos registros de entrada so feitos com o uso da ferramenta Google analytics que permite localizao do pas (e cidade) de origem.47nep em 2006 e recebido pela UFRJ em 2009. A identificao e organizao de documentos que devero ser disponibilizados para pesquisa atravs desta pgina foi realizado nos ltimos dois anos graas ao apoio da Faperj atravs de apoios pesquisa e conservao de acervos. Listamos a seguir, resumidamente, os principais conjuntos documentais que devero ser reproduzidos em meio digital e disponibilizados na pgina do Museu Virtual:Livros de Folha de Pagamento (104 volumes) registram a contabilidadedasremuneraesdosfuncionrios.Opri-meirolivrodatade1871eoltimode1933,sendoque dentrodesseperodohmudananoformatododocu-mento.Todostrazemaquantiarecebida,osdescontose impostos cobrados;Livros de Exame (97 volumes) trazem a relao alfabticados alunos, as matrias e o ano das provas realizadas, a ava-liao do aluno e o nome dos professores/examinadores. O perodo que esse material abrange de 1852 a 1954, com cada livro registrando em mdia 25 anos;Livros de Matrcula (52 volumes) - trazem a relao alfab-tica dos alunos matriculados nas disciplinas de cada ano do curso mdico, e alguns registram os resultados dos exames precedentes. O perodo de 1835 a 1933 tendo em mdia 30 anos cada volume;LivrosdeAtas(21volumes) contmasatasproduzidas nas reunies da Congregao da Faculdade de Medicina e nasreuniesdoConselhoDepartamentaldamesma.Seu perodo (pelo menos at agora) fragmentado, abrangendo o livro mais antigo os anos de 1831 a 1839 e o mais recente os anos 1957 a 1961;Livros de Minutas (11 volumes) so resumos de documen- tos tanto internos quanto externos Faculdade de Medicina e tratam de questes ligadas sua administrao. So anu-ais e cobrem o perodo de 1918 a 1928;LivrosdeOfcios(10volumes)soformadosdedocu- mentosinternoseexternoscontendopedidoserespostas 48dediversasinstituiespblicaseprivadaslocalizadasem territrio nacional e do exterior, com contedo variado. O livro mais antigo contm documentos de 1854 a 1864 e o mais recente data de 1928;LivrosdeVestibular(10volumes)possueminformaesgerais sobre os candidatos e sua situao no concurso, in-clusive notas. O perodo de cobertura de 1852 a 1933. Livros de Ttulos e Nomeaes (06 volumes) trazem infor- maes a respeito dos funcionrios da Faculdade de Medi-cina data de admisso, data de falecimento. O mais antigo de 1854 e o mais recente termina em 1937;Livros de Ttulos e Diplomas (05 volumes) - encontramos a titu- lao concedida pela Faculdade de Medicina e a forma como era obtida. Tais livros abrangem o perodo de 1888 a 1937;Livros de Ponto de Funcionrios (04 volumes) registram oshorrios de entrada e sada dos empregados, bem como os seus nomes e a posio que ocupam no quadro da Facul-dade de Medicina. Nesses livros encontramos informaes sobre as faltas dos funcionrios e por vezes seus motivos;LivrosdeCandidatosaCadeiras(03volumes) apontam nomes dos concorrentes aos diversos cargos oferecidos pela Faculdade de Medicina no perodo de 1832 a 1962, bem comosuaconcordnciacomasnormasestabelecidaspor essa instituio para a participao no concurso;Livros de Defesa de Teses (03 volumes) trazem a relao alfabtica dos alunos e o resumo de suas teses defendidas na Faculdade de Medicina no perodo entre 1852 e 1943.LivrosdeEditais(02volumes)trazeminformaesso- breaberturasdeconcursoselicitaespararesponders demandasadministrativasepedaggicasdaFaculdadede Medicina (inclusive construo de novas instalaes) no pe-rodo entre 1866 e 1943;Livros de Portarias e Licenas (02 volumes) - portarias do di- retor da Faculdade de Medicina, e as dispensas dos funcio-nrios com dados como motivo e perodo de afastamento;49Livro de Colao de Grau (01 volume) traz a relao al-fabticadosalunosdoscursosdeFarmciaeObstetrcia que obtiveram seus diplomas entre 1867-1909, bem como a data da colao e as assinaturas dos