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Unidade 15
Nesta unidade, introduziremos alguns tipos de números primos especiais
famosos.
O primeiro resultado relaciona-se com os números conhecidos como números
de Fermat em homenagem a Pierre de Fermat (1601-1665), jurista francês que
apesar de ter se dedicado à matemática como amador foi um grande matemático
de seu tempo. Após Euclides e Eratóstenes, Fermat pode ser considerado o
primeiro matemático a contribuir para o desenvolvimento da Teoria dos Números
do ponto de vista teórico. Muitos dos resultados e problemas deixados por
Fermat motivaram o extraordinário avanço da Matemática.
O segundo resultado diz respeito aos chamados números de Mersenne, assim
denominados em homenagem ao padre Marin Mersenne, contemporâneo de
Fermat, e que desempenhou papel importante na difusão da ciência, e em
particular da matemática, de seu tempo através de sua extensa correspondência
com os maiores cientistas da época.
Em seguida, enunciamos um famoso e profundo teorema sobre números
primos em progressões aritméticas, devido ao grande matemático do século XIX,
J. P. G. Lejeune Dirichlet, mas que, por ora, só provaremos em duas situações
muito simples, voltando a abordar outros casos particulares mais adiante.
Proposição 1 Sejam a e n números naturais maiores do que 1. Se an + 1 é primo, então
a é par e n = 2m, com m ∈ N.
Demonstração Suponhamos que an + 1 seja primo, onde a > 1 e n > 1. Logo, a tem
que ser par, pois, caso contrário, an + 1 seria par e maior do que dois, o que
contraria o fato de ser primo.
Se n tivesse um divisor primo p diferente de 2, teríamos n = n′p com n′ ∈ N.Portanto, pela Proposição 7 da Unidade 1, an
′+ 1 dividiria (an
′)p + 1 = an + 1,
contradizendo o fato desse último número ser primo. Isto implica que n é da
forma 2m.
Os números de Fermat são os números da forma
Fn = 22n + 1.
Em 1640, Fermat escreveu em uma de suas cartas a Mersenne que achava
que esses números eram todos primos. De fato, F1 = 5, F2 = 17, F3 =
2
Unidade 15Primos de Fermat e de Mersenne
257, F4 = 65537 são primos, mas não se sabe se havia outro motivo para que
Fermat achasse que todos os números dessa forma fossem primos.
Em 1732, Leonhard Euler mostrou que
F5 = 225 + 1 = 4.294.967.297 = 641 · 6700417,
portanto, composto, desmentindo assim a a�rmação de Fermat.
Os números de Fermat primos são chamados de primos de Fermat.
Até hoje, não se sabe se existem outros primos de Fermat além dos quatro
primeiros. Conjecturou-se (Hardy e Wright) que os primos de Fermat são em
número �nito.
Um resultado que já provamos acerca desses números, Corolário da Propo-
sição 6 da Unidade 10, é o seguinte:
(Fn, Fm) = 1, se n 6= m.
Note que esse resultado nos fornece uma outra prova de que existem in�nitos
números primos, pois cada número de Fermat tem pelo menos um divisor primo
e esses divisores primos são todos distintos.
O resultado que se segue relaciona-se com outros números primos também
famosos.
Proposição 2Sejam a e n números naturais maiores do que 1. Se an− 1 é primo, então
a = 2 e n é primo.
DemonstraçãoSuponhamos que an − 1 seja primo, com a > 1 e n > 1.
Suponhamos, por absurdo, que a > 2. Logo, a − 1 > 1 e a − 1 | an − 1
(Proposição 6 da Unidade 1), e, portanto, an − 1 não é primo, contradição.
Consequentemente, a = 2.
Por outro lado, suponha, por absurdo, que n não é primo. Temos que
n = rs com r > 1 e s > 1. Como 2r−1 divide (2r)s−1 = 2n−1 (novamente,
pela Proposição 6 da Unidade 1), segue que 2n − 1 não é primo, contradição.
Logo, n é primo.
Os números de Mersenne são os números da forma
3
Unidade 15
Mp = 2p − 1,
onde p é um número primo.
No intervalo 2 ≤ p ≤ 5000 os números de Mersenne que são primos,
chamados de primos de Mersenne, correspondem aos seguintes valores de p:
2, 3, 5, 7, 13, 19, 31, 61, 89, 107, 127, 521, 607, 1 279, 2 203, 2 281, 3 217,
4 253 e 4 423. Até o presente momento, o maior primo de Mersenne conhecido
é M43 112 609, descoberto em agosto de 2008 e que possui no sistema decimal
12 978 189 dígitos.
Enunciaremos a seguir, sem demonstração, um resultado profundo devido
ao matemático alemão do século dezenove Johann P. G. Lejeune Dirichlet:
Teorema 3Dirichlet
Em uma PA de números naturais, com primeiro termo e razão primos entre
si, existem in�nitos números primos.
A demonstração deste resultado é bem difícil e pertence à teoria analítica dos
números. Nos limitaremos a demonstrar alguns casos particulares de teorema.