alunos e do funcion-rio responsvel;Livro de Cartas de Nomeao de Lentes (01 volume) - trazas nomeaes de Lentes (professores) para a Faculdade de Medicina entre os anos de 1854-1926. As nomeaes so sempre realizadas em nome da autoridade maior do territ-rio brasileiro, o Imperador ou autoridade regente at 1889 e o Presidente da Repblica nos anos seguintes;Livro de Parecer (01 volume) traz uma srie de pareceressobre diversos assuntos relacionados Faculdade de Medi-cina publicados entre os anos de 1876 e 1893;Livro de Processos de Alunos (01 volume) traz os nomesdos alunos por nmero de ordem, o dia de entrada do pro-cesso, o assunto a que se refere e seu nmero. Trata-se dos processos abertos entre os anos de 1945 e 1947;Livro de Licena dos Lentes (01 volume) traz em ordem alfabticaosnomesdosprofessoresquepediramlicena, bem como os termos da concesso das mesmas no perodo entre 1933 e 1940;Livro de Clnica Obsttrica (01 volume) traz informaes sobre as pacientes dos alunos do Curso de Clinica Obsttri-ca da Faculdade de Medicina nos anos de 1891 e 1892. As informaes dizem respeito ao nome da paciente, moradia, profisso, estado civil e condies mdicas gerais, alm de um detalhado parecer sobre a situao da gestao, do feto, um quadro de acompanhamento dos batimentos cardacos, descriodotratamentoe,quandoocaso,umparecer sobre o estado de sade do recm nascido, e data de ad-misso e alta do hospital;Livro de Relao de Material (01 volume) traz a relao domaterial adquirido pela Faculdade de Medicina para reali-zao das suas atividades docentes e administrativas no ano 50de 1921. No livro, encontramos discriminados os setores da universidade para onde cada material era destinado.E1nvn uv :mv:nN1nXo:A coNs1:1c:Xo uo ncvnvo Inicialmente, foram objeto de identificao e incorporao aoMuseu:apinacoteca,omobilirio,fotografiaseoutros documentoseobjetospertencentesDireodaFaculdade deMedicina;documentosdoCentrodeDocumentaodas Cincias da Sade (CEDEM); livros e documentos do setor de ObrasRarasdaBibliotecaCentraldoCentrodeCinciasda Sade.4Jforamcadastrados96itens,dosquais15encon-tram-se em exibio. Osdocumentosforamdigitadosapartirdooriginalees-todisponveisemformatopdf(PortableDocumentFormat) permitindo a impresso por parte do usurio. H uma breve explicao a respeito de cada documento e a informao de onde se encontra o original, quando pertencente a acervo que assim o permita. As reprodues fotogrficas de quadros e ob-jetos tambm esto em resoluo que permite boa impresso a partir da pgina. Em relao a cada item h um texto expli-cativo que, para os quadros, inclui breve biografia do retratado e do pintor.E1nvn uv vxvnNsXo v mnNc1vNXoAidentificaoinicialdosretratosaleodediretorese catedrticosdaFaculdadedeMedicinafoifeitaporalunos bolsistas da Escola de Belas Artes da UFRJ coordenados por tcnicoemrestaurao,doHUCFF.Dealgunsretratosno foi possvel ainda estabelecer a autoria e este trabalho deve-renvolverumacolaboraocomprofessoresdaEscolade Belas Artes.4 Este trabalho foi em parte desenvolvido com apoio do CNPq e integrado ao projeto de pesquisa Ensino mdico no Rio de Janeiro. O Centro de Do-cumentao recebeu tambm apoio, em equipamentos, da FUJB.51Est prevista nesta etapa a identificao de acervos de in-teressedireto,pertencentesaoutrasUnidadesdaUFRJea outrasinstituiescomo:SantaCasa;AcademiaNacionalde Medicina, etc.; e a particulares.A exibio desses acervos poder se constituir em base para colaborao permanente entre as instituies, atravs de pro-jetos de pesquisa e outras atividades. Os acervos particulares sero exibidos de acordo com autorizao explcita quanto informaosobreapropriedade,localizaoepossibilidade de visita. Para todas as obras, devero estar disponveis as in-formaes necessrias sua utilizao pelos visitantes da p-gina.Alm da exibio permanente, estaro disponveis a partir de janeiro de 2010, exposies temporrias temticas ou