O primeiro caso particular é o seguinte:
Proposição 4 Na progressão aritmética 3, 7, 11, 15, . . . , 4n + 3, . . . existem in�nitos
números primos.
Demonstração Trata-se de mostrar que os números primos da forma 4n+ 3 são em quan-
tidade in�nita.
Inicialmente, note que todo primo ímpar é da forma 4n+ 1 ou 4n+ 3.
Em seguida, observemos que o conjunto Λ = {4n + 1; n ∈ N} é fechado
multiplicativamente. De fato,
(4n+ 1)(4n′ + 1) = 4(4nn′ + n+ n′) + 1.
Suponhamos agora, por absurdo, que haja apenas um número �nito de nú-
meros primos p1 < · · · < pk da forma 4n + 3. Considere o número a = 4(p1 ·p2 · · · pk) + 3, este não é divisível por nenhum dos números primos 3, p1, . . . , pk
e, portanto, sua decomposição em fatores primo só pode conter primos da forma
4
Unidade 15Primos de Fermat e de Mersenne
4n + 1. Consequentemente, a é da forma 4n + 1, o que é uma contradição,
pois é da forma 4n+ 3.
Mostrar que existem in�nitos primos da forma 4n+1 é um pouco mais sutil
e será provado a seguir.
Antes, porém, provaremos um lema que será necessário para a prova do
resultado.
Lema 5Seja x ∈ N, com x ≥ 2. Todo divisor ímpar de x2 + 1 é da forma 4n+ 1.
DemonstraçãoInicialmente, provaremos que todo divisor primo p 6= 2 de x2 + 1 é da
forma 4n+ 1. O resultado, em geral, seguirá disso, pois provamos no decorrer
da demonstração da Proposição 3 que conjunto Λ = {4n+1; n ∈ N} é fechadomultiplicativamente.
Suponhamos, então, que p | x2 + 1, com p primo maior do que 2. Temos
que (p− 1)/2 ∈ N e, para algum λ ∈ N, que x2 + 1 = λp. Consequentemente,
x2 = λp− 1.
Elevando à potência (p− 1)/2 ambos os lados da igualdade acima, temos,
para alguns µ, µ′ ∈ N, que (pela fórmula do binômio de Newton)
xp−1 = (x2)p−12 = (λp− 1)
p−12 =
µp+ 1, se p−1
2é par
µ′p− 1, se p−12
é ímpar
Se
xp−1 = µ′p− 1,
subtraindo 1 de ambos os lado, teríamos que
xp−1 − 1 = µ′p− 2. (15.1)
Como p | x2 +1, segue que p - x (justi�que!). Logo, pelo Pequeno Teorema
de Fermat, temos que p | xp−1 − 1 e, consequentemente, por (15.1) p | 2, o
que é uma contradição.
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Unidade 15
Portanto, a única alternativa possível é quep− 1
2seja par, o que implica
que p é da forma 4n+ 1.
Proposição 6 Na progressão aritmética 1, 5, 9, 13, 17, . . . , 4n + 1, . . . existem in�nitos
números primos.
Demonstração Suponha, por absurdo, que haja um número �nito p1, . . . , pk de primos da
forma 4n+ 1. Considere o número
a = 4p21 · · · p2k + 1.
Como pi - a, para todo i = 1, . . . , k, segue que todo divisor primo de a é
da forma 4n+ 3, o que é um absurdo, em vista do Lema 1.
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Unidade 15Primos de Fermat e de Mersenne
Problemas
1. Mostre que todo divisor de um número de Fermat Fn é da forma 4m+ 1.
2. Se p e q são dois números primos distintos, mostre que
(Mp,Mq) = 1.
3. Sejam dados n,m ∈ N,
(a) Mostre que, se m < n, então Fm | Fn − 2.
(b) Dê uma outra prova para: (Fn, Fm) = 1, se n 6= m.
4. Mostre que existem in�nitos números primos da forma 6n+ 5.
5. Mostre que existem in�nitos números primos da forma 3n+ 2.
6. Seja pn o n-ésimo número primo. Mostre que pn ≤ 22n−2+ 1.
7. Considere a sequência de Fibonacci (un). Mostre que, se n é ímpar, então
os divisores ímpares de un são da forma 4k + 1.
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Unidade 16
Os números como 6 e 28, com a propriedade de serem iguais à metade da
soma de seus divisores, tiveram o poder de fascinar os gregos antigos, que os
chamaram de números perfeitos.
Até a Idade Média, conheciam-se apenas os seguintes números perfeitos: 6,
28, 496, 8 128 e 33 550 336.
Atualmente, conhecem-se mais alguns números perfeitos. Um fato curioso
é que todos os números perfeitos conhecidos são pares. Não se sabe nada sobre
a existência ou não de números perfeitos ímpares.
Seja n um número natural. Denotemos por S(n) a soma de todos os seus
divisores. Note que S(1) = 1.
O próximo resultado nos fornecerá uma fórmula para S(n), quando n ≥ 2,
em função da decomposição de n em fatores primos.
Proposição 1 Seja n = pα11 · · · pαr
r , onde p1, . . . , pr são números primos e α1, . . . , αr ∈ N.