re-ferentes comemorao de datas significativas para a histria da medicina e seu ensino no Brasil. Para a organizao destas exposies devero ser convidados curadores ad hoc.A identificao de acervos e informaes de interesse agre-gado,jdisponveisnaweb,queseconstituememcomple-mento da visita ao Museu atravs de links apropriados ou-tra atividade que dever ser expandida.Aidentificaodenovosacervosumaatividadeperma-nente do Museu Virtual. Para isto, estamos buscando parceria com outras unidades da UFRJ que j desenvolvem esforos im-portantes de preservao da memria institucional como, por exemplo, na rea da sade, a Escola de Enfermagem Ana Nri e o Instituto de Biofsica Carlos Chagas Filho. E, fora da UFRJ, especialmente com a Casa de Oswaldo Cruz, que hoje uma unidade de referncia para a histria das cincias da sade no Brasil.Pvnsvvc1:vnsAexperinciadestesprimeirosanosdefuncionamento trouxe algumas surpresas e informaes cruciais para o plane-jamento das atividades futuras. A ativao da pgina do Museu 52aumentou de forma significativa a demanda por informaes relativas a antigos alunos e professores, por parte de parentes e bigrafos. Esta demanda no prevista tem sido atendida com dificuldade.Planejamos,para2010,terumaequipedebol-sistasdeextensoparamelhoratendimentoaossolicitantes. Outrademandaimportanteequenotemostidocondies deatenderadequadamente,adeex-alunos,professorese funcionrios interessados em doar documentos e objetos para incorporao ao Museu. fundamental que a UFRJ tenha con-dies adequadas para receber acervos importantes para sua histria e que, com as condies atuais, acabam sendo enca-minhados a outras instituies. preciso, portanto, um esforo coordenado para que os projetos se desenvolvam a contento easoportunidadesdefinanciamentosejamotimizadas.Por outro lado, esta experincia inicial tambm nos convenceu de que o acervo deve ser preservado e mantido junto a seus pro-dutores. A existncia da pgina e as atividades a ela relaciona-dastmdespertadonocorpodefuncionrios,professorese alunos da Faculdade de Medicina e outras unidades do CCS, um interesse surpreendente pela histria institucional. E quem se interessa pela histria, se interessa pelo futuro. Aolongodestesquatroanos,tambmnospreocupamos com a avaliao da possibilidade de desenvolvimento de pro-dutos que possam contribuir para assegurar a continuidade do MuseuVirtual.ComoemoutrosMuseus,diversosprodutos, como agendas, calendrios, souvenirs, podero estar venda nas Livrarias da UFRJ e em outros pontos de venda, gerando recursos. A organizao de Associao dos Amigos dos Museus da Sade da UFRJ dever viabilizar estas atividades. Este nos parece um aspecto freqentemente negligenciado em nossos projetos institucionais e que, a nosso ver, merece ser cuidado-samente debatido.53RvvvnINc:nsFERREIRA, Luiz Otvio; FONSECA, Maria Rachel Fres da; EDLER, Flvio. A faculdade de medicina do Rio de Janeiro no sculo XIX: a organizao institucional e os modelos de ensino. In: DANTES, Maria Amlia (Org.). Espaos da Cincia no Brasil 1800-1930. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2001.LOBO, Francisco Bruno. O ensino da medicina no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1969. v.4.MAGALHES, Fernando. O centenrio da faculdade de medicina do Rio de Janeiro, 1832-1932. Rio de Janeiro: Tipografia Barthel, 1932.MAIA, Elias da Silva; CARVALHO, Diana Maul. Memria da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro: a proposta do Museu Virtual. Anais do Museu Histrico Nacional. Rio de Janeiro, n.40, p.519-535, 2008.ROCHA, Glria Walkyria de Ftima. A faculdade de medicina da UFRJ: os sentidos da mudana fsico-espacial da Escola da Praia Vermelha para a Ilha do Fundo. Cadernos Sade Coletiva. Rio de Janeiro, v.13, n.2, p.359-386, 2005.SANTOS FILHO, Lycurgo. Histria geral da medicina brasileira. So Paulo: Hucitec; Edusp, 1991. v.1.55A Fncc:unuv uv FnnmKc:n