Então,
S(n) =pα1+11 − 1
p1 − 1· · · p
αr+1r − 1
pr − 1.
Demonstração Considere a igualdade
(1 + p1 + · · ·+ pα11 ) · · · (1 + pr + · · ·+ pαr
r ) =∑
pβ11 · · · pβrr ,
onde o somatório do lado direito da igualdade é tomado sobre todas as r-uplas
(β1, . . . , βr) ao variar de cada βi no intervalo 0 ≤ βi ≤ αi, para i = 0, . . . , r.
Como tal somatório, pela Proposição 5 da Unidade 12, representa a soma de
todos os divisores de n, a fórmula para S(n) resulta aplicando a fórmula da
soma de uma progressão geométrica a cada soma do lado esquerdo da igualdade
acima.
Segue-se imediatamente do resultado acima, o seguinte corolário.
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Unidade 16Números Perfeitos
Corolário 2A função S(n) é multiplicativa; isto é, se (n,m) = 1, então S(n ·m) =
S(n)S(m).
Exemplo 1
S(3) =22 − 1
2− 1= 4.
S(6) = S(2 · 3) = 22 − 1
2− 1
32 − 1
3− 1= 12.
S(18) = S(2 · 32) = 22 − 1
2− 1
33 − 1
3− 1= 39.
S(28) = S(22 · 7) = 23 − 1
2− 1
72 − 1
7− 1= 56.
S(45) = S(32 · 5) = 33 − 1
3− 1
52 − 1
5− 1= 78.
Note que S(18) = 39 6= 48 = S(3)S(6); e, portanto, a conclusão do
corolário acima não vale se (n,m) 6= 1.
Portanto, de�nindo formalmente: um número n é chamado de número per-
feito se o número é igual à soma dos seus divisores distintos dele mesmo, ou
seja, se S(n) = 2n.
O teorema que enunciaremos abaixo, parte devida a Euclides e parte devida a
Euler, caracterizará os números perfeitos pares, relacionando-os com os números
de Mersenne de�nidos na unidade anterior. Antes, porém, daremos um pequeno
lema.
Lema 3Seja n ∈ N. Tem-se que S(n) = n + 1 se, e somente se, n é um número
primo.
DemonstraçãoSe S(n) = n+ 1, segue-se que n > 1 e que os únicos divisores de n são 1
e n; logo, n é primo.
Reciprocamente, se n é primo, da Proposição 1, segue-se que
S(n) =n2 − 1
n− 1= n+ 1.
3
Unidade 16
Teorema 4Euclides-Euler
Um número natural n é um número perfeito par se, e somente se,
n = 2p−1(2p − 1), onde 2p − 1 é um primo de Mersenne.
Demonstração Suponha que n = 2p−1(2p − 1), onde 2p − 1 é um primo de Mersenne.
Logo, p > 1, e, consequentemente, n é par.
Como 2p − 1 é ímpar, temos que (2p−1, 2p − 1) = 1. Logo, da Proposição
1, do seu corolário e do Lema 1, segue-se que
S(n) = S(2p−1(2p − 1)) = S(2p−1)S(2p − 1) =2p − 1
2− 12p = 2n.
Portanto, n é perfeito.
Reciprocamente, suponha que n é perfeito e par. Seja 2p−1 a maior potência
de 2 que divide n. Logo, p > 1 e n = 2p−1b com b ímpar. Temos, então, que
(2p−1, b) = 1 e, pela Proposição 1 e o seu corolário, segue-se que S(n) =
(2p − 1)S(b). Como S(n) = 2n, segue-se que
(2p − 1)S(b) = 2pb. (16.1)
Daí segue-se que (2p − 1)|b pois (2p, 2p − 1) = 1. Logo, existe c ∈ N com
c < b tal que
b = c(2p − 1). (16.2)
Substituindo (16.2) em (16.1), segue-se que
(2p − 1)S(b) = 2p(2p − 1)c;
portanto,
S(b) = 2pc. (16.3)
De (16.2) temos que c e b são dois divisores distintos de b tais que c+b = 2pc.
Nesta situação, c = 1. De fato, suponha, por absurdo, que c 6= 1. Temos,
então, que S(b) ≥ 1 + c+ b > c+ b = 2pc. Disto e de (16.3) segue-se que
2pc = c+ b < S(b) = 2pc,
4
Unidade 16Números Perfeitos
contradição.
Portanto, de (16.2) e (16.3) segue-se que S(b) = b + 1. Logo, pelo Lema
1, b é primo. Temos, assim, que n = 2p−1(2p − 1) com 2p − 1 primo.
A primeira parte da demonstração do teorema acima, sem dúvida a mais
fácil, já se encontra nos Elementos de Euclides (Proposição 36, livro IX). A
recíproca data do século 18 e é devida a Euler. O fato do número 2p − 1,
no enunciado do teorema, ser um número primo de Mersenne, implica que
p é primo. Note, ainda, que o teorema reduz a existência ou não de um
número in�nito de números perfeitos pares ao problema análogo para primos de
Mersenne.
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