un UFRJCarlos Rangel Rodrigues1Levy Gomes Ferreira2Maria Rosa Alves Bento Calmo de Freitas 3Mirian Ribeiro Leite 4Suzana Guimares Leito 5As nnIzvs un c:INc:n vnnmncIc1:cnHoje, buscar retratar a Histria da Farmcia, desde os pri-mrdiosdasuaexistncia,seriaalgoqueanossapretenso certamente no alcanaria. Portanto, nos libertamos do enges-samento imposto pela narrativa dos fatos de uma forma line-ar, e adentramos sobre os fatos que julgamos mais relevantes para que possamos compreender a maneira como o ensino de Farmcia,comsuasinmerasreasdeatuao,encontra-se organizado e estruturado nos dias atuais.Mas, ao mesmo tempo, nos sentimos na obrigao de fazer esseresgatehistricodeformabreve,buscando naspalavras de importantes estudiosos do assunto, como Jos Coriolano de Carvalho,CarlosdaSilvaArajoedonossomemorvelpro-fessor Mrio Taveira, primeiro diretor da nossa faculdade que teve a nobre misso de proferir conferncia sobre A Farmcia no Rio de Janeiro em virtude do quadricentenrio de funda-o da Cidade do Rio de Janeiro em 1965. Esse discurso ficou 1Diretor da Faculdade de Farmcia 2Ex-diretor e Professor aposentado da Faculdade de Farmcia3Ex-bibliotecria da Faculdade de Farmcia4Professora da Faculdade de Farmcia5Professora da Faculdade de Farmcia56imortalizadonaobraliterria:QuatroSculosdeCultura. Aliceramos tambm essa narrativa nos escritos de Jos Pedro Sousa Dias - professor associado da Faculdade de Farmcia da Universidade de Lisboa.O primeiro registro histrico sobre a Farmcia refere-se aos estudos de Teofrasto (370- 285 a.C.) cujo primeiro jardim bo-tnico ocidental localizava-se na cidade de Atenas e recebeu oseunome.EssejardimeraligadoaoLiceuondeTeofrasto, hoje considerado pai da botnica, iniciou os estudos cient-ficos das plantas. Ele foi um dos mais brilhantes discpulos de Aristtelesaquemahistrialaureiacomosendoquemmais exerceu o nosso ofcio com brilho e segurana. No entanto, ao discorrersobreaHistriadaFarmcia,necessriomencio-nar Hipcrates de Kos (460- 370 a.C.), filho de Herclides, de quem recebeu a formao mdica bsica.A sua principal contribuio s cincias mdicas foi a cha-madaTeoriadosHumores,dominantenaescoladeKos,se-gundo a qual a vida era mantida pelo equilbrio entre quatro humores: sangue, fleuma, blis amarela e blis negra. As doen-as seriam decorrentes de um desequilbrio entre os humores.OutrapersonalidadeimportantenaHistriadaFarmcia Dioscrides.Elenasceunametadedosculoprimeiroda nossa era. Formado em medicina, acompanhou as legies ro-manas na sia Menor, Itlia, Grcia e Espanha. considerado o fundador da Farmacognosia atravs da sua obra De materia medica nome pelo qual ficou conhecida na sua traduo lati-na. Dioscrides, aps intensa e direta observao das plantas no seu habitat natural e aps realizar experincias cuidadosas sobre o uso das plantas, como aquelas derivadas dos minerais e dos animais, escreveu a referida obra em cinco livros, descre-vendo a preparao, propriedades e ensaios dos frmacos.A sua contribuio foi esquematizar por categoria ou classe e, ento, relacionar o efeito fisiolgico do frmaco no corpo hu-mano. A classificao dos frmacos em funo das semelhanas das propriedades farmacolgicas foi muito sutil, a ponto de no 57sercompreendida.Aocompilaremasuaobra,osseustradu-tores a reorganizaram, colocando os frmacos por ordem alfa-btica, tornando-a ainda mais obscura. A sua obra foi alm da preocupao em classificar os medicamentos: tambm realizou um laborioso estudo sobre os leos, gomas, resinas, ervas, razes e outros com extrema mincia e competncia. Dessasperquirieshistricas,oautornacionalCoriolano retratanasuaobra,DaPharmacia,OrigemeEvoluo,no entender as razes pelas quais Galeno teria sido guindado ao postodepaidaFarmcia,quandonaverdade,asrazeshis-tricasrealamsobremaneiraacontribuiodeTeofrastoe Dioscrides como sendo os que mais verdadeiramente contri-buram para a instaurao do nosso ofcio. D:ssoc:nXo un c:INc:n mvu:cn un vnnmncIc1:cnNo ano de 431 da nossa era, um fato religioso provocou um grande avano nos estudos de medicina e farmcia. Isto se deu porcontadainterpretaodeumapassagemdaEscriturade modo diferente, feito por Nestrio, patriarca de Constantinopla. NoConcliodefeso(431),foicondenadocomoheregepor distinguir a natureza divina e humana de Cristo, negando a ma-ternidade divina de Maria. Isso lhe valeu a deposio pelo Con-clio e em seguida o seu exlio. Os nestorianos foram expulsos do imprio bizantino em 489. Entre os emigrados, contavam-se muitos mdicos e outros homens de cincia, que levaram consi-go grande nmero de obras cientficas em grego. Com os nestorianos, viu-se renascer novamente a medicina cientifica.Osnestorianos,propaladospelaidiadealcanar obemestardoserhumano,separaramaartedecurarem duas a medicina que estudava os enfermos e a farmcia que preparavaosmedicamentos.Decretaramqueomdicono maishaviadeterboticaevenderdrogas,nemaoboticrio se lhe permitia exercer a profisso de mdico. Os nestorianos instituem, ento, um cdigo farmacutico que foi o veio con-58dutor das bases da Farmcia Moderna. Os regulamentos assim o determinavam e assim vem passando, at a nossa gerao.A criao das universidades nasce da necessidade de professo-res e alunos criarem uma estrutura prpria, diferenciada das estru-turas clericais originais, capaz de afirmar os seus direitos e privil-gios. Antes, porm, j havia surgido a Escola de Salerno, que foi o centro da formao mdica na Europa at finais do sculo XII.Porm, a cronologia histrica mostra que a seita dos nestoria-nos j diplomava mdicos e farmacuticos desde o ano de 450, isto , muitos sculos antes de surgirem os mdicos salernitas.A separao de fato entre as duas profisses foi seguida pela separao legal, sendo que o primeiro caso registrado ocorreu em Arles, Frana, onde posturas municipais redigidas em 1162 determinaram a separao das duas profisses.A vnK1:cn un vnnmKc:n Nns NnvsQuando falamos em termos da Farmcia lusitana, o primeiro documento referente profisso farmacutica que se conhece em Portugal um diploma promulgado por D. Afonso IV em 1338 que institua a obrigatoriedade de serem examinados pelos mdi-cos do rei todos os que exerciam os ofcios de mdico,cirurgio e boticrio na cidade de Lisboa. Foi ele tambm que regulamentou a separao entre as profisses mdica e farmacutica. Este do-cumento vedou aos mdicos e cirurgies a preparao de medi-camentos para venda e proibiu qualquer outra pessoa de vender medicamentos compostos ao pblico em localidades onde hou-vesse boticrio. Em contrapartida, os boticrios foram proibidos de aconselhar qualquer medicamento aos doentes.Na segunda metade do sculo XVII surge a Iatroqumica. Foi o primeiro sistema a romper abertamente com o galenismo, remo-delando a farmcia, que se resumia num depsito de ervas, razes e xaropes. Assim, a velha Escola Galnica ameaava ruir ou trans-mutar-se daquela bizarra mistura da polifarmcia romana. O sis-tema iatroqumico se baseava nas substncias fundamentais, mer-crio, enxofre e sais. O desequilbrio entre esses elementos levava 59 manifestao de doenas. Fundamentaram-se na interpretao qumica dos processos fisiolgicos, patolgicos e teraputicos.Foi uma poca de descoberta da qumica fisiolgica e pa-tolgica. Tal fato propiciou a investigao dos segredos da na-tureza e no tardou para que a arte da qumica ultrapassasse emimportnciaasteoriasdeHipcrates.Apsumpassado de glrias e conquistas, a Frana, e com ela as naes latinas, pendiam para as perquiries literrias, filosficas e histricas, estacionando a farmcia e a medicina.Por outro lado, os alemes no tardaram a revelar ao mun-do as grandezas das suas concepes cientficas. A Alemanha tornou-se um imenso campo de pesquisas na rea da qumica eosseusfarmacuticosseespecializaramemramosimpor-tantes desse saber, em proveito da cincia e da indstria. No comeo do sculo XIX, a farmcia era a alma mater da qumica e, hoje, goza dos frutos abenoados desta (Von Meyer).A Europa, em 1807, encontrava-se entrincheirada pelo exrci-to do Imperador Napoleo que, nessa ocasio, decretou bloqueio contraaInglaterra.D.Joo,pressionadopormotivospolticos, viu-se na obrigao de fugir para o Brasil, sabendo que o exrcito francs logo alcanaria a cidade de Lisboa. Comparado a outras naes, Portugal vivia soterrado em uma imensa ignorncia. Sob a tica farmacutica, estavam os lusitanos em visvel inferioridade.NaColnia,ospadresdaCompanhiasedisseminarame iniciaram os seus conhecimentos sobre a arte de curar nas ca-banas dos pajs. Destaque mereceu o padre Anchieta, que se tornou um grande admirador desses filhos da selva. Era claro e notrio que os ndios conheciam mais da arte de curar do que os mdicos portugueses.A v:Nun un vnmI::n nvn: v o vs1nnv:vc:mvN1o uo vs1cuo unvnnmKc:n No Bnns::Com a vinda da famlia real portuguesa para o Brasil, e de passagem pelo estado da Bahia, o prncipe regente D. Joo VI 60funda, em 18 de fevereiro, a Escola de Medicina da Bahia. J instalado no pas, D. Joo cria tambm a Escola de Medicina, Anatomia e Cirurgia do Rio de Janeiro, em 5 de novembro de 1808, cujas comemoraes do bicentenrio do ensino mdico no pas ocorrero no prximo ano.O primeiro laboratrio de anlises qumicas foi criado por D.Jooem1812(chamadodeLaboratrioQumicoPrtico do Rio de Janeiro). Vale ressaltar como fato histrico interes-sante a correlao entre a fuga dos nestorianos que separa a medicina da farmcia, com a fuga de D. Joo, que propiciou o incio da Farmcia no Brasil. Em 22 de janeiro de 1810, foi ela-boradooregimentoparaoscomissriosdelegadosdofsico-mor, a quem competia a incumbncia de examinar as boticas e observar se os medicamentos eram feitos conforme a farma-copia e se produziam efeitos.Um marco histrico para a implantao definitiva do nos-so ofcio em terras nacionais ocorreu em 3 outubro de 1832, quando a regncia instituiu o curso de Farmcia em trs anos junto Faculdade de Medicina. Iniciou assim a vida cientfica da Farmcia em nosso pas e foi a base embrionria da nossa hoje conhecida Faculdade de Farmcia da Universidade Fede-ral do Rio de Janeiro. Ressalta-se que no ano de 1901 ocorreu outro retrocesso, quando o curso de Farmcia passou a ser de dois anos.ComaentradaemvigordaLeiOrgnicadoEnsino,em 1911, foi estabelecida absoluta liberdade de profisso. Para o curso de Farmcia ocorreram algumas vantagens prticas, como a insero de novas disciplinas como a qumica industrial (que nunca havia sido lecionada), qumica analtica, bromatolgica, microbiologia e higiene, dotando os estudantes com conceitos mais slidos e semelhantes aos pases mais avanados. Propi-ciou tambm um aumento fantstico no nmero de Faculda-des de Farmcia.Outro marco importante na histria da Farmcia no Brasil foi a inaugurao, em 20 de janeiro de 1916, da Associao 61Brasileira de Farmacuticos (ABF), qual se deve grande n-mero de conquistas que resultaram em grande progresso para a classe farmacutica no pas. Dentre as inmeras contribuies, deve-se citar o patrocnio da aprovao da primeira edio da Farmacopia Brasileira, organizada por seu ex-presidente Ro-dolpho Albino Dias da Silva, a edio da Revista Brasileira de Farmcia, cuja primeira edio foi lanada em 1920, a legis-lao profissional e as iniciativas para a criao dos Conselhos Federal e Regionais de Farmcia e participaes nas reformas de ensino da Farmcia.No governo de Artur Bernardes, em 1925, o curso de Far-mcia passou a ser lecionado em quatro anos e criou-se a ca-deira de Qumica Biolgica. Essa reforma foi elaborada por Ju-venil da Rocha Vaz, reitor da Universidade do Rio de Janeiro, hoje a nossa UFRJ. Essa reforma durou apenas seis anos e, no Regime do Estado Novo de Getlio Vargas, o curso de Farm-cia voltou a ter trs anos e mudou sua denominao de curso pa